Teorias da Interpretação - Descritivismo vs. Construtivismo

July 3, 2017 | Autor: João Máximo | Categoria: Teoria do Direito, Teoria Da Interpretação
Share Embed


Descrição do Produto








UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO E DOUTORADO

DIRP 180 – Interpretação e Aplicação do Direito
Professor Doutor Daniel Mitidiero
Professor Doutor Humberto Ávila


Função da Ciência do Direito – Descritivismo vs. Construtivismo
Mestrando João Máximo Rodrigues Neto


Sumário: Introdução; 1. Ciência do Direito; 2. Discurso Descritivo; 3. Discurso Criativo e Adscritivo; Conclusões;


Introdução

Não há dúvida de que recentemente temos observado uma introdução no Sistema Jurídico Brasileiro cada vez maior da Teoria Cética da Interpretação em sua vertente mais moderada. Teoria esta característica da Escola de Gênova, a qual tem como um dos seus expoentes o Professor italiano Giovanni Tarello.

Senão nos Foros e Tribunais, através das decisões judiciais que podemos vislumbrar, ao menos no âmbito da Academia. A ideia de que o texto legal representa a norma jurídica pronta e acabada já não tem mais espaço.

Por isso, para melhor compreender esta guinada teórica da interpretação do direito, torna-se imprescindível revisitar algumas escolas, a fim de melhor compreender o tema e possibilitar uma visão crítica sobre o assunto.

No presente trabalho, pretendo trazer à lume duas linhas de pensamento acerca do processo interpretativo do direito, que podem auxiliar neste escopo. O discurso descritivo e o discurso criativo da ciência do direito, os quais condensam e representam muito bem a mudança de foco ocorrida.

Mas antes disso, necessárias algumas breves linhas acerca do direito como ciência. Acerca de como se dá esta apreensão dos fatos naturais pelo mundo jurídico e até que ponto isto influencia e auxilia no melhor entendimento das questões interpretativas.

1. Ciência do Direito

Evidentemente, nem todos os fatos do mundo natural interessam ao direito. Apenas aqueles que representam um significado jurídico relevante, identificado pelo legislador, ingressam no ordenamento e a eles se atribui alguma consequência jurídica.

O objeto da ciência jurídica, portanto, é a norma. O conjunto delas forma um sistema, uma ordem baseada em um fundamento de validade comum. O direito em si é identificado, independente da cultura, da época e do povo, como uma ordem de conduta humana.

Ao contrário de ciências como matemática, química, etc., que são absolutamente objetivas, exatas, a Ciência do Direito trata de relações humanas. Relações estas que não possuem uma objetividade. O direito é uma ciência da compreensão.

A norma entra neste perfil como responsável pela atribuição de sentido, de significado às relações, tornando-as jurídicas. Ou seja, a norma serve como um esquema de interpretação através das proposições jurídicas expressas pelo legislador.

Por muito tempo, especialmente a partir do final do Século XVIII e início do Século XIX, após a Revolução Francesa, a fim de estratificar o poder dos Juízes, a norma foi entendida simplesmente como o texto legal. O legislador era o exclusivo criador da lei, cabendo ao juiz apenas reproduzir o seu significado já pré-definido. Tentou-se, através desta limitação, também atribuir maior objetividade ao entendimento e aplicação do direito.

Neste período histórico, pretendeu-se justificar a alcunha científica do direito, objetivando-o ao extremo. Racionalizando-o de uma maneira que hoje não se pensa mais, mas que ainda imprime suas consequências.

Ao limitar os poderes interpretativos dos juízes, o legislador revolucionário Francês teve como escopo amarrar o significado do texto legal a exatamente o que estava escrito na norma. O juiz apenas pronunciava o que já vinha pré-definido. Por isso que ele era apenas: "A boca da lei".

Este modo de conceber o direito chegou a outros países através da influência proporcionada pelo Código de Napoleão. Especialmente as nações de Civil Law absorveram tal ideia, imaginando que o texto legal já trouxesse a norma em si.

