TEORIA DO CONHECIMENTO, ÉTICA, MORAL E DIREITO: CONCEITOS FILÓSÓFICOS À VISÃO DE KANT E ROUSSEAU

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA AMANDA CRISTINA DE PAULA BRUNA OLIVEIRA RIBEIRO CAROLINA MENDES MELLO HENRIQUE MÜHLSTEDT CHIURATTO JULIANA DE SOUZA RODRIGUES PAULO HENRIQUE PICCIONE UBIRATAN WOLFF MORGADO

TEORIA DO CONHECIMENTO, ÉTICA, MORAL E DIREITO: CONCEITOS FILÓSÓFICOS À VISÃO DE KANT E ROUSSEAU

CURITIBA 2015

AMANDA CRISTINA DE PAULA BRUNA OLIVEIRA RIBEIRO CAROLINA MENDES MELLO HENRIQUE MÜHLSTEDT CHIURATTO JULIANA DE SOUZA RODRIGUES PAULO HENRIQUE PICCIONE UBIRATAN WOLFF MORGADO

TEORIA DO CONHECIMENTO, ÉTICA, MORAL E DIREITO: CONCEITOS FILÓSÓFICOS À VISÃO DE KANT E ROUSSEAU

Seminário apresentado ao Centro Universitário Curitiba como requisito parcial à obtenção de nota na disciplina de Filosofia, referente ao segundo bimestre do primeiro período do Curso de Graduação e Bacharelado em Direito, sob orientação da Professora Mestra e Doutoranda Karla Pinhel Ribeiro.

CURITIBA 2015

“Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.” (NIETZSCHE, Friedrich)

RESUMO

O presente seminário pretende discorrer e apresentar os conceitos filosóficos acerca da ética, moral, política, justiça e direito, bem como as teorias do conhecimento de dois renomados pensadores que corroboraram de maneira significativa para a formação dos alicerces da filosofia moderna: Immanuel Kant e Jean-Jacques Rousseau. Ambos os autores pertenceram ao movimento iluminista, que foi marcado pela abrupta mudança no modo de pensar, o que culminou na criação de novos fundamentos para a moral e para a ética. Palavras-chave: Iluminismo, Rousseau, Kant, Conhecimento, Moral, Direito.

ABSTRACT

This paper aims to discuss and present the philosophical concepts about ethics, morality, politics, justice and law, and the theories of knowledge of two renowned thinkers who corroborated significantly to the formation of the foundations of modern philosophy: Immanuel Kant and Jean-Jacques Rousseau. Both authors belonged to the Enlightenment movement, which was marked by the abrupt change in thinking, which culminated in the creation of new foundations for morality and ethics. Keywords: Enlightenment, Rousseau, Kant, Knowledge, Morality, Law.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7 2 BIOGRAFIA DE IMMANUEL KANT ........................................................................ 8 3 TEORIA DO CONHECIMENTO EM KANT ............................................................ 10 4 ÉTICA KANTIANA ................................................................................................. 15 4.1 CONCEITO DE HOMEM ..................................................................................... 15 4.2 A MORAL ............................................................................................................ 15 4.3 A JUSTIÇA .......................................................................................................... 16 5 O CONCEITO DE DIREITO PARA KANT .............................................................. 18 6 A FILOSOFIA POLÍTICA PARA KANT ................................................................. 20 7 BIOGRAFIA DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU ................................................... 22 8 TEORIA DO CONHECIMENTO EM ROUSSEAU .................................................. 24 9 ÉTICA ROUSSEAUNIANA .................................................................................... 26 10 O CONCEITO DE DIREITO PARA ROUSSEAU ................................................. 29 11 POLÍTICA PARA ROUSSEAU ............................................................................ 30 12 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 33 13 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 36

1 INTRODUÇÃO

Ao todo, este seminário é composto por doze capítulos: do segundo ao sexto, iremos explanar a filosofia de Immanuel Kant; do sétimo ao décimo primeiro, trabalharemos a filosofia de Jean-Jacques Rousseau. Tanto Kant quanto Rousseau discorreram acerca assuntos que permeiam e engrenam a sociedade desde seu encetamento até a contemporaneidade. Ambos elaboraram suas teorias e pensamentos em meio ao Iluminismo, tornando-se grandes expoentes deste movimento. Indagações sobre questões, que pura ou hibridamente, dizem respeito ao âmbito da ética, moral, conhecimento, política e direito serão abordados de forma delineada de acordo com os preceitos destes filósofos. O Iluminismo às palavras de Immanuel Kant: [...] representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude1! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! 2

Percebe-se que o ápice do movimento for marcado pela abrupta mudança do modo de pensar, trazendo à sociedade uma nova forma de enxergar o mundo. Ao longo deste estudo, compreenderemos também, que Kant, que fundamentou sistematicamente a filosofia crítica, tendo realizado investigações também no campo da física teórica e da filosofia moral assemelha-se, mas também, difere-se de alguns pontos do pensamento Rousseau, que defendia a soberania popular e a necessidade de reformas sociais, criticando a nobreza e a burguesia.

1

Do latim: “ouse saber”.

2

PEREIRA SIQUEIRA, Dirceu; organizador. Políticas Públicas: da previsibilidade a obrigatorie-

dade – uma análise sob o prisma do Estado Social de Direitos. 1. ed. Birigui, SP : Boreal Editora, 2011.

