TEORIAS SOBRE AS ORIGENS DO VIOLÃO DE SETE CORDAS: DA EUROPA DO SÉC. XVIII AO BRASIL DO SÉC. XX (ISSN 2236-3378) V Simpósio Internacional de Musicologia - Núcleo de Estudos Musicológicos da EMAC/UFG

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TEORIAS SOBRE AS ORIGENS DO VIOLÃO DE SETE CORDAS: DA EUROPA DO SÉC. XVIII AO BRASIL DO SÉC. XX Pedro Jordão1 Instituto Federal de Goiás – IFG Resumo: Este artigo pretende apresentar um levantamento de fontes que podem vir a contribuir com a investigação sobre a origem do Violão de Sete Cordas e sua introdução na música popular brasileira. Para isso, realizamos uma revisão bibliográfica buscando relatos históricos sobre o instrumento no Brasil, e em outros países como a Rússia, França e Espanha. Encontramos livros e artigos científicos em português, inglês e espanhol, fotos e imagens que retratam o instrumento no Brasil e na Europa, além de registros fonográficos e audiovisuais que contribuem para a investigação sobre a chegada do instrumento no Brasil. Concluímos que há uma variedade de informações sobre a utilização do Violão de Sete Cordas ao longo da história, mas que ainda não há evidências de como este instrumento foi inserido na música popular brasileira. Palavras-Chave: Violão de Sete Cordas; Origem

Abstract: This article aims to present a survey of sources that may contribute to research on the origin of Seven-String Guitar and its introduction in Brazilian popular music. For this, we conducted a literature review looking for historical accounts of the instrument in Brazil, and other countries like Russia, France and Spain. Find books and scientific articles in Portuguese, English and Spanish, photos and images portraying the instrument in Brazil and Europe, and phonographic and audiovisual records that contribute to research on the arrival of the instrument in Brazil. We conclude that there is a wealth of information on the use of Guitar Strings Seven throughout history, but there is still no evidence of how this instrument was inserted in Brazilian popular music. Key Words: Seven-String Guitar; Origins

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Licenciando em Música pelo IFG.

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Introdução A música popular brasileira vem conquistando cada vez mais espaço no meio acadêmico. Diversas pesquisas realizadas por estudiosos brasileiros e de outras nacionalidades, corroboram para a formalização teórica desta cultura musical que, durante décadas, era transmitida somente por tradição oral. Neste âmbito, instrumentos típicos da cultura popular como o violão de sete cordas, se tornaram objeto de estudos e pesquisas. Entretanto, ainda não é significativa a produção acadêmica relacionada a este instrumento, existindo assim, lacunas acerca de alguns aspectos importantes. Um destes aspectos é sobre a origem do instrumento e a sua inserção na música popular do Brasil. Grande parte dos artigos produzidos sobre o violão de sete cordas no país não abordam de forma significativa as questões sobre a origem do instrumento na música brasileira. Diversas teorias são levantadas, porém, quase sempre sem embasamento teórico. Isto nos incentivou a realizar um levantamento de fontes que possam vir a contribuir nas pesquisas sobre a origem do violão de sete cordas. Em pesquisas bibliográficas, podemos encontrar três teorias sobre a introdução do instrumento no Brasil: A primeira, e mais aceita pelos estudiosos, trata da possibilidade do instrumento ser de origem russa2; a segunda trata da possibilidade do instrumento ter sido trago da França3; e a terceira, de que a ideia surgiu a partir da necessidade virtuosística4 do violonista, de se ter uma extensão maior na região grave do instrumento. Sobre estas três teorias, PELLEGRINI relata que: [...]acredita-se que alguns ciganos russos que freqüentavam a casa da Tia Ciata poderiam ter sido o elo do instrumento com a cultura brasileira. Há ainda hipóteses de que esse violão possa ter sido trazido da França por Arthur de Souza Nascimento (Tute) [...] ou mesmo, que ele possa ter sido encomendado a algum luthier por um violonista que teria sentido a necessidade de notas mais graves que as do violão convencional (Pellegrini, 2005 pp. 43-44).

