Teorias da leitura e formação do leitor

June 7, 2017 | Autor: Evanir Pavloski | Categoria: Leitura, FORMAÇÃO DE LEITORES, Formação Do Leitor
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Descrição do Produto

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Letras

LICENCIATURA EM

TEORIAS DA LEITURA E FORMAÇÃO DO LEITOR Evanir Pavloski

PONTA GROSSA - PARANÁ 2012

CRÉDITOS João Carlos Gomes Reitor Carlos Luciano Sant’ana Vargas Vice-Reitor Pró-Reitoria de Assuntos Administrativos Projeto Gráfico Ariangelo Hauer Dias – Pró-Reitor Anselmo Rodrigues de Andrade Junior Pró-Reitoria de Graduação Colaboradores em EAD Graciete Tozetto Góes – Pró-Reitor Dênia Falcão de Bittencourt Jucimara Roesler Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância Leide Mara Schmidt – Coordenadora Geral Colaboradores em Informática Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Pedagógica Carlos Alberto Volpi Carmen Silvia Simão Carneiro Sistema Universidade Aberta do Brasil Adilson de Oliveira Pimenta Júnior Hermínia Regina Bugeste Marinho – Coordenadora Geral Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Adjunta Colaboradores de Publicação Silvana Oliveira – Coordenadora de Curso Márcia Monteiro Zan – Revisão Marly Catarina Soares – Coordenadora de Tutoria Glaucia Marilia Hass – Revisão Fernando Lopes – Diagramação Colaborador Financeiro Luiz Antonio Martins Wosiack Colaboradores Operacionais Edson Luis Marchinski Colaboradora de Planejamento Rafael Fernandes Siqueira Silviane Buss Tupich Samuel Clemente de Souza Thiago Barboza Taques

Todos os direitos reservados ao Ministério da Educação Sistema Universidade Aberta do Brasil

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor Tratamento da Informação BICEN/UEPG.



P338t









Pavloski, Evanir Teorias da leitura e formação do leitor / Evanir Pavloski. Ponta Grossa : UEPG/NUTEAD, 2012. 87 p. : il. Licenciatura em Letras - Educação a distância. 1. Leitor – formação. 2. Leitiura. I. T



CDD: 808.068

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância - NUTEAD Av. Gal. Carlos Cavalcanti, 4748 - CEP 84030-900 - Ponta Grossa - PR Tel.: (42) 3220-3163 www.nutead.org 2012

APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL A Universidade Estadual de Ponta Grossa é uma instituição de ensino superior estadual, democrática, pública e gratuita, que tem por missão responder aos desafios contemporâneos, articulando o global com o local, a qualidade científica e tecnológica com a qualidade social e cumprindo, assim, o seu compromisso com a produção e difusão do conhecimento, com a educação dos cidadãos e com o progresso da coletividade. No contexto do ensino superior brasileiro, a UEPG se destaca tanto nas atividades de ensino, como na pesquisa e na extensão Seus cursos de graduação presenciais primam pela qualidade, como comprovam os resultados do ENADE, exame nacional que avalia o desempenho dos acadêmicos e a situa entre as melhores instituições do país. A trajetória de sucesso, iniciada há mais de 40 anos, permitiu que a UEPG se aventurasse também na educação a distância, modalidade implantada na instituição no ano de 2000 e que, crescendo rapidamente, vem conquistando uma posição de destaque no cenário nacional. Atualmente, a UEPG é parceira do MEC/CAPES/FNED na execução do programas Pró-Licenciatura e do Sistema Universidade Aberta do Brasil e atua em 40 polos de apoio presencial, ofertando, diversos cursos de graduação, extensão e pós-graduação a distância nos estados do Paraná, Santa Cantarina e São Paulo. Desse modo, a UEPG se coloca numa posição de vanguarda, assumindo uma proposta educacional democratizante e qualitativamente diferenciada e se afirmando definitivamente no domínio e disseminação das tecnologias da informação e da comunicação. Os nossos cursos e programas a distância apresentam a mesma carga horária e o mesmo currículo dos cursos presenciais, mas se utilizam de metodologias, mídias e materiais próprios da EaD que, além de serem mais flexíveis e facilitarem o aprendizado, permitem constante interação entre alunos, tutores, professores e coordenação. Esperamos que você aproveite todos os recursos que oferecemos para promover a sua aprendizagem e que tenha muito sucesso no curso que está realizando. A Coordenação

SUMÁRIO ■■ PALAVRAS DO PROFESSOR ■■ OBJETIVOS E EMENTA

A

7 9

LEITURA NO BRASIL: MITOS E FRONTEIRAS

11

■■ SEÇÃO 1 - Antecedentes históricos da leitura no Brasil ■■ SEÇÃO 2 - Os analfabetismos no Brasil do século XXI ■■ SEÇÃO 3 - O brasileiro não lê! (O quê?)

T

13 20

EORIA DA RECEPÇÃO – DIÁLOGOS COM OS TEXTOS

■■ SEÇÃO 1 - Os caminhos da leitura e as veredas da teoria ■■ SEÇÃO 2 - As dimensões da leitura

26

33 35 41

E

STÉTICA DA RECEPÇÃO – DIÁLOGOS COM OS TEXTOS LITERÁRIOS 63 ■■ SEÇÃO 1 - O que é literatura? As perspectivas de autores, teóricos e receptores 65 ■■ SEÇÃO 2 - As especificidades do diálogo literário 71 ■■ SEÇÃO 3 - As faces do diálogo literário 77 ■■ PALAVRAS FINAIS ■■ REFERÊNCIAS ■■ NOTA SOBRE O AUTOR

84 85 87

PALAVRAS DO PROFESSOR    Seja bem-vindo ao Curso de Letras, na modalidade Português/

Espanhol e, em especial, ao conteúdo de Teorias da Leitura e Formação do Leitor. A leitura representa não apenas um caminho para a aquisição de conhecimento, aperfeiçoamento da linguagem e catarse, mas também uma parte integrante da formação de indivíduos dotados de senso crítico, princípios éticos e cidadania. Entretanto, dados estatísticos revelam problemas crônicos no Brasil no que se refere à leitura de textos literários ou não, como, por exemplo, deficiências no processo de alfabetização e o analfabetismo funcional. Tais problemas podem ser enfrentados por meio de uma consciência mais plena do processo da leitura como um todo: suas dimensões, as inferências e as expectativas envolvidas na leitura de diferentes gêneros textuais, a estrutura composicional que forma a tessitura dos textos e as diferentes etapas que compõem o processo de desenvolvimento da capacidade de leitura dos sujeitos. Diante disso, esta disciplina foi organizada com o objetivo de promover o estudo e a reflexão sobre o real panorama da leitura no Brasil e os desafios que o cercam. Nesse sentido, privilegiou-se, em um primeiro momento, a análise de dados estatísticos e de textos críticos sobre a questão. Em seguida, buscamos delinear os principais conceitos das chamadas teorias da recepção, tendo em vista um aprofundamento crítico da própria definição de leitura e das suas múltiplas faces. Contudo, o foco principal da disciplina repousou sobre a interação com textos verbais e os diversos elementos que permeiam a sua organização e que condicionam a sua interação com o leitor. Finalmente, reservamos uma unidade específica para o estudo das especificidades do texto literário e da experiência estética na qual o leitor mergulha ao percorrer as páginas de contos, fábulas, crônicas, poemas e romances. Dessa forma, buscamos evidenciar as especificidades estruturais e dialógicas que perpassam o processo da leitura e apontar características relevantes que podem contribuir para uma formação mais efetiva de leitores mais competentes e mais conscientes. Assim, esperamos que o diálogo silencioso com os textos aqui inseridos ecoe para outras dimensões textuais e possibilite, eventualmente, a dissipação de outros silêncios sustentados pelo desconhecimento e pela exclusão.

OBJETIVOS E EMENTA Objetivos ■■ Promover a discussão sobre as causas históricas, sociais e educacionais dos problemas de alfabetização e leitura de jovens e adultos no Brasil. ■■ Analisar, no horizonte das teorias da recepção, os problemas e desafios enfrentados em sala de aula para a formação de leitores, tendo como corpus de análise dados apresentados por autores e institutos interessados (INAF, IPM, IPEA, etc.). ■■ Aprofundar os conhecimentos teóricos sobre os processos dialógicos envolvidos na leitura de textos ficcionais ou não. ■■ Problematizar os limites da escrita literária e do cânone ocidental enquanto elementos integrantes do processo de formação de leitores. ■■ Aprofundar o conhecimento teórico sobre as relações que se estabelecem entre o leitor e a obra literária, as quais caracterizam um processo dialógico de ordem histórica, cultural e interpessoal (comunicação diferida).

Ementa Análise de dados estatísticos e textos críticos sobre o panorama da leitura no Brasil. Estudo das teorias da leitura e do papel do leitor no processo de significação de textos verbais e não verbais. Discussão sobre a produção, circulação e recepção de obras literárias, tendo em vista o papel ativo dos leitores sobre essa dinâmica.

e fronteiras

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■■ Analisar os aspectos histórico-sociais que contribuíram para um quadro deficitário da leitura no Brasil. ■■ Distinguir os conceitos de analfabetismo e analfabetismo funcional no contexto brasileiro, relacionando-os com índices estatísticos sobre a alfabetização e a leitura no último século. ■■ Perceber as diferentes modalidades de leitura presentes nas sociedades modernas e problematizar a noção de que o povo brasileiro simplesmente não lê.

ROTEIRO DE ESTUDOS ■■ SEÇÃO 1 - Antecedentes históricos da leitura no Brasil ■■ SEÇÃO 2 - Os analfabetismos no Brasil do século XXI ■■ SEÇÃO 3 - O brasileiro não lê! (O quê?)

UNIDADE I

A leitura no Brasil – mitos

Universidade Aberta do Brasil

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Ao se abordar o tema da leitura, seja ela ficcional ou não, no contexto

cultural brasileiro, depara-se com a enunciação de um pensamento que, devido a sua recorrência, já se impõe como parte do senso comum: “o povo brasileiro não gosta de ler!”.

Contudo, ao analisarmos mais profundamente a questão,

percebemos que supostas “verdades imediatas” sobre a leitura no país escondem generalizações e simplificações que não se sustentam sob o foco de um olhar mais crítico. Afinal, a que modalidade de leitura ou gênero textual nos referimos? O que apontam os indicadores estatísticos? Quais as transformações impulsionadas pelas novas mídias digitais? De que maneira(s) o próprio conceito de leitura tem sido rearticulado e reinterpretado?

E mesmo que, adotando os parâmetros tradicionais de leitura,

verifiquemos que os índices nacionais se mostram inferiores aos de outros países, cabe-nos problematizar os aspectos históricos que contribuíram para a formação de tal quadro.

Assim, na presente unidade discutiremos o panorama da leitura

no Brasil, partindo do que o senso comum carrega de verdade e o que pode (e, possivelmente, deve) ser questionado.

12 UNIDADE 1

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA LEITURA NO BRASIL Primeiramente, tomemos como critério inicial de análise os indicadores estatísticos de alfabetização no país, uma vez que não é possível apreciar a difusão da leitura e o seu possível apreço por um determinado grupo social sem mencionar a formação educacional dos membros desse grupo. Ao apresentarmos uma discussão sobre o analfabetismo no Brasil,

Teorias da leitura e formação do leitor

SEÇÃO 1

o primeiro ponto a considerar é que se trata de um problema crônico em nossa história e que se confunde com a própria colonização do território. Inicialmente, não havia um sistema educacional constituído na sociedade colonial, ficando a cargo dos jesuítas portugueses o exercício de práticas pedagógicas descontínuas e que tinham como objetivo primordial a transmissão da língua do colonizador e dos preceitos religiosos da Igreja Católica. Tal desestruturação associada a um processo colonizador caracteristicamente exploratório manteve a educação formal (e, consequentemente, a alfabetização) distante das prioridades da metrópole. Em outras palavras, a dinâmica social privilegiava as relações comerciais e as práticas mercantilistas, atividades que não exigiam uma capacidade leitora desenvolvida. Em sua interessante obra História da instrução pública no Brasil (15001889), José Ricardo Pires de Almeida comenta o fato de que no Brasil Colônia “havia um grande número de negociantes ricos que não sabiam ler” (ALMEIDA, 2000, p. 37). A progressiva formação de uma elite colonial, cujos filhos nasceram em terras brasileiras, fomentou a estruturação de um sistema educacional organizado. Entretanto, a educação formal se restringia a uma camada ínfima da população e priorizava o ensino das letras clássicas, especificamente

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o latim, como forma de consolidar uma elite culturalmente submissa à aristocracia portuguesa. Segundo Luiz Carlos Villalta, tais diretrizes redundam em uma prática educacional “claramente reprodutivista, voltada para a perpetuação de uma ordem patriarcal, estamental e colonial [...] uma não-pedagogia, acionando no cotidiano o aparato repressivo para inculcar a obediência” (VILLALTA, 1997, p. 351). No decorrer do período colonial, o tupi-guarani se tornou a língua franca no Brasil, isto é, a língua utilizada cotidianamente pela maioria da população. Nesse contexto, convencionou-se o uso da língua portuguesa apenas na esfera burocrática (certidões, promissórias, etc.), o que atribuiu um status privilegiado àqueles que dominavam tanto a modalidade oral quanto escrita do idioma. Dessa forma, o letramento se estabiliza como um dos vários elementos da dinâmica de poder e de exclusão na sociedade da época.

(Poema em tupi-guarani. Fonte: FERNANDES, Adaucto. Gramática Tupi, Rio de Janeiro: Coelho Branco, 1960).

Em 1758, a língua portuguesa foi declarada o idioma oficial do Brasil. No mesmo período, a responsabilidade pela formação educacional dos nativos e colonos foi transferida das mãos dos jesuítas para a máquina administrativa da Metrópole. Contudo, a carência de infraestrutura, a falta de qualificação e a baixa remuneração dos professores impossibilitaram a melhoria da educação e a ampliação do número de alfabetizados. Consequentemente, o poder cultural e econômico se mantinha como privilégio de uma minoria elitizada que podia financiar os estudos de seus

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iletrada. Tal configuração fez com que a formação educacional da massa desprivilegiada se concentrasse sobre ensinamentos práticos que possibilitassem o exercício de ofícios necessários na época (artesãos, agricultores, etc.) e que não demandavam um ensino formal e mesmo a alfabetização. O conhecimento e a cultura eram vistos, sob essa perspectiva, como refinamentos distantes da realidade cotidiana e das urgências da subsistência1. A situação não se modificou substancialmente durante o período imperial, mesmo com a abertura das primeiras faculdades no Brasil.

Teorias da leitura e formação do leitor

filhos na Europa enquanto a vasta maioria dos indivíduos permanecia

Com a corte no Rio de Janeiro, foram instaladas as primeiras instituições de ensino superior no Brasil, eram faculdades voltadas para a formação da burocracia estatal que emergia. Essas instituições de ensino, portanto, privilegiaram as camadas superiores da sociedade, europeizando e produzindo uma educação que visava à manutenção do status quo. As classes populares, que precisavam do ensino primário para aprender a ler e escrever a língua portuguesa, continuaram negligenciadas. (PARANÁ, 2008, p. 41) ALMEIDA (2000) menciona que, em 1886, o percentual da população escolarizada era de 1,8%, índice sensivelmente inferior ao de outros países latino-americanos como, por exemplo, a Argentina (em torno de 6%). “Prova disto é que, no Império, admitia-se o voto do analfabeto, desde que, é claro, este possuísse bens e títulos” (PINTO et al, 2000, p. 512).