A objetividade representa um parâmetro comum às ciências e por isso tentou-se levar para o direito esta característica. Porém, hoje sabe-se que é um equívoco pensar desta forma. O Direito é uma ciência da compreensão, sendo, por isso, variável, subjetivo, etc., mas não por isso deixa de ser ciência.

Importante mencionar também que Direito não pode ser confundido com ciência jurídica. Direito é um conjunto de normas que podem ser obedecidas ou violadas. Já a ciência do direito é uma grupo, não de normas, mas de proposições jurídicas verdadeiras ou falsas.

O direito possui um discurso prescritivo, enquanto a ciência jurídica tem um discurso descritivo. Aquele dirige a conduta, esta transmite informações ou conhecimentos. A ciência jurídica teria como finalidade, em última análise, a previsão das decisões futuras dos órgãos jurisdicionais, de acordo com o Realismo Americano.

Conscientizar-se desta diferença conceitual facilitará a compreensão dos próximos temas adiante abordados. As teorias da interpretação também podem ser estudadas sob esta ótica.

2. Discurso Descritivo

Nas palavras de Hans Kelsen, o discurso descritivo é típico da interpretação feita pela ciência do direito. A interpretação não-autêntica, ou seja, aquela que não é feita pelos tribunais.

É uma espécie de intepretação puramente cognoscitiva, um ato de conhecimento, uma mera descrição do enunciado legal. Estabelece as possíveis significações de um texto, hipótese na qual é o julgador quem escolherá a mais adequada.

Porém, é possível constatar que não é apenas a interpretação feita pela ciência do direito que pode ser considerada descritiva. A atividade de atribuição de significado relatada alhures, na França revolucionária, também não passava de mera descrição do significado do texto legal.

A ruptura com o ancien régime operou mudanças profundas no papel desempenhado pelos juízes, vistos com muita desconfiança pelos cidadãos da época em virtude do controle sobre eles exercido pelo monarca pré-revolução.

Era necessário, portanto, atribuir amarras à atividade judicial. Nos primeiros anos pós-revolução, os magistrados eram proibidos de interpretar a lei. Posteriormente, em virtude da corriqueira utilização do référé legislatif facultavivo, o legislativo foi sobrecarregado. Assim, o Código de Napoleão (1804) acabou por autorizar a interpretação judicial. Porém, ela não poderia passar de uma mera descrição da lei.

Na ótica racionalista, onde não há qualquer espaço para atribuição de significado pelo intérprete, este apenas reproduz literalmente o que vem expresso no texto legal.

Com a revolução, extirpou-se do juiz a possibilidade de livre interpretação e conferiu-se ao Tribunal de Cassação a tarefa de controlar a atividade do judiciário, zelando pela simples declaração do texto da lei. Acreditavam os Franceses que esta aplicação mecânica do direito, esta confiança estrita na letra da lei proporcionava segurança jurídica e certeza ao direito. Conclusões estas que até hoje vigoram no Brasil, por exemplo.

Cabia ao intérprete, portanto, o reconhecimento da chamada moldura, de acordo com Kelsen, dentro da qual encontravam-se os significados possíveis. Um deles o juiz elegeria o mais correto.

Aqui cabe referir uma importante questão. Hans Kelsen, em sua Teoria da Moldura não defende a existência de uma única resposta correta. Ele afirma que dentro da moldura existem vários significados possíveis.
Porém, o legislador revolucionário Francês mencionado acreditava na univocidade do direito. Haveria apenas uma resposta correta e esta deveria ser encontrada. Esta concepção teve diversas consequências na atividade do Tribunal de Cassação Francês que não poderão ser aqui abordadas. Tais aspectos também chegaram às cortes Brasileiras através da influência Italiana.

