Terceirização como intermediação de mão de obra

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Descrição do Produto

Table of Contents Copyright

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Preface

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About the author

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INTRODUÇÃO

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PRIMEIRA PARTE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E REORGANIZAÇÃO ...

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Capítulo I - O impacto da globalização no mercado ...

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Capítulo II. Organização do Trabalho e Regime ...

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Capítulo III. Reestruturação Produtiva e Mercado ...

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SEGUNDA PARTE TERCEIRIZAÇÃO E TRABALHO

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Capítulo I – Questões Gerais sobre a Terceirização ...

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Capítulo II – Terceirização e o Direito do Trabalho ...

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Capítulo III – Terceirização e Intermediação de ...

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TERCEIRA PARTE INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA E ...

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Capítulo I. A intermediação de mão de obra como ...

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Capítulo II. A intermediação de mão de obra como ...

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Capítulo III. A intermediação de mão de obra como ...

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CONCLUSÃO

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POSFÁCIO

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BIBLIOGRAFIA

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Copyright Author Rodrigo de Lacerda Carelli Editor edição do autor Copyright © 2014 [Rodrigo de Lacerda Carelli]

First Published using Papyrus, 2014 ISBN : [85-7147-320-X]

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Prefácio à edição eletrônica Este ebook que você tem em mãos é a versão eletrônica, com pequenas modificações, do texto apresentado como dissertação para obtenção do título de mestre na Universidade Federal Fluminense, no ano de 2002. De lá para cá, passaram-se dez anos, mas a situação é basicamente a mesma: a precarização com a intermediação de mão de obra, fantasiada de terceirização, continua a pleno vapor e o empresariado tenta a todo momento intensificar o processo. A dissertação se transformou em livro, já há muito esgotado. O momento para esta edição virtual não poderia ser melhor. O debate hoje migrou do Congresso Nacional para o Supremo Tribunal Federal, na intenção dos empresários de utilização do Poder Judiciário para alcançar o que não conseguiu pelos meios políticos tradicionais. Entendo que a obra é atual e pode ajudar no debate, mesmo que os dados encontram-se um tanto datados. O quadro, no entanto, como já se disse, não foi alterado. O que é realmente uma lástima. A luta, por incrível que pareça, no momento desta edição eletrônica, é de manutenção da derrota por poucos gols. É lutar para que a derrota não seja uma acachapante goleada. É brigar para que haja menos mortos na guerra. Infelizmente a sociedade brasileira está longe de vencer essa contenda.

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Sobre o autor O autor é Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro e Professor Adjunto de Direito do Trabalho da Faculdade Nacional de Direito/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Direito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense, Doutor em Ciências Sociais pelo IESP/UERJ.

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INTRODUÇÃO

A terceirização é instrumento que vem sendo utilizado em larga escala pelos empresários, com vistas à redução de custos, maior produtividade e melhor gerência de seu produto, gerando intensa modificação nas relações empregado-empregador, ocasionando também, por sua vez, grande precarização nas condições de trabalho e diminuição de direitos trabalhistas. Há, por outro lado, uma visão distorcida e às vezes equivocada no meio jurídico e sociológico pátrio acerca deste instituto, devendo ser clareadas as razões jurídicas da ilegalidade de contratação por empresa interposta. Apontada como moderna forma de estruturação das empresas, indispensável para a competitividade empresarial em tempos globalizados, denuncia-se, por outro lado, a terceirização como fator de precarização do trabalho, denúncia esta realizada por sindicatos em todo o País, como noticiado fartamente na grande imprensa. O crescimento da utilização de tal instrumento, na maioria das vezes de forma equivocada, tendo como característica a mera utilização de mão de obra fornecida por empresa agenciadora, faz com que empresas de grande porte passem a ter um percentual bastante elevado de trabalhadores denominados “terceirizados”, ou seja, com estatuto diferenciado dos seus trabalhadores tidos como “efetivos”, alterando de forma substancial o quadro da organização do trabalho intrafabril. O quadro extrafabril também é modificado, pois, aparentemente, há um aumento do número de trabalho no setor de serviços, ocasionado pela migração advinda do “downsizing” realizado no setor de produção. Não se trata de solução mágica, mas sim de mera utilização do fenômeno de terceirização como mero fornecimento de mão de obra. 6

A verificação de que algo está errado pode ser realizada a partir da principal argumento para utilização do instrumento pelo empresariado: a redução de custos. Ora, o intuito de redução de custos na terceirização é incompatível com a própria ideia do instituto. Isso porque nunca, a princípio, pode haver redução de custos na terceirização, pois ela implica necessariamente em exercício de atividade econômica por outra empresa, que pressupõe, logicamente, a busca de lucros. Assim, terceirizando uma atividade para ser realizada por outra, obviamente além do pagamento do pessoal desta, deverão ser pagos o lucro e custos operacionais (incluindo aí tributos e encargos sociais) da empresa interposta, não tendo como obter, matematicamente, a redução de custos almejada. O que pode haver é melhoria de qualidade e consequentemente um aumento nos lucros e maior competitividade, mas nunca redução de custos, que só seria obtida pela precarização do trabalho humano, seja nas condições desse trabalho, seja no não pagamento das verbas trabalhistas. O principal objetivo deste trabalho, então, que se toma como hipótese central, é a demonstração da distinção entre terceirização e intermediação de mão de obra, muitas vezes olvidada tanto pelos manejadores do Direito quanto pela Sociologia, bem como pelo próprio empresariado, que se utiliza muitas vezes da segunda pensando se tratar daquele instituto da ciência da Administração. O primeiro instituto, a princípio legal, esbarra em sua utilização na forma do segundo, ilegal segundo o Direito do Trabalho. Assim, discutir-se-á a diferença existente entre a terceirização aceita pelo Direito do Trabalho, aquela entrega de serviços acessórios e complementares à atividade comum e própria da empresa, com a mera intermediação de mão de obra, ilícita no ordenamento jurídico pátrio e razão de repugnância em toda a doutrina de Direito do Trabalho no mundo todo. Pretende demonstrar o trabalho, outrossim, as consequências da utilização da intermediação de mão de obra sobre o trabalho, quase sempre danosas para os trabalhadores, tanto individual quanto coletivamente. Serão utilizados dados práticos demonstradores da realidade na utilização da intermediação de trabalhadores no mercado de trabalho brasileiro. Não se trata aqui, porém, de uma pesquisa empírica, ou um 7

estudo de caso. Trata-se de um trabalho teórico, no qual são utilizados, para fins de ilustração e melhor compreensão da proposição, casos práticos, em sua maioria advindos da experiência profissional do autor, Procurador do Trabalho, atuando na Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro), na Coordenadoria de Defesa dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos (CODIN). Esses casos práticos serão retirados dos instrumentos que se utiliza o Ministério Público do Trabalho para a investigação de irregularidades que atingem a coletividade trabalhadora, que são o Procedimento Preparatório de Inquérito Civil, denominado durante o trabalho de “PP”, e o Inquérito Civil, “IC”. Aquele é o instrumento utilizado pelo Ministério Público no início das investigações, quando a existência, a extensão e a materialidade da irregularidade ainda não estão totalmente verificadas. O segundo é utilizado quando a irregularidade já está com seus traços mais nítidos, e seu principal objetivo é o levantamento do maior número de provas possíveis para a possível propositura de futura Ação Civil Pública, ou a assinatura de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, instituto para a submissão voluntária do investigado aos ditames legais. Assim, basear-se-á o trabalho nos casos surgidos no Estado do Rio de Janeiro, local de atuação profissional do autor, não ficando, porém, restritos os dados às investigações realizadas especificamente pelo autor, sendo colhidos de todas as investigações realizadas pelos Procuradores com atuação na Coordenação de Defesa dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos no Estado. Como salientado, tais dados serão em sua maioria retirados da atuação do Ministério Público do Trabalho, no entanto também serão utilizadas outras fontes, como jornais e revistas, além de documentos sindicais. Como a terceirização é um instrumento da ciência administrativa utilizado mundialmente, partir-se-á inicialmente, na primeira parte do estudo, para a análise da conjuntura global e suas consequências na reestruturação do mercado de trabalho. Ali será estudado o fenômeno conhecido como globalização e seu impacto no mercado de trabalho. Tomando por base a mudança de paradigma no regime de acumulação do capital, e sua consequente reestruturação do mercado de trabalho, para a compreensão da hipótese a ser sustentada será necessária a 8

abordagem do paradigma de estruturação do mercado de trabalho anteriormente utilizado, denominado em termos gerais de TaylorismoFordismo, e a análise do atual, pós-fordista, conjuntamente com o regime de acumulação de capital de cada época. Analisar-se-á, da mesma forma, as características do mercado de trabalho nessa nova conjuntura, bem como as novas formas de trabalho que surgem, dentre elas a terceirização, objeto do presente estudo. A análise da mudança do paradigma da estruturação da produção é determinante para o bom entendimento do presente estudo, pois a terceirização é fruto direto dessa mudança de paradigma, sendo, portanto, indispensável abordar a reestruturação produtiva ocorrida nas últimas décadas. Na Segunda Parte deste trabalho será analisado mais aprofundadamente o próprio fenômeno da terceirização, e sua relação com o trabalho. Primeiramente será perseguida a própria compreensão do fenômeno, a sua natureza e posição científica, para depois serem buscadas, após o momento em que se analisará como se estrutura o sistema protetivo trabalhista, as implicações da terceirização no próprio Direito do Trabalho. Após esta análise, passaremos a verificar como o Direito do Trabalho pátrio se porta perante o fenômeno, a partir de suas vertentes doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas, as quais, como veremos, tomam posições às vezes contraditórias e em sua maioria sem uma robusta e coerente fundamentação científica. Para finalizar esta parte, abordar-se-á a hipótese principal do presente trabalho, que é a diferenciação entre terceirização e intermediação de mão de obra, elaborando-se os elementos pelos quais pode ser evidenciada a utilização, sob a forma de terceirização, de uma mera intermediação de mão de obra, ilegal e ilegítima perante o sistema jurídico e social trabalhista. Pretende-se, com isso, pôr fim à anomia existente e à relativa confusão gerada pelas proposições até agora vigentes. Na terceira parte, consequência da clivagem realizada entre terceirização ideal e intermediação de mão de obra, será buscado demonstrar as nefastas implicações trazidas por esta última, que serão repartidas entre três principais: causa de ruptura no sistema trabalhista, determinadora 9

principal de precarização do trabalho humano, bem como fator de segregação no trabalho e exclusão social. Assim, o estudo estará encerrado com a visão completa, conjuntural e específica, do fenômeno terceirização na sua feição patológica de intermediação de mão de obra, absolutamente prejudicial aos trabalhadores e muito vantajosa imediatamente aos empregadores. O que se busca aqui é colocar uma luz sobre o problema, tentando ajudar na busca de trabalho digno para o ser humano e o mínimo de respeito que ele mereça enquanto tal.

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PRIMEIRA PARTE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E REORGANIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO

O capitalismo não se estrutura mais, ao menos idealmente, como se organizava no início do Século XX. Com isso, reorganiza-se o mercado de trabalho, sendo ajustado ao novo modelo de acumulação do Capital. Para se entender esta reestruturação, começamos no capítulo I a deitar considerações sobre o momento atual de grandes mutações, definido globalização, verificando também a ideologia utilizada neste momento de substanciosa mudança na vida cotidiana das pessoas e sua influência no mundo do trabalho. No capítulo II, para melhor compreensão do fenômeno ora estudado, verificaremos como era estruturado o trabalho no início do século XX, pelos movimentos chamados Fordismo e Taylorismo, preponderantes até aproximadamente o terceiro quarto do século passado. No capítulo III estudamos a passagem para as novas estruturas, denominadas pós-fordistas, e a nova modelagem do trabalho por elas acarretada. Com isso, teremos visto toda a formatação atual do trabalho, em termos idealísticos mundiais.

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Capítulo I - O impacto da globalização no mercado de trabalho “It's the end of the world as we know it.

