Teoria das Organizações Internacionais (Ricardo Seitenfus

October 8, 2017 | Autor: Ana Paula | Categoria: Direito
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Teoria das Organizações Internacionais (Ricardo Seitenfus)

Primeiro passo da organização da sociedade internacional: acordos bilaterais, respondendo a interesses específicos dos países contratantes.
Segundo passo da organização da sociedade internacional: multilateralismo (três ou mais Estados trabalhando por fins comuns). Conferências se tornaram frequentes, surgindo um embrião de institucionalização em razão desta regularidade, pela necessidade de organização (infraestrutura e regramento) do encontro e de memória do que foi decidido (secretariado).
Três principais características das organizações internacionais:
- Multilateralismo: regionalismo ou universalismo. O regionalismo caracteriza-se por objetivos e princípios mais restritos e pela discriminação de seus sócios por suas características (localização, organização política, etc.). O acordo universalista condiciona os regionais passados e futuros.
- Permanência: objetivo de duração indefinida, embora os Estados possam dela desligar-se isolada ou conjuntamente. A permanência também se expressa pela criação de um Secretariado, com sede fixa e personalidade jurídica internacional, que lhe confere inviolabilidade diplomática.
- Institucionalização: previsibilidade das situações, gerando um espaço de resolução de conflitos (maior grau de segurança e justiça nas decisões) + soberania (dimensionamento coletivo de competências) + submissão do Estado que adere à organização aos seus processos decisórios.
A mais simplista forma de institucionalização é um secretariado administrativo e a mais complexa é a delegação de competências a um órgão supraestatal.
Tratado de OI: formalmente, um acordo; materialmente, um acordo e uma Constituição.
Definição
O tratado constitutivo estabelece sua criação e seu funcionamento, bem como os direitos e deveres dos Estados membros em suas relações recíprocas.
Outra definição que foca num vontade independente da OI: associação voluntária de Estados, constituída através de um tratado que prevê um aparelhamento institucional permanente e uma personalidade jurídica distinta dos Estados que a compõem, com o objetivo de buscar interesses comuns, através da cooperação entre seus membros.
Elementos constitutivos
Constituição por tratado internacional.
Estabelecimento de órgãos permanentes.
Sujeitos mediatos ou secundários da ordem jurídica internacional.
Interesses comuns.
Liberdades de associação.
Membros originários e membros ordinários ou associados.
Enfoques dos estudos das organizações internacionais
A compreensão do ambiente internacional, formado pelas formas transnacionais privadas, pelas ONGs e pelas OIs, é indispensável para o entendimento dos fenômenos internos dos Estados, já que a manutenção da paz e a busca do desenvolvimento econômico e social depende delas.
As OIs não são mero apêndice do direito internacional público, mas influenciam em vários ramos das Ciências Sociais. Não podem, pois, ser estudados por seu aspecto meramente jurídico.
Além do texto constitutivo das OIs, devem-se considerar as interpretações fornecidas pelos órgãos da estrutura das OIs, pautadas por considerações de caráter político, baseando-se no método histórico, capaz de demonstrar os fatores que diferenciam e hierarquizam os Países.
Classificação das Organizações Internacionais
A classificação segundo a natureza
Perseguem objetivos políticos: enfrentam questões essencialmente conflitivas, objetivando a manutenção da paz e da segurança internacionais. O Estado deve seguir certas normas de convívio internacional. Têm caráter preventivo e saneador. Ex.: ONU, OEA, OUA.
Perseguem cooperação técnica: visam aproximar posições e tomar iniciativas conjuntas em áreas específicas. Ex.: OMS, FAO, UNESCO, OIT.
A classificação segundo suas funções
Instrumentos utilizados para alcançar seus objetivos.
Existem aquelas que não recebem delegação de competência dos Estados-membros (OIs de concertação). Formas de regulação da sociedade internacional:
- Aproximação de posições dos países membros, por meio de diplomacia e negociações abertas. Ex.: OMC, OCDE, Conselho da Europa.
- Normas comuns de comportamento. Ex.: questões trabalhistas, saúde pública.
- Ações operacionais. Ex.: solução urgente de crises nacionais e internacionais, pesquisas conjuntas, etc.
- Gestão: prestação de serviços aos Estados membros. Ex.: BIRD, FMI.
A classificação segundo a estrutura de poder
Classificação segundo a forma de tomada de decisão.
