Terapia Cognitivo comportamental na situação de abuso sexual

July 3, 2017 | Autor: Rogerio Barjos | Categoria: Terapia Cognitivo Comportamental
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N eue A rbeiten sur ärztlidien Piycijoanalysc Hm iiijrgeLcn von Prof. Dr. SÍ5U1. F rm J N r. V I

D ie Funktion des Orgasmus

0 bases

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8

global e d ito ra 5Tur Psythopalhölogie und sur ■Soziologie Jn Cfitlilvilitlltlltni

Von D r.\V ^ llic lm R u d i Auiilmt *m Piyiliii«M*lyli«grande êx ito n as " bãsês ' do Partido, apesar, j i a radical condenação em itida pela direcção cul­ tural do mesmo. — Publica, precisam ente numa revista dirigida por Freud, um artigo atacando a interpretação freudiana do masoquismo:

14

D er masochistische Charakter ( 0 q u ista), em

carácter maso­

«Internationaler Zeitschrift

für Psy­

choanalyse». D er

sexuetfe

K am pf

der

Jugend

sexual da ju ven tu d e), Verlag Berlim, Viena, Leipzig.

für

(O

combate

Sexualpolitik,

D er Einbruch der Sexualm oral — Zur Geschichte der sexuellen Oekonomie

(A

irrupção da mordl

sexual — Sotore a história da economia sexual), Verlag

für Sexualpolitik, Berlim, Viena, Leipzig.

1933 — A chegada ao poder dos nazis obriga-o a fugir da

Alemanha em

Viena, onde

A'brH: primeiro refugia-se em

os colegas

não lhe dão

atenção

por considerarem que a política nada >tem a ver com a ciência, e onde até Freud o evita p or se.* «comunista» e porque usou a psicanálise «ÇQJXL fins alheios è sua essência»; na universidade, os alunos são aconselhados a não assistir às suas aulas, mas não the impedem a entrada. — 1.° de 'Maio: Chega a Copenhaga, depois de te r deci­ d id o abandonar Viena. — Viagem a Londres — encontro com 'Malinowski a afirmação do seu interesse pelas experiênoies d e laboratório sobre o orgasm o— Paris, Austria, Checoslováquia e Polónia. — Tom a conhecimento de que foi ex­ pulso do P. C. alemão, p or causa das suas crí­ ticas à actuação desse partido diante da irrupção do nazismo. — No final do ano é instado a aban­ donar a Dinamarca, acusado de suposto «agente provocador» pelo Com ité do Partido e de inde­ sejável revolucionário pelas forças direitistas. — 0 reg im e hi tie ria no - »inscreve-fK>-eeu-4ndica de tivros O Com bate sexual da juventude^ Charakteranalyse—-Technik und Grundlagen— Für studierende und praktizierende Aanlytiker (A n á ­ lise caracterial — A sua técnica e bases — Para analistas futuros e em exercício ), Sexpol-Verlag, Copenhaga (A parte técnica data, no essencial, do inverno de 1928-1929).

15

1934 — Estabelece-se em Malm òe. Junho: depois de ser obrigado a abandonar a Suécia, estabelece-se em Oslo (onde residirá cinco anos, inicialmente com o pseudónimo de Peter S e te in ), em cuja univer­ sidade (Instituto de Psicologia) se entrega aos seus estudos de biogénese, crendo ter desco­ berto um fenómeno novo relativo à natureza bioeléctrica de certos influxos nervosos.— Agosto: assiste ao X III Congresso da Associação de Psi­ canálise celebrado em Lucerna — ao qual traz umu comunicação sobre «Contacto Psíquico e C or­ rente V e g e ta tiv a » — , onde lhe comunicam que íoi expulso da Associação alemã e da internacional Massenpsychologie des Fascism us— Z ur Sexualoekonom ie der politischer Reaktion und zur pro; letarischen Sexualpolitik (A psicologia de massas ! do fascismo — Sabre a ecorvomia sexual da reacI ção política e sobre a poética sexual p ro letária), Sexpol Verlag, Copenhaga. W a s ist Klassenbewusstein? — Ein Beitrag zur .

Diskussion über die Neuformierung der A r beiterbewegung (O que é a consciência de classe?

\ — Uma contribuição para o renascimento do m o ­ vim ento operário), ©m «Politisoh-psychòlogische Schriftenreihe», núm ero 1, Sexpol-Verlag, C ope­ nhaga, Praga, Zurique (publicado com o pseu­ dónimo d e Ernst P arell). Dialektischer Materialism us und Psychoanalyse (M aterialism o dialéctico e psicanálise), em «Politisoh-psychologische Schriftreih«», número 2, Sexpol-Verlag, Copenhaga, Praga, Zurique (R eed i­ ção do te x to de 1929, acrescentado com novas notas e com «Sobre a aplicação da psicanálise à investigação histórica»). D er Urgegensatz des vegetativen Lebens (A arqui«antinomia de vida v e g e ta tiv a ), em «Zeitschrift fü r politische, Psychologie und Ssxualcekono•mie», números, 1, 2 e 3 /4 . 1 9 3 5 — Deslisa para um progressivo delírio paranóico, ^ ro ä ü to dö oarártèfnm pTacável das suas descd^

16

bertas, da constante atmosfera de polémicas r i n trqm iss ões y iv i das d es cie 1925 e do ' êxí to do fascismo a partir de 1933. — Entrega-ser~cõm"75bril paixão às suas observações sobre o efeito ~ produzido no potencial eléctrico da pele e das mucosas quando submetidas a excfiaçõês espe- \ cíficas, bem cóm o à sua crescente abse§.são pel.o biológico, que o levaria até à biofísica e, final­ mente, à física pura; entretanto, os seus escritos ■médicos e sociológicos tornam-se cada vez mais raros e abstractos Psychister K ontakt und V egetative Strömung (Contacto psíquico e corrente v e g etativa), em «Abhandlungen zur personellen Sexualoeknomie», núm. 3, Sexpol-Verlag, Copenhaga. Reedição au­ mentada de «A irrupção da moral sexual...» (publicado em 1932) Sexpol-Verlag, Copenhaga. Religion, Kirche Religionstreit in Deutschland (R e ­ ligião, Igreja e querela religiosa na A lem anha), em «Politisch-‘psychologische Schriftenreihe», nú­ mero 3, Sexpol-Verlag, Copenhaga (Publicado com

o

pseudónimo de K arl Teschitz).

1936 — Descobre os biões. D ie Sexualität im K ulturkam pf — Zur sozialistis­ chen Umstrukturierung des Menschen (A sexuaJjd a d e

no

com bate

cultural — A . -propósito,, da.

reestruturação socialista do hom em ), reedição, aum entada, de «M aturidade_s£xual, continência, jcnoral m atrim on ial...» ('publicado em 1930), Sex­ pol-V erlag, Copenhaga. 1937 — Experim entelle Erg ebniss über die elektrische Funktion von S exualität und Angst (Resultados experimentais a propósito da função eléctrica d a . sexualidade e da a n g ú s tia f,’ em «Abhanddlungen zur personellen Sexuãloêkonomie», núm. 4, Sexp o l-Verlag, Copenhaga, Orgasmusreflex, M u ske­ lhaltung und Körperausdruck — Zur Technik der charakteranalytischen Vegetotherapie (Reflexo or­ gástico,

tónus

m u s c u la f--^ expressão

I7

corporal ’

— Sobre a técnica da vegetoterapia caracterial) ví D er dialektische Materialism us in der Lébensforschung — Bericht über die Bion-Versuche ( 0 m ate­ rialismo dialéctico na investigação sobre a vida — Informe acerca da experiência sobre os b iõ e s ), em «Abhandlungen zur personellen Sexualoekonomie», núm. 5, Sexpol-Verteg, Copenhaga. 1 9 3 8 — D ie Bione (Os 'biões) em «Klinische und experi­ m entelle Berichte» núm. 6, Sexpol-Verlag, C o ­ penhaga. 1 9 3 9 — Descobre o ôrgon cósmico. A ceita um convite do dr. Theodore P. W o lfe, porta-voz da Sociedade Am ericana de Medicina Psicanatftica, e muda-se „para os Estados U n id o s .— Trabalha com o profes­ sor na N ew Sófiòol fo r Social Research, de New York

(até 1941). — Aprofunda as 'pesquisas bio-

físicas^çonvencido de que as suas últimas d e s ^ cobertas «conferem às nossas investigações sociais" uma base s 0 1 T d ä '3 e ^ iifffiia s ^ ^ ü £ ^ s » , e p ro gressivamènte renuncia ao ideal revoTücionáirio marxista em favor de uma «democracia do ■ trabalho», curiosa mistura de reformismo cie n tk . 'ficista e d e crítica radical da ordem autoritária. Bion Experiments on the Clancer Problems. D rei Versuche am srtatisschen Etektroskop ('Experiên­ cias sobre os biões a propósito do problema do cancro. Três ensaios com o electroscópio está­ tic o ), em «Klinische und experimenteMe Berichte» núm. 7, Sexpo'1-Verlag, Copenhaga. 1 9 4 0 — Funda uma editorial, a «Orgone Instftute Press» e uma revista intitulada «Orgone Energy Bulletin». 1 9 4 1 — Janeiro; entrevista com A lbert Einstein, que, ao que parece, não o tomou a sério. — 0 F. B. I. (Federal Bureau o f Investigations) tomou, se­ gundo as suas próprias palavras, «a investigação orgónica por uma actividade de espionagem alemã

(ou

russa,)

e 18

colocou-o

sob

custódia

(com o «estrangeiro in im ig o » )... acusado de acti­ vidade subversivas». 1942 — Adquire terrenos em Florest Hills, New York, onde instala o seu laboratório do «Orgone Insti­ tute», graças aos importantes meios financeiros d e que dispõe. — Funda o «International Journal of Sex-Cconomy and Orgone Research» (que se publicará até 1 9 4 5 ).-— A partir de e n tã o ,.c o n s ­ trói u m a ç o s m o g o n ia , aparentemente delirante (mas realm ente inexplorada), baseada no órgon, essa espécie d e cosmos de energia vital. The Discovery of the Orgone - f. The Function of the Orgasm: Sex-Economic Probfems of Bio­ logical Energy (A Descoberta do O r g o n -I. A função do orgasmo: Problemas económico-sexuais da energia b iológica), Orgone Institute Press, N e w York. 1944— Parte da teoria das suas recentes descobertas j à prática, lançando no mercado uns «acumula- • dores de orgones» destinados a abrir no\?os ca- f minhos ri ò ~di ãgnó srtíco e terapêutica da maioria \ das doenças funcionais («biopatias»), incluindo] o cancro. The «living production pow er, working pow er» of Karl M arx (A «força de produção viva, força de trabalho» d e Karl M a rx ), em «'Internatio­ nal Journal of Sex-Economy and Orgone Rese­ arch», núm. 3, Orgone Institute Press, N ew York. Orgonotic Pulsation (Pulsação orgonótica), em «International Journal of Sex-Cconomy and O r­ gone Research», Orgone Institute Press, N ew York. 1945 — The Emotional Plague (A peste emocional) em «International Journal of Sex-Economy and Or­ gone Research», Orgone Institute Press, N ew York. The Sexual Revolution — Tow ard a self-governing character structure (A revofugao Sexual — Para

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uma autonomia caracterial do hom em ), vfi£são^ americana —- prnfiinri amsn tf» a Itera Ha, -p g io ^ a ut Or — de «Ä sexualidade no combate cultural. » (publicado em 1936}, Orgone Institute P ress' N ew York. ^Analysis of Character (Análise do carácter), ver­ são a m eric a na ^ — tãmFérn mo3TfTca3a~^jeTcT'autor — de , «Análise Caracterial. ; » ( put>licadó ê m ' 1933) e de «Contacto psíquico e corrente vege­ tativa» pirbllcado em 1 9 3 5 )/ aumentado com «Õ sofrimento emocional» (pufcltcado nesse mesmo an o ), Orgone Institute Press, N ew York. 1946 — The Mass Psychology o f Fascism (A psicologia de massa do fascism o), versão americana — tam ­ bém profundamente modificada pelo autor, com uma çrítica.;d s^teaas_jem n i§tas de « 0 Estado e ^a Revokjção^ e com uma análise do «capitalisrrTo de Estado soviético» como antípoda da v erd a­ deira «democracia do trabalho» socialista — do livro homónimo Massenpsychologie des Fascismus. Zur Sexualoekonomie de politischen Rea li tion und zur proletarische Sexualpolitik, 1934. Orgone Institute Press, N ew York. 1948 — The Discovery of the O r g o n e - II.— The Biopathy of Cancer (A Descoberta do Órgon - II. — Biopatid do C ancro), Orgone Institute Press, N ew York. Listen, Little M a n ! (Escuta, homem da rua!) (e s ­ crito em 1946), Orgone Institute Press, N ew York. 1949 — Os seus discípulos convertem «Orgone Institute» na «W ilhefm Reich Foundation», que instalam em Rangeley, no estado do Maine. 1951 — Ether, God, and D evil (O Céu, Deus e o D iabo), Orgone Institute Press, N ew York. 1953 — People in Trouble (G ente Angustiada), autobio­ grafia que vai desde 1927 até 1937 (escrita em O slo), Orgone Institute Press, N ew York.

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The M u rd er of Christ ( 0 assassínio de Cristo), Orgone Institute Press, N ew York. 1954 — A «Federa* Food and Drug Adm inistration» instruiu-lfie, arr»parando-se— como justificação— nas leis federais sobre a venda d e objectos terapêu­ ticos, um processo de evidente cariz político e que pode considerar-se inserido na recém-iniciada «caça às bruxas» de .MacCarth^.

Reich

não se

apresenta no julgamento (alegando que se nega a ser «acusado» por questões de ciências natu­ rais e biológicas, e que só responderá diante dos cientistas, não diante de juizes: envia um «M em orarvdo» ao juiz federal de M aine) e é condenado a cessar todas as suas actividades médicas, além de q u e ro d o s os seus livros são proibido^. — A dura condenação,

assim

como a jc.amp.an ha. de

imprensa empreendida contra este ex-comunista

....... ...

e progressista estrangeiro, demonstram lente alvo que Reích constitui direita norte-americana.

o exce­

para a extrema

1 9 5 7 — 11 d e Março: é presa na penitenciária federal de Lewisburg (Pensilvânia). Contacte w ith Space (Contacto com o espaço), Orgone Institute Press, New York. 3 de Novembro: morre naquela penitenciária, com um enfarte. 1 9 6 0 — 17 de Março: a condenação contra W ilhelm Reich é confirmada por decisão judicial e os represen­ tantes da «Federal Food and Drug Administra- p I tion» queimam algumas das suas publicações. j , A té hoje, o «W . R. Infant Trust Fund», testa- *, 'M mentário da s u a o b r â , ‘ controla e supervisa a f* * reedição dos seus textos, mantendo 'ria obscurf) dade a. maíorià déTes. Q uanto aos primeiros — e_ i jmelh.ore&. segundo quem os conhece — escritos de Reich, editados em alemão, é como se tiv e s ­ sem desaparecido sem possibilidades de reedição. 2I

[

*

Para

tranquilidade

*

*

da

sociedade

burguesa,

o

grande pensador e investigador corrosivo que foi W ilhelm Reich morrera depois de «ficar louco», e a sua obra não tinha sido enterrada, mas des­ truída para a posteridade, ante a impassibilidade e a indiferença do mundo. Contudo, não se espe­ rava que um dia saíssem à luz as suas impla­ cáveis teorias. Terá chegado esse dia? A obra deste homem, honesto como poucos, será cor•rect-am en te a pro verta da?

22

A meu mestre o professor Sigmund

Freud

como prova de pnofundo respeito

PREFÁCIO

«Quanto a nós, pensamos que quem passou pela sua própria aprendizagem da verdade, se encontra por isso protegido do risco da im oralidade, mesmo quando a sua regra m oral por qualquer forma se afasta da moral sexual corrente». Freud

Os problemas

teóricos

que

aqui vão

ser tratados

têm por origem questões práticas levantadas pelo tra­ tam ento psicanalítico dos doentes mentais. Fiquei im­ pressionado por certas relações entre es reacções tera­ pêuticas, quer positivas, quer negativas, desses pacientes e a sua genitalidade. Este assunto foi já abordado nos meus artigos publicados na Internationale Zeitschrift fur Psychoanalyse \ 0 desenvolvim ento ulterior das questões teóricas permitiu estabelecer relações causais sistemáticas entre os processos de neurose e as perturbações da fu n ç ã o 1 «Ueber Spezificät der Onanieformen» (üobre as formas espe­ cíficas da masturbação), vol. VIII, 1922; «Ueber GenitaiitSt von Stand­ punkt der psychoanalytischen Prognose und Therapie» (Sobre n geni­ tal idade do ponto de vista do prognóstico e da teraipa). vOi. X, 1924; «Weitere Bemerkungen über die therapeutische Bedeutung der Geni­ tal libido» (Comentários complementares sobre o significado terapêutico da libido genital), vol. X I 1925; «Ueber die Quellen der neurotis­ chen Angst» (As origens da angústia neurótica — Contribuição à teoria da terapia psicanalítica), vol. X II, 1926. (Estes artigos estão comentados e parciaJmente traduzidos em A Obra de Wilhelm Reich, por Consta nt in Sinelnikoff. Paris. 1970 — N. do T ).

25

genital. Estas relações explicam as reacções terapêuticas e permitem com preender por que razão a im potência e a frigidez são fenómenos que acompanham com regula­ ridade a neurose; esclarecem-nos também sobre a forma da neurose, form a que determ ina a perturbação da fun­ ção genital e é por ela determ inada. 0 'problema da angústia, certos problemas sociais e conjugais assim como a questão da terapêutica da neurose aparecem a uma luz bem mais clara, se tivermos em conta a fun­ ção do orgasmo, que pouco a pouco se torna o pro­ blema central. Embora este trabalho se baseie inteira­ mente na teoria sexual d e Freud e na sua teoria das neuroses, não posso, com certeza, pretender que a con­ cepção aqui exposta da dinâmica da terapia e das suas tarefas tem lugar entre as concepções já admitidas pela escola daquele psicanalista; esta concepção corresponde às minhas próprias experiências clínicas. Contudo, a minha maneira de entender o que significa a genital idade e, em particulair, o orgasmo genital, para a teoria e a terapêutica das neuroses e dos oarácteres neuróticos é. cne>io eu, o prolongam ento directo das teorias da psica­ nálise e ipermrte uma 'melhor aplicação da teoria das neuroses à terapêutica. Inúmeras questões da teoria do carácter e contram-se m uito »otimamente 'ligadas ao problema do orgasmo. Procurei, na m edida do pos­ sível, arredá-las da discussão pois a unidade tem ática desta obra ressentir-se-ia demasiado com isso; além draso, houve que deixar de lado a problem ática parti­ cular da íteoria psioanalítioa do carácter, pois, em pri­ meiro lugar, a sua fundamentação clínica ainda não está completa, e, em segundo lugar, esta teoria psicanatítica do carácter — cujos fundamentos sistem áticos Freud lançou no seu se diagnosticar com bastante segurança a impotência orgástica, levando em conta os aspec­ tos qualitativo

e quantitativo

respectivos, independen­

temente dos testemunhos, geralmente enganadores, dos doentes. Do modelo

ponto

de

vista

de potência

clínico,

a

elaboração

orgástica baseia-se

no

após a eliminação das perturbações, a curva

de

um

facto

de,

do

pra­

zer experimentado tender sistematicamente a aproximar-

41

-se da curva de potência orgástica que à frente apre­ sentamos Começaremos

por

expor

os progressos

operados,

no decurso da análise, por um paciente que, entre outras consas,

sofria

de

ejaculação

precoce

e

de

masturba­

ção excessiva. «M asturbava-se de uma a três vezes por dia desde os sete anos de idade sem experim entar quaisquer sen­ tim entos

de

culpabilidade,

nem

qualquer m edo

cons­

ciente de que estivesse prejudicando a própria saúde. Regularmente, a p artir da refeição da noite, ou ao deitar, a ideia de que tinha que masturbar-se vinha-lhe autom a­ ticam ente e sem a mínima excitação. Quando se punha a

ler na

cama,

decidia

masturbar-se

uma

meia

hora

mais tarde. N o inicio da masturbação manual o membro estava flácido. A o mesmo tem po, pensava a quem havia de «dedicar» a sua masturbação. A coisa tinha-se to r­ nado «numa espécie de missa que tinha que jcelebrar em intenção de alguém». Graças a um fantasma qual­ quer sobrevinha então a excitação, que aumentava cons­ tantem ente. Depois, para

os

seus

pensamentos

coisas acessórias: pensava

no

seu

viravam-so

trabalho,

em

incidentes aparentem ente banais do dia, e tc .... A exci­ tação desaparecia quando deixava de pensar nos seus fantasmas e tornava a aparecer quando voltava a pensar neles. Este ciclo repetia-se várias vezes e tudo isto so prolongava em m édia durante uma m eia hora. Finalmente atingia o ctímax, o estrem ecim ento físico era forte e a satisfação de

voltava

excitabilidade

a que

pô-lo

nesse

existia

estado

antes

da

de

ausência

masturbação.

Quando lhe pedi para representar graficam ente a e vo ­ lução da sua excitação, traçou a curva abaixo reprodu­ zida (figura 1).

1 Para facilitar a compreensão, representaremos íUravés dc grá­ ficos as perturbações do orgamo.

42

A

Fig

1

\ VOLUÇÀO DA EXCITAÇÃO DURANTE A MASTURBAÇÃO ;i Ausência de excitabilidade. I. Interrupção voluntária da elaboração corpo poderiam v ir a te r efeitos abafadores sobre os nervos. A angústia de castração íofantil, reforçada pela literatura d e baixa qualtáads,

** Verusch einer Genitaltheorie (Ensaio de uma teoria da genitatidade), Internationale Psychoanalytische Bibtiotek Nr. XV, Interna­ tionale Psychoanalytischer Verlag, 1924. 1T Amputação reflexa de uma parte do corpo em certos ani­ mais (lagartos, crustáceos) para escapar a um perigo (N. do T.) “ Não podemos no entanto concordar com Ferenczi quando este pensa poder interpretar o acto sexual como sendo um a regressão parcial e passageira ao interior do ventre m aterno. Porque seria preciso então que o sentimento dessa «perda de si» dominasse o acto totalmente, e não só o orgasmo; além disso, a mulher não poderia sentir as mesmas sensações que o homem porque o acto sexual não pode significar para ela uma regressão ao ventre da mãe; como o demonstramos em vário« exemplos, a mulher tem justamente ten­ dência para recear o orgasmo, que se m anifesta num medo de cair ou de se perder .

83

vem juntar-se à sensação corporal do orgasmo que è demasiado violenta para * ser inicialmente vivida sem angústia. Por esta razão, nos pacientes que praticam a fricção manual dos órgãos genitais, e, sim ultanea­ mente, evitam o orgasmo ou a ejaculação, há que admit;r aue a angústia de castração se apoderou em primeira instância da experiência perturbadora, do primeiro or­ gasmo. A terapia destes casos deve ter o cuidado de afastar a angústia relativa ao onanismo: é necessário que estes doentes consigam masturbar-se sem medo.

d)

A excitação sexual na ninfomania

A figura 8 representa a evolução da excitação em mulheres que, durante o acto sexual sentem repetida­ m ente sensações análogas às provocadas pelo clímax, sofrendo intensamente porque a tensão não bs deixa; encontram -se assim num estado constante de excitação sexual («ninfom ania»), A incessante necessidade de coito e de homens é frequentem ente consequência directa desta forma de impotência orgástica.

Fig. 8 SUBIDA RECORRENTE DA TENSÃO SEM LIQUIDAÇÃO

'Nestes casos, a excitação é logo de início conside­ ravelmente mais forte do que nos indivíduos orgasticarnente potentes; aumenta muito mais rapidam-ente du-

84

rante o acto; no momento mais fonte da tensão, uma parte dissipa-se sem que se manifeste no corpo o refluxo característico da excitação, o que quer dizer que â inibição só sobrevem depois da concentração da excita­ ção nos órgãos genitais. «Um a mulher de vinte e oito anos quetxava-se de insónias, de excitação sexual permanente e, além disso, de ter necessidade de relações sexuais com uma grande quantidade de homens. Durante as relações, sente sen­ sações vaginais m uito agudas e atinge até, ao que parece, frequentem ente a «satisfação». pepois do acto, fica porém mais excitada ainda do que anteriormente e não consegue adormecer. Perguntas precisas perm iti­ ram -m e saber queA com efeito, sd tinha sentido a queda orgástica da tensão num núm ero reduzido de vezes, mas que tam bém apenas em tais casos tinha conseguido chegar ao clímax. Com o marido, que sofria ligeiram ente de ejaculação precoce, era quase vaginalmente insensível. Foi no acto sexual com outro homem, muito potente, que sentiu pela primeira vez esse alto grau de excitação que mencionámos. O casal ficou des­ truído, mas o sentim ento de culpabilidade que resultou deste primeiro adultério e que para a paciente era incons­ ciente nunca mais deixou de a perturbar. Como esta mulher não prosseguiu com a análise, não houve maneira de saber por que razão a perturbação intervinha precisa­ m ente antes d é a tensão se resolver, nem de que tipo era a representação inibidora». 0 que pudemos saber de uma ninfomaníaca cuja seu principal sintoma era o acompanhado de tendências

a este respeito, obtivémo-lo análise durou dois anos; o onanismo vaginal excessivo, conscientes para se magoar

a si própria. A história desta paciente foi tirada do meu livro «Der triebhafte Character», onde falei dele exclusi­ vam ente sob o ponto de vista das deterioraçõoes caracteriais. «Esta mulher, celibatária de vinte e seis anos, veio ao dispensário psicanalítico buscar tratam ento para a sua excitação sexual permanente. Apenas queria ser satis­ feita , mas não conseguia sentir nada durante as rela

85

ções

sexuais, nem

sequer a

penetração

do

membro.

Ficava deitada, «em tensão», «à escuta» a ver se «a satisfação

chegava».