A interpretação descritiva do direito acredita em uma literalidade do sentido do texto legal. A norma seria produzida pelo legislador ao imprimir o texto da lei e ao intérprete caberia apenas a reprodução asséptica deste sentido.

Aliás, a intepretação literal pode ser entendida por três maneiras. Em um primeiro sentido, ela pode ser reconhecida como uma interpretação prima facie. Uma compreensão irreflexa do significado. Depende da competência linguística e das expectativas do intérprete. Ela não requer uma argumentação para defesa do sentido.

Por outro lado, a interpretação literal também pode ser entendida como uma interpretação não-contextual ou a-contextual. Ou seja, avessa a influências externas ou elementos extratextuais. Ela apenas leva em consideração as regras semânticas e sintáticas da língua.

Por fim, ela igualmente pode ser reconhecida através de uma interpretação não-corretiva, ou seja, uma interpretação declaratória. Ela nem estende, nem restringe o suposto significado "próprio", "natural", "objetivo" do texto normativo. Seria uma descoberta do significado quase que sem interpretá-lo.

Desenvolveria-se através de uma dupla análise. Uma análise sintática e uma análise semântico-pragmática das disposições, nas palavras de Pierluigi Chiassoni. A primeira consiste na identificação da função gramatical dos termos que compõe o texto normativo e na identificação da função lógica deles para, enfim, estabelecer a estrutura sintática do enunciado.

Já a segunda seria composta de duas operações interdependentes, mas logicamente distintas. Haveria, em princípio, uma tarefa responsável por determinar o significado das expressões utilizadas na disposição legal e, posteriormente, o significado global do enunciado.

Porém, imperioso destacar que este significado global não depende unicamente do sentido isoladamente considerado dos seus vocábulos. Depende de uma ampla série de fatores, como: a) da estrutura da disposição, à luz do das pertinentes regras gramaticais; b) do contexto linguístico específico da disposição; c) do chamado intertexto, ou seja, de outros textos normativos e não normativos em relação aos quais o intérprete entenda haver alguma interdependência ou correlação e d) os específicos contextos extralinguísticos das disposições, ou, na verdade, as específicas situações, à luz das quais o enunciado deve ser igualmente interpretado.

A principal teoria que defende este estilo interpretativo é a Teoria Cognitivista da interpretação. Para ela, interpretar representa um ato de simples descoberta ou conhecimento do significado. Esta teoria é típica dos juristas de oitocentos, da Escola da Exegese Francesa, da Escola Histórica. Porém, por detrás desta corrente teórica é possível observar também a intenção de defesa de um significado não somente descritivo do "ser", mas igualmente do "dever-ser".
O pressuposto básico desta linha teórica está na soberania do legislador e na separação dos poderes. O juiz não possuiria legitimidade para atribuir significado à lei.

Veja-se que, em última análise, tal pensamento defende até mesmo uma verdadeira inexistência de interpretação. Se adotarmos o conceito de que a atividade interpretativa ocorre somente quando há atribuição de significado e, nesse caso, não há, descrever o texto legal, portanto, não é interpretá-lo.

Não há uma relação biunívoca entre significado e interpretação. Quando o texto é claro, existiria significado sem interpretação. De acordo com o brocardo romano: In claris non fit interpretatio ou Interpretatio cessat in claris. Aliás, nestes casos, o texto nem deveria ser interpretado, pois tal atividade distorceria o seu verdadeiro significado.

Jerzy Wróblewski elege a necessidade de argumentação como critério diferenciador. Se o significado do texto é extraído de forma que não há necessidade sequer de justificá-lo, diante da sua absoluta clareza, não teria havido interpretação. Do contrário, ela ocorreria.
No entanto, a respeito destas reflexões, é possível fazer três observações. A primeira, de cunho mais psicológico, contesta o motivo pelo qual denomina-se uma das atividades de interpretação e a outra não. Existem ocasiões nas quais o intérprete apenas reitera o texto normativo, em outras ele reformula-o. No entanto, não há razão para chamar apenas uma das hipóteses de atividade interpretativa.

