TEORIAS DE ESTADO E EDUCAÇÃO Resenha – Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens

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TEORIAS DE ESTADO E EDUCAÇÃO Resenha – Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens Jean J. Rousseau

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A infância e a adolescência de Rousseau foram marcadas por uma grande variedade de leituras que deixaram marcas na sua personalidade de romantismo e idealismo. Suas experiências familiares não foram boas: sua mãe morreu no seu parto, seu pai foi ausente e Rousseau entregou seus cinco filhos para serem educados numa Instituição de Caridade. Sua vida intelectual transcorre num período em que se teoriza modelos de Estado e Governo a serem constituídos. Hobbes e Locke já haviam realizado suas produções. A Análise de Rousseau possui vivacidade e uma concatenação lógica de suas argumentações. A partir do conceito de um Estado de Natureza em que o ser humano vivia em razoável harmonia, passa a construir o seu ideário, no qual procura descrever e provar a “origem e os fundamentos da desigualdade” dos homens. Neste Discurso trabalha com um conceito de Evolução. Primeiramente a evolução do próprio homem no estado natural1. Os desafios da natureza2 vão sendo respondidos com um aprimoramento cada vez maior. Os obstáculos colocados pelo ambiente o aprimoram cada vez mais. E, esse aprimoramento, vai se deslocando da esfera física para a espiritual. Primeiramente desenvolve-se na dimensão biológica adequando-se aos desafios da natureza e da sobrevivência. Detalhadamente ele vai mostrando um processo ascensional do homem. Biologicamente resolvido, organiza a família, desenvolve habilidades, cria e aperfeiçoa a linguagem3, desenvolve sentimentos de sensibilidade4 e piedade5, cria valores morais, constitui uma sociedade de paz. O “beau sauvage” é o protótipo do homem ideal. A comunidade natural possui uma mínima organização e harmonia para a sobrevivência. Para Rousseau o divisor de águas está no momento se cria a propriedade privada. “O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer, isso é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não são pouparia o gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘defendei-vos de ouvir este impostor; 1

- “(...) no estado de natureza, todas as coisas se desenvolvem de uma maneira tão uniforme no qual a face da terra não está sujeita às mudanças bruscas e contínuas que determinam as paixões e inconstância dos povos congregados”. Jean J. ROUSSEAU. In. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, In Os Pensadores. Porto Alegre, Editora Globo, 1973. p. 239 2 - “Os únicos bens que conhece no universo são a alimentação, uma fêmea e o repouso; os únicos males que teme a dor e a fome”. P. 244 3 - “Os homens tiveram necessidade de palavras para poder pensar, tiveram muito mais dificuldade ainda de aprender a pensar, tiveram muito mais necessidade ainda de saber pensar para encontrar arte d palavra”. Ibdem p. 247 4 - “Sem falar da ternura das mães pelos filinhos e dos perigos que enfrentam para garanti-los” Ibdem p. 253 5 - “A piedade representa um sentimento natural que, moderando em cada indivíduo o amor de si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda espécie”. p . 254 Prof. Dr. Dílson Passos Júnior – [email protected]

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estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém”. 6 A partir daí começa uma segunda forma de evolução, não mais do homem, mas da sociedade. E, diferente do Estado de Natureza em que a evolução o qualificou sempre mais, a evolução, desta vez, se, traz o “progresso”, ela, acima de tudo é uma “evolução” que deteriora o ser humano. A sociedade vai se tornando cada vez mais complexa e distante do “homem natural”. Aos poucos a vida, as relações sociais, humanas e políticas vão se tornando mais complexas. Consolida-se inicialmente a existência7, a seguir o homem “toma posse” do controle de suas sensações. Passa a dominar o meio em que vive adequando-o a si. Vive-se a experiência do amor e da família. As práticas comerciais progridem. Configuram-se as nações e com elas o direito civil para garantir o direito dos que possuem. Com abundância de riquezas a organização política se torna mais sólida e mais corrupta. A busca do poder é um objetivo em si. A propriedade se consolida e, a partir dela, se vai configurando o “Homo lupus homini” “(...) o fausto majestoso, a astúcia enganadora e todos os vícios que lhe formam o cortejo. Por outro lado, o homem, de livre e independente que era antes, devido a uma multidão de novas necessidades, passou a estar sujeito, por assim dizer, a toda natureza, e, sobretudo, a seus semelhantes, dos quais num certo sentido se torna escravo, mesmo quando se torna senhor: rico, tem necessidade dos seus serviços; pobre, precisa de seu socorro, e a mediocridade não coloca em situação de viver sem eles. (...) Por fim, a ambição devoradora, o ardor de elevar sua fortuna relativa, menos por verdadeira necessidade do que para colocar-se acima dos outros, inspira a todos os homens uma negra tendência a prejudicarem-se mutuamente, uma inveja secreta tanto mais perigosa quanto para dar o seu golpe com maior segurança, frequentemente usa a máscara da bondade; em uma palavra, há de um lado, concorrência e rivalidade, de outro, oposição de interesses e de ambos, o desejo oculto de alcançar lucros a expensas de outrem. Todos esses males constituem o primeiro efeito da propriedade e cortejo inseparável da desigualdade nascente”. 8 Torna-se necessário um rígido controle social para conter a ambição, a ganância e a corrupção. O Contrato social tem necessidade de se consolidar numa sociedade onde não prevalece mais a distinção natural entre o fraco e forte, mas entre o rico e o pobre. É o momento que Rousseau realiza uma reavaliação de sua leitura.