M as

ao

mínimo

m ovim ento

do

corpo, qualquer sentim ento de prazer desaparecia im e­ diatam ente. Sofria, além disso, de insónia, de estados de angústia e masturbava-se excessivamente, por vezes dez vezes ao dia, com o cabo de trma faca. guia

assim

estado

que

atingir

um

impedia

estado que

se

de

excitação

Conse­ violento,

desenvolvesse

até

ao

fim , cessando as fricções. O recom eço e a interrupção das fricções alternavam até que, com pletam ente esgo­ tada, não conseguia atingir qualquer espécie de orgasmo, ou então acabava p or fazer sangrar voluntariamente os próprios

órgãos

genitais

para

conseguir

a

satisfação,

que estava ligada a fantasmas masoquistas. O sangrar da vagina era condição da satisfação. O seu fantasma consistia na penetração profunda do útero; «só na matriz consigo ficar satisfeita». A o masturbar-se, imagina quu os seus órgãos genitais, a que dá o

nome d e

Lotte,

são urrva raparigutnha. N ã o pára de lhes falar, e põe-nos a responder. «Agora, minha menina, vais ficar satisfeita, olha (is to passa-se durante a análise) o doutor está à tua beira. T e m um m em bro bem comprido, mas tem que te doer». Lotte: «N ão, não quero que me doa». (C h o ra ) «Tens que sofrer para seres castigada pela tua lubricidade; és uma carcassa humana. T em que te doer ainda mais, a faca tem que te sair pelas costas». E assim p or diante. O onanismo representa para a paciente um pecado grave relativam ente ao qual nenhum castigo é bastante forte. D este m odo, faz participar consciente­ m ente nos seus fantasmas todos os homens que conhece, bem como «M a m i», uma analista com quem procedeu a um tratam ento de oito meses, três anos antes. ( Após dois anos de cura aparente, a paciente sofreu uma recaída). O pai da paciente, uma irmã mais velha e um irmão mais novo são aparentem ente saudáveis e bem adapta­ dos à vida. O pai é visivelm ente um ser submisso e a mulher, dominadora: form avam um casal infeliz. A mãe tinha desde sempre obrigado tudo a andar a toque de 86

caixa, em casa. N a altura da análise, um irmão mais vefho cumpria uma pena p or crime de «violação». A paciente sentia-se m al tratada e rejeitada pela mãe. Este papel de criança renegada e m al amada, esforçava-se por recriá-lo na transferência, que era muito violenta ( a análise desenrolava-se quase totalm ente sob o signo da acção ). Depois de te r terminado uma primeira ligação com o prim eiro analista assistente (um a mulher como vim os), a ambivalência em relação à mãe surgiu livrem ente. Pedia a presença da «M a m i», sem nela reco­ nhecer a sua própria m ãe, argumentando que não podia amar uma mãe que a tinha renegado, batido, m altratado e não se preocupava com ela (o que era verdade). O seu fantasma era m am ar em novas «M am is» que have­ riam sempre de ser escolhidas por ela; os seus desejos do seio materno ocupavam o primeiro plano. Foi-nos possível compreender as queixas de que se lamentava, a saber4 que pagava pelos outros e sofria com isso. quando soubemos que aos oito anos tinha fantasmas do género: a m ãe trabalha numa estalagem e a paciente noutra. A m ãe, que leva com o pai uma vida (conjugal desastrosa, recebe frequentem ente visitas de um senhor a q ue dá o nom e de «conde». U m dia, apresentam a paciente a esse senhor. Desde então, a criança pensa ter sido renegada pela mãe, por ser filha do conde e por isso perturbar a mãe. Imagina que (n ã o pudemos averiguar se se tratava de algo real ou de um fantasm a) o conde a violenta com a cumplicidade da m ãe {v e r o seu fantasm a da m asturbação). S ente tim grande m em ­ bro penetrar-lhe na vagina, o que lhe provoca grandes dores. Está num quarto escuro, e perto dela alguém lhe pede para não gritar e ficar quieta. M ais tarde, a aná­ lise trouxe à superfície um fantasma semelhante (ou uma reminiscência obscura?) que datava do seu quarto ano de idade: é levada por dois homens (o s hóspedes de seus pais) para um quarto de aluguer; um {feles segura-a, outro introduz-the pela força o grande membro na vagina. Quer gritar, mas não consegue. Lembra-se perfeitam ente de jogos sexuais com rapazes da sua idade, praticados numa cave. jogos esses que datavam da primeira infância. Aos nove anos. tinha relações

87

sexuais

com

o irmão mais

velho. Por

volta

dos seis

anos, enquanto brincava com um dos irmãos que então contava dois anos, viu-lhe o mem bro e tentou introduzir nele uma agulha de tricot: o pénis começou a sangrar e a paciente, a puxar por ele: os gritos do irmão fize ­ ram acudir a mãe que lhe bateu e lhe puxou os cabelos Aos doze anos, tendo arranjado um emprego como ama de crianças, passou quase todas as noites com o patrão, durante dois anos, mas sem ter com ele quais­ quer relações. Aos quinze anos, pensou estar grávida; a menstruação desapareceu durante três anos conse­ cutivos e só voltou depois da interrupção da primeira análise. Teve então a ideia de atar um pedaço de madeira na vagina. M ais tarde, vinha muitas vezes para as ses­ sões com uma faca na vagina, o que, como é óbvio, era impossível sem espasmo vaginal. O onanismo, tal como ela o praticava, surgira aos quinze anos, depois de uma quarto que o pai. Tinha tido esquecera-o e acordara m uito no chão. A arm ação da cama

noite passada no mesmo um pesadelo angustiante, cedo de manhã, deitada estava partida. O pai per-

guntou-lhe o que tinha feito durante a noite, sem exigir mais nada. A té hoje, a análise ainda não conseguiu esclarecer este pormenor. Mas tudo leva a crer que a proximidade do pai tenha tido sobre ela um efeito de excitação, levando-a a um sonho angustiante. £ de supor que a paciente se tenha masturbado durante essa noite. A doença voltou a declarar-se depois de a paciente ter conhecido um sádico que a vergastava, lhe puxavx os cabelos, a injuriava e, além disso, a obrigava a pra­ ticar acções criminosas. Foi assim que por duas vezes a obrigou a levar-lhe raparigas pequenas, que foi forçada a roubar, etc. Simultaneamente, chamava-lhe o «seu m e­ lhor amigo», não podia viver sem ele e não hesitava em segui-lo na rua durante horas. Durante a análise, só a m uito custo e perante a ameaça de interrupção de cura, conseguiu afastar-se dele. A paciente operou então im ediatam ente uma transferência das suas dispo­ sições masoquistas sobre o médico; trouxe um chicote para a sessão de análise e fez questão de se despir

para ser batida. Foi preciso uma intervenção muito firme para a demover disso. Seguiu-me na rua, veio ver-m e a minha casa às dez horas da noite. Não desistia: eu tinha que ter relações com ela ou que lhe bater; tinha de ter um filho meu, só eu podia satisfazê-la. Isto durou aproximadamente oito meses; nenhuma explicação, ne~ nhuma exortação deram o menor resultado. Quando fazia qualquer coisa de mal, masturbava-se mais ainda e mais vezes, «para se castigar»; «tenho de rebentar», dizia. No oitavo mês da análise, tentou envenenar a irmã mais velha e o marido. Tendo em conta circunstâncias que não vale a pena mencionar aqui, não restam dúvidas sobre este ponto. A paciente esquecera-se de tudo, mos revelou o facto em sonhos e particularmente cruel. Alguns a sessão veneno de ratos, que de juntar, porque a tentação

masturbando-se de forma dias antes, trouxera para não tinha podido coibir-se fora demasiado forte. Só

proibindo-a estritamente e ameaçando-a de interromper a análise pude continuar com o tratamento. No décimo quarto mês de análise, a paciente lembrou-se de cenas com pletam ente esquecidas, relaciona­ das com o quarto de dormir de seus pais. Assim se expli­ caram as suas concepções sádicas do acto sexual e do parto, e uma parte da sua angústia começou a dissipar-se; a paciente arranjou emprego e comportou-se daí em diante bastante bem. Caracteristicamente, passou a ser alvo de uma necessidade muito forte de comer e com e­ çou a engordar rapidamente, o que correspondia a um fantasma oral de gravidez. Para obstacularizar a sua tcndência para fazer arrastar indefinidamente a análise, e tendo em conta que aparentem ente estávamos a atacar já o ponto essencial, houve que fixar um prazo-Umite para o tratam ento ( mais- seis m eses). Durante a discus­ são das cenas no quarto dos pais, o onanismo duplicou acompanhado por sentimentos de culpabilidade, tendo sido necessário proibi-la de se masturbar. Esta proibi ção era necessária porque já começavam a aparecer feridas locais (m atriz descaída e perfuração). M as a evidenciaçao do desejo incestuoso propria­ mente dito, que estava totalm ente recalcado até então não foi acompanhado por uma condenação desse deseio

89

por parte da paciente. Pelo contrário, a paciente com e­ çou a te r o fantasma consciente de fazer amor com seu pai e de ter um filho dele. Por vezes, os fantasmas manifestavam-se em fortes alucinações. V ia um dem ó­ nio que a insultava, dizendo que, apesar de todos os seus esforços, não

conseguiria im pedir-se de se mas­

turbar. Este demónio tinha por vezes os traços do «conde» e por vezes os de sua mãe. Representava os desejos cruéis e incestuosos contra os quais a paciente tinha de se defender e representava a m ãe e sobretudo o pai. objecto especialmente proibido. Desde a altura em que eu começara a redigir a história desta doente, muitas coisas tinham melhorado no seu estado de saúde. Depois de uma interrupção de quatro meses, o tratam ento prosseguiu ainda durante mais sete. D ei-m e então conta de um erro cuja correc­ ção acarretaria uma melhoria d o estado da paciente. Com efeito, de perguntas precisas que lhe fiz sobre c decurso da excitação, ressaltou que nunca a paciente conseguira atingir a satisfação, mesmo quando praticava o onanismo com uma faca. N o seu discurso, apenas tom ava em consideração a diferença entre a excitação vaginal no onanismo e a insensibilidade no coito; por esta razão, pensava ficar «satisfeita» com o onanismo. quando apenas ficava m uito excitada. Confessou que, quando começava a masturbar-se, a excitação vaginal era murto forte: m odificava a «direcção da faca» logo que sentia que «estava a chegar»; a excitação diminuia então, para voltar ainda com mais força na vaga seguinte, logo que recom eçava com as fricções. A m eu pedido, desenhou a evolução da excitação, tal como está repre­ sentada na figura 9. Acrescentou: «Quando mais exci-

90

Cada fico, mais cedo tenho de rebentar; fico com uma angústia terrível, sinto uma lassidão e um abatim ento extremos». Eu considerava durante m uito tempo, erra­ damente, que o cansaço que se seguia à masturbação era um sinal de satisfação, até que descobri a natureza da lassidão e do abatim ento físicos. A paciente acabava por ficar paralisada, depois de ter demorado a excitação durante uma hora, e não porque a tensão desaparecesse, mas peto contrário, em consequência de um cansaço muscular e nervoso. A excitação corporal e psíquica permaneciam, tanto antes com o depois; era isto que explicava a sua m asturbação excessiva. Verem os ainda que no caso da neurastenia crónica hipocondríaca a im ­ potência orgástica é a causa da m asturbação excessiva». Quail era a representação que inibia a satisfação? Quando se lhe perguntava o que a perturbava, tudo o que conseguia dizer era que não podia deixar d e «escu­ tar para ver se a satisfação chegava». O sentido da expressão «escutar para ver se >a satisfação vtntia» ficou esclarecido no dia em que a paciente acrescentou que era com o se ouvisse «alguém entrar no quarto». Com o correr dos meses, essa pessoa tom ou formes m ais pre­ cisas e. em última análise, era sempre a m ãe a repre­ sentada, por vezes através de alucinações d e grande acuidade. N ão foi possível saber se, para além das frustações enormes que já descrevemos, era ou não necessário ter em conta outros traumas que teriam tam ­ bém constituído a origem da inibição do orgasmo. A ideia de que poderia «rebentar» exprim ia o seu medo de ser ferida na zona gerntal ■© -estava, como tal, d eter­ minada pela vida real e associada à representação: «mãe que ameaça e castiga». E no r causa da mrrrha má acção»; é desta forma que a excitação vaginal, que tem por objeotivo a satisfação e a punição, passa a ser o clímax da satisfação, e o or­ gasmo, mas igualm ente o d im a x do castigo, a castração, que a paciente tenta evitar.

94

CAPÍTULO IV

A ESTASE SOMÁTICA DA LÍBIDO E O ESTADO DE A N G U S T IA 1

a)

Generalidades sobre o sentido, origem do sintoma neurótico

a

tendência

e

o

Em 1895, F re u d 2 estabeleceu a distinção entre a neurastenia clássica e um conjunto de sintomas a que chamou «neurose de angústia», servindo-se do argu­ m ento d e que esta doença se dfterenoia da neurastenia por uma etiologia específica: não resultaria d e um abuso sexual, com o a neurastenia, mas pelo contrário d a absti­ nência sexual, da excitação frustrada ou de um corto interrompido. O sintoma central desta «neurose actual» seria uma «angústia flutuante» que Freud mostrava como sendo consequência e expressão psíquicas imediatas da estase da excitação sexual somática. Como era possível a Ubido «transformar-se» em angústia? Todo o problema continuava de pé. M as não se podia pôr em dúvida que houvesse uma relação causal entre a angústia flutuante e a ausência ou a insuficiência d e excitação sexual. Quanto ao problema da neurose de angústia, Stekel de­

1 (Nota escrita depois da redacção do manuscrito). O pequeno livro de Freud recentemente publicado (1926), Inibição, sintoma e angústia traz correcções essenciais à concepção anterior da angústia neurótica. As nossas concepções coincidem com as de Freud, na medida em que a angústia de castração não é considerada como sendo a consequência mas sim um a das causas fundamentais do recalcamento. O pouco tempo que tivemos para as assimilarmos impede-nos de examinar os novos pro­ blemas levantados pelo livro de Freud assim como as eventuais con­ tradições. O nosso estudo ocupa-se, além disso, de um outro aspecto do problema da angústia çue n io tem lugar no livro de Freud: k angústia actual. * «Ueber die Berechtigung, von der Neurasthenie einer Symptomenkomplex ais Angstneurose abzutrennen» (A s razões para se dis­ tinguir a neurastenia de um complexo de sintomas sob o nome dc Mtteurose de angústia»), Ges. Schriften, tomo I

95

fendia o mesmo ponto de vista que para a neurastenia (ver Capítulo l!-l, b): segundo ele, não existiria a neurose actual, porque mesmo nessas formas de doença psíquica, poder-se-iam pôr em evidência os conflitos mentais típi­ (c o m p lexo s ). 0

cos

próprio

Freud

nunca

pensou

que

as neuroses actuais, não pudessem ter também uma e tio ­ logia específica, Pelo contrário, formulou expressamente o

desejo

de

que

as

investigações

ultériores

a este problema pusessem em evidência deste género; bastaria

relativas

uma etiologia

mostrar que os complexos des­

cobertos, se tornaram 'também patogênicos. Por outras palavras, a etiologia deve ser específica. Mais tarde, J o n e s 3 e S e if11 voltaram à questão das relações

entre a neurose d e

angústia e a

histeria

de

angústia. Jones chegou à conclusão de que «a causa essencial d e todas as espécies de estados de angústia reside numa falta d e satisfação psíquica da libido; a angústia tem origem na tendência inata para o medo e

as

suas 'manifestações

excessivas

são

uma

defesa

contra os desejos sexuais recalcados. Em qualquer dos casos, desempenham um papel im portante e são muitas vezes até, os únicos. Os factores físicos intervêm com frequência, mas por si só, não bastam para suscitar um estado de angústia. Aliás estes factores com portam uma grande parcela de elem entos psíquicos. Não há d'uvida que os la c tores físicos aparecem m uito mais na neurose de angústia do que na 'histeria de angústia. A neurose de angústia deve ser considerada como um sintoma particular da histeria de angústia, que é o seu conceito mais próxim o». Do mesmo modo, Seif resumia o seu ponto de vista dizendo que a angústia »résulta de uma estase da libido, mas que constitui tanto uma «medida de protecção contra a Irbido sexual recalcada, como um sucedâneo da satisfação», e que a propensão

3 «Die Beziehungen zwischen Angstneurose und Angsthysterie» (As relações entre neurose de angústia e histeria de angúítia), Inter­ nationale Zeitschrift für Psychoanalyse, vol. I, 1913). 4 «Zur Psychopathologie des Angst» (C ontribuído à inicopatologia da angiinia, ibid).

%

para a angústia e o seu mecanismo nada lèm a ver com a sexualidade. Para

resumir icdas es ias opiniões,

podem

estabe­

lecer-se dois pontos de vista: a a n g ú stia p o d e ser e xp re s­ são da lib id o recalcada (n e u ro se a c tu a !) ou sin a l de uma defesa contra ela ( fo b ia ) ou am bas as coisas. O problema não é simples e teremos de reexaminar e pôr em ordem toda uma série de factos, anles de o podermos abordar. Umas breves considerações de método conduzir-nos-ão ao âmago do assunto. A partir das conexões entre sintoma e personalidade a psicanálise tenta inferir o sentido latente e o fim secreto do sintoma, que, numa observação superficial, aparece desprovido de sentido. Este m étodo não per­ mite concluir qual é a fonte onde o sintoma vai buscar a sua energia. Um sintoma, mesmo quando o seu sen­ tido e o seu objectivo escondidos se tornaram cons­ cientes, não desaparece necessariamente só por isso; só pode ser definitivam ente eliminado se se lhe contar a fonte de energia. Só este método merece o nome de terapia causal. Em seguida, a propósito de cada sin­ toma neurótico é necessário distinguir: a) 0 s e n tid o p s ic o ló g ic o d o sin to m a : na sua fo r­ mulação mais simples, entendemos por i-sso, as repre­ sentações recalcadas, experiências, desejos, satisfações, condutas de auto-puniçao, etc., que têm no sintoma uma expressão disfarçada. Mas estes conteúdos não poderiam produzir o sintoma se não estivessem «in veitidos de afectos» isto é, ligados a energias ‘ínstintuais bloqueadas. Entre as representações recalcadas que en­ contramos como constituintes significativos na análise de um sintoma, vieram juntar-9e acessoriamente ao sin­ toma depois de este estar já formado. Isso torna-se claro se compararmos o perfi(l instantâneo do sintoma com a sua evolução. Stekel e os seus discípulos não só não adnvtem a teoria da libido como também não se preocupam com a origam infantil dos sintomas; assim, é compreensível que nos seus trabalhos, confundam siste­ m aticamente o sentido e a etiologia (a fonte) do sin­ toma e que não sejam capazes de pôr em evidência os respectivos mecanismos específicos. Limitam-se n 7

97

encontrar, em todas as doenças mentais, sempre os mesmos «complexos» conhecidos e a explicar a doença a partir deles. Mas o im portante, é a maneira de resolver o conflito e as diferentes interacções específicas entre pulsÕes e experiências vividas. E com isto não se preo­ cupam eles nada. to) O objectivo do sintoma: abstraindo dos o bjec­ tivos económicos favorecidos pelo sintoma (descarga da Irbido, alívio do sentim ento de culpabilidade, e tc .), devemos entender por isto sobretudo o que se chama «o benefício secundário da doença», que em todas as n eu ­ roses domina, m ais ou m enos nitidamente, o quadro clínico. Uma vez constituída a neurose, como resultado da 'resolução 'patológica d e um conflito, o doente u ti­ liza-a para atingir fins determ inados, que têm sempre, sem excepção, uma relação in-terna com as causas da neurose. Esta tendência do sintoma é uma consequência, nunca uma causa primária da neurose; no entanto, com ­ plica e agrava secundariamente o conflito neurótico, e em muitos casos, disfarça com pletam ente as causas primárias do conflito. A «Psicologia Individual» de Adler, que é exclusivamente finalista, vê nestas disposições da vontade neurótica e nos «objectivos fictícios» para os quais tende o elem ento essencial da neurose, sem se preocupar com as causas que constituem, para lá dos objectivos que daí resultam, o verdadeiro domínio da psicanálise de Freud. c) Se nos interrogarmos sobre a natureza das ver­ dadeiras causas de uma neurose, somos obrigados a ir além da experiência vivida, que só se tornou importante devido à sua tonalidade afectiva, e além dos objectivos secundários da neurose até aos limites em que a psico­ logia já não consegue dar conta da evolução dos ins­ tintos. Esta evolução está subm etida a leis biológicas e tem a sua origem, antes do mais, em processos fisio ­ lógicos que se desenrolam no aparelho das secreções internas e no sistema nervoso correspondente. No que diz respeito ao instinto sexual, tais relações estão bem determ inadas e a definição freudiana do instinto, como «conceito limite entre o m ental e o somático», é totalm snte justificada neste caso, ao passo que, para as

98

relações entre o segundo tipo de instinto, o instinto dc destruição, e o somático não existe, p or assim dizer, nada de determinado. Enquanto psicologia dos instintos assim definidos, a psicanálise estabeleceu já as mais estreita-s relações com a biologia, e, na base da sua teoria das neuroses, está igualmente muito figada a teoria das neuroses. Assim, na origem de um sintoma, entram em jogo energias instintuais que se alim entam , sem cessar, de processos somáticos, provavelmente bio*q ui micos (secre­ ções internas). M as no plano psíquico aparecem como forças instituais ou como afectos e ligam-se entre si, sob estas formas, a representações ou experiências viv i­ das. No que respeita aos quatro aspectos característicos do instinto, evidenciados por Freud, a origem e a força correspondem ao aspecto bio-fisiológico, o objectivo e o objecto ao aspecto psicológico do respectivo conceito. Esta distinção é apenas uma aproximação grosseira, p o r­ que a força d e um instinto é tam bém apreendida psico­ logicam ente como um desprazer, quando não se atinge a satisfação; no entanto, o fenómeno começa por surgir sob a forma de uma tensão corporal. É o alívio da tensão desagradável que constitui a satisfação, sentida no dom í­ nio sexual com o uma impressão de prazer específico. Este m ovim ento do instinto sexual do desprazer para o prazer constitui o princípio regulador do prazer-desprazer, que, segundo a descoberta freudiana, rege essencialmente a psique neurótica, bem com o a da criança e a do prim itivo. A pretensa função biológica do plasma germirrador, ou seja, a «conservação da espécie é garantida pelo «prémio de prazer» (Freud) que se encontra ligado principalm ente ao aparelho genital. Se é evidente que o princípio d e prazer é um princípio biológico e que o «princípio de realidade» (Freud) é um princípio social regulador do instinto, e que este último suscita o conflito neurótioo, a neurose pode então ser reduzida à sua «»pressão m ais simples: é um conflito entre o plasma germinador (instinto sexual, princípio de prazer) e o mundo exterior restritivo (m oral, princípio de realidade, super-ego, com o representante do mundo exterior no seio do e g o ). E não existe m eihor prova 99

da justeza desta expressão do que o facto seguinte: as perturbações da potência são um sintoma típico d “ todas as neuroses. Qual é portanto, a relação entre as da função genital e o processo neurótico?

perturbações

No que diz respeito à psiconeurose a resposta nu.) é difícil. Seja qual for o esaádio de desenvolvimento mental durante o qual o conflito neurótico se instala, o recalcamento atinge sempre, -de forma primária ou secundária, as pulsões genitais. Separa-as mais ou menos da motricidade, ou limita-se a dividi-las em ternura e sensualidade, ou ainda, serve-se dos diferentes mecanis­ mos inibidores que encontramos nas 'formas da neurose individual. Por sua vez, a inibição da função genital implica uma estase somática da libido, que vem juntar-se à estase psíquioa e deste modo agudiza, reforça e complica consideravelm ente, -na forma secundária, o con­ flito neurótico. Vemos assim que na sua origem não com porta necessariamente elementos patológicos; só passa a ser conflito neurótico, com todas as suas con­ sequências, quando se the junta a estase somática da libido, isto é, quando é criada a fonte d e energia que alimentará a formação do sintoma. 0 recalcamento duma pufsão não produz im ediatam ente sintomas. -Estes só aparecem quando a pulsão consegue destruir o recal­ cam ento, abrindo as defesas do ego, o que devemos atribuir em prim eiro tugar, à energia instrntual 'bloqueada. As tensões e sensações corporais próprias da neurastenia, da neurose de angústia ou da hipocondria surgem com regularidade no início de um processo neurótico, sendo a expressão imediata da estase som ática da libido. Isto é ainda confirm ado pelo facto de existir sempre um tintervalo de tem po, mais ou menos longo, após a p e r­ turbação da função genital, entre o recalcamento e a form ação de sintomas, ê particularm ente evidente no caso da eritrofobia, p or exemplo: o doente ‘luta durante meses ou anos contra a masturbação e consegue final­ mente reprim i-la com pletam ente. A tim idez em socie­ dade, que já existia antes, com eça por dim inuir e só é sensivelmente reforçada mais tarde, em circunstâncias geralm ente banais, semanas ou meses depois da pri­

100

meira rubescência e de todos os fenômenos correlativos da neurose actual. Antes de abordarmos as subtis relações causais existentes entre a psiconeurose e o núcleo da neurose aotual sempre presente, vamos tratar primeiro do pro­ blema da angústia actual.

b)

Angústia e sistema vaso-vegetativo A sintomatologia freudiana da neurose de angústia

coincide no essencial com a da neurose vaso-m otora. Os sintomas das duas doenças são: perturbações cardía­ cas (assistolias, taquicardia, arritmia, extrassístoles, etc ) suores, sensações de calor e frio, arrepios, vertigens, diarreia, por vezes aumento da salivação, é particular­ mente notável que na análise, estes sintomas manifes­ tem , em certos casos, objectivos e sentido psíquicos ocultos, e noutros não se lhes possa atribuir qualquer conteúdo psíquico próprio e exprimam apenas a hiper-excitabilidade geral, mental e corporal, que não se pode apreender a partir d e um ponto de vista propriamente psicológico. Porém, nos casos em que os sintomas for­ necem tim s e n t i d o psíquico próprio, obedecem integral­ mente à regularidade das leis que regem a histeria de conversão. Assim a rubescência, no caso da eritrofobia, tem o sentido da vergonha sentida em sociedade, e, inconscientemente, o da exibição do pénis em erecção, que nesse momento é representado pela cabeça. Se nos limitarmos à nossa divisão em sentido, objectivo, e origem do sintoma, vemos que existem tantas diferenças como pontos comuns entre a neurose vaso-motorá acompanhada d e mecanismos histéricos e a neurose vaso-motora isenta de mecanismos histéricos. Uma e outra têm em comum os órgãos em que se mani­ festam os fenómenos patolóMgos. Pouco importa, por agora, que estes órgãos sejam dependentes do sistema simpático-parassimpático, porque com um mínimo de pro­ pensão somática, um conflito psíquico violento poderá proporcionar a este sistema a quantidade de energia susceptível de aumentar o seu poder patogênico, por

101

meio do recalcam ento d e representações carregadas de afectos e da blocagem da elim inação normal da energia; este conflito faria assim aparecer os mesmos sintomas que, noutras ocasiões, se 'manifestam ao m vel desse mesmo sistema nervoso mas com uma etiologia dife­ rente. A escolha deste sistema som ático poderia expli­ car-se a partir d e uma disposição (que, por ora, apenas podemos supor) de uma «complacência somática», como diz Freud; mas, com o nada sabemos sobre a natureza de tal disposição, temos que abandonar neste ponto um pouco o rigor científico. Reteremos apenas que na neurose vaso-motora histérica existem energias de o ri­ gem genital que aíimentam o sistema 'vaso-vegetativo. A rubescência p o d e representar um acto de exibição genital, e os arrepios fie cabeça podem

representar a

masturbação ou a castração; as sensações d e calor são muitas vezes expressão d e uma excitabilidade genital somática que tem vedado o acesso ao consciente; a diarreia pode m anifestar tanto a angústia, como a e x c i­ tação sexual. Nos im potentes a quem falta a erecção no m omento da tentativa de coito, existe muitas vezes uma transpiração abundante, e a análise dos fantasmas e dos sonhos põe em evidência a nostalgia do seio materno ou ainda a identificação do corpo com o pénis; os músculos vaso-diiatadores passaram a funcionar em toda a superfície do corpo e não apenas ao nível do membro, e foi assim que a transpiração se manifestou. M as terá sido a identificação psíquica que provocou a transpiração? Terá sido o desejo inconsciente de voltar inteiram ente ao seio materno que originou, p or assim dizer, a erecção da pele? É evidente que não. Apenas podemos pensar que a excitação somática que acompa­ nhava o desejo d e co ito atinge os vaso-dMatadores da pele, por não te r acesso à zona genital devido à angústia ou à inibição psíquica. O conteúdo da representação, que descobrimos através da análrse do sintoma, dirige então a excitação, que se detivera devido a uma inrbi­ ção, para os órgãos apropriados do p onto de vista psí­ quico e erógeno. é o m esm o processo que produz as já referidas sensações de calor. Estas foram prim eiro suscitadas pela excitação sexual e carregadas de repre­ 102

sentações

sexuais,

tenha

a

excitação

sido

apreendida

ou não como t a l Como as sensações de calor acompa­ nham igualmente a excitação sexual normal, o processo fisiológico não pode ser considerado como um sintoma de conversão. A única coisa que é patológica, é o facto de a sensação genital não ser captada como tal. Em vez de excitação sexual ou de angústia, sentem arrepies de frio.

muitos

histéricos

«Uma paciente que sentia muitas vezes uma excita­ ção genital durante as sessões, tinha arrepios sempre que se sentia frustrada pelo médico. O sentido psicoló­ gico destes arrepios era o desejo preconsciertte d e ser aquecida pelo médico como se este fosse uma mãe, mas só podia exprimir-se desta forma quando a paciente substituía a sua excitação libidinal por uma angústia, a qual, com o afecto de angústia, excitava tam bém o sistema vegetativo cutâneo». Os sintomas da neurose vaso-motora podem surgir por várias razões, e são expressão de irritação do sis­ tema nervoso vegetativo. Na doença de Basedow, este sistema á irritado p or uma perturbação funcional da trróide. Quando surge um perigo real, os mesmos sinto­ mas surgem como expressão e manifestação correlativas do terror; serão estes sintomas consequências directas ou indirectas do medo? Quais são as energias e os meios que o medo utiliza neste caso? Aqui temos um problema com plexo, a cujo es c la re c im e n to s anólise das fobias pode dar apreciável contributo. M>as somos de opinião que se deve tom ar como ponto d e partida para este estudo um fenómervo simples; p or exem plo, as manifestações de intoxicação pela nicotina. A auto-observação revela neste caso que o primeiro sinal de intoxroação pela nicotina consiste no apareci­ mento de taquicardia; uma breve assistolia opera a tran­ sição para a taquicardia. No momento em que cessa a perturbação cardíaca aparece a angústia; vêm depois as vertigens, as náuseas e os suores. A angústia que na sua origem era desprovida de conteúdo entra, a pouco e pouco, em relação com o m edo de morrer; este medo tem origem na ideia racional de que o abuso do tabaco pode provocar uma artério-esclerose da coronária e por 103

conseguinte, uma morte prematura.

