TERCEIRIZAÇÃO

May 26, 2017 | Autor: R. de Lacerda Car... | Categoria: Outsourcing, Subcontratación, Subcontracting, Terceirização, Subcontratación laboral
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FORMAS ATÍPICAS DE TRABALHO Como citar este artigo:

CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Formas atípicas de trabalho. LTR, SP, 2004, 1ª edição, págs. 43 a 53

Rodrigo de Lacerda Carelli Procurador do Trabalho da 1º Região-RJ – Mestre em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense

TERCEIRIZAÇÃO 1. Introdução e o Princípio da não-Mercantilização do Trabalho Princípio, como o próprio nome já diz, é o início, ponto de partida para alguma coisa. Em uma caminhada, o princípio seria o ponto de partida, local de onde saímos para chegarmos ao nosso objetivo. Porém, a estrada tem vários caminhos e, para não ficarmos andando sem rumo e não termos como voltar ao nosso porto seguro, nossa casa, nós devemos nos lembrar do princípio, principalmente, para sabermos o motivo pelo qual estamos andando. Desta mesma forma ocorre com o Direito. Em todos os seus ramos, há princípios que emanam e dirigem todo o sistema, e sintetizam a sua própria razão de existir. A Declaração de Filadélfia de 1944, em que os Estados-membros da Organização Internacional do Trabalho acordaram a Constituição desse organismo supranacional, estatuiu, como primeiro princípio para a proteção do trabalho humano, que "o trabalho não é uma mercadoria". E assim o fez pensando que todo tratamento dado ao trabalho, para garantia da dignidade da pessoa do trabalhador e para que seja possível que por meio deste labor possa ser alcançado algum grau de cidadania, o trabalho não pode e não deve ser tratado como uma mercadoria. E, portanto, um valor fora de mercado. Consequentemente, toda e qualquer norma que regule trabalho deve receber a luz desse princípio fundamental, e ser analisada sob seu prisma, sob pena de estar simplesmente invalidando todo sistema de proteção ao trabalho. Após o desaparecimento do modo escravagista da acumulação do capital, foi-se formando uma organização em que o trabalhador, de certa forma livre, oferecia sua força de trabalho, integrandose em uma unidade produtiva, e dela participando, obtendo em troca uma retribuição que se convencionou chamar de salário. Em torno desse trabalho, denominado trabalho subordinado, gerou-se um regime de acumulação do capital chamado de fordista ou taylorista. A produção, então, organizava-se, a partir das ideias de Henry Ford e Friedrich Taylor, em uma grande unidade fabril que concentrava todas as atividades necessárias à confecção do produto A PÓS QUE ACOMPANHA VOCÊ | www.posestacio.cers.com.br

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final. Os trabalhadores eram organizados em torno da linha de produção, todos detendo o mesmo estatuto, organizados, porém, em forma piramidal de hierarquia. Assim, a empresa não somente concentrava todas as atividades sob sua responsabilidade, como organizava seus trabalhadores sob sua dependência e comando direto, por meio de sua estrutura hierarquizada. Este é o tipo paradigmático de uma organização fordista. Por volta do fim dos anos 60 e na década de 70, com a queda dos níveis de acumulação do capital, gerando crise no capitalismo mundial, idealizou-se e passou-se a implantar, primeiramente com algumas experiências na "Terceira Itália", nos países nórdicos e no próprio Japão (onde surgiu o toyotismo), um novo regime de acumulação, denominado acumulação flexível. Surge, por meio dessa nova forma de acumulação do capital, o que se denomina de reestruturação produtiva, passando a produção a se organizar não mais verticalmente como o fordista, mas horizontalmente, em redes de empresas prestadoras de serviço. Assim, concentrariam as empresas suas forças em sua atividade principal, entregando as atividades periféricas a outras empresas especializadas, que melhor desempenhariam essas atividades. Essa técnica de administração é mundialmente denominada subcontratação ou externalização. No Brasil (e só neste país verde e amarelo) recebeu o infeliz e emblemático nome de "terceirização” 1. 2. Conceito Terceirização, então, conforme a Ciência da Administração, deve ser entendida como "a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, Iiberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade" 2. Assim, é a entrega a outra empresa de atividade3 na qual esta é especializada, realizando esta última inteiramente a atividade de forma autônoma, com sua própria tecnologia (know-how) e equipamento. Vemos, portanto, que nada tem a ver com fornecimento de trabalhadores, ou "terceirização de mão-deobra” 4. 3. Natureza Jurídica A terceirização tem natureza jurídica contratual comercial entre empresas. Portanto, não pertence à área do Direito do Trabalho, e sim do Direito Comercial e Direito Civil, além de ser uma 1