Mediante estas teorias, procuraremos catalogar registros históricos sobre a utilização do instrumento no Brasil, Rússia e França. Cabe ressaltar que também iremos relevar os dados que relatem instrumentos que possam ser considerados predecessores do violão com sete cordas. 2

Ver: SOUZA, 2008, p. 14; DINIZ, 2003, p. 76; CARRILHO, 2009. O violonista Luizinho 7 Cordas cita tal teoria em vídeo-aula disponível em http://www.youtube.com/watch?v=HlzpvKQ7FJY 4 Ver: BRAGA, 2002 p.7 3

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Das guitarras de sete ordens, ao violão heptacorde – Séc. XVIII e XIX

Para iniciarmos nossas considerações, é fundamental estabelecermos as relações entre os termos utilizados para nomear o instrumento que conhecemos por violão. O vocábulo violão (aumentativo de viola) é utilizado para designar o instrumento somente nos países de língua portuguesa. “Em todas as outras principais línguas, a denominação é derivada do árabe qitara, por sua vez tomado do grego kithara: em francês, guitare; em alemão, Gitarre; em inglês, guitar; em italiano, chitarra; em espanhol, guitarra” (TABORDA, 2010, p. 23). Mediante isso, buscamos referências sobre este instrumento em outros idiomas, na pretensão de abarcar um maior número de referências para a nossa pesquisa. A primeira referência que encontramos sobre uma guitarra com sete ordens de cordas, pode ser localizada em uma edição do tratado de José Antonio Vargas y Guzmán, Explicacion Para tocar la Guitarra de Punteado por Mussica o Cifra5, lançado no ano de 1776, na cidade de Veracruz, México6. Neste método existe um relato onde “Vargas reconoce que también existían guitarras de cinco y siete órdenes, pero el testimonio mencionado nos corrobora que su uso era más restringido” (ALCALDE, 2007, p. 216). Diante este relato de Vargas y Guzmán, existem aspectos importantes que devemos levar em consideração. Tudo indica que quando o autor utiliza o termo guitarra, quer se referir ao instrumento que dispunha, geralmente, de cinco ou seis ordens de cordas duplas, e que era bastante popular na Espanha do séc. XVIII. Podemos pensar este instrumento como semelhante à viola que chegou ao Brasil no período colonial, pois “Já por essa época, em Portugal o uso da palavra viola teria se sobreposto à utilização do nome guitarra” (TABORDA, 2010, p.41). Outro fator relevante sobre o relato de Vargas y Guzmán, é sobre a possibilidade desta guitarra de sete ordens ter sido traga da Espanha ao México7. Segundo MAY: “This indicates that the seven-string guitar had been transported from Europe to the New World during the eighteenth century” (MAY, 2013, p. 16). Ainda no séc. XVIII, outra referência importante sobre o uso de uma guitarra de sete cordas pode ser encontrada no método Principios para tocar la guitarra de seis órdenes, do italiano Frederico Moretti. A primeira edição deste tratado foi publicada na

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Eplicacion [sic] Para tocar la Guitarra de Punteado por Mussica o Cifra, y reglas Vtiles para Acompañar com ella la Parte de el Baxo (ALCALDE, 2007). 6 Devemos ressaltar que a primeira edição do tratado de Vargas foi publicada em 1773, em Cadiz, Espanha. (ALCALDE, 2007). 7 É bastante comum na cultura mexicana um instrumento similar, conhecido como Guitarra Séptima.

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Itália em 1792, no entanto, nos interessa o relato sobre a guitarra “[...] de siete cuerdas sencillas que dice tocar en la edición de 1799” (FERNÁNDES, 2010, p. 139) Nesta edição, Moretti afirma: Embora eu use uma guitarra de sete cordas simples, me pareceu oportuno acomodar estes Princípios para a de seis cordas duplas, por ser a que geralmente se toca na Espanha: esta mesma razão me obrigou a imprimi-los em italiano em 1792 adaptados à guitarra de cinco ordens duplas, pois naquele tempo ainda não se conhecia na Itália a de seis cordas (Frederico Moretti in Taborda, 2011, p. 68).