Nos casos em que

a taquicardia se prolonga e se acentua, o medo de morrer aumenta também; passa a ser actual e vai inten­ sificar, 'po-r sua vez e de modo secundário, os fenómenos cardíacos vaso-motores. A ordem de entrada em cen.i dos sintomas corresponde inteiramente ao desenvolvi mento subsequente das relações causais: a intoxicação pela nicotina atinge o sistema neuro-vegetativo, e s \j irritação provoca primeiro a taquicardia, depois o u t r o s fenómenos gerais e é acompanhada por uma angústia sem conteúdo, que se •liga, em segundo lugar, ao medo da morte. No que respeita ao nosso problema da angús­ tia na neurose actual, apenas nos interessa por agora, o relacionamento da arritmia cardíaca e da taquicardia com a angústia flutuante. Temos de proceder a uma ligeira correcção da ideia que até aqui possuíamos sobro a génese da angústia actual. Temos que abandonar a concepção segundo a qual os sintomas vaso-motores da neurose de angústia freudiana seriam apenas equiva­ lentes da angústia; há que substituí-la pela seguinte con­ cepção: a angústia flutuante é um fenómeno que acom panha uma forma determinada de irritação vegeta ti v» da actividade cardíaca. Se, agora, em vez da nicotina, pensarmos em substâncias sexuais somáticas que não tenha-m sido assimiladas fisiologicamente de forma co r­ recta, podemos ver claramente a etiologia da angúsfi 1 actual: a estase libidinal provoca uma irritação do s i s ­ tema vaso-vegetativo sob a forma de uma neurose car díaca, a qual constitui sempre o ponto central da sinto matologia da neurose de angústia; como na intoxicação pela nicotina, na doença de B-asedow e na angina dá peito, a angústia surge imediatamente da irritação da a c ti­ vidade cardíaca e o problema da transformação da líbidn em angústia fica assim suprimido. Tal co-mo a nicotina nos casos de intoxicação, devemos pois considerar a estase como sendo causa mediata da angústia na neu­ rose de angústra. Para já, continuamos a defender que tanto pode ser consequência como causa dos vaso-motores, como por exemplo, no caso Cabe-nos agora a tarefa de esclarecer, na 104

a angústM fenómenos do medo medida do

possível, por um lado, as relações entre

a angústia

::

a irritação cardíaca de origem vegetativa, e. por outro lado, as relações que existem entre a libido e o sistenm neuro-vegetativo, ou, pe'o menos, formuiar a problemá­ tica destas relações Os especialistas da angina de peito ccncordarn geralmente em que as irritações na condução sensitiva que provocam extra-sístoles, taquicardia, assistolia, etc , ocorrem acompanhadas por um sentimento de ançjústi-j mais ou menos acentuado. Segundo Brissau c, «o senti­ mento específico de um perigo de vida é inerente a todas as sensações que vêm do coração». Rothberger escreve: «O sentimento da iminência da morte (na an­ gina de p eito ) não deve ser considerado como uma simples consequência da dor, mas como uma sensação específica provocada pelo estado do coração; de outrn maneira existiria tam bém em casos, em que, por razões diferentes, dores violentas aparecem nas zonas perifé­ ricas. Mesm o quando, nos casos de angina de peito, os doentes não conseguem localizar exactamente a dor sentem no entanto esse tipo de dor, totalm ente d ife­ rente das dores cutâneas ou musculares». Lutembacher descobriu que a angústia se manifesta já no caso de uma ligerra distenção do coração. Braun caracteriza as relações entre a angústia e os fenómenos cardíacos da seguinte forma: « 0 coração, são ou doente, possui a faculdade específica (filogenética) 7 de sentir a angústia: e até podemos dizer que, de modo geral, não é possível pensarmos no próprio coração sem experimentarmos uma sensação algo semelhante à angústia. Em todos os graus de angústia, existe, ao nível do coração, uma sensação determinada que cresce simultaneamente com a própria angústia: é um sen t im en t o profu-n do e es m a ga d o r d e medo, de opressão, de falta de ar, uma sensação dolo-

5 D eixam os aqui de lado a angfistia scniiJa por vc/es ao iiíve1 do estíim ago em ve* do coração. R T odas estas citações são extraídas de D im itrenko, «Das P ro ­ blem der A ngina pectoris» (O problem a da angina de peito — Rc';i tório colectivo). Deutsche Medizinische W ochenschrift, 9/1926 ; Isto 6. fjne resulta da evolução das espécies (N. do T.).

105

rosa que, no mais alto grau de angústia, se encontra ligada ao sentimento de morte», seja este um senti­ mento d e desfalecimento físico ou de «impotência do ego biológico». No que diz respeito às causas das afecções cardía­ cas, que não têm origem bactéria na nem mecânica, as opiniões

dos fisiologistas

divergem

no pormenor,

mas

convergem na ideia d e que devemos procurá-las na3 perturbações funcionais do sistema neuro-vegetativo, p-erturbações causadas -por sua vez por afecção das secreções internas s: Esta concepção tem pontos comuns im portantes com a teoria psicanalítica da libido, que considera 'também as perturbações das secreções inter­ nos como base somática das neuroses. Com a introdução da estase somática da libido como uma das causas das perturbações da função vaso-vegetativa, parece resolvida uma lacuna da fisiologia, que até hoje os especialistas não tinham encarado como problema, apesar das numerosas sugestões de Freud na sua 'teoria da neurose actual. Por exemplo, nos trabalhos d e L. Braun sobre «as perturbações psicogenéticas da actividade card ía c a » ", o nome d e Freud é mencionado apenas de passagem, numa nota em pé de página, não se fazendo qualquer alusão à sua tão im por­ tante descoberta relativa ès consequências somáticas das perturbações sexuais. E, no entanto, qualquer passo em frente neste campo conduz ineiurtave^mente ao problema da sexualidade. Com o poderá então a psicanálise contribuir para d resolução do problema das relações eotre a sexualidade e o sistema neuro-vegetativo (ou autónom o)? Vamos tentar p artir dos fenómenos que existem na excitação sexual, no coito e no orgasmo.

■ Ibid. * Psychogenem

und

Psychotherapie

Viena. 1926.

106

Körperlicher

Symptom?.

c)

Excitação sexual e sistema nervoso autónomo

Ao nível do coração e no sistema vaso-motor res­ tante, a excitação genital e o prazer da expeotativa sexual produzem os mesmos fenómenos que a angústia. É evidente que este facto não é totalm ente destituído de importância, se quisermos entender a relação exis­ tente entre a angústia e a Mbido. Se examinarmos os fenómenos vaso-motores durante o estado de excitação sexual, observamos em primeiro lugar palpitações e uma sensação de calor em todo o corpo, em que se encontram intimamente imbricados o prazer da expectativa e a angústia da expectativa. O ritmo do coração acelera-se tanto na representação de um prazer sexual que está para vir como no caso d2 perigo iminente. Num caso com o no outro, o coração é o centro da mesma sensação específica. Tudo se passa como se a viva representação de uma situação, em que o sistema nervoso vegetativo desempenha um papel importante, levasse os nervos vago e simpático a preen­ cherem uma função comprovativa. A observação c o r­ recta deste processo, que se desencadeia frequentemente em qualquer m omento no fluxo das representações, revela que a aceleração do pulso é precedida por uma breve dilatação do coração. As sensações quinestésicas ,0. especialmente localizadas ao nível do coração, que acom ­ panham a actividade sexual, são tanrvbêm origem de numerosas expressões correntes: por exemplo, «um caso de coração» (p o r «um caso de am or»), «dar o coração') ou ainda «uma mulher com o coração grande», isto é. pouco arisca, e tc .... A isto há a acrescentar o facto de, nos sintomas e nos sonhos, o coração representar muitas vezes os órgãos genitais. Numa paciente, o bater rítmico do clitóris em erecção estava directam ente asso­ ciado com 0 bater do coração: quando a paciente tinha fantasmas sexuais, levava as mãos ao coração, da mesma forma que as levara ao clitóris, antes do seu desejo de masturbação ter sido recalcado. ,t que talvez fosse possível que o pai sobrevivesse, se o filho morresse em seu lugar. Num dos seus sonhos, em que apanhava cogumelos com o filho nos bosques, o pai aparecia de repente e a criança tornava-se cada vez mais «fantasm ática». Outro sonho seu: «Cortei e comi os dois pés do m eu filho. Dispor-m e-ia a cortar outro pedaço, mas a criança ainda está viva e eu digo ao m eu marido: vou prim eiro cortar a cabeça, e ele aconselha-me a levá-lo ao hospital. Então lem bro-m e de que já chorei m uito por causa do m eu filho,

que

sinto

grande

dificuldade

em

imaginar

que

ele consiga chegar aos vinte anos; e eis que acabo de o transformar num estropiado. Sinto então um vivo desejo de rem ediar tudo e quero ardentem ente curar a ferida. M as é claro que não posso rr ao m édico, pois ele im ediatam ente veria o que eu tinha feito ao m eu filho». Façamos um resumo dos significados essenciais do medo hipocondríaco; inconscientem ente a paciente que­ ria dizer o seguinte: 1. «O m eu marido decepcionou-m e e volto para o pé do m eu pai que m e satisfará» (sonho de incesto — desejo de m asturbação). 2. «Tenho m edo d e que a tuberculose leve tam ­ bém o m eu filho (substituto do p ai)». 3. «Desejo que o meu filho morra, para que o meu pai volte». 4. «Quero levar o m eu filho a masturbar-se, mas tem o que perca a vida» ( m edo da m orte — angústia de castração ). 5. «Quero cortar o meu filho e/n ped.iços e apoderar-m e do seu m em bro». 6. «O meu filho é o meu mem bro; quero mastur128

baf o m eu filho (o m eu m em bro) mas tenho medo de o perder ( o m em bro) por causa disso (c o m o castigo). Enquanto a paciente reprimia as suas tendências genitais e a angústia de castração se convertia em núcfeo do seu medo hipocondríaco, a excitação somá­ ticat que não podia ser eliminada da esfera genital, criava uma válvula de escape por meio de um sintoma de conversão fortíssimo. Com efeito, quando no decurso da análise, a transferência se tornou actuai, apareceram-lhe grandes pápulas de urticária no braço e no lado esquerdo da cara, a que deu o nom e de « boltias». A paciente notou que as « bolhas» apareciam apenas do lado esquerdo; ora, eu estava sentado do lado esquerdo, atrás dela. N um dos dias seguintes (estando ela preci­ samente a falar da sua apreensão em se mostrar eos homens em fato de banho) quando lhe apareceram umas «bolhas» que lhe provocam grande comichão nas pernas, acim a das ligas. Quando analisei a escolha do lugar sobre que a conversão incidira, a paciente lembrou-se de que uma vez, por volta dos seus dez anos, um rapaz lhe m etera a m ão por baixo da saia. A ideia de que um homem pudesse olhar para ela ou abordá-la com ideias sexuais tivera durante algum tem po como consequência im ediata o aparecim ento d e borbulhas. Por nada deste m undo, disse-me espontaneamente, se poria toda nua diante de mim. Na praia, tivera v e r­ gonha dos seus braços e pernas nus, e sobretudo do seu peito, que achava demasiado pequeno. A urticária podia então explicar-se com uma rubescência excessiva da pele; pelo menos surgia sempre em todo o tipo de situações em que as mulheres costumam corar. Tal era o sentido psicológico do sintoma». Quando na puberdade tivera borbulhas, atribuira •isso ao facto de se masturbar excessivamente nessa época. Vários anos mais tarde, já casada, sempre que não conseguia atingir a satisfação, apareciam-Hie «bo­ lhas», que lhe provocaram comichão. Que se tratava Je uma excitação genital que, afastada da zona genital, se exteriorizava ao nível da pele, comprovaram-no as se­ guintes circunstâncias: Durante a análise, a paciente recu­ sou durante muito tem po a minha exiplicação segundo 9

129

a qual não abandonara definitivam ente o onanismo, como pensava ter feito, mas recalcara apenas o respectivo desejo. Afguns meses depois (enrretanto familiarizara-se com esta id eia), confessou

que

na altura

em que

se

apusera mais fortem ente à minha explicação, lhe tinhasn aparecido 'borbulhas de urticária nos lábios do sexo, e que não parava de as coçar consta n tem ente, sem sa dar conta d e que a supressão da com ichão era pura c simplesmente- uma masturbação, tal como, antes de adoecer, ficava apavorada com a excitação genital, tinha depois m edo das « bolhas», que considerava uma grande infelicidade e um sinal da sua doença. A urticária aparecia tam bém quando a paciente sen­ tia vontade de urinar durante a análise e sentia ver­ gonha de me dar a conhecer a necessidade que tinha de ir à casa de banho. O erotismo uretra! encontrava-so nela fortem ente marcado e, em consequência disso, apareciam tam bém borbulhas quando se molhava ou tom ava banho. N a infância, sofrera um período de enurese. Tivera durante m uitos anos o mesmo sonho, no qual era surpreendida a lavar roupa. Este sonho fo: durante m uito tem po incompreensível; um dia a pa­ ciente lem brou-se de que na altura da puberdade, quando lavava roupa, roçava o sexo contra a borda do tanque, aproveitando assim o ritm o dos m ovim entos. Quando por fim começou a lutar contra o onanismo, aparece­ ram -lhe em todo o corpo bobões de urticária, ligados à lavagem da roupa. M a is tarde, lem brou-se de que as primeiras borbulhas lhe tinham aparecido aos sete arios, na região períneal e na parte de dentro das coxas, quando ajudava o pai nos trabalhos de jardinagem . A paciente sentia uma fo rte aversão, misturada com a n ­ gústia, em relação ao coito a tergo. No entanto, em sonhos, era precisam ente nessa posição que tinha re h ções sexuais com o pai. Quando era pequena observara com interesse a união dos animais e chegara à conclu­ são de que os pais faziam a mesma coisa. Depois de casada, tivera m uitas vezes desejos violentos de pra­ ticar o coito a tergo, reagindo a tais desejos com esta­ dos de angústia. Consequentem ente, a localização cor­ respondia sem pre ao órgão excitado e psiquicamente

130

investido (lábios da vulva/onanism o; região perineal / coito a tergo; coxas/fantasm a saia, e tc .).

de

ser apalpada

debaixo

da

0 sentido do sintoma era sobre determinado. As «"bolhas» significavam: exibição e reacção de vergonha, onanismo

e

angústia

de

castração

e,

além

disso,

a

micção (apareciam borbulhas quando a paciente se mo­ lhava ou quando a vontade de urinar lhe vinha durante a análise). A energia, por meio da qual as represen­ tações possibilitavam a produção do sintoma era a exci­ tação genital somática (origem do sin to m a), a mesma excitação que noutras alturas provocava a irritação do sistema cardíaco e a angústia. Com uma regularidada impressionante, a angústia diminiria quando a urticária aparecia e aumentava novam ente perante o recalca­ mento deste sintoma de que a paciente linha medo e com razão. A paciente parecia te r a Intuição de que a urticária era tão censurável, como a masturbação. Ora mesmo nos momentos em angústia d e castração não m ente inactiva, sendo antes desvio da excitação genital epiderme. Temos im um

que era menos intensa, a (ficava p or certo com pleta­ a principal responsável pelo dos órgãos genitais para a novo problema:

Qual a relação entre a angústia de castração, que impHca o recalcam ento da genit&fidade, e a angústia actual,

f)

consequência

desse recalcamento?

M e d o e estado de angústia

0 estudo que fizem os da neurose de angústia obteve o seguinte resultado: a engústia actua! não é conse­ quência directa da estase Ijbidinal, por conversão, como antes supúnhamos; desenvolve-se com o sintoma da irri­ tação do sistema vaso-vegetativo. Qualitativamente, não se distingue da angústia que aparece em perturbações vaso-vegetativas, com uma origem diferente, com o a angina d e peito ou a intoxicação pela nicotina. No entanto, a estase da libido é a verdadeira fonte cta angústia actual e a expressão «angústia Hbidinal» co n ­ tinua a ser justificada, tendo em contia esta origem.

131

Como verificamos pela história do caso referido, carac­ terizado por perturbações vaso-motoras (IV , d ), aqui, 6 a recusa caracterial da sexualidade, causada pela angús­ tia de castração, que provoca a estase libidinal e, con­ sequentemente, a angústia actual. A angústia de c a s ­ tração é o modelo da angústia neurótica; vei'ificamos isto na análise da paciente presa de medos ■hipocoí dríacos (IV , e ) . Pudemos ver neste caso que os desejos de onanismo recalcados constituem um perigo interior permanente, que o ego temia. A seu tempo, Freud formulou a distinção entre a angústia neurótica e a angústia real da seguinte maneira: a úkima seria um.i reacção a um perigo exterior, enquanto que a primeira seria uma reacção a um perigo interior (pulsional). A análise dos dois casos citados pôs em evidência que o elemento m otor do recalcam ento é o m edo dos perigos ligados à satisfação das pulsões (am eaça de castração como castigo do onanismo, ameaça «proveniente de ideias ou da experiência infantis). A angústia neurótica é por­ tanto muito semelhante à angústia real; mas encontramo-nos assim perante uma nova fonte de problemas: por vezes, a angústia é consequência do recalcamento das exigências sexuais; outras vezes, é sua causa. Portanto, ou há qualquer coisa de incorrecto na nossa concepção da angústia, ou estamos a dar o nome de «angústia» a dois tipos diferentes d e (factos. Tentem os em primeiro lugar verificar a nossa expli­ cação da angústia aotual. Podem objectar-nos que a angústia que acompanha a neurose cardíaca nrvais não é do que uma angústia real. Esta neurose equivaleria assim a uma correcta apreciação da ‘importância do coração para a manutenção da vida, não sendo neces­ sário ser-se hipocondríaco para ter m edo da morté. Esta tese poderia apoiar-se em factos com o a sensação de aniquilamento tantas vezes verificada « o sentimento de abandono, que caracterizam os estados violem os de angústia cardíaca. Na neurose cardíaca vegetativa, a angústia poderia iportanto ser uma reacção psíquica pe­ rante uma ameaça de morte. A tal concepção opõem-se, porém , alguns factos importantes: 1.) Se assim fosse, >a angústia deveria existir iguai132

mente na endocardite infecciosa e a sufocação em casos de coração obeso ou após um esforço físico intenso, assim como em doenças orgânicas mais graves, como o cancro ou a tuberculose pulmonar. M as sabemos que tal não acontece restando-nos assim a hipótese segundo a qual a angústia cardíaca apenas se declara numa forma qualitativam ente determinada de afecções cardía­ cas, precisamente as que têm origem vegeta ti va. 2.)

é

facto estabelecido pela fisiologia que a an­

gústia cardíaca típica pode aparecer antes mesmo da arritmia te r acedido ao nível da consciência. Não pode­ mos, portanto, falar aqui d e reacção consciente perante um perigo d e ameaça da vida. 3.) Observações pessoais, que tiv e ocasião de c o n ­ firm ar mais tarde, no que respeita à intoxicação pela nicotma, não deixam tam bém qualquer dúvida sobre este ponto; no m om ento da assisto li a que precede a taqiricardia, instala-se uma sensação de angústia que só secundariamente é preenchida por ideias de «morte» na sequência de um eventual estado prolongado de arritmia e de taquicardia progressiva. Ê, portanto, indubitável que na neurose cardíaca, a angústia é um fenómeno acompanhando uma irritação es­ pecífica da actividade cardíaca, e que só secundariamente entra em relação com os conteúdos da angústia real. Houve quem dissesse que a angústia que se supõe vivermos na altura do nascimento seria a origem de todas as angústias ulteriores e que todos os acessos de angústia neurótica reproduziriam o processo do nas­ cimento; uma ta l afirmação não tem fundamento nem em factos clínicos nem na lógica do raciocínio. Será o nascimento algo mais do que a primeira ocasião em que se produz uma irritação traumática do sistema vaso-vegetativo? Induzimos simplesmente a angústia a partir de fenómenos vaso-motores no recém-nascido, mas não sabemos se este sente um estado correspondente. Os acessos de angústia nos doentes nada têm de comum com a pretensa angústia do nascimento, a não ser no que diz respeito a fenómenos somáticos específicos desse estado. Os fantasmas m uito frequentes relativos ao nascimento e ao seio materno não são mais carac­

133

terísticos da angústia do que, por exem plo, o medo da castração, dos ladrões, ou o medo da morte. A angustia do nascimento seria apenas um caso particular de mobilização

da libido

narcísica

de ó rg ã o 18 no sistema

vaso-vegetativo; consequentem ente seria tam bém angústia actual. M as ver na angústia do parto angústia real, como que tudo se opõe.

o faz

uma uma

Rank, ê uma concepção

a

C om e fe ito , q u a l é a re la çã o e ntre a a n g ú stia a ctu a l e a a ngústia em face d e u m p e rig o real (exterio r ou interior) ? Enquanto

a angústia

actual

é

consequência

de uma irritação do sistema vegetativo, a angústia real, por sua vez, é causa de tai irritação; empalidece-se, «o coração pára», sentem-se palpitações, tremores, fica-se com «pele de galinha», suores frios de angústia apare*cem, regista-se a paralização do «medo». Com o obser­ vou Freud, trata-se de uma reacção absolutamente inadaptada. Seria mais apropriado defendermo-nos contra o perigo por meio de qualquer actividade motora; a fuga ou a luta. Comecemos por esclarecer o que é que dc ponto de vista energético, diferencia a reacção adequada que se efectua p o r m eio da rnervação do sistema vegetativo. O aparecim ento re p e n tin o da situação aterrori­ zadora impede manifestamente que a energia, digamos, o instinto de conservação, passe do sistema vegetativo para o sistema m otor (musculatura com inervação voluntária). Se distinguirmos a forma v e g e ta tiva e a forma m o to ra da reacção ao perigo, nada se oporá ^ hipótese segundo a qual a reacção vegetativa corres­ ponderia a uma função do instinto de conservação filogeneti ca m ente antiga: lembremo-nos da reacção veg e­ tativa do polvo em face do perigo e do fenómeno d 3 mimetismo como medida de protecção. A função neivosa voluntária é, pelo contrá-nio, uma aquisição íilogo neticam ente recente no desenvolvimento do organismo animal. A aptidão para a defesa vegetativa ou, mais exactam ente, ipara a protecção vegetativa autoplástica. perdeu-se com pletam ente no homem; foi porém, substi­ tuída de maneira satisfatória pela aptidão in te le c tu jl 18

Libido investida num a p a n e do corpo (N'. do T .)

134

dests

para prever e evitar o perigo. Quando o perigo

surge, porém, de forma im prevista, o indivíduo apenas pode pôr em funcionamento o mais prim itivo dos meca­ nismos de defesa, dada a impossibilidade momentânea de qualquer raciocínio intelectual, por muito rápido que fosse, -que levasse à escolha de um tipo de defesa motora: verifica-se a passagem do modo de reacção intelectual ou motor ao modo de reacção vegetativa, isto é, próprio do estado do narcisismo 'primário. Por conseguinte, em nossa opinião, a reacção vege­ tativa numa situação de terror constituiria um abandono das formas de defesa superiormente desenvolvidas e uma regressão momentânea a formas biológicas mais primitivas; esta hipótese, a ser correcta, integra-se dificuldade na teoria da libido. As investigações da canálise sobre as neuroses traumáticas mostraram estas têm origem num traum a que afecta a Iíbido

sem psi­ que nar-

císica, e não no narcisismo secundário, que corresponde já a uma etapa superior da libido. Precisamente, o nar­ cisismo primário (biológico) é a fonte biológica de todas as aspirações li-bidinais e localiza-se sobretudo ao nível do sistema vegetativo. Em todas as situações de perigo existe porém, mobilização de Iíbido narcísica ao serviço da conservação do ego. A forma por que esta mobilização se processa, isto é, o sistema utilizado pelo instinto de vida, depende unicamente do tipo de perigo. No caso de perigo real exterior, o que é investido é. a) o sistema intelectual: medidas de protecção pre­ ventivas, quando o perigo não é eminente (polícia, leis, medidas de segurança pessoais). b) o sistema motor: a fuga ou a auto-defesa quando o perigo é compreendido a tempo. c) o sistema vegeta ti vo: inervação involuntária, quando o perigo surge bruscamente (regressão ao nar­ cisismo prim ário). No caso de um perigo real interno devido à pressão de exigências instintuais censuradas, o que é investido é: a) o sistema intelectual: medidas de escape neurótico-obsessivas (cerimoniais, proibições, ordens, e tc .), b) o sistema senso-motor: todos os tipos de des­

135

locação histérica da excitação sexuai para outros órgãos («conversão»). é

evidente a analogia entre

da zona

genital

as formas de defesa,

no caso de um perigo exterior e de um perigo interior, ao nível dos sistemas intelectual e motor. Quanto aos fenómenos vaso-vegetativos provocados pelo bloqueamento da excitação sexual e a angústia de estase, serão eles também análogos à reacção de medo biológico? Uma tal ideia é facilm ente concebível mas não satis­ fatória; em nossa opinião, não é possível atribuir a um indivíduo semelhante preocupação com a imortalidade do plasma germinativo, como não é possível estabelecer a existência de um instinto individual de reprodução Preocupemo-nos antes com as questões levantadas pelo sentido psicológico da angústia flutuante, provocada por uma 'irritação vegetativa. Vemos no medo uma reac ção frente ao perigo, da mesma forma que considera­ mos a sensação luminosa com o uma reacção aos raios de luz e a sensação auditiva com o uma reacção às ondas sonoras. Observemos esta comparação. Temos igualmente sensações luminosas quando o nervo óptico é irritado por uma excitação eléctrica ou térmica. Ora o aparelho vegetativo pode reagir da mesma maneira quando é afectado não por um perigo mas por outro tipo de excitação — por exem plo, a energia sexuai armazenada e que não encontra saída normal. Se

da

em

libido

s itu a ç õ e s

narcístca

de

de

te rro r

órgão

se

no

v e r ific a

a m o b iliz a ç ã o

sistema

vegetativo.

nada se opõe à ideia de que esta entre em função, do mesmo modo, na sequência de outro tipo de excitaçc-23 (internas, como no caso da abstinência sexual). A angústia de estase seria então tão desprovida dc «ss • tiido» como a sensação luminosa devida a uma excita­ ção eléctrica do nervo óptico. A questão de u m «sen­ tido» b io ló g ic o não se põe neste caso. E chegamos agora à questão da origem do aíeoto da angústia. No caso da nossa paciente (capítulo IV, e ), existia um medo hipocondríaco m uito tem po antes do apare­ cim ento da histeria de angústia; o medo só revestiu a form a da angústia depois do sonho de incesto e dy excitação dele resultante. 0 conteúdo do medo (con-,136

cientemente:

estar

a

morrer;

inconscientemente:

estar

ferida nos órgãos genitais) era o mesmo antes e depois do sonho; a única diferença consistia em que a exci­ tação sexual era sentida no sonho de forma aguda c, mais tarde, desviada da zona genital. Poderíamos dizer que foi a excitação sexual que, ao tornar-se mais forto, provocou a intensificação do medo da castração e deu fugar ao afecto de angústia correspondente; mas objecção

é

facilmente

refutável,

pois

a

angústia

esta de

castração teria podido ser igualmente aguda no dia em que a paciente observara a filha (com a qual se iden­ tificava)

a

masturbar-se;

ora,

nessa

ocasião,

não

se

manifestou qualquer afecto de angústia. Que

a excitação

nante, confirm a-o a

sexual

tenha

observação

sido

aqui

determ i­

clínica comparada -das

relações entre o afecto de angústia e a es ta se libidinai. Assim, por exemplo, certa

forma

de homossexualidade

activa tem por base a «angústia» de castração, sem que seja possível detectar em tal caso qualquer vestígio do afecto de angústia. Qual será a razão porque a erec­ ção em tais pacientes desaparece durante o coito por força do medo de que qualquer coisa aconteça ao membro, como a análise dos seus sonhos revela, mas sem que estes pacientes sintam angústia? Em tal caso, o perigo é psicologicamente real e no entanto o afecto não se forma. Se este tipo de pacientes abandonar as práticas d'as relações sexuais sem se refugiar no ona­ nisme e se a abstinência se prolongar, a angústia de castração manifesta-se então como afecto. Nos doentes que sofrem de ejaculação precoce, a angústia de cas­ tração é particularmente forte, mas também aqui o afecto de angústia não se forma enquanto persistir descarg;) motora da excitação, ainda que de maneira inadequada Constatamos que os afectos de angústia desaparecem a partir do momento em que os pacientes começam a apreender as sensações genitais, no decurso da aná­ lise; constatamos igualmente que o mesmo é possível antes da angústia de castração se manifestar de uma ou outra forma, e também antes da sua eliminação. Estes dois factos obrigam-nos a concluir que o m edo 137

de

castraçã o



assum e

a

q u a lid a d e

de

a fe c to

de

a n g ú stia p e la in te rv e n ç ã o da esta se so m á tica da lib id o . Introduzindo na discussão o afecto de angústia, eli­ minamos uma dificuldade que o term o usual de «medo» implica. M anifestam ente, não temos em vista os m es­ mos dados afectivos quando dizemos: «Tenho medo de um passeio perigoso na montanha» ou quando falamos do mesmo sentido no m om ento da queda no buraco de urna rocha. O m e d o de um p e rig o (re a l ou im a g in á rio ) a in da p o r v ir é d ife re n te d o q ue é s e n tid o n o m o m e n to em que o p e rig o é a ctu a l. Entre os dois casos existem, porém, transições; podemos im aginar um perigo qu se aproxima e sentir um afecto de medo mais frac em quantidade, mas igual em qualidade, ao do medo real. Podemos imaginar a mesma situação perigosa sem experim entar qualquer m edo, mas constatamos que em tal caso o perigo apenas é apreendido pelo pensamento e não p ela intuição sensível. A observação pessoal atenta leva-nos ainda à seguinte conclusão: o simples m e d o transforma-se tanto mais em angústia, ou por outras palavras, o pensamento de um perigo tem uma ressonância afectiva ta n to maior, quanto menos for con­ ceptual © quanto mais fo rte fo r a representação intui­ tiva. M as nem a representação mais intuitiva é capaz de su sorta r a angústia característica das situações real­ m ente aterrorizadoras. A irvtuição d e um perigo suscita tam bém , por sua vez, fenóm enos vaso-vegetativos: é possível que pro ­ voque palpitações e arrepios de medo, até mesmo ver­ tigens e tremores e fica-se com a convicção de que y irritação do sistema vasovegetativo cresce paratelamerne à angústia. Inversamente, pode dizer-se que o a fe c to que tra n sfo rm a o m e d o e m a n g ú s tia a u tê n tic a é consaquência da irritação somática; 'habituemo-nos portanto a pensar que os afeotos em geral se encontram d epen ­ dentes de processos somático-biológicos. As pessoas influenciáveis pelos preconceitos psicologizantes, não quererão adm itir tal dependência e considerarão que o afecto é a causa exclusiva dos fenómenos somáticos É isso que na realidade se passa, o que não exclui porém, que, por seu turno, o afecto seja d e origem

138

somática

também. Continuamos a ter presente a hipó­

tese fundamental do Freud: o afecto é uma manifesta­ ção das pulsões e o núcleo específico do inconsciente é constituído por pulsões. É impossível encontrar algo s opor a esta ideia. Estaremos em malhores condições para compreen­ der o afecto de angústia, se nos debruçarmos sobre fenómenos mais facilmente inteligíveis, como a em oção sexual e a có le ra , que há que conceber como m a n ife s ­ tações ou do instinto sexual ou do instinto de des­ truição. A simples sexual

representação

faz aparecer,

no

de

indivíduo

um

comportamento

insatisfeito, fenóm e­

nos vaso-motores mais ou menos intensos, sensações de prazer genital e desejos sexuais. No indivíduo satis­ feito, pelo contrário, por exemplo, após a prática das relaçõe? sexuais, a mesma representação pode não p r jvocar nem sensações de prazer nem fenómenos vasc-motores. Quanto aos desejos sexuais afectivos, estão de todo ausentes. É necessário um período de repouso mais ou menos longo para que às representações sexuais se venha juntar um desejo afectivo. A emoção sexual encontra-se ausente mesmo quando se verifica a repre­ sentação fortemente intuitiva da cena; a imagem é baça e sem tonalidade afectiva, sendo a própria faculdade de imaginação pouco intensa. Ora, no psiquismo pro­ priamente dito, nada mudou; as representaçõss co nti­ nuam intactas; simplesmente, a fo n te so m á tica dos a fe c ­ to s esgo tou-se ; ou, mais precisamente, o orgasmo fez descer a tensão somática — e, com ela, a tensão psí­ q u ic a — a um nível de potencial muito reduzido. M u ifo provavelmente, a repartição da energia é diferente da existente no estado de excitabilidade genital. Só uma nova concentração de energia sexual somática na zona rjenital voltará a conferir às imagens sexuais um valor afectivo. Este, uma vez presente, pode então aumentar 3 impressão somática por meio de representações. A sensação corporal, que há que distinguir da percepção dessa sensação, não pode aparecer sem um processo fisiológico determinado. Até uma alucinação corresponde apenas a uma impressão corporal mal interpretada, como

139

ficou demonstrado pelos trabalhos d e Freud, Ferenczi e Schilde-r sobre a hipocondria. Assim , a sensação sexual fim pressão orgânica)

corresponde à experiência prim á­

ria; a emoção sexual à experiência secundária, depen­ dente da primeira. Acontece o mesm o com o afecto de cólera, que é tanto

mais violento quanto

vidade motora. A «ira

mais reprimida fo r a a c ti­

im potente» é o seu grau

mais

intenso. Se dermos livre curso à fúria que sentimos, o afeoto desaparece

pouco

depois; se a contivermos,

as nádegas, etc., são os traços que o dis­ tinguem. é evidente que este sistema caracterial da neurose obsessiva feminina não é mais do que uma superestru­ tura ed»ficada em reacção contra a feminilidade. Basta, para nos convencermos disto, observar as modificações caraoteriais que surgem em tais casos durante a análise. A transferência libidinal passiva-feminina opera aqui com o mesm o automatismo que na histeria, mas menos facil­ m ente. E com a diferença de que, em vez de se defender desta aspiração p o r meio da angústia, com o num caso de histeria, a d oen te lhe resiste com ódio, até que surja uma qualquer atitude feminirfa que já não possa ignorar nem negar. Normalm ente, esta nova fase é prenunciada por uma angústia histérica, o que apenas significa que se iniciou a metamorfose da neurose obsessional em -histeria, isto é, que o vettio processo regressivo faz ■marcha atrás e que, por via disso, se reforça a histeria de angústia infantil. Exprimindo isto em termos de drnâmica: a angústia libertou-se dos sintomas em que estava fixada. Há outros sinais desta metamorfose: as sensações genitais que aparecem espontaneam ente e que a doente receia: isto quer dizer que a angústia genital, que até então não se tinha feito sentir, começa tam bém a surgir. Em vez da intenção destrutiva dirigida contra o objecto causador do impulso genkal (e que, portanto, era factor

160

de p erig o ), vem manifestar-se a defesa contra o instinto em si: o objecto, este, pode subsistir enquanto tal, e é ■finalmente aceite. Com a liquidação analítica da angús­ tia genital, liberta tarefa terapêutica.