It's the end of the world as we know it. It's the end of the world as we know it and I feel fine.” (canção do grupo norte-americano R.E.M, “It’s the End of the World as we know it (and I feel fine)) “A che ora è la fine del mondo? A che ora è la fine del mondo? A che ora è la fine del mondo? Macellai da Disneyland Che rete è? Che ora è? Che rete è? Che ora è? A che ora è la fine del mondo? Posso salutar mammà? A che ora è la fine del mondo? Posso salutar papà? A che ora è la fine del mondo? Posso salutar Fefè? A che ora è?” (versão do cantor italiano Luciano Ligabue sobre a mesma canção) “Vivemos em um mundo globalizado”. Esta expressão temos ouvido em toda parte. De toda sorte, não deixa de ser verdade, sendo que o fato de estar o mundo “globalizado” deita influência em todos os aspectos da vida humana, não tendo por quê não exercer determinante carga sobre o aspecto que toma o trabalho atualmente. Destarte, veremos a definição 12

de globalização, para melhor entendimento do fenômeno, após o quê veremos a posição ideológica dominante do capitalismo atual, para então verificarmos como se posta o trabalho perante todo esse contexto. 1 - Definindo a globalização Definir globalização: eis tarefa das mais árduas, com o que concordam os grandes autores. Páginas e páginas foram escritas, obras de sociólogos famosos, como Ulrich Beck (1999), trouxeram essa difícil questão: O que é globalização? Hoje não se fala sobre outra coisa. Qualquer atitude que se toma, qualquer consequência boa ou nefasta explica-se como um efeito da globalização. Está na boca de todos, às vezes tratada como a redenção do mundo, porém na maioria das vezes tratada como um de seus maiores males. Mas o que será esse fenômeno, que nem quanto ao nome estão de acordo as pessoas (já que os franceses a chamam de mundialização (“mondialisation”))? Qual a causa da dificuldade nessa definição? Multifacetada, multidimensional, dinâmica, ambígua, fluida, dialética, fragmentada. Estes são alguns dos adjetivos dados à globalização na tentativa de explicar a dificuldade em defini-la. De fato a mundialização (1) é um fenômeno que detém todos esses adjetivos, fazendo-a de difícil concepção, devido à sua extensão e à profundidade com que age sobre tudo e todos. Para Jonathan Perraton, economista britânico, globalização é “um processo histórico o qual engendra uma mudança no alcance espacial das redes e sistemas das relações sociais para modos de organização humana, atividade e exercício do poder social para transcontinental (ou interregional) (PERRATON, 2000, p. 128).” Este conceito é mais bem explicado pela definição de Anthony Giddens (1991, p. 69), apesar de irem na mesma direção: “A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa.” E, explicando seu conceito, afirma que “A estrutura conceitual tempo-espaço dirige nossa atenção às complexas relações entre envolvimentos locais (circunstâncias de co-presença) e 13

interação através de distância (as conexões de presença e ausência). (...). A globalização se refere essencialmente a este processo de alongamento, na medida em que as modalidades de conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se enredaram através da superfície da Terra como um todo.” Assim, tomamos então os dois elementos centrais na conceituação da globalização: o binômio local/global e o alongamento tempo-espaço (2). A dialética entre os polos local e global é característica básica e fundamental para o entendimento do fenômeno. Fatos em um ponto do mundo, como a queda da bolsa de Tóquio, atingem ponto do outro lado do globo, como um pequeno botequim no interior do Ceará, em questão de horas. Um fato local, por sua vez, como a quebra de um banco em Londres, faz mudar a vida de pessoas comuns no interior da África, em um país dependente de empréstimos exteriores. Porém, fica difícil inclusive destacar a qualidade de local ou global de determinado fato, como afirma Bruno Latour: “assim os termos local e global oferecem pontos de vista sobre os fatos, que não são nem locais nem globais, mas simplesmente mais ou menos amplos e mais ou menos conexos.” (LATOUR apud BORGHI, 1998, p. 75). Essa dialética entre o local e global recebe termos diversos, como “sincretismo” (Vasantkumar) – interface entre culturas onde não se aceita automaticamente, mas se selecionam, multiplicam e recombinam as interferências, “hibridação” (Nederveen Pieterse e Rowe) – as formas se separam da prática existente e recombinam-se com novas formas em nova prática, “ocidentalização” (Canevacci) – ideia homologante e entrópica de domínio cultural central sobre a cultura periférica, “glocalização” (Bonomi e Robertson) – sincretização seletiva e reelaboração de elementos provenientes de contextos externos e “crioulização” (Hannerz) – a confluência e a interação entre diversas realidades históricas e culturais, gerando culturas “crioulas”, fazem as culturas reelaborarem suas próprias tradições. Cada um opta, como se percebe, por dar uma visão diversa do fenômeno, uns autores notando a verdadeira confluência e mistura entre as culturas periféricas e centrais, já outros entendendo como colonização da periferia pelas sociedades centrais. O importante, como são testemunhas todos esses rótulos, é a existência de um incrível cruzamento de culturas e fatos, que fazem o mundo que 14

vemos hoje diferente do que existia. E isto é causado, com certeza, pelo inacreditável desenvolvimento dos meios de comunicação e locomoção, que resultam no deslocamento tempo-espaço, o segundo elemento importante em nossa definição. Aqui vale abrir um parêntese, a fim de ressaltar a impropriedade de alguns autores citarem como início da globalização épocas passadas, como a formação dos antigos impérios, os grandes descobrimentos do século XV e outros fatos posteriores (FARIA, 1999, p. 60). Na verdade, não há base mínima para comparar essas épocas e esses acontecimentos com o que acontece atualmente, onde se sobressai a rapidez e a profundidade com que ocorrem as influências e as mudanças nas vidas das pessoas, ocasionadas pelo deslocamento tempo-espaço proporcionado pelos meios de comunicação surgidos no transcurso do Século XX e massificados no final desse Século. No século XV, ou mesmo sem necessitar retroceder-se tanto, no século XIX, um acontecimento na Europa levava meses para ser conhecido no Brasil, enquanto que hoje, uma notícia de qualquer parte do mundo chega em terras brasileiras em tempo real, via internet. Também a notícia daquele acontecimento não chega à quantidade, mesmo em termos proporcionais, de pessoas que se faz saber hoje. No século XVIII, demorava-se quase um mês para realizar a travessia do Oceano Atlântico, sendo que hoje se faz em poucas horas, podendo realizar no mesmo dia uma viagem aérea América-Europa. Esse é um erro comum dos cientistas de várias áreas, de buscar antecedentes remotos e vislumbrar neles a já existência do fenômeno, sem levar em conta a sua densidade e intensificação. Na realidade, historicamente falando, os acontecimentos nunca são isolados, sendo encadeamentos que se multiplicam em caminhos diversos com origens comuns. Retornando ao eixo de nossa argumentação, essa citada rapidez e densidade proporcionada pelos novos meios de comunicação, como telefone, televisão, internet e transporte, como o automóvel e o avião, realiza o deslocamento do tempo-espaço. Anthony Giddens (1991, p. 29) chama esse fenômeno de desencaixe, o qual é definido como “deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço”. 15

O desencaixe do espaço-tempo também é tratado por David Harvey (2000, p. 257), fazendo este autor ligação íntima desse acontecimento, chamado por ele de compressão espaço-tempo, com a pósmodernidade. Afirma que a diminuição vertiginosa do tempo de giro do capital, às vezes até a 24 (vinte e quatro) horas, tem “influência particular nas maneiras pós-modernas de pensar, de sentir e de agir” (HARVEY, 2000, p. 258). E aduz entre as suas consequências a de “acentuar a volatilidade e efemeridade de modas, produtos, técnicas de produção, processos de trabalho, ideias, ideologias, valores e práticas estabelecidas. A sensação de que ‘tudo o que é sólido se desmancha no ar’ raramente foi mais pervasiva”. Causa importante na compressão do tempo-espaço, indispensável para a caracterização da globalização, é o progresso incomensurável e radical dos meios de transporte e comunicação. Zygmunt Bauman (1999, p. 15) nota que o último quarto do Século XX pode vir a ser conhecido como o da “Grande Guerra de Independência em Relação ao Espaço”, época que as empresas são situadas independentemente de sua origem ou público consumidor alvo e há o fim da relação fixa entre a distância e o tempo (dependendo o tempo para cumprir a distância mais do custo do que de qualquer outro fator). Bauman (1999, p. 22), inclusive, salienta “a separação dos movimentos da informação em relação aos movimentos dos seus portadores e objetos”. A rede mundial de computadores, a Internet, é a grande responsável por este último fenômeno, por poder disponibilizar toda a informação existente no mundo instantaneamente, e a baixo custo, a qualquer pessoa em qualquer parte do planeta (BAUMAN, 1999, p. 23). Com os chamados “e-books” (ou livros eletrônicos), os livros se desprenderam da matéria (o papel, no caso), sendo adquiridos via “net” em forma de “bits”, tornando sua difusão mais barata e mais rápida. Os grandes jornais de todo o mundo estão disponíveis em todo o planeta virtualmente, no mesmo momento, pela Internet, não necessitando mais do meio “papel”. Além disso, as relações humanas mudaram sensivelmente, tornando-se o computador (por intermédio da grande rede) um meio de trocas de experiências e formação de amizades entre pessoas de todo o mundo, através dos “chats”, programas realizados para conversas entre 16

“internautas”. Inclusive foi criada uma nova forma de prática sexual, o “sexo virtual”. O correio eletrônico, ou “email”, modificou profundamente e para sempre o sistema de correspondência, pela sua instantaneidade, praticidade e relativa ausência de custos. Como coloca Luis Carlos Fridman (1991, p. 93), “no mundo cosmopolita, cada vez mais pessoas estão regularmente em contato com outras que pensam de maneira diferente delas. Isso erode as tradições e as referências que sustentavam particularidades culturais”. E continua: “o cosmopolitismo, segundo Giddens, é uma revolução global no modo como pensamos sobre nós mesmos e no modo como formamos laços e ligações com os outros. O sendo de individualidade e de identidade cada vez mais passou a se robustecer através da ‘democracia das emoções’ e do diálogo que rompe com os padrões referidos às instituições tradicionais”. Esses dois avanços citados, relativos à evolução dos meios de transporte e comunicação, realizaram, segundo Bauman (1999, p. 25), a “anulação tecnológica das distâncias temporais/espaciais”, ressaltando, todavia, que tal “emancipação” depende ainda da posição social e disposição de recursos financeiros. Entretanto, não podemos de forma alguma olvidar que o fator econômico e a condição pessoal sempre, em todos os tempos, estiveram presentes, seja para a locomoção pessoal ou a troca da informação, e talvez antes estes fatores eram até mais importantes, ainda mais se tomarmos em conta o escravismo ou a servidão onipresentes em tempos passados. O enfoque que deve ser dado é que ainda, em pleno terceiro milênio, não ultrapassamos, e, aparentemente, estamos longe de eliminar esta barreira. Globalização, fenômeno atual de excepcional intensificação no nível de relações entre as pessoas, realiza mudanças de forma radical na vida de pessoas comuns, não sendo estes câmbios, todavia, de modo uniforme ou se dão de maneira instantânea. Entretanto, a faceta aqui esposada não é a única da globalização, que pode ser vista sob outro prisma, que é da “globalização financeira”, e suas consequências ao mundo unificado. 2 - Consenso de Washington - neoliberalismo e trabalho A globalização, porém, tem outra dimensão, uma dimensão com forte carga ideológica, que traz consequências inarredáveis à vida de todos. É 17

a chamada “globalização financeira”, que vem a ser a constituição de um mercado financeiro global, onde o capital livre de amarras circula pelo mundo em busca de melhores oportunidades de lucro. Segundo Milton Friedman (apud BAX, Internet), criador da “tese da globalização”, esta teria três elementos: “Primeiro, ela (a ideia de globalização) implica que na última década a velocidade e o volume do fluxo do capital internacional foi significativamente incrementado. Segundo, que o número de lugares potenciais de negócios para companhias que operam internacionalmente tem crescido devido às inovações tecnológicas, notavelmente aquelas no campo da tecnologia da informação. Terceiro, que a competição internacional tem crescido, já que os antigos países socialistas agora ganharam acesso ao mercado mundial”. Então, extraímos os três elementos básicos da globalização em sua dimensão econômica: a transferência em volume e velocidades incríveis de capital, o aumento no número de locais possíveis para instalação de empresas no mundo inteiro e aumento da competitividade internacional. Quanto à globalização financeira propriamente dita, verificamos que se deve à potencialidade das novas tecnologias da comunicação. É o que observa Gilberto Dupas (1999, p. 39): “A revolução tecnológica atingiu igualmente o mercado financeiro mundial, cada mercado passando a funcionar em linha com todos os outros, em tempo real”. Observando o quadro que nos traz David Harvey (2000, 153), verificamos graficamente o que Dupas quer dizer. As bolsas de valores funcionam ininterruptamente, vinte e quatro horas por dia, sendo que durante aproximadamente seis horas, a maioria dos mercados está funcionando simultaneamente. Com as inovações tecnológicas hoje existentes, a retirada de capitais de um mercado e a sua movimentação a outro ocorre em frações de segundos. Com isso, podem ocorrer crises inimagináveis e incontroláveis, que podem em questão de horas destruir ou deixar em situação complicada um país, como ocorreu recentemente com os tigres asiáticos, o México, e que acontece com a Argentina atualmente. 18

Benedict Anderson (apud BORGHI, 1998, p. 88) criou um termo que bem define o novo capital: “finanscapes”, o capital rápido e imperscrutável nos seus movimentos. Harvey observa que grande parte “da fluidez e, às vezes, da frenética instabilidade pode ser diretamente atribuída a esta capacidade acrescida de orientar os fluxos financiários de modo que parecem ignorar os limites de espaço e tempo que normalmente vinculam as atividades materiais de produção e consumo.” (apud BORGHI, 1998, p. 88) Quanto ao segundo elemento da globalização econômica, verificamos que as empresas antigamente denominadas multinacionais, hoje chamadas transnacionais, ignoram fronteiras, montando suas barracas (3) onde mais baixos custos operacionais e melhores subsídios governamentais conseguirem, e fechando suas portas e batendo retirada assim que essas condições não mais satisfizerem. Entre os mais baixos custos operacionais inclui-se, como fator não subsidiário, mas como o mais importante, o custo da mão de obra, incluindo encargos sociais, salários e flexibilização da legislação, principalmente quanto à dispensa dos trabalhadores. Assim, se entre a busca por melhores subsídios governamentais induz a guerra fiscal entre os países, e mesmo entre estados dentro de uma mesma nação (vide os recentes fatos ocorridos no Brasil incluindo a guerra fiscal travada entre os estados da Bahia e do 19