Ainda no final do século XIX, e com o advento da República, a preocupação com a nascente industrialização influenciou a estrutura curricular: tendo em vista a formação profissional, as Humanidades não eram consideradas prioritárias, fortalecendo-se o caráter utilitário da educação. Houve, então, a necessidade de rever o acesso ao ensino para atender às necessidades da industrialização. (PARANÁ, 2008, p. 41)

1 É interessante perceber que essa visão instrumentalista da educação e do conhecimento parece ter ressurgido com nova roupagem na contemporaneidade. Esse pragmatismo se revela na grande quantidade e variedade de cursos em nível técnico ofertados atualmente e na ênfase no papel das instituições de ensino na formação de profissionais para o mercado de trabalho. Isso não significa, obviamente, que a leitura foi relegada a um segundo plano. Podemos apenas questionar a completude desse processo formativo e os modelos de profissional e leitor a serem gerados por ele.

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É pacífico afirmar que parte dos ideais progressistas difundidos em todo o mundo ao longo do Oitocentos foi responsável pelo fortalecimento do caráter utilitarista e excludente que então caracterizava o sistema educacional brasileiro. Essa conjuntura se alterou apenas em meados do século XX, quando projetos de ampliação da rede de educação foram colocados em prática. Sem dúvida, tais medidas representaram uma melhoria nas condições do ensino no país. Não obstante, o avanço parece ter ocorrido mais em termos quantitativos do que qualitativos. Em outras palavras, o número de instituições de ensino aumentou, mas a qualidade da instrução oferecida aos alunos se manteve passível de críticas. Ainda assim, determinadas transformações e inclusões se revelaram expressivas como, por exemplo, o reconhecimento de variantes linguísticas, sociais e econômicas nas salas de aula e a ênfase no trabalho com textos literários. No entanto, mesmo tais aspectos revelam facetas problemáticas como a disseminação de formas de preconceito e a instrumentalização da literatura como fonte exemplar da norma culta da língua. A leitura do texto literário, no ensino primário e ginasial, visava transmitir a norma culta da língua, com base em exercícios gramaticais e estratégias para incutir valores religiosos, morais e cívicos. O objetivo era despertar o sentimento nacionalista e formar cidadãos respeitadores da ordem estabelecida. (PARANÁ, 2008, p. 45) Durante o período da ditadura militar, os estudos comportamentalistas2 foram utilizados como suporte teórico-metodológico para o ensino nos níveis fundamental e médio. Acreditava-se que uma proposta pedagógica alicerçada sobre práticas de memorização e repetição seria mais adequada ao regime autoritário instituído, uma vez que cerceava o desenvolvimento de reflexões críticas por parte dos estudantes. Assim, estabelecia-se um contraponto às conquistas alcançadas com a ampliação da rede educacional, ou seja, novos espaços de aprendizagem foram construídos, mas antigos objetivos estatais ainda os ocupavam.

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2 O behaviorismo é um conjunto de teorias psicológicas cujos postulados defendem a noção de que os indivíduos podem ser condicionados ou ensinados a partir do trinômio: estímulo, resposta e reforço. Esse cabedal teórico teve grande influência na segunda metade do século XX não apenas na psicologia, mas também na pedagogia e filosofia.



Teorias da leitura e formação do leitor

Tradução livre: “Eu espero que todos vocês se tornem pensadores independentes, inovadores e críticos que farão exatamente o que eu disser”.

Além disso, a visão de que a educação formal deve se destinar

à qualificação profissional foi não apenas reafirmada, mas também aprofundada pelo governo militar em instituições de todo o país. Para tanto, ainda no final da década de 60 foi inaugurado o projeto MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), que ofertava a possibilidade de alfabetização para indivíduos acima da idade escolar prescrita.

Todavia, os fracos parâmetros de avaliação comprometeram a

efetividade do programa e, consequentemente, produziram um grande número de indivíduos oficialmente alfabetizados, mas, na verdade, semianalfabetos. O resultado desse processo foi a divulgação de índices de letramento por parte dos militares que, até os dias atuais, são colocados em questão.

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QUADRO 13 Evolução do Índice de Analfabetismo no Brasil (1940-1977)



Ano

Índice

1940

56,1%

1950

50,7%

1960

39,6%

1970

33,6%

1971

30,7%

1972

26,6%

1973

25,5%

1974

21,9%

1975

18,9%

1976

16,4%

1977

14,2%

Com isso, um novo conceito pode ser aplicado ao panorama da

leitura no Brasil: o analfabetismo funcional. Tal definição é empregada para caracterizar aqueles indivíduos que, apesar de serem considerados alfabetizados pelos critérios instituídos, não conseguem extrair a mensagem de um texto dissertativo simples.

A abertura democrática na década de 80 marcou o início de

uma busca pela modernização do ensino brasileiro, tanto em termos conceituais quanto metodológicos. A influência dos estudos bakhtinianos, por exemplo, consolidou uma visão da linguagem como um elemento de natureza sociológica, dinâmico e historicamente construído. A adoção dessa nova perspectiva redundou, consequentemente, na caracterização da leitura como processo dialógico no qual o leitor participa ativamente.

Diante dessa reestruturação de paradigmas, documentos oficiais

foram redigidos priorizando um modelo de ensino-aprendizagem alicerçado, 3

entre outras bases, no compartilhamento de experiências, no papel ativo

Cf. BELLO, José Luiz de Paiva. Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL. História da dosnoalunos na construção doMilitar. conhecimento nos multiletramentos. Educação Brasil. Período do Regime Pedagogia e em Foco, Vitória, 1993.

18 UNIDADE 1

3 Cf. BELLO, José Luiz de Paiva. Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL. História da Educação no Brasil. Período do Regime Militar. Pedagogia em Foco, Vitória, 1993.

Portuguesa na Educação Básica brasileira, e confrontando esse percurso com a situação de analfabetismo funcional, de dificuldade de leitura compreensiva e produção de textos apresentada pelos alunos – segundo os resultados de avaliações em larga escala e, mesmo, de pesquisas acadêmicas – as Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa requerem, neste momento histórico, novos posicionamentos em relação às práticas de ensino; seja pela discussão crítica dessas práticas, seja pelo envolvimento direto dos professores na construção de alternativas. (PARANÁ, 2008, p. 47-48)



Teorias da leitura e formação do leitor

Considerando o percurso histórico da disciplina de Língua

Obviamente, os desafios a serem enfrentados ainda se revelam

graves e abundantes. Contudo, a tentativa de renovação dos modelos educacionais tradicionais e a própria consciência da necessidade dessas transformações já representam avanços para uma estrutura que, ao longo do tempo, foi manipulada por mecanismos de poder e discursos excludentes.

A partir de tudo o que foi exposto na presente seção, percebemos

que um possível afastamento da população brasileira do diálogo com textos escritos está intimamente relacionado a uma organização educacional deficitária e excludente que, desde o período colonial, privou a vasta maioria da população de uma formação acadêmica que viabilizasse uma relação mais próxima com a leitura e a escrita. Assim, se considerarmos verdadeiro o aforismo de que “o brasileiro não gosta de ler”, devemos considerar também os aspectos histórico-culturais que moldaram (e talvez continuem moldando) esse posicionamento.

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SEÇÃO 2

OS ANALFABETISMOS NO BRASIL DO SÉCULO XXI Como vimos anteriormente, o impulso modernizador que atingiu o sistema educacional brasileiro nas últimas décadas do século passado representou, na pior das hipóteses, um processo de conscientização do caráter urgente de certas transformações estruturais e conceituais. Todavia, um panorama formado a partir de tão longa trajetória histórica não poderia ser rearticulado em poucos anos, mesmo com as melhores das intenções e o mais diligente dos projetos. Dessa forma, analisaremos na presente seção dados estatísticos que, baseados nos censos demográficos realizados em 2000 e 2010, lançam alguma luz sobre os índices atuais e os progressos alcançados nos últimos trinta anos. Com base no trabalho Um olhar sobre indicadores de analfabetismo no Brasil, publicado em 2000, vislumbraremos, primeiramente, as alterações quantitativas da alfabetização no país ao longo do século passado. Analfabetismo na faixa de 15 anos e mais no Brasil 1900-2000 (Fonte: IBGE) População de 15 anos ou mais Ano 1900

População total (em milhões) 9.728

População analfabeta (em milhões) 6.348

Taxa de analfabetismo (%) 65,3

1920

17.564

11.409

65,0

1940

20.640

13.269

56,1

1950

30.188

15.272

50,6

1960

40.233

15.964

39,7

1970

53.633

18.100

33,7

1980

74.600

19.356

25,9

1991

94.891

18.682

19,7

2000

119.533

16.295

13,6

(Fonte: IBGE – Censo demográfico – 2000)

20 UNIDADE 1

alfabetização no país no curso de cem anos. Entretanto, é preciso considerar que a queda dos percentuais do número de analfabetos está diretamente relacionada ao crescimento populacional da nação, o qual se mostra mais acelerado do que o decréscimo na taxa de analfabetismo. Como afirma Jose Marcelino de Rezende Pinto: Em primeiro lugar, observa-se que a taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais caiu ininterruptamente ao longo do século, saindo de um patamar de 65,3% em 1900 para chegar a 13,6%

Teorias da leitura e formação do leitor

Diante do quadro acima, é inegável a evolução nos índices de

em 2000. Contudo, como já alertava Anísio Teixeira (1971), em trabalho de 1953, não basta a queda da taxa de analfabetismo; é fundamental também a sua redução em números absolutos. E neste aspecto há muito ainda a ser feito. Como dado positivo, temos o fato de que, finalmente, na década de 80, conseguimos reverter o crescimento constante até então verificado no número de analfabetos e, como dado negativo, o de que, em 2000, havia um número maior de analfabetos do que aquele existente em 1960 e quase duas vezes e meia o que havia no início do século 20. Como do ponto de vista da mobilização dos recursos o que interessa é o número absoluto de analfabetos, percebe-se a grande tarefa que temos pela frente, facilitada, é claro, pelo fato de a riqueza social produzida hoje pelo Brasil ser muito maior que a de 1960 ou a do início do século. (PINTO et al, 2000, p. 512) É interessante perceber que a distribuição desse número de analfabetos no território nacional não é, de forma alguma, equilibrada, uma vez que há regiões do país onde os índices atuais se mostram mais críticos. Essa heterogeneidade está irremediavelmente vinculada ao desenvolvimento econômico dessas localidades, uma vez que o histórico de pobreza e de exploração característico desses espaços refreou (inclusive, por questões políticas) o desenvolvimento educacional.

21 UNIDADE 1

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Não obstante a clara evolução demonstrada na primeira tabela, o Brasil ainda ocupa uma posição inglória no ranking dos países listados a partir do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano4) e da correspondente taxa de analfabetismo. Sem dúvida, as políticas públicas de educação desenvolvidas no país desde a colonização do território são diretamente responsáveis por essa colocação. Índice de desenvolvimento humano e taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais – 2000 País

IDH

Posição

Taxa de analfabetismo (%)

Noruega

0,942



0,0

Austrália

0,939



0,0

Áustria

0,926

15º

0,0

Espanha

0,913

21º

0,0

Argentina

0,844

34º

3,2

Chile

0,831

38º

4,2

Costa Rica

0,820

43º

4,4

Trinidad e Tobago

0,805

50º

1,7

México

0,796

54º

8,8

Colômbia

0,772

68º

8,4

Brasil

0,757

73º

13,6

Peru

0,747

82º

10,1

Cabo Verde

0,715

100º

26,2 (Fonte: IBGE – Censo demográfico – 2000)

22 UNIDADE 1

4 O IDH é uma grandeza comparativa que serve para medir o desenvolvimento dos países pertencentes à ONU (Organização das Nações Unidas). O índice é composto por dados como o produto interno bruto, a renda per capita da população, a expectativa de vida e os níveis educacionais.

distribuição de renda e a qualidade de vida são parâmetros complementares ao desenvolvimento humano de um país e que, apesar dos inegáveis avanços, o Brasil ainda tem um pedregoso e longo caminho a ser seguido. Tal conclusão é confirmada pelo resultado do censo demográfico realizado em 2010. Nesta nova coleta de dados, os índices de analfabetismo mostraram, uma vez mais, aparente redução. Em reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 16 de novembro de 2011, apontou-se que o índice caiu de 13,6% em 2000 para 9,6% em 2010, o que representa um declínio de quatro pontos percentuais.

Teorias da leitura e formação do leitor

Assim, percebemos que o crescimento econômico do país, a

Entretanto, no mesmo período, o país caiu mais de dez posições no ranking de IDH publicado pela ONU em 2011. Atualmente, o Brasil ocupa a 84ª posição, permanecendo atrás de países como Zimbábue, país com PIB (Produto Interno Bruto) equivalente a 5% do produto brasileiro. Finalmente, é importante recordar que os índices estatísticos são construídos a partir de parâmetros e critérios específicos que definem o próprio conceito de alfabetização. É justamente nesta faceta da questão que a noção de analfabetismo funcional assume grande importância.

Se, por um lado, o Brasil tem hoje plenas condições, do ponto de vista de seus recursos econômicos e da qualificação dos seus docentes, para enfrentar o desafio de alfabetizar seus mais de 16 milhões de analfabetos, por outro lado, o próprio conceito de analfabetismo sofreu alterações ao longo deste período. Assim, enquanto o conceito usado pelo IBGE nas suas estatísticas considera alfabetizado a “pessoa capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhece”, cada vez mais, no mundo, adota-se o conceito de analfabeto funcional, que incluiria todas as pessoas com menos de quatro séries de estudos concluídas. Usando este segundo critério, mais adequado à realidade econômica e tecnológica do mundo contemporâneo, o nosso número de analfabetos salta para mais de 30 milhões de brasileiros, considerando a população de 15 anos ou mais. (PINTO et al, 2000, p. 513)

Mas qual é a origem e a definição de alfabetismo funcional?

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O termo alfabetismo funcional foi cunhado nos Estados Unidos na década de 30 e utilizado pelo exército norte-americano durante a Segunda Guerra, indicando a capacidade de entender instruções escritas necessárias para a realização de tarefas militares. A partir de então, o termo passou a ser utilizado para designar a capacidade de utilizar a leitura e escrita para fins pragmáticos, em contextos cotidianos, domésticos ou de trabalho, muitas vezes colocado em contraposição a uma concepção mais tradicional e acadêmica, fortemente referida a práticas de leitura com fins estéticos e à erudição. Em alguns casos, o termo analfabetismo funcional foi utilizado também para designar um meio termo entre o analfabetismo absoluto e o domínio pleno e versátil da leitura e da escrita, ou um nível de habilidades restrito às tarefas mais rudimentares referentes à “sobrevivência” nas sociedades industriais. Há ainda um conjunto de fenômenos relacionados que podem ser associados ao termo analfabetismo funcional, por exemplo, o analfabetismo por regressão, que caracterizaria grupos que, tendo alguma vez aprendido a ler e escrever, devido ao não uso dessas habilidades retornam à condição de analfabetos. Especialmente na França, o termo iletrisme foi utilizado para caracterizar populações que, apesar de terem realizado as aprendizagens correspondentes, não integram tais habilidades aos seus hábitos, ou seja, em sua vida diária não leem nem escrevem, independentemente do fato de serem capazes de fazê-lo ou não. (RIBEIRO, 1997, p. 145) Como vimos, se adotarmos o conceito proposto de analfabetismo funcional, o número de indivíduos no Brasil com competências de leitura deficitárias aumenta drasticamente.