III.

dos

sintomas

obsessivos,

acaba

a

A A STE N IA GENITAL NA NEURASTENIA CRÓNICA H IPO C O N D R ÍA C A

Consagrei um breve hipocondríaca", em que

estudo à neurastenia crónica tentei distinguir da neurose

obsessional um grupo de doenças que, apesar de mani­ festarem a mesma fixação prê-genital, são, no entanto, fundam entalmente diferentes pela sua natureza, pelos seus sintomas e peta forma de que nelas se reveste a perturbação da potência. Nesse trabalho, debrucei-me principalmente sobre as diferenças morfológicas e psicogenéticas que as opunham à neurose obsessional e à histeria: vou agora falar em pormenor do modo especí­ fico da perturbação da potência que estas doenças apre­ sentam e que designei com o nome de «astenia genital». Nunca a encontramos na neurose obsessional nem na histeria; é um sintoma típico da neurastenia crónica hipo­ condríaca. Os relatos dos casos que vou citar desti­ nam-se ao mesmo tempo a esclarecer os dados teóricos avançados no artigo

a)

acima citado.

Extracto da análise de uma neurastenia crónica.

«Um estudante de vinte e nove anos submeteu-se à análise devido à sua impotência. Depois de um período de onanismo de vários anos, que só se declarou a partir dos vinte e um anos, sucedeu-se um período de repetidas poluições nocturnas. A masturbação nunca tinha sido excessiva (u m a ou duas vezes por sem ana) mas " Op. cit.

161

tornou-se

progressivamente

mais

rara,

e

foi isso

que

causou o aparecim ento de espsrm3torreia e enureso: 0 paciente só se arriscou a frequentar mulheres aos vinte e quatro anos,

mas invariavelm ente

fogo ao

contacto dava-se a ejaculação, o esperma

primeiro

escorria

ds

forma contínua e o mem bro ficava absolutamente flácido. O paciente nunca tinha tido uma verdadeira tentativa de coito, nunca tinha sequer tido uma e re c ç ã o . T odas as experiências lhe pareciam incongruentes e humilhantes. Dois anos antes, tinha-se deixado arrastar para a cama com uma rapariga m uito agressiva, mas não tinha ousado retirar a roupa interior; não sentindo qualquer excitação, tinha-lhe virado as costas e tinha adormecido contra n parede. Desde ai, nunca mais se tinha deixado levar tão longe e contentava-se com uma ejaculação sem m uito prazer, todo vestido. A lém disso, desde a puberdade - - que não tinha sido marcada por grandes excessos— , de tem pos a te m ­ pos, sofria de dores de cabeça; uma vez por outra sentia tam bém um sentim ento de opressão no peito e náuseas. O paciente vivia em estado constante de 'mau humor. é certo que era capaz de trabalhar, mas era extrem a­ m ente atreito a cansaços corporais e sentia-se frequen­ tem ente incapaz de contar ou de ter durante muito tem po. Desde há alguns anos, sofria tam bém de dores reumatismos nos membros e nas costas, que não tinham nenhuma relação com o estado do tem po e que nenhum tratam ento tinha ainda conseguido vencer. Tratava-se de sensações hipocondríacas difusas e variáveis. A lém disso, tinha prisão de ventre desde a mais tenra infância: só com laxativos especiais ou sentando-se num bacio cheio de água a ferver conseguia evacuar. Os resultados do exame oigânico foram negativos, exceptuando a exis­ tência de varicoceles19 no testiculo esquerdo. Todos os membros da sua família mais chegada (pais e três irmãos e irmãs mais velhos) sofriam d e prisão de ventre crónica. Todos, excepto o pai, carácter am b i­ valente e obsessivo, eram pessoas capazes de enfrentar a realidade. Quanto ao paciente, tinha um carácter re»

ITifaUpin vftricosa das veias do cordão espermático (N. do T.).

162

ceoso e deprim ido, mas era, ao mesmo tempo, de uma amabilidade excessiva: só por si esta atitude revelava o seu carácter feminino. A análise do inconsciente tomou corpo desde a segunda sessão, graças a um sonho cujo conteúdo muito pouco escondido aterrorizou o paciente: nesse sonho. beijava a sua irmã cinco anos mais veíha nas partes genitais. O que o consternava não era tanto o gesto em si, mas antes o facto de ser dirigido à irmã. Tudo o que soube dizer do sonho foi que desde a infância nutria um grande am or pela irmã, amor esse que era retribuído. Tendo casado vários anos antes, no estrangeiro, a irmã vivia resignada, numa união m uito tranquila, e recebia muitas vezes a visita do paciente. Reinava entre eles uma tal intim idade que ela partilhava com ele os segre­ dos do seu casamento e queixava-se da sua frigidez. Na altura da puberdade, tinham jurado m utuam ente que viveriam sempre juntos e nunca se separariam. A irmã prodigalizava-lhe constantem ente conselhos maternais e correspondia de boa vontade à sua atitude de irmão mais novo. Numa das tardes seguintes, voltou a aparecer a reminiscência de uma fobia que rem ontava à época dos seus três a seis anos e que tinha sido to talm en te esque­ cida desde então: A descrição que fez do objecto da sua angústia apresentava muitas lacunas. Tratava-se de uma visão que tinha sempre que entrava num vestíbulo mergulhado na penumbra: um «fantasma» (era assim que lhe chamava na altura) «descia de algum lado», ou nntão era «como se saísse de alguém ou como uma camisa posta por cima da cabeça». E de começo, não ioi possível saber mais do que isto. Para começar, exporemos a análise do sonho e, seguidamente, a da fobia. Em relação ao sonho, o paciente, preso

de forte

inibição, contou que tinha entre os três e cinco anos praticado jogos sexuais com uma prima cinco anos mais velha, facto que, exceptuando alguns pormenores importantes, nunca tinha sido recalcado. Esta recordação sempre lhe pesara muitíssimo; considerava estes jogos como a acção mais im portante da sua vida e conside­

163

rava-os como origem exclusiva da sua doença. 0 jogo consistia fundam entalm ente em brincar aos médicos e aos doentes, em au$cultarem-se um ao outro e, enquanto assim procediam , em apalpar o ânus e as partes genitais. Lembrava-se perfeitam ente de ter apalpado as partes genitais da prima; no entanto, não sabia se ela rinha apalpado as suas. Os remédios receitados eram beijos nas partes mais diversas do corpo. M u ito mais tarde, recordou, mostrando sinais evidentes de nojo e de de­ fesa, que se tinham beijado m utuam ente no rego das nádegas. A prima desempenhava normalm ente nestes jogos o papel activo e com portava-se neles absoluta­ m ente como um rapaz. O m ais grave, segundo o paciente, tinha sido que tais brincadeiras tinham posteriormente determ inado os seus fantasmas de masturbação. A repre­ sentação do coito não aparecia neles de todo em todo, mas a prim a tam bém não tinha o m enor papel nos fan­ tasmas. Os seus fantasmas preferidos eram: estar am ar­ rado, lam ber as partes sexuais femininas, m am ar o seio. M ais tarde, os seus sonhos e fantasmas ordenaram-se da seguinte forma: alguém lambia o seu m em bro, la m ­ bia os excrementos no rego das nádegas, etc. A tomada de consciência deste últim o fantasma fo i precedida por um longo período de fortes náuseas matinais. Quando entrámos na análise dos pormenores, recordou que. quando criança, linha uma preferência singular por se sentar ao colo da m ãe, m eter-se entre as suas pernas e aproxim ar a cabeça o mais perto possível das suas partes sexuais. N o entanto, o fantasma cunilingue diri­ gido à mãe e fortem ente im pregnado de elementos anais, encontrava-se profundam ente recalcado. Sô a partir dos elem entos enunciados foi possível reconstituí-lo; pareceu nunca ter tido consciência de tal fantasma e nunca ter vivido uma satisfação concreta a não ser nos jogos praticados com a prima. Só mais tarde a sua mem ória captou uma recordação que confirmava substancial­ m ente a nossa suposição, isto é, que a m ãe era o ver­ dadeiro objecto dos seus desejos orais e anais; viu-se m uito pequeno no quarto de dorm ir a observar sua mãe a lavar os seios e o sexo. Os órgãos genitais do paciente desempenhariam 164

algum

papel

nestes

jogos? Esta

resposta praticam ente até ao fim

pergunta

ficou

sem

da análise. Nos fan­

tasmas, vinha à luz a representação de uma fellatio pas­ siva; no entanto, o paciente não se lembrava de nada de

semelhante,

embora

relativam ente

a

outras

a c tiv i­

dades tivesse imagens claras. Antes de elucidarmos a questão da sua actividade genital, vamos esclarecer um pouco o objecto e as motivações da sua fobia infantil. Os elem entos do «fantasma» que foram explicados em primeiro lugar foram os seguintes: 1.

desce de qualquer sítio;

2.

parece que sai de alguém;

3.

passa por cima da cabeça como uma camisa.

Pouco depois, a situação que fizera aparecer a visão esquecida ressurgiu na m em ória do paciente: um primo pequeno extraía do balão o que ele chamava a sua «alma». A recordação voltara instantaneamente à memória do paciente: Este acontecim ento banal provocou a recor­ dação, por duas razões, uma das quais foi logo esclarecida: o «fantasma» era de cor avermelhada, nu, sem cabelos. O desenho que o paciente executou a m eu pedido representava um rapaz no qual o paciente reconheceu instantaneamente o seu irm ão, mais velho dez anos do que ele. Continunando as associações, lembrou-se de que ç irmão uma vez lhe metera m uito medo; não soube dizer em que época. Tudo isto, no entanto, não expli­ cava os três elementos acim a expostos. Só quando o paciente se deu conta de que a nalma» do balão era de borracha vermelha é que compreendeu, im ediata­ m ente, o primeiro elem ento ( «desce de qualquer sítio»): tratava-se 'de um im gador com um tubo de borracha vefmefha. Lembrou-se então d e uma coisa: o fantasma parecia por vezes surgir de um regalo que se encon­ trava n o arm ário do vestíbulo. Isto vinha contradizer a recordação recente, segundo a qual o irrigador se encontrava normalm ente em cima de uma prateleira do quarto de banho. Se tiverm os em conta a recordação das abluções que o paciente vira a m ãe fazer, a idteia do regalot juntam ente com o terceiro elem ento (« p a s ­ sava por cima da cabeça como uma cam isa»), só podia

165

significar que vira sua m ãe administrar lavagens nais, e que isso a levara a tirar a camisa.

vagi­

M ps o que teria o irm ão a ver com isso? E porque razão o clister aparecia sob forma de «fantasma», car­ regado de tanta angústia? F oi para resolver este problema que nos servimo.. do m aterial seguinte, m aterial este que o paciente foi fornecendo aos poucos, ao longo de vários meses. Eis o conteúdo de um sonho que o paciente teve no início desse período. «Estou a rezar de joelhos numa igreja com outras pessoas e tenho a cabeça inclinada para a frente. N o m om ento em que saio, uma grande forma farrtomâtica aparece em frente às portas da igreja e sinto um m edo de m orte». A prim eira associação indica que está a rezar como um muçulmano, compfetam ente inclinado por terra. (IG R E J A ? ) A este respeito, lem ­ brou-se espontaneamente de que, quando era criança, tinha o hábito de dizer Kristier ( como cristão) em vez de Klistier (C lis te r). Quando era pequeno sofria de pri­ são de ventre e era sempre a m ãe que lhe fazia as lavagens (n o sonho, a igreja simboliza a m ãe e o Kristier^. A

posição d e reza rto sonho equivale à atitu de

que

tinha de assumir durante umà lavagem. M esm o sem isto, não faltavam provas que assinalassem as suas disposições anais. Lembrou-se de que o m édico da família lhe tinha um dia perguntado (tin ha ele três anos) na brincadeira: «Então passas a vida sentado no pote?» Durante uma grande p arte da sua infância, tivera de ficar horas sentado no bacio a brincar com constru­ ções. Com o outras crianças brincam aos combóios, cor­ rendo, o paciente brincava aos combóios fazendo escor­ regar o bacio em volta do quarto. M ais tarde, durante a análise, só conseguia ultrapassar a sua . prisão de ventre sentando-se num bacio cheio de água a fer­ ver. A m ãe pusera-lhe supositórios e fizera-lhe lava­ gens até aos sete anos. Depois só suportava os clisteres em caso de prisão de ventre particularm ente forte, mas continuava a falar da defecção com a m ãe, que mostrava m uito interesse pelo assunto. Descobri que, no paciente, como em m uitos casos de prisão de ventre, o sintoma se encontrava sujeito

166

ás

mais diversas

racionalizações.

Bastava

que

tivesse

espontaneamente vontade de ir è retrete para encon­ trar sempre algo de mais im portante a fazer. Foi deste m odo que instituiu essa forma infantil de defecar no bacio. Temos de fazer entrar em linha de conta a sua aversão pelo quarto de banho, enraizada no seu velho medo d a retrete e do aparelho de lavagem. Quando em criança ia ao quarto de banho, as portas tinham de ficar abertas e tinha que estar com as costas em c o n ta d o com a parede. M esm o com todas estas preocupações, uma enorme angústia subsistia de que qualquer «coisa» (o b jecto , espírito, fantasm a) subisse pela retrete acima e — as indicaçõees aqui eram imprecisas — o atacasse. Ora o «fantasma» era do sexo mascutino e, mais tarde, adquiriu os traços do irmão. Qual seria a razão pela qual a relação anal com a mãe, impregnada de prazer, estava misturada com o receio do irmão? O paciente afirmava que admirava e gostava do irmão, adm irava-o especialmente desde a puberdade, e com uma força que era quase a de uma abnegação total. Só podemos comparar as relações que tinha com o irmão com as de uma rapariga loucamente apaixonada. Ficava cheio de aiegría quando o irmão passeava com ele, e infinitam ente triste, até às lágrimas, quando o via pre­ ferir a companhia de pessoas m uito mais velhas. Çensurava-o interiorm ente por gostar pouco dele. Um con­ selho, uma opinião p o r parte do irmão eram para ele qualquer coisa de sacro-santo. Bste irmão, capaz de ver a realidade de form a saudável, afastara-se cedo da casa paterna, onde reinava constantemente uma atmosfera doçntia. Quando o paciente se deu conta de que apesar de todos os seus esforços, o irmão lhe escapava, ficou profundam ente magoado, afastou-se dele e ligou-se a homens que se lhe assemelhavam m uito. Foi sem nenhuma reticência e até com uma boa vontade evidente, que se subm eteu ao papel da pessoa dirigida que admira o seu mestre. M as, durante a análise, foi-se tornando cada vez mais claro que tal ligação e tal amor eram reac­ cionais: alguns dias apenas após o inicio da análise, o paciente teve um pensamento a que, de início, não ligou m uita importância: sentado num café, perdido em

167

sonhos, viu de repente a imagem da participação de uma morte. Depois, fomos compreendendo, de início apenas por meio de alusões, a seguir cada vez com mais pormenores, que censurava a mãe por ter prefe­ rido o irmão. Este últim o* fora efectivam ente o eleito e o paciente sofrera cruelmente com esta rivalidade. «Da boca da minha mãe, nunca se ouvia mais nada que não fosse H., H. e sempre H . y> (n o m e do irm ã o ). O paciente era obrigado a usar os fatos vermelhos do irmão e fazer coro nos elogios que lhe dirigiam, 'em virtudue da sua inteligência, da sua assiduidade e da sua boa educação. M a s em vez de aceitar a luta com o rival, decidira ainda antes de ter atingido a puberdade (aos 10 an o s ), conquistar o am or de sua m ãe, ju n ­ tando a sua voz à dela quando esta punha nas núvens o filho mais velho. Com efeito , tivera muitas vezes a oportunidade de verificar que sua m ãe gostava das pessoas que louvavam o irmão mais velho, enquanto odiava os que diziam m al dele. Foi isto que o fez ju n ­ tar-se às primeiras. M a s a progressiva idolatria exage­ rada pelo irmão provocou o recalcam ento d e todas as suas más intenções em relação a este et antes de mais, do desejo da sua morte. Consequentem ente, amando o irmão, o paciente não só transferia sobre ele o am or pela mãe, com o tal adoração era tam bém uma reacção ao ódio, ditada por um sentim ento de culpabilidade. Eis o que explica que o fantasma tenha podido repre­ sentar o irm ão, confundido com o irrigadort isto é, com o instrum ento que servia ao prazer da mãe. Este era o lado positivo da am bivalência. O segundo elem ento do «fantasma» indica que era «como se saísse d e alguém ». Fora a extracção da alm a do balão que tivera por efeito o desencadear da recordação. Eis com o o paciente im a­ ginava a m orte: a alma, que tinha a mesma forma 'do corpo, escapava-se deste. O fantasma ou •espírito que ■perseguia o paciente era portanto a alnrva d e seu irmão desaparecido, cuja 'morte ele tinha desejado. Quando descobrimos o proveito que o paciente tirava da suo prisão de ventre sob forma de prazer eu to -erótico, assim como a relação que mantinha com a mãe, os estados intestinais melhoraram consideravelmente.

168

Mas a cura completa só se efectuou depois da desco­ berta das outros refações fantasmáticas do paciente. D e facto, o paciente continuava a sofrer de violentos espasmos e cólicas assim como de náuseas e flatulências. A análise da retenção dos gases levou-nos à desco­ berta de um forte prazer anal, assrm como de form a­ ções reaccionais que o paciente dirigia contra certos hábitos de com portam ento de seu pai. O paciente pos­ suía um olfacto m uito desenvolvido. Durante a análise, foi muitas vezes alvo de uma alucinação de odores de uiina, fenómeno que estava intim am ente ligado ao ero­ tismo uretral. As suas flatulências eram uma reacção contra seu pai, que nunca fizera o menor esforço mesmo da presença da família para reter os gases. O paciente percebera m uito cedo que sua mãe condenava estes hábitos de seu pai e assim evoluiu de forma oposta ao exemplo paterno, por amor à sua mãe, tal como ado­ rava o irmão para lhe agradar. O pai era avarento, indis­ creto, abria todas as cartas que chegavam a casa, e, além disso, estava sempre a embirrar com todos; o paciente, pelo contrário, fazia pouco caso do dinheiro e eplicava-se em ser de uma discrição e docilidade m uito especiais. D evido ao facto de seu pai nunca ter tido escrúpulos em tudo o que dizia respeito aos pro­ blemas anais, o paciente foi ao ponto de se proibir qualquer espécie de flatulências fisiológicas. M as esta renúncia efectuada por am or à mãe, só fora conseguida com um grande esforço; efectuara-se ao preço de um enorme recalcam ento e levou aos sintomas orgânicos que não mais deixaram o paciente em paz. Bastou que se desmascarassem estas relações fantasmáticas para que as flatulências e o estado geral do paciente m e ­ lhorassem. É extraordinário verificar que as dores torturantes, que pareciam cólicas e que, a uma dada altura, apare­ ciam todas as noites durante as primeiras horas da madrugada, persistiram. A sua análise não obteve o mesmo êxito; desapareceram no entanto, quando os fantasmas da gravidez acederam ao consciente. Não pudemos, é claro, explicar a especificidade destas dores, mas, para além das particularidades temporais, pusemos

169

em evidência a sua relação com a ideia da espectativa d e uma criança fecal dentro do ventre. Com e feito , as fezes do paciente tinham a forma de «minúsculos caga­ nitas» a que dava o nom e de «B obky» :1 Lembrou-se a este respeito do grande interesse que m aniíesivra em criança, durante uma viagem, pelas cacas de cabra Com parava-as a azeitonas, e as náuseas que acom pa­ nharam a análise deste pormenor confirmaram sem equí­ vocos as suas fortes tendências cuprófagas, que esta­ vam no base dos seus fantasmas e das suas experiências de cunilingue anal. A introdução a esta fase deu-se com um sonho que dizia o seguinte: «Sou ainda criança, brinco num quarto grande; há moedas de ouro dispersas pela sala, eu evacuo caganitas pequenas que desapa­ recem e no seu lugar aparecem minúsculas crianças». Foi difícil„ a p artir da análise do sonho, decidir sem equívocos a que ideia inconsciente atribuir o maior significado: se era o próprio paciente a m atéria excremencial = a criança na sala grande (is to é, dentro da m ã e ), ou se o paciente, ele próprio, dava as crianças à luz. O paciente falava muitas vezes da sua defecação como se fosse «um parto difícil». N em as investigações sobre a sua infância nem as inform ações recolhidas fora da anamnese forneceram elementos que perm itis­ sem afirm ar que tivesse observado mulheres grávidas. Isto é tanto mais digno de atenção quanto é certo que o paciente se lem brou de te r atra ve ssa d o um período da sua vida em que m editara intensamente sobre o problem a da reprodução. Certas observações de animais e das suas crias no campo, tiveram , neste período, uma grande im portância. D urante um certo tem po — por volta dos três anos — fora acom etido Je uma enorme neces­ sidade de fazer perguntas. Lembrou-se nitidam ente da desilusão que sentira perante a resposta que lhe tinham dado quando perguntara o que queria dizer a palavra Hebe mm o (p a rte ira ). Responderam-lhe que era uma vendedeira de legumes, mas o paciente julgou estar um pouco m ais bem informado: era o ventre onde se encon-

11 A aproxim ar d a palavra alemS Bub («miúdo»)

170

do T J

trava o bébé que se abria; a Am m e (a m a ) dava então o peito à criança que se agarrava a ele e mamava, o peito à criança que se agarrava a ele e mamava, A tendência oral fazia assim parte da sua teoria d o nascimento, e continuava a ter, como vamos ver, um papel im portante na sua teoria da concepção. N a época em que as cólicas nocturnas eram mais agudas, o encontrava pela boca. de cabeça

paciente tinha sonhos na base dos quais se a seguinte tendência: o m édico fecundava-o Durante o dia, era alvo de violentas doreá e náuseas. Eis um dos sonhos: «O nosso

canalizador está a reparar as canalizações, estou ao pé dele, e ele puxa de repente o autoclismo; o liquido espalha-se; parece-se com um nevoeiro ténue (fic o m o ­ lhado) e tem um gosto salgado». As associações que lhe acudiram em relação à primeira parte do sonho m os­ tram im ediatam ente que o canalizador representa o ana­ lista, que se supõe estar a reparar as canalizações, isto é, o m em bro do paciente. A segunda parte contém uma resistência afectiva à cura da im potência alimenta um desejo privilegiado: o analista fecunda-o ( associação) com urina na boca (gosto saíg a d o ). A q u i encontra-se

e

igualmente a explicação das suas alucinações olfactivas: o paciente lem brou-se de ter sentido prazer com o cheiro da urina que vinha das partes sexuais da prima, durante os jogos que com ela praticava. N ão foi possível saber se, para além disto, a prima tinha efectivam ente urinado. Por conseguinte as alucinações olfactivas que se produziam durante as sessões não eram apenas re ­ cordações destes jogos: eram tam bém representações de desejos associados com o aparelho urinário do analista. As canalizações do sonho continham igualmente um elem ento determ inante vindo da infância: o paciente interessara-se pelos tubos do quarto d e banho e espe­ cialmente pelo da retrete, até surgir o m edo do irrigador e da retrete. O sentido deste interesse só ficou daro. com a análise do seguinte sonho: «Uma águia leva uma mulher pelo ar, depois deixa-a cair sobre m/m». A águia, é o pai, a mulher a m ãe, o levar pelo ar representa o coito entre os pais. Durante as tentativas de coito que o paciente fizera durante a análise, fora obrigado a lutar

17!

particularmente contra o desejo que sentia de se colocar debaixo da mulher e de levar a boca aos seus órgãos genitais. A ideia de quer depois do coito com o pai, a

sua m ãe

pudesse

cair

sobre

ele

está

em

perfeito

acordo com a relação anal com a mãe, como vimos a tra ­ vés do irrigador. Num sonho que tivera alguns dias antes, via-se a ele próprio, durante relações sexuais com uma prostituta, deitado debaixo da mulher, que possuía um m em bro masculino; era a m ãe praticando o coito sobre ele com o pénis do pai. Eis a relação com o pai, que se exercia por trás da relação passivo-anaí com a mãe. Estamos agora em condições de compreender que a fobia infantil era expressão do fracasso do recalca­ mento das suas tendências homossexuais anais-passivas. Consequentem ente, o irm ão m ais velho não tinha sido apenas o representante da m ãe munida d o irrigador; representara tam bém o pai. Todo este processo fora elaborado de um m odo totalm ente anal, E sabemos agora a quem se dirigiam profundam ente os votos de morte, que aparecem na fobia. Quando estávamos a analisar este encadeado, a seguinte frase escapou da boca do paciente: «Só serei potente quando o meu pai m orrer». F oi por outra razão ainda, que o irmão passou a ser, decisivamente, o representante do pai. Descobrimos até aqui que, por assim dizer, todas as aspirações sexuais do paciente eram do tipo passivo-anat, baseadas num erotismo da boca e da urina, e regiam desta forma a sua vida, desde a mais tenra infância. Agora, há que perguntar qual o destino das suas tendências genitais, Um ano e m eio de análise não nos deu o m enor escla­ recim ento a este respeito. Tivem os que aguardar que um encadeam ento de associações nos conduzisse, por fim, a uma am eaça de castração vivida pelo paciente. Foi um sonho, m uito em particular, que nos perm itiu reconstruir um a cena capital: «Toco piano num quarto escuro; ao lado o Dr. S. ( um homem público austríaco em posição de destaque) faz um discurso e olha-m e com um ar irritado, através dos óculos». Peto perfil, o Dr. S. lem bra-lhe o irmão, que tam bém usava óculos. O «destaque» no sonho coincide