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2 BIOGRAFIA DE IMMANUEL KANT

Immanuel Kant, o último dos grandes filósofos da era moderna e grande influência do ocidente, nasceu no dia 22 de abril de 1724, na cidade de Königsberg, Prússia Ocidental (hoje conhecida como Alemanha). Kant, na cidade em que nasceu, cresceu em uma família humilde: seu pai, Johann Georg Kant, era um artesão de origem escocesa e; sua mãe Anna Regina Kant, uma mulher que seguia fielmente a religião Protestante Luterana, o que acabou gerando uma forte influência nas bases do pensamento de seu filho. O filósofo estudou no Collegium Fridericianum por sete anos, e ao terminar seus estudos nesta instituição, ingressou na Universidade de Königsberg, onde estudou filosofia e matemática. Durante seu processo de formação, foi muito influenciado por grandes pensadores, como David Hume, que com sua filosofia da casualidade, despertou Kant do “sono metafísico” – pois demoliam as pretensões do dogmatismo metafísico de afirmar verdades eternas a respeito da essência última de todas as coisas. Outra das grandes admirações de Kant foi Rousseau, os dois filósofos dividiam a ideia da existência de uma consciência moral no homem, e a existência de sentimento frente à razão lógica. Immanuel Kant seguia um pensamento pacifista, sentia grande simpatia pela Independência Americana e pela Revolução Francesa. Viveu sua vida inteira de uma forma metódica, tanto que em sua cidade era conhecido pelos vizinhos por sua pontualidade e rotina de sair todos os dias ao mesmo horário. Um dos grandes trabalhos de Kant foi o obra ”Crítica da Razão Pura” publicado no ano de 1781. Essa tornou-se a mais influente obra do filósofo e foi escrita com o intuito de responder uma das questões por ele mesmo criadas: “Que podemos 8

saber?”. Ao decorrer da obra, apresenta-se duas formas de saber defendida por Kant, o conhecimento empírico e o conhecimento puro. Outras obras que tiveram devida importância na história do filósofo, foram a “Crítica da Razão Prática”, segunda edição da “Critica da Razão Pura” publicada em 1788 – onde ou autor apresentava o mesmo conteúdo da primeira obra, com algumas pequenas modificações – e; a sua última obra: “A crítica do juízo”, que foi publicada em 1790. Immanuel Kant tornou-se um grande filósofo, e também enorme influência para os que vieram depois dele. Suas obras são alicerces para a filosofia até os dias atuais. Kant faleceu em Königsberg no dia 12 de fevereiro de 1804, aos 80 anos.

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3 TEORIA DO CONHECIMENTO EM KANT

Para Kant, nenhum conhecimento em nós precede a experiência. Isso significa que todo conhecimento começa com a experiência propriamente dita. Muito embora, não signifique que o conhecimento possa se originar somente da experiência. Para o filósofo, por vezes, o nosso conhecimento de experiência deriva daquilo que recebemos por impressões e, também daquilo que a nossa própria faculdade de conhecimento (apenas provocada por impressões sensíveis) fornece de si mesma. Basta dizer que, pela abundância de conhecimentos derivados das fontes da experiência, costuma-se cair nas “armadilhas das impressões”. E é apenas pela atenção adquirida pelo árduo exercício que se torna possível distinguir com precisão as impressões (doxa), das impressões sensíveis. Isso ocorre quando, por exemplo, atribui-se obviedade às consequências de determinada situação, afirmando que poderiam ser ditadas a priori, ou seja, antes mesmo de sua ocorrência. O conhecimento puro (a priori) é todo conhecimento que independe da experiência e de todas as impressões sensíveis.

Assim, diz-se de alguém que solapou os fundamentos de sua casa: ele podia saber a priori que a casa desmoronar-se-ia, quer dizer, não precisava esperar pela experiência de seu desmoronamento efetivo. Contudo, mesmo assim ele não podia sabe-lo inteiramente a priori, pois o fato dos corpos serem pesados e de portanto caírem quando lhes são tirados os sustentáculos, tinha de tornar-se antes conhecido pela experiência. 3

Kant acreditava que se um juízo é pensado com universalidade rigorosa, vale absolutamente a priori. A experiência, por sua vez, sempre fornece aos seus juízos

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KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. 1.

ed. São Paulo, SP: Nova Cultural, 1999. p. 54.

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universalidade suposta e comparativa (por indução). Onde a universalidade rigorosa é essencial a um juízo, indica uma fonte peculiar de conhecimento do mesmo, a saber, uma faculdade do conhecimento a priori. O filósofo afirmava ainda, que necessidade e universalidade rigorosas são seguras características de um conhecimento a priori, e que essas, consequentemente, são absolutamente inseparáveis.

De onde queria a própria experiência tirar sua certeza se todas as regras, segundo as quais progride, fossem sempre empíricas e, portanto, contingentes? Por isso, dificilmente se pode deixar semelhantes regras valerem como primeiros princípios. 4

Na visão kantiana, é ideal que os conceitos primeiros (base) sejam puros, se o objetivo é a evolução do conhecimento. A existência de regras derivadas do conhecimento a posteriori (empíricos) são essenciais à progressão da própria experiência. Kant observou que certos conhecimentos abandonam o campo de todas as experiências possíveis e parecem estender o âmbito dos nossos juízos acima de todos os limites da experiência, mediante conceitos aos quais, em parte alguma pode ser dado um objeto correspondente na experiência. Cabe à Metafísica a busca incessante pela solução de problemas como Deus, Liberdade e Imortalidade: problemas inevitáveis da razão pura, em parte que a experiência não pode dar nem guia, nem correção. A experiência, por exemplo, como poderia dispor de alguma utilidade nestas questões metafísicas se, de modo algum, é possível que se obtenha uma experiência real com a presença de Deus (considerando que esta integra apenas a esfera do

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KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. 1.

ed. São Paulo, SP: Nova Cultural, 1999. p. 55.