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Só 26% da população brasileira na faixa de 15 a 64 anos de idade são plenamente alfabetizados. Destes, 53% são mulheres e 47% são homens. Neste universo, 70% são jovens de até 34 anos. Esses índices tão altos de analfabetismo funcional no Brasil devem-se à baixa qualidade dos sistemas de ensino (tanto público, quanto privado), ao baixo salário dos professores, à desvalorização e desmotivação dos professores, à progressão continuada (ou aprovação automática) e à falta de infraestrutura das instituições de ensino (principalmente as

Teorias da leitura e formação do leitor

INAF aponta que 26% do país domina leitura e escrita

públicas).

Fonte: Instituto Paulo Montenegro (IPM) – IBOPE – set2005

Diante dos dados apresentados, nos deparamos com outra perspectiva da problematização da enunciação do senso comum sobre o desprezo da leitura por parte dos brasileiros. Sem dúvida, a baixa instrução educacional ou as lacunas deixadas por ela criam dificuldades consistentes na interação com textos verbais, o que redunda, em muitos casos, em um afastamento da leitura enquanto hábito. Tal reação não deve ser interpretada como uma resistência ideológica aos objetos textuais em si, mas como um dos resultados de um processo de formação de leitores ainda problemática. Entretanto, devemos questionar: a que tipo de leitura nos referimos? Seria exclusivamente à interação com obras literárias consideradas eruditas ou canônicas? Ou a noção de que o brasileiro não lê se estenderia a todos os gêneros textuais? A próxima seção objetiva a discussão não apenas desses limites e dos seus desdobramentos para o quadro da leitura no Brasil, mas também das possíveis aplicações das teorias da leitura para a sua transformação dessa realidade.

25 UNIDADE 1

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SEÇÃO 3

O BRASILEIRO NÃO LÊ! (O QUÊ?) Tendo em vista os questionamentos com os quais encerramos a seção anterior, devemos considerar, primeiramente, que o termo leitura é muito amplo e suas manifestações na contemporaneidade são caracteristicamente múltiplas. Cotidianamente, somos levados a desenvolver os mais diferentes processos de decodificação e interpretação de signos verbais. Ao verificarmos um itinerário de ônibus, ao consultarmos uma lista telefônica, ao tomarmos ciência de algum aviso deixado no quadro de avisos da empresa para a qual trabalhamos ou ao examinarmos as opções de um cardápio, estamos desenvolvendo estratégias específicas de leitura que não podem ser desconsideradas. Desse modo, o ato de ler é uma ação indissociável da vida em sociedade para a camada alfabetizada da população. Não obstante, as modalidades de leitura citadas privilegiam objetivos pragmáticos que se diferenciariam daquelas aparentemente contempladas pelo pensamento que serve de título para esta seção. Podemos supor então que tal sentença se referiria ao ato da leitura como hábito ou prática de apreciação estética. Novamente, encontramos contrapontos a essa noção. Em primeiro lugar, pesquisas recentes demonstram que a tiragem de revistas no Brasil é uma das maiores do mundo. Em apenas quatro anos, de 1996 a 2000, o número de exemplares vendidos por ano no país saltou de 325 para 443 milhões. Em grande medida, esse crescimento impulsionou o lançamento de novos periódicos sobre os mais variados assuntos que buscam atender diferentes camadas da população. Venda de Revistas exemplares) Venda de Revistas(milhões (milhões dede exemplares) Período 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

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Bancas qtd 122 186 164 169 180 242 273

Assinaturas Total % qtd % qtd % 22,0 108 22,0 230 22,0 52,5 155 43,5 341 48,3 -11,8 161 3,9 325 -4,7 3,0 158 -2,5 326 0,3 6,5 150 -4,5 330 1,2 (*) 160 (*) 402 (*) 12,8 170 6,3 443 10,2 (*) informação não disponível por utilização de fontes diferentes Fonte: 1994 a 1998 - ANER - 1999 e 2000 - DINAP

demonstram que a leitura pode ser considerada como um hábito comum de uma parcela significativa da população, independentemente de possíveis juízos de valor sobre a qualidade ou a relevância dos conteúdos das revistas. Além disso, a tiragem de jornais impressos no Brasil cresceu em torno de 4,2% nos últimos dois anos, segundo dados do Instituto

Teorias da leitura e formação do leitor

Considerando a periodicidade dos textos publicados, os dados acima

Verificador de Circulação (IVC). Tal crescimento revela uma tendência inversa àquela que se verifica em nível internacional: a digitalização dos

conteúdos

Obviamente,

dos

essa

periódicos.

expansão

da

circulação de jornais em todo o país indica um crescimento do público leitor interessado. Nesse sentido, a propagação da internet e a relativa democratização de seu acesso não representaram um entrave definitivo para a sobrevida dos periódicos impressos. Ao contrário, a rede internacional de computadores tem atuado como um espaço complementar para a busca de informações

e

conhecimento.

Consequentemente,

um

novo

público leitor foi gerado, assim como novos gêneros textuais e novos modos de leitura. As redes sociais, os blogs, os fotologs, os podcasts, etc., conquistaram um vasto número de seguidores ávidos e fiéis que diariamente acessam os conteúdos que lhes interessam e, seja como lazer ou estudo, leem.

27 UNIDADE 1

Universidade Aberta do Brasil

As páginas da WEB exprimem ideias, desejos, saberes, ofertas de transação de pessoas e grupos humanos. Por trás do grande hipertexto fervilham a multiplicidade e suas relações. No ciberespaço, o saber não pode mais ser concebido como algo abstrato ou transcendente. Ele se torna ainda mais visível – e mesmo tangível em tempo real – por exprimir uma população. As páginas da Web não apenas são assinadas, como as páginas de papel, mas frequentemente desembocam em uma comunicação direta, por correio digital, fórum eletrônico ou outras formas de comunicação [...] Assim, contrariamente ao que nos leva a crer a vulgata midiática sobre a pretensa “frieza” do ciberespaço, as redes digitais interativas são fatores potentes de personalização ou de encarnação do conhecimento. (LÉVY, 1999, p. 162)

A amplitude das possibilidades digitais

citadas

por

Pierre

Lévy no trecho acima de sua obra

Cibercultura

não

exclui,

obviamente, a leitura de obras literárias. Além da abundância de textos que já fazem parte do domínio público disponíveis na rede, é possível entrar em contato não só com jovens escritores autores que adentram o mundo das letras, mas também com autores consagrados que passam a publicar suas obras em meio digital. Entretanto, a apreciação de textos literários não se restringe ao ambiente virtual. Dados estatísticos recentes apontam que a maioria da população brasileira poderia ser caracterizada como de leitores frequentes. Retratos da Leitura do Brasil foi o título dado a uma pesquisa encomendada pelo Instituto Pró-Livro e executada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) e coordenada pelo Observatório do Livro e da Leitura (OLL). O estudo foi aplicado em 5.012 pessoas em 311 municípios de todo o país de 29 de novembro de 2007 a 14 de dezembro do mesmo ano, o que representou mais de 172 milhões de pessoas, ou seja, 92% da população. O método adotado para definir o leitor ou não leitor foi a declaração do

28 UNIDADE 1

A pesquisa constatou que 95 milhões de pessoas, ou seja, 55% da população são leitores, enquanto 77 milhões, 45% dos entrevistados, foram classificados como não leitores. O estudo apontou também que o brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano. Em algumas regiões o número é ainda maior, como é o caso do Sul, onde foi apurado que são lidos 5,5 livros por habitante ao ano. No Sudeste o número foi de 4,9, no Centro-Oeste 4,5, no

Teorias da leitura e formação do leitor

entrevistado de ter lido ao menos um livro nos últimos três meses.

Nordeste 4,2 e no Norte 3,9. A pesquisa confirmou também que as mulheres leem mais que os homens, 5,3 contra 4,1 livros por ano. A primeira edição da pesquisa foi realizada em 2000 e 2001 em 44 municípios brasileiros. Na época, o estudo constatou que 49% da população eram de indivíduos leitores. Obviamente, é possível afirmar que o avanço quantitativo de leitores no país foi tímido e que há ainda muito a ser feito. Todavia, os índices apresentados acima, assim como os outros dados expostos anteriormente, demonstram a superficialidade de alegações generalizadoras e fatalistas como as de que “o brasileiro não lê ou não gosta de ler”. Ao invés de tomarmos como base de análise um cenário ilusório de completo desinteresse da população brasileira pela leitura, acreditamos ser mais produtivo o estabelecimento de metas e projetos tendo em vista um panorama mais realista da prática leitora no país. Nesse contexto, os maiores desafios sejam, possivelmente, o de reduzir o número de analfabetos funcionais, o de aumentar o número de leitores frequentes e o de possibilitar àqueles indivíduos que já leem a competência e o acesso a outros gêneros textuais. Para tanto, as teorias da leitura e da formação de leitores parecem oferecer uma contribuição extremamente relevante.

29 UNIDADE 1

Universidade Aberta do Brasil

Nesta unidade discutimos a questão da leitura no Brasil e os aparentes mitos que a cercam. Tendo em vista a noção do senso comum segundo a qual os brasileiros não leem, buscamos apresentar dados e informações mais concretas sobre as verdades e as simplificações que embasam tal pensamento. Inicialmente, abordamos a trajetória histórica do ensino e da formação de leitores no país com o objetivo de entendermos melhor os aspectos socioculturais e políticos que influenciaram a relação do povo brasileiro com a leitura. Em seguida, apresentamos dados estatísticos sobre o progresso da alfabetização no Brasil no século passado, enfatizando a formação de uma nova forma de déficit na competência leitora de textos verbais: o analfabetismo funcional. Finalmente, buscamos demonstrar que o contato da população brasileira com a leitura pode ser considerado multifacetado e heterogêneo, mas que, ainda assim, ocorre de forma constante. Tal relação foi verificada não apenas pela tiragem de jornais e revistas, mas também pela prática leitora tanto no universo digital quanto na literatura impressa. Diante de tudo que foi exposto, pudemos traçar um panorama mais adequado da situação da leitura no país e sinalizar para as possíveis contribuições das teorias da leitura, sobre as quais passaremos a discorrer na próxima unidade.

01) Analise a tirinha abaixo tendo em vista o histórico da formação educacional no Brasil e os índices recentes do analfabetismo no país. De que forma o analfabetismo funcional pode ser relacionado ao texto abaixo?

30 UNIDADE 1

Sexo, dinheiro e sucesso? Só lendo!

Ulisses Tavares

Você é jovem? Mora no Brasil? Está lendo este artigo numa boa, sem soletrar palavra por palavra? Já leu mais de um livro inteirinho este ano? E, finalmente, entendeu tudo que estava escrito no livro? Respondeu sim a estas perguntinhas? Ufa! Que bom, parabéns, posso, então, ir direto ao ponto: Primeiro, você faz parte de uma elite. Segundo, você está com a faca e o queijo para conquistar tudo que quiser na vida. Terceiro, você precisa ler mais, muito mais. Agora, antes que você pare de ler isto aqui por achar que estou gozando com sua cara, relaxe que eu explico. O Brasil faz parte de uma lista horrorosa dos 12 países com mais analfabetos entre os 14 e os 21 anos. Pior que nós, apenas Paquistão, Indonésia, Nigéria e Etiópia, que raramente aparecem em boas notícias nos jornais. Ah, você já sabia disto por que lê jornais também? Nesse caso, você é minoria superespecial mesmo: apenas 1 entre 100 mil jovens brasileiros dá uma espiada em jornais regularmente. E o restante faz o quê? Exatamente: assiste televisão (não o noticiário, claro), ouve rádio (só os programas com músicas e brincadeirinhas para idiotas) ou fica caçando mulher pelada na internet. Ainda está lendo este texto, e compreendendo tim-tim por tim-tim? Encha o peito de orgulho: você está fora de uma lista ainda mais nojenta que aquela lá de cima. A Unesco faz um teste que avalia alunos de 15 anos em 40 países sobre compreensão da linguagem escrita. Um teste mamata: ler uma historinha de poucas linhas e depois dizer o que entendeu. É bom lembrar que os testados têm no mínimo oito anos de bumbum na carteira da sala de aula. Na grande avaliação deste ano, adivinhe quem tirou o último lugar? Coisa chata mesmo, bró: o adolescente brasileiro ficou com o troféu do mais burro do mundo. Não disse que você era minoria das minorias? Mas, sem querer pentelhar e já pentelhando, como diria o intelectual Chavez da televisão: existem quilômetros de livros para você devorar depois que entrar na facú, se quiser continuar fora da manada e não levar uma vida de gado. (...)

Teorias da leitura e formação do leitor

02) Leia o texto abaixo e analise o posicionamento de Ulisses Tavares em relação à leitura no Brasil. A partir do que foi estudado nesta unidade, discuta os argumentos apresentados e se posicione sobre a visão expressa pelo autor.

Texto completo disponível em: http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=1235

31 UNIDADE 1

UNIDADE 1

32 Universidade Aberta do Brasil

diálogos com os textos

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■■ Discutir os conceitos contemporâneos de leitura e a proeminência dos textos verbais na contemporaneidade. ■■ Distinguir os conceitos de leitura de mundo e leitura de textos. ■■ Problematizar as leituras pré-concebidas de mundo que, por meio dos mais diferentes discursos, moldam pensamentos, atitudes e comportamentos. ■■ Discorrer sobre as origens históricas das teorias da recepção e as influências que permeiam os seus horizontes de estudo. ■■ Analisar os cinco processos que compõem o ato da leitura e, por meio de exemplos, aprofundar as suas dinâmicas.

ROTEIRO DE ESTUDOS ■■ SEÇÃO 1 - Os caminhos da leitura e as veredas da teoria ■■ SEÇÃO 2 - As dimensões da leitura

UNIDADE II

Teoria da Recepção –

Universidade Aberta do Brasil

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Em termos históricos, o papel do leitor no diálogo com textos

verbais e não verbais assumiu, apenas recentemente, posição central em determinadas linhas de estudos da semiótica, da semiologia e dos estudos literários. Tal negligência pode ser entendida pela proeminência das teorias formalistas que, até meados do século XX, dominaram as análises textuais. Em outras palavras, valorizava-se a composição e a estrutura do objeto textual, mantendo-se em segundo plano o elemento que, em última análise, lhe atribui existência e significação: o leitor.

De acordo com essa perspectiva, a atuação do leitor seria

essencialmente avessa a padrões descritivos e a delineamentos concretos devido à infinita multiplicidade cognitiva e psicológica dos indivíduos que interagem com um determinado texto. Em certo sentido, essa visão se assemelha à distinção proposta por Saussure entre langue (língua) e parole (discurso), sendo este último conceito excessivamente amplo e, portanto, não analisável.

Entretanto, um aspecto fundamental do processo da leitura era

desconsiderado por essa linha de pensamento: a organização interna do texto prevê modos de leitura específicos que, apesar de plurais, restringem as possibilidades de significação por parte do leitor. A interação é mediada e direcionada pelo texto, formando, consequentemente, imagens possíveis e analisáveis de leitores reais.

Diante disso, a presente unidade objetiva discutir modalidades

diferentes de leitura e os pressupostos teóricos que permitem que o leitor seja analisado como um dos seus elementos fundamentais.