172

tam bém com a recordação de o irmão ter o costume de andar de andas no campo; além disso, voltou a obscura reminiscência d e um andar da sua casa, mergulhado nas trevas, onde sentira angústia. N a véspera deste sonho, o irmão do paciente viera informar-se sobre o estado do tratam ento, o que levara o paciente a perguntar-se durante um instante se eu não iria contar ao irmão algum conteúdo da análise. Há que acrescentar que. no início da análise, m e pedira para não dizer nada ao irmão do que dissesse respeito à masturbação. Acres­ centemos ainda que, no sonho o paciente toca piano, o que é um símbolo típico de onanismo; juntemos r. isto o discurso (d e reprovação) e o olhar irritado, e n reconstrução não encontra qualquer objecção mais: o nosso paciente fora um dia surpreendido, num local escuro ( vesti bufo/fantasm a) a fazer manipulações geni­ tais e recebera como castigo um sermão. Isto dera-se m uito cedo, aos dois anos de idade mais ou menos, porque a recordação do fantasma vinha dos seus três anos e a cena só podia te r precedido a fobia. O receio do fantasma, com os traços do irmão, que se desenvol­ veu mais tarde, tinha a sua origem, portanto, nesta cena primordial, onde se vê o irmão dar o sinal da angústia de castração. é neste contexto que surgiu ainda, obscuramente a recordação da prima a puxar-lhe violentam ente pelos testículos num dos jogos. A dor característica que per­ sistia na região testicular, existia por assim dizer, como aviso. Era tam bém a isto que estavam associadas as queixas estereotipadas do paciente no tocante ao tamanho reduzido, não do pénis, mas dos testículos, assim com ao medo de se despir totalm ente diante de uma mulher». A análise conseguiu trazer a lume, até aos mais ínfimos pormenores as actividades e os fantasmas sexuais da primeira infância deste paciente; mas, com excepção de uma única reminiscência, foi impossível desenterrar o menor elem ento relacionado com qualquer papel espe­ cial do erotismo fálico ou susceptível de indicar que este último pudesse estar ao serviço de investimentos objectais. 0 erotismo ligado à urina ocupava o segundo

173

plano

relativam ente

ao

erotismo

anal,

mas

manifesta-

va-ss nitidamente na ejaculação precoce e nas alucina­ ções olfactivas. Acrescentaremos que o paciente gostava de ficar muito tem po no quarto de banho a brincar com a água quando era criança. Mas aíé esta disposição orientada para uma atitude genital fora moldada pela analidade e a oralidade. O interesse dirigido para as canalizações encontrava-se ao serviço não só das ten­ dências anais, mas tam bém das tendências uretra is Pusemos em

evidência a

forma

pela

qual

o

fan­

tasma do paciente era o de ser ele próprio objecto de relações uretrais (salpicos de urina = fecundação pelo analista; a tendência para levar à boca os órgãos genitais da mulher) e como os fantasmas de sucção Hie serviam de veículo: As reminiscências que vieram à superfície durante a análise conferiram im portante lugar à impres­ são com que o paciente extraíra da imagem de mugir vacas. A semeihança entre a urina e o pénis conduziu em primeiro lugar ao fantasma de chupar os órgãos genitais e o seio da mulher; em segundo lugar, a pôr no mesmo plano o seu próprio pénis e o seio (ou a te ta ), assim como a urina ou o sêmen e o leite. Ao primeiro contacto com um corpo feminino o seu esperma escorria. Era coerente com o seu carácter feminino o facto de o pénis, tendo a função de seio, se colocar ao serviço da feminilidade. O onanismo não consistia em fricção mas sim em pressão do membro mole contra um objecto: sinal caraoterístico para mim (e pude fazer observações semelhantes noutros casos) do facto de o pénis repre­ sentar o peito (d esejad o ); tudo se passa como se o paciente indicasse ao objecto em questão o que ele próprio deseja. Tentem os agora reconstituir a evolução seguida pela neurose no caso do nosso paciente. As fortes disposi­ ções anais da família exerceram um efeito caracterial sobre todos os seus membros. As tendências anais da mãe reforçaram as disposições do paoiente para a prisão de ventre. A renúncia necessária à analidade não se fez, de form a que, por um lado, esta subsistiu enquanto auto-erotism o anal e, por outro lado, apareceu em relação especificamente anal com a mãe. Esta relação foi recal-

174

cada e foi o sintoma da prisão de ventre crónica que correspondeu à sua representação e à sua satisfação neuróiicas. À analidade, que se tinha fixado ao mvel primário, vieram juntar-se o erotismo oral e o erotismo uretrai. O primeiro manteve a fixação ao seio materno: foi este que, quando recalcado, produziu as náuseas, combinando-se com as tendências anais e uretrais e conseguiu manifestar-se através de fantasmas ona ms tas especificamente orais (m am ar no seio, beijar os órgãos genitais, comer os excrem entos). 0 erotismo uretra! subsistiu sob a forma de ejaculação precoce, de perdas de urina o dé sémen. No plano caracterial, foram estas forças instintuais iníaiuis quo, opondo-se à orientação fálica masculina, condiconaram o innmtilismo e o fem i­ nismo. A esta fixação prim;'..io ve:o depois juntar-se um outro

obstáculo

ao

desenvolvimento:

as admoestações

do irmão e as dores seni.idn3 nos testículos repiimiram o erotismo genital antes que: este pudesse desenvolver-se completam ente. Assim foi bloqueada a via para uma real identificação fálica óorn o pat, deixando o campo livre para o desenvolvimento da relação infantil e da identificação com a mãe. O paciente servia-se do seu membro como de um seio e alimentava uma relação anal passivo-feminina com homens imagens do pai e do irm ão).

superiores

(através

de

No entam o, para além desta identificação com a mãe, no interior do^ego, apareceu uma identificação com o pai a partir da qual duas tendências surgiram. Por um Lèdo, as proibições devidas à severidade do pai (e do irmão: proibição da masturbação) tinham-se agravado no ego e tinham efectuado a maior parte do trabalho de recalcamento. Por outro a Ido, o seu carácter desen­ volve-se em aposição ao do pai: foi o que nós designa­ mos noutro trabalho por formação reaccionaj do super-ego. Como estabelecemos mais acima, isto fez-se por amor à mãe, a favor de quem o paciente sempre tomara partido: não queria «parecer-se com o pai, mas sim ser exactam ente o seu co-ntrário». A concretização destas tendências foi tanto mais fácil quanto mais elas corres­ pondiam totalmente ao seu iryfantilismo e ao seu fem i­ nismo. A coisa era diferente, no que respeitava às identi­ 175

ficações positivas com o pai. Não só venerara o irmão e os amigos, que lhe eram superiores, como queria tam bém ser igual a eles. Os desejos que o seu ides: do ego (na medida em que as suas aspirações eram orientadas para o positivo) ia buscar a esta fonte, estnvam condenados a nunca se concretizarem e davam lugar a sentimentos de inferioridade. Com efeito, para realizar a parte positiva e masculina do seu ideal do ego, teria que ter possuído uma libido genilal vigorosa: ora esta. como nós vimos, não se tinha desenvolvido. Em conse quência, as identificações positivas com o pai só ocor­ reram no super-ego Não está em nosso poder determinar a razão pela qual, no caso do nosso paciente, a puberdade teve um desenvolvimento tão linear, nem se a estrutura partt cular da sua Irbido não teve um efeito inibidor no seu aparelho genital. O que é facto é que os fenómenos da pirberdade, que aparecem geralm ente entre os doze e os catorze anos de vida, só se manifestaram no paciente a partir dos vinte e dois anos. Foi por volta desta época que começou a masturbar-se, mas com fantasmas prá-genitais, fortes sentimentos de culpabilidade e medos que o levaram a coibir-se. Vemos na espcrmoíorrcia c na enurese consequências da excitação somática que não foi liquidada. Estas manifestavam a seguinte situa­ ção: nos fantasmas, o pénis estava ao serviço da iden­ tificação com a mãe (o pénis como seio) e mecanis­ mos pré-genitais, de tal forma que as excitações tinham de ser eliminadas sem orgasmo. Quando a excitação sexual somática e as reivin d i­ cações masculinas do ideal do ego o levaram a procurar uma mulher, a fixação pré-genital tornou-se imediato m ente obstáculo: o paciente pôs os ceus órgãos geni tais em contacto com o mulher, deixou escorrer o esperma e virou-lhe as costas, dominado pela m o tiva­ ção inconsciente de que estava a receber uma «lava­ gem ». Tudo aconteceu como se à genitalidade tivesse

11 C f. a este respeito a exposição que dei sobre « js cações frustradas» em D er triehhtijte Charackter. op. cil

176

ulcnt:! -

sido recusado o zcesso ao aparelho sexual, habituado às excitações pré-genitais. A análise começou então por liquidar a prisão de ventre. Esta desapareceu na medida em que se pode fazer aceder ao

consciente

os seus

elementos

d eter­

minantes. As dores de cabeça desapareceram ao mesmo tem po que a prisão de ventre, sem que a análise tivesse conseguido elucidar as suas determinações. A opressão que o paciente sentia no peito era um sintoma de medo (m edo do fantasm a) e desapareceu durante a análise, mas foi impossível descobrir a sua determ inação espe­ cífica. Da mesma forma, o sémen e a urina desapare­ ceram, as poluições em contacto com a mulher pararam. Ao décimo quarto mês de análise, depois da descoberta das cenas de castração, o paciente conseguiu por duas vezes efectuar um corto. N o entanto, a tendência genital psíquica continuava fraca; não manifestava qualquer de­ sejo de coito. A análise foi limitada pela estrutura psí­ quica do paciente. O que não é desenvolvido durante a infância não pode ser recriado durante uma análise. Uma coisa é certa: esta tem de contar sempre com as ener­ gias instintuais existentes; tem a possibilidade de reor­ ganizar estas energias, mas nada lhes pode acrescentai. Umn atitude mais objectiva em relação à m ãe, uma certa indiferença em relação ao pai e ao irmão deram provas de que as liquidações analíticas foram, no entanto, atingidas, e quef portanto, eram possíveis. No restante da sua personalidade, o paciente sentiu-se mais livre. O sucess~ obtido, na verdade, não conseguiu compensar a deficiência genital, apesar de o ter ajudado a supor­ tá-lo com mais facilidade. N ão devemos excluir que uma continuação da análise pudesse conseguir mais; no entanto, tendo em conta a estrutura da libido do paciente, isso seria pouco provável». A astenia psico-genita! que o nosso paciente mani­ festava era a causa da astenia do aparelho genital; esías duas fraquezas exprimiam-se na gravidade do seu caso de ejaculação precoce. A estrutura libidinal desta per­ turbação da potência é característica das formas graves da neurastenia crónica.

177

t>)

A astenia genital. Duas formas de ejaculação precoce

Coube a Abraham o mérito da descoberta da natu­ reza da ejaculação precoce A princípio, este termo significava

apenas um facto

muiío simples: uma emis­

são prematura de esperma, que se encontra em certos tipos de neurose. Mas Abrabam demonstrou que, no que diz respeito ao medo de emissão do esperma, a ejaculação precoce é uma micção. Estes doentes habi­ tuaram-se ao prazer passivo de deixar escorrer e, para eles, ejacular é a bem dizer urinar. Abraham aponta em seguida os pontos característicos seguintes: 1) A iíbido destes doentes não tem uma activi­ dade masculina vigorosa. 2) A directiva. 3) A excitável. 4) 0

zona

genital não

superfície

da

se

glande

sexo é muitas vezes

transformou é

em

zona

insuficientemente

hiperexoitável, o que

pode ser sinal da sua impotência. As funções genitais propriamente masculinas {erecção, introdução, fricção) são por isso mais fracas. 5) Existe ume erogeneidade especial do perinso e da parte posterior do escroto. 6) As sensações do prazer estão localizadas na base da uretra. Do ponto de vista caracterial, estes doentes ou são moles, sem energia, passivos e d o u c o viris, ou então andam sempre apressados e sob tensão. Pode acontecer que, em consequência de uma resis­ tência a certas tarefas especificamente masculinas, se venha a revelar direotam ente o desejo de assumir o papel sexual da m uIher. É evidente que em muitos pacientes existe a vontade de coito e a capacidade erectiva, mas a erecção desaparece a seguir à introdução ou im ediatamente antes dela. No que respeita à génese desta afecção, Abranam assinala que estes doentes não atingiram a disposição de homens normais em relação à mulfver, e ficaram no

n «U eber ejaoulatio praecox». K linische Beiträge zur l ’ yvrhciinalyse. International* Psychoanaytische BiNiotek N r. X, 1921.

178

estádio narcísico. A isto vem acrescentar-se um reforço constitucional do erotismo uretral que leva a uma sobrestimação do pénis como via urinária. «E quando 33 exigências da função sexual propriamente dita atingem este orgão, este então evita-as». No que diz respeito ao prognóstico, «os casos menos favoráveis» são, segundo Abraham, «os casos em que a ejaculação precoce se manifesta desde a pube-rdade e continua ulteriormente durante vários anos consecutivos. Trata-se, então, d e casos de uma predo­ minância extraordinariamente sobre o erotismo genital».

forte

do

erotismo

uretral

A nossa investigação vèm com pletar neste ponto os resultados de Abraham, na medida em que temos a intenção ejaculação como pelo 0 que

de distinguir duas foim as fundamentais da precoce, diferentes tanto pela sua génese seu prognóstico. nos levou 3 distinguir entre estas duas for­

mas são as seguintes diferenças clínicas: 1) A ejaculação precoce ou existe desde sempre ou só aparece depois de um período de relativa p otên ­ cia sexual 2) A emissão de esperma faz-se ou antes ou só após a penetração do membro. 3) A emissão prematura de esperma dá-se conti­ nuamente ou só por acessos. 4 ) O membro apresenta a sensibilidade máxima na glande ou na uretra. 5) 0 membro pode estar rígido ou flácido. 6) Nos fantasmas sexuais, conscientes ou incons­ cientes, podem acontecer duas coisas: a) a ideia da penetração do membro na vagina predomina, com ou sem sensação de prazer, ou então to) é substituída por fantasmas pré-genitais (aconchegar-se contra a mulher, beijar os seios, estar amarrado, e tc .). Estas características podem agrupar-se mais ou m e­ nos claram ente em duas categorias. A ejaculação ante portas (antes da penetração) é geralmente acompanhada por uma poluição uretral de esperma, por uma m aior ou menor fia cid ez do membro e p or f a nt a sm a s p ré •genitais, ao passo que a ejaculação que se dá imediata­

179

mente depois d3 introdução vem associada a uma erec ção, por vezes até a uma ejaculação ritmada de sémen e, invariavelmente, a fantasmas activos de coito. E x is ­ tem por vezes excepções a esta regra, principalmente a ejaculação ante portas com o membro rígido. A expe riência confirma sistematicamente que a primeira forma é de longe a mais grave e é em geral crónica, enquanto que a segunda forma aparece geralmente depois de um período de relativa potência e é absolutamente curável por meio de psicanálise. A distinção entre estas duas categorias é conse­ quência de uma diferença rra irrfraestrutura libidinat. Tanto a forma grave como a forma benigna são doenças de fixação, a primeira no estádio anal (-u retral) e a segunda no estádio (u retra!-) genital. Em ambos os casos, entre outras coisas, o sintoma tem o significado da micção, mas na sua forma grave, o erotismo uretral está associado à libido genital. A

libido genital

manifesta-se claramente

nos factos seguintes: 1) Capacidade d e erecção. 2) A glande é bem mais excitável do que a uretra ou a raiz do pénis. 3)

Fantasmas d e corto.

4) Caracterialmente, os homens que sofrem da forma benigna de ejaculação precoce são masculinos, activos e agressivos; são m uitas vezes homossexuais activos declarados. A doença só apareceu depois de um período de relativa potência sexual. A ausência das com ponentes genitais na ejaculação precoce ou ainda a 'predominância da estrutura anal rraduz-se pelas características seguintes: 1) Os doentes nunca foram potentes 2) Os fantasmas do coito heterossexual são to ta l­ mente inexistentes ou cedem o lugar a fantasmas pre-genitais. (N ão nos devemos evidentem ente deixar desorien­ tar pelos desejos expressos por um paciente que declara ter vindo tratar-se para poder atingir o coito: Tudo depende dos seus fantasmas inconscientes). 3) A excitabilidade da glande é fraca ou nula (in ­ sensibilidade 'parcial ou total do péns). O centro das 180

sensações voluptuosas é a uretra; as sensações esten­ dem-se quase sempre até à zona do períneo. 4) É quase impossível faiar de erecção, ou por­ que não existe ou porque o membro fica todo encoHiido. 5) De um ponio de vista caracterial, os doentes são

passivo-femininos.

A

análise

revela

paralelamente

um sadismo recalcado, um considerável masoquismo moral e erógeno. Além disso existem quase sempre sintomas de neurastenia como prisão de ventre crónica, dores de cabeça, tendência para o cansaço, espeimatOTreia e lassidão hipocondríaca. Estas duas formas distinguem-se também peia form j como surgem; a mais grave aparece na maioria dos casos em razão de uma fixação primária ao estádio p r2-genital; a menos grave resulta de uma regressão ao desejo incestuoso genital. Na ejaculação precoce do estádio genital, a ligação genital à m ãe foi afectada pela angústia d e castração. Mas a existência forte estrutura fálica m anteve a e impediu uma regressão mais anteriores. €m muitos casos, a inspirada pela mãe, consiste no

de

uma

identificação com o pai profunda para estádios angústia de castração, receio de uma «coisa»

perigosa (0 pénis do p a i) localizada dentro da vagina, ou então na ideia mibidora d e que a vagina possuiria dentes, para m order o membro. 0 prazer de urinar foi posto ao serviço das nistas, mas é tam bém

tendências genitais e exi b id o a causa da saída do esperma.

Neste caso, portanto, a ejaculação precoce manifesta, segundo a expressão de um paciente, o medo u-se

fortem ente

de

forma

acessória

à

genital idade, segundo modalidades individuais, e encon­ tra satisfação no prazer inicial e fin a l— juntam ente com esta última — e é isso que o distingue da normal. Se, ou p or recalcam ento ou até simples defesa, tais aspirações pré-genitais das da satisfação pré-genital, esta, por sua

genitalidacie mesmo po; são exclu í­ vez, sofrerá

mais ou menos com isto, conform e a intensidade da excitação ou da defesa encontradas. Qual será a origem desta rejeição? é inverosímil que as aspirações pré-genitais e outras, que não pertencem à genitalidade, possam participa' na satisfação sexual geral sem alteração, isto é, sem serem influenciadas peta tendência genital. Isto torna-se claro se pensarmos nos objectivos destas pulsões, que têm de ser modificadas de uma maneira ou de cut;-3 durante o acto sexual, caso contrário, perturbam o ego. Um 'beijo, como introdução ao acto sexual, satisfaz evidentem ente a libido oral: o seu objectivo primitivo

196

era a sucção.

No

beijo,

este

objectivo

é elevado oo

estado genital da satisfação. A transformação da sucção em beijo pode, sem hesitação, ser imputada à influênc a do erotismo genital sobre o oral. 0 b8ijo com a é ainda mais sugestivo. É evidentem ente necessário uma influência inversa quando por exem plo, nos minares, a boca entra em contacto com as partas

língua supor preli­ geni­

tais do companheiro. Entre isio e a fellatio ou o cunilingue como perversão exclusiva, existem todos os intermediários e a impotência aumenta à medida q u j os objectivos pré-genitais predominam cada vez mais. A analidade é elevada ao estádio genital como tendência ao coito a tergo ou como erotismo olfativo. Da mesma forma, o sadismo do homem e o maso­ quismo da mufher passam a ser respectivamente activi­ dade masculina e 'passividade feminina. 0 erotismo uretral parece poder encontrar uma satisfação completa na ejaculação, devido às suas relações genéticas com a genitaHdade, com o o fez notar Ferervczi. A ejaculação ante-portas com o am olecim ento do pénis representa o limite patológico em que o erotismo uretral se apoderou totalm ente do cam po genital. Portanto, a «subordinação dos objectivos pré-geni­ tais ao primado da genital idade» condiciona também, na fase fálica, uma m odificação qualitativa das pulsões parciais. Deve-se atribuir esta modificação ao carácter fálico da libido e às influências do super-ego om formação. Mas qualquer puteão pré-genital pode muito bem permanecer excluída da genitalização, devido j uma fixação parcial ou a um recalcamento isolado. Pode tam bém , durante o desenvolvimento das activi­ dades sexuais, na puberdade ou mais tarde, ficar d im i­ nuída e não ser admitida a participar na satisfação geni­ tal. Um tal afastamento ou recalcamento parcial encobrs um duplo perigo. Por um lado, uma m enor ou maior quantidade de libido é excluída da satisfação, forma estase e o contra-investim ento que se lhe segue só pode perturbar a harmonia da experiência sexual. Por 10 Carícias executadas com a boca sobre as partes genitais do companheiro (N. do T. Francês).

197

outro

lado, o impulso recalcado exerce

irm efeito

de

atracção sobre as outras tendências e acaba por se transformar no refúgio dos desejos reprimidos. Assim se constitui o germ e de uma eventual neurose. Por exemplo, os caracteres obsessivos capares de erecção fazem um rigoroso tabu de todas as posições de coito, que não sejam a «normal». M ostram os igualmente, com exem plos, até que ponto um erotism o anal que se gene­ raliza pode perturbar o orgasmo feminino. Por si só, a reivindicação pulsional recalcada não poderia criar a neurose, se não viesse juntar-se-the o enfraquecimento da satisfação sexual e a consequência que daí resulta: a estase da libido. Deste ponto de vista, os tabus que marcam qualquer manipulação mais ou menos ligada a actividade onanista, apresentam um perigo m uito espe­ cial. Notemos especialmente o tabu dos contactos recí­ procos das p anes genitais. Em tais casos, é uma parle im portante da genital idade propriamente dita que exchjída da satisfação. Os efeitos desta exclusão

fic j nã:>

se limitam à satisfação mas suscitam m uito facilmente uma insensibilidade vaginal na mulher e provocam no homem uma apatia considerável no acto sexual, até mesm o um enfraquecim ento da potência erectiva. Depois de termos tentado esclarecer um pouco o desenvolvimento dos objectivos pulsionais e as suas interrelações, voitem os do dbjecto.

agora

ao

problema

da escolha

Para o rapaz, a escolha de um objecto heteros­ sexual não entra em contradição com os objectivos pulsionais das diferentes etapas da 'libido. Os objectivos da libido oral, sádica, uretra I ou fálica adaptam-se (para uma futura estrutura sexual individualmente e biologica­ m ente apropriadas) ao objecto mais próxim o da criança, desde o seu nascimento: a mãe. Quanto à mudança nas relações com esse objecto, já nos ocupámos deste problema mais acima quando fizem os a síntese das condições notórias do desenvolvimento da libido e da problem ática respeitante à «gênese da genital idade». Passemos agora ao problema da escolha do objecto, na rapariga.

198

Sobre este assunto, existem dois pontos de vista parcialmente antagonistas na literatura psicanalitica. Por um lado, Freud e H. Deutsh defendem que, durante a puberdade e períodos anteriores a feminilidade se desen­ volve por reacção à disposição amorosa da rapariguinhíi em relação ao pai. Em consequência, a rapariga seguiria em primeiro lugar uma linha de actividade e d# v irili­ dade antes de se converter a critérios femininos. N-i base destas análises, Karen H o rn e y 11 foi a primeira i defender um ponto de vista diferente. Segundo esta autora, a frustração do desejo de ter um filho desem ­ penharia um papel determ inante fia génese do complexo de castração feminino, da vontade de possuir um pénis e d e ser rapaz. Quanto às atitudes masculinas na mulher, deveríamos considerá-las como formações re3ccionais e com o consequências de falsas identificações. Nos meus trabalhos sobre as identificações frustradas 11 em carac­ teres recalcados, fui levado a adoptar este último ponto de vista. Freud, no seu último trabalho (loc. c it.), aliás, não apresenta a escolha feminina do objecto como sendo certa e geral. Pelo contrário, ao estudar os tra­ balhos de H. Deutsch, ficamos convencidos que, ao que parece, ela considera a vontade de possuir um pénis como m otor prim itivo de todas as atitudes fu n ­ damentais da m ulher (o fi-lho substitui o pénis e, durante o coito, o prazer sexual feminino resulta de uma iden­ tificação com o hom em ). 0 que é que se desenvolve em primeiro lugar: o desejo de te r um filho e a passi­ vidade fem inina ou o desejo de possuir um pénis e a actividade viril? € evidente que é impossível dar uma resposta universalmente válida a tal pergunta. No entanto, se estabelecermos a distinção entre objectivo e objecto do instinto tam bém no tocante ao desenvolvimento se­ xual fem inino, é possível suprimir muitas contradições aparentes que obscurecem o problema. 0 facto de na infância não existir uma organização

11 « Z u t Genese des weiblichen Kastrationscomplex» (Génese do complexo da castração fem inina), Internationale Zeitschrift für Psy­ choanalyse, vol. X , 1924. 11 Cf. Der triebhafte Charackter, op. cit.

199

vagina! capaz de ss transformar na base da feminilidade afirmada, é um facto quo milita em favor da hipótese do Freud e H. Deutsch. 0 onanismo clitoridiano da idade edipiana e da puberdade fazem parte dos dados típicos e o desejo d e possuir um pénis está sistematicamente presente, embora nem sempre desempenhe um papel patogênico primário. Encontrámo-lo, por exemplo, até em caracteres dos mais femininos e maternais, facto que Horney nota igualmente. «Desejo de possuir um pénis» e «desejo de ser hom em » não são portanto idênticos: podamos encontrar o primeiro sem o segundo, mas não o contrário, O complexo de virilidade da mulher é a manifestação caracteria! do desejo de possuir o pénis e não pode existir se não tiver havido uma id e n tifi­ cação com o homem (o pai) no ego. É o que acontece com muita frequência nas neuroses obsessivas das m u­ lheres. Nas histéricas, em contrapartida, o desejo de possuir um pênis não exerceu uma influência essencial sobre a atitu de feminina e maternal e só se manifesta através de certos sintomas muito isolados. A análise do desenvolvimento do amor objectai hete­ rossexual em diversos tipos de mulheres frígidas mostra que este depende m uito menos do erotismo clitoridiano e do desejo de possuir um pénis do que das condições exteriores, de que dependem as identificações. Para muitas mulheres que repelem os homens e a heterossexualidade, manifestando ao mesmo tem po um com portam ento nitidam ente masculino, uma identifica­ ção precoce e total com o pai foi provocada pela ati­ tude deste último Este tipo de mulher recebeu muito pouco amor e compreensão por parte do pai, que na maioria dos casos era severo, ausente, frio, ou até por vezes bruta!. Nos seus fantasmas sádicos, este tipo de mulher representa-se a si própria como detentora destas características; o que está estranhamente em contradi­ ção com o desprezo que têm pela «brutalidade dos homens», e exclusivamente dos homens. Quando a aná­ lise cria neste tipo de mulher uma transferência positiva

13 C f.; Capítulo IV, d.

200

fone, os desejos de maternidade e a tendência a ofe­ recer-se ao médico (o pai) começam a sair das cam a­ das profundas do inconsciente, correspondentes a uma etapa precedente do desenvolvimento da libido. A aná­ lise de tais casos pode remontar até à idade que a memória consegue alcançar. Mostramos que a cena pri­ mordial foi vivida em plena identificação com a mãe. e depois, a uma dada altura, começou uma identificação com o pai que iria dom inar e eliminar da formação do carácter a identificação com a mãe. A cena primordial desempenha um papel importante no estabelecimento da identificação com o pai. Com efeito, o comportamento do pai durante o dia enquadra-se com pletam ente com essa «cena de pancadaria» que a menina observara à noite, de forma que a criança tinha sido muito naturalmente levada a pensar que a mãe havia sido espancada, ferida, cas­ trada. Afastando-se do pai, o que provoca o fim da identificação com a m ãe e a introjecção do pai que não lhe liga, a menina efectua assim a sua estrutura edipiana Só o medo da castração pode ter motivado esse afas­ tamento do pai, porque, durante a cena primitiva, ?. menina identificava-se com a mãe. As reacções te rjpêuticas positivas destas pacientes também o mostram. Com ©feito, quando a identificação materna desperta por influência da transferência positiva, aparecem sonhos e fantasmas com tom masoquista. Defendem-se contra tais sonhos e fantasmas exagerando imediatamente ainda mais a sua masculinidade e o seu ódio pelos homens. A motivação profunda de uma tal defesa reside num medo manifesto da genitalidade. Essas mulheres que até então toleravam ainda o acto conjugal começam a deixar de suportá-lo, ou a tem er (com ou sem angús­ tia) consequências vagamente nefastas. Compreendemos sem dificuldade que existe aqui um medo de perder o pénis. Porque, depois da instauração da identificação com o pai, o desejo de possuir um pénis transformou-se em fantasma inconsciente de possuir realmente um pénis. (Um a paciente que tinha precisamente este fantasma urinava sempre de pé por cima do buraco da retrete). M as quando se crê possuir uma coisa teme-se também perdê-la Em contrapartida é mais difícil de compreender

201

a angústia da castidção antes da identificação com o pai, pois nessa altura só existia o desejo de pòssuir um pénis, facto que certamente exciui a angústia de cas­ tração no seu sentido restrito, mas não o medo de a ficar ainda mais ferida nos órgãos genitais, já de si mutilados. Porque qualquer coisa ficou: o clitóric,

que

muitas meninas pensam que vai desenvolver-se e que pode sempre dar prazer. Nüo obstante, estaríamos mais conformes com os factos psicológicos no que diz res­ peito à mulher se falássemos de «angústia genital» em vez de «angústia de castração». A

identificação

com

o pai, que

gera

no carácter

o complexo de virilidade, provém portanto da frustra ção amorosa que a menina sentiu em relação ao pai. Daqui não resulta (ou pelo menos não im ediatam ente) um desejo de possuir um pénis, o qual existia já an te­ riormente por si próprio, independentemente da identi­ ficação com a mãe. O desejo de possuir um pénis e a identificação com a mãe só entram em conflito, quando esta última esbarra com a frustração exterior. A identi­ ficação com o pai, consequência de condições puramente exteriores, vem depois — mas só depois — acrescentar ao desejo de possuir um pénis toda essa força que veremos ulteriorm ente em acção no carácter e nos sintomas. Comparando estas pacientes com outras, veremos que o desejo de possuir um pénis nem sempre leva à masculinidade. Muitas pacientes nunca desenvolveram um caráoter viril e sempre apresentaram qualidades fem i­ ninas e por vezes, até apesar da sua histeria, qualidades maternais, que se apoiam numa identificação com a mãe no seio do ego. 0 «im-pulso de actividade» descrito por H. Deutsch (loc. cit.) foi na puberdade apenas uma mani­ festação passageira14 e não conseguiu transformar de maneira notável as grandes linhas da personalidade. A análise da evolução das relações objectais mostra.