Tanto a guitarra de sete ordens duplas, citada por Vargas y Guzmán, quanto a guitarra de sete cordas simples, utilizada por Frederico Moretti, não dispõem de explicações sobre a afinação de suas cordas. Não há também escrituras ou qualquer outra fonte que possam auxiliar nesta investigação, dificultando que façamos qualquer relação entre estes instrumentos e o violão de sete cordas atual. Em meados do séc. XIX, o luthier espanhol Antonio Torres Jurado (13/6/1817 – 19/11/1892) definiu a forma do violão clássico. A partir de então, “outras tentativas inovadoras ainda foram feitas, tais como violões com dois braços, com cordas atravessadas sobre o tampo e violões com ou sem trastes móveis” (Pereira, 2010 p. 5). Uma dessas experiências resultou no violão encomendado pelo violonista Napoleon Coste ao famoso luthier francês, Pierre-René Lacôte. Conhecido como “violão heptacorde” (Figura 1), este instrumento possui sete cordas simples, sendo que a sétima corda (contadas de baixo para cima) passa por fora do braço do instrumento. Em relação à sua afinação, as partituras escritas por Coste para o instrumento indicam a nota mais grave como um Ré2, indicando assim a possível afinação da sétima corda.

Figura 1. Violão Heptacorde, Lacôte, Paris, início do séc. XIX. Museé de la musique.

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O violão de sete cordas russo.

A semistrunnaya gitara (violão de sete cordas) russa tem seus primeiros registros ainda no séc. XVIII. Sua origem não é exata, mas há indícios que este instrumento possa ter relações com instrumentos de origem tcheca. Segundo TIMOFEYEV: “A possible link between the Russian and West/Central-European instruments could have been made with the help of a Czech guitarist, composer and the author of the 1798 method book for 7-string guitar, Ignatz von Held (1766-1816)” (TIMOFEYEV, 2013). Outro músico considerado como pioneiro na utilização do violão de sete cordas russo, Andrei Sychra (1773-1850), também de origem tcheca. Registros históricos sobre este instrumento podem ser encontrados nas partituras deixadas por Sychra, e em um quadro do artista russo Vasili Andreevich Tropinin (1776-1857, com o nome “O Guitarrista” (Figura 2). Em relação a afinação do violão de sete cordas russo, podemos verificar uma peculiaridade. Sua afinação resulta em um acorde de Sol Maior na segunda inversão (D, G, B, d, g, b, d), semelhante à Kobza8 de acompanhamento. Há também afinações em scordatura, onde “the low bass to be tuned down to C, or even up to E” (TIMOFEYEV, 2013). Vale ressaltar que a nota C na sétima corda, é a mesma que tradicionalmente se usa no violão de sete cordas brasileiro.

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Figura 2. “O Guitarrista”, V. A. Troppinin, início do séc. XIX, museu Tretiakov de Moscou.

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Instrumento de cordas tradicional da Ucrânia. Existem diversas variações do instrumento, havendo uma com sete cordas de afinação semelhante à guitarra russa

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O violão de sete cordas no Brasil

O violão de sete cordas surge no Brasil nas primeiras décadas do século XX. Nesta época, o gênero choro já estava bastante difundido na cultura carioca, considerando que “os instrumentistas populares, conhecidos como chorões, apareceram em torno de 1870” (DINIZ, 2003, p. 13). A formação dos primeiros regionais9, estabelecida pelo Grupo do Caxangá, foi o ambiente sonoro em que o violão de sete cordas foi introduzido no país. Nas mãos de Tute (Arthur de Souza Nascimento, Rio de Janeiro, 1/7/1886 – 15/6/1957) e de China (Otávio Littleton da Rocha Viana, Rio de Janeiro, 16/5/1888 – 27/8/1927), “o violão de 7 cordas entrou na música brasileira para não sair mais” (CARRILHO, 2009, p. 1). O registro mais antigo do instrumento no Brasil pode ser encontrado em uma gravação da música Sofres porque queres, de Pixinguinha, gravada no ano de 1917, pela gravadora Odeon (DINIZ in MAY, 2013). Outra evidência que nos auxilia na investigação sobre a chegada do instrumento no país são fotos do Grupo do Caxangá em que aparecem o instrumento. Há uma foto do ano de 1914 em que China aparece segurando um violão que parece ter sete cordas, no entanto “Due to the quality of the photo it is impossible to see and count the number of strings on the guitar” (MAY, 2013, p. 20). A foto mais antiga em que se pode confirmar a presença do violão de sete cordas, é do ano de 1918 (Figura 3). Nela, China aparece com o instrumento, sentado ao lado de seu irmão Pixinguinha.

