Teoria da amotio ou apprehensio: rompimento de obstáculo e princípio da insignificância

September 10, 2017 | Autor: J. Mendonça | Categoria: Direito Penal, Sociologia Juridica E Direito Penal
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Teoria da amotio ou apprehensio: rompimento de obstáculo e princípio da insignificância

Resumo: análise da aplicação implícita da teoria amotio ou apprehensio e a utilização do princípio da insignificância na qualificadora "rompimento de obstáculo" no crime de furto e o critério temporal considerado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Descreve-se as doutrinas da i) teoria da amotio e o âmbito de sua aplicação, ii) qualificadora do rompimento de obstáculo. Ainda, propõe a aplicação de um método que tem a pretensão de buscar tanto uma estabilidade quando pretende dar uma resposta satisfatória e de prever possíveis rumos do objeto de estudo com a crítica pertinente as possibilidades contextuais na construção de um saber de Ciência do Direito Penal e da definição operacional do fato punível. Para isto, aplica-se uma linguagem simples, direta, com a indicação bibliográfica com fontes na literatura jurídica e duas decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal sobre dois institutos comum a essas decisões (rompimento de obstáculo e princípio da insignificância).

Analisa-se a teoria da amotio ou apprehensio aplicada ao momento (critério temporal) da consumação da qualificadora do rompimento de obstáculo do crime de furto (artigo 155, § 4º, I, do Código Penal) em dois arestos do Supremo Tribunal Federal.
Aplica-se o método descrito de Schmidt (2007, p. 4-7) no contexto da busca por uma estabilidade, quando pretende dar uma resposta satisfatória e de prever os possíveis rumos de seu objeto de estudo, adotando que "tanto o delito juridicamente estabelecido como as decisões (lato sensu) que o regulam possuem uma significação prévia (social, política, econômica, etc.) consubstanciada no processo criminalizador em toda a sua dimensão", ao qual o autor denomina esse substrato material de contexto cultural-penal para "representar a concreção formal e informal produzida pelo poder punitivo e que, em alguma medida, estabelece limites e rumos para a (re)construção constante do Direito Penal". Busca-se definições operacionais para o fato punível na (re)construção de um critério temporal.
Santos (2014, p. 109) doutrina que o furto é classificado pelo resultado, ou seja, segundo a relação entre ação e resultado, "com separação espaço-temporal entre ação e resultado, ligados por relação de causalidade".
No tipo doloso de resultado, a atribuição do tipo objetivo, pressupõem-se dois momentos essenciais: i) a causação do resultado, determinação causal, ii) imputação do resultado, critério da realização do risco. Sendo a reconstrução no tipo objetivo analítica, deve-se i) determinar a relação de causalidade entre ação e resultado, ii) definir o resultado como realização do risco criado pelo autor. O processo de imputação do resultado tem como critério a realização do risco no postulado da teoria da elevação do risco (Riskoerhöhungslehre) de Roxin, sendo este o critério de atribuição do tipo objetivo – concordantes: Burgstaller, Rudolphi, Schunemann, Stratenwerth, Wolter (apud SANTOS, 2014, p. 116).
Realizado o processo de imputação objetiva do resultado, necessário determinar o critério temporal para a consumação do resultado típico.
A posição de Conde (1988, p. 178-9) para a consumação é a que ocorre no momento da produção do resultado lesivo. Conde separa a consumação em formal e material. "Consumação é a plena realização do tipo em todos os seus elementos". Os delitos podem ter consumação antecipada (delitos de intenção, delitos de perigo). Para a consumação material/exaurimento do delito, "[...] em que o autor não só realiza todos os elementos típicos, mas também consegue satisfazer a intenção que perseguia". E, salienta que "[...] a consumação material está além das previsões típicas, carece de relevância jurídico-penal". Por vezes o legislador poderá fazer coincidir a consumação formal e material, v. g., extorsão, extorsão mediante sequestro, moeda falsa – exemplificam os tradutores, no âmbito da legislação doméstica.
No âmbito do furto, Bitencourt (2014, p. 696) destaca três orientações distintas para a consumação: a) suficiência do deslocamento da coisa, não importando se sair da esfera de vigilância da vítima; b) sair da esfera de vigilância da vítima; c) posse tranquila, mesmo que por breve momento. Doutrina que a inversão ilícita caracteriza a consumação, mesmo que momentaneamente, considerando o conceito de flagrante contido no artigo 302, IV, do Código de Processo Penal.
Noronha (1979, p. 235-6) salienta que o apossamento tem seu critério determinado pela saída da esfera da atividade da vítima (não mais possível exercer atos de posse) e não o lugar. Por sua doutrina, diz que em regra, não se consuma enquanto não sai do lugar onde a vítima desenvolve sua atividade, "mas isso não é condição absoluta". "Para se dar o apossamento é preciso, portanto, que o agente vença ou suprima todas as circunstâncias de fato, que, no seu conjunto, constituem a esfera de atividade do lesado".
O Supremo Tribunal Federal, através da 2ª Turma, nos Habeas Corpus n. 109.609/MG, j. 27.09.2011 (Informativo n. 642), 109.363/MG, j. 11.10.2011 (Informativo n. 644), aplicou implicitamente referida teoria nos temas "princípio da insignificância e rompimento de obstáculo".
No writ (i) 109.609/MG, restou assim informado:

