TEORIAS DE ESTADO E ECONOMIA Resenha – A Riqueza das Nações Adam Smith

June 1, 2017 | Autor: Dilson Passos Jr | Categoria: Adam Smith, Capitalismo, Liberalismo, Estado Mínimo, Liberalismo econômico, Estado Minimalista
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Adam Smith1 vive no século XVIII, o século das luzes, marcado por mudanças políticas, econômicas e sociais. Portugal e Espanha, que tinham capitaneado a busca de novos mercados com suas descobertas, iam sucumbindo economicamente à forte influência da Inglaterra e da França, respectivamente. Tanto Portugal como a Espanha tinham cometido o grande equivoco econômico de colocar seu embasamento econômico no metalismo, como se o simples acúmulo de moedas fosse riqueza. A Inglaterra, neste momento em pleno aquecimento econômico com sua nascente indústria têxtil e com suas práticas comerciais, vai assumindo a liderança econômica do mundo. Também as 13 colônias da América, especialmente as do norte, produzem e comercializam cada vez mais, se tornando potencialmente concorrentes com sua Metrópole. Colonialismo, escravismo, bulionismo, balança comercial favorável, protecionismo, pacto colonial são os ingredientes teóricos e práticos do mercantilismo com forte impacto nas transações internacionais. Adam Smith é um erudito com variadas angulações nas abordagens sobre a realidade social e econômica transitando desde uma visão humanista até os estreitos espaços da matemática aplicada à economia. Nele se integram o teórico e o prático, o pensador e o homem plugado com a realidade. As Riquezas das Nações é o diagnóstico dos mecanismos da “mão invisível” que rege a sociedade nas suas práticas econômicas. Cabelhe, porém, não apenas desvendar estas forças subterrâneas da economia, mas torna-se também defensor destas forças enquanto vê nelas leis que se impõem por si mesmas nos mecanismos da produção de riquezas. Sua produção e clareza de idéias são tão fortes que recebe o epíteto de “pai da economia moderna” e “pai do capitalismo”. Sob a influência do Fisiocratismo2 francês acreditava que “uma mão invisível” organizava o processo de produção de riquezas onde a lei da oferta e procura estabilizava a demanda dos produtos e os justos preços. Suas teses vão muito de acordo com a burguesia de então que queria se desvencilhar das amarras do feudalismo e do absolutismo, procurando se apropriar do poder político através do parlamentarismo e de monarquias constitucionais. A Iniciativa privada na produção e na comercialização, sem a mão protetora do Estado, garantiriam um equilíbrio natural da economia. Por instinto natural as pessoas buscavam seu próprio interesse3 e para garanti-lo acabavam por, involuntariamente, gerando o bem estar da sociedade. A iniciativa privada não deveria ter nenhum controle ou cerceamento do Estado e com a livre concorrência haveria um justo equilíbrio de preços e progresso na forma de produção. A competição geraria um esforço para se modernizar a produção e ao mesmo tempo barateá-la. No seu discurso Smith articula as relações entre Estado, Economia e indivíduos. Uma idéia forte e fio condutor do seu pensamento, é o conceito de civilização, entendendo este termo 1

- nascido em 1723 provavelmente em Kirkcaldy e falecido em 1790 em Edimburgo. - laissez faire, laissez aller, laissez passe... 3 - self-interest 2