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imaginário)? Outrossim, como poderíamos chegar à alguma conclusão sobre a imortalidade, se esta, assim como a ideia de Deus, nos preenche enquanto utopia? O filósofo observou, ainda, que quando se está acima da esfera da experiência, então se está seguro de não ser contestado pela experiência. O estímulo para ampliar os conhecimentos do sujeito é tão grande que só se pode ser detido em seu progresso por uma clara contradição em seu caminho. “A Matemática é um exemplo de quão longe conseguimos chegar no conhecimento a priori independentemente da experiência. “5 Kant define como juízos analíticos aqueles em que a conexão do predicado com o sujeito for pensada com identidade. Já os juízos sintéticos são justamente o oposto dos analíticos; os juízos analíticos, por sua vez, são vistos como juízos de elucidação, isso significa que esses juízos nada acrescentam ao conceito de sujeito (através do predicado). Toda conclusão tirada desses juízos ocorre sistematicamente por meio dos desmembramentos derivados de conceitos parciais contidos nos próprios juízos, mesmo que tais conclusões não estivessem claramente pensadas neles. Os juízos sintéticos são definidos pelo filósofo como juízos de ampliação, isso significa que os predicados dos juízos sintéticos acrescentam ao conceito de sujeito um predicado que, de modo algum, poderia ter sido extraído dele por desmembramento algum. Na frase: “Os corpos são extensos”, o predicado “extensos” refere-se à uma característica intrínseca ao conceito de corpo. Essa frase é, portanto, um juízo analítico. Já na frase: “Os corpos são pesados”, o predicado “pesados” refere-se a

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uma característica que acrescenta conhecimento ao conceito de corpo – algo que não estava contido no juízo em seu estado primitivo, e que não poderia ser extraído dele mesmo em estado de desmembramento parcial.

Que um corpo seja extenso, é uma proposição certa a priori e não um juízo de experiência. Pois antes de recorrer à experiência já possuo no conceito todas as condições para o meu juízo, conceito do qual posso extrair o predicado segundo o princípio de contradição e com isso tornar-me ao mesmo tempo consciente da necessidade do juízo, coisa que a experiência nunca me ensinaria.6

Juízos de experiência como tais são todos sintéticos. Kant afirmou que seria absurdo fundar um juízo analítico sobre a experiência, uma vez que para formar o juízo analítico de modo algum preciso sair do meu conceito, nem, portanto, de testemunho algum da experiência. Dos juízos decorre uma variação vista pelo filósofo como essencial à construção de um conhecimento de raízes sólidas: os juízos sintéticos a priori. Esses juízos representam a “mecânica minuciosa” de agregar ao conhecimento a priori as proposições sintéticas. Um exemplo é a afirmação “em todas as modificações do mundo corpóreo a quantidade de matéria permanece a mesma” na qual as modificações só são obtidas através da empiria, enquanto a noção de matéria e espaço, assim como a de sucessividade do tempo, advém do conhecimento a priori. Kant observou que nossa Metafísica, quando fundamentada em juízos analíticos era conduzida à destruição de suas próprias construções metafísicas. De forma que nenhum conhecimento analítico serviria para expandir a esfera do conhecimento, se utilizado como único meio.

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KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. 1.

ed. São Paulo, SP: Nova Cultural, 1999. p. 58

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Para o pensador, o verdadeiro núcleo da Teoria do Conhecimento situar-se-ia no terreno dos juízos sintéticos a priori, os quais, ao mesmo tempo, são universais e necessários, enriquecendo e fazendo progredir o conhecimento.

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4 ÉTICA KANTIANA

4.1 O CONCEITO DE HOMEM Immanuel Kant pontua que o homem não é bom por natureza e, carrega consigo a ambição, o egoísmo e o instinto de destruição é, também, desejoso de prazeres insaciáveis, que pode o levar a matar, mentir e roubar. Esse é um ser racional, e o que o tona um ser moral, é a existência dos deveres que são observados no processo de educação.

Para Kant, o homem é um ser racional e, uma vez que a razão implica universalidade e comunidade, um ser, pelo menos em parte, ‘social’. […] Já pela sua simples existência, o homem faz parte de um todo maior, de uma comunidade e, por ela, de um universo. Mas, tanto essa comunidade quanto esse universo são imperfeitos, pois as ações dos homens são dominadas por poderosos instintos e interesses egoístas que os opõem a seus semelhantes e tendem a romper com a comunidade e o universo. O homem é um ser ‘social-associal’. As ações e as relações do indivíduo, egoístas e opostas à comunidade, marcam sua dependência com relação à sua natureza biológica e ao mundo exterior e constituem sua heteronomia. [...] Os conhecimentos, assim como as ações, do homem atual são, portanto, limitados, ‘sociais’ em sua forma e ‘associais’ em seu conteúdo. Seu conhecimento é apenas uma determinação não integral dos fenômenos na experiência, sua atividade uma prática egoísta e contrária à comunidade, para a qual o universal não é mais que um dever, um imperativo categórico, mas não uma realidade efetiva.7

4.2 A MORAL Uma lei moral, para o filósofo, é aquela que é universal e necessária, portanto, a priori – fundamentada na razão autônoma, com origem na consciência moral. Sustentando sua liberdade e racionalidade, o ser humano descobre dentro de si – em seu âmago – a existência da lei moral que é inerente da razão. A moralidade

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GOLDMANN, Lucien. Introduction à la philosophie de Kant. Tradução de Monica Costa Neto. Paris:

Gallimard, 1948. p.301-303.

