Teotónio dos Santos: Mestre dos Azulejos da Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos

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Jornal da Golpilheira

. história .

21

Setembro de 2016

.história. Miguel Portela Investigador

Teotónio dos Santos: Mestre dos Azulejos da Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos Pretendemos dar a conhecer elementos da maior relevância para o conhecimento da vida e obra do mestre de azulejos, Teotónio dos Santos, natural de Coimbra mas morador em Lisboa. Procuraremos ainda, elencar documentos que nos permitem traçar o seu percurso familiar e alguns factos do seu percurso artístico nas primeiras décadas do século XVIII. Por fim, pretende-se, através deste conjunto de novos dados alargar o conhecimento sobre Teotónio dos Santos no contexto do Ciclo dos Mestres, enquanto mestre dos azulejos da Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos. Breves considerações Teotónio dos Santos era, até muito recentemente, um dos mais importantes pintor de azulejos, do Ciclo dos Mestres, sobre quem muito se escreveu e ao mesmo tempo pouco se sabe da sua vida e atividade artística. Este conhecimento, embora tenha vindo a ser pesquisado e publicado surgindo em estudos levados a efeito por alguns autores, não tem sido esclarecedor, quanto a dados tão primários, como sejam os dados genealógicos referentes a este mestre e à sua família. Realçamos, entre outros, os estudos de Vergílio Correia (CORREIA, Vergílio – “A família de Oliveira Bernardes. Uma Grande Escola de Pintura de Azulejos (1.ª metade do século XVIII)”. A Águia, 71-72, (1917), 2.ª Série, vol. XII, Porto, pp. 206-207), de Flávio Gonçalves (GONÇALVES, Flávio – “As obras setecentistas da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda de Peniche e o seu enquadramento na arte portuguesa da primeira metade do século XVIII”. Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa (Separata), 89, (1983), 1.º Tomo, III Série. In Arte em Portugal II, Instituto de História de Arte, Faculdade de Letras do Porto, 1984, pp. 29-35), de José Meco (MECO, José – Azulejaria Portuguesa. Livraria Bertrand, Lisboa, 1986, p. 230), de Vítor Serrão (SERRÃO, Vítor – História da Arte em Portugal – O Barroco. Editorial Presença, Barcarena, 2003, pp. 273-275), de Maria João Pereira Coutinho, Sílvia Ferreira, Susana Varela Flor e Vítor Serrão (COUTINHO, Maria João Pereira, FERREIRA, Sílvia, FLOR, Susana Varela, SERRÃO, Vítor – “Contributos para o conhecimento dos pintores de Lisboa na época barroca (1664-1720)”. Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa (Separata), 96, (2011), 1.º Tomo, Série IV, pp. 14-24), de Rosário Salema de Carvalho (CARVALHO, Rosário Salema de – A pintura do azulejo em Portugal [1675-1725]: autorias e biografias - um novo paradigma. Lisboa: 2012. Dissertação de Doutoramento em História, especialidade História da Arte, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pp. 327-328), ou ainda mais recentemente de Susana Varela Flor e Pedro Flor (FLOR, Susana Varela, FLOR, Pedro – Pintores de Lisboa. Séculos XVII-XVIII. A Irmandade de S. Lucas. Scribe, Lisboa, 2016, p. 160). Os novos elementos que aqui apresentamos vêm permitir traçar o