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Conjunto instrumental típico do gênero choro, formado por violões, cavaquinho e pandeiro.

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Figura 3. Grupo do Caxangá e Duque, 1918. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima, José Monteiro, Duque, e Sizenando Santos. Sentados: China (com o violão de sete cordas), Nelson dos Santos Alves e Donga.

Considerações Finais

Concluímos em nossa pesquisa que há uma variedade de informações sobre a utilização de instrumentos, semelhantes ao violão, com sete ordens de cordas, desde a segunda metade do séc. XVIII. O relato mais antigo pode ser encontrado no método de Vargas y Guzmán, em 1776, referente a utilização de uma guitarra com sete ordens de cordas duplas. Já em 1799, Frederico Moretti traz o que podemos considerar como o primeiro relato sobre a utilização de uma guitarra com sete cordas simples. Já em relação às teorias sobre a introdução do violão de sete cordas no Brasil, constatamos a presença do instrumento na França e na Rússia, o que, de certa forma, dá embasamento a estas teorias. No entanto, não há registros que comprovem realmente uma relação entre o violão brasileiro e o violão francês e/ou russo. Diante o exposto, percebemos que ainda há a necessidade de um aprofundamento nas pesquisas sobre a origem do violão de sete cordas.

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Referências Bibliográficas ALCADE, Antonio Corona. Dos Sonatas novohispanicas para guitarra del siglo XVIII: Um caso de Musicologia Forense. ANUARIO MUSICAL, N.º 62, enero-diciembre 2007, 205-228. ISSN: 0211-3538. BORGES, Luís Fabiano Farias. Uma Trajetória Estilística do Choro: o idiomatismo do violão sete cordas, da consolidação a Raphael Rabello. Brasília: Dissertação de Mestrado UNB, 2008. BRAGA, Luiz Otavio. O Violão de Sete Cordas. Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 2002. CARRILHO, Maurício. Violão de Sete Cordas. Ensaio elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet. Rio de Janeiro, 2009. DINIZ, André. Almanaque do choro: a história do chorinho, o que ouvir, o que ler, onde curtir. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. FERNÁNDES, Ana Carpintero. Frederico Moretti (1769-1839). II. Descripción y estudio de las ediciones de los Principios. NASSARRE, 26, 2010, pp. 131-163. ISSN: 02137305. MAY, Adam John. The Brazilian seven-string guitar: Traditions, techniques and innovations. Melbourne: The University of Melbourne, 2013. PELLEGRINI, Remo Tarazona. Análise dos acompanhamentos de Dino Sete Cordas em samba e choro. – Campinas, SP: Dissertação de Mestrado Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. 2005. PEREIRA, Marco e CAETANO, Rogério. Sete Cordas – Técnica e Estilo. Rio de Janeiro: Garbolights Produções Artísticas, 2010. SOUZA, Rogério. Choro 100: violão=play along choro: guitar. Rio de Janiro: Biscoito Fino, 2008. TABORDA, Marcia. Violão e Identidade Nacional: Rio de Janeiro 1830-1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. TIMOFEYEV. O e BAZZOTTI. M. The Seven-String Guitar in 19th-Century Russian Culture. Excerpts from issue 103 of the Italian quarterly "il Fronimo", 2013. Disponível em:

https://www.academia.edu/3768487/The_Seven-String_Guitar_in_19th-

Century_Russian_Culture/ (Acessado em 13/04/2015).

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