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exige por igual, uma disposição interna do homem, que deve agir segundo o espírito da lei, ou seja, por dever. No aspecto subjetivo, o dever remete à noção de uma vontade livre, dado que esse exige respeito e desperta o interesse moral, trazendo consigo a exigência da autônoma submissão interna da vontade para a lei. O respeito a uma determinada regra se diferencia do amor, do medo e da inclinação, pois estes valores se referem continuamente a seres racionais e jamais à objetos. Independentemente da vontade do sujeito, o respeito irá surgir em sua vida em algum momento, manifestando-se, principalmente, quando está defronte à uma ação que vai de acordo com os padrões e preceitos morais (obrigando-o a respeitálos). A moral, livre de qualquer intervenção empírica, é a virtude em sua verdadeira configuração.

4.3 A JUSTIÇA No panorama jurídico a justiça exerce papel indispensável e cada autor a define de uma forma distinta, afirmando ser esta a correta. Por sua vez, Kant distingue o justo do injusto (Recht / Unrecht): “O que é correto segundo leis externas chama-se justo (justum), o que o não é, injusto (injustum).” 8 O pensador relaciona a justiça com a conformidade, que se dá segundo leis externas. A principal dissemelhança entre uma lei externa e uma lei interna está na causa da ação que pode ocorrer por dois propósitos distintos:

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KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. Tradução de Edson Bini. 1. ed. São Paulo, SP:

Edipro, 2003. p. 34.

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a) impulsos sensíveis: onde há a presença de uma ameaça externa que provoca temor, interligando a ação à lei (direito em sentido único); b) motivação racional: observada no campo ético, avalia-se o interior do sujeito no momento da ação, necessitando de uma justificativa racional de resolução da ação (conduta ética). As leis externas levam o sujeito a realizar uma ação exterior, podendo assim, contemplar uma legislação externa (uma vez que se levasse o sujeito a realizar uma ação interior, contemplaria apenas uma legislação interna). Estas leis [externas] se subdividem em dois tipos: a) leis naturais externas: adquirem obrigatoriedade por si só (não dependem da comparência de uma legislação externa), especificadas por Kant como “[...] aquelas [leis] a que se pode reconhecer a vinculatividade mesmo sem legislação externa, a priori, mediante a razão e que são, na verdade, externas mas naturais”.9 São, portanto, universais e necessárias, a priori, desprendidas da razão. b) leis positivas: são obrigatórias apenas se estiverem dispostas e prescritas em uma legislação externa – assim, sua obrigatoriedade depende das existência de um processo legislativo. São aquelas leis que, segundo Kant, “não obrigam de todo em todo sem legislação efetiva (sem a qual não seriam, portanto, leis) chamam-se leis positivas”.10

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KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. Tradução de Edson Bini. 1. ed. São Paulo, SP:

Edipro, 2003. p. 35. 10

KANT, loc. cit.

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5 O CONCEITO DE DIREITO PARA KANT

Às palavras de Kant, “O direito é, portanto, a soma das condições sob as quais a escolha de alguém poder ser unida à escolha de outrem de acordo com uma lei universal de liberdade”. 11 O âmbito moral é delimitado do âmbito do direito através da separação das leis de liberdade e leis de necessidade, onde o indivíduo não só respeita, mas cumpre uma determinada norma [moral] por impulso interior e não pela finalidade de obter um determinado fim. A legislação que erige uma ação como dever, e o dever ao mesmo tempo como impulso, é moral. Aquela, pelo contrário, que não compreende esta última condição na lei, e que, conseqüentemente, admite também um impulso diferente da ideia do próprio dever, é jurídica. [...] O puro acordo ou desacordo de uma ação com relação à lei, sem respeito algum ao impulso da mesma, chama-se legalidade (conformidade com a lei) quando, ao invés, a ideia do dever derivada da lei é ao mesmo tempo impulso para a ação, temos a moralidade.12

Observa-se então, o princípio universal do direito elucidado a partir de sua presença nas relações externas entre os homens. O conjunto de condições sob as quais o arbítrio de cada um pode conciliarse com o arbítrio dos demais segundo uma lei universal da liberdade". [...] Uma ação é conforme ao direito quando permite, ou cuja máxima permite, à liberdade do arbítrio de cada um coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal.13

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KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. Tradução de Edson Bini. 1. ed. São Paulo, SP:

Edipro, 2003. p. 76. 12

BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Tradução Alfredo Fait. 3.

ed. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1995. p. 394. 13 LEITE, Flamarion Tavares. O conceito de direito em Kant. São Paulo, SP. Ed. Cone. (s.d.). p. 70.

18

Examinando o direito conceituado por Kant, percebe-se que este é oriundo de sua lei universal: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”.14

14

KANT, Immanuel. Textos selecionados.

Seleção de textos de Marilena de Souza Chauí.

