TEORIAS DE ESTADO E EDUCAÇÃO Resenha -A Ideologia Alemã

June 1, 2017 | Autor: Dilson Passos Jr | Categoria: Karl Marx, Marxismo, Engels, Teoria do Estado, Ideologia Alemã
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Nos séculos XVIII e XIX a Europa mercantilista vive fortes mudanças. A Revolução Industrial remodela o sistema social, político e econômico até então vigente. Em apenas 100 anos há um processo de urbanização intenso com mudança de populações das áreas rurais para a cidade, seja porque empurradas pelo emprego da técnica de "enclosure" das propriedades rurais para a criação de ovelhas, seja pelo natural atrativo da cidade sobre uma população cada vez mais carente de meios de sobrevivência no campo. Ao longo da Idade Média dois grupos sociais haviam se delineado: os proprietários de terra e os camponeses. Na idade moderna se consolidam dois novos grupos: comerciantes e artesãos. Com a Revolução Industrial, enfim originam-se os proprietários de fábricas e os operários. As relações entre essas classes sociais se configurariam de formas diferentes. Na idade média uma visão mística e teocentrica presidiam as relações sociais dos senhores feudais e do campesinato. No século IX com a retomada do comércio, que terá sua consolidação no século XV, a nascente burguesia comercial não só financiará a montagem do Estado Moderno, com o fortalecimento do poder real através do Absolutismo, mas manterá um relacionamento de mutua dependência com os artesãos, cabendo a estes a produção e àqueles a comercialização. A Revolução Industrial reúne no processo produtivo a burguesia industrial e um amontoado amorfo de mão de obra oriunda principalmente dos campos, explorada dentro dos interesses da produção capitalista industrial. Esta nova forma de produção assume características próprias: não mais preside as relações os valores teocêntricos e nem do mutuo interesse, mas a absoluta necessidade de sobrevivência aliada a uma grande oferta de mão de obra de um lado e a agilidade de produção gerada pelas máquinas de outro. A mão de obra abundante e a produção das máquinas fazem com que essas relações sejam estabelecidas entre os mais fortes com os mais fracos, entre os detentores dos meios de produção e uma multidão faminta. Prevalecem os interesses individuais da burguesia frente a um operariado que não possui sentido corporativista. Aos poucos, porém, o operariado vai se percebendo explorado. As primeiras reações são mais instintivas que elaboradas. Ned Ludd, em Nottingham na Inglaterra lidera uma revolta quando quebram uma indústria têxtil, vendo nas máquinas a fonte de seus males. O “ludismo” eclodiu em vários pontos da Inglaterra. Apesar das severas reações da burguesia surgem as “Trade Unions” que coordenam a luta operária na busca de seus direitos. Algumas atitudes esporádicas são tomadas sem, porém ser um processo de classe. Socialistas utópicos apresentam propostas que amenizem ou superem as dicotomias sociais. Essas soluções, porém, estão aquém de realidade existente. O fato histórico do surgimento do modo de produção industrial existe, falta, porém, quem organize sua compreensão. Em pouco tempo a Europa tinha vivido situações novas e desafiadoras: As Revoluções Francesa e Industrial, o Congresso de Viena e o surgimento da classe operária fazem com que para além das ações tópicas se entenda e se teorize a compreensão destas novas e perturbadoras realidades. Intelectuais e ativistas políticos procuram elaborar princípios de defesa ou condenação desta nova ordem. O Liberalismo econômico tem em Adam Smith um teórico que busca a compreensão e justificativa do relacionamento dos meios de produção capitalista no seu livro “As Riquezas Prof. Dr. Dilson Passos Júnior - [email protected]