perfil familiar de Teotónio dos Santos, de uma forma precisa, e ao mesmo tempo, no que concerne à sua atividade artística revelar a sua participação na execução dos azulejos da capela-mor da Igreja de S. João Batista em Figueiró dos Vinhos, o que até ao momento ainda não havia sido concretizado. Dados genealógicos de Teotónio dos Santos Teotónio dos Santos, filho de António Simões, carpinteiro, e de sua esposa, Bárbara dos Santos, foi batizado em 24 de fevereiro de 1688, na Igreja de S. João de Santa Cruz da cidade de Coimbra (Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro de Batismos da Paróquia de Santa Cruz [1626-1726], Cota III-2ªD, assento n.º 2, fl. 139v), “< Tiotonio > Aos vinte e quatro dias do mes de fevereiro de mil e seiscentos e outenta e outo annos baptizei a Tiotonio filho de Antonio Simoins, carpinteiro de Montarroio e de sua molher Barbora dos Santos. Forão padrinhos Ignacio Rodriguez carpinteiro, madrinha a parteira de que fiz este assento hoje dia mes e era ut supra. (a) O Padre Cura Manoel Soares de Mello”). Em 24 de dezembro de 1712, Teotónio dos Santos, filho “legitimo de Antonio Simoes, e de Izabel digo de Barbora dos Santos já deffunta, natural da cidade de Coimbra, baptizado na freguezia de S. João da Santa Crux donde veyo menor para esta cidade como justificou na forma de hum mandado do Reverendo Provizor dos cazamentos passado em desanove do prezente mez e anno”, morador na freguesia de Santa Catarina em Lisboa, contraiu matrimónio com Francisca Teresa de Jesus, filha “legitima de Manoel Marques Thomaz já deffunto e de Maria dos Santos Varella natural desta freguezia de Santos onde hé moradora e se desobrigou a Quaresma passada” (Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (I.A.N./T.T.) - Arquivo Distrital de Lisboa (A.D.L.), Livro de Casamento da Paróquia de Santa Catarina [1707-1718], Livro C7, Caixa n.º 35, assento n.º 1, fl. 101v, “forão testemunhas Francisco Alvarez morador na Rua Nova da Palma ao Padre Thezoureiro desta Igreja Francisco Fernandez Sobreira que estiverão prezentes e comigo assignarão de que fiz este assento dia mez e anno ut supra. (a) O Parocho Manoel Pinto de Faria”). Sabemos também, que os pais de Francisca Teresa de Jesus, esposa de Teotónio dos Santos, ou seja, Manuel Marques Tomás, “filho de Francisco Marques e de Joana Thomas natural da Esgueira bispado de Coimbra, baptizado em São Jullião do mesmo bispado, e morador nesta freguezia de Santos” e Maria dos Santos Varela, que foi batizada em 25 de setembro de 1672 (I.A.N./T.T. [A.D.L.], Livro de Batismos da Paróquia de Santos-o-Velho [1670-1688], Livro B9, Caixa n.º 3, assento n.º 8, fl. 22), “filha de Manoel Varela Pires e de Francisca Gonçalvez natural e moradora nesta freguezia de Santos”, contraíram matrimónio em 29 de janeiro de 1689 na paróquia de Santoso-Velho (I.A.N./T.T. [A.D.L.], Livro de Casamentos da Paróquia de Santos-oVelho [1672-1696], Livro C5, Caixa n.º 39, assento n.º 1, fl. 191).