Sim, porque terceirização importa em ceder alguma coisa a "terceiro". Se há um "terceiro", deve haver um "primeiro" e um "segundo". Na subcontratação, ou terceirização, há uma entrega de uma empresa a outra, só há dois sujeitos na relação jurídica. A denominação "terceirização" indica que os empresários brasileiros mais estavam interessados em repassar a outra empresa (terceira) os ônus e encargos da relação trabalhista tomada com seu trabalhador (segundo). 2 SILVA, Ciro Pereira da. Ob. cit., p. 30. 3 É importante deixar claro, no presente momento, que está se utilizando propositalmente a palavra "atividade" e não "serviço", já que esta última tem gerado interpretações confusas no sentido de ser admitida a intermediação de mão-de-obra. 4 Terceirização de mão-de-obra, tipo muito ouvido e lido nos contratos de intermediação de mão-de-obra, que nenhuma relação têm com o verdadeiro instituto da terceirização.

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instituição da Ciência da Administração. Todavia, como sói acontecer, este instituto atinge reflexamente o Direito do Trabalho, como acontece com o conceito de empresa, ou de estabelecimento. Ressalte-se: não é contrato civil de fornecimento de trabalho, ou de mão-de-obra, e sim contrato civil de atividade que será realizada autonomamente por empresa especializada. 4. Terceirização e Intermediação de Mão-de-Obra Os ardorosos defensores da "terceirização total e irrestrita" têm sempre, como primeiro argumento, que não existe na legislação brasileira proibição de exercer a terceirização, seja na atividade-fim, seja na atividade-meio. E com razão estão eles. Não há, como nem mesmo pode haver uma ingerência no modo de organização da produção e na realização de contratos civis entre empresas, muito mais advindo do Direito do Trabalho. O que este ramo do Direito não admite, mundialmente e desde os tempos do início deste sistema protetivo, tendo recebido inclusive o pejorativo nome de "marchandage", é a intermediação de mão-de-obra, o mero fornecimento de trabalhadores por uma determinada empresa a outra, eximindo-se esta das obrigações derivadas da relação jurídica com eles. Isso porque, lembrando-se de nossa estrada do Direito do Trabalho e voltando até o seu princípio, verificamos que o trabalho teria virado mercadoria; uma empresa poderia alugar trabalhadores para exercerem suas atividades laborais em outra. Os arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho dizem quem são os trabalhadores e quem são seus empregadores, sendo estas normas cogentes, indisponíveis aos particulares, não podendo ser derrogadas por pactos privados, sob pena de serem tidos como nulos de pleno direito, conforme a regra do art. 9º do mesmo Decreto-Lei. O art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho diz quem é empregador: "Art. 22. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços". E o art. 3º do mesmo Decreto-Lei informa-nos quem é empregado: "Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário". Assim, diga o que disser o contrato entre os particulares, dando o nome jurídico que quiser, se a situação real consubstanciar-se na conceituação legal de empregado e empregador, a relação empregatícia vigorará. A PÓS QUE ACOMPANHA VOCÊ | www.posestacio.cers.com.br