Rio Grande do Sul, para a instalação de uma fábrica da indústria automotiva Ford), a busca por custos operacionais mais baixos induz uma corrida à flexibilização das legislações trabalhistas dos países, e o achatamento do nível salarial, visando a atrair ou simplesmente manter os investimentos das empresas, e consequentemente os empregos por estas oferecidos. O terceiro elemento exposto por Friedman é o aumento da competitividade internacional, com a entrada de mais países competidores, devido à abertura dos países da Europa Oriental, antes socialistas. Estes países, recém adeptos do capitalismo, detêm população numerosa e ansiosa por oportunidades de investimento, consumo e consequentemente de trabalho. Portanto, trata-se de um novo mercado consumidor e fornecedor. O mundo financeiro e econômico globalizado agora está completo, e cada país atuando como um mero coadjuvante (4), não detendo mais a autonomia de antes. É como explica Jurgen Habermas (2000, p. 105-106): “o sistema econômico internacional, que via os estados fixarem os confins entre a economia interna e as relações comerciais externas, no curso da globalização dos mercados dei mercati, em uma economia transnacional. Os elementos mais relevantes são a aceleração dos movimentos mundias de capital e o caráter imperativo das valorações expressas dos mercados financeiros globais sobre as posições nacionais. Estes dados de fato explicam por que os atores estatais não são mais o ponto de ligação que há um tempo conferiam á rede global das trocas a estrutura de relações interestatais (ou internacionais). Hoje são, ao contrário, os Estados que devem ser inseridos nos mercados, ao contrário das economias nacionais a serem inseridas nas fronteiras do estado.” Entretanto, esta não foi a única consequência trazida pela queda do muro de Berlim e do fim da cortina de ferro. Com o fim e desmantelamento do bloco socialista, o capitalismo perdeu a sua sombra que o acompanhava como uma ameaça, tornando-se hegemônico e livre das ameaças que o cercavam e que o forçavam a não pensar exclusivamente economicamente, e atuar também no nível social. Sem o “perigo socialista”, o capitalismo abandonou os entraves criados pelo “Estado do Bem-Estar Social”, voltando suas atenções somente para o Mercado. Assim, o projeto neoliberal pôde finalmente, e sem vergonhas de se admitir como tal, espraiar-se pelo mundo, a ponto 20

de ser alçado ao nível de “consenso”: o chamado “Consenso de Washington”. Esta expressão, que foi primeiramente cunhada em 1989 pelo economista John Williamson para definir as suas dez recomendações para os Estados que desejassem reformar sua própria economia, adquiriu, porém, uma autonomia invejável, sendo utilizada por todas as matizes ideológicas, com significados às vezes divergentes, pois é utilizada para os escopos de cada lado do cenário político (NAIM, 2000). Segundo Boaventura de Sousa Santos, o “consenso econômico neoliberal” “diz respeito à organização da economia global, incluindo a produção, os mercados de produtos e serviços, os mercados financeiros, e assenta na liberalização dos mercados, desregulamentação, privatização, minimalismo estatal, controle da inflação, primazia das exportações, cortes nas despesas sociais, redução do déficit público, concentração do poder mercantil nas grandes empresas multinacionais e do poder financeiro nos grandes bancos transnacionais. As grandes inovações institucionais do consenso econômico neoliberal são as novas restrições à regulamentação estatal, os novos direitos internacionais de propriedade para investidores estrangeiros e criadores intelectuais e a subordinação dos Estados nacionais a agências multilaterais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio.” (SANTOS, 1999, P. 95-96) Dentre essas regras neoliberais, a mais importante, sem dúvida, é a abertura dos mercados nacionais dos países de industrialização recente aos países centrais, com a eliminação dos obstáculos ao comércio e ao investimento exterior. Entretanto, para o nosso tema em estudo, a mais relevante regra é a da desregulamentação do mercado do trabalho, que analisaremos a seguir. 3 - Globalização e mercado de trabalho De fato, é intrínseco ao neoliberalismo e, consequentemente, ao “consenso de Washington”, a desregulamentação do mercado de trabalho, visando à entrada do Estado na globalização econômica. O Mercado, com suas regras e sua inteligência inata, seria responsável pela justiça distributiva. O trabalhador trataria seu trabalho como uma coisa posta à venda, e negociaria esta mercadoria como outra qualquer, submetendo-se à regra da oferta e da procura. 21

A desregulamentação é tratada pelos neoliberais como algo inevitável, pois imposto pela globalização. A globalização, trazendo o aumento do número de Estados prontos e sedentos para acomodar as plantas industriais das empresas transnacionais, forçaria os Estados que desejassem a vinda ou mesmo a manutenção dos postos de trabalho dessas empresas (como dito acima, as reais detentoras de poder no mundo globalizado), a desregulamentar seu mercado de trabalho, visando a redução de custos e aumento da competitividade, palavrachave da economia globalizada. Com certeza, as empresas transnacionais, na era da globalização desenfreada, estão livres das amarras e podem produzir virtualmente em qualquer lugar do mundo para qualquer mercado consumidor, devido à diminuição dos custos de comunicação e transporte, pela utilização, na produção, de novas tecnologias (como visto acima), como também devido à flexibilidade de produtos garantida pela forma de organização do trabalho e da produção denominado “Toyotismo” ou “Acumulação Flexível” (que veremos mais adiante). Assim, poderão elas, ao seu talante, escolher o país, ou mesmo a região dentro de um Estado, que lhes ofereça as melhores condições, em termos de custos, é claro. A continuação da proteção social estatal e a rigidez contratual trabalhista, segundo a concepção do “Consenso de Washington”, colocariam o Estado que as mantivessem, em termos de competitividade, fora do mercado global, perdendo, com isso, os postos de trabalho, que se deslocariam para um país onde a flexibilidade (ou precariedade?) fosse maior. É a denominada “concorrência internacional entre trabalhadores” direito (SANTOS, 1999, p. 100), ou concorrência pelo direito (JEAMMAUD, 2000, p. 85). Essas batalhas entre Estados (e trabalhadores) pelos investimentos e postos de trabalho e a luta pela competitividade, abririam espaço para a flexibilidade do mercado de trabalho, trazendo inevitavelmente a redução do custo (e do valor, obviamente) do trabalho humano, por meio de redução ou exclusão de direitos com resultado salarial (gratificação natalina, horas extraordinárias, adicionais etc) e direitos derivados da relação de trabalho, porém sem resultado salarial (normas de proteção ambiental do trabalho, encargos sociais, seguros etc). Para Boaventura de Sousa Santos (1999, p. 99-100), tais atitudes trazem 22

um profundo impacto no contrato social. Diz ele que “O impacto mais decisivo reside no processo de dessocialização da economia, na redução desta à instrumentalidade do mercado e das transações. (...) Como vimos, no modelo da contratualização social da modernidade capitalista o trabalho foi a via de acesso à cidadania, quer pela extensão aos trabalhadores dos direitos cívicos e políticos, quer pela conquista de direitos novos específicos ou tendencialmente específicos do coletivo de trabalhadores, como o direito do trabalho e os direitos econômicos e sociais. A erosão crescente desses direitos, combinada com o aumento do desemprego estrutural, conduz à passagem dos trabalhadores de um estatuto de cidadania para um estatuto de lumpencidadania.” Afirma o sociólogo lusitano que somente uma internacionalização do movimento sindical ou uma autoridade internacional eliminaria tal concorrência global de trabalhadores, mas na ausência de um e de outra, “a concorrência internacional entre trabalhadores aumenta e, com ela, a lógica da exclusão que lhe é característica.” Destarte, o impacto inicial da globalização é o arrefecimento ou o surgimento da competição internacional dos trabalhadores, gerando uma precarização maior no trabalho humano, resultando uma debilidade na coesão social. A concorrência pelo Direito, segundo Antoine Jeammaud (2000, p. 86), “potencializa o risco de um ‘dumping social’, cujos patrocinadores são os próprios Estados, além de organizações sindicais que, para favorecer a implantação da empresa em seu território, aceitam negociar em detrimento de padrões já alcançados alhures (...). O dumping social corresponde, portanto, a uma desvalorização competitiva social.” Concorda com essa visão e a multiplica Riccardo Petrella (2001), ao expor sobre os efeitos da globalização financeira e econômica, a qual chama de “expropriação do futuro do mundo”, chega a afirmar: “Os fenômenos de expropriação se multiplicaram e ampliaram por todo lugar. Expropriou-se : a pessoa humana de seus direitos fundamentais: tanto que como “recurso humano”, ela não tem o direito à existência a não ser que em função de sua rentabilidade e disto que se chama agora de “empregabilidade”, conceito que substituiu aquele de “Direito ao Trabalho”; a sociedade de sua razão de ser tanto como sistema de organização

e

de

valorização 23

dos

liames

interpessoais

e

interinstitucionais e das interações e transações correspondentes: ela foi susbstituída pelo mercado elevado ao nível de sistma assegurados da forma e da organização otimizada das transações entre os indivíduos ; o trabalho de seu papel de criação de valor e de história : “mercadoria” colocada em concorrência no mercado global, seu custo deve baixar sem cessar.” Além da transformação do trabalho em mercadoria, a ser disputada a preços cada vez mais baixos entre os trabalhadores das diversas nações do mundo, outras implicações tem o processo de globalização no trabalho humano. Uma dessas implicações é por Antoine Jeammaud (2000, p. 75-92) denominada de “esfacelamento jurídico da coletividade do trabalho”. Segundo o jurista francês, a mundialização traz a existência, dentro de uma mesma empresa, não de uma coletividade do trabalho, mas de diversas coletividades de trabalho, não só devido ao surgimento de vários estatutos jurídicos (empregados a tempo determinado, temporários,

trabalhadores

terceirizados,

empregados

a

tempo

indeterminado etc), mas como trabalhadores internacionais que estão submetidos a regramentos jurídicos diferentes (trabalhadores que exercem suas atividades em mais de um país, aqueles contratados em um país e trabalhando em outro etc). Com isso, o perigo da anomia e confusão jurídica cresce, além de aumentar a distância e desigualdade entre os trabalhadores, prejudicando a regra isonômica. Altera-se, nos tempos pós-modernos de globalização acelerada, não só a forma como se vê o trabalho e também como é organizado, surgindo nova forma de organização do trabalho e da produção, com a denominada “Especialização Flexível” ou “Toyotismo”, que passamos a analisar pormenorizadamente. NOTAS: (1) Utilizarei nesse trabalho ambos os conceitos, tratando-os como sinônimos. (2) É importante, neste ponto, uma vez tomado o conceito de Giddens, ressaltar

que

as facetas econômica, financeira e ideológica da

Globalização, esquecidas pelo sociólogo britânico, serão mais à frente discutidas. Neste primeiro momento, concentrar-nos-emos em sua 24

feição puramente sociológica. (3) O termo “barracas” é aqui utilizado propositalmente com o fim de simbolizar a fácil montagem e desmontagem das atuais unidades industriais das empresas transnacionais, que se movem de um local para outro do mundo com rapidez e facilidade assustadoras, não fincando raízes em qualquer lugar que seja. (4) Os Estados Unidos da América, talvez, seriam os únicos que poderiam estar fora dessa nova regra, entretanto, a ferocidade com que, por intermédio do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, o seu governo pressiona aqueles dos países em dívida com bancos transnacionais, para que seus interesses sejam respeitados, parece demonstrar a inserção na regra.

25

Capítulo II. Organização do Trabalho e Regime de Acumulação “(...) a organização do trabalho é somente uma outra palavra para designar as formas de vida das pessoas comuns”. (Karl Polanyi, “A Grande Transformação”)

Vista a conjuntura mundial, a partir das visões da globalização, em suas múltiplas facetas, lançando luzes principalmente sobre a sua versão financeira e econômica, simbolizada pelo “pensamento único” gerado pelo Consenso de Washington, chega a hora de verificar-se a estruturação do mercado de trabalho, a fim de entender a atual estrutura deste, criada pela mudança de paradigma e orientada pelo movimento capitalista hodierno. Assim, este capítulo é dedicado ao estudo das formas de estruturação da produção, e consequentemente sobre as formas de organização do trabalho preponderantes em quase três quartos do século XX. As ideias de Taylor e Ford serão analisadas e discutidas, verificando a influência desses pensamentos em toda a organização do mercado de trabalho e do próprio espaço intrafabril. Por fim, estudaremos como se deu a superação do paradigma fordista, lançando pistas sobre as causas e propósitos dessa mudança de comportamento no pensamento industrial. 1. Taylorismo Frederick Winslow Taylor, engenheiro norte-americano nascido em 1856, faz publicar em 1911 sua obra “Os Princípios da Administração Científica”, que viria a criar uma forma de organização do trabalho chamada de “Taylorismo”, ou “Administração Científica do Trabalho”. Tendo sido desde operador de máquina e chefe de turma, passando por 26

chefe de manutenção, e chegando a engenheiro-chefe de uma indústria de aço norte-americana, a “Midvale Steel Company”, Taylor era conhecedor de todas as funções dentro de uma unidade operacional, e, com esse conhecimento prático, aliado à observação e estudo das práticas de trabalho, criou sua famosa e inequivocamente difundida “scientific management theory”. Conforme observou na fábrica de toda a sua juventude e amadurecimento, os trabalhadores desenvolviam o mesmo trabalho de modo diferente, um trabalhador utilizando-se de seus músculos mais eficazmente do que outro. Assim, Taylor entendeu que, se o trabalho de cada um fosse regulado de modo lógico, como eram os movimentos das máquinas, obter-se-ia um incremento da produção: “O dever da direção, foi a sua conclusão, devia ser aquele de individualizar o modo melhor de fazer o trabalho, de fornecer os instrumentos adaptados, e de treinar os trabalhadores a agirem em conformidade com instruções precisas” (KRANZBERG; GIES, 1991, p. 143). Segundo Harvey, a base da teoria “taylorista” seria o radical aumento da produtividade do trabalho “através da decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento” (HARVEY, 2000, p. 121). Com a organização do trabalho sendo totalmente decomposta, o trabalho a ser objetivamente realizado pelo obreiro seria totalmente predeterminado pela gerência de administração, retirando-se toda e qualquer autonomia do trabalhador, que se restringiria a cumprir os movimentos pré-estabelecidos pelo empregador, tanto em relação à forma quanto ao tempo de cada operação. Quanto ao tempo, Taylor insistia na sua importância, criando inclusive a função de “cronometrista” dentro da planta industrial, para a verificação do cumprimento do tempo estabelecido para as operações determinadas a cada trabalhador. Como nos informa Richard Sennett, “Os infames estudos de tempo-movimento de Taylor foram feitos com um cronômetro, medindo em frações de segundo quanto demorava a instalação de um farol ou de um pára-choque” (SENNETT, 1999, p. 45). (1) Era a transformação de homens em máquinas de trabalhar, como bem observou Gramsci (2). A transformação do trabalhador em ser robotizado foi bem exposta por Charles Chaplin, em seu crítico filme “Tempos 27