As regras do processo de tomada de decisões
Unanimidade e consenso:
Vantagem: legitimidade da decisão e boas possibilidades de eficácia.
Inconveniente: paralisia das instituições internacionais devido à extrema dificuldade de alcance da unanimidade, gerando grande esforço de negociações muitas vezes inexitosas.
Unanimidade fracionada: acordos parciais que vinculam apenas os Estados que votaram favoravelmente.
Unanimidade limitada: pode-se ter um resultado unânime na ausência ou abstenção de um dos membros, desde que este não vete a decisão (ex.: CS da ONU).
Unanimidade formal: consenso definido como ausência de objeção. Não havendo contrariedade expressa, existe unanimidade.
Modalidades de consenso apresentadas pela Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE – 1992):
- Consenso menos um: um dos Estados-membro pode não executar em seu território uma decisão não aceita por ele.
- Consenso menos dois: num litigio entre dois Estados, ainda que ambos não concordem com a decisão, esta será aplicada, pois a parcialidade em que estes se encontram fundamenta a desconsideração de suas vontades.
A escolha de uma ou outra regra será crucial para a definição do perfil da OI.
Maioria:
Maioria quantitativa: cada Estado tem um voto, determinando-se o quórum necessário para as deliberações. Na OIT, cada Estado tem 4 votos (2 de governo + 1 patronal + 1 dos trabalhadores).
Maioria qualitativa: os membros são diferenciados segundo critérios próprios a cada OI.
Maioria mista: exige uma dupla maioria (quantitativa e qualitativa). Ex.: CS da ONU: exige 2/3 dos membros, mas dentre estes, devem estar os 5 membros permanentes.
Os procedimentos
Com a introdução da diplomacia parlamentar, ficou afastada a possibilidade de voto, cláusula ou reserva secretos, considerados grande causa de conflitos bélicos. A discussão e votação aberta, além de conceder transparência, permite que o processo decisório seja influenciado pela opinião pública.
Alguns Estados costumam ajustar previamente seus votos, como forma de fortalecimento. Ex.: G7.
A direção
Os órgãos permanentes, como o Secretariado, no caso da ONU, podem ser dotados de poder para direcionar a tomada de decisões. No caso da ONU, tem iniciativa para reunir o CS.
A classificação segundo sua composição
Critérios para discriminação dos países que a integram e de escolha dos temas de preocupação comum.
Organizações regionais: contiguidade geográfica ou preocupação material específica. Ex.: OEA, OUA, ASEAN, OPEP.
Organizações universais: não há discriminação para o ingresso dos estados. Podem ter objetivos amplos (ex.: ONU) ou especializados (ex.: FAO, OMS, OIT, UNESCO).

Personalidade jurídica das organizações internacionais (Ricardo Seitenfus)

Representando as OIs um encontro de vontades (interesses e aspirações) dos Estados, ao longo de sua existência, sua evolução e eficácia dependerão sempre do respeito ou da má-fé de seus membros.
As OIs não constituem um somatório aritmético das vontades de seus membros. Elas são algo externo e distinto dos Estados. Sua personalidade jurídica internacional as diferencia de outras manifestações meramente intergovernamentais ou de caráter privado nas relações internacionais. Possuem direitos e deveres, condição até então exclusiva dos Estados.
Fundamentos
Possuem as OIs personalidade jurídica? Se têm, quais seus contornos? Estariam situadas no mesmo plano dos Estados ou possuiriam direitos e deveres distintos? Tratando-se tão somente de cooperações intergovernamental, estão aptas a serem titulares de direitos e obrigações internacionais?
Parecer da CIJ em 11 de abril de 1949: a ONU tem personalidade jurídica internacional, pois, caso contrário, não poderia corresponder às intenções de seus fundadores. Representando a larga maioria dos Estados, deteria personalidade internacional objetiva, e não simplesmente uma personalidade reconhecida só pelos seus membros. A personalidade jurídica decorreria, pois, das intenções de seus membros, e não do texto explícito da Carta. Enquanto um Estado possui, na sua totalidade, os direitos e deveres internacionais reconhecidos pelo direito internacional, os direitos e deveres de uma entidade como a ONU dependeriam de seus objetivos e funções, enunciados explícita ou implicitamente pelo seu ato constitutivo e desenvolvidos na prática. As OIs, assim como os Estados, têm direitos e deveres no âmbito externo (no plano internacional) e no plano interno.