Aplicar assepticamente a letra da lei não é um tarefa simplesmente mecânica. O intérprete, neste caso, também faz uma escolha entre os significados possíveis, reservando uma compreensão mais restrita ou mais extensiva do texto.

A segunda observação é que a máxima romana anteriormente citada denota um conceito absolutamente restrito de interpretação e também revela uma doutrina prescritiva. Ou seja, admite-se apenas uma resposta correta.

A terceira e última observação destaca que não haveria interpretação na análise de casos claros, restando a atividade volitiva e decisória apenas para os casos obscuros ou difíceis.

Ocorre que esta concepção da atividade interpretativa ignora a evidente equivocidade dos textos normativos. A mera descrição do texto apresenta apenas um dos significados possíveis das palavras nele contidas. Além disso, não importa para a atividade interpretativa o fato do teto ser claro ou obscuro. Em ambos os casos há, de qualquer forma, interpretação.

A adoção desta ideia gera sérias consequências em toda a atividade jurisdicional. As cortes restariam encarregadas apenas pela fiscalização da aplicação ou não do exato sentido da lei, não se importanto com a unidade do direito. A segurança jurídica e a igualdade decorreriam apenas e exclusivamente da Lei. Enfim, uma gama de resultados decorreria desta visão limitada do direito.

Visão esta que vigora até hoje no ordenamento jurídico brasileiro. Não se pode negar que a ideia de sentido único, de mera descrição da vontade do legislador ainda é aplicada pelas Cortes nacionais.
Tal herança teórica chegou ao Brasil através do Direito Italiano, influenciado, por sua vez, pelos Franceses. Por isso que a Itália enfrenta os mesmos problemas que o Brasil neste ponto.

Basta verificar a atividade efetivamente desempenhada pelos Tribunais de ambos os países. Somente após a Constituição Federal de 1988 o Brasil passou a preocupar-se com uma necessária unidade do direito e, assim, iniciou vagarosamente uma introdução de institutos jurídicos com este escopo. O iminente novo Código de Processo Civil é um dos exemplos desta iniciativa.

3. Discurso Criativo e Adscritivo

Especialmente após a segunda metade do Século XX observou-se uma virada teórica da interpretação, que pode ser observada quando da passagem do Estado Legislativo para o Estado Constitucional, a qual é acompanhada de duas outras mudanças que compõe uma tríplice alteração no que concerne à compreensão do direito.

Esta alteração pode ser constatada, por exemplo, pela mudança de foco do processo civil. Ele deixou de ser eminentemente individualista, subjetivo e preocupado somente com o caso concreto para adotar uma nova roupagem dada à teoria das normas, à técnica legislativa e à teoria da interpretação.

Na teoria das normas, passou-se daquela concepção unívoca de regra, de lei como único tipo de norma propriamente dita, uma ideia na qual os princípios eram somente fundamentos, não possuíam força normativa, para uma multiplicidade de normas. No Estado Constitucional, a lei ganha companhia como fonte normativa. Juntam-se a ela os princípios e os postulados normativos. Houve uma mudança tanto quantitativa, como qualitativa.

Na técnica legislativa, deixou-se de lado uma redação casuística, com intenção de completude, típica de um perfil de processo individualista, voltada para apenas resolver o caso concreto. Passou-se a utilizar uma técnica mista: casuística e aberta. O legislador começou a valer-se de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados. Veja-se que este tipo de regramento dá um espaço maior de atuação ao juiz, permitindo que ele tutele o direito de modo mais efetivo possível.

Só que esta abertura não se encaixaria com uma concepção de que a norma é igual ao texto legal. De que existe apenas uma descrição pelo aplicador do direito. Não! Normas deste tipo exigem que o intérprete adscreva um sentido a elas. Por isso, passou-se a perceber que texto não era igual a norma. Afastou-se o caráter cognitivista do direito e passou-se para uma visão mais cética do direito. Percebeu-se, enfim, que as normas são fruto de uma reconstrução de significado de textos e elementos não textuais feita pelo intérprete.