Modernos”. A esta mesma conclusão chegou Maria da Graça Druck (1999, P. 41): “Este é o tempo em que os homens que vivem do trabalho precisam ser transformados ‘cientificamente’, a fim de que possam cumprir um papelchave na base técnica e mecânica da produção industrial. Para alguns estudiosos, o taylorismo representa um tipo de mecanização sem a introdução da maquinaria; ou seja, trata-se de ‘subsumir o trabalho ao capital’, através da expropriação do conhecimento dos trabalhadores, o que pode ser viabilizado pelo controle efetivo do capital sobre o trabalho, realizado na forma da ‘gerência científica’ e que tem como um dos fundamentos centrais a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual”. Desta exposição, podemos retirar outro ponto importantíssimo na teoria de Taylor: a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, com a expropriação do conhecimento dos trabalhadores. De fato, na época em que Taylor criou sua teoria, passagem do século XIX para o XX, as indústrias eram operadas por trabalhadores que se pareciam mais com artesãos, com pleno conhecimento e domínio sobre o ofício realizado. Foram os trabalhadores, destarte, alijados de qualquer forma de discricionariedade na realização das operações, que foi passada aos organizadores e administradores da fábrica. Portanto, o trabalho manual é deixado aos trabalhadores do chão da fábrica, enquanto que todo o trabalho intelectual foi transferido para os altos empregados, engenheiros e administradores. Como afirma David Harvey, “a produção de mercadorias em condições de trabalho assalariado põe boa parte do conhecimento, das decisões técnicas, bem como do aparelho disciplinar, fora do controle da pessoa que de fato faz o trabalho”.(DRUCK, 1999, p. 119) A visão de Antonio Gramsci desta alienação do trabalhador é imprescindível: “Uma incrementadamente perfeita divisão do trabalho objetivamente reduz a posição do trabalhador na fábrica para incrementados movimentos “analíticos” de detalhe, que a complexidade do trabalho coletivo passa a compreensão do trabalhador individual; na consciência deste último, sua própria contribuição é desvalorizada ao ponto onde parece facilmente substituível a qualquer momento” (2). Assim, a “coletivização” do saber dentro da fábrica tornaria os 28

trabalhadores totalmente substituíveis, diminuindo assim o valor de seu trabalho. É, por outro lado, importante em Taylor a verificação da existência, e a diferenciação entre si, do trabalho real e do trabalho prescrito, tentando implantar um sistema no qual esses dois trabalhos se equivalessem, o que ocasionaria maior produtividade industrial. Coloca Taylor que um dos principais obstáculos à prosperidade é a “vadiagem no trabalho”, afirmando ser instituição generalizada nas indústrias da futebolística “cera” (DRUCK, 1999, p. 44). Na realidade, a obsessão pela perfeição no aproveitamento dos movimentos dos operários, juntamente com a retirada da subjetividade do trabalhador na operação do seu ofício, acarretaram os maiores problemas para a implantação da “gerência científica do trabalho”, devido às fortes resistências dos trabalhadores e sua insatisfação com o trabalho padronizado. Então, provou-se necessário que, para a implantação do Taylorismo e sua aceitação por parte dos trabalhadores, seria necessário dar motivação aos operários, através de concessão de vantagens. E deveria ser estabelecida na mente dos trabalhadores a associação entre a concessão dessas vantagens com a eficiência da própria técnica do trabalho (KRANZBERG; GIES, 1991, P. 143). Esse foi o pensamento de Henry Ford, gerando a forma organizacional do trabalho denominada de Fordismo, tornando-se, inclusive, denominação de forma de organização do próprio capitalismo e do próprio regime de acumulação do capital. 2. Fordismo Harvey (2000, P. 141) dá-nos a diferenciação entre o Taylorismo e o Fordismo: “O que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista”. A principal engenhosidade de Ford, que permanece até hoje, mesmo nas 29

fábricas ditas “toyotizadas”, é a linha de montagem contínua. Como afirma Denise Pires (1998, P. 33), “Ford toma como inspiração o processo contínuo de produção existente nos matadouros e cria a linha de montagem (moving assembly line), onde faz uso da mecanização associada e parcialmente automatizada, já antevista por Marx, em O Capital. O controle sobre o trabalho humano não precisa ser feito pela determinação e controle direto do gerente, mas é feito automaticamente pela máquina. A esteira (conveyor belt), que leva o trabalho até os homens, resolve a questão do controle dos tempos e movimentos que agora são determinados pelo ritmo de funcionamento das máquinas, diferente do Taylorismo, em que o ritmo é baseado no rendimento individual (CLARK, 1990; FERREIRA, HIRATA, MARX et al., 1991). E conclui brilhantemente que “Com a linha de montagem, o trabalho vai aos homens, ao invés dos homens ao trabalho”. Assim, as bases de Ford são: a mecanização da produção, a padronização das partes do produto, a aplicação de novas formas de energia e o fluxo contínuo dos materiais através de uma série de máquinas, ou seja, a própria linha de montagem semovente, tudo isso com o fim de criar a produção em massa. A linha de montagem aumentou a importância da divisão do trabalho, ou melhor, da organização do inteiro processo lavorativo, pois esta era parte integrante e indispensável para o funcionamento da própria fábrica, sendo a divisão do trabalho total e minuciosamente planejada (KRANZBERG; GIES, 1991, p. 110-115). Agora, adaptado à linha produtiva, o Taylorismo, sob roupagem fordista, ganhou novas e específicas características, quais são (KRANZBERG; GIES, 1991, P. 148): 1)ritmo de trabalho controlado mecanicamente (linha de montagem semovente); 2)repetições de movimentos simples; 3)exigência de uma habilidade, de uma capacidade de decisão, e de uma experiência mínima, e para tudo isso, um treinamento mínimo; 4)procedimentos operacionais predeterminados, com equipamentos e técnicas pré-selecionadas para o operário; 5)decomposição da produção, de modo que o operário executa tarefa somente sua que resulta em uma pequena fração do produto final; 30

6)exigência do operário de uma atenção (automática) suficiente, e estar próximo da linha de produção semovente. A combinação desses fatores “faceva dell’operaio ‘una parte intercambiale di una macchina intercambiale che produce parti intercambiali’” (KRANZBERG; GIES, 1991, P. 148). Henry Ford implantou em sua fábrica a gerência taylorista e a linha de montagem, porém lhes acrescentou características que, além de fazer a teoria de Taylor possível (factível e que poderia ser submetida aos trabalhadores), desejava transformar o próprio capitalismo e a sociedade em geral. Para a aceitação e motivação dos trabalhadores do novo sistema implantado, demarcou o dia de trabalho em oito horas e pagava aos seus empregados um salário de cinco dólares ao dia, que era um ótimo salário, pois representava aproximadamente cento e vinte dólares atuais (SENNETT, 1999, p. 44). Ao pagar bons salários e reduzir a jornada de trabalho, desejava Ford, além da aceitação e submissão dos trabalhadores às novas ordens do patronato, também lhe interessava a criação de um novo homem (HARVEY, 2000, p. 122), com bom poder aquisitivo, que geraria o crescimento da economia pelo alto poder de consumo. Ao introduzir a produção em massa, Ford desejou criar, da mesma forma, o consumo em massa, característica fundamental do capitalismo do Século XX. Gramsci, ao abordar o Fordismo em seu texto do cárcere “Americanismo e Fordismo”, verificou a complementaridade entre o Fordismo e o Taylorismo: “Esta nova prática de gestão do trabalho que propõe a criação de um ‘novo tipo de trabalhador’ não apenas reforça os princípios tayloristas e os amplifica para toda a sociedade, mas reafirma o objetivo central da ‘gerência científica’: (...) romper o velho nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado, que exigia uma determinada participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador” (apud DRUCK, 1999, P. 49). O modelo fordista tornou-se hegemônico no breve século XX, todavia isto não se deu de imediato. O estabelecimento desse modelo, não se pode esquecer, deu-se em períodos de extrema turbulência, no qual existiram dois pós-guerras e uma guerra mundial, além de longos períodos de crise do capitalismo. Segundo Harvey, nos anos entreguerras houve dois principais impedimentos à disseminação do 31

Fordismo: a resistência dos trabalhadores de submeterem-se à rigidez e alienação fordista, causando um uso maciço de trabalhadores imigrantes, e os modos de intervenção estatal então existentes, de feição democrática. O Fordismo necessitava de uma intervenção estatal forte e um pouco de autoritarismo, o que só poderia existir com um novo modo de regulamentação, o que se deu plenamente somente depois de 1945, levando o Fordismo à maturidade como regime de acumulação plenamente acabado e distintivo (HARVEY, 2000, p. 123-125). Nesta época, o Fordismo alia-se ao Keynesianismo, teoria idealizada pelo economista britânico John Maynard Keynes, a qual entendia que, em períodos de crise, não existiria patamar mínimo de salário que impedisse o desemprego, e que esse, por sua vez, afetava o consumo (e vice-versa), acarretando problemas insolúveis para toda a economia. Dessa forma, seria necessária uma política estatal de pleno emprego, alcançável através de maciços e contínuos investimentos e gastos públicos na produção, bem como políticas fiscais voltadas para o crescimento da economia. Assim, o Fordismo e o Keynesianismo pregavam um Estado interventor na economia e regulador da conjuntura. Porém, como traz Denise Pires (1998, p. 37), “O Estado Nacional não exerce, apenas, o papel de regulador macroeconômico, mas, também, de administrador da demanda, procurando reduzir as desigualdades e o desemprego através da geração de uma rede de serviços – conhecida como Estado do Bem-Estar Social (GOUREVITCH, in MATTOSO, 1995, p. 29; SINGER, 1989; PRZEWORSKI, 1991)”. Destarte, com o keynesianismo, fortalece-se também o “welfare state”, diferenciando-se do “welfare state” liberal então existente, pois com aquele, ao contrário deste, deseja-se garantir transferências sociais e realizar distribuição de bens e serviços públicos e privados, para o atendimento mínimo social a todos os cidadãos. Entretanto, como afirma Harvey (2000, p. 125), “o crescimento fenomenal da expansão de pós-guerra dependeu de uma série de compromissos e reposicionamentos por parte dos principais atores dos processos de desenvolvimento capitalista. O Estado teve de assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; e trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativos ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de 32

produção. O equilíbrio de poder, tenso mas mesmo assim firme, que prevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-Estado, e que formou a base de poder da expansão de pós-guerra, não foi alcançado por acaso – resultou de anos de luta.” A esta altura, insta salientar que o Fordismo, em sua expansão para se tornar modo de regulação do trabalho hegemônico no mundo, disseminou-se de forma desigual entre os países, pois se encontrava “numa conjuntura particular de regulamentação político-econômica mundial e uma configuração geo-política em que os Estados Unidos dominavam por meio de um sistema bem distinto de alianças militares e relações de poder. Nem todos eram atingidos pelos benefícios do fordismo, havendo na verdade sinais abundantes de insatisfação mesmo no apogeu do sistema. Para começar, a negociação fordista de salários estava confinada a certos setores da economia e a certas nações-Estado em que o crescimento estável da demanda podia ser acompanhado por investimentos de larga escala na tecnologia de produção em massa.” E Harvey nos traz, ao ilustrar a desigualdade na distribuição dos benefícios do Fordismo, importante assertiva para o nosso trabalho: “E mesmo os setores fordistas podiam recorrer a uma base não-fordista de subcontratação” (HARVEY, 2000, P. 132). Nesta última colocação, verificamos que a estratégia de utilizar-se da subcontratação para a fuga dos ônus acarretados pela estrutura fordista, às custas dos trabalhadores, não é de forma nenhuma nova, existindo de forma aleatória mesmo no auge do Fordismo nos países centrais. Com o Fordismo, entretanto, cresceram os poderes das entidades sindicais, crescimento este ocasionado pela reunião de um grande número de trabalhadores em um mesmo locus, a fábrica, além do que a existência clara de profissões diferenciadas facilitava a união e a coesão dos trabalhadores em sindicatos de categoria. Os sindicatos, com esse poder concedido, lograram obter melhorias para os trabalhadores tanto em relação à própria fábrica (negociação coletiva) quanto ao nível da Nação (pressões e “lobbies” para a mudança na legislação). No caso brasileiro, os sindicatos poderiam inclusive impor aos empregadores novas condições de trabalho, por intermédio de demandas ao Poder Judiciário (Poder Normativo). Os capitalistas aceitaram este crescimento de poder dos sindicatos, a fim de darem sustentação ao próprio modo 33

fordista da produção. Tudo ia bem, desde que os trabalhadores mantivessem somente a luta por melhorias salariais, deixando de lado as condições de trabalho mais onerosas, como segurança e saúde no trabalho. O quadro do trabalho dentro do regime fordista, em termos ideais-tipos weberianos, é, basicamente, o seguinte: “a) realização de uma única tarefa pelo trabalhador; b) pagamento pro rata (baseados em critérios da definição do emprego); c) alto grau de especialização de tarefas; d) pouco ou nenhum tratamento no trabalho; e) organização vertical no trabalho; f) nenhuma experiência de aprendizagem; g) ênfase na redução da responsabilidade (disciplinamento da força de trabalho);

do

trabalhador

h) nenhuma segurança no trabalho.” De todas essas características expostas por Swyngedouw (apud HARVEY, 2000, P. 165-166), a única que fazemos restrições é a última, quanto à afirmação que no Fordismo não havia segurança no emprego, no sentido de alta rotatividade na mão de obra e empregos de curta duração. A discordância se deve porque a própria mentalidade fordista é de empregos de longa duração ou para toda a vida, o longo termo, inexistente a princípio na nova mentalidade de especialização flexível, que veremos a seguir. A identificação do trabalhador com a empresa é preocupação constante tanto de Ford quanto de Taylor, que procuravam fazer com que o obreiro entendesse que o bem da empresa era o bem do trabalhador. (4) A imagem das grandes vilas de operários fornecidas pelo empregador, com extensas atividades sociais por parte da empresa para seus empregados, objetivando a vida do trabalhador em torno da indústria, demonstram a existência, pelo menos nas atividades “monopolistas”, da segurança no emprego e vida em razão e pela fábrica. A existência de um setor “competitivo”, como diz Harvey, no qual existiria o quadro de insegurança no emprego citado por Swingedouw, nada mais é do que uma patologia encontrada na aplicação do sistema fordista, mas que não era intrínseco e idealizado por esse regime. 34