Todas as OIs detêm capacidade para alcançar os objetivos contidos em sua carta constitutiva e apenas as competências atribuídas por ela.
As OIs são sujeitos mediatos ou secundários de direito internacional porque dependem da vontade dos seus membros para a sua existência e para a concretude e eficácia dos objetivos por ela perseguidos.
Surgem, geralmente, como consequência de um acordo multilateral negociado no âmbito de uma conferência internacional. Sua entrada em vigor dependerá de um número mínimo de ratificações, estabelecido no próprio texto constitutivo.
Diferem dos Estados por não precisarem de território, governo e população para se constituírem. Sua responsabilidade é parcial na medida em que sua extensão vincula-se aos termos do tratado constitutivo e será exercida em relação aos Estados e não à população.
A União Européia vem dando início ao questionamento desta premissa, na medida que seus tratados consideram os cidadãos dos Estados como sujeitos a uma jurisdição supranacional e encarrega-os de eleger diretamente os integrantes do Parlamento Europeu.
Desprovidas de território próprio, as OIs se estabelecem no território dos Estados-membros, por meio dos acordos de sede, podendo centralizar suas atividades num único local ou pulverizá-las.
Os privilégios e imunidades diplomáticas estendem-se às OIs, com algumas restrições. Com relação à inviolabilidade da sede, beneficiam-se de estatuto similar ao dos Estados. Todavia, o direito de concessão de asilo não é contemplado no caso das OIs. A prática aceita que, no máximo, as OIs façam uma intermediação, objetivando a transferência de candidatos ao asilo político para um País disposto a recebê-los.
Da mesma forma que o nascimento de uma OI, sua dissolução somente pode ocorrer com a concretização de um novo acordo entre os Estados-membros. O mesmo aplica-se à sucessão entre OIs (ex.: Liga das Nações ONU), hipótese em que herdam seu patrimônio ativo e passivo, suas funções e competências. O que motiva a dissolução de uma OI é o fenecimento das circunstâncias que motivaram um esforço coletivo.
Competência e instrumentação de ação das organizações internacionais
O texto constitutivo da OI fornece suas funções, instrumentos de ação, seus poderes e faculdades.
Contudo, admitem-se as competências implícitas, que são aqueles não expressas na Carta, mas que são uma consequência necessária para o exercício das funções da OI.
A questão das competências das OIs possui dois panoramas: a natureza, alcance e formulação de suas competências; os meios materiais de que dispõem a OI para torna-las eficazes.
Natureza e extensão das competências das organizações internacionais
Competência normativa
Competência normativa dirigida ao exterior (Estados, outras OIs):
- Convenções: tratados firmados com os Estados, membros ou não, ou com outras OIs.
- Conferências diplomáticas.
- Regulamentos: destinam-se aos Estados membros e objetivam uniformizar condutas perante situações comuns. São comuns nas OIs destinadas a questões essencialmente técnicas de convívio internacional. Também são encontradas em organizações cujas normas coletivas detêm poder de coerção sobre os Estados membros (ex.: UE).
- Recomendações/resoluções: seu valor jurídico será definido no tratado constitutivo. Comumente, se dirigem aos Estados membros sob a forma de simples proposta, não criando uma norma. Seus efeitos dependem do teor da recomendação e da atitude do Estado que a recebe. As OIs podem emitir recomendações dirigidas às ONGs sobre questões sociais. No campo das resoluções da AG da ONU, seu valor será definido nos campos político e moral, pois a CNU veda que a AG venha a impor suas decisões aos Estados-membros. Para que sejam eficazes, devem obter a aprovação do maior número possível de Estados e devem ter claro conteúdo jurídico, pois as resoluções de caráter meramente político enfraquecem sua eficácia.
Competência normativa dirigida ao interior da própria organização, objetivando a melhoria de seu funcionamento.
Competência operacional
Trata-se de atividades externas que se desenrolam, de forma permanente ou pontual, junto a setores específicos e problemas concretos experimentados pelos Estados membros.
A montagem dessas operações depende dos poderes, competência e dos meios materiais que as OIs dispõem.
No caso das atividades permanentes, representam esforços do coletivo internacional para tentar minimizar os desequilíbrios entre os níveis de desenvolvimento entre os Estados membros (ex.: auxílio à gestão técnica, econômica e social).