34 UNIDADE 2

OS CAMINHOS DA LEITURA E AS VEREDAS DA TEORIA Nos dias atuais, a proposta de refletir sobre a leitura nos leva irremediavelmente a uma discussão sobre a recepção de textos verbais, ênfase facilmente compreendida ao considerarmos a indispensável utilização da linguagem verbal na contemporaneidade e a sua padronização como critério avaliativo da formação educacional de um indivíduo. Essa clara proeminência embasou não apenas os dados

Teorias da leitura e formação do leitor

SEÇÃO 1

expostos anteriormente, mas a própria inclusão da unidade anterior neste livro. Contudo, antes de nos dedicarmos às teorias de leitura condizentes com esse quadro atual, é importante salientar que a interação com textos verbais não corresponde nem a uma única nem original modalidade de leitura. Em uma perspectiva semiótica mais ampla, a recepção desse gênero de texto surge consideravelmente depois da formação de uma capacidade leitora e analítica, tanto em termos históricos quanto individuais. Como saliente Eliana Yunes: As relações do homem com o mundo, inegavelmente, estão mediadas por sua percepção e construídas pela linguagem. É bem verdade que a natureza desta linguagem é de caráter social, pois a condição de sua existência é a própria exigência de troca e comunicação. A forma de designação do mundo pouco a pouco torna-se o próprio mundo. Mas, eis que, na própria oralidade que antecede a escrita, se insinua o gesto de criar sentidos. No mesmo ato em que se nomeia a natureza, o homem o interpreta; ou seja, desde o primeiro olhar o homem significa, isto é, atribui imaginariamente funções e designações: o homem lê. (YUNES, 2002, p. 53)

35 UNIDADE 2

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Dessa maneira, as imagens que compõem o mundo são transformadas em elementos de significação pelos indivíduos em fases anteriores ao advento da escrita (em sua dimensão histórica) ou ao letramento (em sua dimensão cognitiva). Essa modalidade de leitura, ainda que menos arbitrária do que aquela que se debruça especificamente sobre o texto verbal, é influenciada por aspectos culturais, históricos, econômicos e psicológicos que compõem o universo referencial do sujeito leitor, produzindo formas diversas de significação a partir de diferentes receptores. Tais variantes se manifestam nas tentativas de representação do mundo e dos seres, as quais, desde a pintura rupestre até o hipertexto, revelam-se cada vez mais como leituras e discursos socialmente construídos. Desde os primórdios, quando expressou nas paredes das cavernas seus temores e desejos, grafando imagens de animais, quando codificou sinais nas trilhas de caçadas, quando atribuiu às formações de nuvens presságios e expectativas, o homem procedia a uma escrita não alfabética que sinalizava uma leitura precedente. Nessa hipótese de valorização da precedência da leitura, embora já se veja consignada uma participação indescartável do leitor na produção do texto, corre-se o risco de imaginar que, na codificação de uma mensagem, o sentido esteja apenas imobilizado, uma vez que preexistiria à escrita. Este gesto acarretaria em seguida a imobilidade da leitura, como de fato ocorreu ao longo dos séculos, segundo as ideologias dominantes – quando nasceram os “autorizados” a ler, isto é, a decodificar os signos e a interpretar os sentidos já definidos a priori (...) Nos dias de hoje, isto se nos afigura como possível paradoxo para os que defendemos na recepção a condição de historicidade, que intervém na leitura e cria sentidos pelos usos. (YUNES, 2002, p. 54)

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materialidade e restringe o seu potencial significativo a paradigmas discursivos pré-estabelecidos socialmente. Do mesmo modo como a escrita não suprimiu a oralidade, a cultura midiática não extinguiu a condição do leitor dos que interagem no magma secundário da oralidade que permanece intenso na cultura alfabetizada. Contudo, está hoje condicionada pelo reducionismo imposto à linguagem pelas ideologias próprias da mídia. O mundo já aparece interpretado consoante as vozes que o manipulam, dos

Teorias da leitura e formação do leitor

Assim, a escrita cristaliza a leitura de mundo por meio de sua própria

telejornais às telenovelas, dos comentários às entrevistas que alienam contextos para naturalizar práticas. (YUNES, 2002, p. 53-54) Nesse sentido, a realidade é interpretada e formatada por discursos específicos que, muitas vezes influenciados por interesses políticos e econômicos, condicionam modos de comportamento, anseios, expectativas, padrões estéticos, ideais e ideologias. Em outros termos, a leitura de mundo individual é filtrada por parâmetros de significação externos.

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Ainda assim, os signos nos rodeiam incessantemente, possibilitando diferentes interpretações e evidenciando o caráter híbrido das significações dominantes e amplamente disseminadas, aspecto que as tornam objetos passíveis de análise. Uma curta caminhada por uma rua movimentada de qualquer cidade média do país serve para nos mostrar a infinidade de informações a serem lidas em sinais luminosos, placas publicitárias, roupas, calçadas, muros, informações diversas que vão compondo, no seu mosaico, o desenho da esfinge a nos interpelar ‘Decifra-me ou te devoro!’ (CARNEIRO in YUNES, 2002, p. 64) Dessa forma, percebemos que, seja por reação a discursos interpretativos pré-concebidos, seja pela importância que a leitura de mundo mantém na contemporaneidade, há outras modalidades de recepção e interpretação da realidade que devem ser exploradas no processo de formação de leitores. Dizendo de outro modo: resgatar a capacidade leitora dos indivíduos significa restituir-lhes a capacidade de pensar e de se expressar cada vez mais adequadamente em sua relação social, desobstruindo o processo de construção de sua cidadania que se dá pela constituição do sujeito, isto é, fortalecendo o espírito crítico. (YUNES, 2002, p. 54) Se no processo de leitura de mundo a figura participativa do leitor se revela essencial, o mesmo ocorre com os diálogos com os textos verbais que complementariam o processo de significação da realidade. No entanto, apenas na segunda metade do século XX, surgiram teorias específicas com o propósito de analisar a figura do leitor em interação com textos na forma escrita. Em sua obra A leitura, Vincent Jouve analisa essa importante mudança de paradigmas nos estudos sobre a leitura.

38 UNIDADE 2

da análise de textos começam a estudar a leitura. A obra literária que, até então, era entendida na sua relação com uma época, uma vida, um inconsciente ou uma escrita é repentinamente considerada em relação àquele que, em última instância, lhe fornece sua existência: o leitor. Os teóricos percebem que as duas questões mais importantes que eles se colocam – o

Teorias da leitura e formação do leitor

É durante os anos 1970 que os profissionais

que é literatura? como estudar os textos? – significam perguntar por que se lê um livro. A melhor forma de entender a força e a perenidade de certas obras não equivale, de fato, a se interrogar sobre o que os leitores encontram nelas? O interesse pela leitura começa a se desenvolver no momento em que as abordagens estruturalistas começam a sofrer certo cansaço. (JOUVE, 2002, p. 11)

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Jouve aponta a expansão da linguística pragmática como o aspecto que impulsiona o interesse de estudiosos em se debruçar sobre a leitura e o papel desempenhado pelo leitor. Segundo ele, a concepção de linguagem e a valorização dos elementos que compõem o discurso que advém das teorias pragmáticas são diretamente responsáveis por essa nova linha analítica. O que se sobressai dos estudos pragmáticos, portanto, é a importância da interação no discurso. Se a linguagem serve menos para informar do que para agir sobre o outro, um enunciado não pode ser entendido somente pela referência a seu emissor. É o binômio formado por aquele (o locutor) e aquele a quem se fala (o alocutário) que convém levar em conta. É evidente, portanto, a influência da pragmática sobre os estudos dos textos. Se no falar cotidiano a linguagem procura sempre produzir um efeito, esse fenômeno só pode ser exacerbado numa obra literária na qual a organização dos termos deve muito pouco ao acaso. Assim, entender uma obra não se limita a destacar a estrutura ou relacioná-la com seu autor. É a relação mútua entre escritor e leitor que é necessário analisar. (JOUVE, 2002, p. 13) Em um primeiro olhar, a proposta das teorias da recepção parece carente de parâmetros e/ou objetos concretos de análise. Transcrevemos abaixo uma passagem na qual Jouve se remete a esses questionamentos:

40 UNIDADE 2

é o das teorias da recepção? O desempenho do leitor? O texto que lhe serve de suporte? A interação entre os dois? Mas será que a leitura se reduz a uma troca bipolar? A relação com a obra não tem também a ver com as práticas culturais, os modelos ideológicos, as invariantes psicanalíticas? Levar em conta esses diversos parâmetros não nos traz de volta ao campo tradicional dos estudos literários? Analisar a leitura significa se interrogar sobre o modo de ler um texto, ou sobre o que nele se lê (ou pode se ler). Ora, se a observação do “como” da leitura confere às teorias da recepção certa especificidade, o problema de seu

Teorias da leitura e formação do leitor

Mas o que é estudar a leitura? Se o objeto da crítica é a obra, qual

“conteúdo” leva frequentemente a se questionar sobre o ou os sentidos do texto. (JOUVE, 2002, p. 13-14) Diante disso, passamos agora a apresentar os conceitos e definições que fundamentam os estudos da recepção em ambas as esferas citadas pelo autor.

SEÇÃO 2

AS DIMENSÕES DA LEITURA A leitura é caracteristicamente uma atividade plural e complexa, na qual podemos distinguir cinco processos específicos. - Processo neurofisiológico; - Processo cognitivo; - Processo afetivo; - Processo argumentativo; - Processo simbólico. Processo neurofisiológico “A leitura é antes de mais nada um ato concreto, observável, que recorre a faculdades definidas do ser humano. Com efeito nenhuma leitura é possível sem um funcionamento do aparelho visual e de diferentes

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funções do cérebro. Ler é, anteriormente a qualquer análise de conteúdo, uma operação de percepção, de identificação e de memorização dos signos. Diferentes estudos mostraram que o olho não apreende os signos um após o outro, mas por pacotes. Assim, é frequente “pular” certas palavras ou confundir os signos entre si. O movimento do olhar não é linear e uniforme; ao contrário, é feito de saltos bruscos e descontínuos” (JOUVE, 2002, p. 17). Vejamos um exemplo: De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. “O deciframento do leitor é mais fácil quando o texto comporta palavras breves, antigas, simples e polissêmicas. Por outro lado, como a capacidade de memória imediata de um leitor oscila entre oito e dezesseis palavras, as frases mais adaptadas aos quadros mentais do leitor são as curtas e estruturadas. Quando um autor não respeita esses grandes princípios de legibilidade, todos os deslizes semânticos tornamse possíveis; assim o texto “lido” não é mais realmente o texto “escrito”’ (JOUVE, 2002, p. 18). Na literatura, tais princípios de legibilidade são, muitas vezes, ignorados ou subvertidos com o objetivo de causar efeitos estéticos particulares.

Nesse

sentido,

a

dificuldade

de

compreensão

de

determinados termos e as ambiguidades consequentemente geradas atendem a uma intenção artística. Transcrevemos abaixo um breve trecho da obra Ulisses de James Joyce que ilustra essa manipulação estética da dimensão neurofisiológica dos textos.

42 UNIDADE 2

Então, percebendo Stephen Dedalus, inclinou-se para ele, traçando no ar rápidas cruzes, com grugulhos guturais e meneios de cabrita. Stephen Dedalus, enfarado e sonolento, apoiava os braços sobre o topo do corrimão e olhava friamente a nieneante cara grugulhante que o bendizia, equina de comprimento, e a cabeleira clara não tosada, estriada e matizada como carvalho polido. (...) A fomida cara sombreada e a soturna queixada oval lembravam um prelado, protetor das artes, da Idade Média. (JOYCE, 1967, p. 03)

Teorias da leitura e formação do leitor

Prosseguiu solenemente e galgou a plataforma de tiro. (...)

É justamente nesta dimensão da leitura que certos problemas de aprendizagem se manifestam, como, por exemplo, a dislexia, que pode ser definida como um distúrbio neurofisiológico caracterizado pela dificuldade no reconhecimento de signos na soletração e na produção escrita. As principais manifestações da dislexia são as seguintes:

√ Um atraso na aquisição das competências da leitura e escrita. √ Dificuldades acentuadas ao nível do processamento e consciência fonológica. √ Dificuldades na memória verbal imediata. √ Leitura silábica, decifratória, hesitante, sem ritmo, com bastantes incorreções e erros de antecipação. √ Velocidade de leitura bastante lenta para a idade e para o nível escolar. √ Omite ou adiciona letras e sílabas (ex: famosa-fama; casacocasa; livro-livo; batata-bata; biblioteca/bioteca; ...). √ Confusão entre letras, sílabas ou palavras com diferenças subtis de grafia ou de som (a-o; o-u; a-e; p-t; b-v; s-ss-ç; s-z; f-t; m-n; v-u; f-v; g-j; ch-j-x; v-z; nh-lh-ch; ão-am; ão-ou; ou-on; au-ao; etc.). √ Confusão entre letras, sílabas ou palavras com grafia similar, mas com diferente orientação no espaço (b-d; d-p; b-q; d-q; a-e;…).

43 UNIDADE 2

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√ Inversões parciais ou totais de sílabas ou palavras (ai-ia; perpré; fla-fal; me-em; sal-las; pla-pal; ra-ar;…). √ Problemas na compreensão semântica e na análise compreensiva de textos lidos. √ Dificuldades em exprimir as suas ideias e pensamentos em palavras. √ Lacunas na construção frásica. √ Ilegibilidade da escrita, letra rasurada, disforme e irregular, presença de muitos erros ortográficos e dificuldades ao nível da construção frásica.

Vejamos alguns exemplos da dislexia na escrita de alguns alunos do ensino fundamental. Percebemos que a própria distribuição espacial do texto se mostra comprometida, ou seja, os autores não conseguem manter a escrita linear.