Quando Richard Sennett (1999) fala da deriva ocasionada pelo curto prazo e flexibilidade exigidos pelo novo capitalismo, e a dominação do lema “não há longo prazo”, faz o contraste justamente com o longo prazo fordista e empregos para toda a vida (5). Quanto ao Brasil, as experiências fordistas não foram totalmente implementadas, principalmente quanto aos benefícios que o padrão fordista traria para os trabalhadores. De acordo com Maria da Graça Druck (1999, p. 57-64), quatro foram as ausências básicas no “Fordismo brasileiro”: caráter conservador e autoritário do Fordismo brasileiro, com a manutenção da exclusão social integrante da estrutura histórica da sociedade brasileira, cujos trabalhadores não atingiram sequer a “cidadania do Fordismo”; formação de mercado de trabalho multiforme, com a utilização em massa de empregados sem carteira assinada e excluídos de proteção social, utilização de jornadas extensas de trabalho, falta de treinamento e investimento em qualificação, rotatividade de mão de obra, instabilidade no emprego, quadro este gerado principalmente pelo desemprego estrutural crônico; utilização de racionalidade de produção taylorista-fordista, mesmo com a ausência, demonstrada no item anterior, de estímulo e motivação dos trabalhadores, fatores tidos como indispensáveis tanto por Taylor quanto por Ford, como visto anteriormente; e, por último, a ausência de um legítimo Estado de Bem-Estar Social. O Fordismo, mesmo sem estar ainda internacionalmente expandido em todas as suas dimensões, entra mundialmente em crise, surgindo uma nova forma de organização da produção mais atrativa para o capital: o Toyotismo ou Especialização Flexível. 3. A Superação do Paradigma Fordista Nas crises o ser humano se desdobra e se mostra um ser capaz de se reinventar e remodelar suas instituições para a fuga do perigo. E da mesma forma age o capitalismo, recriando-se e remodelando-se justamente nos seus momentos de crise. Apesar de as mudanças no capitalismo terem dado seus primeiros sinais já nos anos 60, foi a partir da grande crise capitalista de 1973, ocasionada pelo choque do petróleo, que tomaram fôlego transformações sócio-históricas com diversas influências no mundo em que vivemos, atingindo todas as pessoas em qualquer parte do planeta. 35

A partir dessa época surgiram dois movimentos que se entrelaçam e não se separam: a globalização, principalmente em sua faceta financeira e econômica, e o regime de acumulação flexível do capital, com suas características de reorganização produtiva e remodelação do próprio giro do capital. Causas da mudança no regime de acumulação são trazidas por Giovanni Alves (2000, p. 16): “Sob o impulso da mundialização do capital, houve o desenvolvimento da acumulação flexível, um novo tipo de acumulação capitalista que se impõe, cada vez mais, às corporações transnacionais. Tal modo de acumulação decorre da necessidade de o capital reconstituir sua base de valorização, debilitada não apenas pelo desenvolvimento da Terceira Revolução Tecnológica (que pressionou a lucratividade das corporações transnacionais pelo aumento da composição orgânica do capital), mas também pela constituição do Welfare State, pelas barreiras à usurpação capitalista, erguidas no interior do próprio sistema produtor de mercadorias nos países capitalistas centrais durante o pós-Segunda Guerra Mundial.” Junte-se a isso as possibilidades criadas pelas novas tecnologias para a realização do novo tipo de produção capitalista, bem como as motivações políticas caracterizadas pelas derrotas históricas da classe trabalhadora nos principais países trabalhistas, com a ascensão de neoliberais no poder nessas nações, está então vislumbrado, em grandes linhas, o quadro da ascensão do novo regime de acumulação do capital (ALVES, 2000, p. 17-18). O modelo fordista, reinante no breve Século XX, começou a dar sinais de cansaço em meados da década de 1960, indo até 1973, quando eclodiu o choque do petróleo. Como afirma Denise Pires, houve motivos econômicos, político-culturais e tecnológicos para isso, sendo na realidade uma crise estrutural do desenvolvimento capitalista-fordista, os quais cita como sendo (ALVES, 2000, P. 40-41): “a) os ganhos com a produtividade do trabalho começaram a diminuir nos países industrializados. Cresce a insatisfação com as condições de trabalho por parte do operariado que não se conforma em executar tarefas maçantes e repetitivas, ainda que bem pagas. Os trabalhadores reagem contra a intensificação do ritmo do trabalho, que foi a forma utilizada pelo capital para aumentar a produtividade. (...); 36

b) o fim dos anos 60 marca enormes transformações culturais no mundo todo, e o movimento social, além de questionar os princípios tayloristasfordistas de organização do trabalho, questionou, profundamente, o modelo de desenvolvimento vigente. (...); c) na economia, o cenário é de manutenção de taxas elevadas de inflação; aumento dos custos de produção pela elevação brusca dos preços do petróleo em 1973; elevação das taxas de juros; instabilidade financeira; redução da taxa de lucros e das taxas de produtividade; d) esgotamento dos impulsos dinâmicos de industrialização pelo enfraquecimento da capacidade dinâmica do progresso técnico, pela saturação dos mercados internacionalizados e pela crescente financeirização da riqueza produzida; e) enfraquecimento da hegemonia norte-americana. (...) Europa e Japão aumentam a sua participação no comércio internacional e ganham a batalha comercial com os EUA, depois expandem suas filiais e internacionalizam seus capitais. Essa conjuntura internacional propicia condições para o crescimento da industrialização de países do terceiro mundo.” Do exposto, podemos observar que três pontos são principais: a queda da lucratividade, a saturação dos mercados nacionais e, consequência destes dois primeiros fatores, a pressão em cima do mais fraco para a tentativa de recuperação dos lucros (6). Já Harvey define o principal problema (obviamente, problema segundo a visão do capital) do Fordismo-Keynesianismo: a rigidez (ALVES, 2000, P. 135). “Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor ‘monopolista’).” Todos esses tipos de rigidez impediam o crescimento do capital, gerando uma contra-revolução deste pela busca de flexibilidade. A passagem do Fordismo para o regime da acumulação flexível, e todas as suas consequências, acontece de maneira relativamente fácil e passiva por parte dos trabalhadores, pela força das mudanças e a 37

perplexidade que elas causam. As entidades sindicais não têm (como na realidade nunca tiveram tanto aqui em nosso país) poder de agregação e não

conseguem

resistir

às

mudanças,

por

mais

profundas

e

massacrantes que sejam para o trabalhador. E mais, o Toyotismo, com suas características e mandamentos, principalmente a terceirização, fragmentam mais ainda as categorias, esfacelando e enfraquecendo os sindicatos, já enclausurados pela unicidade sindical exigida por lei, impedimento óbvio à liberdade sindical plena. E há principalmente a ameaça sempre presente do “dumping social”, ou seja, o esvaziamento dos postos de trabalho de uma região pela oferta de menos resistência em outra. E as mudanças que a reorganização produtiva traz são profundas no trabalho humano, as quais veremos no capítulo a seguir. NOTAS: (1) Nesta obra, ao citar Taylor, chama-o de “psicólogo industrial”, equivocando-se completamente, pois é central em seu pensamento a retirada de todo e qualquer subjetivismo do trabalhador, transferindo-o para o capital. Como Sennett mesmo afirma, “Taylor acreditava que a maquinaria e o projeto industrial podiam ser imensamente complicados numa grande empresa, mas não havia necessidade de os trabalhadores compreenderem essa complexidade; na verdade, afirmou, quanto menos fossem ‘distraídos’ pela compreensão do projeto do todo, mais eficientemente se ateriam a seus próprios serviços.” (2) Observou Gramsci em seu pequeno texto “Men or Machines”, publicado originalmente na edição piemontesa de “Avanti!”, de 24 de dezembro de 1916, no qual afirma que “É claro, maus industriais burgueses devem preferir trabalhadores que sejam mais máquinas que homens”. (3) GRAMSCI, Antonio. Prison notebooks, “The Modern Prince”, versão em inglês, Internet. (4) Concorde com essa idéia é ACCORNERO (2000, p. 53), ao afirmar que “le novità introdotte da Taylor e da Ford superavano il mito del ‘buon padrone’ facendo passare per l’impresa il rapporto emotivo che prima passava per l’imprenditore”. Desta forma, não só o fordismo e o taylorismo pretendiam introduzir o trabalhador no seio da empresa, fazendo com que este tivesse uma afetividade e uma identificação com a própria empresa, o que somente poderia ser atingido com um emprego 38

de longa duração. (5) Em todo o desenvolvimento do primeiro capítulo, quanto ao personagem Enrico, Sennett trata a questão. (6) Incrível a capacidade do capital de sempre que entra em crise, busca a solução às custas do mais fraco, o operário, tanto no plano macroeconômico, quanto no plano microeconômico. Note-se que qualquer reestruturação de empresa, Downsizing, Reengenharia, e outras invenções da Ciência da Administração, perpassam e às vezes se resumem à redução de pessoal ou corte de benefícios ou salários, ou aumento de horas de trabalho sem pagamento de horas extraordinárias. Como bem conclui GROZELIER( 1998, p. 79), com o fim do fordismo “O trabalho perde seu papel central na criação de riqueza em benefício do comércio, das finanças, da especulação. Ela se torna na variável de ajuste “.

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Capítulo III. Reestruturação Produtiva e Mercado de Trabalho “Tanta farsa, tanto roubo E o boy toma Coca-Cola Tiro ianque para cima Me acertou na testa Tudo muda. É preciso mudar Não é facil o perigo passar Sua cegueira mais e mais me complica Se sua roupa vale mais que a comida Se sua pose vale mais que uma vida Pegue essa arma!” (Canção do grupo Ira!, “Pegue essa arma”)

Superada a forma fordista-taylorista, tanto no ideário capitalista, quanto nas principais formatações do trabalho e da acumulação capitalista, é a vez de deitarmos luzes sobre as novas propostas que surgem de acumulação do capital, e as novas formas em que se organiza o trabalho, em suas facetas intra e extrafabril. Primeiramente observaremos o Toyotismo e a Especialização Flexível, em suas características gerais, como demonstração da mudança do paradigma, já que não se trata aqui de um estudo específico sobre a reestruturação produtiva. Após, estaremos observando como é organizado o mercado de trabalho nesse novo modo de acumulação capitalista. Ao fim do capítulo, estudar-se-ão as formas de trabalho surgidas, deixando algumas análises críticas sobre essas formas, em sua maioria precárias e unilateralmente desfavoráveis aos trabalhadores. 40