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Destarte, se a "terceirização" na verdade tentar encobrir uma relação jurídica trabalhista existente, será tido como nulo de pleno direito o pactuado, gerando todos os efeitos jurídicos da relação empregatícia. O contrato de trabalho e contrato-realidade e a nulidade, em caso de fraude, não precisa nem mesmo ser declarada por Juiz do Trabalho, podendo ser regularizada pela autoridade administrativa do Ministério do Trabalho, o Auditor-Fiscal do Trabalho5. Só há uma forma de intermediação de mão-de-obra subordinada legalizada no Brasil, que é o trabalho temporário, permitido pela Lei n. 6.019/74, que trata do fornecimento de trabalhadores por empresa para atendimento de excepcional e extraordinária necessidade de outra empresa, devido a imperativo transitório de substituição de seu pessoal regular e permanente, ou a acréscimo extraordinário de serviços6. Portanto, não se trata de hipótese de terceirização, com prestação de serviços, e sim de fornecimento temporário de trabalhadores para atuação para a empresa tomadora. Desta forma, todo e qualquer fornecimento de trabalhadores a outra empresa, salvo o caso de trabalho temporário, observados os requisitos da lei, é contrário ao ordenamento jurídico pátrio. Assim vem julgando o Tribunal Superior do Trabalho, conforme se constata do Enunciado n. 331: "Contrato de prestação de serviços - Legalidade - Revisão do Enunciado n. 256. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.74); II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República);

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Há a discussão se o Auditor-Fiscal do Trabalho poderá dizer que um contrato é nulo e declarar a relação de emprego. Ora, não é monopólio do Poder Judiciário interpretar as normas jurídicas, mas sim dizer o Direito imperativamente, modificando-se a realidade social entre as partes em Juízo. A Fiscalização do Trabalho, ao contrário, ao encontrar uma situação de fraude e desconsiderar os pactos em burla à lei, está assim decidindo investida de autoridade administrativa e poder de polícia, concedidos por lei. Ela não tem o condão de mudar a realidade entre as partes, ou decidir erga omnes, com força de coisa julgada. Na realidade, a fiscalização vislumbra uma fraude à legislação administrativa, autuando o infrator para a imposição da multa correspondente. E a mesma coisa faz um Fiscal de Renda, quando, ao descobrir uma série de documentos falsos, impõe a autuação por fraude fiscal. 6 Esta lei, importada da legislação européia, em nada tem a acrescentar e é injustificável perante a legislação brasileira. A justificativa dessa lei na Europa é a de que lá, como vige a garantia no emprego salvo motivo justificado, a empresa em hipóteses transitórias não tinha como contratar e depois dispensar o trabalhador. Assim, estaria justificada a necessidade dessa lei, sendo uma flexibilização necessária da legislação. No caso brasileiro, quando entrou no ordenamento jurídico nacional a lei do trabalho temporário, já não existia, na prática, a estabilidade, sendo que o empregador pode contratar e dispensar qualquer trabalhador a qualquer hora, tendo somente uma mísera indenização a pagar.

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III- Não forma vínculo de emprego o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei n. 8.666/93)". Ao contrário do que supõem e interpretam alguns autores, não teve o Enunciado n. 331 a intenção de excepcionar o Enunciado anterior, permitindo em certos casos o fornecimento de trabalhadores subordinados. Na realidade, o que fez o Enunciado n. 331 foi explicitar a possibilidade de existir a terceirização, em atividade-meio, desde que inexistentes a pessoalidade e subordinação. O inciso III do Enunciado não é de forma alguma uma exceção ao primeiro inciso, e sim a verificação de legalidade na realização de verdadeira terceirização autônoma, ressalvando sempre a sua ilegalidade desde que haja pessoalidade e subordinação direta com o tomador de serviços. A terceirização em si não é ilegal, o que é vedada é a intermediação de mão-de-obra, repudiada desde o começo do Direito do Trabalho. Não há disposição legal que impeça ou proíba a terceirização, mas há que proíba o fornecimento de trabalhadores. Essa é a diferença primordial. 5. A Terceirização e a Administração Pública O mesmo argumento de inexistência de lei proibindo a terceirização não pode ser utilizado no caso da Administração Pública. Como sabemos, a esta não é, ao contrário dos particulares, permitido fazer o que a lei não proíbe, mas, conforme o Princípio da Legalidade Estrita, só é permitido à Administração Pública realizar aquilo que lhe é previsto em lei. Vejamos o que prevê a legislação administrativa. O primeiro texto legal que dispôs sabre a organização da Administração Pública Federal brasileira foi sem dúvida o Dec.-lei n. 200/67. No capítulo III do citado Decreto-lei, ao dispor sobre a descentralização do serviço público, um dos princípios fundamentais da Administração Pública dispostos pelo diploma legislativo, insere-se o § 7º do art. 10, que assim dispõe: "Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com objetivo de impedir A PÓS QUE ACOMPANHA VOCÊ | www.posestacio.cers.com.br