M O impulso de actividade niío pode sequer ser contido como percursor típico da passividade feminina. Tive de (ratar uma depressão crónica nunia paciente de carácter masculino que apresentava o processo oposto. Â época das primeiras menstruações, fa n ta sm a

202

também

nestes casos, todo o alcance que pode ter o

com portam ento concreto e o carácter do pai no que respeita ao pleno desenvolvimento da feminilidade. O pai, sem ser feminino nem estar submetido à mãe, deu à sua filha muito amor não realizado. Em consequência, à frustração interna não veio juntar-se uma frustração externa tão forte corno no tipo precedente, c a razão para uma identificação total com o pai desapareceu portanto igualmente. A identificação com a mãe poderá tam bém ter subsistido com base na satisfação do amcr objectai, pelo menos no aspecto da ternura. O que faltou para a sua estabilização com pleta foi essencialmente o erotismo vaginal, que não pode instalar-se devido a certos conflitos neuróticos. Mas enquanto que no tipo precedente a sensualidade heterossexual esbarra contra a angústia genital, neste caso é o medo do incesto e o sentim ento de culpabilidade em relação à mãe que de­ sempenham o principal papel. Evidentemente, no caso da histeria grave, um medo intenso do coito genital) vem somar-se a isto.

(angústia

No entanto, o onanismo clitoridiano e o desejo de possuir um pénis fazem também parte dos dados clás­ sicos destes casos. Em que consiste portanto a dife­ rença entre os dois tipos? Ora bem, a comparação permite-nos afirmar que no tipo obsessivo-masculino, a masturbação do clitóris é acompanhada por fa n ta s ­ mas sádicos e homossexuais-activos, enquanto que no tipo histérico feminino existe paralelam ente a represen­ tações heterossexuais (e muitas vezes masoquistas) de coito. Estes factos lançam uma certa luz sobre a dife­ rença aparente entre o ponto de vista de Freud e H. Deutsch por um lado, e o de Hom ey e meu por outro lado. Os primeiros consideram a libido fálica masculina com o a primeira a desenvolver-se, ao passo que nÓ3 tomamos em conta a disposição psíquica da rapariga em relação ao pai, que anuncia a sua atitude feminina

femininos de abandono ao pai surgiram em primeiro lugar. Depois teve muito medo ao notar que sentia de maneira .diferente 05 bei tos de seu pai, fugiu e adoptou desde então um a atitude masculina.

203

ulterior e que, na nossa opinião, se desenvolve prim eiio O desenvolvimento sexual feminino encontra-se atém disso complicado pelo facto de a rapariga desejar o pai de início, com um órgão masculino (fantasmas de coito com orgasmo clitoridiano). Mas, hoje em dia, não se poderá opor à seguinte concepção: a libido de órgão da m ulher é no início masculina e, normalm ente, a sua atitude psíquica é sempre feminina ou semelhante à sua fem im M ad e ulterior (sah/o uma única excepção) 15. é possível que a rapariga com ece por descobrir o pénis ao 'brincar com os seus colegas ou irmãos; pode acontecer tam bém que adquira o desejo de ter um filho, por ocasião de um nascimento, p o r exemplo — tal alternativa depende talvez in terra men te do caso. Quanto a saber se a consequência resultante da comparação dos órgãos genitais antes da fase genital será um agra­ vam ento do com plexo de castração, ta l constitui a in d i para nós um problem a totalm ente em suspenso, pois certam ente será necessário termos em conta que, neste caso, o órgão genital já foi descoberto com o consti­ tuindo fonte d e prazer, tendo sido ‘investido de narci­ sismo. Além disso — e este facto é ainda mais decisivo — os desejos de possuir um pénis e o de ter um filho coexistiram durante m uito tem po pacificam ente e sem influências recíprocas, até que, no tumulto do período edipiano, as variações do destino individual restabele­ cem, num sentido ou noutro, a equação: pénis/filho. A rapariga abandona o conflito edipiano umas vezes com um com plexo de virilidade, outras com uma identifica­ ção com a mãe, mas, em qualquer dos casos, o erotismo clitoridiano que já fo i activado não desempenha nenhum papel específico. Se a rapariga terminou a sua fase edipiana com uma identificação com a mãe no plano do carácter, esta 11 Se efectivamente a brutalidade do pai impede desde o início, na rapariga qualquer desenvolvimento da sua identificação com a mãe. ou esta conserva um a fixação orai duradoira & mãe e será apenas uma personalidade totalmente infantil, ou então identifica-se com o pai, antes mesmo de ter podido aprender a amá-lo. É um a situação que encontrei em psicopatas impulsivas e masoquistas gravemente atingidas de infantalismo.

204

só se ajustará com o erotismo clitoridiano até à puber­ dade. Nessa altura, co-m a reactivação dos conflitos antigos, a identificação com a mãe acabará por desa­ parecer, em benefício do complexo de virilidade, a menos que forme a base do primado vaginal. De que maneira se instala o primado vaginal? Tratase duma questão ainda obscura em muitos aspectos. Nos «Três ensaios sobre a teoria da sexualidade», Freud afirmava que, na puberdade, o erotismo clitoridiano se deslocava normalm ente para a vagina. Freud não se alarga m uito sobre as modalidades e contradições

de

uma tal deslocação. Das investigações comparativas já feitas, ressalta hoje que a principal condição da deslo­ cação consiste numa identificação caracterial com i mãe, que se efectuou no seio do ego. Mas, mesmo em táis condições, podemos no entanto interrogar-nos sobre a forma como o erotismo fálico do clitóris se pode «transformar» em- erotismo receptivo da vagina, porque, sem uma tal metamorfose, uma deslocação pura e simples seria difícil de imaginar. Tanto quanto sei, foi Jekels ,s o primeiro que esta­ beleceu a relação causal entre a analidade e o erotismo vaginal, com base na sua qualidade comum de receptá­ culos (côncavos). Mais tarde, F eren czi1T e Lou Andreas-Salomé defenderam

a mesma

ideia.

Recentemente,

H.

Deutsch (loc. cit.) descobriu que, para além das carac­ terísticas de receptáculo da analidade, a vagina tomava também a seu cargo as da oralidade. De resto, a acti­ vidade de sucção da vagina é um fenómeno bem assenta. Os meus próprios estudos sobre a evolução do super-ego na multter (loc. cit.) levaram-me aos resultados seguin­ tes: «a identificação com a mãe no ego» faz-se a partir dos atributos de analidade e de oralidade e a «evolução normal da mulher» comporta, «após a frustração fálica, uma regressão parcial a um estádio anterior de desen­ volvimento da libido». 0 estudo das perturbações do orgasmo feminino não só nos dá uma confirmação da 10 sobre a voi. I, ”

«Eúiige Bemerkungen zur Trieblehere» (Alguns comentários teoria das pulsões), Internationale Zeitschrift fúr Psychoanalyse. 1913. Versuch einer Genitaltheorie.

205

ideia atrás citada, como à conclusão de que

a

leva tam bém , inevitavelm ente, indispensável

«deslocação»

do

erotismo clitorid-iano, remate final da construção do pri­ mado vaginal, só é possível depois da deslocação para a vagina da libido anal e oral. Nestas deslocações, tra­ ta-se de movimentos de interesse psico-iibidinal e não, de processos fisiológicos quaisquer. A vagina tem a sua própria erogeneidade fisiológica, que não pode entrar em cena enquanto o clitóris continua com um forte investimento psíquico e erogeneidade fisiológica. Mas se houve interesses orais-receptivos ou anais-passivos da libido investidos do lado da va g in a — -coisa que se torna possível precisamente pela identificação com a m ãe — o clitóris vai perder um m aior ou m enor 'inte­ resse psíquico. No entanto, a sua excitabilidade fisioló­ gica não desaparece: pelo contrário, desempenha um papel importante nos preliminares e no coito. Mas, a partir do momento em que se descobrem as novas fontes de prazer da vagina (a qual pode satisfazer todas as aspirações da libido, corresponde ao papel biológico da sexualidade e, contrariam ente ao erotismo clitoridiano, não gera nenhum conflito psíquico) a criação da excitação por meio do clitóris passa a te r um interesse secundário. Em resumo, há qu-e distinguir três elementos funda­ menta is no conceito de genital ida d e. 1)

A erogeneidade local das zonas genitais

tabilidade genital). 2) A libido somática tal

(e x c i­

localizada no aparelho geni­

(im pulso g e n ita l). 3) A libido psico-genital (desejo g e n ita l).

Estes elementos, apesar de se apoiarem em bases diferentes, têm as mais íntimas relações. A erogenei­ dade genital apoia-se na excitabilidade específica dos centros do prazer genital. A libido psico-genital, caso particular da energia sexual psíquica, baseia-se rva ero­ geneidade genital e exprim e essencialmente que o inte­ resse sexual psíquico geral está voltado para a zona

206

genital. Na sua qualidade de excitação sexual física em geral, a libido somática está sediada no sistema neuro-vegstativo e tem a sua fonte nas secreções internas (de uma química sexual ainda hipotética). 0 orgasm o (c, com ele, a regulamentação da economia libidinal) está assegurado se uma pulsão psico -g en ital bem d e senvolv ida fo r capaz c/s concentrar sem perturbações



a c x c i l j ç ã o sexual somática na zona genital. 0 facto de só o aparelho genital ter a possibilidade de proporcionar a satisfação orgástica deve residir na estrutura fisioló­ gica das diferentes zonas eiógenas. Qualquer perturbação de um dos três elementos da genitalidade condiciona uma impotência orgástica e uma estase libidinal. É o que acontece quando se recalca a percepção dos impulsos genitais, quando a libido genital psíquica é afastada para outras zonas erogénas, ou quando, devido a uma evolução psico-genital defei­ tuosa, a libido pré-genital se apodera do domínio geni­ tal, etc. Todas estas perturbações afectam a evolução da excitação sexual somática. Entre as múltiplas possibilidades que se abrem à libido acumulada na estase (formação da angústia de estase, sintomas de conversão, sintomas obsessivos), o reforço do instinto de destruição possui um signifi­ cado sobre o quat ninguém se debruçou até agora. É o c^;e vamos fazer a seguir.

207

CAPÍTULO V II

O INSTINTO DE DESTRUIÇÃO DEPENDE DA ESTASE LIBIDINAL

Na novela de Paul Bourget, O Discípulo \ há um casal de amantes que, por razões neuróticas, recusa o acto sexual e decide com eter um suicídio comum. T od a­ via, tomam a decisão de se possuírem antes de m orre­ rem, e essa posse apazigua o am ante. «A plenitude da vida voluntária e reflectida invadia-m e agora como a água de um rio a que tivessem aberto as comportas». Decide-se im ediatam ente a fazer com que o duplo suicí­ dio abortasse, mas a amante, que continua indiferente, suicida-se entretanto. Tratar-se-á apenas de uma ficção romanesca ou teria o autór entrevisto um encadeam ento significativo? O suicídio foi decidido num estado de insatisfação sexual; um dos amantes, satisfeito, -renuncia a esta decisão, o outro, insatisfeito, executa-a. Por outras palavras, quando o instinto sexual não é satisfeito, o ‘instinto de destrui­ ção ganha importância, enquanto que, no caso contrá­ rio, perde energia. ’ N o livro O ego e o i d z, Freud apresenta os dois instintos fundamentais — o Eros e o instinto de morte ( instinto sexuai/ instinto de destruição, a m o r/ó d io ) — como sendo as duas tendências polares que regem o organismo, bem como as reacções psíquicas* A oposi­ ção destes instintos ma rvifesta-se tam bém e de forma muito nítida, na ambivalência da maioria das atitudes mentais. Mas qual é a importância relativa destes dois instintos? Terão eles uma infkiência recíproca e qual? Hoje, é fácil mostrar que a intensidade do instinto de desttuição (isto é, das suas manifestações, do ódio, da

' Este facto veio ao meu conhecimento durante uma -discusvln na União Psicanalítica. Húngara. 3 Tm Ensaios de Psicanálise. Paris. 195!. 209

agressividade, da brutalidade e do sadismo) depende ou da possibilidade actual de satisfação sexual ou da pres­ são exercida pela estase somática da libido. A nossa demonstração apoia-se em indícios clínicos tão conhecidos que

podemos dispensar-nos da

anállss

pormenorizada dos doentes. A dependência de que aca­ bamos de falar observa-se não só no domínio corporal ccm o

no das atitudes mentais; de facto, não 'há que

separar

atitudes

mentais

e

manifestações

corporais.

Já no caso da neurastenia aguda — que lem como origem

uma

satisfação

inadequada

e

por

fundamento

a estase somática da libido -r— vemos am plificarem-se as manifestações do instinto d e destruição: irritabilidade e explosões

de cólera

a

propósito

de coisas

de

nada,

assim como uma excessiva agitação motora. Os estudos teóricos de Freud sobre a libido, que foram confirm a­ dos

pelos

resultados

de

Abraham,

Federn,

Sadger

j

muitos outros, ensinam-nos que, assim como o aparelho genital e as zonas erógenas são zonas funcionais do instinto sexual, o instinto de destruição recorre à m us­ culatura e que, com o mostra a análise dos casos em questão, a agitação motora se manifesta nestas neu­ roses ao ponto de a excitação sexual não satisfeita invadir o sistema muscular; não S3 manifesta nele já como actividade sexual, mas como tendência para a destruição.' Temos, portanto, d e adm itir que se a exci­ tação sexual não é nem absorvida no sintoma nem bloqueada na angústia dé estase, passará para o ins­ tinto de destruição. Nos caracteres sádico-impulsivos, a agitação motora, a tendência para a agressividade geral são, como facil­ mente se verifica, tanto mais fortes quanto mais tem po os sujeitos viverem em abstinência, observando-se inclu­ sivam ente que estes im pulsos dim inuem logo que a abstinência cessa, mesmo que seja por pouco tem po. Da mesma forma, com o bem o mostrou a análise de um dos nossos casos, a agitação m otora que se traduz pela necessidade de viajar ou de fuga perm a­ n ente, reside numa excitação sexual desviada para o aparelho muscular. Essa necessidade imperiosa de viajar 210

e de fugir corresponde aqui à busca inconsciente um objecto sexual e de satisfação sexual.

de

Outro facto com provativo disso é o -de o lactante começar a morder, isto é, a ser sádico-oral, quando o desmamam; e podemos também observar que a exci­ tação das crianças que começam a entrar no período de recalcamento dos complexo de Édipo 'passa do campo erótico e sensível para o campo m o to r e destruidor. Quando, com o iníoio da puberdade, começa a evo­ lução não só física com o m ental da sexualidade, em geral, o carácter é bem diferente do que será- depois, no fim dessa fase. A principio, predom inam a fantasia, a sentim entalidade, a tendência para um amor urriversal da humanidade. Mais tarde, quando se estabelecem o novo recalcamento do com plexo d e Édipo e a luta contra a masturbação, desenvolve-se o caráoter d ito da «idade ingrata»: maldade, arrogância, tendência para armar baru­ lho com os pa'is e educadores, vontade de brigar ou de fazer desporto. Dos tempos do liceu fica-nos a todos a lembrança de como os professores temiam as aulas do primeiro e segundo ano (e m ais raramente do te r c e iro )s. Também noutros campos vemos a excitação sexuai não satisfeita transformar-se muito facilm ente em agres­ sividade, até m esm o em brutalidade, da mesma forma que um amor ludibriado pode m uito facilm ente trans­ formar-se em ódio. Na. altura da menstruação,

e m uito

em

particular

irrvediatamente antes do início do ciclo, as mulheres neuróticas m ostram-se ou extremamente irritáveis e agres­ sivas ou muito deprimidas. Em pacientes minhas que eram simultaneamente impulsivas e frígidas, eu era capaz de adivinhar quando começava a menstruação. Pela m aior ou m enor acentuação da agressividade a psiquiatria vê no mau bum or que acompanha o período menstrual uma consequência directa do processo somático da menstrua­ ção, e ten ta p o r conseguinte exercer influência sobre estas perturbações, p or m eio d e uma terapêutica orgâ* Respectivamente em classes (N. do T.).

França,

211

as

terceira,

quarta

e

quinta»

nica. Inversamente, a análise mostra que a irritabilidade e a agressividade são 'reacções psíquicas ao corrimento de sangue genital, ao passo que a depressão corres­ ponde em parte a uma afecção de narcisismo (pois a maioria das mulheres têm a impressão que a m ens­ truação as põe em desvantagem em relação ao hom em ) e em p arte a um recalcamento das tendências agres­ sivas (sentim ento d e culpabilidade). M as estas reacções não são puramervte psíquicas. Prove disso é o facto de, em m uitos casos, a agressividade e os fantasmas sádicos se amplificarem antes m esm o de a m ulher saber que o seu ciclo vai começar, o que econtece muitas vezes, dada a irregularidade d a menstruação nas mulheres neu­ róticas. Quando, graças à análise, essas mulheres reco­ bram a sensibilidade genital ou inclusivamente a p o tê n ­ cia orgástica, estas reacções de tw m o r são substituídas por uma excitação sexual focalizada e geral, porque norm alm ente a libido se acentua no período im ediata­ mente anterior à m enstruação no seu decurso. Uma vez liberta da frigidez, acontece precisamente que a mulher vai deixar d e sofrer de estase libidinal que, quando não gera uma angústia d e estase, faz aum entar a agressi­ vidade. Aceitou a genitialkJade sem pénis e a exp ecta­ tiva da satisfação sexual já não cria nela nem angústia nem ódio, mas predispõe-na mais para o amor, ao con­ trário de mulher neurótica, que reprim e o próprio prazer da expectativa. A análise d e casais onde as discussões e a b ru ta­ lidade hnperam mostra que estas provêm essencial­ m ente de um estado d e insatisfação sexual. Voltarem os mais porm enorizadamente a este assunto no último capítulo. Os animais castrados (capões, bois, cães, etc.) são totalm ente desprovidos de agressividade e, em contra­ partida, os galos e os touros são tanto mais agressivos quarrto m ais raram ente cobrem as fêmeas. Depois do coito, tanto a libido com o a agressividade se tornam mais débeis.. Para se amestrar severamente os cães de guarda, há que mantê-los presos e afastados das cadelas. A natureza fleugmática dos eunucos castrados antes da puberdade mostra não só que a estase da libido é uma 212

fonte importante de agressividade

mas também que o

instinto de destruição perde o seu poder sabre o mundo exterior quando falta a fonte libidinal. Os incidentes que 'marcam a menopausa e a velhice constituem uma excepção: quando se inicia a involução da menopausa, o sujeito reage primeiro violentam ente com uma actividade sexual maior, e isto tanto mais quanto mais insatisfeito tenha vivido a sua vida. Quando a menopausa chega, não é raro ver-se nascer puJsões sádicas, isto é, pulsões sexuais cruéis. Todos estes factos não são mais do que um preliminar para a involução do envelhecimento, no qual, segundo a hipó­ tese de Freud, o instinto de morte ou, por outras pala­ vras, o instinto biológico de destruição se desenvolve no interior do indivíduo. Com o esgotamento da fonte individual do Eros, isto é do instinto d e vida, instala-se o processo d e involuções que leva à m orte — e isso não pode ser obra d o acaso. Além disso, o desaparecimento espontâneo das ten­ dências para a agressividade ou crueldade depois de um aoto sexual satisfatório prova tam bém que o instinto de destruição depende d o estado da libido. Assim, o orgasmo genital retira manifestam ente energia ao sistema muscular: os desportistas obstinados, baseiam-se na observação correcta destes factos, quando vivem em abstinência

afim

de

realizarem

melhores

resultados.

Vejam os agora que relações há, por um lado, entre o sadismo e a esta se Kbidinai, assim com o entre o instinto de destruição e a angústia neurótica, por outro lado. O s instintos que servem de base às leis biológicas estão inscritos no organismo, e só o m om ento, o m odo e a intensidade da sua emergência dependem da expe­ riência individual. Assim, verificam os que o apareci­ mento das pulsões paroiais erógenas se faz segundo uma ordem determ inada, ordem que depende intimamente das exigências da educação material e moral. Em cada fase do desenvolvimento da libido, vemos que, durante um certo tem po, a proibição e a autorização da satisfação coexistem simultaneamente até que a frustração acaba

213

por ganhar. Daqui resulta uma dupla consequência. Em primeiro lugar, é uma outra

pulsâo ainda não atingida

pela frustração que vai aparecer mais -nitidamente

em

prim eiro plano (por exemplo, a analidade quando c criança foi arrancada ao seio materno, a mastuibução genital depois do sucesso da aprendizagem da limpez-j corporal). Em segundo lugar, qualquer frustração sus­ cita ódio e ambivalência em relação ao objocio q u ■; impõe os limites à satisfação. Quanto mais forte tivar sido a irrupção da frustração, mais a fase do ódio cer-i grande; quanto mais a educação tiver conseguido rápid-’ e brutalmente fazer com que a criança renuncie aos seus instintos, mais o ódio será intenso. A terceira consequência da frustração e da ambivalência é uma identificação mais ou menos completa com o agente da frustração. Isto 'pode parecer paradoxal, mas é um facto Inegável: assimilamos caracterialmente o que odia­ mos porque nos é proibido am á-lo. A energia pulsional utiliza a identificação com o objecto — é o am or; o que m otiva a identificação é o ódio provocado pela frus­ tração que se sofreu. Assim, o objecto que não podía­ mos deixar de amar e que tínhamos que odiar porque não nos autorizava a satisfação, vai tomar o valor de exemplo quando o carácter do ego e do ideal do ego se form arem. É nos caracteres impulsivos que este fenómeno so maniíesta mais nitidamente. Os homens deste tipo que ulteriorm ente desenvolvem sem recalcamento tendências agressivas (e em particular sádicas) tinham gozado de uma satisfação não recalcada desde a sua mais tenra infância, ao contrário dos caracteres recalcados. A agres­ sividade só apareceu com pletam ente depois, quando os pais ou os séus substitutos começaram a reprimir brutal­ m ente a satisfação sexual. A frustração brutal do incesto é então sentida com tanta mais força, quanto mais poderosamente a satisfação sexual real tivesse feito aumentar este amor. Isto mostra que as pulsões par­ ciais não se desenvolvem pela ordem habitual e que a sexualidade infantil era «perversa-polimorfa» no sentído mais lato da expressão. A genitalidade estava plena­ m ente desenvolvida e até satisfeita, na medida das

214

possibilidades fisiológicas. A introjecção p rem iíura

dos

objectos amados e da sua brutalidade cria um ideal do ego sédico, cuja agressividade se volta para o interior e para o e xte rio r. Estas crianças serão incapazes de amor, ap3sar de terem uma enorme sede dele, pois o ódio eíogou qualquer espécie de movim ento amoroso. Mais tarde, o que mais detestarão será justamente aqurb a que pediam mais amor, a casa materna. Como, além disso, reprimiram as tendências para o amor, com preen­ dem peifekam eníe que estão sujeitos a sofrer desilusões; só desejam objectos inacessíveis e comportam-se o sentim ento de culpabilidade é apenas um prolongamento da angústia de castração, que é o verdadeiro modelo de toda a angústia de puni­ ção (F reu d ). Imaginamos ser profundamente morais, mas fundamentalmente, temos apenas medo: é o que revela a análise de todas as neuroses obsessivas. Mas se examinarmos mais de perto a natureza do sentimento de culpabilidade, da angústia moral, e se a compararmos com a angústia infantil de punição, che­ gamos a uma diferença fundamental: a angústia de cas­ tração é a reacção imediata do ego quando este sente dentro de si uma exigência sexual proibida. Pelo con­ trário, a angústia moral é antes de mais a reacção do ego quando este sente dentro de si uma tendência sádico-destrutiva; de um ponto de vista puramente des­ critivo, devemos por conseguinte denominar a angústia moral angústia de agressão: com efeito, ela significa que o indivíduo tem medo de vir a ser ele tam bém des­ truído, se se com portar de forma egoísta, cruel ou anti-social. A angústia de castração significa pelo con­ trário o m edo neurótico da m utilação dos órgãos sexuais quando se oede aos impulsos da libido. Portanto para que a angústia de castração se trans­ forme em sentimento de culpabilidade afgo terá que vir somar-se-lhe: é a reacção agressivo-destrutiva ao perigo de castração (o u à frustração de uma satisfação fibidinal). Cste processo, que é facilm ente observável nas neuroses obsessivas, pode resumir-se da seguinte mafieira: a criança sofreu uma frustração de um impulso libidinal; a sua reacção é dupla: por um lado, a angústia de castração; por outro lado, tendências agressivas con-

4 Ver o Glossário íN. do T ).

6

217

tra a pessoa que está na origem da frustração. O ódio é afinal de contas a reacção natural a uma frustração ou a utna lim itação na procura do prazer. Este ódio é acompanhado d e -pensamentos e, em casos extremos, de impulsos assassinos. Mas como o objecto odiado é ao mesmo

tem po

amado, dá-se

o

desenvolvimento

de uma angústia perante a realização de tais rmpulsos relativam ente ao objecto amado; esta angústia de agres­ são junta-se então è angústia de castração: se quere­ mos roubar o falo do nosso pai, temos tam bém que recear sermos castrados. A angústia moral ou angústia de agressão é, portanto, expressão imediata de um impulso de vingança recalcado, mas não emerge apenas do contexto ódio/vingança: o ódio só por si levaria à acção sem sentimen-to de culpabilidade, é sobretudo o amor, o amor do objecto assim com o o amor próprio, que cria a angústia

moral.

De um lado como do outro, constatamos portanto a mesma coisa: o ódio depende da intensidade da recusa de am or, o instinto de destruição depende da estase libidinal. 0 homem sente tam bém uma angústia de agressão, mas esta só aparece com o inibição moral desprovida de afectividade, porque a estase libidinal não existe. Trata-se antes d e m ais de compreender porque razão nos doentes a angústia moral pode aparecer acom pa­ nhada de todos os sinais de afecção d e angústia: é que na base de todas estas reacções complexas está a fonte actual de todos os fenómenos neuróticos, a estase ‘libidinal

218

CAPÍTULO VIII

SIGNIFICADO SOCIAL DAS TENDÊNCIAS GENITAIS

No iHtimo capítulo, pudemos constatar que a atitude agressiva perante o mundo exterior é tanto mais intensa quanto mais as tendências genitais esbarram com obstá­ culos internos ou externos. É assim que, na neurose obsessiva, o erotismo genital se 'põe ao serviço do instinto d© destruição e que, nos fantasmas desta neu­ rose, o membro viril passa a ser o instrumento do ódio. E chegamos à seguinte conclusão, que é confir­ mada por exem plos extraídos do reino animal: a agres­ sividade é neutralizada pela satisfação genital, é susci­ tada pela fraqueza ou ausência de satisfação e apaga-se definitivam ente depois de se esgotar o instinto sexual. Portanto, se o recalcam ento da genital idade e mais especialmente a ausência de satisfação genital incre­ mentam as tendências sádicas, temos que admitir quo a tendência para rejeitar, reprim ir e dividir a sexuali­ dade (tendência que, na nossa civilização é generalizada) desempenha um papel decisivo na emergência do sa­ dismo humano.

I.