Do consórcio de Manuel Marques Tomás com Maria dos Santos Varela, nasceram: Vitorino, batizado em 17 de julho de 1692 (I.A.N./T.T. [A.D.L.], Livro de Batismos da Paróquia de Santos-o-Velho [1688-1705], Livro B10, Caixa n.º 4, assento n.º 2, fl. 64v); Francisca Teresa de Jesus, batizada em 23 de outubro de 1694 (Ibidem, assento n.º 3, fl. 99v); Francisco, batizado em 24 de outubro de 1696 (Ibidem, assento n.º 1, fl. 128v), e Inácio, batizado em 31 de julho de 1701 (Ibidem, assento n.º 4, fl. 215). É pertinente referir que Maria dos Santos Varela tinha ao seu serviço uma escrava de nome Helena, conforme podemos comprovar através da informação contida no registo de óbito de Helena, ocorrido em 13 de outubro de 1705 (I.A.N./T.T. [A.D.L.], Livro de Óbitos da Paróquia de Santoso-Velho [1694-1706], Livro O1, Caixa n.º 59, assento n.º 7, fl. 137v, “Aos treze dias de outubro de mil e settecentos e sinco faleceo Ellena escrava de Maria dos Santos morador na Rua das Madres era solteira e recebeo somente o sacramento da estrema unção por não dar lugar a infermidade a mais e foi sepultada no adro desta igreja. (a) O Padre Manoel Pinto de Faria”). Do matrimónio de Teotónio dos Santos com Francisca Teresa de Jesus, nasceram: Cipriano, batizado em 2 de novembro de 1713 (I.A.N./T.T. [A.D.L.], Livro de Batismos da Paróquia de Santa Catarina [1701-1721], Livro B8, Caixa n.º 4, assento n.º 1, fl. 171); Vicente, batizado em 22 de setembro de 1715 (Ibidem, assento n.º 3, fl. 193), tendo assistido como padrinho o inquisidor José de Almeida do Amaral; Joana, batizada em 10 de julho de 1720 (Ibidem, assento n.º 6, fl. 274); e Mariana, batizada em 17 de dezembro de 1722 (Ibidem, assento n.º 3, fl. 51v). Alguns aspetos da vida artística de Teotónio dos Santos Entre 1707 e 1710, Teotónio dos Santos surge arrolado, nos Róis de Confessados da freguesia de Santa Catarina, em Lisboa, como aprendiz na oficina do pintor António de Oliveira Bernardes, localizada na Rua das Casas Caídas dessa freguesia, a trabalhar, a par dos irmãos Policarpo e Inácio de Oliveira Bernardes e de Manuel Ramanet, francês. Este último era filho de Cláudio Ramanet e de Domingas Amber, contraiu matrimónio a 16 de janeiro de 1704, com Teresa de Jesus, filha do pintor Francisco Ferreira de Araújo e de Madalena da Costa, tendo assistido como testemunhas, José Ferreira de Araújo, irmão da dita Teresa de Jesus e o pintor António de Oliveira Bernardes. I.A.N./T.T. - A.D.L., Livro de Casamento da Paróquia de Santa Catarina [1695-1707], Livro C6, Caixa n.º 34, assento n.º 1, fl. 229v). Aí continuava a trabalhar em 1711, porém, referenciado como oficial (COUTINHO, Maria João Pereira, FERREIRA, Sílvia, FLOR, Susana Varela, SERRÃO, Vítor, Op. Cit., pp. 17-19). Em 6 de fevereiro de 1718, vemo-lo inscrito na Irmandade de S. Lucas, como morador na Rua dos Poiais de São Bento, da freguesia de Santa Catarina em Lisboa (CORREIA,

Vergílio, Op. Cit, pp. 206-207; TEIXEIRA, F. A. Garcez – A Irmandade de S. Lucas, Corporação de Artistas. Estudo do seu Arquivo. Lisboa, 1931, p. 87). Assinou, mas não datou, dois conjuntos de painéis de azulejos, que ainda subsistem nos dias de hoje, nomeadamente, o da capela-mor da Igreja do Convento de São Bento em Viana do Castelo e o do Santuário de Nossa Senhora da Esperança em Abrunhosa do Ladário em Sátão, que se acha identificado como “Theotonio dos santos o pintou em L(i)x(bo) a” (VALE, Manuel – “Os Azulejos da Igreja de São Bento”. Roteiro de Viana, Ano XVIII, Viana do Castelo, 1976, sem paginação; CORREIA, Vergílio, Op. Cit., pp. 206-207). E em 24 de dezembro de 1726, vemos Teotónio dos Santos, a receber o montante que lhe era devido da pintura de uns painéis de azulejos que havia pintado para o gabinete do Palácio dos Condes de Vila Nova de Portimão, por ordem de D. Pedro de Lencastre: “Aos 24 de Dezembro paguei a Theotonio dos Santos pintor de azolejo doze mil reis pello azulejo do gabinete segundo passou recibo nº 72 - fl. 295v” (I.A.N./T.T., Arquivo da Casa de Abrantes, n.º 248, Livro de Receitas e Despesas de 1723, n.º 4801, transcrito por FLOR, Susana Varela – Marcos da Cruz e a pintura portuguesa do século XVII: do seu tempo fazia parelha aos mais…. Lisboa: 2002. Tese de Mestrado em Arte, Património e Restauro, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, doc. 41, vol. II). Teotónio dos Santos e os azulejos da Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos Os mais recentes estudos sobre a Azulejaria em Portugal têm vindo a atribuir a Teotónio dos Santos a obra dos painéis de azulejos da Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos. Veja-se a dissertação de doutoramento de Rosário Salema de Carvalho, A pintura do azulejo em Portugal [16751725]: autorias e biografias - um novo paradigma, que sintetiza, em relação a estes painéis: “Se as composições e a estrutura da parede ainda se inscreve nas características do Ciclo dos Mestres, a pintura aproxima-se da obra de Teotónio dos Santos, principalmente dos rodapés, que recordam os da Igreja da Misericórdia de Évora (as cartelas são idênticas, e o enquadramento das portas são semelhantes), também a ele atribuídos. Mais próximo do altarmor encontra-se uma faixa vertical com enrolamentos largos de acanto semelhante a várias outras composições do mesmo género” (CARVALHO, Rosário Salema de, Op. Cit., pp. 484488). Esta autora segue a atribuição feita por José Meco em 1981 (MECO, José – Azulejaria do Palácio da Independência em Lisboa. Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa (Separata), 87, (1981), 1.º Tomo, III Série, Lisboa, p. 51), dando consistência pela análise comparativa com outros conjuntos azulejares existentes no nosso país. Em 1955, Gustavo Matos de Sequeira, na sua obra, Inventário Artístico do Distrito de Leiria, e no que concerne a este conjunto de azulejos da Igreja de S. Batista de Figueiró,