Atividades operacionais de natureza econômica e financeira vinculam-se a objetivos preferenciais de certas OIs, como o BIRD (Banco Mundial) e o FMI.
Competência impositiva
A faculdade de impor suas decisões externamente vincula-se ao tratado constitutivo e à natureza de cada OI.
Em OIs comunitárias ou de subordinação, como a UE, a competência impositiva é natural. Já em OIs de concertação (a maioria), a imposição é uma exceção, somente sendo exercida contra os Estados mais fracos, como ocorre na ONU, em que a competência impositiva não pode ser exercida contra os membros permanentes do CS.
As decisões impositivas das OIs só podem ser aplicadas por aquelas que mencionem, em seu tratado constitutivo, que o objetivo de manutenção da paz e da segurança internacionais está na origem de sua criação.
Discussão atual: maior eficácia das OIs x preservação da soberania dos Estados.
Organização internacional e ingerência
Liga das Nações (1919) – formas de ingerência previstas: amplo poder de interpretação sobre o que seria uma ameaça à paz mundial; tutela; atividades que só podem ser realizadas através de uma compulsória e estreita colaboração internacional característica principal de ausência de indicação dos meios para alcançar tão amplos objetivos. Foi tão inoperante antes as agressões ocorridas no entre-guerras que desaguou na 2ª GM.
CNU – art. 2º, § 7º: nenhum dispositivo da Carta autorizará a ONU a intervir em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição do Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, sem prejuízo das medidas coercitivas do capítulo VII.
A CNU confere ampla liberdade ao CS para analisar o que seria ameaça, ruptura ou agressão à paz, bem como possibilita medidas preventivas, ao falar em "ameaça" à paz.
O art. 41 estabelece medidas de bloqueio, isolando o país faltoso sem utilizar forças armadas. Já o art. 42 legitima a intervenção nos assuntos internos por meio de forças armadas coletivas, em demonstrações, bloqueios e outras operações.
Segundo a CNU, os acordos regionais podem servir de executores das medidas, ao mesmo tempo em que não podem chamar a si a responsabilidade pela decisão que compete exclusivamente ao CS. Ex.: Carta da OEA confere primazia aos dispositivos da CNU.
Art. 2º, b, Carta da OEA (não prevê mecanismos que garantam seu cumprimento): os países membros se comprometem a promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção. Não há a previsão de medidas coercitivas a um país caso viole os dispositivos do ato constitutivo. A Carta da OEA prevê que, no caso de ataque armado a país americano, os outros aplicarão ao agressor medidas estabelecidas nos Tratados especiais sobre a matéria (ex.: TIAR), em legítima defesa coletiva. Contudo, esses tratados especiais são alianças militares defensivas, que não se confundem com a ingerência e a coercitividade que se tenta identificar nas OIs. realizado no âmbito da OEA, o Protocolo de Washington (1992) firmou texto objetivando uma reforma na Carta, que preveja a suspensão da Organização daqueles membros cujo governo seja deposto pela força.
A AG e o CS constantemente se confrontam em suas posições, visto que aquela concebe a ingerência de forma mais restritiva, mas seu processo decisório é feito por meio de recomendações apenas, enquanto esta concebe a ingerência mais amplamente, dispondo de força executória.
A negativa da OI em intervir não impede que países tomem medidas unilaterais, obviamente quando dispõe de poder para tanto.
Modalidades de ingerência
Comumente, define-se ingerência pelo caráter impositivo ou coercitivo de conduta ou situação não desejada pelo outro, isto é, afrontosa a sua soberania.
Alguns autores, no entanto, consideram que a unilateralidade e violência são requisitos da ingerência. Assim, sendo obra do coletivo ou simples imposição de sanções não militares, não se configuraria a ingerência. Pensa o autor que ingerência é um leque muito mais amplo do que este fenômeno unilateral e violento que poderíamos designar como intervenção armada.
De outro lado, há quem entenda a ingerência como pura interferência, independentemente da solicitação do Estado, notadamente quando há dificuldades de identificar os legítimos representantes de um Estado.
Classificação das modalidades de ingerência por suas motivações:
- Pressões em sentido lato.
- Ruptura das relações diplomáticas e comerciais.
- Embargo.
- Intervenção consentida.
- Intervenção armada.