Esta reconstrução, em princípio, deve ater-se aos diversos significados possíveis, evitando-se qualquer tipo de inovação ou criação de regra. Kelsen acreditava que a escolha do resultado mais correto, dentro da chamada "moldura", não seria uma questão atinente à Teoria do Direito, mas à Política do Direito. Eventual descoberta cognoscitiva do julgador em relação a significados fora destes limites, decorrentes de normas morais, juízos de valor social, interesse do Estado, etc., não poderia pelo Direito ser validada ou verificada.
Porém, nem por isso ela deixaria de ocorrer. Este mesmo autor menciona que a interpretação autêntica, ou seja, aquela feita pelos órgãos julgadores é essencialmente criativa. Ela adiciona ao elemento descritivo, aos significados dentro da moldura, um ato volitivo do julgador. Nesta medida haveria criação de direito.

Segundo o jurista Italiano Riccardo Guastini, ao deparar-se com um texto legal, o julgador poderia adotar três caminhos: escolher um dos significados existentes dentro da chamada "moldura"; escolher um significado fora desta "moldura", ou, mesmo não havendo diversos significados, hipótese na qual o sentido já estaria consolidado jurisprudencialmente, escolher outro. Nesse sentido, apenas a primeira opção não seria uma interpretação criativa.

Existem, evidentemente, opiniões dissonantes acerca das vantagens e desvantagens deste tipo de interpretação. Mas o que importa é observar que a tomada de consciência sobre a ambiguidade e vagueza dos textos normativos impõe uma nova tarefa aos operadores do direito e que não necessariamente representa um subjetivismo incontrolável.

Caracterizar a interpretação desta maneira leva necessariamente a uma aplicação lógico-argumentativa do direito. Ou seja, é preciso que o aplicador logicamente construa os nexos entre proposições e enunciados para depois argumentativamente justificar as suas escolhas. É o único método de controle de racionalidade.

Através desta reconstrução dos significados dos textos legais, judiciário e legislativo andam juntos. Contribuem para o império do direito. Não há usurpação de competência.

A representação teórica desta ideia pode ser encontrada na Escola Cética da interpretação. Para ela, o ato de interpretar não se limita a uma simples descoberta do conhecimento, mas configura uma atribuição de significado ao texto interpretado. É um ato de vontade. Está ligado a uma interpretação decisória do sentido, dentre os diversos existentes. Não há como negar a discricionariedade desta atribuição.

Porém, necessário destacar que ela possui duas vertentes: moderada e extrema. A diferença primordial é que para a primeira o texto possui um significado mínimo, a partir do qual o intérprete reconstruirá aquele que entende mais correto. Já para a segunda, os textos legais são amplamente vagos e ambíguos, destituídos de qualquer significado pré-existente.

Enquanto para a versão moderada é possível a atribuição de valores de verdade ou falsidade ao resultado interpretativo em casos claros, mas aos enunciados interpretativos em abstrato e aos casos chamado difíceis não, para a versão mais extrema em momento algum se pode dizer que o produto da interpretação é verdadeiro ou falso.

Veja-se que a versão extremada desta teoria interpretativa é deveras radical, pois não admite qualquer significado antes da interpretação. Ocorre que as palavras possuem sim limites conceituais. Elas têm um significado mínimo, mas não qualquer significado.

A despeito destas divergências teóricas, fato é que o processo de individualização do texto legal ao caso concreto exige mais que uma descrição. Exige uma adaptação do enunciado aos fatos.

Tal adaptação só pode ser alcançada através da escolha de um dentre os vários significados possíveis. É o enunciado que deve ser adequado aos fatos e não o inverso.