Tradução de Tânia Maria Bernkopf, Paulo Quintela, Rubens Rodrigues Torres Filho. 2. ed. São Paulo, SP: Abril Cultural. 1984. p.129

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6 FILOSOFIA POLÍTICA PARA KANT

Para Kant, a chave da filosofia moral e política está contida na esfera da dignidade do indivíduo. Immanuel Kant foi o primeiro teórico a reconhecer que ao homem não se pode atribuir valor. O filosofo caracteriza a dignidade como um valor incondicional e incomparável, e o homem deve ser considerado como um fim em si mesmo e em função da sua autonomia enquanto ser racional. O Princípio da dignidade da pessoa humana é um valor moral inerente à pessoa, este é cada vez mais abordado no cotidiano dos países que se autodenominam democráticos. Deixou de ser apenas um mandamento moral para ganhar a força coercitiva do Direito. Foi estabelecido como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da Constituição Brasileira de 1988).

"No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade." 15

Numa análise do desenvolvimento intelectual de Immanuel Kant verificamos que o ponto central de seus estudos era o homem, a liberdade e o individualismo. Como citado no capítulo anterior, Kant aprofunda o conceito de pessoa a ponto de se encontrar sujeito tratado como “um fim em si mesmo” e nunca como meio a atingir determinada finalidade. O tratar o homem como fim baseia-se na autonomia do sujeito. Nos dizeres de

15

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Tradução de

Leopoldo Holzbach. São Paulo, SP: Martin Claret, 2004, p. 65.

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Kant: “Autonomia é pois o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda natureza racional”.16 Os seres racionais, capazes de se colocarem suas próprias leis, devem pressupor seus co-iguais também como legisladores, colocando-se leis comuns. Sob essa perspectiva, cada sujeito racional está acima de qualquer preço, devendo ser considerado como fim em si mesmo. Ao explicar essa questão, o autor afirma:

A razão relaciona, pois cada máxima da vontade concebida como legisladora universal com todas as outras vontades e com todas as ações para conosco mesmos, e isto não em virtude de qualquer outro móbil prático ou de qualquer vantagem futura, mas em virtude da ideia da dignidade de um ser racional que não obedece a outra lei senão àquela que ele mesmo simultaneamente se dá”.17

Essa abordagem humaniza o próprio homem e o compreende como algo que possui valor, não meramente relativo, mas absoluto. O imperativo categórico enfatiza a dignidade:

Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio. 18

Conclui-se que o homem tem dignidade, pois é capaz de submeter seus atos às determinações da razão, ele pode agir livremente, e alcançar uma boa vontade. O homem se preocupa com a sociedade, e se compromete de maneira cidadã com os demais sujeitos racionais.

16

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2005. p. 79.

17

Ibid., p. 77.

18

Ibid., p. 69.

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7 BIOGRAFIA DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Jean-Jacques Rousseau nasceu em 28 de junho de 1712 na cidade de Genebra, e morreu em 2 de julho de 1778 em Ermenoville. Não conheceu a mãe, que faleceu em seu parto, e foi criado pelo pai, que também faleceu quando Rousseau tinha apenas 10 anos. Foi estudar em uma rígida escola religiosa em sua adolescência, Rousseau mudou-se para Paris. Foi um importante filosofo que influenciou com todas as forças o Iluminismo e o romantismo. Em suas concepções as escolas tiravam a liberdade do homem, e os influenciavam. Para ele, o homem deveria aprender conforme a natureza, visando sempre a liberdade. Um dos seus primeiros sucessos foi com uma de suas óperas “O Advinho da Vila”. Após ter lançado opiniões negativas sobre o Discurso Sobre as Ciências, Rousseau foi convidado para expor suas ideias e pensamentos. Rousseau teve 5 filhos, mas colocou todos em orfanatos. Para ele, a soberania deveria estar com o povo. Rousseau era completamente oposto e contra a corrupção, fazendo alusão à ela em um dos seus principais pensamentos: “o homem nasce bom e puro, mas a sociedade o corrompe”. Em 1762 Rousseau foi perseguido por conta de suas obras, que eram consideradas provocações aos bons costumes morais, e religiosos. Devido tais perseguições, o filósofo resolve se isolar e viver sozinho com uma certa aversão e desconfiança das pessoas. Rousseau via o estado como uma sociedade civil, mas o homem viveria acorrentado as suas vaidades, escravos das suas necessidades. Acreditava ainda, que era possível garantir a segurança e o bem-estar do povo, estipulado por um contrato social, onde garantisse a soberania da vontade coletiva. 22

As suas principais obras foram: Discurso Sobre as Ciências e as Artes; Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens; Do Contrato Social; Emílio, ou da Educação e Os Devaneios de um Caminhante Solitário.

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8 TEORIA DO CONHECIMENTO EM ROUSSEAU

A educação, diferente da imposição e das regras, leva o homem a agir por interesses naturais, e só deste modo o homem pode ser dono de si mesmo. A educação natural está, também, diretamente relacionada à obtenção de conhecimento pelos livros, e não aceitação da educação intelectualizada. “O homem não é constituído apenas por intelecto, pois suas disposições primitivas, tais como os sentidos, os instintos, as emoções e os sentimentos existentes do pensamento elaborado são dimensões mais dignas de confiança.” 19 Rousseau baseia-se em novos conceitos, deixando de lado vários paradigmas, principalmente o de que a educação da criança deveria ser voltada aos interesses do adulto e da vida adulta. O autor enfatiza a ideia de que a criança é um ser com características próprias, e não poderia ser vista e tratada como um adulto a partir do seu pensamento. 20 A educação do homem começa com o nascimento; antes de falar, antes de ouvir, ele se instrui. A experiência antecipa as lições. [...] Ficaríamos surpresos com os conhecimentos do mais grosseiro dos homens se seguíssemos seu progresso desde o momento em que nasceu até onde está.21

Com essas ideias, Rousseau mudou a concepção do que era a educação: o processo pelo qual todas as crianças adquirem seus conhecimentos, atitudes, cultura, e hábitos impostos pela civilização. O pensador também observou que a educação não vem de fora, mas da liberdade da criança com seu contato com a natureza.