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das Nações”. Marx e Engels elaboram os princípios do socialismo cientifico buscando apreender as regras naturais que permeiam as relações produtivas e, ao mesmo tempo, assinalam soluções práticas para esta situação. Neste contexto surgem as reflexões no texto sobre a Ideologia Alemã. Na Alemanha prevalece o pensamento idealista de Hegel1 que dá suporte às tendências absolutistas do Estado Prussiano. A Razão é a essência do próprio ser e essa Razão se manifesta na História. Seus seguidores, posteriormente, dividiram-se em duas vertentes de esquerda e de direita. O teólogo David Strauss2 fora o autor da “Vida de Jesus” analisada a partir da ótica Hegeliana. É defensor das idéias de Hegel na política, na defesa do Estado e da Religião, neste caso, o luteranismo. Os da esquerda defendem o pensamento Hegeliano numa ótica materialista, sendo ateus e mesmo anticristãos tendo entre seus espontes Feuerback3. Marx e Engels quando se levantam contra a ideologia cristã contestam não só o pensamento de Hegel e se seus representantes de direita, mas também o dos hegelianos de esquerda, entre eles Feurbach, por considerarem que ainda que neguem a religião e o transcendente, permanecem, porém, atrelados a uma visão idealista do homem. É neste contexto histórico de então que se tem a implantação do capitalismo industrial onde se integram para a produção de riquezas o capital e o trabalho. Apesar de Marx e Engels serem oriundos de famílias de classe média, sendo Engels filho de industrial e tendo inclusive gerenciado fábricas de seu pai, onde pudera presenciar o processo de exploração do operariado. Suas origens não impedem, porém, que partam para uma critica contundente contra o sistema capitalista e contra a religião que entendem como fonte e mantenedora de alienação4. Mas do que, porém, atacar diretamente ao sistema, procura realizar uma critica a partir das bases filosóficas que sustentam a sociedade alemã. Esse texto representa uma reconfiguração ideológica de todo o sistema então existente. Para Marx e Engels a ideologia hegeliana parte do abstrato para o real, acreditando que o espírito é capaz de interagir e determinar o real. Atacam não só a visão teísta de Hegel e com ela seu idealismo, como também dos hegelianos de esquerda, pois ao rechaçar Deus continuam a fazer uma leitura da realidade de forma abstrata e Idealista. O modo de se estudar o homem é a partir da realidade concreta e de sua necessidade de sobrevivência 1

- Wilhelm Friedrick HEGEL – 1770 – 1831 – formado no seminário protestante de Wuttemberg. Professor. Filósofo. Terminou sua vida como professor da Universidade de Heiddelberg sendo muito respeitado e tendo grande influência como pensador. 2

David Friedrich Strauss (Ludwigsburg, Alemanha, 27 de Janeiro de 1808 - 8 de Fevereiro de foi um teólogo e exegeta alemão.

1874) 3

Ludwig Andreas Feuerbach (28 de julho de 1804, Landshut - 13 de setembro de 1872 em Rechenberg, perto de Nuremberg) foi um filósofo alemão. Com relação a Deus entendem que Ele é uma criação humana: “Eles criadores, rendem-se às suas próprias criações”. MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã, São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas Ltda, 1979. p. 17 4