Aluno com 09 anos cursando a 3ª série

44 UNIDADE 2

Teorias da leitura e formação do leitor

Aluno com 09 anos cursando a 4ª série

Aluno com 11 anos cursando a 5ª série Processo cognitivo “Depois que o leitor percebe e decifra os signos, ele tenta entender do que se trata. A conversão das palavras e grupos de palavras em elementos de significação supõe um importante esforço de abstração. Essa compreensão pode ser mínima, dizendo respeito apenas à ação em curso. O leitor, totalmente preocupado em chegar ao fim, concentra-se então no encadeamento dos fatos. É o que geralmente ocorre durante a leitura de jornais, revistas e romances policiais ou de aventura. Quando os textos são mais complexos, o leitor pode, ao contrário, sacrificar a progressão em favor da interpretação: detendo-se sobre este ou aquele trecho, procura entender todas as suas implicações” (JOUVE, 2002, p. 18-19). A primeira modalidade cognitiva de leitura citada por Jouve seria o que a teoria denomina de progressão, enquanto a segunda, mais atenta à representatividade dos detalhes do texto, corresponderia ao conceito

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de compreensão. Transcrevemos abaixo um exemplo de cada uma das modalidades. Leitura de progressão: Elizabeth II e ex-dirigente do IRA dão aperto de mãos histórico O encontro, inconcebível há alguns anos, aconteceu no segundo dia de visita da rainha à Irlanda do Norte A rainha Elizabeth II e o ex-dirigente do IRA Martin McGuinness deram um histórico aperto de mãos nesta quarta-feira em Belfast, um ato considerado como um novo marco no processo de paz na Irlanda do Norte, anunciou o Palácio de Buckingham. O antecipado aperto de mãos entre a soberana britânica e o atual vice-ministro principal da Irlanda do Norte aconteceu a portas fechadas durante um evento cultural no teatro lírico da capital norte-irlandesa, 14 anos depois do acordo de paz da Sexta-Feira Santa que acabou com 30 anos de violência entre protestantes leais à Coroa e católicos republicanos. O encontro, inconcebível há alguns anos, aconteceu no segundo dia de visita da rainha a esta província britânica, na presença de seu marido, o duque de Edimburgo, do ministro principal da Irlanda, o unionista Peter Robinson, e do presidente da Irlanda, Michael D. Higgins. Ao final do ato, desta vez diante das câmeras de televisão, a rainha e McGuinness voltaram a apertar as mãos, enquanto o ex-dirigente do IRA dizia algumas palavras. “Adeus e vá com Deus”, afirmou, ao que parece em gaélico, segundo os jornalistas presentes. Questionado sobre o aperto de mãos inédito, um porta-voz do primeiro-ministro David Cameron afirmou: “Acreditamos que é correto que a rainha se reúna com todas as partes”. O porta-voz recordou que a recente visita da rainha Irlanda “levou as relações entre os dois países a um nível completamente novo”. Elizabeth II fez em maio de 2011 uma histórica visita de reconciliação à Irlanda, a primeira de um monarca britânico desde a independência da república em 1922. McGuinness, 62 anos, passou de dirigente do Exército Republicano Irlandês (IRA) a líder no processo de paz que resultou no acordo de 1998. Fonte: www.gazetadopovo.com.br Acesso em: 27/06/2012

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sua organização dentro dos moldes jornalísticos, privilegia uma leitura que se orienta pela sucessão dos fatos descritos, ficando em segundo plano qualquer elemento estético ou retórico que a reportagem apresente. Leitura de compreensão: MEUS PÉS Ela, que vivera sempre perseguindo amores intensos, mesmo

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É possível perceber que o texto, dado o seu caráter informativo e a

agora que estava enferma, não conseguia conciliar o sono sossegado sem sentir, no seu pescoço ou no peito, o braço de um homem. Entretanto, quando seu estado se agravou, ela implorava: -Segure meus pés! Não posso suportá-los tão tristes! KAWABATA, 1964, p. 494

Já neste segundo exemplo, notamos que a significação do texto depende menos do encadeamento de eventos narrados do que de uma compreensão de suas partes constituintes. O apelo da personagem em seu leito de morte e a referência à tristeza dos pés se remete ao uso do verbo perseguir na primeira linha do conto. Diante disso, é possível afirmar que a tristeza dos pés se justifica pela impossibilidade que essa personagem atingiu de perseguir novos amores. Em termos composicionais, o autor manipula os sentidos conotativos e denotativos dos termos como forma de instigar o processo cognitivo de seus leitores.

Processo afetivo “O charme da leitura provém em grande parte das emoções que ela suscita. Se a recepção do texto recorre às capacidades do leitor, influi igualmente, talvez, sobretudo – sobre sua afetividade” (JOUVE, 2002, p. 19). Ainda que esse processo se desenvolva na leitura de qualquer gênero textual (um indivíduo pode ler, por exemplo, uma determinada

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revista para encontrar informações sobre seu ator favorito), ele se torna mais evidente quando nos concentramos sobre a recepção de textos ficcionais. As emoções estão de fato na base do princípio de identificação, motor essencial da leitura de ficção. É porque elas provocam em nós admiração, piedade, riso ou simpatia que as personagens romanescas despertam o nosso interesse [...] O papel das emoções no ato da leitura é fácil de se entender: prender-se a uma personagem é interessar-se pelo que lhe acontece, isto é, pela narrativa que a coloca em cena [...] Assim, querer expulsar a identificação e, consequentemente, o emocional – da experiência estética parece algo condenado ao fracasso. (JOUVE, 2002, p. 19, 20) Esse comprometimento afetivo do leitor com os construtos ficcionais do texto encontra respaldo analítico nos estudos psicanalíticos. Sigmund Freud afirma que sem a dimensão afetiva da leitura seria profundamente difícil para o leitor interagir efetivamente com o texto e retirar dele uma experiência particular. Em relação ao que nos acontece na vida, comportamo-nos, todos, geralmente, com uma passividade igual e permanecemos submetidos à influência dos fatos. Mas somos dóceis ao apelo do poeta: pelo estado no qual ele nos deixa, pelas expectativas que desperta em nós, ele pode desviar nossos sentimentos de um efeito para orientá-los em direção a outro. (FREUD apud JOUVE, 2002, p. 20) Vejamos um exemplo no qual a dimensão afetiva da leitura é claramente privilegiada. GÊMEOS As leis não pesam o espírito. Nem a linguagem pode falar tudo. O que não se entende a tempo ainda é tempo. O que não está no corpo ainda é corpo. O que não está no mundo ainda é mundo. Vanessa está grávida de gêmeos. O menino morreu aos quatro

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no ventre, dividindo o mesmo espaço, as mesmas cordas, o mesmo degrau, o mesmo tecido. Não há como interromper a gestação do primeiro sem influenciar na saúde da segunda. Não há como tirar aquele que partiu para proteger a que ficou. Vanessa continua alimentando os dois com a igualdade do início da gravidez. Reconhece ambos como palpitações vivas, nervosas, definitivas. Os ruídos que escuta são dois nomes. Tenta adivinhar quem está chutando, quem está empurrando seu passo mais para adiante, quem está socando as camadas da pele como vento espantando as

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meses de gestação e a menina permanece viva. Os irmãos estão juntos

cortinas. Lá dentro a irmã conversa com o irmão do jeito que pode; o irmão conversa com a irmã do jeito que sonha. A mãe confia que os dois sairão gritando, de mãos dadas, apesar da avaliação do médico de que um deles não sobreviveu, apesar da onipotência do exame e da descrença dos conhecidos. A mãe não perdeu a esperança porque alterou o rumo dos móveis, duplicou a cama, apequenou o salário, esticou os ossos do velho armário, teve trabalho, andou ao seu extremo, preparou roupas, experimentou em si o amor de ler o que escreveu, o amor de entender que o mistério é esperar que cada gomo seja suco diferente nos dentes. Ela acorda quando um deles berra por ajuda e fome na noite de sua carne. E, insegura, não tem certeza de quem chama. Não tem mais certeza da própria voz. Não diz nunca que um morreu, com medo do que mora na sua boca. Ela reconhece por adivinhação e não precisa ver para testemunhar. Quanta coragem de Vanessa em segurar em seu útero os dois berços: um, anoitecido, e o outro, amanhecido, sem favorecer ou mimar um deles. Quanta coragem em seus tornozelos inchados, suas mãos rosadas e seu sobrepeso de telhado e chuvas. Quanta coragem em rezar debaixo das cobertas, debaixo dos zumbidos dos besouros, debaixo do formigueiro. A mãe Vanessa curva seus ombros para que seus filhos não passem frio, como toda mãe se derrama em raízes para subir o rosto lentamente. Quanta coragem em assegurar o direito à vida aos gêmeos, para

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que só assim eles possam ter direito à morte. Metade do que ela come vai para os dois, a comida em dois pratos, quatro olhos. Metade da vida que vive vai para os dois. Metade da vida que não vive vai para os dois. Metade de seus cabelos vai para os dois. Metade de seus joelhos vai para os dois. Metade de sua sede vai para os dois. Metade de seu riso vai para os dois. Metade de seus segredos vai para os dois. Metade de seu lamento vai para os dois. Metade da metade da metade ainda é muito quando a palavra é intenção de música. Quando a palavra não depende da melodia ou letra para ser ouvida. A gravidez é uma respiração sangue a sangue, mais atenta, mais rápida do que a respiração boca a boca. A respiração já é luz no escuro. Vanessa está grávida de gêmeos. Um morreu e o outro vive. Não importa agora se somente uma das crianças nascerá. O parto aconteceu bem antes, na confiança. A criança que nascer será sempre duas, porque o amor da mãe foi sempre dois, sempre maior do que a realidade permitiu. (CARPINEJAR, 2006, p. 33)

Ao adotar como temas de sua crônica questões universais como a maternidade e a morte, Fabrício Carpinejar proporciona uma experiência caracteristicamente afetiva do leitor com o texto, aspecto fortalecido, sem dúvida, pela poética da linguagem e pela tragicidade da narrativa. Processo argumentativo “O texto, como resultado de uma vontade criadora, conjunto organizado de elementos, é sempre analisável, mesmo no caso das narrativas em terceira pessoa, como “discurso”, engajamento do autor perante o mundo e os seres. A intenção de convencer está, de um modo ou de outro, presente em toda narrativa [...] Qualquer que seja o tipo de texto, o leitor, de forma mais ou menos nítida, é sempre interpelado. Trata-se para ele de assumir ou não para si próprio a argumentação desenvolvida” (JOUVE, 2002, p. 21). Ao aceitarmos o pressuposto de que todo e qualquer texto tem uma

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a determinados gêneros textuais são, inevitavelmente, relativizados. Assumindo o conceito amplo da semiótica, segundo o qual tudo o que pode ser lido e interpretado pode ser considerado um texto, percebemos que noções como as de imparcialidade e objetividade se caracterizam como inalcançáveis diante da inerente argumentação de todo objeto textual. A fotografia, por exemplo, é entendida por muitos como uma captura circunstancial e meramente estética da realidade. Indubitavelmente, essa caracterização pode ser verdadeira quando atribuída a certa gama de

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dimensão argumentativa, certos julgamentos e idealizações em relação

fotos, como aquelas que preenchem os álbuns de recordações. Entretanto, se refletirmos sobre os textos produzidos por fotógrafos profissionais, perceberemos que a mesma concepção não pode ser estendida a eles sem uma enganosa simplificação. Tal atitude seria comparável à de atribuirmos a um bilhete deixado sobre a mesa da sala o mesmo potencial estético de um texto literário. A fotografia profissional ou artística é um recorte da realidade produzido a partir de elementos pré-definidos por seu autor (proximidade, incidência de luz, valorização do plano de fundo, etc.) e que pode servir a propósitos argumentativos específicos. Observem os exemplos a seguir que têm como tema comum o preconceito racial.

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Parece-nos

evidente

que

os

textos

acima

expressam

um

discurso claramente contrário à discriminação racial nas sociedades contemporâneas, utilizando, inclusive, a evidenciação do ponto de vista racista como forma de questioná-lo (foto 03). Mesmo quando a fotografia não é construída a partir de objetivos argumentativos determinados, o texto, uma vez completo, pode ser apropriado por diferentes vozes e adaptado aos discursos que elas representam. Vejamos um exemplo bastante esclarecedor: Rebelde Desconhecido Esta foi a alcunha atribuída a um jovem anônimo que se tornou famoso internacionalmente ao ser filmado e fotografado resistindo solitariamente a uma linha de tanques durante a Revolta da Praça de Tian’anmen, em 1989, na República Popular da China. A foto foi tirada por Jeff Widener e, na mesma noite, foi capa de centenas de jornais e revistas em todo o mundo. No Ocidente, a imagem se tornou um símbolo de coragem, de desprendimento e da luta pelos direitos civis. Na China, entretanto, a fotografia foi usada para exaltar a índole humanitária dos soldados do Exército Popular de Libertação, que se negaram a seguir com o comboio de tanques se isso significasse ferir um jovem civil.

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e imparcialidade são também comumente adotados. Novamente, entretanto, a exaltação de tais ideais se mostra equivocada, tendo em vista a dimensão argumentativa dos textos e da leitura. Em verdade, praticamente todos os elementos que compõem um periódico jornalístico apresentam, em maior ou menor grau, um caráter argumentativo, o qual pode se manifestar tanto por meio da linguagem quanto pela veiculação de uma visão específica de mundo ou de uma análise do próprio mercado editorial. Desde na manchete que é escolhida para ocupar a capa da publicação até nas fotografias que acompanham as notícias, é possível

Teorias da leitura e formação do leitor

Em relação aos textos jornalísticos, os conceitos de objetividade

apreender uma leitura prévia de mundo. Em outras palavras, a decisão de qual reportagem é a mais relevante a ser destacada ou qual atrairá mais leitores representa também uma argumentação sobre a realidade e sobre o interesse dos consumidores. No caso das revistas, o atual direcionamento temático já indica uma reflexão sobre os diferentes públicos leitores e sobre a pertinência dos assuntos tratados para a maior parcela possível de consumidores desses grupos. Não obstante, as revistas de variedades, semelhantemente aos jornais, também delineiam pontos de vista específicos e moldam, mesmo que de forma velada, uma dimensão argumentativa.

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É importante salientar que, como vimos, a argumentação é um aspecto inalienável dos objetos textuais. Assim, as considerações e exemplos citados não constituem, necessariamente, mecanismos de acusação ou de reprovação da escrita jornalística. Consideramos, inclusive, que a veiculação de um ponto de vista ou a exposição aberta de argumentos por parte das publicações não são, em essência, atitudes danosas. O fator preponderante, nesse contexto, é a capacidade de leitura

crítica

dos

receptores

para que eles possam concordar ou discordar dos argumentos apresentados pelos textos. Tal preparação

remete,

uma

vez

mais, ao analfabetismo funcional no Brasil, problema que restringe a autonomia crítica de muitos leitores e faz com que, para esses indivíduos, opiniões e visões alheias se tornem, muitas vezes, verdades inquestionáveis. Na literatura, a dimensão argumentativa das obras assume contornos muito diferentes, de acordo com os respectivos gêneros e propostas autorais. Um romance de tese, por exemplo, vincula ao desenvolvimento do enredo uma série de argumentos que se propõem a construir uma teoria ou uma reflexão específica. Em contrapartida, outros textos mantêm a sua retórica latente em sua organização, desafiando o leitor não apenas a percebê-la, mas também a assumi-la ou confrontá-la. A passagem abaixo, retirada da obra O auto da barca do inferno, de autoria do dramaturgo português Gil Vicente, demonstra a clareza com a qual os argumentos são evidenciados em certos textos. À barca, à barca segura! \ Guardar da barca perdida \ À barca, à barca da vida \ Senhores, que trabalhais pela vida transitória, \ memória, por Deus, memória \ deste temeroso cais! \ À barca, à barca mortais! \ Porém, na vida perdida \ se perde a barca da vida. \ Vigiai-vos, pecadores, \ que depois da sepultura \ neste rio está a ventura \ de prazeres ou dolores! \ À barca, à barca, senhores, \ barca mui nobrecida, \ à barca, à barca da vida! (VICENTE, 2004, p. 104)

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que, tendo morrido nas cruzadas pela libertação de Jerusalém, chegam a um braço de mar que separa o mundo dos vivos e dos mortos. A canção que essas personagens entoam é a principal mensagem moral do texto de Gil Vicente: os atos na vida terrena provocam consequências para a vida imortal após a morte, ou seja, ao longo da existência, os indivíduos constroem os seus próprios caminhos para a salvação ou para a danação. Em contrapartida, as últimas linhas do romance Bartleby, de Herman Melville, se mostram mais herméticas à compreensão dos leitores.