Além disso, é preciso reconhecer que nem todas as ações humanas podem ser previstas em lei. Logo, haverá inevitavelmente lacunas legais que deverão ser preenchidas e este arranjo do sistema só é possível através de interpretações, sejam meramente adscritivas ou até mesmo criativas.

Estes tipos de interpretação são genuinamente praticados pelas Cortes Supremas, responsáveis pela unidade do direito. Ora, se os textos legais possuem esta indeterminação, alguém precisa definir qual o correto significado, a fim de resguardar a igualdade e a segurança jurídica do sistema.

Não se duvida que os textos legais são equívocos e ambíguos, na medida em que admitem uma pluralidade de significados; complexos, pois admitem esta variedade de sentidos, às vezes, ao mesmo tempo; que padecem de problemas de implicação, ou seja, dúvida se de um conceito decorre outro diverso ou não; problemas de superabilidade, ou seja, se existem exceções implícitas e, por fim, problemas de taxatividade.

Todas estas variáveis podem ser solvidas e definidas através da unidade do direito atribuída pelas Cortes Supremas. A definição do sentido do texto legal é tarefa imprescindível e a Teoria Cética auxilia nesta empresa.

Longe de recriar a discussão sobre a natureza declaratória ou criativa do direito, é preciso ter a consciência de que o objeto da ciência jurídica são os fatos sociais e estes são absolutamente dinâmicos.

Portanto, interpretá-los de maneira unívoca certamente produzirá injustiças e disparidades dentro do sistema jurídico que confrontarão de forma prejudicial valores constitucionalmente previstos.

Conclusões

Então, ao compararmos os dois discursos é possível constatar que para a ciência do direito, certamente a escolha de um significado para o texto legal fora da "moldura" não configura propriamente uma interpretação, mas uma criação do direito.

A ciência, como é do seu próprio cerne, tem o escopo de descrever os fenômenos e por isso, também no campo do direito, adota tal postura. Vislumbrar cientificamente o direito é apenas relatar, descrever o enunciado legal.

No entanto, sabemos, e a própria doutrina admite, como visto, que a interpretação realizada pelos órgãos julgadores vai além. Ela precisa ir além. Tudo isso em razão dos problemas semânticos adrede alinhados. Os textos são de fato equívocos e, por isso, não é possível extrair um sentido unicamente descritivo.

Nesse sentido, observa-se que paulatinamente a ordem jurídica Brasileira reconhece e admite estas variáveis e cria mecanismos para adaptação do sistema ao já enraizado conceito unívoco da Lei, que precisa ser definitivamente abandonado.

















































REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; Do Formalismo no Processo Civil – proposta de um formalismo-valorativo. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009.

__________. "O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais". In: DIDIER JR., Fredie. Leituras Complementares de Processo Civil. 6ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2008.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 14a ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

__________. Segurança Jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.

BERTEA, Stefano. Certezza del diritto e argomentazione giuridica. Cantarzo: Rubbetino. 2002.

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Teoria do Precedente Judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012

CANARIS, Claus-Wilhelm, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, 5ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian. 2012. Traduzido por Antônio Menezes Cordeiro.

CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell'interpretazione giuridica. Mulino. 2007

DWORKIN, Ronald. Law's Empire. Cambridge: Harvard, 1986.

GUASTINI, Riccardo. Interpretare e Argomentare. Giuffrè: 2011.

HART, Herbert. The Concept of Law. (1961) 2a ed. Oxford: Claredon Press, 1994.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. WMF Martins Fontes. São Paulo. 2012. Tradução: João Baptista Machado.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. Tradução: José Lamego.

MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the Rule of Law – A Theory of Legal Reasoning. Oxford: Oxford University Press, 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ Enquanto Corte de Precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

MICHELON JR., Claudio Fortunato. Aceitação e Objetividade. RT. 2004.

MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

__________. Colaboração no Processo Civil. 2a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

TARELLO, Giovani. L'Interpretatione della Legge. Milano: Giuffrè, 1980.

WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 4a ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.