Classificação das modalidades de ingerência por sua natureza:
- Ingerência como o uso da força ilegítima: unilateral e não tem resguardo no direito das OIs.
- Ingerência como consequência da interpenetração de interesses econômicos: tentativa de fazer outros Estados respeitarem condutas nos chamados temas emergentes. Ex.: selo verde, cláusula social/laboral, concessão de empréstimos pelo BM ou pelo FMI condicionados a medidas internas preconizadas por estas instituições.
- Ingerência como consequência de um processo institucional: é juridicamente aceitável, o que não quer dizer que seja justa ou inconteste. É prévia e voluntariamente aceita pelos Estados que a sofrem. Pressupõe aceitação prévia da jurisdição, previsão da conduta passível de sanção e estabelecimento desta, atitude de interpretação do caso concreto e dosagem da pena. Não há, pois, automaticidade na ordem jurídica internacional entre a materialização do suporte fático e a efetivação do preceito.
Classificação das modalidades de ingerência por sua finalidade:
- Ingerência como proteção aos estrangeiros residentes em território instável.
- Assistência humanitária.
- Ingerência como imposição da paz: antes, o direito internacional não previa a possibilidade de imposição da paz, mas somente de recursos dependentes da vontade dos contendores. Contudo, após o conflito desenrolado na ex-Ioguslávia, passou a prevê-la, delegando à OTAN a tarefa de agir militarmente, bloqueando a guerra.
- Ingerência como restauração da democracia: é muito mais um princípio das OIs do que uma prática consolidada. Não deixa de ser uma forma de ingerência a prática de condicionar certas relações econômicas ou políticas à adoção do regime democrático. Um direito de ingerência fundado na violação da democracia só poderia ser coletivo num contexto em que a OI escapasse à dominação de interesses pontuais. Uma vez instaurado o regime, deve cessar a ação do interventor. As ações não militares são aceitáveis, porém, as militares, nem tanto. Contudo, vê-se que apenas estas se mostrariam realmente eficazes, apesar de, em geral, o coletivo internacional não estar disposto a praticá-las. Para o autor, a OI deveria dispor, de forma prévia e coletiva, de um catálogo de atitudes que configurem resposta à violação da democracia, sem deixar, contudo, margem à discricionariedade. Qual democracia deveria ser restaurada? A representativa, preservando o exercício de poder àqueles que detêm tal direito.
Um pequeno balanço do exercício da competência impositiva das organizações internacionais
Sanções econômicas: embargos, rupturas de relações aéreas, diplomáticas e comerciais e até um real bloqueio (Iraque, desde 1990).
Medidas coercitivas de caráter militar: incluem-se aí operações de caráter humanitário realizadas por meio militar (ex.: operação turquesa em Ruanda, autorização da ONU à OTAN para intervir na ex-Ioguslávia). Some-se a este envio de forças de interposição, a intervenção em assuntos internos de um Estado com o objetivo de auxiliá-lo a exercer suas competências. A CIJ, em aparecer datado de 1986, estipula a possibilidade de intervenção para ajuda humanitária, que não deve ser considerada ilícita. No entanto, a ingerência somente é possível frente a circunstâncias específicas e urgentes.
Controle:
Sua competência de controle pode advir tanto do tratado constitutivo ou de convenções paralelas.
Iniciativa do processo de controle:
- Acusação de um Estado ao suposto infrator.
- A própria organização possui o direito de iniciativa, com base em relatórios dos Estados ou de informações oriundas de órgãos privados ou inspeções regulares.
- Por parte de pessoas ou de grupos.
O órgão de controle indica a forma pela qual será exercido. Ex.: CS da ONU (controle político), CIJ ou outro organismo funcional ou jurisdicional (controle técnico).
Sobre os efeitos do controle, podem ser efetivos (ex.: EU) ou meramente simbólicos, dependentes, muitas vezes, de sua publicização como forma de pressão da opinião pública.
Em contrapartida, as OIs também sofrem um controle, destinado a garantir que elas não ultrapassarão as prerrogativas contidas no ato constitutivo e a definir o campo de atuação de cada OI.
Na ONU, essa responsabilidade é da CIJ que, por meio de consultas (da ONU ou das instituições especializadas credenciadas pela AG), fornece seu parecer (não obrigatório), somente quando solicitada. A CIJ igualmente pode ser solicitada para dirimir um contencioso entre Estados provocado pela interpretação de um tratado constitutivo de uma OI (ex.: inconformismo com um relatório elaborado no âmbito da OIT). Não é vinculante, mas é definitivo. Apenas as OIs e os Estados têm acesso à jurisdição da Corte.