1. Toyotismo ou Especialização Flexível Trataremos aqui não de hipóteses monocausais, ou estudos de casos isolados que demonstrariam a mudança no sistema de organização do trabalho. Como fez Vando Borghi (1998, p. 101), utilizaremos o modelo japonês (chamado por Toyotismo ou Ohnismo)(1) e a Especialização Flexível (denominação criada por Piore e Sabel, em seus estudos na Terceira Itália, região no nordeste da península itálica, para o sistema utilizado pelas indústrias familiares organizadas em rede da região), como modelos e sinais da grande transformação na gestão do trabalho humano, que geraram, inclusive, um novo regime de acumulação do capital, a acumulação flexível, como é chamada por David Harvey (2000), como resposta do capital à crise do sistema anterior abordada no capítulo II (2). A característica principal do novo regime de acumulação, presente em todos os seus aspectos, tanto na parte da produção industrial, gestão comercial ou organização do trabalho (que, como salientado no Capítulo anterior, foram um dos móveis para a crise do Fordismo), é a troca da rigidez pela solução mágica da flexibilidade. Com essa palavra definemse todos os sonhos do atual capitalismo, que deseja a qualquer custo a flexibilidade de tudo aquilo que o impede ou atrasa na sua obtenção de lucros. Assim, como reação à crise do sistema de acumulação fordista, procurou o capital um processo de reestruturação que perpassava por ajustes socioeconômicos e transformações na produção industrial, com as inovações tecnológicas e novas formas de organização do trabalho, além da expansão dos mercados pelo mundo agora globalizado (PIRES, 1998, p. 45). O novo modo de organização do capital, quanto ao processo de produção industrial, traz algumas características subjacentes. A primeira delas é a crescente inovação tecnológica, trazida pela substituição da automação rígida com base na eletromecânica, existente no Fordismo, por um maquinário provido de tecnologia digital e com componentes microeletrônicos, totalmente readaptável e reprogramável, para a mudança brusca e rápida nos produtos, atendendo imediatamente à demanda (PIRES, 1998, p. 47. HARVEY, 2000, P. 148). Surge a robótica, com equipamentos que imitam e substituem a 41

atividade manual humana, causando a substituição do homem em tarefas antes somente por este possíveis de realização. Outra modificação brutal é no tocante ao volume da produção, substituindo-se

a

anterior

produção

em

massa

de

produtos

padronizados por pequenos lotes com variedades de bens, produzidos a preços baixos. Essa modificação tem o fito de acompanhar mudanças bruscas nos hábitos de consumo que exijam mudanças qualitativas ou quantitativas no produto produzido, além de aumentar o ritmo das inovações desse produto, incluindo a sua troca imediata e substituição por outro. Estreita-se, assim, a produção e a comercialização, ficando a indústria totalmente voltada para os hábitos dos consumidores. De o consumo ser adaptado aos produtos padronizados, passa-se à adaptação da produção aos usos, costume, vontades e necessidades do consumidor. Ou melhor, o produto adapta-se aos consumidores, no plural, pois foi a existência da diversidade nos tipos de consumidores que justamente obrigou às indústrias a realizarem a especialização dos seus produtos, com maior diversidade de opções, para um mercado consumidor cada vez mais multifacetado. Esta característica é tão importante que deu nome à própria forma de organização da produção (especialização flexível). (PIRES, 1998, p. 47. HARVEY, 2000, P. 148) Ocorre também a mudança na estruturação das empresas, que, de uma estrutura verticalizada, onde uma grande empresa se ocupava de todas as etapas da produção industrial, passa-se para uma organização horizontalizada, descentralizando e externalizando parte da produção a outras empresas, formando com elas uma rede de empresas para a realização do produto. Como se deu no Fordismo, o exemplo paradigmático do modo de organização da produção também se dá com a indústria automobilística. A indústria automobilística, quando se estabelece, constrói suas instalações em um espaço amplo, para abrigar ao seu redor uma rede de empresas que atuarão única e exclusivamente em sua função, para realizar atividades que antes eram centralizadas na própria fábrica de automóveis. Observe-se que a ideia de Ford era justamente o contrário, ou seja, a de toda a produção do automóvel ser realizada em um mesmo lugar unificado pela linha de montagem, para barateamento, controle e rapidez na produção. Atualmente não se usa mais o termo “fábrica de automóveis”, e sim “montadora”, pois, na realidade, é essa a única atividade atualmente ali desenvolvida, isto é, a 42

montagem dos veículos automotores. (PIRES, 1998, p. 47. HARVEY, 2000, P. 148) Mudança também facilmente perceptível é a nova divisão internacional do trabalho, onde novos países são guindados ao mundo produtivo fornecedor de bens manufaturados de alta tecnologia. Não se olvide que a inclusão de novos países como fornecedores de produtos industrializados deveu-se, principalmente, à procura de mercados menos regulamentados (como diz David Harvey, outro “slogan” político da era da acumulação flexível é a desregulamentação)(HARVEY, 2000, p. 150), com relação ao trabalho humano e quanto à proteção ambiental, para a diminuição dos custos da produção. Com relação à proteção ambiental, o maior temor da indústria atual é, sem dúvida, a luta da sociedade civil pelo meio ambiente mais saudável e menos agressor, do qual é, indubitavelmente, a maior vilã. A busca por regiões menos politizadas e educadas é vital para a continuação de atividades que não teriam sobrevida nos países centrais, pelo conhecimento de sua prejudicialidade. Exemplo disso são as fábricas de amianto, que foram trazidas para os países periféricos quando já proibida a sua produção nos países ditos de primeiro mundo, pela sua agressão perigosíssima frente ao meio ambiente, principalmente o do trabalho (3). Porém, deve ser salientada a expansão do trabalho industrial pelo mundo, agora quase global. Observe-se que, com a computação e a internet, serviços realizados em um país podem ser remetidos a outro, como acontece atualmente com a Índia, para aonde estão indo todos os centros de informática das grandes companhias de cartão de crédito. Quanto ao Toyotismo propriamente dito, como forma de organização da produção, conhecida também pelo nome de “lean production” (produção enxuta), combina as vantagens da produção de massa (rapidez e custos baixos) e da produção artesanal (flexibilidade e qualidade), com três caracteres ou princípios básicos, que são: o trabalho em equipe e de cooperação; o processo de aperfeiçoamento continuado (“kaizen”); e o “just-in-time” (GROZELIER, 1998, p. 109). O primeiro princípio, inegavelmente japonês, estabelece-se sobre a noção central de equipe, responsável por si mesma, que organiza seu trabalho e se autocontrola, para um melhor acabamento do produto ((GROZELIER, 1998, p. 109 e ALVES, 2000, p. 45). São os chamados Círculos 43

de Controle de Qualidade (CCQs). De uma organização do trabalho hierarquizada e verticalizada, com trabalhadores especialistas, passa-se a uma organização do trabalho horizontalizada e por equipes, com trabalhadores polivalentes e plurifuncionais. Este princípio será mais bem analisado no item posterior, quando se explicitará as mudanças no mundo do trabalho. O segundo princípio, o “kaizen” (processo de melhoramento contínuo), amplia uma tradição japonesa de aperfeiçoar os produtos realizando continuamente pequenas modificações nos mesmos, ao contrário das indústrias ocidentais (principalmente americanas), que preferem o aperfeiçoamento do produto em grandes modificações (inovações). O aperfeiçoamento, no Toyotismo, tem como um dos principais atores o próprio trabalhador, que sugere as modificações do produto, inversamente do sistema taylorista-fordista, onde o trabalhador já recebia as funções da administração da empresa (GROZELIER, 1998, p. 109).(4) Este princípio também recebe o nome de “auto-ativação”, realizando ruptura com o taylorismo, ao unir as funções das tarefas de execução e de controle de qualidade dos produtos, realizadas simultaneamente pelos trabalhadores, agora polivalentes e multifuncionais (ALVES, 2000, P. 44). Aqui se inserem também os programas chamados “total quality management”, programas de qualidade desenvolvidos nas empresas com o fim de aperfeiçoamento do produto e da produção. (5) O terceiro princípio é o “just-in-time”, que é o fundamento do sistema de produção toyotista. Prega o princípio a redução dos estoques ao mínimo possível, sendo a produção regida diretamente pela demanda. Também as matérias-primas devem ser adquiridas conforme a necessidade dos clientes (GROZELIER, 1998, P. 109-110). No entanto este princípio não se limita a reduzir estoques, porque na realidade visa é a contenção dos custos ao estritamente necessário. Com isso, aplica-se também ao trabalho humano o princípio em estudo, utilizando-se da mão de obra estritamente necessária à produção, conforme a demanda. Assim, temos uma flutuação do número de trabalhadores na empresa conforme o aquecimento ou desaquecimento da produção. Importante para a implantação desse princípio é o método “kanban”, ou sistema de informação dos vários estágios de produção e de estoque, onde, de cada posto de trabalho, controla-se toda a produção, com o fim de verificação 44

da necessidade. No sistema “kanban” (cartão em japonês), cartões são colocados nos estoques contendo a movimentação dos mesmos. Quando um determinado estoque é desfalcado, o seu “kanban” retorna para o departamento responsável e outra remessa é realizada imediatamente para a reconfiguração do estoque. Como todas essas mudanças modificaram sobremaneira o mundo do trabalho, veremos a seguir. 2. As características do mercado de trabalho no Regime de Acumulação Flexível As mudanças ocorridas no trabalho humano e em sua organização, causadas pela reestruturação produtiva e pelo novo regime de acumulação do capital, são profundas, e têm objetivo claro: a redução dos custos do trabalho e a subjugação dos trabalhadores ao domínio econômico do capital. A modificação mais sentida trazida pela nova organização do trabalho é indubitavelmente a “fragmentação sistêmica” das empresas, conforme a expressão de Giovanni Alves (2000, p. 57), que vem a ser a constituição de uma “empresa-rede”, havendo a centralização das atividades diretamente realizadas pela empresa em uma atividade que entende ser seu “core business”, ou seja, sua atividade-fim, e a reunião de uma série de empresas satélites à sua volta, realizando atividades que antes eram realizadas dentro do próprio negócio, gerando o fenômeno denominado de “terceirização” ou “externalização”. Com isso, dando ênfase na “empresa enxuta”, restringe a empresa o número de empregados diretamente contratados, entregando a outras empresas atividades essenciais, porém não centrais, às vezes só formalmente. Daquela grande fábrica incorporando todas as atividades da produção, passa-se à ideia de rede, uma empresa central, realizando atividades centrais, principalmente de planejamento e projetos, e empresas satélites, realizando todas as demais atividades. A discussão sobre a prática da terceirização, inclusive suas consequências, que é central nesse trabalho, será realizada pormenorizadamente nos próximos capítulos. Todavia há outras modificações ocasionadas no trabalho humano, que não são tão profundas e aterrorizadoras quanto à terceirização, mas que, todavia, não perdem sua importância para a compreensão do trabalho humano nessa nova organização da produção. 45

A passagem da empresa hierarquizada verticalmente para a organização em nível horizontal, com trabalho em equipes, é uma mudança que mexe nas estruturas do trabalho. Os trabalhadores, que no Fordismo realizavam somente algumas atividades de sua especialidade, agora no Toyotismo são polivalentes, podendo atuar com certa autonomia e poder de iniciativa na forma de realização do trabalho. Aparentemente é uma evolução, socialmente falando, porém, para alguns autores, trata-se na verdade de uma forma mais sutil e aperfeiçoada de controle social e domínio da subjetividade do trabalhador pelo capital. Com o trabalho de equipe, e suas premiações pela performance do grupo, aumenta-se a responsabilidade do trabalhador e impõe o mesmo a competir e se esforçar para o alcance de resultados para a empresa. Permanece ainda, de certo modo, uma supervisão rígida, porém incorporada, pois realizada pelo próprio grupo de trabalhadores, que passa a fiscalizar e supervisionar um ao outro, pois a atividade do outro influencia nos seus rendimentos (ALVES, 2000, P. 54). Assim, assumem os trabalhadores posição que antes era da gerência, integrando-se emocionalmente na empresa e em seus resultados. Como afirma Giovanni Alves (2000, P. 55), “Se no fordismo tínhamos uma integração “mecânica”, no toyotismo temos uma integração “orgânica”. O Toyotismo, em sua ideia original, previa a instituição de um núcleo base de trabalhadores que detêm emprego estável, por toda a vida. Porém, na adaptação mundial do capital, verificou-se que tal regra não foi transportada, pois não condizia com a redução de custos sem freios desejada pelo capital. Assim, mesmo nas atividades nucleares das empresas, utiliza-se de mão de obra com alta rotatividade, ao contrário do idealizado pelo modelo japonês. Surge com a nova estruturação do capital, agora mundializado, e a criação da “empresa-enxuta”, um fenômeno até então desconhecido nos países centrais (que para nós da periferia já era por demais íntimo), qual seja o desemprego estrutural. As taxas de desemprego nos países centrais atingiram patamares antes inimagináveis, causando uma pressão para baixo no nível salarial e fortalecendo a tese da flexibilização do trabalho. Destarte, verifica-se que o resultado é a precarização do trabalho humano, agora mais desvalorizado pela concorrência não somente entre trabalhadores dentro de um mesmo país, como internacionalmente. Surge então a tese da flexibilização do 46

mercado de trabalho, obviamente encampada maciçamente pelos detentores do capital. A tese da flexibilização do Direito do Trabalho ganha cada vez mais adeptos, desesperados pelos argumentos falaciosos da competição internacional e do incentivo ao emprego. Paul Singer tem uma análise sensata do desemprego estrutural e da flexibilização (precarização) do trabalho humano: “O desemprego estrutural, causado pela globalização, é semelhante em seus efeitos ao desemprego tecnológico: ele não aumenta necessariamente o número total de pessoas sem trabalho, mas contribui para deteriorar o mercado de trabalho para quem precisa vender sua capacidade de produzir” (SINGER, 1999, P. 23). De fato, falaciosa é a tese de que a flexibilização do direito do trabalho traria um aumento no nível dos empregos, como já havia percebido Keynes no início do século passado. O capital não emprega nem mesmo um só trabalhador se não for de sua extrema necessidade e imprescindibilidade. Não será a redução de direitos sociais, ou a queda de nível de salários que o fará contratar mais pessoas do que o estritamente necessário para a sua produção. Nem mesmo o aumento da produção, na maioria das vezes, faz com que o empresário contrate mais pessoas do que necessita, pois abre mão de recursos outros escusos, como horas extraordinárias abusivas e subcontratação em massa, sendo a maioria de trabalhadores temporários ou informais. Não é consequência direta da diminuição dos encargos sociais a diminuição do desemprego e o aumento dos postos de trabalho. Conforme Sérgio Pinto Martins (1999, P. 41), “inexiste qualquer estudo de credibilidade que demonstre que a redução de encargos sociais leva à contratação de mais trabalhadores. O empregador poderá simplesmente não contratar outros funcionários, trabalhando com os que já possui, utilizando-se da automação para o aumento da produção”. À mesma conclusão chegou Huw Beynon (1997, P. 35-36), analisando a “desregulamentação” das relações de trabalho na Inglaterra, afirmando que esta que não logrou gerar empregos, trazendo sim uma situação de “turbulência moral”, pela insegurança no emprego trazida por essa desregulamentação. A precarização do trabalho humano gera somente precarização da vida humana, e não há justificativa para isso, somente podendo ser fruto de desorientação causada pela força destrutiva do capital. É o que entende 47