19

CRUZ DE SOUZA, Agnes. Rousseau: A arte da Filosofia, Literatura e Educação. Universidade

Estadual Paulista. Araraquara, SP, 2002. 20

CRUZ DE SOUZA, loc. cit.

21

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou Da educação. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.

45.

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Rousseau constatou, do mesmo modo, que cada fase da vida expõe características próprias, e que tanto o homem quanto a sociedade se modificam. O conhecimento, portanto, é essencial para que a adaptação a essas mudanças sejam favoráveis. O pensamento de Rousseau influenciou diversas correntes pedagógicas, principalmente as não diretivas no século XX. Que serviram de base para a formulação de princípios educacionais que permanecem até hoje, principalmente quando elucidou que a verdadeira finalidade da educação era ensinar a criança a viver e a aprender a exercer a liberdade. O elemento primordial para uma educação de qualidade seria o estímulo ao prazer de amar as ciências e os seus métodos, para que a busca pelo conhecimento se torne algo natural. Os mestres devem incentivar essa paixão em seus seguidores. O conhecimento não é guiado pelo divino, nem pelo destino, mas sim pela razão. Rousseau propunha uma educação que tomasse conhecimento do homem como essência e ao mesmo tempo enquanto ser ético, o que formaria um homem ideal para a sociedade.

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9 ÉTICA ROUSSEAUNIANA

Pensador e filósofo Jean-Jacques Rousseau, leva em consideração o sentimento como princípio de sua ética, sendo este aquilo que o controla e que está completamente ligado a sociedade. O primeiro sentimento do homem, segundo Rousseau, foi o de se própria existência, e com isso, tomou conta se sua conservação. Com o seu instinto começou a consumir daquilo que a natureza lhe fornecia, convivendo em perfeita harmonia com o meio ambiente, ou seja, seria conhecido como um "bom selvagem". O filósofo também menciona que o homem que não apresenta nenhum sentimento do coração, age apenas como um animal. A partir do momento em que o meio ao qual reside exige do homem novas habilidades, seu espírito começa a perceber algumas relações e assim conduz-lhe a produzir uma nova linha de pensamento (reflexão), em suma, refletir sobre aquilo que lhe cause uma certa segurança. E desse momento, o homem passa a olhar a si mesmo como superior aos outros e a considerá-lo como indivíduo.

Assim, o primeiro olhar que lançou sobre si mesmo produziu o primeiro movimento de orgulho; assim, apenas distinguindo as categorias por considerar-se o primeiro por sua espécie, dispôs-se desde logo a considerarse o primeiro como indivíduo. 22

Com a busca pela segurança, o homem cria as melhores regras de conduta, visando-as também para o seu proveito. Quando se deu a origem das famílias, ou seja, uma pequena sociedade, o hábito de morar/viver junto, o homem criou dois novos sentimentos, conhecidos como 22

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre

os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 266.

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amor conjugal e o amor paterno. Porém, a necessidade de maior proteção e de maior resistência, fez com que os homens se reunissem em espécies de vizinhanças, unidas por interesses em comum e não delimitadas por regras. A existência de um certo compartilhamento de objetos e ideia de beleza e mérito faz com que desperte o ciúme em meio ao amor e de também pode-se dizer, a cobiça e a inveja. “Insinua-se na alma um sentimento terno e doce, e, à menor oposição, nasce um furor impetuoso; com o amor surge o ciúme, a discórdia triunfa e a mais doce das paixões recebe sacrifícios de sangue humano.”23 Conforme os sentimentos e as ideias continuam a mudar, o homem começa a aumentar sua interação com os outros. Iniciada a sociedade, o homem continuaria precisando de habilidades que já apresentava em seu estado primitivo, começando a agir com moralidade e, diante das leis, haveria um único juiz puniria àqueles a quem atribuíam a vingança como o único modo de acabar com o desprezo. E, desta maneira, os homens perceberam a necessidade do auxílio mútuo, o que não só colocou a ideia de propriedade e da necessidade de trabalho, acabou com a igualdade nesta sociedade, introduzindo a exploração.

[...] mas desde o momento em que um homem teve necessidade do auxílio de um outro, desde que se apercebeu de que seria útil a um só indivíduo contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, a propriedade se introduziu, o trabalho se tornou necessário e as vastas florestas se transformaram em campos aprazíveis, que foi preciso regar com o suor dos homens e, nos quais, viu-se logo a escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas.24

23

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre

os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 269. 24

Id., Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução de

Lourdes Santos Machado. São Paulo, SP: Editora Nova Cultural, 1999. p. 94.

27

A cultura da terra e a divisão das propriedades, deram resultado as primeiras regras da justiça, para assegurar a cada homem o que é seu. A desigualdade insensivelmente com a desigualdade de combinação geram efeitos permanentes na medida que influenciam nos interesses particulares. Ou seja, o poder e a riqueza transformou a sociedade.