Pormenores dos Azulejos de Teotónio dos Santos na Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos. descrevia: “A capela-mor do templo, com um belo retábulo de talha doirada do século XVIII, é coberta de uma abóbada estucada e é revestida até à sanca, de bons azulejos setecentistas de pintura, a azul sobre esmalte branco, datados de 1716, talvez de Oliveira Bernardes. Formam cinco painéis de cada lado, em duas ordens, e figuram passos da vida do Orago. A Decapitação, Salomé a dançar com castanholas (?) diante de Heródias, o Encontro, etc.. Portas e janelas estão fingidas nos azulejos. Sobre uma das portas está escrito – ANNO; sobre outra – 1716” (SEQUEIRA, Gustavo de Matos – Inventário Artístico de Portugal: distrito de Leiria, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1955, vol. V, p. 52). No que pertence à iconografia dos painéis de azulejos da Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos, Rosário Salema de Carvalho afirma que do lado do Evangelho, esses painéis condizem ao Nascimento de São João Batista, Visitação, S. João Batista menino a brincar com Jesus e Dança de Salomé, enquanto do lado da Epístola correspondem à Pregação de S. João Batista, Batismo de Cristo, Decapitação de S. João Batista, Circuncisão e Zacarias escrevendo o nome de S. João: IOANNIS EST NOMENSUUM (CARVALHO, Rosário Salema de, Op. Cit., pp. 484-488). Sabemos agora, que em 1717 foram desembolsados 160 000 réis a Teotónio dos Santos, pelos azulejos para a capela-mor da Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos, conforme ficou arrolado: “despendi

mais com o mesttre do azoleijo Theotonio dos Sanctos cento e sessenta mil réis” (Arquivo da Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos, Livro da Receita e Despesa da Fábrica da Capela-mor da Igreja de S. João Batista [1718-1720], fl. 8). Esta relevante referência vem revelar o nome do pintor de azulejos, Teotónio dos Santos na execução dos painéis dos azulejos para esta igreja. Todavia, e uma vez que a data constante nos azulejos é 1716, e o Livro da Receita e Despesa citado inicia com as contas relativas ao ano de 1717, não nos foi possível obter quaisquer tipo de informes, particularmente se foram satisfeitos outros pagamentos, a Teotónio dos Santos, dado que, à presente data, não se localizou o Livro de Receita e Despesa da Fábrica da Capela-mor da Igreja de Figueiró, anterior a 1717. Considerações finais Com os elementos aqui apresentados, revisitámos uma página pouco conhecida na História da Azulejaria Portuguesa, no caso específico de Teotónio dos Santos, pintor do Ciclo dos Mestres da Lisboa setecentista, e mestre dos azulejos da Igreja de S. João Batista de Figueiró dos Vinhos. A revelação destes novos dados alicerçados em documentos inéditos contribuiu acima de tudo para um maior conhecimento da biografia do pintor de azulejos, Teotónio dos Santos e para o enriquecimento do conhecimento da História da Azulejaria Portuguesa.

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