Aída Glanz: “Passa-se num mundo ‘sem fronteiras’ por uma crise de identidade ou de referências, motivando alguns a buscar, seja fundamentalismo religioso, seja numa terceira via, paradigmas respostas a este injusto sistema de competição decorrente capitalismo selvagem, justificando-se o sistema global através

no ou do da

redução salarial ou nivelamento por baixo, num paradoxal retrocesso histórico à teoria hobbesiana do Leviathan, em que os peixes grandes sobrevivem à custa dos pequenos” (GLANZ, 2000, p. 33). Neste ponto temos que fazer uma divisão teórica da flexibilização, entre interna e externa. Flexibilização interna seria aquela em que ocorre uma precarização das condições de trabalho com manutenção da relação laboral, enquanto que a flexibilização externa é a diminuição de dificuldades ou entraves na dispensa dos trabalhadores. Apesar de frequentemente utilizar-se da flexibilização interna, a flexibilização mais desejada pela capital continua sendo a externa, pois é a que mais se coaduna com os princípios da nova estruturação da produção, principalmente quanto ao “just-in-time”. De fato. O “just-in-time” traz a regra da manutenção de um estoque baixo tanto da produção quanto das matérias primas. Porém, tal regra é aplicável ao estoque de mão de obra, que também, segundo o princípio toyotista, deve ser o mínimo possível (6). André Gorz tem consciência disso: “A flexibilidade externa procura traduzir para a gestão do pessoal o que representa o método do “just-in-time” na gestão de estoques. Trata-se de evitar estoques de mão de obra sem utilidade imediata” (apud SINGER, 1999, P. 25). E como se dá a flexibilização externa? Tanto desintegrando as garantias no emprego (7), quanto criando novas formas de trabalho que garantam a rápida substituição e diminuição de tempos mortos. Essas novas formas de trabalho, trazidas sob a égide da flexibilização externa, “legitimada” pela globalização e nova estruturação da produção, estudaremos no item seguinte. A melhor configuração gráfica do novo mercado de trabalho é aquela trazida por David Harvey, retirada da obra “Flexible Patterns of Work”, editada por C. Curson.

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Nela podemos perceber a existência de um grupo central, duro, de difícil entrada, com trabalhadores qualificados, em que existe uma flexibilidade de horário e de trabalho e uma proteção total do Direito do Trabalho. Detêm esses trabalhadores maior segurança no emprego, benefícios vários dentro das empresas, podendo, por outro lado, ser transferidos geograficamente de acordo com o interesse da empresa. Esses trabalhadores são mais propensos a ascenderem na carreira e a obter aumento real dos salários. A periferia contém dois subgrupos. Um primeiro grupo periférico, que “consiste em ‘empregados em tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setor financeiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual menos especializado’” (HARVEY, 2000, p. 144). Esses trabalhadores dificilmente são promovidos dentro da empresa e caracterizam-se por uma alta rotatividade, pela facilidade de sua substituição. Um segundo grupo periférico “oferece uma flexibilidade ainda maior e inclui empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contrato por tempo determinado, temporários, subcontratação e treinados com subsídios público, tendo ainda menos seguranças de emprego do que o primeiro grupo periférico.” (HARVEY, 2000, p. 144) Desse quadro do mercado de trabalho adotado por Harvey, verificamos 49

a existência do grupo central e do primeiro grupo periférico ainda com vínculos empregatícios confessados pelo tomador dos serviços, e o segundo grupo periférico formado em sua maioria por trabalhadores terceirizados, ou pertencentes a novas formas de trabalho que não o clássico emprego fordista de tempo e direitos trabalhistas integrais.(8) Estudemos, então, essas novas formas de trabalho trazidas pela reestruturação do capital. 3. Novas Formas de Trabalho Novas formas de trabalho surgem nesse quadro imposto pela reestruturação da produção. Os trabalhadores não são mais todos concentrados na empresa, trabalhando naquele mesmo território denominado de estabelecimento, sob ordens diretas de uma hierarquia predeterminada. Um exemplo de nova forma de trabalho é o teletrabalho ou trabalho à distância. Como bem ressalta João Hilário Valentim (1999, p. 524-530), diferencia-se este do trabalho em domicílio, pois, apesar de frequentemente ser realizado na casa do empregado, este tipo de trabalho também pode ser realizado em um estabelecimento satélite da empresa, longe da sede ou da unidade principal à qual o empregado estiver vinculado, ou ser apenas parcialmente realizado fora da sede, com dois dias na semana no escritório e o resto em casa. Assim, podemos afirmar que o teletrabalho ou trabalho à distância é aquele executado em lugar afastado da sede da empresa, utilizando-se dos novos meios tecnológicos de telefonia e informática. De fato, pois foi somente com o avanço tecnológico dessas duas áreas que foi possível a implantação em massa desse novo modo de trabalho. Utilizando-se da Internet, ou mesmo de rede interna da própria empresa, todo o trabalho realizado frente a um computador não necessita do deslocamento do empregado à sede da empresa, podendo este ficar em casa ou em uma filial, que pode distar a milhares de quilômetros da receptora final dos dados. A principal vantagem para a empresa é a diminuição de gastos com infra-estrutura no local de trabalho (água, luz, café, limpeza, aluguel etc), além de um maior controle do trabalho executado. Sim, pois se aparentemente o empregador não teria um controle do empregado, agora realizado em local distante, longe dos olhos do tomador dos 50

serviços, na realidade esse controle é realizado intermitentemente, já que, pelo sistema de computação, verifica-se quanto tempo realmente o empregado gastou para executar o serviço prescrito. Assim, os olhos do empregador passam a ser o próprio sistema de computação, que não descansa, não dorme e não é complacente. Outra vantagem para as empresas dessa forma de trabalho é a possibilidade da realização do trabalho em lugares de baixa proteção de legislação social, e consequentemente, baixos custos do trabalho. Vários são os exemplos de empresas transnacionais que executam seus serviços de digitação e central de informática em países periféricos, gerando menores custos operacionais. Para o empregado, a vantagem seria a eliminação do tempo perdido de deslocamento até a sede da empresa e a facilidade do convívio familiar. Porém, podemos imaginar que a longo prazo as desvantagens poderão ser superiores às vantagens, pois acarreta o trabalho à distância a fragmentação da classe trabalhadora, agora dispersa geograficamente e muitas vezes com menos contato entre si. Gera também a redução das relações sociais, trazendo o isolamento do trabalhador e a sua introspecção. Tudo isso, além do risco sempre existente do empregador imaginar inexistente a relação de emprego e cortar unilateralmente todos os direitos da legislação social. Outra recente forma de trabalho é o chamado trabalho a tempo parcial ou “part-time”. No Brasil, segundo a letra da lei, é “aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais” (art. 59-A, CLT). Este tipo de trabalho seria ideal para os trabalhadores que, por necessidade ou escolha, optam por trabalhar em tempo não integral, logicamente recebendo salários proporcionais ao tempo despendido. Este tipo de trabalho é interessante para os Estados, pois divide-se o trabalho existente entre um número maior de pessoas, diminuindo assim, teoricamente, o nível de desemprego. É vantajoso também para o empregador, pois seria mais fácil de controlar o “estoque” de mão de obra necessitada, devido à menor carga horária desses trabalhadores, logicamente em países com enorme flexibilização externa, como o Brasil. Todavia, esta espécie de trabalho não gerou os efeitos pretendidos, sendo um fracasso tanto na Europa (9) como no Brasil, justamente pelo 51

mesmo motivo: pela manutenção da proteção contra burlas e diminuição progressiva dos direitos sociais. No caso brasileiro, a lei não foi bem recebida pelos empregadores nacionais, principalmente devido a um só dispositivo, que vedava a realização de horas extraordinárias pelo trabalhador a tempo parcial. Desta forma, inviabilizou-se o principal atrativo para o empregador, que seria utilizar-se de forma totalmente flexível o trabalhador, pagando um salário fixo menor (podendo ser até inferior ao salário mínimo, pois este é proporcional ao tempo trabalhado), obrigando o trabalhador a realizar trabalho excepcional e pagando-lhe o adicional devido quando lhe aprouvesse. Com a proibição da realização da sobrejornada, os atrativos que restaram foram somente para o trabalhador e para o governo nacional, acarretando o seu completo ostracismo. Forma de trabalho inexistente por estas plagas, mas bem utilizado nos Estados Unidos e em alguns países europeus, como Inglaterra, Alemanha, Finlândia, e recentemente a Itália, é o trabalho repartido, ou “job sharing” (SARACINI, 1999, p. 201-203). Baseia-se, como o trabalho a tempo parcial, na teoria da limitação do trabalho existente, tentando reparti-lo entre um maior número de pessoas para a diminuição do nível de desocupação subjetiva. O “job sharing” é a ocupação de um mesmo posto de trabalho por um ou mais trabalhadores, que se obrigam solidariamente a executar o mesmo serviço perante o mesmo empregador, dividindo-se entre eles o horário de trabalho, seja essa divisão anual, mensal, semanal, ou mesmo durante a própria jornada de trabalho. Alguns problemas emergem desta nova forma de trabalho, decorrentes do fato de que a responsabilidade pelo trabalho é dividida entre os divisores de trabalho, e eventual falta ou erro no serviço será repartida igualmente entre todos os trabalhadores, pela solidariedade contratual entre os próprios operários. Também a divisão de trabalho entre os trabalhadores, que ficaria a critério deles próprios, pode ser motivo de divergência, já que o pagamento é realizado proporcionalmente ao tempo trabalhado. Desses problemas se verifica que, para a implantação do “job sharing”, é necessário um grau de desenvolvimento intelectual e educacional dos trabalhadores e dos empregadores incompatível com o nível pátrio, sendo impraticável sua “importação” para o nosso mercado de trabalho. 52

Espécie de trabalho inexistente no Brasil é o italiano Contrato de Solidariedade Externo ou Expansivo (“contratto di solidarietà esterno o espansivo”), no qual os empregados de certa empresa aceitam reduzir sua carga horária de trabalho, obviamente com redução salarial, com a contrapartida do empregador de contratar mais empregados (SANTUCCI, 1999, P. 205-208). É mais uma forma de divisão do trabalho existente, e o nome solidariedade é bem empregado, pois, nesse caso, estão sendo os empregados solidários realmente com aqueles trabalhadores desempregados, principalmente os jovens, que são os mais beneficiados com esse tipo de contrato. Porém, como era de se esperar, pela pouca solidariedade humana encontrável nesses dias, teve, desde sua criação em 1984, escassa utilização na Itália, principalmente devido à redução salarial sofrida pelos trabalhadores. O contrato a prazo indeterminado deixa de ser o modo comum e obrigatório, surgindo contratos a prazo determinado sem os requisitos de outrora, utilizando-se a flexibilização externa do Direito do Trabalho para a ocupação de postos fixos de trabalho com este tipo de contratação. Com a lei n.º 9.601/1998, instituiu-se no sistema jurídico brasileiro nova forma de contrato de trabalho por prazo determinado, dispensando-se, para este novo contrato de trabalho, as condições de transitoriedade e extraordinariedade previstas na Consolidação das Leis do Trabalho. Para isto, basta a autorização sindical, por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, além de que os postos ocupados pelos contratados a prazo sejam novos, ou seja, este tipo de contrato visa a criação de novos postos de trabalho, trazendo incentivos como a redução de encargos sociais, bem como a permissão de, encerrado o contrato, dispensar-se o trabalhador sem o pagamento de indenização. Entre essas novéis formas de trabalho, inclui-se a terceirização, em todas as suas modalidades e vertentes (trabalho temporário, cooperativas de trabalho, trabalho terceirizado etc), como modo preferido de contratação do empregador pós-industrial, devido a sua extrema flexibilidade e ser, inclusive, central na nova forma de organização produtiva. Passemos agora ao estudo mais aprofundado dessa nova forma de trabalho. NOTAS: (1) Neologismo em homenagem a Taiichi Ohno, engenheiro-chefe das 53

fábricas Toyota, o “inventor” do toyotismo e do método “kanban”. (2) A estreita ligação entre a forma de organização do trabalho e o regime de acumulação do capital se deve às três características do capitalismo expostas por HARVEY (2000, p. 166-169), principalmente a segunda: “1. O capitalismo é orientado para o crescimento. (...) A crise é definida, em conseqüência, pela falta de crescimento. 2. O crescimento em valores reais se apóia na exploração do trabalho vivo na produção. (...) Por isso, o controle do trabalho, na produção e no mercado, é vital para a perpetuação do capitalismo. 3. O capitalismo é, por necessidade, tecnológica e organizacionalmente dinâmico. Isso decorre em parte das leis coercitivas, que impelem os capitalistas individuais a inovações em sua busca do lucro. Mas a mudança organizacional e tecnológica também tem papel-chave na modificação da dinâmica da luta de classes, movida por ambos os lados, no domínio dos mercados de trabalho e do controle de trabalho”. (3) O amianto (asbesto) é comprovadamente cancerígeno, causando a doença denominada mesotelioma de pleura e pericárdio (tumores nas membranas que envolvem o pulmão e o coração), além de asbestose, também fatal na maioria das vezes. Os trabalhadores que exercem suas atividades com esses tipos de material quase não têm chances de escapar, porém a atividade dessas indústrias ainda é permitida em vários países subdesenvolvidos, dentre eles, infelizmente, o Brasil. (4) Muito embora o próprio Taylor, em sua obra mais famosa, pregasse que os trabalhadores sugerissem modificações para a melhoria da produção, porém, a verificação da validade e vantagens da sua implantação cabia ao administrador e aos engenheiros-chefes de produção. (5) Qualidade total, que, ANTUNES, Ricardo (2000, p. 50), acertadamente afirma ser uma falácia do “mundo empresarial moderno”, pois na “empresa enxuta” da reestruturação produtiva, com a necessidade imperiosa de aumento na velocidade do circuito produtivo, é obvia a intencionalidade na diminuição do tempo de vida útil dos produtos. Dessa forma, a “qualidade” do produto deve ser apenas de aparente atualidade, porém deve ser compatível com a pequena durabilidade necessária ao sistema capitalista atual. E arremata, na p. 51 da obra citada, “Desse modo, o apregoado desenvolvimento dos processos de 54