Teorias da leitura e formação do leitor

O trecho citado representa a chegada de quatro cavaleiros medievais

Parece desnecessário dar prosseguimento a essa história. A imaginação fornece prontamente a imagem miserável do enterro de Bartleby. Mas antes de me despedir do leitor, deixe-me dizer que, se esta pequena narrativa interessou-o suficientemente para despertar curiosidade sobre quem era Bartleby e que tipo de vida ele levava antes de o presente narrador conhecê-lo, posso apenas responder que partilho completamente dessa curiosidade, mas sou totalmente incapaz de satisfazê-la. Embora quanto a isso eu não saiba ao certo se devo divulgar um pequeno boato que chegou aos meus ouvidos alguns meses depois do falecimento do escriturário. Nunca pude verificar as fontes da história, portanto não posso dizer quão verdadeira ela é. Mas considerando que este relato vago não deixou de ter um estranho e sugestivo interesse para mim, embora triste, pode funcionar da mesma maneira com outras pessoas. Então vou mencioná-lo brevemente. O relato foi o seguinte: Bartleby havia sido um funcionário na Seção de Cartas Extraviadas em Washington, da qual fora afastado repentinamente por conta de uma mudança na administração. Quando penso sobre esse boato, não posso expressar adequadamente as emoções que tomam conta de mim. Cartas extraviadas! Isso não se parece com homens extraviados? Pense num homem cuja natureza e má-sorte fizeram tender a uma pálida desesperança - pode qualquer trabalho parecer mais adequado para aumentar essa desesperança do que lidar continuamente com essas cartas extraviadas e classificá-las para as chamas? Pois elas são incineradas anualmente em abundância. Algumas vezes, o pálido funcionário encontra um anel dentro do papel

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dobrado - o dedo a que se destinava, talvez, esteja apodrecendo debaixo da terra; uma nota bancária enviada em rápida caridade - aquele a quem iria aliviar já não come nem passa fome; perdão para aqueles que morreram em desespero; boas novas para os que morreram sem assistência em calamidades. Com mensagens de vida, essas cartas corriam para a morte. Ah, Bartleby! Ah, humanidade! (MELVILLE, 1982, p. 98, 99)

Nesta obra, a partir do exemplo trágico do protagonista Bartleby – jovem humilde e retraído que deliberadamente decide se excluir da vida – Melville discute a desesperança e a angústia que, em última análise, cerca a vida de todo ser humano. Com a associação, em primeiro plano, da imagem da personagem às cartas extraviadas (que cheias de vida corriam para morte) e, finalmente, da imagem de Bartleby com toda a humanidade, a dimensão argumentativa do texto se completa. Processo simbólico “O sentido que se tira da leitura (reagindo em face da história, dos argumentos propostos, dos jogos entre os pontos de vista) vai se instalar imediatamente no contexto cultural onde cada leitor evolui. Toda leitura interage com a cultura e os esquemas dominantes de um meio e de uma época. O leitor passa a encarar o universo de suas relações e de suas experiências de uma forma diferente daquela anterior à leitura” (JOUVE, 2002, p. 22). Em termos mais sintéticos, Jouve afirma que todo leitor apreende algo dos textos com os quais dialoga e insere essa informação ou ponto de vista em sua vida cotidiana, seja de forma construtiva (concordância) ou destrutiva (discordância) em relação ao que foi extraído da leitura. Em certo sentido, esse movimento poderia ser considerado como um retorno da leitura de texto para a leitura de mundo, a qual seria de alguma forma transformada pela experiência anterior. É pacífico afirmar que o caráter simbólico inerente à recepção é condicionado por múltiplas variantes, como, por exemplo, a ideologia, o credo, a situação econômica, a herança cultural, dentre muitas outras.

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simbólica a serem extraídas de um texto se revela impraticável. Contudo, a organização do próprio texto permite listar, de maneira especulativa, as prováveis significações construídas por leitores diferentes. Tomemos como exemplo uma notícia ficcional que seria retirada de um jornal de grande circulação em uma capital do país e os processos simbólicos desenvolvidos por leitores hipotéticos.

“MENINA DE 14 ANOS SOFRE TENTATIVA DE ESTUPRO NA MADRUGADA DO CENTRO DA CIDADE”

Teorias da leitura e formação do leitor

Dessa forma, a teorização plena das possibilidades de significação

Leitor hipotético 01: “Pobre garota! Que experiência horrível!” Leitor hipotético 02: “O que uma garota de 14 anos fazia na rua de madrugada?” Leitor hipotético 03: “Onde estavam os pais dessa garota?” Leitor hipotético 04: “Onde estava a polícia neste momento?” Leitor hipotético 05: “O centro está muito perigoso! Melhor não ir para lá à noite.” Leitor hipotético 06: “A cidade está muito violenta! Vou me mudar para o interior.” Leitor hipotético 07: “Provavelmente, ela provocou!” Leitor hipotético 08: “Se estivesse na Igreja ou em casa, isso não teria acontecido!”

Obviamente, esses posicionamentos poderiam se misturar na visão de um mesmo leitor ou haver possibilidade de significação não vislumbradas neste simples exemplo, mas fica evidente a subjetividade e os comprometimentos pessoais que envolvem o processo simbólico. Na recepção de textos literários, a multiplicidade dos processos simbólicos também é uma toante. No entanto, a extensão dos textos, a organização estética dos elementos e a figuração de uma narrativa bem delineada podem restringir a um quociente analisável o número de significações prováveis. Acreditamos que o exemplo abaixo se enquadra nesse grupo de textos cuja organização direciona de forma mais concreta a leitura em sua dimensão simbólica. A passagem foi retirada da obra Terra Papagalli, de

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autoria de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta. Neste romance satírico, um narrador em primeira pessoa chega ao Brasil nas caravelas de Pedro Álvares Cabral e discorre para um interlocutor identificado apenas no final do texto as suas aventuras em terras tupiniquins. Ao longo da narrativa, esse protagonista narrador emite julgamentos e prescreve alguns mandamentos para aqueles que venham se aventurar na colônia portuguesa. De vez em quando [os nativos] davam com as flechas nas nossas ancas, mas era isso antes gracejo que ameaça, pois já folgavam conosco e só alguns ainda nos olhavam com má cara. Isso passado, entendemos que já não tinham disposição de nos matar, principalmente por estarem muito admirados dos barretes, pentes e espelhos que havíamos trazido da nau, e desse episódio tiro, senhor conde, o primeiro dos conselhos que têm que aprender aqueles que querem vir para estes lugares: Primeiro Mandamento Para bem viver na Terra dos Papagaios Na Terra dos Papagaios é preciso saber dar presentes com generosidade e sem parcimônia, porque os gentios que lá vivem encantam-se com qualquer coisa, trocando sua amizade por um guizo e sua alma por umas contas (TORERO et PIMENTA, p. 58)

Parece-nos claro que o mandamento citado pelo narrador não se restringe ao século XVI, dado o caráter generalista do título atribuído e a ausência de um recorte temporal determinado. Assim, por meio da ironia, o narrador do texto possibilita ao leitor o reconhecimento da validade desse pensamento na contemporaneidade, considerando os frequentes relatos de corrupção e suborno que cercam a esfera pública brasileira. Tendo em vista o último processo descrito, poderíamos questionar: a subjetividade e as variantes sociais e psicológicas não permitiriam uma infinidade de leituras possíveis? O status artístico da produção literária,

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horizonte de significação das obras? Na próxima unidade, focalizaremos especificamente a recepção dos textos literários e os aspectos formais que permitem leituras plurais, mas não qualquer leitura.

Teorias da leitura e formação do leitor

ao mesmo tempo em que a singulariza, não expande infinitamente o

Na presente unidade, discutimos, primeiramente, o conceito de leitura e a precedência dos textos verbais na contemporaneidade. Como vimos, tanto historicamente quanto individualmente, a leitura de mundo precede a leitura de texto. Nesse sentido, problematizamos a atuação de discursos específicos que restringem a capacidade de significação dos indivíduos e moldam padrões comportamentais e ideológicos considerados normais ou desejáveis. Em seguida, discorremos brevemente sobre a origem das teorias da recepção e as influências que as permeiam. Percebemos como o desgaste dos modelos teóricos formalistas motivou a busca por novos paradigmas de análise que, inevitavelmente, chega à figura daquele que atribui existência aos textos: o leitor. Na segunda seção, caracterizamos os cinco processos que compõem o ato da leitura: neurofisiológico, cognitivo, afetivo, argumentativo e simbólico. Além dos conceitos e das definições, buscamos esclarecer, por meio de exemplos, a materialidade desses processos e a complexidade que os cerca, tanto no tratamento de textos ficcionais quanto não ficcionais. Depois dessas considerações sobre a leitura de forma geral, deslocaremos na próxima unidade o nosso foco para as especificidades da recepção de obras literárias e as trilhas que compõem o encantador bosque da ficção.

01) Analise as fotografias abaixo, tendo em vista que intenção argumentativa pode ter embasado as suas respectivas produções. Que outros discursos poderiam se apropriar dessas imagens com o objetivo de fortalecer os seus argumentos? (citar pelo menos dois exemplos para cada fotografia)

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(Ataque ao World Trade Center – 2001)

(Guerra do Vietnã – 1955-1975)

02) Tendo em vista o que foi estudado nesta unidade, analise a passagem retirada de uma entrevista com a pesquisadora da leitura Eliana Yunes. De que forma a linguagem veiculada pela mídia de uma forma geral pode alterar ou influenciar comportamentos? A entrevistada enfatiza claramente a importância de que a leitura permaneça independentemente da forma. A que tipo de leitura Yunes se refere? SESC-Rio: Você considera a televisão “inimiga” da leitura, como muitos afirmam? Com o avanço das novas mídias, principalmente no mundo virtual, a tendência é a de que o livro, fisicamente falando, desapareça? YUNES: São duas perguntas, mas elas de fato, têm conexão: a TV com certeza redistribuiu o tempo de “lazer” e ampliou o circuito de informação. Mas há um tempo para cada coisa debaixo dos céus, diz Eclesiastes. Trata-se de como a vida doméstica valoriza e usa os meios de formação e informação. O cinema não morreu com a TV, nem vai morrer com o DVD. A fotografia não matou a pintura, nem a gravura. A leitura interage com todos estes suportes e linguagens e o livro não vai desaparecer, nem frente ao e-book; os pergaminhos e rolos (hoje desenrolamos textos na internet) passaram a cadernos e brochuras sem que bibliotecas desaparecessem. Não é para temer novas modalidades de comunicação. O que interessa é a narrativa, a literatura, o texto, esteja onde estiver, pois é o pensamento e o sentido, a linguagem, que nos faz humanos. (Fonte: Livro, leitura, literatura... Eliana - Entrevista realizada com Eliana Yunes. Revista do SESC-Rio, ano 1, n° 5, novembro de 2008)

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UNIDADE 2

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Teorias da leitura e formação do leitor

diálogos com os textos literários

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■■ Analisar as diferentes definições de literatura defendidas por autores e teóricos ao longo dos séculos. ■■ Aprofundar o conceito de literatura sustentado pelas teorias da recepção. ■■ Estudar os aspectos formais e interacionais que singularizam a escrita e a leitura literária. ■■ Distinguir as múltiplas entidades, tanto abstratas quanto empíricas, que participam do ato da leitura.

ROTEIRO DE ESTUDOS ■■ SEÇÃO 1 - O que é literatura? As perspectivas de autores, teóricos e receptores ■■ SEÇÃO 2 - As especificidades do diálogo literário ■■ SEÇÃO 3 - As faces do diálogo literário

UNIDADE III

Estética da Recepção –

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PARA INÍCIO DE CONVERSA

Cada gênero textual possibilita modalidades diferentes de leitura.

Os indivíduos não leem um guia de TV da mesma forma que leem uma reportagem sobre economia. Tais modalidades permitem a detecção e a estruturação de estratégias de leitura específicas que podem priorizar a ideia geral de um texto, a localização de uma determinada informação, a esquematização dos elementos principais ou a percepção de detalhes ou sutilezas.

Entretanto, quais as estratégias que podem ser utilizadas para a

recepção de obras literárias? O caráter não proposicional (aparentemente didático) da literatura não restringe as possibilidades de interação com os textos? A dimensão estética de uso da linguagem e de organização dos elementos formais não redunda em uma ampliação imensurável das possibilidades de significação?

A busca pelas respostas a esses questionamentos passa,

inevitavelmente, pela discussão dos aspectos que particularizam a escrita e a leitura literária. Em outras palavras, um retorno ao debate secular sobre o que é literatura e quais são seus constituintes.

Nesta unidade, analisaremos a perspectiva das teorias da leitura

sobre esses temas e o cabedal teórico oferecido por elas para uma análise mais consistente do diálogo entre autor e leitor por meio dos textos. Se, devido ao impulso renovador que caracteriza a produção literária, não é possível estabelecer estratégias definitivas para a sua recepção, o conhecimento de suas particularidades pode fornecer caminhos mais seguros para a sua interpretação.

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O QUE É LITERATURA? AS PERSPECTIVAS DE AUTORES, TEÓRICOS E RECEPTORES Ao longo dos séculos, diferentes abordagens teóricas se propuseram a definir de forma efetiva o conceito de literatura. As teorias da leitura não se furtaram a esse empreendimento e, segundo os seus próprios critérios, propuseram uma possível descrição. Porém, antes de nos atermos a essa concepção, consideramos importante desenvolver uma breve descrição

Teorias da leitura e formação do leitor

SEÇÃO 1

dos posicionamentos daqueles diretamente envolvidos na longa tradição diretamente envolvidos na longa tradição literária: os escritores, os teóricos e,

literária: os escritores, os teóricos e, finalmente, os leitores. finalmente, os leitores.

“A arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra." (Aristóteles)

“A arte é o espelho e a crônica da sua época.” (William Shakespeare)

“A Literatura obedece a leis inflexíveis: a da herança, a do meio, a do momento." (Hippolyte Taine)

"A Literatura é arte e só pode ser encarada como arte." (Doutrina da arte pela arte, século XIX)

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“Sem leitura não se pode escrever. Tampouco sem emoção, pois a literatura não é, certamente, um jogo de palavras. É muito mais. Eu diria que a literatura existe através da linguagem, ou melhor, apesar da linguagem.” (Jorge Luis Borges)

"A distinção entre Literatura e as demais artes vai operar-se nos seus elementos intrínsecos, a matéria e a forma do verbo." (Alceu Amoroso Lima)

"A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade. Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e da experiência de realidade de onde proveio." (Afrânio Coutinho)

Como podemos notar, não há uma definição da literatura que concilie todos os seus criadores primários. Da mesma forma, os aspectos a serem valorizados como fundamentais na escrita literária variam sensivelmente nas perspectivas aqui citadas. Como vimos, alguns autores exaltam o caráter mimético da obra literária; outros atribuem especial atenção aos elementos formais do texto; e outros ainda valorizam as emoções que, libertadas pela leitura, suplantariam a própria linguagem verbal. Além disso, a historicidade das obras e o processo de apropriação de sentido desenvolvido pelo leitor são características vistas como essenciais por pensadores como William Shakespeare, Hyppolite Taine e Alceu Amoroso Lima. Inegavelmente,

essa

multiplicidade

de

definições

e

posicionamentos é um dos fatores responsáveis pela imensa diversidade de estéticas e de modelos de figuração narrativa ao longo do tempo. A dialética resultante desse constante processo de renovação instigou, inevitavelmente, a produção de arcabouços teóricos e esquemas analíticos quase tão diversos. Aprofundemos um pouco mais essa discussão com a

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de autoria do teórico e crítico britânico Terry Eagleton.