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em duplo sentido: o primeiro é aquela sociedade que se apropriou de meios de enriquecimento que a distingue dos grupos bárbaros. O segundo sentido é decorrente do primeiro: a sociedade que passa a ter uma significativa renda deve também possuir uma organização social e administrativa que garanta e consolide as conquistas advindas do enriquecimento. No nosso atual estudo é postos em relevo três elementos de uma sociedade civilizada: a segurança externa, a Justiça e a Educação. O primeiro elemento garante a proteção da civilização contra os ataques externos e ao mesmo tempo a estabilidade interna. O segundo coordena a relação entre os cidadãos em que garanta a equidade nas relações inter pessoais e, enfim, a educação é a formação das novas gerações como cidadãos integrados nesta nova civilização. Ele titula estas três dimensões com o termo “despesas”. Sua ótica é dos gastos que a sociedade tem com estes itens e que retorno eles dão, estando esta percepção enquadrada no conceito de custo-benefício. Nos três quesitos em análise ele faz, inicialmente, um histórico da situação e a seguir assinala os perigos e desvios, corrupção e má administração para esses recursos. E, finalmente, indica aquilo que considera a melhor forma para que esses recursos possam de fato gerar bom retorno político, econômico e social. É uma análise com a avaliação dos resultados positivos esperados para o investimento feito nestes campos. Na questão da defesa faz um histórico reconstituindo como ela era praticada e financiada por caçadores, pastores e agricultores. Aumentado o progresso a sociedade vai se tornando complexa e o financiamento da guerra torna-se mais difícil. Num estágio mais avançado da sociedade, duas causas diferentes contribuíram para tornar totalmente impossível que aqueles que partiam em campanha se mantivessem à sua custa. Essas duas causas são: o progresso das manufaturas e a evolução da arte da guerra. Mesmo quando um lavrador era integrado numa expedição, desde que ela começasse depois da sementeira e acabasse antes da colheita, a interrupção de sua ocupação não ocasionaria sempre uma diminuição considerável de seu redito. A própria natureza faz a maior parte do trabalho que fica por fazer sem ser necessária a intervenção do seu trabalho. “Mas, no momento em que um artífice, um ferreiro, um carpinteiro ou um tecelão, por exemplo, abandona seu estabelecimento, a sua única fonte de redito seca por completo”. (...) mas num país onde grande parte dos habitantes é constituída por artífices e manufaturadores, uma grande parte das pessoas que vão para a guerra será retirada dessas classes e terá, necessariamente, de ser mantida pelo público enquanto estiver empregado ao seu serviço”. Caçadores e pastores pela própria vida nômade podiam se locomover “em serviço” no período das guerras. Os agricultores dividiam o tempo entre as praticas guerreiras, realizadas nas entressafras. A sociedade manufatureira, porém, tinha grandes dificuldades nas guerras, pois deviam parar suas atividades produtivas. Com isso se torna necessário, nesta ultima sociedade, que haja a profissionalização do exército. Quanto maior o nível de civilização maior o desprezo pela guerra. Acontece, porém, que com o aumento da Prof. Dr. Dilson Passos Júnior - [email protected]

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produção e da riqueza, os produtos se tornam objeto de cobiça por grupos menos eficientes na produção e, a montagem de um exército, se torna necessária para a defesa destes bens mais abundantes. Verifica-se então que o progresso, se de um lado, tira as populações das práticas de guerra, de outro faz com que seja necessária a formação de uma força para a defesa dos bens produzidos e da mesma sociedade que o produz. Do mesmo modo, aqueles melhoramentos, no campo da agricultura, necessariamente introduzidos pelo progresso das artes e manufaturas, deixam ao lavrador tão pouco tempo livre como ao artífice. Os exercícios militares acabam por ser tão desprezados pelos habitantes do campo como pelos habitantes das cidades, e a grande massa da população torna-se totalmente avessa à guerra. Simultaneamente, a riqueza que se segue sempre aos melhoramentos da agricultura e das manufaturas e que, na realidade, não é se não o produto acumulado desses melhoramentos, provoca a cobiça de todos os vizinhos. Uma nação industriosa, e, por isso mesmo, rica é, entre todas as outras nações, a mais possível de ser atacada e, a não ser que o Estado tome algumas medidas novas relativas à defesa pública, os hábitos naturais da população tornam-na totalmente incapaz de se defender4.”. O exército permanente é fundamental para a defesa da civilização que tenha enriquecido5. As armas e a manutenção do exercito são grandes gastos, necessários, porém, que se quer manter a integridade da sociedade6. Garantida a relação de uma nação rica com outra através da segurança, torna-se agora necessário que se garanta o equilíbrio das relações entre os cidadãos na sociedade. O segundo dever do soberano, o de proteger, tanto quanto possível, todos os membros da sociedade contra a injustiça ou o ataque de qualquer outro membro, ou o dever de instituir uma exata administração da justiça, exigem igualmente vários tipos de despesas nos vários períodos da sociedade. (...) A inveja, a maldade e o ressentimento, constituem as únicas paixões que podem predispor um homem a prejudicar um outro na sua pessoa ou reputação7”. E, para ele mais uma vez, a propriedade privada é também objeto de encontros e desencontros dentro da sociedade. Nas sociedades mais primitivas de caçadores, onde quase inexiste a propriedade, não existem grandes problemas. Mas em sociedades em que se tem a posse de bens há possibilidade de aflorarem as paixões humanas movidas pela inveja e pelo ressentimento.