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o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigasse da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução". Verifique-se que em nenhum momento se fala em fornecimento de pessoal, o que seria até mesmo absurdo atualmente, em face da exigência constitucional de concurso público para a inserção de trabalhador na Administração. Vê-se que se trata claramente de terceirização, cessão de tarefas ou serviços a serem realizados autonomamente por empresas capacitadas tecnicamente (especializadas). Assim, houve a previsão de terceirização pelo Dec.-lei n. 200/67, e não de fornecimento de trabalhadores, como se entendeu, equivocadamente, em alguns julgados do Tribunal Superior do Trabalho acima colacionados. Por ter havido várias distorções quanta à aplicação do Dec.-lei n. 200/67, que foi utilizado para colocação de pessoal por meio de contratos de prestação de serviços, e para bem demonstrar a diferenciação entre terceirização de serviços e intermediação de mão-de-obra, foi posta na ordem jurídica nacional o Decreto n. 2.271/97, para disciplinamento da contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, havendo no mesmo claras disposições para evitar o desvirtuamento da contratação de serviços pela Administração Pública. Dispõe o Decreto citado: "Art. 4º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam: (...) II- caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão-de-obra; (...) IV - subordinação dos empregados da contratada à administração da contratante." Conforme Bresser Pereira, em comentários sobre o decreto acima, "a nova regulamentação corrige distorções que descaracterizavam o instituto da execução indireta, especialmente a prática da utilização dos contratos de prestação de serviços para suprir necessidades de pessoal que deveriam ser providas com a admissão ou o remanejamento de servidores públicos. (...) Assim, o decreto estabelece regras vigorosas: não poderá ser contratada a prestação de serviços que permita a subordinação direta dos empregados da contratada ao órgão ou entidade contratante"7.

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BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a Cidadania. São Paulo: Editora 34/ENAP, 1998, p. 300.

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Destarte, resta patente que na administração pública não há previsão de intermediação de mão-de-obra, havendo mesmo proibição, sendo seu desvirtuamento fraude ao princípio constitucional do concurso público, indispensável para admissão no serviço público. Esta posição e corroborada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que na apresentação do livro da doutrinadora anteriormente citada, expressamente repudia a intermediação de mão-de-obra na Administração Pública: "Esse instituto (terceirização) tem sido constantemente utilizado como forma de burlar a exigência do concurso público. Mascarado sob a forma de contrato de prestação de serviços, ele oculta verdadeiro contrato de fornecimento de mão-de-obra, em que aparecem os atributos da pessoalidade e subordinação na relação entre o pessoal da empresa contratada e o tomador de serviços, caracterizando verdadeira relação de emprego” 8. O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho de que não gera vínculo com a Administração Pública a contratação por interposta empresa não é uma porta aberta para a Administração contratar pessoal por via de empresas. Não é uma liberdade. Somente é assim, pois a Constituição Federal impõe, para a geração de vínculo com a Administração Pública, o devido concurso público, a mais democrática das formas para inserção no Estado. No caso da utilização fraudulenta de terceirização para provimento de cargos públicos, a própria Constituição Federal prevê a punição, que veio a se confirmar no art. 11 da Lei n. 8.429/92, constituindo como improbidade administrativa o ato que atenta contra os princípios da Administração Pública, com penas de ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente (inciso III do art. 12 da mesma Lei). 6. Diferenciação entre Terceirização e Intermediação de Mão-de-Obra Com base no próprio conceito de terceirização, e nos elementos que propiciam a leitura da subordinação jurídica na relação trabalhista, podemos indicar um feixe de elementos que, da mesma forma que aquele existente para a busca da subordinação jurídica em cada relação trabalhista, poderão nos indicar a existência de uma mera intermediação de mão-de-obra, nula segundo nosso ordenamento jurídico trabalhista, ou de uma verdadeira terceirização. Saliente-se que, na técnica dos feixes de indícios (faisceau d'indices), nenhum dos elementos e por si só determinante, devendo haver uma convergência desses elementos para a verificação ou não da fraude9. São estes alguns dos componentes do feixe de indícios demonstradores da intermediação de mão-de-obra: - organização do trabalho pela contratante (gestão do trabalho); - falta de especialidade da empresa contratada ("know-how" ou técnica específica); - detenção de meios materiais para a realização dos serviços;