Se a teoria literária existe, parece óbvio que haja alguma coisa chamada literatura, sobre a qual se teoriza [...] Muitas têm sido as tentativas de se definir literatura. É possível definir a literatura como a escrita “imaginativa”, no sentido de ficção – escrita esta que não é literalmente verídica. Mas se refletirmos, ainda que brevemente, sobre aquilo que comumente se considera como texto literário, veremos que tal definição não procede. A literatura inglesa do século XVII inclui

Teorias da leitura e formação do leitor

passagem abaixo, retirada da obra Teoria da literatura: uma introdução,

Shakespeare, Webster e Milton; mas compreende também os ensaios de Francis Bacon, os sermões de John Donne e a autobiografia espiritual de Bunyan. A literatura inglesa do século XIX geralmente inclui os ensaios de Charles Lamb (mas não os de Bentham), os textos históricos de Lord Macaulay (mas não os estudos de Marx) e a produção filosófica de John Stuart Mill (mas não a teoria evolucionista de Darwin). [...] A distinção entre fato e ficção, portanto, não parece nos ser muito útil, e uma das razões para isto é a de que a própria distinção é muitas vezes questionável. Tal oposição não poderia ser estendida, por exemplo, ao papel desenvolvido pelos poetas da Antiguidade ou à representatividade do Bardo para os celtas. No inglês de fins do século XVI e princípios do século XVII, a palavra “novel” foi usada tanto para os acontecimentos reais quanto para os fictícios, sendo que até mesmo as notícias de jornal dificilmente poderiam ser consideradas factuais. Os romances e as notícias não eram claramente factuais, nem claramente fictícios, uma vez que a distinção que fazemos entre essas categorias simplesmente não era aplicada. [...] Talvez a literatura seja definível não pelo fato de ser ficcional ou imaginativa, mas porque emprega a linguagem de forma peculiar. Segundo essa teoria, a literatura é a escrita que, nas palavras do crítico russo Roman Jakobson, representa “uma violência organizada contra a fala comum”. A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana. Se alguém se aproximar de uma mulher em um ponto de ônibus e disser: “Tu, noiva ainda imaculada da quietude”, temos consciência imediata de que estou em presença do literário. Sei disso por que a tessitura, o ritmo

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e a ressonância das palavras superam os seus significados abstratos – ou, como os linguistas diriam de maneira mais técnica, existe uma desconformidade entre os significantes e os significados. Trata-se de um tipo de linguagem que chama a atenção sobre si mesma e exibe sua existência material, causando uma sensação de estranhamento no falante que se coloca como receptor do texto. [...] Tal visão formalista pode também ser considerada problemática, uma vez que a ideia de que existe uma única linguagem “normal”, espécie de moeda corrente igualmente usada por todos os membros da sociedade, é uma ilusão. Qualquer linguagem em uso consiste de uma variedade muito complexa de discursos diferenciados segundo a classe, região, gênero, situação, etc., os quais de forma alguma podem ser simplesmente unificados em uma única comunidade linguística homogênea. O que alguns consideram norma, para outros poderá significar desvio. Além disso, se considerarmos a historicidade linguística inerente a todo texto, até mesmo o texto mais prosaico do século XV pode nos parecer poético hoje devido ao seu arcaísmo. Finalmente, a história da literatura nos mostra que nos últimos séculos o experimentalismo linguístico e a aproximação do discurso literário à fala coloquial tornaram-se não apenas recursos estéticos, mas também mecanismos de crítica social e problematização cultural. [...] Por outro lado, poderíamos dizer que a literatura é um discurso “não pragmático”; ao contrário dos manuais de biologia e recados deixados para o leiteiro, ou seja, ela não tem nenhuma finalidade prática imediata, referindo-se apenas a um estado geral das coisas. Quando o poeta nos diz que seu amor é como uma rosa vermelha, sabemos, pelo simples fato de ele colocar em verso tal afirmação, que não lhe devemos perguntar se ele realmente teve uma namorada que, por alguma razão estranha, lhe parecia ser semelhante a uma rosa. Assim, a literatura pode empregar uma linguagem peculiar para indicar que se trata de uma maneira de falar sobre a mulher, e não sobre alguma mulher da vida real em particular. Esse enfoque na maneira de falar, e não na realidade daquilo de que se fala, é por vezes considerado como uma indicação do que entendemos por literatura: uma espécie de linguagem autorreferencial, uma linguagem que fala de si mesma. [...] Mas também essa definição de literatura encerra problemas.

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que seus ensaios devem ser lidos como se os tópicos por ele examinados fossem menos importantes do que a maneira pela qual os examinou. Em grande parte daquilo que é classificado como literatura, o valor verídico e a relevância prática do que é dito é considerado importante para o efeito geral. [...] Assim, a definição de literatura fica dependendo da maneira pela qual alguém resolve ler, e não da natureza daquilo que é lido. Há certos tipos de escritos – poemas, peças de teatro, romances – que, de forma claramente evidente, pretendem ser “não pragmáticos” nesse sentido,

Teorias da leitura e formação do leitor

Entre outras coisas, teria sido uma surpresa para George Orwell saber

mas isso não nos garante que serão realmente lidos dessa maneira. Eu poderia muito bem ler a descrição que Gibbon[1] faz do império romano não por achar que ela será uma fonte fidedigna de informações sobre a Roma antiga, mas porque gosto do estilo de prosa de Gibbon ou porque me agradam as imagens da corrupção humana, qualquer que seja sua fonte histórica. Dessa forma, será que minha leitura dos ensaios de Orwell como literatura só será possível se eu generalizar o que ele diz sobre a guerra civil espanhola, interpretando-os como um tipo de observação cósmica sobre a vida humana? (EAGLETON, 2001, p. 01-11)

Assim, percebemos que Eagleton se remete ao conceito de literatura defendido por parte das teorias da leitura, o qual se estrutura primordialmente a partir do reconhecimento do caráter literário de determinadas obras por parte de públicos leitores específicos. Tal concepção não se reduz ao nível sincrônico de recepção, mas se entende diacronicamente ao longo do fluxo do tempo.

Se é certo que muitas das obras estudadas como literatura nas instituições acadêmicas foram “construídas” para serem lidas como literatura, também é certo que muitas não o foram. Um segmento de texto pode começar sua existência como história ou filosofia, e depois passar a ser classificado como literatura; ou pode começar como literatura e passar a ser valorizado por seu significado arqueológico. Alguns textos

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nascem literários, outros atingem a condição de literários, e a outros tal condição é imposta. Sob esse aspecto, o que importa pode não ser a origem do texto, mas o modo pelo qual as pessoas o consideram. Os julgamentos de valor parecem ter, sem dúvida, muita relação com o que se considera literatura e o que não se considera – não necessariamente no sentido de que o estilo tem que ser “belo” para ser literário, mas sim que tem que ser do tipo considerado belo. Surge então o conceito de cânone literário e as gradações de nível de qualidade utilizadas por alguns para caracterizar textos como “alta” ou “baixa” literatura. É importante salientar que a maneira pela qual os leitores se relacionam com uma obra e os pressupostos que orientam a formação da chamada literatura canônica são aspectos passíveis de condicionamento por transformações históricas e sociais. Nesse sentido, podemos pensar na literatura menos como uma qualidade inerente, ou como um conjunto de qualidades evidenciadas por certos tipos de escritos que vão desde Beowulf até Virginia Woolf, do que como as várias maneiras pelas quais as pessoas se relacionam com a escrita. (EAGLETON, 2001, p. 11-12)

Em síntese, caberia aos leitores de uma determinada época e grupo social o reconhecimento dos textos que seriam caracterizados como literários ou não. No século XX, podemos apreender dois fenômenos que atribuem maior concretude a essa perspectiva. O primeiro deles é o enfraquecimento do poder discursivo da crítica literária especializada que, durante muito tempo, determinou os padrões da chamada “alta” literatura e consolidou o cânone ocidental. O segundo dos fenômenos é a indiscutível expansão da indústria cultural no mercado editorial mundial, o que possibilitou um crescimento exponencial de títulos e a propagação de objetos literários que, independente de juízos de valor estéticos, alcançaram um número maior de leitores. Diante disso, a apreciação do que é considerado literário parece cada vez mais centrada na recepção dos diferentes públicos leitores. Salientamos

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que

não

é

nosso

objetivo,

neste

momento,

contemporânea. Não obstante, enfatizamos que tal configuração atual reflete os pressupostos teóricos dos estudiosos da recepção e integra o ponto de vista dos leitores na questão sobre a essência da literatura. Todavia, que outros aspectos contribuem ou interferem para o dialogismo entre leitores e obras consideradas pelos próprios receptores como literárias? Uma vez reconhecido o status literário de um texto, que outros elementos também devem ser considerados? São justamente essas reflexões que procuraremos aprofundar na próxima seção.

Teorias da leitura e formação do leitor

problematizar os prós, os contras ou os desdobramentos dessa tendência

SEÇÃO 2

AS ESPECIFICIDADES DO DIÁLOGO LITERÁRIO “A grande particularidade da leitura em comparação com a comunicação oral é seu estatuto de comunicação diferida. O autor e o leitor estão afastados um do outro no espaço e no tempo [...] Autor e leitor não têm espaço comum de

referência.

Portanto,

é

fundamentando-se na estrutura do texto, isto é, no jogo de suas relações internas, que o leitor vai reconstruir o contexto necessário à compreensão da obra” (JOUVE, 2002, p. 23). da

Dessa forma, as teorias

recepção

não

deixam

qualquer dúvida em relação ao papel essencialmente ativo do leitor. Ainda que o afastamento temporal

e

espacial

seja

aparente, a leitura não deixa de representar um diálogo entre dois indivíduos por meio do texto. E, assim como na comunicação oral, o interlocutor deve participar ativamente da composição de ideias e da construção dos sentidos.

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Umberto Eco utiliza a metáfora do bosque para se referir aos caminhos que compõem o universo textual:

Bosque é uma metáfora para o texto narrativo, não só para o texto dos contos de fadas, mas para qualquer texto narrativo [...] Usando uma metáfora utilizada por Jorge Luis Borges [...] um bosque é um jardim de caminhos que se bifurcam. Mesmo quando não existem num bosque trilhas bem definidas, todos podem traçar sua própria trilha, decidindo ir para a esquerda ou para a direita de determinada árvore e, a cada árvore que encontrar, optando por esta ou aquela direção. Num texto narrativo, o leitor é obrigado a optar o tempo todo. (ECO, 2002, p. 12)

Diante disso, caberia questionar se um determinado leitor pode atribuir o significado que desejar ao texto lido. Se o papel ativo do receptor, em última análise, constrói a significação do objeto, toda leitura pode ser considerada legítima?

Dado o caráter específico da comunicação literária, podemos nos perguntar se cada leitor não tem o direito de interpretar o texto como quer. Na medida em que, cortada de seu contexto, a obra é raramente lida como seu autor queria, não é lógico desistir de ressaltar qualquer intenção primeira e ver apenas no texto o que se quer ver? Se não se pode reduzir a obra a uma única interpretação, existem entretanto critérios de validação. O texto permite, com certeza, várias leituras, mas não autoriza qualquer leitura. A organização dada pelo autor ao texto permite variações de leitura, mas ainda assim constitui uma programação que deve ser respeitada pelo leitor [...] Dessa forma, o leitor não pode fazer qualquer coisa. (JOUVE, 2002, p. 25)

Esse direcionamento estrutural da leitura é apenas uma dentre outras regras que permeiam a interação proporcionada pela obra literária. Tais normas não só permitem a fruição da leitura, mas também a realização dos processos inerentes a ela que foram vistos na unidade anterior. Nesse sentido, a recepção desses textos apresenta uma característica particular em relação a outras modalidades textuais: o pacto ficcional. Como afirma Umberto Eco:

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o leitor precisa aceitar tacitamente um acordo ficcional, que Coleridge chamou de ‘suspensão de descrença’. O leitor tem de saber que o que está sendo narrado é uma história imaginária, mas nem por isso deve pensar que o escritor está contando mentiras. De acordo com John Searle, o autor simplesmente finge dizer a verdade [...] Quando entramos no bosque da ficção, temos de assinar um acordo ficcional com o autor e estar dispostos a aceitar, por exemplo, que um lobo fala [...] A obra de ficção nos encerra nas fronteiras de seu mundo e, de

Teorias da leitura e formação do leitor

A norma básica para se lidar com uma obra de ficção é a seguinte:

uma forma ou de outra, nos faz levá-la a sério. (ECO, 2002, p. 81, 83, 84)

Dessa forma dois universos distintos (o universo experimental e o universo ficcional) se complementam na obra de arte. O objeto literário não representa a realidade, uma vez que a amplitude e a complexidade desta ultrapassariam os limites da narratividade e da coerência interna do próprio texto. A obra literária organiza a grandiosidade caótica do real, comprimindo-a em uma ordem narrativa concreta. É justamente essa ordenação que constitui o caráter subversivo da escrita literária. Em outros termos, a literatura subverte a realidade ao organizá-la e torná-la apreensível e analisável.



A ilusão do ficcional

A complementaridade entre os universos experimental e ficcional

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A subversão organizadora da realidade

Tendo em vista essa integração entre realidade empírica e espaço ficcional, examinemos um pequeno conto de Julio Cortázar que flerta com os limites desses universos.