"A 2ª Turma denegou habeas corpus em que requerida a aplicação do princípio da insignificância em favor de condenado por crime de furto qualificado com rompimento de obstáculo (CP: "Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. ... § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa").
Na espécie, a defesa sustentava a atipicidade material da conduta, haja vista que a res furtiva fora avaliada em R$ 220,00.
Na linha da jurisprudência firmada pela 2ª Turma, ratificou-se a inviabilidade da incidência do referido postulado aos delitos contra o patrimônio praticados mediante ruptura de barreira".

No writ (ii) 109.363/MG, restou assim informado:

"A 2ª Turma concedeu habeas corpus para aplicar o postulado da insignificância em favor de condenado pela prática do crime de furto qualificado mediante ruptura de barreira (CP: "Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: ... § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa"), a fim de cassar sua condenação.
Na espécie, o paciente pulara muro, subtraíra 1 carrinho de mão e 2 portais de madeira (avaliados em R$ 180,00) e, para se evadir do local, arrombara cadeado. Decorrido algum tempo, quando ainda transitava na rua, a polícia militar fora acionada e lograra êxito na apreensão dele e na devolução dos bens furtados à vítima.
Inicialmente, consignou-se que não houvera rompimento de obstáculo para adentrar o local do crime, mas apenas para sair deste, o que não denotaria tamanha gravidade da conduta. Na seqüência, salientaram-se a primariedade do paciente e a ambiência de amadorismo para a consecução do delito. Assim, concluiu-se que a prática perpetrada não seria materialmente típica, porquanto presentes as diretivas para incidência do princípio colimado: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada".