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- Ibdem 259 -”O primeiro sentimento do homem foi o de sua existência, sua primeira preocupação foi de sua conservação”. Ibdem. P.260 8 - Ibdem. P. 267 7

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Dentro deste cenário Rousseau parte para uma terceira parte na qual agora procura analisar o conceito de liberdade, senão aquela do Estado Natural, ao menos uma contratada que garanta a convivência e a preservação, aos menos parciais, dos privilégios advindos da divisão da propriedade. Trabalha então o conceito de liberdade. Mostra que é feito um contrato social para garantir uma base de liberdade social que limite o poder. Já que o que prevalece agora são a ambição e nobres que se apropriaram do poder e do Estado fazendo deles propriedades domésticas. O poder passa a ser estruturado como um valor supremo e afinal chega-se ao caos final onde prevalecem em estado puro as paixões humanas. Toda esta situação merece da parte de Rousseau uma síntese simples, mas que define com clareza o problema. “(...) para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence instituamos regulamentos de justiça e de paz aos quais todos sejam obrigados a conformar-se, que não abram exceção para ninguém, e que, submetendo igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco, reparem de certo modo os caprichos da fortuna. (...) os mais capazes de pressentir os abusos eram precisamente aqueles que contavam aproveitar-se deles, e até os prudentes compreenderam a necessidade de resolverem-se a sacrificar parte de sua liberdade para conservar a do outro, como um ferido manda cortar um braço para salvar o resto do corpo. Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico. Destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade. (...) tornando-se o Direito Civil a regra comum dos cidadãos e a lei natural só encontrou lugar, entre as diversas sociedades, onde, sob o nome de Direito das Gentes, foi moderada por algumas concessões tácitas9...”.

O pensamento de Rousseau sobre a Origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens merece algumas considerações. Na dimensão humana e psicológica analisa a alma humana com seus interesses, individualismo, ambições. Ao se colocar a cerca criando a posse de um bem além das necessidades de cada homem se acaba instituindo a desigualdade social. Toda a maquina administrativa estará a serviço dos detentores da propriedade que lançam suas cercas não somente sobre a terra mais também sobre todas as formas de poder que passa a ser uma meta em si. A política e a economia se entrelaçam, estando a primeira a serviço da propriedade privada. Os valores da ética se empalidecem frente aos intereses dos poderosos.

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- Ibdem. P. 269

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Para além duma dimensão romântica de Rousseau, sobretudo ao elaborar uma um Estado natural e um homem por demais idealizado, Rousseau ofereceu significativas sinalizações sobre a propriedade privada. Suas denuncias, problemáticas já em sua época, oferecem um embasamento respeitável para uma reflexão dos mecanismos de apropriação dos bens que deveriam estar disponibilizados para o coletivo. Algumas de suas reflexões e denúncias tocam concretamente situações ao longo da história do aniquilamento dos deserdados da fortuna. Não consigo vislumbrar se essas suas idéias serviram de alguma base para a critica sócioeconômica de Engels e Marx. Hoje este é um esclarecimento que me falta. Mas sem duvidas Rousseau possui uma significativa contribuição para a moderna reflexão da justiça social.

BIBIOGRAFIA: ROUSSEAU, Jean J.Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, In Os Pensadores. Porto Alegre, Editora Globo, 1973. CHAUÍ, Marilena de Souza. Rousseau, Vida e Obra. In Os Pensadores. Porto Alegre, Editora Globo, 1978.

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