A SEPARAÇÃO SOCIEDADE

DAS

TENDÊNCIAS

G EN ITAIS

NA

Nos animais, o instinto de destruição só aparece com o instinto orai de aniquilamento. Está ao serviço da vida individual ou da conservação do ego: quando a fome o exige, os carnívoros põem-se a destruir os objectos apropriados, mas, uma vez satisfeitas, as feras enjauladas tornam-se inofensivas. A sua atitude agres­ siva perante estranhos é simplesmente devida a uma vaga sensação instintiva de perigo; temos a prova disto no com portam ento totalm ente diferente que estes ani­ mais adoptam perante o domador. No animal, não se

219

observa nada que se pareça de perto ou de longe com o sadismo fálico ou anal do homem, que apunhala, fuzila bate, perfura, esmaga, espezinha \ O instinto de destruição do homem distingue-se fundam entalmente por um traço: os seus objectivos não são biologicamente necessários; deste ponto de vista, identifica-se totalm ente com a selvajaria dos animais quando estes não conseguem atingir a satisfação sexual. Nesta medida, o instinto de destruição é a contrapartida (e consequência)

da civilização e da cultura humanas

que, pelo seu lado, se fundam na repressão e sublima­ ção da sexualidade. O que acontecerá ao instinto de destruição? 0 meio ambiente social e a faculdade de adaptação do indivíduo é que decidirão: o instinto de destruição pode chegar a desenvolver-se num carácter associai e cruel (o assassino sádico) ou, no seu oposto, numa hipermoralidade obsessiva, cuja intolerância e du­ reza põem claramente a nu a sua origem. Pensemos na dureza do dogma católico e em particular na inquisição, que, a pretexto de defender a hipermoralidade religiosa, a envolveu de crueldade. Em si, a exigência e o exer­ cício religioso do ascetismo resultaram de um profundo sentim ento de culpabilidade; o pecado original, o mito de Adão e Eva, não era mais que um acto genital proi­ bido p or Deus Pai. Tal como na neurose obsessiva, a proibição exterior transformou-se em proibição interior; melhor ainda, Freud e Reik 2 demonstraram que os ritos religiosos seguem regras absolutamente idênticas aos cerimoniais obsessivos. Mas, tanto quanto eu saiba, ninguém ainda defendeu a ideia de que é a repressão das pulsões genitais que provoca tal ‘brutalidade. Ta» repressão tem p or consequência um sadismo que vamou encontrar, invertido, no masoquismo religioso. As orgias masoquistas da Id ad e-M éd ia e a brutalidade sem lim ites da Inquisição eram , portanto, fundam entalm ente descar­ gas de energia libidinal. Isto fo i m agistralm ente repre-

1 A agressão genital que intervém quando o macho cobre a fêmea não pode certamente ser qualificada como sadismo. 2 Beiírage zur Religtonspsichologie (Contribuições à psicologia da religião), Internationale psichonalitisch Bibiiotek, Nr. V, 1921

220

sentado nos retratos de Filrpe II e Ti li Eulenspiegel por De Coster, com todo o seu espírito. Contrariamente a fH ip e II, neurótico e cruel, o protestante Till Eulenspregel rejeita e rkJrcufôriza o princípio do ascetismo, o que faz d ele o tipo exem plar do homem bom; sim ­ boliza assim a influência benéfica que a supressão do princípio do ascetismo exerceu no protestantismo, o quai, pelo menos de inicio, se diferenciava do catoli­ cismo pela sua maior brandura e tolerância. Consideremos agora a moral sexual a c tu a ia, defen­ dida pela burguesia tradicional e capitalista. Encontra­ mos nela elementos m uito semelhantes à ideologia da neurose obsessiva. 1) As relações sexuais «xtra-conjugais são quase sempre consideradas como bestiais (sádicas) e repugnan­ tes (a n a is ). 2 ) Apesar dos factos fisiológicos e biológicos, re­ comenda-se a abstinência pré e extra-conjugal, propa­ ganda para qual os m édicos são os prim eiros a contribuir. 3 ) A m asturbação é considerada, mesmo por m é ­ dicos, como o pior dos males, embora seja incon­ testavelm ente normal que ele terVha, numa dada fase do desenvolvimento, um papel predominante. 4) Separam-se as aspirações amorosas: autoriza-se o jovem celibatário a te r relações Sexuais e, como se deseja preservar as donzelas da mesm a classe, tolera-se a prostituição com o um mal «repugnante» mas neces­ sário. Uma vez considerado bestial e repugnante, o acto sexual não pode já ser considerado como um aconteci­ mento biológica e moralmente necessário, mas sim como um processo de evacuação semelhante à defecação. As duas componentes da genitalidade, a ternura e a sen­ sualidade, ficam assim dissociadas; o rapaz satisfaz a sua sensualidade ou com prostitutas ou tendo uma «ligação» com uma rapariga, que nunca aceitaria para 3 Os dois estudos de Freud: «A tempos modernos» e (cm La vie Sexuelle, longe de coincidirem

sub-capítulos seguintes têm como fundamento dois moral sexual civilizada e a doença nervosa dos «Contribuições à psicologia da vida amorosa» op. cit.). No entanto, as nossas reflexões estão com esses trabalhos.

221

esposa, justam ente porque ela se lhe deu sem celebra­ ção do casamento, enquanto faz uma corte «respeitosa» a outra rapariga, esta da sua classe. Quanto maior for o respeito p or ela, m aior será a indignação com que rejeitará a ideia d e ter relações íntimas com ela; ou perderá a ternura que lhe tem , no caso de esta ceder às suas exigências sensuais. A sensualidade será considerada anal porque está isolada e porque as tendências amorosas se encontram divididas. Estes dois factos resultam filo g eneticam en te4 da soma dos actos de recalcamento individuais. É tudo isto que é possível estudar através da análise de neu­ róticos. A m ulher respeitada representa a m ãe que, para o filho, não tem vida sexual, por te r sido ela que, em tem pos, proibiu as actividades auto-eróticas com o re­ pulsivas, e q u e oram tão agradáveis à criança. Por outro lado, muitos neuróticos manifestam um grande desprezo pela mulher; um dos m otivos é porque ficaram amarga­ mente decepcionados, durante a sua infância, ao cons­ tatarem que os próprios pais e particularmente a própria m ãe, praticavam o que lhes era proibido. Foi tu d o recal­ cado e só ficou tima desconfiança geral perante a jus­ tiça divina e humana, uma sobrestrmaçõo ou uma depre­ ciação extremas 'pela mulher, uma religiosidade obses­ siva ou um ateísmo fanático, por fim e principalmente, a incapacidade de unificar as tendências ternas com as tendências sensuais. Doravante, só metade da persona­ lidade pode participar na experiência sexual; isto leva indubitaveimervte a um enfraquecimento da satisfação psico-genital, com todas as suas consequências. Do ponto de vista social, o resultado mais im portante disto, é incontestavelmente o desenvolvimento das tendências sádico-agressivas. Além destes m otivos irracionais, que estão na ori­ gem do desdobram ento da moral sexual, há motivos racionais que desempenham tam bém o seu papel nas diferentes concepções d o com ércio sexual fora do casa­ mento («adultério» inclusivé) tan to para o homem como para a mulher. Trata-se de sentim entos inspirados pelo * De acordo com a evolução da espécie (N. do T.).

222

aspecto bárbaro e antinatural das relações entre os dois sexos na realidade actuai. Como a moral sexual dom i­ nante começa por denegrir a sensualidade, especial­ mente o acto de amor e quando estas regras são denun­ ciadas p or serem nocivas e anti-naturais, invoca-se a degradação dos sentimentos sexuais por ela própria gerada \ Assim, até os que têm menos preconceitos olharão intuitivam ente, sem dúvida com um olhar diferente, para o amor extra-conjugal, conforme se trate de um homem ou de uma mulher. A linguagem traduz esta diferença: a mulher «tem um deslize» enquanto que o homem «faz uma conquista». Nunca se viu uma mulher «con­ quistar» um homem, nem um homem «ter um deslize». A causa disto reside no facto de que para a maioria dos homens, «conquistar» uma mulher é fazer autentica­ mente uma conquista m ilitar e de que, além disso, a posse de uma m ulher casada representa um triunfo sobre o marido «enganado». Não há, portanto, sobretudo, uma experiência sexual mas sim uma «possessão», uma «de­ sonra», irm «enganar», um «triunfo» e uma «vingança». Portanto, para quem reage em termos burgueses, é incon­ cebível que um cônjuge, que sente momentaneamente uma atracção extra-conjugal, possa confessá-la ao outro confiadamente. Em tais condições, a experiência do orgasmo só pode ficar diminuída em comparação com a alegria de conquistar, de enganar, de esconder e d e «abandonar». TaJ como a moral sexual burguesa enfraquece a potên­ cia orgástica, estes preconceitos resultam na desfigu­ ração do amor genital e furm reforço da duplicidade da moral sexual. Para um homem dotado de potência orgás­ tica, o acto sexual não ê nem uma prova de virilidade.

* Evidentemente, esta mora] sexual tem as suas origens nas concepções e interesses dos possuidores e feudads, mas está larga­ mente difundida para alóm destas camadas sociais, e floresce em particular nos metos de pequenos funcionários público«, empregados de escritório e pequeno-bivgueses. Mas até o proletariado das cidades não está imunizado contra ela, e podemos verificai- que os proletários fazem sua esta mona] sexual burguesa na medida em que o seu modo de vida se identifica com o dos pequenos-burguescs.

223

nem

uma conquista

militar, nem

uma vingança

contra

terceiros, mas sim uma experiência agradável, compar­ tilhada e necessária. A mufher, tal como o homem, «recebe» tanto com o «dá», e a muNier que não é frí­ gida, deixou de ser um puro instrumento sexual. É desde já evidente que a aceitação plena da genital idade reabi­ lita a vida sèxual. 0 indivíduo que vive a sua vida em conformidade com sentimentos burgueses verá confirmadas as sua1; concepções da sexualidade (concepções essas, repetimos, cuja racionalidade ele próprio forjou) ao verific.ir a lubricidade do homem burguês médio e da mulh-er burguesa sexualmente inibida, educada segundo prin cípios hipócritas. Ora, em si, esta lubricidade é já um.i consequência da moral sexual burguesa, que introduz nas relações sexuais naturais o sopro pútrido da degra­ dação, ao pretender que o acto sexual tem um carácter bestial e repugnante. £ esta degradação, juntam ente com a força natura! das exig&ncias sexuais, gera p reci­ samente a lubricidade. Um facto notável que, na nossa opinião, tem por origem a diferenciação biológica dos sexos, vem ainda com plicar mais «stes dados psico-sociais: apesar de todá a virilidade e d e toda a independência anterior, a m ulher tem tendênca a submeter-se ao homem que j fez atingir o orgasmo. Depois de unria experiência sexuai satisfatória, ela deseja um homem forte, que a dirija. Evidentemente, este estranho desejo de subordinação e de dependência manifesta-se mais nas mulheres inteligência medíocre. Em contrapartida, no homem são, as coisas acontecem de maneira ditferente. O carácter félico-agressivo da sua sexualidade preserva*o de qual­ quer subm issão( só um homem insatisfeito ou de carac­ te r feminino pode submeter-se a uma mulher, que por seu lado não deixará de sentir por ele um desprezo secreto). A partir deste contexto biológico, nante produziu o despotismo sexual do culinização por compensação da mulher orgástica dos dois sexos. Não restam

224

a mo*ral dom i­ homem, a mase a im pm ênca dúvidas que a

subestimação da m ulher que se baseia na dupla m o n l sexual, reforça consideravelmente, para não dizer deci­ sivamente, a reacção natural da mulher perante a sua ausência de pénis. Desde pequenas, as raparigas ouvem constantemente que os rapazes têm o direito e a possi­ bilidade de agir. £ assim se cria um círculo vicioso na mentalidade burguesa: não sublimado, o orgulho de pos­ suir um pénis leva a considerar a mulher como um s e r inferior. Por efeito de ricochete, esta subestimação torna a mulher masculina, sexualmente temerosa e frígida. Sendo frígida, perde o seu valor como objecto sexual, porque a mulher insensível desperta justamente no homem a impressão de só ter à sua frente um instru­ mento de prazer e este sentimento reforça enfim a sua presunção masculina e a subestimação da mulher. Não é possível explicar apenas através da «con­ cepção sádica do coito» a convicção de que a mulher «se sujeita» ao acto sexu ai e de que este é para eia algo de degradante. Com efeito, em prim eiro lugar, esta convicção pode ir até à ideia de que a mulher utiliza o acto para seduzir o homem e, em segundo lugar, encontrámo-la em pessoas que não têm uma concepção sádica do acto. Tal concepção deve antes ser atribuída à degradação generalizada da vida sexual e à atitude sádica e degradante do homem em relação à mulher. Que relação existirá entre os costumes em vigor nas associações estudantis e a vida sexual dos seus membros? Dois factos vêm-nos imediatamente ao espí­ rito. Em primeiro lugar, é evidente no principio funda­ mental destas associações, exclusivamente masculinas, uma homossexualidade, cujo objectivo é recalcado. Quanto ao sadismo, encontra-se menos disfarçado. Em­ bora não concordemos com a globalidade das concep­ ções de Blüher, devemos reconhecer-lhe o grande m é­ rito de ter m o strado 0 a importância da homossexualidade

0 Die Rolle der Erotik in der Männlichen Gesellschaft (O papcl do erotismo na sociedade masculinai, Iena, 1919 í reeditado por Ernest Klett. Estutgarta, 19€2V

225

na constituição do €stado patriarcal e das associações masculinas. Em particular, Boehm demonstrou T que fre ­ quentai" prostitutas pode servir de satisfação a u m 3 homossexualidade recalcada. Efectivamente, por inter­ médio das prostitutas estabelece-se um comércio com todos os outros homens; e, de facto, os oficiais, m ari­ nheiros e os membros das associações estudantis têm o costume, sob a pressão de uma homossexualidade não satisfeita, de Irem em grupo ao bordel. Nesses meios, v er dois homens, ou até mais, irem um a seguir ao outro ter com a mesma m ulher é tão habitual como a homossexualidade manifesta. Há que acrescentar a isto a amizade íntima entre o «estudante veterano» e o «caloiro» seu protegido, amizade esta cujos objectives são recalcados, na maioria dos casos. A análise dos neuróticos revela sempre que a sepa ração das tendências sexuais reforça a hom ossexuali­ dade e faz surgir o sadismo, tanto no homem como na mulher. Nos membros das associações estudantis, estas duas tendências satisfazem-se através de duelos e de combates de sabre; o prazer da «luta» e a delimitação absolutamente rigorosa entre amigos e inimigos são 03 seus fenómenos característicos. Em muitos pacientes que se vêm obrigados a travar uma luta constante contra a homossexualidade (nos eritrófobos, p or exem p lo ), ests pulsão opera em sonhos uma ruptura do recalcamento, sob a forma de com bates à faca, ao sabre ou à pistola. Esta representação explica tanto a recusa como a satis­ fação da pulsão. Tendo em conta a atitude global dos estudantes destas associações, somos levados a consi­ derar os seus contezes assaltos de sabre como uma forma sádica de substituir a masturbação mútua; a acção contêm ao mesmo tem po o seu próprio castigo. Esfor­ çam-se p o r exibir as suas inúmeras vitórias nesses c o m ­ bates; o jovem «caloiro», tal como o galã em voga, coram d e vergonha se não possuírem nenhuma cicatriz. Tudo isto tem um significado perfeitam ente unívoco:

T «Beiträge zur Psychologie der Homosexualität» (Contribuições d psicologia da homossexualidade), Internationale Zeitschrift für Psy­ choanalyse, \ ol. VIIT. 1922

226

estamos perante tendências auto-punitivas que encon­ tram no duelo a sua satisfação. Compensar sentimentos de inferioridade com uma encenação espectacular de valentia constitui uma segunda m otivação para estes combates. Temos de adm itir que a deformação do amor tem um papel preporiderante no desenvolvimento da cruel­ dade ,tanto no indivíduo como nas massas. A brutalidade da Guerra Mundial (e talvez mesmo a Guerra Mundial em si) não teria sido possível se a sede de poder de um punhado de dirigentes não tivesse encontrado q u jlquer eco na crueldade latente dos indivíduos. Num ensaio intitulado Considerações actuais sobre a guerra e sobre a m orte ®, que passou quase despercebido, infelizmente, nos meios que precisamente deveriam ter-se interes­ sado por ele, Freud conseguiu explicar o entusiasmo bélico: a guerra significa a libertação colectiva dos recal­ camentos e em particular das pulsões sexuais, com a autorização do pai, idealizado na pessoa do imperador: pode-se finalmente matar sem sentimento de culpabili­ dade. Durante a guerra, foi possível constatar igualmente que os indivíduos que tinham fortes ligações heteros­ sexuais ou sublimações válidas, se opunham à guerra e que, em contrapartida, os que consideravam as m u­ lheres como simples buracos e eram homossexuais laten­ tes ou manifestos, eram os mais brutais dos valentes. Os psicopatas sádicos e os caracteres associais também ?e conformavam bem com a ideologia bélica. Quem esteve na guerra conhece bem o papel das obsceni­ dades e injúrias anais em tal ambiente. Estas duas com ­ ponentes da genitalidade desfigurada reinavam tanto nas salas de convívio como no quartel, no campo do manobras ou na messe dos oficiais. As prostitutas e o coito eram o assunto exclusivo das conversas. Os que conhecem as grosserias dos militares sobre a função genital não nos recusarão certam ente o direito de ver nelas uma regressão colectiva à analidade e ao sadismo. Durante a guerra, esta regressão propagou-se por todo * Zeitgemâbes iiber Krieg und Tod (traduzido em Ensaios de i'ärtm'iline, op. cit.).

227

o lado, mas já antes da guerra o ambiente dos quartéis demonstrava

claramente

o

estado

mórbido

da

estru­

tura genital das massas e dos seus dirigentes. Diz-se murtas vezes, com razão, que onde reina a força e a violência

não

existe

lugar para

o amor.

A

sociologia e a teoria das neuroses exigem que se acres­ cente tam bém o seguinte: quando o &mor objectai geni­ tal não pode exercer-se na sua unidade, assiste-se a u.n exagero da sede de poder e da brutalidade para atém dos limites biológicos e so ciais9. Com efeito, a nossa experiência clínica da influência da repressão do amor sobre a propensão ao ódio, permite-nos afirmar que o m otor da guerra não era só nem fundam entalmente

s

sede do poder, até mesmo para certos dirigentes que tirvham o poder de decisão. É certo que essa sede foi o motivo

imediato e se veio

acrescentar aos problemas

sócio-económicos do poder. Mas de que 'forma o c o n ­ trolo sexual e a limitação da Uberdade d e escolha, no campo sexual, poderiam ter ficado sem ©feito na m en ­ talidade individual? Nunca estas restrições tinham sido tão rigorosas e tão grosseiras como na aristocracia de sangue e de dinheiro que rodeava a dinastia reinante. Os preconceitos de classe, a consciência do estatuto social 0 os pretensos interesses de ‘Estado exigiam de cada qual que pusesse as suas necessidades sexuais atrás das dos interesses da classe. A escolha dos m ari­ dos e os casamentos eram assuntos de política, sobre­ tudo entre os mais chegados do rei. Tais frustrações, que tinham um alcance social, não podiam deixar de ter consequências. Apesar da consciência que cada um tinha de que a sua camada social exigia que aceitasse sem protestos abertos a proibição de uma má aliança e um casamento forçado, o inconsciente da criança tinha que se revoltar. £ se a carapaça da boa educação, de rigor na corte, não perm itia uma explosão revolu­

“ Sem entrar nestes assuntos, Rathenau não deixa por iíso de notar em Vom Kommenden Dingen ("Coitas do futuro) «que eriste um a estranha relação entre ta sede do poder e a ir ac a virilidades (Gesamtaugabe, tomo UI. p. 1S5)

228

cionária nos lares, estas explodiram à luz do dia nas «escandalosas» aventuras sexuais e no sadismp bético. Assim os interesses económicos fizeram com que às inibições genrtais individuais se viessem juntar as restrições exteriores. Tais restrições económicas da genitalidade não afectam o proletariado, e como além disso a pressão das exigências culturais é menor do que na classe dirigente, o número de neuróticos é proporcio­ nalmente menos elevado e a genitalkJade é menos entra­ vada quando as condições materiais de vida são piores. Verificamos 'imediatamente a diferença analisando doen­ tes provenientes das camadas mais pobres do prole­ tariado. Um recalcamento muito menos repressivo, uma infância praticam ente deixada a si própria, uma verda­ deira precocidade sexual, recusas brutais, eis entre outros os atrrbutos da miséria proletária. Evidentemente, encontra-se muitas vezes brutalidade nas camadas pobres do proletariado: assassinatos, brigas à faca, excessos de álcool, etc. Que relação existirá entre esta brutalidade e a genitalidade relativamente desinibida do proletariado? 0 prim eiro com entário que se impõe é que estas manifestações de brutalidade do proletariado são negligenciáveis se tivermos em conta o núm ero de indivíduos que o integram. Se considerar­ mos a ausência mais ou menos marcada de inibições culturais eficazes e a miséria e a sujeição a um traba­ lho duro, o que devemos antes perguntar é: qual a razão porque a brutalidade das massas se manifesta tão pouco? A sociologia não conseguiu dizer-nos ainda porque razão as massas se deixam submeter p or alguns indivíduos. Nas condições de vida a que as -massas foram submetidas até estes últimos anos (e muitas vezes hoje em d ia), se os indivíduos tivessem sido submetidos às mesmas restrições sexuais que as classes dominantes, não teriam faltado revoltas caóticas. Esta docilidade psíqu-ica relativa das massas, que deve parecer incom­ preensível até para os capitalistas bem informados, é mais uma vez im putável, entre outras coisas, à liber­ dade relativa da genitalidade, porque a sua satisfação retira energia às puJfeões sádicas. Evidentemente, quando a brutalidade de um indivíduo acorda, é muito mais primi­

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tiva e irreflectida do que nas ciasses dirigentes, porque lhe falta a fachada e a máscara do civismo, é uma brutalidade infantil em comparação com a brutalidade dissimulada, e consequentemente mais implacável e proporcionalmente mais divulgada, dos abastados. 'Esta brutalidade é segu­ ram ente fácil d e entender com o m eio de protecção da propriedade privada. M as um problema de grande im por­ tância ficou p or aprofundar: o domínio económico dessa minoria terá sido possível em razão da sua brutalidade, brutalidade esta favorecida no interior e no exterior do meio dirigente pe>la separação social e a 'limitação da liberdade sexual? Ou terá sido o contrário que acon­ teceu? Terá -havido prim eiro, como o afirma a teoria marxista, uma dom inação económica d e alguns, devido a circunstâncias puram ente exteriores? € só acessoria­ mente, com o fim de proteger a propriedade privada, esta dom inação terá conduzido ao isolamento dos pos­ suidores e, por conseguinte, ao desenvolvim ento da bru­ talidade dos abastados, ao lim itar em particular a liber­ dade sexual? N a nossa opinião, com a ajuda da teoria do incons­ ciente e guiada pela psicologia sexua1! analítica, a socio­ logia está em condições de resolver importantes proble­ mas que sem estes apoios estariam fora do seu alcance. A nossa tentativa, evidentem ente cheia de lacunas, não pretende ter feito qualquer descoberta definitiva. É ape­ nas um prim eiro passo, baseado em certas analogias entre a dinâmica m ental do neurótico e a das massas, que são sem pre compostas p or indivíduos e apenas por mdrvíduos.

H.

CO N SEQ U ÊNC IA S DA SEPARAÇAO DADE NO C A S A M E N T O

DA

S E X U A L I­

Há urna circunstância importante da vida sexual pré-conjugal do homem que vai desempenhar um papel funesto no casamento. Todos nós sabemos que as pros­ titutas são ou totalm ente frígidas, ou orgasticamente potentes apenas com os amantes ou patrões. As pros­ titutas jovens vão até ao ponto de simularem o orgasmo,

230

mas isso rapidamenie deixa de impressionar o homem experiente, causando-lhe até por vezes repulsa e eie cai rapidamente numa apatia em relação à mulher e o acto sexual volta a cair ao nível de um acto auto-erótico, onanista, que já não é estimule do pela mulher mac unicamente por fantasmas. A atitude em relação à mulher em geral, que é o resultado de tais práticas, traduz-se perfeitamente pelas expressões habituais dos soldados e dos estudantes, do género: «o que é preciso é cm buraco» ou «De noite todos os gatos são pardos», etc. 0 prazer, que só pode resultar do prazer da com pa­ nheira, m uitos homens tentam substituí-lo p or diversas variações d e coito, o que, em tais condições, não podo de maneira nenhuma satisfazê-los. é bastante significativo que m uitos homens e mu­ lheres ignorem com pletam ente que existe um orgasmo feminino e que m uitos o considerem como vergor.hoso. A sutoestimaçao da mulher e a apatia adquirida nas rela­ ções onanistas e «anais» com mulheres pagas, ievam-nos inehJtavelmente a sentirem-se enojados depois do acto, e muitas vezes até durante a ejaculação; tsis reac­ ções vão ser difíceis de ultrapassar depois, no casa­ mento. A sensualidade genital está doravante tão mar­ cada pela anaiidade que não pode unir-se à ternura. Supondo que ainda é possível sentir ternura por uma mulher, as relações com ela serão consciente nu ín co n jcisn tem ente consideradas com o um aviltam ento da m u ­ lher amada. Se a ternura se apaga, o acto passa então a ser um pesado dever e subsiste apenas com o mecanismo de evacuação. Se a ternura não morre, então surge no homem o risco de ficar to ta l ou só parcialmente im po­ tente. Naturalm ente, a genitalidade da m iilher é quo paga tudo isto. A mulher teve que reprimir essa geoita'lidade até ao casamento e o homem tem que dar mostras de muito tacto e compreensão para conse­ guir ultrapassar a tim idez sexual feminina, sobretudo durante os primeiros tem pos da relação sexual. Mas justam ente nunca aprendeu a interessar-se pela satis­ fação da mulher. E caso a esposa desse livre curso à sua excitação, ele recordar-se-ia apenas da comédia das prostitutas simulando a excitação sexual. Eis a razão

231

pela qual a separação da sexualidade, separação de o ri­ gem social que se exprime n)a oposição casamento /prostituição, deve ser considerada como uma das causas fundamentais da frigidez persistente das mulheres, q u j não apresentam qualquer predisposição particular p a n a neurose. E a falta de interesse pela satisfação d=i mulher tem por consequência a ejaculação prematura c a flacidez do membro masculino, porque o homem pro ­ cura atingir a satisfação final sem se adaptar à mulher que, sobretudo no início do casamento, só com dificul­ dade consegue atingir o orgasmo e por vezes não o atinge. Para a mulher, situa-se aqui o ponto de partida para uma regressão que anima fantasmas antigos, facto que instaura as bases para uma eve/itual psiconeurose. £sta forma «Je ejaculação precoce, de origem social, é o último obstáculo que encontramos durante o tratam ento das mulheres frigi­ das. M as um tal obstáculo é inultrapassável. A análise po­ derá 'libertar a genitalidade feminina, mas esta não poderá desenvolver-se p or o marido não ser suficientem ente potente, isto á , não ter ultrapassado a separação das suas tendências sexuais; o seu com portamento co ntim u tão egoísta com o no passado, sexuais com prostitutas.

quando

tinha

relações

Noutros casos, o homem sofre no casamento por já não pod er realizar as variantes do acto que p ra ti­ cava antes, ou por sentir a falta de satisfações extro-genitais. Com efeito, não pode esperar da esposa que esta pratique «esses costumes de puta», e, por outrs lado, esta encontra-se demasiado inibida para tomar a m enor iniciativa; além disso, qualquer sexualidade extra-genital se encontra associada à ideia de «m ulhe­ res perdidas». Mas a análise de mulheres casadas m os­ tra que, se as pirisões genitais não foram sublimadas, estas desejam que os preliminares amorosos ih-es dêem uma satisfação mais ou menos acentuada, segundo os casos: o conhecim ento do desenvolvim ento sexual não perm ite, aliás, nenhuma outra hipótese. Nestas condi­ ções, a rejeição de toda a satisfação não genital apoia-se no recalcamento. € o homem que recalca as suas necessidades

pré-genitais

não

232

sublimadas

enccr,tra-se

igualmente ameaçado de neurose. Em todo o caso, tais restrições levam sempre, no casamento, a um nervosismo cujos verdadeiros motivos permanecem normalmente inconscientes ou acabam por ser recalcados. E as con­ sequências, para o casamento, arriscam-se a ser igual­ mente desastrosas se o homem, acentuando a separação da sua sexualidade, descarregar a sua genitalidade num acto conjugal aprovado pela sociedade e satisfazer as suas necessidades pré-genitais fora do casamento. Inibições e divisões das necessidades engendram um afrouxamento crescente da atracção sexual. A inten­ sidade da descarga orgástica não pára de descer. Du­ rante o acto. a pressão perturbadora de fantasm as vindos de pulsões não satisfeitas torna-se cada vez mais forte. A agressividade acaba por aumentar e actua antes de mais contra o cônjuga pretensam ente culpado. Os de­ sejos polígamos, outra consequência que surge norm al­ mente, causam, além disso, nos casais m oralmente ini­ bidos, um sentim ento de culpabilidade que vem reforçar o ódio ainda mais. Se a profissão do homem não lhe perm ite sublimar o que reprime ou se a sua capacidade de sublimação enfraqueceu, a sua homossexualidade desenvolve-se e transformar-sé-á em jogador ou em bêbado. Se a mulher tem uma libido forte e trava os seus instintos, a neurose é a única via que se lhe abre. A mulher pode até m uito bem ignorar até que ponto o marido a desiludiu, porque quam o mais forte é o recal­ camento mais a m ulher terá tendência a procurar a satis­ fação através de fantasmas que conduzem necessaria­ mente à regressão e à estase libiainal. Acontece, por vezes, que o desejo de satisfação se exprime por um hum or amargo e irritável.. É o grau da inibição moral que decidirá entre uma ou outra consequências. M uitos maus casamentos têm a sua origem na impossibilidade de um entendimento genital (no sentido restrito e no sentido lato) e os conflitos conjugais são apenas uma neurose disfarçada. A mulher frígida sente o acto sexual com o uma coisa brutal e sujeita-se-lhe com o a um sacrifício p e ­ noso: Não passa de um pesado dever, tanto para eta