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Apresentação de RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na Administração Pública. São Paulo: LTr Edit., 2001, p. 10. 9 LE GOFF, Jacques. Droit du Travail et Societe. 1- Les Relations Individuelles de Travail. Paris: Presses Universitaires de Rennes, 2001, p. 157. A PÓS QUE ACOMPANHA VOCÊ | www.posestacio.cers.com.br

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- realização da atividade permanente da tomadora, dentro de estabelecimento próprio da contratante; - fiscalização da execução do contrato pela contratante; - ordens e orientações procedimentais por parte da contratante; - prevalência do elemento "trabalho humano" no contrato; - remuneração do contrato baseada em número de trabalhadores; - prestação de serviços para uma única tomadora; - a realização subsequente de um mesmo serviço por empresas distintas, permanecendo os mesmos trabalhadores etc. Podem estes indícios ser resumidos em três: gestão do trabalho, especialização da empresa contratante e prevalência do elemento humano no objeto da contratação. A gestão do trabalho, isto é, a determinação do modo, tempo e forma que o trabalho deve ser realizado, é o indicador mais perfeito da existência de subordinação jurídica. Assim, a constatação da gestão ou organização do trabalho por parte do tomador de serviços, deixa clara a existência de uma interposição de empresa para fuga do vínculo jurídico empregatício direto com os trabalhadores. A gestão do trabalho se dá por várias formas. Uma forma de gestão que comumente aparece em contratos ditos de terceirização, mas que na verdade tratam de fornecimento de trabalhadores, é a indicação da quantidade de trabalhadores e em quais funções deverão ser preenchidas pela empresa terceirizada. Ora, se fosse uma terceirização de serviço autônomo, seria a empresa contratada que diria com quantos trabalhadores realizaria o serviço, e quais funções seriam exercidas por esses trabalhadores. A indicação de função a ser exercida demonstra que ocuparão os trabalhadores da contratada posição de trabalho dentro da empresa contratante, inseridos em sua própria organização estrutural, descaracterizando o fenômeno da terceirização, e indo ao encontro da moderna caracterização da dependência no Direito do Trabalho, pertencendo os trabalhadores que ali prestam serviços "terceirizados" ao que chamou Manuel Alonso Olea de "esfera organizativa" ou "círculo que rege". A subordinação, portanto, restaria caracterizada, existindo, no caso, intermediação de mão-de-obra. A determinação de horário de trabalho também é forma da gestão do trabalho. Aqui só cabe uma exceção: quando a indicação do horário de prestação de serviços corresponder ao horário de funcionamento da empresa, ou o horário em que não haja empregados ou pessoas no local, em caso de serviço de vigilância. Fora desta exceção, é séria indicadora de gestão de trabalho a determinação do horário a ser cumprido por trabalhadores da contratada, demonstrando haver subordinação direta com a tomadora. A realização de horas extraordinárias pelos trabalhadores da contratada, ou a mera disposição destes trabalhadores à realização de serviço extraordinário, por determinação direta da contratante, também é indicativa de gestão do trabalho. A previsão contratual de substituição de trabalhadores a pedido da contratante indica a gestão por parte da empresa na execução do contrato. Demonstra, outrossim, a existência de