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-Ibdem p. 298s - “Assim, a civilização de qualquer país só pode ser perpetuada ou mesmo preservada durante um período razoável, por meio de um exército permanente”. Ibdem. 309s 6 -“A invenção das armas de fogo, uma invenção que, à primeira vista, parece ser tão nefasta, é certamente benéfica, não só à manutenção como à extensão da civilização”. Ibdem. P. 313 7 - Ibdem p. 315 5

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Mas a avareza e a ambição nos ricos e o ócio ao trabalho e a tendência à preguiça e ao ócio nos pobres, constituem as paixões que predispõem ao ataque à propriedade, paixões muito mais fortes na sua ação e muito mais universais na sua influência. Sempre que há muita propriedade, há grande desigualdade. Por cada homem rico, haverá, pelo menos quinhentos homens pobres, e a prosperidade de uns poucos pressupõe a indigência de muitos. A prosperidade dos ricos prova indignação dos pobres que muitas vezes são levados pela necessidade e influenciados pela inveja a apropriar-se dos seus bens8”. A sociedade cria uma hierarquia de pessoas pelas qualidades naturais, pela experiência advinda da idade, pela fortuna e pelo nascimento. A justiça nasce da necessidade de controlar os confrontos de tais segmentos. Para que essa Justiça, porém, não seja arbitrária ou corrupta é importante que os juízes não estejam de forma alguma cooptados ou dependentes financeiramente de grupos com seus interesses ou mesmo dependendo os magistrados do emolumento dos que julgam. Seus rendimentos devem advir de fontes neutras e devem ter garantias de não sofrerem retaliações de grupos sociais que se sintam prejudicados por suas decisões. O Poder Judiciário deve estar separado e autônomo do poder executivo. (...) que os juízes sejam mantidos através de salários fixos oriundos de outros fundos, não parece ser necessário que a pessoa ou pessoas encarregadas do poder executivo tenham ainda que administrar esse fundo ou de pagar esses salários. Esse fundo poderá resultar da renda de propriedades agrícolas, sendo a administração de cada propriedade confiada ao tribunal que por ela ser mantido. (...) Mas a liberdade de cada indivíduo, a sua própria segurança, dependem da administração imparcial da justiça. Para que cada individuo se sinta perfeitamente seguro na posse de todos os seus direitos, é necessário não só que o poder judicial esteja separado do executivo, como ainda seja, o mais possível, independente desse poder. O juiz não deveria poder ser afastado do seu posto por qualquer capricho desse outro poder. “O pagamento regular do seu salário não devia depender da boa vontade, ou, até, da boa economia desse poder”. 9 Quanto à educação Smith trata inicialmente da remuneração dos professores que pode advir do estado, ou das contribuições dos educandos ou de uma conjunção mista dos dois sistemas de pagamento. Faz algumas acusações sérias a situações que colocam em risco a qualidade de ensino:  O corporativismo dos professores10.  Fiscalização externa apenas material das horas trabalhadas11.  Alunos obrigados por bolsas a freqüentar escolas sem gerar concorrência12. 8