Eis então todas nossas faculdades desenvolvidas, a memória e a imaginação em ação, o amor-próprio envolvido, a razão em atividade e o espírito chegando quase ao limite da perfeição de que é suscetível. Aí são acionadas as qualidades naturais, são estabelecidas a posição e o destino de cada homem, não somente quanto à quantidade de bens e o poder de servir ou de prejudicar, mas quanto ao espírito, à beleza, à força ou à destreza, quanto aos méritos e aos talentos [...].25

Com essa desigualdade gerada, os ricos - detentores de poder- começaram a se aproveitar dos mais pobre, acabando de certa maneira com o poder da justiça e assim a sociedade entrou em estado de guerra. Constantes conflitos entre ricos e pobres, essas disputas destruíram com a liberdade natural e fizeram com que a desigualdade e a propriedade permanecessem permanentemente. Rousseau em sua obra, resumidamente, aponta as transformações que a sociedade traz no homem, modificando não só seu comportamento, mas até dando origem à novos sentimentos, muitos deles "perversos". Ou seja, a sociedade tem o poder de corromper o homem e é nela em que ele não só entra em constantes conflitos, mas perde parte de sua liberdade natural.

25

WEFFORT, Francisco; organizador. Os clássicos da política. 14.ed. São Paulo, SP : Ática, 2006.

p. 210.

28

10 O CONCEITO DE DIREITO PARA ROUSSEAU

Em suas obras, Rousseau apresenta premissas quanto à polissemia do termo “Direito” e o conceitua de várias formas ao “classificá-lo” em Direito de Natureza, Direito Civil, Direito a Propriedade, etc. Para o filósofo, o direito é necessário em uma sociedade com o objetivo de manter o controle dos cidadãos e fazer com que todos eles cumpram as leis estabelecidas a partir do momento que o povo passa do Estado Natural para o Estado Civil. Cabe à nós, nesta etapa, analisar o Direito Natural (Segundo Rosseau). Os pressupostos do Direito Natural afirmam que cada um tem a “licença” de agir conforme a sua vontade. Tais afirmativas serviram como fortes alicerces para a formação do Direito Político. Uma das finalidades do direito é trabalhar junto com o governo com o intuito de fazer com que este cumpra as leis. Cabe, também, salientar brevemente o papel do Governo nas relações entre os indivíduos. O governo é o exercício que se dá através da ação de dois poderes: executivo (exercido através dos magistrados, quando o regime adotado é o Democrático; através do Príncipe na Monarquia) e o poder legislativo, que cria as leis e exerce poder através da vontade geral do povo. É papel do Governo assegurar a proteção da propriedade de cada um. A partir do momento os direitos de uma pessoa dentro de uma dada sociedade são prejudicados, o das demais também serão. Logo, ao infringirmos uma lei que assegura o direito de todos ou de cada um, todos os que naquela relação se envolviam também serão lesados.

29

11 POLÍTICA PARA ROUSSEAU

Jean-Jacques Rousseau, em sua obra "Do Contrato Social", faz menção ao Estado Civil. Este dá ao homem a moralidade que não estava presente em suas ações e aponta que há um ganho não só do direito da liberdade civil -o qual limita-se pela vontade geral- quanto da propriedade de tudo que possui, porém tudo isto é regido pelo contrato social. Rousseau deixa explícito que em sua concepção, os homens não são naturalmente inimigos. O filósofo dá ênfase à soberania no seu contexto político. Sendo esta soberania, uma entidade metafísica, que compreende uma junção do público e do particular, a qual se dá através da vontade geral do povo, reunido em assembleia. Esta vontade nunca poderá ser tida como errada ou má, mas sempre será considerada como boa e certa. O cientista ainda comenta que aqueles que se recusarem a segui-la, além de ser coagido por ela, acabará sendo forçado a ser livre.

Aquele que recusar obedecer à vontade geral, será a ela constrangido por todo um corpo, o que não significado senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição pela qual cada cidadão, desde que a entregue à pátria, se garante contra qualquer dependência pessoal. 26

Rousseau aponta as duas principais características ao conceito de soberania, sendo elas: inalienável e indivisível. Como este exemplo de governo representa a vontade geral, ela jamais pode se alienar e o ser soberano não passa a ser nada além do que um ser coletivo. E, pelo mesmo motivo, ela jamais poderá ser dividida, pois não desempenha o papel de só uma parte do povo.

26

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social. Paris, Pléiade, 1954. p. 222.

30

Para o cientista essa vontade geral não tem o mesmo significado da vontade de todos, porque enquanto a geral compreende somente ao prevalecente, a de todos engloba o interesse privado e os desejos próprios. Existem de quatro tipos de lei, para Jean-Jacques, que regem a vontade de "comandar" da melhor maneira possível aquilo que é dito público. A primeira dessas quatro leis, representa a relação do próprio soberano com a instituição Estado, sendo chamada de Lei Fundamental ou Lei Política. "A relação do todo com o todo, ou do soberano com o Estado". 27Já a segunda lei, conhecida como Lei Civil, é a relação da interação do povo entre si ou do corpo inteiro, de um modo que cada cidadão não dependa do outro e sim da pólis. A terceira categoria de lei, chamada de Lei Criminal, representa a interação entre o cidadão e a lei e da aplicação das penas em caso de desobediência. E, a quarta e última, dependente do bom exercício das três anteriores, é aquela que reproduz verdadeiramente a constituição do Estado, sendo esta a Lei dos Usos e dos Costumes e da Opinião. Em seu livro, o filósofo divide as formas de governança de três modos: democrática, aristocrática e monárquica. A Democrática é aquela em que o soberano deixa/confia que seu governo seja exercido pelo povo ou pela maior parte dele e que há necessidade de existir mais pessoas magistradas do que particulares. Porém, aquela em que se restringe às mãos de um pequeno grupo o governo, de uma maneira em que ao contrário da Democracia, haja mais pessoas simples do que magistradas, é nomeada como Aristocrática. Essas duas formas são vulneráveis à restrições e alterações. E, por último, a Monárquica é aquela em que apenas um magistrado comanda todo o governo.