Continuidade dos Parques Começara a ler o romance dias antes. Abandonou-o por negócios urgentes, voltou à leitura quando regressava de trem à fazenda; deixavase interessar lentamente pela trama, pelo desenho dos personagens. Nessa tarde, depois de escrever uma carta a seu procurador e discutir com o capataz uma questão de parceria, voltou ao livro na tranquilidade do escritório que dava para o parque de carvalhos. Recostado em sua poltrona favorita, de costas para a porta que o teria incomodado como uma irritante possibilidade de intromissões, deixou que sua mão esquerda acariciasse, de quando em quando, o veludo verde e se pôs a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a fantasia novelesca absorveu-o quase em seguida. Gozava do prazer meio perverso de se afastar, linha a

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descansava comodamente no veludo do alto respaldo, que os cigarros continuavam ao alcance da mão, que além dos janelões dançava o ar do entardecer sob os carvalhos. Palavra por palavra, absorvido pela trágica desunião dos heróis, deixando-se levar pelas imagens que se formavam e adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro na cabana do mato. Primeiro entrava a mulher, receosa; agora chegava o amante, a cara ferida pelo chicotaço de um galho. Ela estancava admiravelmente o sangue com seus beijos, mas ele recusava as carícias, não viera para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida

Teorias da leitura e formação do leitor

linha, daquilo que o rodeava, a sentir ao mesmo tempo que sua cabeça

por um mundo de folhas secas e caminhos furtivos, o punhal ficava morno junto a seu peito, e debaixo batia a liberdade escondida. Um diálogo envolvente corria pelas páginas como um riacho de serpentes, e sentia-se que tudo estava decidido desde o começo. Mesmo essas carícias que envolviam o corpo do amante, como que desejando retê-lo e dissuadi-lo, desenhavam desagradavelmente a figura de outro corpo que era necessário destruir. Nada fora esquecido: impedimentos, azares, possíveis erros. A partir dessa hora, cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. O reexame cruel mal se interrompia para que a mão de um acariciasse a face do outro. Começava a anoitecer. Já sem olhar, ligados firmemente à tarefa que os aguardava, separaram-se na porta da cabana. Ela devia continuar pelo caminho que ia ao Norte. Do caminho oposto, ele se voltou um instante para vê-la correr com o cabelo solto. Correu por sua vez, esquivando-se de árvores e cercas, até distinguir na rósea bruma do crepúsculo a alameda que o levaria à casa. Os cachorros não deviam latir e não latiram. O capataz não estaria àquela hora, e não estava. Pelo sangue galopando em seus ouvidos chegavam-lhe as palavras da mulher: primeiro uma sala azul, depois uma varanda, uma escadaria atapetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no segundo. A porta do salão, e então o punhal na mão, a luz dos janelões, o alto respaldo de uma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo um romance. (CORTÁZAR, 1971)

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No texto de Cortázar, as fronteiras entre o real e o ficcional são dissolvidas, fazendo com que personagem e leitor compartilhem o mesmo espaço de referência. Em um primeiro olhar, tal possibilidade soa caracteristicamente fantástica. Todavia, se considerarmos os preceitos das teorias da recepção, essa suplantação dos limites entre os universos, ainda que em termos abstratos, torna-se viável. Em O ato da leitura (1999), Wolfgang Iser afirma que, ao longo do processo de leitura, o texto se torna o correlato da consciência de seu receptor, o que permite o seu trânsito na narrativa. Em outras palavras, ao iniciar o diálogo com a obra, o leitor retira a sua consciência do mundo experimental e a insere no universo criado e organizado pelo texto. O leitor adentra o espaço ficcional e interage com os diversos elementos que o constituem. Em contrapartida, a leitura é, como vimos, o ato que dá materialidade aos textos. De certa forma, o processo de recepção também atribui existência, mesmo que efêmera, aos seres que povoam as obras. Assim, ao interagir com as narrativas, o leitor traz para o universo experimental a projeção das personagens que lhe são apresentadas pelos textos. Esse movimento de inserção dos construtos ficcionais no horizonte referencial empírico se revela importante, inclusive, para a validação de critérios de verossimilhança e coerência, aspectos relevantes para determinadas modalidades de recepção. Diante dos dois processos descritos, é razoável afirmar que há uma continuidade entre os parques da realidade e da ficção. Mas, o leitor que se senta com a obra aberta sobre seu colo é a mesma entidade que caminha pelas trilhas da narrativa e interage com as personagens? Se a consciência do receptor se evade do universo experimental para o mundo gerado pelo texto, não haveria a formação de uma nova consciência moldada pela obra? Fenômeno semelhante não ocorreria na escrita do objeto textual? É sobre os conceitos e definições que propõem respostas para esses questionamentos que dedicaremos a última seção deste livro.

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AS FACES DO DIÁLOGO LITERÁRIO Dentre as questões propostas no final da seção anterior, iniciaremos nossa discussão com aquela que se apresenta como a mais instigante e, talvez, a mais recorrente nas teorias da recepção: quem é o leitor? Vincent Jouve afirma que: O leitor é ao mesmo tempo o leitor real, cujos traços psicológicos,

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sociológicos e culturais podem variar infinitamente, e uma figura abstrata postulada pelo narrador pelo simples fato de que todo texto dirige-se a alguém. Mediante o que diz e do modo como diz, um texto supõe sempre um tipo de leitor – um narratário – relativamente definido. Pelos temas que aborda e pela linguagem que usa, cada texto desenha no vazio um leitor específico. Assim, o narratário, da mesma forma que o narrador, só existe dentro da narrativa: é apenas a soma dos signos que o constroem. (JOUVE, 2002, p. 37)

Essa entidade abstrata que se projeta do leitor empírico para dentro das narrativas recebeu diferentes tratamentos teóricos. Descreveremos abaixo aqueles apontados por Jouve como os principais ensaios de teorização: o leitor implícito de Wolfgang Iser, o leitor abstrato de J. Lintvelt e, mais recentemente, o leitor modelo de Umberto Eco.

O leitor implícito de Iser remete às diretivas de leitura deduzíveis do texto e, como tais, válidas para qualquer leitor. A ideia é a seguinte: na leitura de um texto, o modo pelo qual o sentido está construído é o mesmo para todos os leitores; é a relação com o sentido que, num segundo momento, explica a parte subjetiva da recepção. Em outros termos, cada leitor reage pessoalmente a percursos de leitura que, sendo impostos pelo texto, são os mesmos para todos. [...] O “leitor implícito” corresponde, no sistema de Lintvelt, ao “leitor abstrato”, sendo este a imagem do destinatário pressuposto e postulado

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pela obra literária e, por outro, como imagem do receptor ideal, capaz de concretizar o sentido total da obra numa leitura ativa. [...] Na perspectiva pragmática de Eco, o leitor modelo é definido como “um conjunto de condições de sucesso ou de felicidade, estabelecidas textualmente, que devem ser satisfeitas para que um texto seja plenamente atualizado no seu conteúdo potencial. Temos, novamente, uma figura de leitor instituída pelo texto: o receptor, ativo e produtivo, que o melhor deciframento da narrativa implica. O leitor modelo, em outros termos, é o leitor ideal que responderia corretamente (isto é, de acordo com a vontade do autor) a todas as solicitações - explícitas e implícitas – de um dado texto. [...] Os leitores implícito, abstrato e modelo, além de suas diferenças, comprovam o mesmo princípio: a inscrição objetiva do destinatário no próprio corpo do texto. Simples imagens de leitor postuladas pela narrativa ou receptores ativos que colaboram no desenvolvimento da história, esses leitores se baseiam na ideia de que, estruturalmente, existe em qualquer texto um papel proposto para o leitor. (JOUVE, 2002, p. 43, 44, 45, 46-47) Não raras vezes, um narrador se dirige abertamente a esse leitor abstrato que interage com o texto. Tal procedimento desnuda não só a consciência de um público leitor para o qual a obra se remete, mas também as inferências e as reações que a organização textual busca provocar. Observem os exemplos abaixo: A vida e as opiniões do cavalheiro Tristam Shandy (Lawrence Sterne - 1760) Eu sei existirem no mundo leitores, bem como muitas outras boas pessoas que não são absolutamente leitores, - que não se sentem muito a gosto quando não são postas ao corrente de todo o segredo, do começo ao fim, de quanto diga respeito a uma pessoa. É por pura submissão a tal estado de espírito, e por uma relutância da minha natureza em desapontar qualquer alma vivente, que tenho sido desde já tão minucioso. [...] Aqueles, todavia, que preferem não remontar tão longe nestas particularidades, o melhor conselho que posso dar é pularem o restante deste capítulo, pois declaro antecipadamente tê-lo escrito apenas para os curiosos e os indiscretos. (STERNE, 2006, p. 47-48)

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Pois sejamos felizes de uma vez, antes que o leitor pegue em si, morto de esperar, e vá espairecer a outra parte; casemo-nos. (ASSIS, 2002, p. 138)

Grande sertão: veredas (Guimarães Rosa - 1956)

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Dom Casmurro (Machado de Assis - 1899)

A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem se misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria ou forte pesar, cada vez daquela hoje vejo que era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. O senhor é bondoso de me escutar [...] Desculpa me dê o senhor, sei que estou falando demais, dos lados. Resvalo. Assim é que a velhice faz. Também, o que é que vale e o que é que não vale? Tudo. Mire veja: sabe por que é que eu não purgo remorso? Acho que o que não deixa é minha boa memória. A luzinha dos santos-arrependidos se acende é no escuro. Mas, eu, lembro de tudo. (ROSA, 2006, p. 98, 99, 144)

Diante desses exemplos, seria coerente refletir sobre essa voz que interpela e argumenta com o leitor inscrito no texto. O narrador em primeira pessoa é necessariamente o autor? Não há, ao processo de construção do texto, a projeção abstrata do seu produtor para o universo criado pela narrativa? A resposta para esta última pergunta é afirmativa. Tal projeção redundaria em outra entidade denominada pelas teorias da leitura de autor-modelo. Como salienta Umberto Eco (2002), o autor-modelo seria o es em alemão ou o it em inglês, ou seja, uma abstração, muitas vezes sem gênero definido, que nos introduz ao universo ficcional e nos integra ao enredo.

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Poderíamos dizer que esse it – que no começo da história ainda não se evidencia ou talvez esteja presente apenas em uma série de pequenos traços – no final de nossa leitura se identificará com o que a teoria estética chama de estilo [...] Por outro lado, o autor-modelo é uma voz que nos fala afetuosamente (ou imperiosamente, ou dissimuladamente), que nos quer a seu lado. Essa voz se manifesta como uma estratégia narrativa, um conjunto de instruções que nos são dadas passo a passo e que devemos seguir quando decidimos agir como o leitor-modelo. (ECO, 2002, p. 21)

Dessa forma, percebemos que o que Eco define como autor-modelo são, na verdade, as estratégias narrativas e organizacionais que moldam a recepção do leitor-modelo. O autor-modelo não seria nem a voz do autor inscrita no texto nem a voz do narrador, mas a forma pelo qual o enredo é narrado. É justamente por isso que a percepção desse modo de narrar redunda, muitas vezes, na caracterização de um estilo próprio desenvolvido por determinado autor. Há textos nos quais a articulação dessas entidades é revelada e serve como mecanismo de problematização dos conceitos de autoria e de narratividade. Eco cita como exemplo a obra Narrativa de Arthur Gordon Pym, de autoria de Edgar Allan Poe. Duas partes dessas aventuras foram publicadas em 1837 no Southern Literary Messenger. O texto se iniciava com “Meu nome é Arthur Gordon Pym” e, desse modo, apresentava um narrador em primeira pessoa, porém trazia o nome de Poe como autor empírico. Em 1838, a história inteira foi publicada em forma de livro, mas sem o nome do autor no frontispício. Havia um prefácio assinado por A. G. Pym, que apresentava as aventuras como fatos e dizia aos leitores que, no Southern Literary Messenger, “o nome do sr. Poe foi acrescentado aos artigos, porque ninguém teria acreditado no relato, de maneira que não haveria problema em apresentá-lo “sob a aparência da ficção”. (ECO, 2002, p. 24)

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Por meio dessa manipulação autoral e narrativa, Poe relativiza não apenas as relações, muitas vezes, estabelecidas arbitrariamente entre autor, narrador e estratégias narrativas, mas as próprias concepções de escrita imaginativa e relato autobiográfico. À guisa de conclusão, acreditamos ter evidenciado a existência de múltiplas entidades que, com características e objetivos próprios, povoam o ato da leitura. Nesse sentido, a presença de tantas vozes, tanto empíricas quanto abstratas, reforça, inegavelmente, o caráter dialógico da leitura, aspecto que procuramos enfatizar desde o início da nossa discussão.

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Nesta última unidade, analisamos as especificidades da leitura literária, enfatizando os elementos que a constituem e os pressupostos teóricos que objetivam a sua análise. Primeiramente, discutimos os conceitos defendidos por autores e teóricos na tentativa de fornecer uma definição concreta do que é a literatura. Como vimos, a dialética formada por tais discussões forma um caleidoscópio de perspectivas e abordagens que ainda não encerrou a sua expansão. Nesse contexto, delineamos o conceito defendido pelas teorias da recepção, segundo o qual os leitores assumem a primazia na fixação e caracterização do conceito de literatura. Em seguida, esquadrinhamos alguns elementos que atribuem à recepção de textos literários a sua especificidade e, de certa forma, a sua complexidade. Neste momento, enfatizamos a importância de aspectos como o pacto ficcional, a organização do texto como direcionamento de leitura e a complementaridade do universo experimental e da figuração mimética. Finalmente, dedicamos a última seção à caracterização das diversas entidades abstratas e empíricas que participam ativamente da leitura, aspecto que a define como uma atividade essencialmente dialógica.

01) Leia o conto abaixo de autoria de Jorge Luis Borges, considerando que se trata de um texto que explora o tema da figuração artística da realidade. De que maneira(s) o texto problematiza não apenas a representação do real, mas também as concepções realistas radicais? Qual a importância da falsa referência bibliográfica inserida no final do conto? Como a presença desse dado pode influenciar o leitormodelo? A inclusão dessa referência pode ser vista como um elemento argumentativo do texto? Qual seria esse argumento? DO RIGOR NA CIÊNCIA (Jorge Luis Borges – 1960) Naquele Império, a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa de uma única Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa do império, toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmesurados não foram satisfatórios e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. Menos Afeitas ao Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes entenderam que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem Impiedade o entregaram às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos; em todo o País não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas. (Suárez Miranda: Viajes de Varones Prudentes, livro quarto, cap. XLV, Lérida, 1658) (BORGES, 1999, p. 247)

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PALAVRAS FINAIS Como vimos anteriormente, o teórico e escritor Umberto Eco se apropria da metáfora do bosque, utilizada primeiramente por Jorge Luis Borges, para analisar os textos narrativos. Entretanto, tal associação figurativa poderia ser utilizada para se referir a todo texto verbal ou não verbal, independentemente do gênero ao qual ele pertence. Diante de um texto, buscamos, inicialmente, uma entrada pela qual ingressaremos em seus meandros e trilharemos os seus caminhos possíveis. Para alguns que ainda vivem sob a sombra da ignorância e do analfabetismo, o bosque se revela hermético e hostil, fazendo com que muitos descrevam suas trajetórias à margem dele. Para outros, o analfabetismo funcional torna os passos inseguros e hesitantes, ocasionando, muitas vezes, a fuga para veredas mais descampadas ou a escolha de uma rota fixada previamente por terceiros. Durante muito tempo, o bosque se manteve como propriedade alheia e rigidamente mapeada, na qual o leitor, apartado de sua consciência intrusa, vagava por trilhas teoricamente abertas pelos especialistas teóricos da vegetação textual. Contudo, outras luzes passaram a incidir por entre a espessa cúpula de ramos formalistas e estruturalistas, descortinando outras direções e outras saídas. Aos poucos, o leitor enveredou por rotas antes proibidas e, com crescente liberdade, apropriou-se do bosque e dos seus caminhos. Isso não significa que o caminhante possa assumir, irrestritamente, o rumo que bem desejar. É possível seguir para a direita ou para a esquerda de uma árvore. Mas não é possível atravessá-la. Todo bosque tem as suas próprias normas e suas próprias diretrizes. Mas o leitor não está sozinho nesta caminhada. A própria concepção processual da leitura envolve, necessariamente, a participação de outras entidades que, reais ou abstratas, acompanham o leitor e dialogam com ele. Como enfatiza o escritor estado-unidense Paul Auster: “a literatura é essencialmente solidão. Escreve-se em solidão, lê-se em solidão e, apesar de tudo, o ato de leitura permite uma comunicação entre dois seres humanos”. Tendo encerrado a nossa caminhada e o nosso diálogo no curto bosque aqui organizado, esperamos ter oferecido a nossa contribuição para que você possa, a partir de agora, transitar por outras searas, dialogar com outros companheiros e encontrar a sua própria forma de caminhar. Evanir Pavloski

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ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Martin Claret, 2002. BELLO, José Luiz de Paiva. Movimento Brasileiro de Alfabetização MOBRAL. História da Educação no Brasil. Período do Regime Militar. Pedagogia em Foco, Vitória, 1993. Disponível

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Teorias da leitura e formação do leitor

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Evanir PAVLOSKI Graduado em Letras-Inglês pela Universidade Federal do Paraná. Mestre e Doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente, é professor efetivo na Universidade Estadual de

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NOTA SOBRE O AUTOR

Ponta Grossa, onde leciona as disciplinas de Língua Inglesa e Literatura em Língua Inglesa.

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