- Ibdem - 316 - Ibdem – p 330 e 332. 10 - ibdem. Cf. 392 11 Ibdem – cf. 392 9

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 Professores que não são cobrados pelos resultados, mesmo se educam mediocremente13. Há instituições que se deslocaram da realidade da sociedade. Inicialmente os estudos das universidades foram configurados para a formação do clero e, no mundo atual, muito grandes escolas se apegam às formulas do passado resistindo ao mercado e com isso fornecem uma educação arcaica e não modernizada para atender à nova civilização. As universidades elaboradas para clérigos acabam por não responder às necessidades da sociedade. Isto faz com que na Inglaterra muitos jovens acabem por viajar a guisa de complementação dos estudos e para ampliar a própria cultura. Indo numa idade muito jovem ainda acaba, por meio de uma vida licenciosa, retornando desfigurados cultural e moralmente. Em Inglaterra se está tornando cada vez mais usual mandar os jovens viajar para países estrangeiros logo que saem da escola, não os enviando para qualquer universidade. Os nossos jovens, diz-se, regressam a casa mais evoluídos por efeito das suas viagens. Um jovem que vai ao estrangeiro aos dezessete ou dezoito anos, regressa aos vinte e um, e vem três ou quatro anos mais velho do que quando se ausentou e, nessa idade, é muito difícil não progredir consideravelmente em três ou quatro anos. No decurso das suas viagens, adquire geralmente algum conhecimento de uma ou duas línguas estrangeiras, um conhecimento, contudo, que raramente é suficiente para habilitá-lo a escrever ou falar com correção razoável nessa língua. Noutros aspectos, geralmente, volta a casa mais presumido, mais sem princípios, com hábitos mais dissolutos, tornando-se incapaz de qualquer aplicação séria, quer aos estudos, quer aos negócios, do que se teria tornado em tão pouco tempo, se tivesse ficado no país. Ao viajar em tão jovem idade, ao despender na mais frívola dissipação os anos mais preciosos de sua vida, longe da inspeção e vigilância dos pais e amigos, qualquer hábito útil que a anterior educação recebida tenha tido tendência para desenvolver nele, em vez de se arraigar e confirmar vai ficar necessariamente enfraquecido e mesmo desaparecer14. Roma e Grécia estabeleceram um modelo de educação que foi eficiente e formou homens. O Estado é um mau governante. O ensino público tende a se acomodar às velhas formas, porque financiado. Para ele a competitividade do mercado acabaria por fechar automaticamente aquelas escolas que não correspondem, assim, às necessidades da sociedade. Se não houvessem instituições públicas destinadas à educação não se ensinaria uma ciência, fosse ela qual fosse para a qual não houvesse alguma espécie de procura e cuja aprendizagem as circunstâncias do tempo não tornassem 12

- Ibdem – cf. 394 - Ibdem – cf. 395 14 - Ibdem – p. 407 13

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necessariamente convenientes, ou pelo menos, em moda. Um professor particular nunca conseguiria ganhar sua vida a ensinar, quer um sistema desacreditado e antiquado de uma ciência reconhecida como útil, ou uma ciência universalmente considerada como mero amontoado inútil e pedante de sofística e absurdo. Tais sistemas, tais ciências não podem subsistir em parte nenhuma, a não ser nessas sociedades organizadas para a educação, cuja prosperidade e lucro são em grande medida independentes da sua aplicação ao trabalho. Se não houvesse instituições públicas, destinadas à educação, um cavalheiro depois de ter freqüentado o curso de educação mais completo que as circunstâncias da época podiam oferecer, não poderia entrar na vida completamente ignorante de tudo o que é tema comum das conversas entre cavalheiros e homens do mundo15”. O pensamento de Adam Smith teve muita aceitação pela lógica que o marca. Mas do que criar novas teses, parece diagnosticar o como acontece às engrenagens da guerra, da justiça e da educação. Nele também existe o humanista que não faz da economia o uso de frios dados. Descortina na economia as leis subjacentes que naturalmente a regem. É obvio que a defesa que faz do não intervencionismo do Estado na Economia é hoje visto como ingênuo. A quebra da Bolsa de Nova York em 1929 foi um episódio que marcou com forte estigma do liberalismo como princípio econômico. Os Estados unidos de então não romperam com o capitalismo, mas procuraram estabelecer um Estado de Bem Estar Social que nascia dos destroços da crise de 29. O liberalismo e o neoliberalismo econômico não deixam, porém, de ser um atrativo para os grandes capitais mundiais. Uma questão poderia ficar no ar: Adam Smith elaborou princípios de uma metodologia do capitalismo ou apenas conseguiu apreender e descortinar as leis naturais que regem a produção e o consumo entre os homens? Não há duvidas que seu pensamento econômico sirva de sustentação e justificativa para imensas explorações do ser humano. Qualquer, porém, que seja a critica ao seu pensamento não se pode invalidar as significativas percepções e mesmo denuncias que fez às praticas de produção numa sociedade que fez do capital o centro e objetivo de suas ações.

Bibliografia SMITH, Adam. Inquérito Sobre a Natureza e as Causas das Riquezas das Nações. Lisboa, Editora Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.

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- Ibdem, - p. 415

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