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biológica. A associação dos homens para a produção é que irá gerar a organização de vida em sociedade. É a partir de suas necessidades biológicas que o homem organiza o modo como produz sua sobrevivência, sendo essa organização um reflexo do modo de produção gerado pela sociedade. “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência5”. Para Marx os homens realizam representações como interpretações da realidade. As critica é ácida. “Estas fantasias inocentes e pueris formam o núcleo da atual filosofia neohegeliana que, na Alemanha, não somente é acolhida pelo público, com horror e veneração, mas apresentada pelos próprios heróis filósofos com a solene consciência de sua periculosidade revolucionária mundial e de sua brutalidade criminosa. O primeiro tomo da presente obra tem por finalidade desmascarar estes carneiros que se julgam lobos e que assim são considerados; propõe-se a mostrar como nada mais fazem do que balir filosoficamente as representações dos burgueses alemães e que as fanfarronices desses intrépetes filosóficos apenas refletem a derrisória pobreza da realidade alemã” 6. Entendem que a filosofia hegeliana que influencia a mentalidade alemã está calcada em palavras vazias e ilusórias. As idéias parecem criar o real, moldando-o segundo posições metafísicas. As representações teológicas dos hegelianos são verdadeiros grilhões dos homens7 e enquanto meros produtos da consciência ganham autonomia de existência. Isto também atinge aos neo-hegelianos que ainda que tendo destruído o conceito de Deus continuam a refletir com frases abstratas. O fato é que não se confunda devaneios filosóficos com realidade. “A despeito de suas frases que supostamente ‘abalam o mundo’ os ideólogos da escola neo-hegeliana são os maiores conservadores. Os mais jovens dentre eles descobriram a expressão exata para qualificar sua atividade quando afirmam que lutam unicamente contra as ‘fraseologias’. Esquecem apenas que opõem a estas fraseologias nada mais que fraseologias e que, ao combaterem as fraseologias deste mundo, não combatem de forma alguma o mundo real existente. (...) a nenhum destes filósofos ocorreu perguntar qual era a conexão entre a filosofia alemã, a conexão entre sua crítica e o seu próprio meio material” 8. Marx critica os novos e antigos hegelianos. Aqueles ao criticarem estes, acabam mantendo a mesma estrutura e ideologia de manter o ideal e não o real como ponto de partida. Na história da humanidade o modo de produção foi determinante para a organização da sociedade. As propriedades tribais, comunais e feudais geraram uma organização social, 5

Ibdem. p. 37. Ibdem. p. 17 7 - Cf. – Ibdem p. 25 8 - Ibdem. P26 6

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política e religiosa que atendiam e justificavam o modo de produção dominante e a classe social que usufruía dessa dominação. O que determina a vida e a organização social é ação dos que produzem9 e esta afirmação é confrontada com a Filosofia idealista,10 assim o homem que produz é o homem que gera as representações que nascem da vida. A história nasce da necessidade básica do homem sobreviver. “Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e alguma coisa mais. O primeiro ato histórico e´, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como a milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos”. A complexidade da sociedade é a soma dos que se associam para garantir a produção da coletividade. Muitas vezes, porém, neste processo de produção entram critérios de dominação nos quais os mais poderosos se apropriam dos resultados do trabalho coletivo criando uma sociedade de classes onde os que detêm o modo de produção acabam também por deter a explicação da sociedade como algo coletivo e partilhado, e, portanto justo. Essa ideologia representa uma tentativa de justificar e sacramentar este processo de dominação. É preciso gerar a consciência critica do homem para perceber que esteve presente num processo de alienação no qual inverteu a realidade. Assim a libertação do homem passa por um processo de conscientização.

Com base nestas reflexões Marx e Engels colocam alguns pressupostos fundamentais do seu pensamento. O Idealismo da sociedade alemã é incapaz de se apropriar da própria realidade social e humana do povo alemão. A realidade humana e social nasce a partir da prática do dia a dia em busca da sobrevivência. A Práxis é o ponto de partida de onde se constrói a realidade sendo a matéria a única realidade de onde brota a construção da vida 9

“O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo ocorre com a produção espiritual, tal como aparece na linguagem política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de um povo. Os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias etc., mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais amplas. A consciência jamais pode ser outra coisa do que ser consciente, o ser dos homens é o seu processo de vida real”. Ibdem p. 26 e 37 10 “Totalmente ao contrário do que ocorre na filosofia alemã, que desce do céu a terra, aqui se ascende da terra ao céu. Ou, em outras palavras: não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tão pouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos, e, a partir do seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos deste processo de vida. (...) os homens ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio material, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos do seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. Ibdem p 37 Prof. Dr. Dilson Passos Júnior - [email protected]

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humana e da sociedade. Esses conceitos foram explicitados pelos termos infra-esturura e superestrutura. A matéria, portanto é o dado primário e a fonte de consciência e a história se realiza a partir desta realidade. Qualquer outra construção filosófica que parta de outra referência, inclusive do Idealismo, nada mais será que alienação.

Bibliografia MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã, São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas Ltda, 1979.

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