Tratados Internacionais

Funções dos tratados em direito internacional
Os tratados no direito internacional são, simultaneamente, contratos e leis. Veiculam normas jurídicas e, por isto, são fontes formais de direito internacional.
Os tratados são instrumentos mediante os quais os Estados limitam ou modificam suas competências e mediante os quais os Estados soberanos regulam suas relações.
Classes de tratados
Critérios: nº de partes, matéria, função, precisão das obrigações, possibilidade de aplicação direta nos ordenamentos jurídicos dos Estados (autoexecutórios e não autoexecutórios), natureza dos sujeitos de direito internacional, duração, forma de conclusão, etc.
Tratados bilaterais e multilaterais
Os tratados multilaterais constituem um excelente canal para a positivação de normas jurídicas, enquanto os tratados bilaterais são um excelente meio para os negócios jurídicos entre os sujeitos de direito internacional (contrato).
Os tratados multilaterais cresceram ao longo do século XIX (desde o Congresso de Viena em 1815), pela ação do fenômeno das OI. Surgiram ante a insuficiência do procedimento tradicional dos tratados bilaterais para a regulação dos interesses comuns dos Estados, em virtude do crescimento da interdependência da sociedade internacional.
Os tratados bilaterais pautam-se pelo voluntarismo, enquanto os multilaterais, pelo racionalismo e generalismo.
Os tratados multilaterais podem ser divididos em gerais (têm vocação universal, sendo abertos para a adesão de todos ou pelo menos a maioria dos Estados) e os restritos (limitam-se a um determinado conjunto de Estados).
Fatores que influenciam o crescimento dos tratados multilaterais:
- Aumento do número de Estados: os novos Estados não participaram da formação dos costumes internacionais.
- Exigências da cooperação num mundo interdependente: os costumes não regulam relações econômicas, sociais, culturais e administrativas de forma específica.
- Tomada de consciência dos interesses gerais da comunidade internacional: é o instrumento mais idôneo para a regulação de interesses gerais.
- Esforço de codificação do direito internacional estimulado pelas OI universais (principalmente ONU).
Tratados normativos e tratados contratos
Tratados-contratos: preveem um intercâmbio de prestações entre as partes e se referem a um caso concreto.
Tratados-leis: estabelecem normas gerais e abstratas para indeterminados casos. Têm função quase-legislativa. Servem muito mais para regular interesses comuns dos contratantes do que interesses próprios, pautados num equilíbrio de direitos e obrigações. Diferem dos tratados multilaterais clássicos, que regulam relações particulares entre os Estados e, por conseguinte, apresentam caráter sinalagmático.
Princípios básicos do direito dos tratados
Pacta sunt servanda
Art. 26, Convenção de Viena de 1969: "Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé".
Uma de suas importantes consequências é o art. 27, pelo qual não é possível ao Estado invocar as disposições de seu direito interno como justificativa do descumprimento de um tratado.
Contudo, não se pode desvincular esta regra da invalidade de tratados tratada na Resolução 2.625, sobre aqueles tratados desiguais, assinados mediante coação ou que se enquadram nos arts. 46 a 53 da Convenção de Viena de 1969.
A Convenção de Viena estipula ainda as circunstâncias (diversas daquelas existentes no momento da conclusão do tratado e que não foram previstas pelas partes) em que se pode dar por terminado um tratado (rebus sic stantibus).
Ex consenso advenit vinculum
O consentimento do Estado é a base da obrigação jurídica convencional, de forma que este manifeste seu interesse e fixe os compromissos e obrigações que está disposto a aceitar. Não importa a forma de expressão do consentimento: firma, ratificação, aceitação, etc.
b.1. Reservas aos tratados e consentimento dos Estados
A reserva é uma declaração unilateral feita por um Estado ao firmar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado com o objetivo de excluir ou modificar os efeitos jurídicos de certas disposições do tratado em sua aplicação a este Estado. Devem-se ao fato de os tratados serem coletivos e, em geral, aprovados por maioria.
Não há problema em relação às reservas nos tratados bilaterais, vez que correspondem a uma nova proposta de negociação.