Na analise destes arestos, o critério utilizado pelo Supremo para a aplicação da qualificadora do furto foi o momento do rompimento de obstáculo para o agente ter em seu poder/domínio a posse da coisa: (i) rompimento de obstáculo anterior a posse e (ii) rompimento de obstáculo posterior a posse.
Para a 2ª Turma, o rompimento de obstáculo (i) anterior a posse, não é cabível o princípio da insignificância pela incidência da qualificadora, (ii) posterior a posse, é cabível o princípio da insignificância pela não incidência da qualificadora somadas aos pressupostos daquele.
No HC 109.363/MG, a 2ª Turma consignou que o rompimento ocorreu apenas para sair do local do crime, e que, por isso "não denotaria tamanha gravidade da conduta", somadas à primariedade do agente e à ambiência de amadorismo, seria aplicável o princípio da insignificância.
Ainda neste writ 109.363/MG, quando descreve o contexto fático do estado de flagrância – "Decorrido algum tempo, quando ainda transitava na rua, a polícia militar fora acionada e lograra êxito na apreensão dele e na devolução dos bens furtados à vítima" –, está claramente aplicando a doutrina de Bitencourt (2014, p. 696) quando salienta a ocorrência da consumação, mesmo momentaneamente, evidenciando o caso do artigo 302, IV, do Código de Processo Penal, para a flagrância. Há conjugação e diálogo das fontes no preenchimento do tipo objetivo (consumação) com a flagrância (perseguindo após o cometimento). Esse diálogo teve o condão de implicar e influenciar, necessariamente, na absorção do dano pelo rompimento no furto, e este, por ter sido recuperada a coisa subtraída, a atipicidade material.
Não se vislumbra a aplicação explícita da teoria da amotio pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, pois se centrou no momento (antes/posterior) da posse, não sendo relevante a passividade ou não da posse pelo agente, mas o seu domínio sobre a posse. No entanto, no writ 109.363/MG, a 2ª Turma considerou não ter havido o rompimento, consequentemente, qualquer dano seria post facto impunível material.
O critério temporal, portanto, aplicado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal para a consumação do furto é a implicação que a ação do agente provoca na esfera do domínio do proprietário, que não mais detém a coisa para seu exercício, sendo que, subtraída a coisa, o rompimento de obstáculo posterior não o qualifica, pois o agente já está na posse, tendo realizado a ação descrita no tipo objetivo. Ainda, como no writ 109.363/MG, a ação do agente foi insignificante, atendido os pressupostos do princípio da insignificância, o que implicou a atipicidade material.
Ao se analisar a postura da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal com o método proposto, a conclusão a que se chega, é:
i) há aplicação (ao menos timidamente) de um sistema aberto, no e com o Direito Penal a partir de um saber prévio, mas dialogando com a dimensão/substrato material na (re)construção constante tanto do Direito Penal, quanto contribuindo na possibilidade de estabilidade, ainda carentes e incoerentes com o regime democrático;
ii) as normas penais carecem de definição e certeza, tendo, muitas vezes, tendo o último órgão do Poder Judiciário de analisar e controlar o fluxo de linguagem, revelando a incerteza e instabilidade nas e das instâncias inferiores quanto à aplicação dos critérios, tais como o investigado, talvez pela:
ii.1) não adoção explícitas de postulados teóricos, v. g., da teoria da amotio, da aplicação da teoria da imputação objetiva,
ii.2) ausência de racionalidade na aplicação/interpretação da doutrina, revelando mais uma preocupação em resolver os casos práticos que assumir o papel prospectivo de orientação aos casos futuros;
iii) a crise de paradigma no Direito Penal brasileiro com e após o regime de exceção e a Constituição Federal de 1988, aclara e revela:
iii.1) a tímida passagem de um sistema fechado para um sistema aberto;
iii.2) a não explicitude da adoção da teoria da amotio, deixando o discurso no plano da inferência;
iii.3) que o rompimento no furto, por ser qualificadora, é estratégia de política criminal, considerado como atos violentos, impedindo e neutralizando, inclusive o princípio da insignificância; e,
iv) quanto ao princípio da insignificância em conexão com a teoria da imputação objetiva considerando a realização do risco no postulado da teoria da elevação do risco, não há explicitude sobre o deslocamento do risco criado para o risco produzido, perdendo oportunidade a 2ª Turma em explicitar essa aplicação, a definir tanto o primeiro momento da imputação objetiva, quanto o segundo momento do deslocamento do risco ser ou não relevante.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Tradução de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1979. v. 2.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 6. ed. Curitiba: ICPC, 2014.

SCHMIDT, Andrei Zenkner. O método do direito penal sob uma perspectiva interdisciplinar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 1.



Publicado em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.52101. Acesso: 17.01.2015.
Em Santos (2014, p. 72), "definições operacionais mostram o fato punível como conceito analítico estruturado pelos componentes do tipo de injusto e da culpabilidade – por exemplo, o homicídio como injusta produção da morte de alguém por um autor culpável". E salienta que "a ciência do Direito Penal preocupa-se especialmente com definições operacionais de fato punível – também denominadas definições analíticas do crime – capazes de indicar os pressupostos de punibilidade das ações descritas na lei penal como crimes, de funcionar como critério de racionalidade da jurisprudência criminal e, acima de tudo, de contribuir para a segurança jurídica do cidadão no Estado Democrático de Direito".
Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 410) doutrinam que o tipo doloso implica sempre a causação de um resultado (aspecto externo), mas também se caracteriza pela vontade de sua causação (aspecto interno). Neste artigo, a análise cinge-se no aspecto externo, ou seja, essa causação de um resultado sob o aspecto externo é chamada de tipo objetivo.



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