233

como para o marido que, com razão aliás, pensa que essa repulsa o visa 'pessoalmente. Em tais casos, até a sublim ação fica sem efeito, porque o conflito da vida sexual vai 'igualmente afectar e despedaçar as sublima­ ções já existentes. É muitas vezes daí que provém a inaptidão para o trabalho. Apenas resta a afternativ i entre a neurose e a infidelidade conjugal. Cm certas condições, pode acontecer que uma nu­ merosa prole e uma grande miséria material perm itam evitar tais dificuldades, absorvendo uma parte das ener­ gias psíquicas que, sem isso, teriam contribuído para a form ação da neurose. Em particular, até certo ponto, a m ulher pode encontrar nos ftthos uma substituição para a satisfação sexual que lhe falta. No entanto, seria totalmen-te ocioso querer, em nome d e concepções reli­ giosas ou metafísicas, substituir totalm ente a satisfação sexual pelo trabalho ou p or uma famfHa numerosa. Porque, noutras condições, que são parte integrante da form ação das neuroses, estas desenvolvem-se apesar da miséria, da sujeição ao trabalho ou da numerosa prols. Sem subestimar o factor económico, gostaríamos de fazer ressaltar que os conflitos internos debilitam igualmente as forças necessárias para enfrentar a dura realidade. A desorientação interior vem som ar-se às dificuldades exteriores e ambas se reforçam mutuamente. Por hábito os responsáveis pela política social e dem o­ gráfica desleixam o aspecto subjectivo da miséria social, ou só o consideram quando este deriva das dificuldades exteriores. Pelo contrário, a análise dos indivíduos permite-nos dar conta de que os neuróticos podem aumen­ tar desmesuradamente as dificuldades que se lhes apre­ sentam. Quem quer que tenha encontrado esta propensão para o aumento da miséria económica e a aceite como um escape para os conflitos internos, não pode acre­ d itar numa solução radical para os problem as sociais através de métodos tradicionais. Do ponto de vista sociológico, essas neuroses disfarçadas não ficam a dever nada à tuberculose, no que diz respeito à deterioração da saúde do povo. Podemos verificá-lo rapidamente na vida d e um dispensário psicanalítico para economica­ m ente débeis. Os grandes nomes da assistência social

234

teriam desde há muito tem po descoberto- tudo isto se não se tivessem fechado na crença de que as neuroses (com o aliás, ao que parece, todas as ideias) não são mais do que uma «superestrutura» das relações eco­ nómicas. U casamento é um dos muitos pontos de cruz.v mervto dos problemas sociais. Ora, com efeito, oficial­ mente, o casamento não é considerado como o que na realidade é, isto é, uma comunidade sexual cujo fundamento deve residir sobretudo, no amor object-il genital. M uitas vezes esquecemo-nos disto e conside­ rámo-lo apenas como uma unidade económica ou uma instituição que tem por objectivo a reprodução. No entanto, muito poucos casamentos se fazem por razões económicas ou para a reprodução: nas condições actuais, o casamento significa sempre restrições e comporta um risco de miséria económica. Seria má psicologia pre­ tender que estas razões objectivas possam ser ou passar a ser uma m otivação subjectiva para que um casa­ mento se faça ou se mantenha. Se, apesar das restri­ ções económicas e pessoais, apesar até do risco de miséria, o casamento se faz, é porque, na verdade, assim o exigem poderosas necessidades individuais, neces­ sidades sobretudo de ordem sexual. Freud emitiu um dia a ideia de que o prazer sexual representa

um prémio

que a natureza concede ao homem pela conservação da espécie. Escravizando os homens ao recalcamento, a civilização e a miséria económica que a acompanha conseguiram despojar desse prémio uma grande parte da humanidade, especialmente as mulheres. Aquilo que assegura a reprodução da espécie, não é já senão a esperança de obter este prémio de prazer ou, no respei­ tante às mulheres, a medíocre perspectiva de ter uma existência económica autónoma. É certo que a tendência biológica para a reprodu­ ção, o desejo de ter filhos é, por razões individuais, significativamente mais pronunciada na muih&r do que no homem, e isso vê-se no psiquismo. Contudo, na his­ tória de cada indivíduo, o desejo sexual precede sempre o de ter filhos. Só em algumas mulheres é que o desejo da maternidade mascara o desejo sexual. A anáiise

235

destes casos mostra que se trata dum recalca me n n neurótico das pulsões genitais. De facto, estas mulheres inconscientemente têm medo do acto sexual ou experi­ mentaram graves desilusões com os homens e desejam uma criança p or partenogénese (H . Deutsch). Quanto à multier frígida que tem muitos filhos, d e início não os queria, peio menos prim ordialm ente. Uma vez dados à luz, e só a partir de então, os filhos substituíram a satisfação sexual, absorvendo energias Irbidinaís por força do trabalho a que obrigam. A análise rapidam ente faz nascer a revolta contra as obrigações maternais e contra a abnegação a que a mulher teve que se res ig n a r1*. Nos casamentos relativam ente bons, o desejo de ter um filho só aparece após uma certa saturação das exigôncias genitais. Facilmente se costuma proclam ar que só a vinda duin filho p od e consolidar um casam ento, mas ta l só se verifica m ediante certas condições prévias. Uma das mais im portantes é a harmonia psico-genital dos pais. Se esta não se estabelece, as crianças tornam-se pelo contrário uma nova fonte d e m al-estar e geram uma pesada coacção d e que só os privilegiados se podem libertar. Se hà várias crianças, todo o amor que não é saciado no casamento vai ser derram ado sobre eles. Os pais vão decidir das suas preferências, segundo o sexo dos filhos, e cada cônjuge favorecerá os seus pre­ feridos em detrim ento dos outros, o que s ó pod e t e r consequências prejudiciais para o desenvolvim ento das crianças, que passam e estar presas d e graves conflitos, quer entre si, quer com os pais. M u ito s «desdobra­ mentos de personalidade» que Freud atribui a Identifi­ cações opostas m utuam ente incompatíveis são fru to de tais casamentos.

10 Em Duas Mulheres, Balzac descreveu com uma incomparável d&reza este conflito m aterno.

Ml.

A G E N IT A U D A D E M O N O G Á M IC O ? A

moral

sexual

EM B O TA-SE

dominante

NO

impõe

C A S A M EN TO

no

casamento

relações sexuais monogâmicas. Não é nosso propósito julgar se está certa ou errada a este respeito, pois os princípios

morais

não são susceptíveis

de demonstra

ção e, como repousam em valores éticos, são inacessí­ veis à ciência, que, apenas p od e descrever e explicar. A

ciência

apenas

pode

ou

tom ar

como

objecto

de

investigação os próprios preceitos e as motivações dos que deles se reclamam, ou examinar os resultados a que conduz a observância ou a não observância das regras morais. De resto, a morai assumiu aspectos dife­ rentes conforme as épocas e, mesmo entre os contem ­ porâneos, conduz geralmente a preceitos opostos d efen­ didos sucessivamente com a mesma paixão por parti­ dários irreconciliáveis de cada um deles. Mas, a des­ peito das frequentes acusações de imoralidade, quando aborda a sexualidade, a ciência cuida sempre bastante da sue moralidade o que não favorece em nada a objec­ tividade dos seus resultados. Tem os que repetir insistentemente estas evidências, enquanto houver sexólogos sérios e influentes, como por exemplo, Fürbringer, que levam a sua indignação a pontos de escreverem, em publicações científicas, tira­ das deste género: «Quando, sem razões particulares (obesidade, gravidez, dores no baixo-ventre), alguém começa a escolher com frequência posições anormais (coito em que o homem está deitado de costas, coito lateral, cum uxore inversa, posição de pé, sentada, ajo e­ lhada, ou apoiada nos cotovelos), o médico não devo ceder à tentação de as considerar em globo como mé-criação ( I) inofensiva e passageira. Por detrás delas. escondem»se, com demasiada frequência, as elucubrações duma imaginação cínica (!?) e duma concupiscência 'refinada»". Daqui a fazer com que a lei prescreva uma posição normal para o coito vai um passo. 11 Citado por Marcuse no seu Handwórlerbuch der Sexuahvissenschaft (op. cit., p ?72). Quanto aos que. nasíes assuntos. v£m e 237

Púnhamos portanto a moral de lado e examinemos antes os factos. Anos de monogamia geram um em botamento da atracção sexual; é raro que •esta não redunde numa morna resignação; pelo contrário o mais frequente c que a monogamia leve a graves conflitos conjugais. Este problema, que é o eixo da sexualidade conjugal, foi desde sempre objecto de gracejos mais ou menos obsce­ nos, tendo preocupado tam bém grandes espíritos como Balzac ou Strindberg; mas só a ciência está em condi­ ções de elucidar estas questões. Cada um dos cônjuges com eça a descobrir no outro defeitos que até então

não vira

nem

notara. Quer as

suas personalidades tenham m udado, quer não, os espo ­ sos deixam de se compreender. É extrem am ente raro que conheçam as verdadeiras razões da sua mútua incomprensão, antes vêm no em botam ento sexual uma consequência do seu desacordo. Na realidade, o qu-? se passa é exactam ente o contrário; a diminuição d i atracção sexual sublinha os traços de carácter qus tinham sido esbatidos no período de harmonia genitç). Tom em os o caso mais favorável: os cônjuges são mais ou menos saudáveis tanto física como psiquiccmente, a coacção económica não os atingiu muito, p o marido soube fazer recuar a cisão do am or condicio­ nada pela economia e a sociedade. Não deixa de se verificar por isso que a desfloração constitui para 3 mulher virgem um choque (um a nova castração) 12 que só em condições muito favoráveis pode superar. Quando

dizem a verdade, devem estar à espera de reacções. A redacção dc Münchner Medizinische Wochenschrijt (Novembro 1926) dá-nos um bom exemplo pensando dever acrescentar a um relatório elogioso do cora­ joso livro de Van der Velde Die vollkommene Ehe (o casamento feli? — Koregeo —. Verlag, 1926, Ref. Nassauch) o seguinte comentário: «Teria sido m elhor, na nossa opinião, lim itar o acesso deste livro aos meios médicos. Em m ãos profanas, existe o risco de comequencias nocivas. Algumas «variantes» descritas e aconselhadas neste livro «.não devem entrar nos lares alemães* (!) Lamentamos não poder aqui voltar «o livro de Van der Velde, publicado depois da entrega du notsso manuscrito. 13 Cf. a este respeito Fritd, «O tabu da virgindade», em T.a wV SexueUe, op. cit.

238

não perde rapidamente a frigidez, começa a alimentar ódio contra o marido. A té hoje, uma reserva, que é compreensível, mas injustificável do ponto de vista m é­ dico, juntam ente com o receio de se cair na pornograf! impediu que se abordasse a psicologia da noite de núpcias. Contudo, como afirmaram escritores sérios e como o demonstra a psicanálise das pessoas casadas, a felicidade ou a infelicidade posteriores do casal são redutíveis no fim de contas à experiência da primeira união sexual. O facto de se designar pelo nome de «lua de mel» as primeiras semanas do casamento mos­ tra bem que os que forjaram esta expressão e os qua gostam de a utilizar sofreram um em botam ento sexual e querem assim realçar as aparências das primeiras expe­ riências conjugais que só parecem tão belas quando comparadas com a apatia posterior. Na 'ealidade, os primeiros tempos produzem sobretudo um choque e ou são vividos numa constante decepção cor.sciente ou são recalcados e afastados da consciência por meio de ilusões de curta duração. Com efeito, a mulher enfrenta esta nova experiência, que desde a infância era tabu, com angústia: e onde o medo domina não há lugar para o prazer. Quanto ao homem, qu-e até então foi geral­ mente obrigado a separar as suas aspirações amorosas, encontra-se também confrontado com uma situação nova e tem que ter muito tacto e sensibilidade para adaptar a sua sensualidade a essa situação e não com eter impru­ dências. Nenhuma harmonia amorosa pode resultar daqui. Para muitos homens, é a novidade da experiência que gera ,o atractivo aparente dos primeiro? tempos do casamento: pela primeira vez na vida, eles «possuem» uma mulher da sua própria classe, coisa que até então lhes estava vedada. Quanto às mulheres de meios social e '‘e conòmicamente menos favorecidos, só podem também reagir com ôngústia quando chegam virgens ao casamento. O homem da sua classe não sofreu talvez com a sepa­ ração das tendências amorosas, mas geralmente não possui o nível de refinamento sensual susceptível de evitar o choque da desfloração. A primeira preocupação dos centros de conselhos

239

para os casais deveria ser esclarecer os cônjuges sobre as dificuldades da harmonia psíquica e física. O exame da saúde corporal ó apenas uma parte da sua missão. O simples facto de se explicar que a harmonia genital só se pode instaurar após se terem ajustado os dois ritmos sexuais poderia evitar graves decepções. O marido deve­ ria saber que, de início, a m ulher a m aior parte das vezes é frígida e que perderá e frigidez por si própria, se se tiver mantido fundam entalm ente sã e que, pelo seu lado, não deve dar mostras de falta de tacto. Quanto às mulheres neuróticas, provavelmente só uma psica­ nálise poderia ajudá-las a ultrapassar estas dificuldades. Desde ique existem Dispensários Psicanalíticos para os economicamente débeis, até os mais deserdados podem beneficiar dos conselhos e dos cuidados dos especia­ listas da análise. Não tem os o direito de subestimar as aspirações sexuais dos proletários. Aquando das suas análises, as mulheres neuróticas de operários relatam muitas vezes que as recriminaram pela sua frigidez. Mas nem o m édico de bairro (que cegamente só confia nos métodos som áticos) nem o conselheiro matrimonial (que quanto às questões psicológicas tem poucas ideias ou m uitos preconceitos) conhecem estas dificuldades pri­ mordiais de que tam bém sofrem os casais de proletários” 19 Um só exemplo basta: no número* 47 da Deutche Medizinis­ che Wochenschrift, Schwalbe faz um relatório sobre os Centros de Conselhos a casais do distrito de Penslau Berg, em Bertim (em «Con­ selhos sobre saúde antes do casamento). Vem no relatório originai que sSo examinado« e anotados os pontos seguintes: altura, peso, capacidade toráxica, estado geral, urina, menstruação, gordura, mus­ culatura, ossatura, órgSoe dos sentidos, olhos, ouvidos, pulmões, coração, tensão arterial, pressão sanguínea, órgSos sexuais, e presta-se um a especial atenção bs hérnias inguinais, aos testículos subidos e malformações. E Schwalbe acrescenta: «Só em casos apropriados se efectuará o levantamento completo do doente». A quem se quer lazer acreditar que as ideias m udaram tanto e que as questôe» de psico-sexualidadc (potência, capacidade e conflito sexuais) s£c tio evi­ dentes que não é preciso notá-las explicitamente? Ao leitOT? Este verá depois de ler mais linhas sobre os Centros de Conselhos sexuais e conjugais da Liga para a Protecção das Mães e para a Reforma Sexual «que nestes centros, os conselhos aos casais nSo são en­ tendidos como problem as específicos, mas que pelo contrário

a partir daí se dão conselhos sobre todos os problemas sexuais (itáVeos meus) e isto nSo se limita, infelizmente, aos métodos con-

240

Voltem os ao tema central deste sub-capítulo. Mesm o que a harmonia

sexual

acabe

por instaurar-se,

depois

d e superadas todas estas dificuldades, novos perigos fazem sentir a sua ameaça. A satisfação passa a obter-se facilmente e já não é necessário conquistar o objecto; estes dois factos levam a uma demasiada frequência das relações, o que é d u p lam en te, prejudicial. Deixam de produzir-se grandes tensões libidinais; a princípio as mais pequenas estases libidinais são eliminadas. Ferenczi foi, que eu saiba, quem primeiro tratou os perigos da «habituação sexual» no m atrim ónio de forma científica *' Além disso, o co ito é praticado como um dever e sur­ gem as primeiras sensações de repugnância. O prazer agressivo da conquista éxerce-se tam bém em parte no acto sexual. M uitos homens, que antes do casamento só pensavam em conquistar um grande número de m u­ lheres, vêm o seu desejo pela esposa diminuir logo que deixa de haver algo a conquistar. Pode encontrar-se este fenómeno extremo em diversos graus em todos os casamentos; ele tem as suas raízes no que caracteriza o desenvolvimento sexual da criança. 0 sexual foi-lhe sempre proibido e esta associação vai subsistir no inconsciente. 0 fruto proibido, cujo núcleo é o sexual, foi particularmente desejado. Assim a coisa proibida adquire um sentido sexual escondido mesmo em dom í­ nios não-sexuais, como por exemplo, o roubo na clep to ­ mania. Em muitos homens, o valor sexual do proibido reforça-se de maneira tão patológica que não pode dese­ jar o não proibido. Quanto mais o homem queria «con-

txaccptivos, mas vai, a que parece, até aos métodos de atiorl«». Pois bem, como diríam os, o casamento não é. segundo esla concep­ ção. um a união sexual porque em caso contrário nSo se partiria do casamento para chegar à sexualidade. Ê no mesmo espírito que fun­ ciona o Centro de Conselho de Francforte (Prof. Raeko): «Depois de efectuado o casamento, acabam-se os conselhos. Conselhos a casais c limitação dop nascimentos não têm nada em comum», í; pelo menos o ponto de vista do conselheiro! Fslc tamhéni não tem nada em comum com o facto dos conselhos s6 terem o seu completo dignificado depois do casamento! Tudo isto nn terá tendência a ver no homem uma criança e vir assim ao encontro da sua atitude infantil. Tem um com porta­ m ento infantil e passivo antes do acto, maternal e activo depois dele, ao passo que o tiornsm reage de m odo paternal e agressivo, antes, infantil e passivo, depois. M esm o nesse caso, as dificuldades já citadas e as motivações do em botam ento nas relações monogâmicas não podem, a bem dizer, ser eliminadas; mas o princípio pode ser evitado, na medida em que os cônjuges p re­ firam não pagar com uma neurose ou com algum seu equivalente (um casamento infeliz) a observância das suas regras morais. Dito isto, há outra causa do em bo­ tam ento que é inevitável; a Irbido é tão susceptível de destacar-se d e determ inado o b jecto com o de nele se fixar, a ibido é tão lábil quanto viscosa (F re u d ). Se não houver outro factor, a satisfação em si mesma com ­ porta o em botamento. A variação do modo d e satisfa­ ção apenas poderá retardá-!o; não pode suprimi-lo. M as este em botam ento, que é um dado fisiológico, não tem nada a v er com o que tem origem em trecalcamentos neuróticos. Com efeito, é ressentido muito menos peno­ samente, pois não se baseia na repressão das reivindi­ cações instintuais, mas na sua satisfação. E quando mais tarde aparece, mais coincide com a diminuição da capa­ cidade somática e os perigos de estase líbidinal desa­ parecem. Para praticar mesmo durante o casamento uma abstinência temporária e voluntária, é preciso realmente ter uma grande consciência dos perigos relacionados com uma frequência demasiado elevada das relações sexuais. Ferenczi sublinhou energicamente este facto (loc. c it.). A im im idade corporal comportada pela união conjugai (o quarto de dormir comum, e tc .) torna difícil levar a cabo esta abstinência. Mas se não a o bservarem os esposos, mesmo os que atingiram uma grande har­

246

monia sexual, um dia, com terror, vêm-se confrontados com a realidade da diminuição da sua trbido. Sentindo-se culpados, tentarão ocultá-la ou compensá-la por meio de uma ternura excessiva. Em consequência disso, sur­ girão tendências para a 'poligamia que os deixarão desconcertados e que serão tanto mais surpreendentes quanto mais imenso era o apego ao cônjuge e que poderão d e seguida levar a fantasmas ou a actos compufeivos de poligamia. Em virtude da tradição que con­ dena a infidelidade conjuga! como coisa imoral, errada e criminosa, surgem sentimentos profundos de cuipabifidade. Se se esconder como um segredo criminoso a tendência para o adultério, ou esta é recalcada ou com e­ ça-se a representar a comédia oposta perante o cônjuge; é nessa altura que as pessoas de moral rígida se vêm ameaçadas pela neurose. Quanto aos menos escrupu­ losos, praticam o -adultério e dissimulam-no. Poucos são os que têm a coragem de se abrirem ao cônjuge sobre o assunto; embora esta franqueza nem sempre apague a dificuldade, tem por si própria uma acção liber­ tadora. Uma «infidelidade» passageira pode até tornar-se necessária para um bom casamento. É claro que isso só diz respeito às excepções favoráveis e pressupõe uma clara consciência dos perigos que ameaçam então a estabilidade d o casai De qualquer form a, estam os perfeitam ente no direito d e pôr em dúvida as vanta­ gens duma fidelidade que se baseia, não na satisfação, mas na coacção e no recalcamento. E temos a certeza absoluta

que

uma

fidelidade

dessas

afecta

a

saúde

merrtal. Perante tantas dificuldades, não nos espantará já a abundância dos dramas conjugais, quer eles se expri­ mam sob a forma de dramas passionais, quer como aze­ dum e e morna resignação ou neuroses. De to d a . esta miséria só uma p arta pode ser atenuada pela mais ampla regulação económica das relações sociais: a que provem das condições exteriores. Só até certo ponto se podem alterar as necessidades individuais e nem a punição do adultério, nem o ostracismo social podem varrê-las da terra. Quanto ao auxílio médico, o p io r dos obstáculos que se opõe ao seu êxito é o de misturar

247

à avaliação dos factos qualquer valoração subjectiva ou moral, seja ela anarquista ou reaccionária. O médico, enquanto m édico, tomará em linha de conta, o melhor que th© for possível, a luta entre as reivindicações instintuais e as exigências sociais, por meio de um c o m ­ portamento absolutamente tolerante, que siga a terapia de Freud, e deixa que o doente 'tome as suas decisões, depois de lhe ter proporcionado o conhecim ento dos seus desejos e a capacidad-3 de tom ar uma decisão. Segue-se daqui que, face a um paciente insatisfeito com o casam ento, nem lhe devemos aconselhar o adul­ tério nem desviá-lo dele, Com isto se relaciona, p o r outro lado, uma questão do maior alcance social: a psicologia da «luta dos sexos». O desprezo frequente a q ue o homem vo ta a mulher; o m ovim ente fem inista que, justificando a crítica de Gre*te M eisel-Hess, se esforça p or identificar as mulheres com os homens, em v e z d e desenvolver pela sublim a­ ção as aptidões próprias do seu sexo; a fem inilização crescente dos homens; o conflito conjugal, tal corno Strindberg

o pós

inesquecivelm ente

em

cena,

e que

reencontramos quase a cada passo nos amores entre pessoas solteiras; e o conjunto das atitudes que não se podem confundir com o amor mas que, ftoje em dia, o acompanham, como, p or exem plo, a mal-querença, a inveja, a brutalidade, o desdém , o gosto da dom inação e a falta d e delicadeza; todos estes factos deveriam ser incluídos neste sub-capítulo, pois não são tanto causas, mas antes consequências da impotência orgás­ tica do homem contemporâneo, do homem civilizado. M as. dada a extensão do seu significado social, este assunto merece um estudo particular.

IV .

O SEN TID O D AS V ID A SOCIAL

REALIDADES

NO A M O R

F NA

A função d o orgasmo influencia tam bém de maneira decisiva as funções diferenciadas da actividade social e cuhural dos indivíduos. «M esm o quando nos vemos confrontados não com manifestações mórbidas, mas com

248

formações caraoteriais, reconhecemos sem esforço que a lim itação sexual corre a p ar com a tim idez e a m e ti­ culosidade, ao passo que a intrepidez e a ousadia são acompanhadas peto livre exercício das capacidades se­ xuais»

(Freud) ,T. A comparação entre as capacidades

sociais e sexuais dos doentes e dos homens saudáveis revela relações sistemáticas entre as funções prim itivas e as funções mais elevadas; e para ajuizarmos da tera­ pêutica a levar a cabo, não podem os menosprezar tais correspondências. As pulsões pré-genitais são, p or natureza, auto- eróticas, quer dizer, associais; o instinto d e destruição e o seu corolário erótico, o sadismo, são anti-sociais. Inserido è força na com unidade social, o indivíduo tem que renunciar aos seus próprios objectivos instintivos e aplicar as correspondentes energias (p o r am or ao objecto amado ou devido à coacção da educação) em objectivos importantes para a sociedade e a civilização. Freud chamou a este processo «sublimação». A subli­ mação pressupõe antes do mais que as forças instin­ tivas que há que transform ar não sucumbam ao recal­ cam ento,. que impede, não apenas a satisfação, mas tam bém toda e qualquer transformação do instinto. Neste sentido, as regras morais de onde provêm os recalcamentos entram em contradição com as activi­ dades de adaptação sócio-culturais que perm item evitar tais recalcamentos. O recalcamento pode, p o r vezes, levar a actividades sociais que se assemelham a uma sublimação. Cornudo, é fácil distinguir tais actividades das verdadeiras sublimações, pelo seu excessivo carácter reaccional e pela impressão de rigidez que delas ressalta. Uma outra diferença mais importante é o facto de o verdadeiro princípio da realidade na vida social se har­ monizar bastante com o princtpio da realidade no amor. Com efeito, como vamos mostrar, o sertíido das reali­ dades na vida social pressupõe o sentido das realidades no amor ao passo que o falso realismo reaccional de tipo compulsivo não pode ir a p ar com o sentido das realidades no amor. 1T Introdução à psicanálise

8

249

Em consequência das condições de vida fisiotógicas, psicológicas, sociais e biológicas, a genitalidade é a única de todas as pulsões que pode preencher g função do princípio da realidade no amor. Ficamos a dever a Ferenczi a expressão «servtido das realidades no amor», ê fácil estabelecer a legitim idade desta noção sob todos os pontos d e vista. D o ponto de vista ps/co lógico, o homem im potente sente-se diminuído e sente-se mais ou menos incapaz de exercer qualquer actividade, mesmo nos domínios não sexuais. D o ponto de vista fisiológico, a satisfação genital garante o alívio orgás­ tico das ^tensões Irbidinais somáticas e constitui por isso uma das condições da manutenção do equilíbrio mental. D o ponto d e vista social, a genitalidade (no sentido em que a definim os) exige um parceiro e é fundamento, portanto, pelo menos, da comunidade de duas pessoas; além disso, é a única tendência que .1 sociedade, em certa m edida, aprova e cuja satisfação tolera, facto que não teria im portância, se, p or isso, o perverso não se sentisse m aldito. D o ponto de vista biológico, de entre todos os instintos, só a genitalidade serve, além disso, para a conservação da espécie. O hom em são, quer dizer, o homem capaz de am or e de actividade, aplica a sua genitalidade essencialmente em objectivos sexuais, ao passo que o seu instinto de des­ truição e as suas pulsões pré-genkais se voltam para objectivos sociais e culturais. Com o doente, passa-se o contrário: as suas actividades sociais são sexuaiizadas e o seu instinto d e destruição e as suas pulsões pré-genitais dominam a sua vida amorosa. A psicanálise mostra que as perturbações do tra­ balho se verificam em certas circunstâncias. No pri­ meiro caso, o doente, preocupado com fantasmas se­ xuais, não é capaz de se concentrar no seu trabalho, ou então há fantasmas sádico-obsessivos que o dis­ traem de tudo o mais. N o segundo caso, como, por exemplo, a caibra do violinista ou do escritor, a activi­ dade não pode exercer-se, porque recebeu o valor d3 um com portam ento sexual proibido (J o k l). O «com ple­ mento libidina1!» (Jung) da actividade social está já

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livremente à disposição do indivíduo. Comparemos isto com o com portam ento do homem sexualmente realizado: após um acto sexual satisfatório surgem o gosto peío trabalho e uma actividade social acrescida, desapare­ cendo ou diminuindo entretanto tem porariam ente o inte­ resse pela sensualidade. Este estado d e coisas explic3-se pelo deslocamento das energias no orgasmo: a libido espalhou-se p or todo o corpo após o clímax, o que induz uma frescura corporal e um sentim ento do ego mais v i n c a d o A fadiga e a incapacidade dos neurasténicos representa o contrário disto. 'Pode portanto dizer-se que as energias libidinais m odificadas no orgasmo reanimaram as sublimações, sempre que o orgasmo se deu. Por sua vez, estas subli­ mações têm origem nas tendências duradouramente dessexualizadas e nas pulsões destrutivas desviadas dos seus

objectivos

primitivos.

O

recalcamento

do

exce­

d ente de energia Irbidinal mais não faz do que re-sexualizar as tendências prim itivam ente 'Irbklinais, e reorientar tam bém a agressividade para os seus primitivos objec­ tivos. No tocante à noção de sublim ação, tiaveria p or­ tanto que distinguir esquematicamente nelá os três fac­ tores pulsionais seguintes: 1) a agressividade destrutiva duradouramente des­ viada do aniquilamento do objecto (sentim entos comu­ nitários, interesse por diversas actividades importantes do ponto de vista social, moralidade e actividades sociais); 2 ) as tendências pré-genitais duradouramente des­ viadas dos objectivos auto-eróticos (certas formas da actrvidades sociais, interesse cultural, ciência, arte, gosto pelo dinheiro, ambição, e tc .); 3 ) o interesse genital não sublimado; 'mantém cons­ tantem ente relações objectais ternas e tarvto 'leva à des­ carga orgástica, com o, a seguir, se vai aliar às tervdên-

a Segundo a opinião de Ferenczi durante nm colóquio sobre este assunto, a excitaçSo depois do auge do am or objectai sexual, passando do aparelho sexual para o corpo, transfo
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