Qual o critério para decidir acerca da admissibilidade e validade de uma reserva? Se o tratado regulou o tema das reservas e a reserva em questão se ajusta a esta regulação ou se o tratado nada dispôs mas todos os Estados-partes aceitam uma determinada reserva, a reserva é válida e admissível.
Nas hipóteses em que não há disposição no tratado e há oposição de algum ou alguns Estados quanto à reserva, adota-se o critério da compatibilidade com o objeto e o fim do tratado, de forma a orientar a conduta do Estado que se reserva e dos Estados que se opõem. Esta é a diretriz adotada pela Convenção de Viena e pela CIJ em 28.05.1951.
Regras para a reserva: deve ser expressa e inequívoca, formulada em um prazo definido e basta que um só Estado aceita a reserva para que o Estado reservatário esteja vinculado ao aceitante, ainda que não esteja vinculado aos opositores.
Entende o autor que a noção de integridade das obrigações convencionais cede ante o princípio da eficácia do tratado, que consiste na aspiração a que participem dele o maior número possível de Estados. Assim, a aceitação de uma reserva não deveria ser individual nem unânime. A Convenção de Viena possui um viés liberal, privilegiando os reservatários e não os objetantes, isto é, a eficácia do tratado sobre sua uniformidade jurídica.
Quando se quer salvaguardar a integridade do tratado, as reservas se proíbem ou são especificamente reguladas.
O Convênio Europeu de Direitos Humanos diferencia os tratados internacionais clássicos (mera reciprocidade entre os Estados) dos modernos (rede de compromissos sinalagmático).
O número de Estados negociadores e a natureza do tratado influem no regime jurídico das reservas.
b.2. Consentimento dos Estados e emendas e modificações dos tratados
A técnica tradicional que exigia unanimidade para as emendas, típica da concepção contratualista de tratado, não é adequada aos tratados multilaterais.
Os arts. 40 e 41 da Convenção de Viena dispõe sobre a emenda nos tratados multilaterais, de forma subsidiária em relação às disposições do próprio tratado.
Art. 40: qualquer proposta de emenda deve ser notificada a todos os contratantes, que terão direito de participar das negociações e conclusão; todo Estado-parte no tratado original poderá ser parte no tratado emendado; a emenda não vincula aqueles que assim não quiserem; o Estado que se torne parte no tratado emendado será considerado, em regra, parte em todo ele.
Art. 41: duas ou mais partes num tratado multilateral podem concluir um acordo para modificar o tratado somente entre si, desde que esta possibilidade esteja prevista no tratado ou, caso não prevista, não prejudique os direitos e obrigações do tratado e não diga respeito a uma disposição cuja derrogação seja incompatível com o objetivo do tratado em seu conjunto.
Se um Estado não pode impedir por sua vontade a emenda de um tratado multilateral, o tratado emendado não lhe vinculará se não manifestar sua vontade definitiva neste sentido.
Parta tertiis nec nocent nec prosunt (res inter alios acta)
Um tratado não cria obrigações nem direitos para sum terceiro Estado sem seu consentimento (art. 34, Convenção de Viena).
c.1. Princípio do efeito relativo dos tratados
Em razão do princípio do efeito relativo dos tratados, pode-se dizer que o direito internacional convencional é um direito particular, enquanto o direito internacional comum é de índole consuetudinária. Porém, esta diferença não é rígida, pois existem costumes regionais e tratados que excedem seu âmbito de aplicação fora do círculo dos Estados-partes.
c.2. Derrogações do princípio do efeito relativo dos tratados
Tratados que estabelecem regimes jurídicos objetivos: terceiros têm o dever jurídico de respeitá-los, por tratar-se de situações convencionais que não lhes afetam diretamente. Ex.: tratados de fronteiras, Tratado de desnuclearização da América Latina de 1967.
Tratados que representam a gestão de interesses comuns por um conjunto de Estados suficientemente representativo. Ex.: CNU.
Tratados multilaterais gerais de conteúdo normativo e vocação universal, amplamente aceitos pela comunidade internacional em seu conjunto a ponto de transforma-se em costume internacional. Art. 38, Convenção de Viena: a norma geral segundo a qual um tratado não cria obrigações nem direitos para terceiros Estados sem seu consentimento não impedirá que uma norma enunciada em um tratado chegue a ser obrigatória para um terceiro Estado como norma consuetudinária de direito internacional reconhecida como tal.


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