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pessoalidade nos serviços, já que a empresa tem a possibilidade até mesmo de escolher os trabalhadores que vão trabalhar no contrato. A escolha por parte da contratante das pessoas que irão prestar os serviços também é demonstradora da intermediação de mão-de-obra. Se os trabalhadores cooperados se submetem à escolha ou indicação da empresa, demonstrada estará a fraude na utilização do instituto da terceirização para fornecimento de pessoal permanente da empresa. Outro amplo elemento indicador de existência de mera intermediação de mão-de-obra , indispensável para a caracterização da verdadeira terceirização, é a especialização da empresa contratada naquela área específica objeto do contrato. Este indicador decorre do próprio conceito de terceirização que, convém relembrar, é a entrega de serviços à empresa especializada que melhor realizaria aquele serviço, concentrando a terceirizante naquilo que sabe fazer melhor. Mas não basta qualquer tipo de especialização. A empresa contratada tem, conforme Le Goff10, que deter um saber-fazer específico, distinto daquele que detêm a contratante. E esse know-how deve ser imprescindível para a realização das tarefas terceirizadas. Como foi observado em julgado da Corte de Cassação Francesa trazido pelo autor supracitado, "a colocação à disposição de uma outra empresa de uma pessoa especializada não constitui a existência de um saber-fazer específico se este último não for distinto daquele dos empregados das empresas tomadoras” 11. Assim, se a especialização da contratada equivale à da contratante, que detêm em seu quadro elementos tão ou mais especializados nas tarefas contratadas do que aqueles pertencentes ao quadro da contratada, estaremos diante de um mero fornecimento de mão-de-obra. Da mesma forma, fora de cogitação a legalidade de uma empresa de terceirização ou cooperativa de trabalho que "terceiriza-tudo", ou fornece todo o tipo de profissional. Ora, a empresa que terceiriza serviços de limpeza, portaria, manutenção, "telemarketing", departamento de pessoal etc., na verdade não é especializada em nada, indicando somente realizar a colocação de pessoal em outras empresas, lucrando com trabalho alheio. Nada mais e do que uma agência de colocação de pessoal, que obtém seu lucro alugando pessoas para prestação de trabalho a outras empresas. Da mesma forma, as denominadas Cooperativas Multidisciplinares de Trabalho nada mais são do que intermediadoras de mão-de-obra, com a agravante de serem fraudadoras de direitos fundamentais sociais básicos. Falta-Ihes o elemento "especialização", indispensável para a caracterização da terceirização legal. Outro forte elemento indicador de intermediação de mão-de-obra é a prevalência do elemento humano na prestação de serviços. No caso concreto, deve verificar-se se o objeto contratual se satisfaz com o mero emprego de mão-de-obra, ou se há a necessidade de um conhecimento técnico específico e uma estrutura de apoio operacional com utilização de meios materiais próprios para a execução do contrato. Se, por outro lado, o objeto contratual se encerrar na prestação de trabalho pelos empregados do contratante, estaremos provavelmente diante de uma intermediação de mão-de-obra. Da mesma forma, quando se observa que o objeto contratual é, por exemplo, a cessão de cinco marceneiros, três motoristas, dez soldadores, com evidência deverá ser entendida como intermediação de mão-de-obra, ilícita portanto. Para a existência de uma verdadeira terceirização é necessária a utilização, por parte da empresa contratada, de meios materiais próprios para a execução do serviço. Se, ao contrário, a 10 11

Ob. cit., p. 156. Idem, ibidem. A PÓS QUE ACOMPANHA VOCÊ | www.posestacio.cers.com.br

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empresa contratada utilizar-se dos materiais fornecidos pela empresa contratante, haverá fortíssimo indício de mera intermediação de mão-de-obra. Por exemplo, se uma empresa terceiriza sua área de transporte, seja para o deslocamento de pessoal, seja para atendimento das necessidades do serviço, porém os meios de transporte (ônibus, carros, motos etc.) são fornecidos pela própria empresa, isso indica claramente que o que interessa para a empresa contratante é o trabalho pessoal dos empregados da contratada, que somente serão colocados para a apropriação de seu trabalho pela tomadora.

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