27

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social. Paris, Pléiade, 1954. p. 228.

31

Rousseau ainda complementa: "O governo democrático convém aos Estados pequenos, o aristocrático aos médios e o monárquico aos grandes".28 A constituição, segundo seu pensamento, é o que faz com que não só o governo, mas também o Estado permaneça conservado pelo maior tempo possível e é por isso que Rousseau ressalta a importância do poder Legislativo. "O poder legislativo é o coração do Estado".29 Não deixa, da mesma forma, de destacar a importância do executivo, este considerado como o cérebro da instituição. O filósofo utiliza algumas metáforas para fazer a comparação com o corpo humano, pois conseguimos sobreviver sem o cérebro, mas morremos se nós não tivermos o coração. Resumidamente, o Estado consegue funcionar apenas com a esfera legislativa, porém não sobrevive sem ela. Em um Estado bem dirigido, os cidadãos cumprem com seus deveres e participam ativamente deles e das nomeações de seus representantes, pois preveem que a vontade geral dominará. O autor conclui apontando censura não só faz a declaração de um julgamento público, mas aponta outra importância, sendo esta "para conservar os costumes, jamais para restabelecê-los".30

28

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social. Paris, Pléiade, 1954. p. 232.

29

Ibid., p. 233.

30

Ibid., p. 237.

32

12 CONCLUSÃO

Os pensadores Immanuel Kant e Jean-Jacques Rousseau aproximaram-se fielmente na questão do conceito de Direito. Para ambos os filósofos, o Direito é essencialmente atrelado ao princípio de liberdade. Mas, esta não é mera Liberdade, e sim liberdade virtuosa. Nas palavras de Kant: “O conjunto de condições sob as quais o arbítrio de cada um pode conciliar-se com o arbítrio dos demais segundo uma lei universal da liberdade". 31 Rousseau, assim como Kant, constatou que as ações humanas, quando imorais, conduziriam à perturbação da harmonia social. O descumprimento de uma lei por um indivíduo, para Rousseau, causaria danos não somente ao direito deste, mas também aos demais envolvidos na relação. Se, para Kant, devemos agir de modo que nossa ação se tomada como lei universal não fosse prejudicial à outrem (Imperativo Categórico), conclui-se que ele, ao analisar a sociedade através da maestria do Direito, o fez aos olhos do Rousseaunismo. Conhecimento, na visão Kantiana, inicia-se partir dos conhecimentos empíricos (derivados da experiência). Embora esta não seja a única fonte de conhecimento, logo que, pode-se ser facilmente enganado pela abundância de conhecimentos derivados da experiência, “alimentando-se de impressões (doxa), como se fosse de impressões sensíveis.” O autor definia os juízos em dois tipos: analíticos e sintéticos. Os analíticos, definidos objetivamente pela seguinte frase: “Os corpos são extensos.” E os sintéticos, por essa outra: “Os corpos são pesados”. 31

LEITE, Flamarion Tavares. O conceito de direito em Kant. São Paulo, SP. Ed. Cone. (s.d.). p. 70.

33

Kant fez uma revolução na doutrina Metafísica comparável à de Copérnico na Astronomia, ao elucidar que a faculdade de conhecer não se regula pelo objeto, e sim que o objeto se regula pela faculdade de conhecer. Assim como tantos outros filósofos iluministas, Kant ambicionava a progressão do conhecimento. Para o pensador, a solução estava contida na utilização dos juízos sintéticos a priori. Nunca em juízos analíticos (se utilizados como único meio), pois seria o mesmo que estagnar as ciências. Quando, por exemplo, a Metafísica era fundada apenas em juízos analíticos, era mais facilmente destruída pelos seus próprios ideais metafísicos. Para expandir a esfera do conhecimento, seria necessário realizar a mecânica minuciosa de agregar ao conhecimento a priori proposições sintéticas, pois o verdadeiro núcleo do conhecimento, na visão do autor, não poderia ser pensado fora do terreno dos juízos sintéticos a priori. Já o conhecimento para Rousseau está diretamente ligado à educação, que é capaz de aperfeiçoar o homem e trazê-lo para seu estado natural. O homem só toma posse de si mesmo quando, através dos livros, desbrava além do que está imposto pelas camadas intelectualizadas. Rosseau, assim como Kant (embora de uma maneira mais rudimentar), visualizou o conhecimento enquanto elemento empirico.

A educação do homem começa com o nascimento; antes de falar, antes de ouvir, ele se instrui. A experiência antecipa as lições. [...] Ficaríamos surpresos com os conhecimentos do mais grosseiro dos homens se seguíssemos seu progresso desde o momento em que nasceu até onde está.32

Com ênfase epistemológica em pedagogia, tomando a criança como centro de sua análise, Rousseau constata que a educação não vem de fora, mas da liberdade

32

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou Da educação. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.

45.

34

da criança com seu contato com a natureza. A revolução do pensamento Rousseauniano no âmbito pedagógico consistiu em entender a criança como um ser de características próprias, que não poderia ser vista e tratada como um adulto. A finalidade da educação, para Rousseau, consistia em ensinar a criança a viver e a exercer sua própria liberdade. Como elemento primordial para uma educação de qualidade, Rousseau enfatiza ser necessário o estímulo ao prazer de amar as ciências. De modo que, somente através da paixão a busca pelo conhecimento poderia se tornar algo natural.

35

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