‘qualidade total’ converte-se na expressão fenomênica, involucral, aparente e supérflua de um mecanismo produtivo que tem como um dos seus pilares mais importantes a taxa decrescente do valor de uso das mercadorias, como condição para a reprodução ampliada do capital e seus imperativos expansionistas”. Dá como exemplo evidente os microcomputadores e “softwares”, que têm vida útil reduzidíssima, apesar da aparência de inovação, modernidade e qualidade que eles tentam trazer. (6) Como afirma o próprio Taiichi Ohno, o “pai da criança” apud ALVES, 2000, p. 46,: “Há dois modos de aumentar a produtividade, um é aumentar a produção, o outro é reduzir o pessoal de produção”. (7) Como ocorreu no Brasil com a extinção da estabilidade decenal e a sua substituição pelo sistema do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que se tornou o maior exemplo de flexibilização do Direito do Trabalho ocorrido em nossa Nação. (8) Cabe ressaltar que Harvey observa que inclusive o primeiro grupo periférico pode ser, em períodos de crise empresarial, substituído por trabalhadores precarizados como aqueles existentes no segundo grupo periférico, tornando-se um só grupo periférico. (9) Como por exemplo o trabalho a tempo parcial na Itália, conforme informa Rosario Santucci, “Il lavoro a tempo parziale”, in RUSCIANO; ZOPPOLI, 1999, p. 194: “Todavia o ‘part time’ não decolou nunca sobretudo pela rigidez das regras legais e o peso dos ônus contributivos nos quais se conserva as desconfianças originárias”.

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SEGUNDA PARTE TERCEIRIZAÇÃO E TRABALHO Verificou-se que, no contexto da globalização do capitalismo avançado, a organização do trabalho modifica-se substancialmente, determinando o surgimento de novas formas de estruturação do capital, ensejando da mesma forma surgimento de diversas formas de relacionamento capitaltrabalho. Dentre essas novas formas, viu-se estar a terceirização, objeto de nosso estudo. Assim, determina-se o estudo do fenômeno frente ao trabalho, especialmente sobre suas influências diretas e indiretas sobre o Direito do Trabalho. No primeiro capítulo desta parte estar-se-ão sendo estudadas as características gerais da terceirização, sua impostação teórica e suas relações com o Direito, mais especificamente suas influências sobre o Direito do Trabalho. O segundo capítulo estará abordando a posição do Direito do Trabalho pátrio sobre o fenômeno, em relação à jurisprudência, doutrina e legislação. No terceiro capítulo, crucial para o entendimento do presente trabalho, estará a diferenciação entre terceirização e intermediação de mão de obra, fundamental para a verificação do estado de precarização que esta forma de organização laboral pode trazer para os trabalhadores.

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Capítulo I – Questões Gerais sobre a Terceirização e o Direito do Trabalho “O direito que nos cerca ainda é o Direito do Capital. Nossa práxis há de ser voltada, segundo as aptidões de cada um, para a sociedade em que todo Direito seja Direito do Trabalho, de honestos trabalhadores, sem medo e peias” (Roberto Lyra Filho, in Introdução Crítica ao Direito do Trabalho, Série O Direito Achado na Rua)

Este capítulo estudará o fenômeno terceirização, primeiramente isolado, para depois, demonstrada a sua natureza extrajurídica, ser estudada sua relação com a ciência jurídica, mais especificamente seu ramo laboral. Entretanto, para a sua verificação em relação ao Direito do Trabalho, é necessário primeiro ver como este se estrutura, já que uma das propostas do presente trabalho é justamente verificar a incompatibilidade da intermediação de mão de obra, muitas vezes denominada terceirização, com a própria estrutura protetiva que dá sentido a esta especialização do Direito. 1. Natureza do Fenômeno Terceirização Terceirização. O nome indica tudo e indica nada ao mesmo tempo. Indica nada, pois, se tomado ao pé da letra, indicaria a entrega a “terceiro” de atividades que seriam realizadas por uma empresa. Ora, se a atividade é entregue a “terceiro”, quem seria o segundo? Indica tudo, pois, termo brasileiro de nascença e utilização, demonstra a real intenção do empresariado brasileiro no repasse a “terceiro”, no sentido de “outro”, da posição de empregador na relação empregatícia (e 57

consequentemente da responsabilidade sobre os encargos e direitos trabalhistas) com seus empregados. Porém, mundialmente, não é desta forma denominado o fenômeno. Em Portugal é subcontratação, nos Estados Unidos é entendido como “outsourcing”, na França por “sous-traitance” ou “extériorisation”, na Itália “subcontrattazione”, e na Espanha “subcontratación”. Todas essas denominações, exceto a brasileira, demonstram a existência de um contrato civil de entrega de atividades à outra empresa. A terceirização não é um fenômeno recente, mas sim a amplitude de sua utilização. Robert Castel (1998, p. 162-163) conta que na Europa, entre os séculos XVI e XVIII, praticava-se o “putting-out system”, sistema de subcontratação onde o comerciante fornecia a lã, o tecido de lã ou o metal, e às vezes até as ferramentas, a trabalhadores habitantes no meio rural, retornando estes o material acabado ou semi-acabado. O interessante é que, ainda segundo Castel, a subcontratação teve como móvel contornar as regras da organização tradicional das profissões (Corporações de Ofício), já que os subcontratados (ou terceirizados da época) eram camponeses, fora do âmbito da estruturação urbana dos ofícios. Como afirmamos anteriormente, segundo Harvey, até mesmo em pleno auge fordista havia subcontratação, mesmo nos países centrais (CASTEL, 1998, p. 132). Porém, como dissemos, a amplitude de sua utilização é realmente recente, decorrente da já estudada reestruturação produtiva, sendo uma de suas bases. A terceirização não é um fenômeno pertencente ao Direito do Trabalho. Não é nem mesmo um instituto de Direito, sendo na realidade pertencente a outras áreas do conhecimento, como a Economia e a Administração de Empresas. Tal entendimento é imprescindível para a compreensão do presente trabalho, pois se parte dessa premissa para a sua conclusão. Se procurarmos seu conceito, verificaremos ser verdadeira a assertiva acima realizada. A terceirização pode ser entendida como o processo de repasse para a realização de complexo de atividades por empresa especializada, sendo 58

que estas atividades poderiam ser desenvolvidas pela própria empresa. Nesse sentido Wilson Alves Polônio (2000, p. 97), para o qual a terceirização é o “processo de gestão empresarial consistente na transferência para terceiros (pessoas físicas ou jurídicas) de serviços que originariamente seriam executados dentro da própria empresa”. Este conceito está parcialmente correto, havendo somente um equívoco, pois a terceirização pode se dar “dentro” das instalações da empresa, e ser realizada autonomamente por uma empresa especializada. O fato dos serviços serem realizados “dentro” da empresa, apesar de ser um indício de se tratar de intermediação de mão de obra, não serve para, solitariamente, afastar a existência de terceirização. Assim, preferimos o que demos acima. A Ciência da Administração também tem o mesmo entendimento. Lívio Giosa (1997, p. 14) a conceitua como “um processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades para terceiros, com os quais se estabelece uma relação de parceria, ficando a empresa concentrada apenas em tarefas essencialmente ligadas ao negócio que atua”. Ciro Pereira da Silva (1997, p. 30) a entende como “a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade.” Assim também é entendida internacionalmente a terceirização. Segundo Gérard Couturier (1996, p. 119), esta expressão se aplica a “os procedimentos de gestão que consistem em confiar a outras empresas tarefas que estão dentro da atividade da empresa principal ou que são acessórias a esta atividade (manutenção, limpeza, etc.) (1).” Segundo a clássica obra francesa “Précis Droit du Travail” (JEAMMAUD ET AL, 2000, p. 312), terceirização seria um contrato “pelo qual um empreendedor se compromete a realizar uma tarefa precisa por conta de um terceiro, mediante remuneração.” A característica interessante que se observa neste último conceito é que a tarefa será realizada “por conta” de terceiro, ou seja, autonomamente, o que é, de fato, de suma importância para a caracterização da verdadeira terceirização. É de se observar também que em nenhum momento os conceitos 59

esbarram em repasse de trabalhadores ou de responsabilidade sobre estes, ou fornecimento de mão de obra. O mote da terceirização é o repasse de serviços ou atividades especializadas para empresas que detenham melhores condições técnicas de realiza-las. É técnica de administração, e não de gestão de pessoal. Verificamos então se tratar de forma de gestão empresarial ou técnica de administração (RAMOS, 2001, p. 56), que apenas incidentalmente atinge o Direito do Trabalho, da mesma forma que ocorre com os conceitos de empresa e estabelecimento, que pertencem tanto ao Direito Comercial quanto à Ciência da Administração e à Economia, mas que são apropriados pelo Direito do Trabalho, pois importantes e imprescindíveis para a sua aplicação. O conceito de terceirização é utilizado pelo Direito do Trabalho para a verificação da existência da mesma, ou de mera intermediação de mão de obra, por este não permitida como regra, como veremos mais adiante neste estudo. Entre as vantagens apontadas pela Ciência da Administração, inerentes ao próprio conceito da terceirização, seriam a redução de custos, melhoria na qualidade dos produtos, melhor competitividade, aumento de produtividade e aumento de lucros. Ora, de todos esses, o único que não se pode aceitar como razoável seria a redução de custos. Ora, quando se contrata outra empresa para realização de um serviço que ela própria realizava, ou poderia realizar, deve-se levar em conta que se pagará, além dos custos daquela atividade, o lucro da empresa contratada. Assim, em condições normais e não havendo alguma extraordinariedade, como não dever a contratada recolher tributos, encargos ou observar direitos trabalhistas, não haveria solução mágica que pudesse fazer com que os custos diminuíssem para a realização da mesma atividade (2). Como afirma a literatura específica da Ciência da Administração, “qualquer terceirização que privilegie custos e menospreze qualidade cai no campo do modismo e do engodo” (SILVA, 1997, p. 28). Esta forma de organização empresarial, como pudemos observar pelos conceitos acima expostos, está intimamente ligada com as ideias de “especialização” e “concentração”. De fato. Conserva a empresa as atividades que entende por ínsitas à sua existência, concentrando-se nestas, e repassando a empresas tecnicamente especializadas atividades 60

acessórias e periféricas, para a sua melhor realização, melhorando o seu produto, seja pela sua própria concentração em sua área de especialização, contratadas.

seja

pela

prestação

especializada

das

empresas

Isto afasta completamente a possibilidade da existência de terceirização na atividade central da empresa, comumente conhecida por atividadefim. Isto, pois, como vimos, é da sua essência a concentração na atividade especializada. Se não se concentrar na sua especialidade, concentrar-se-á em quê, afinal? Aí não se tratará de terceirização, e sim de ato fictício, mera intermediação, desfigurando e desnaturando o instituto (SILVA, 1997, p. 28). Contraria também logicamente o sentido técnico de terceirização o repasse de atividades administrativas, pois estas são e estão inseridas umbilicalmente nas atividades centrais da empresa. Poderia ser contratada uma empresa para gerenciar a atividade contábil da empresa, mas nunca para a atividade de gestão de pessoal, por exemplo, pois esta é realizada segundo diretrizes totalmente dadas pela direção da empresa, que coordena seu trabalho em todas as suas especificidades. Não há aqui especialização, além do controle não ser exercido pela tomadora de serviços somente finalisticamente, e sim diuturnamente em todas as atividades. É simplesmente impossível imaginar um trabalho autônomo de departamento de pessoal, como também é impossível imaginar uma prestação de “serviços” autônomos de secretária, ou de recepção e atendimento ao público. Assim, a impossibilidade de existência de verdadeira terceirização em atividade-fim, ou central, de uma empresa, além de decorrer de incompatibilidade lógica com o instituto, segundo seu próprio conceito oriundo da Ciência da Administração, é prática, pois o controle de execução é sempre realizado pela empresa, alcançando, aí sim, o direito do trabalho e o instituto da subordinação jurídica, que será mais a frente explicitado. Assim, quando se tratar de repasse de atividade central da empresa, não estaremos diante de terceirização, por absoluta incompatibilidade com o instituto. Tratar-se-á de fraude trabalhista, pois, no caso concreto, existirá sempre intermediação de mão de obra. Importante salientar neste ponto do trabalho que a questão da 61

atividade-fim ou atividade-meio não é central para a resolução dos problemas da terceirização em relação ao Direito do Trabalho, tratandose apenas de indício de existência de intermediação de mão de obra, que é o real problema para o Direito do Trabalho, pois abala a estrutura desta própria área do saber, além de causar graves problemas sociais, como se verá mais adiante. 2. O Direito do Trabalho e seu pilar estrutural Para a boa compreensão da relação entre a terceirização e o Direito do Trabalho, deve-se abordar a estrutura do Direito do Trabalho, para verificar quando e como pode ser tida como legal a terceirização, e quando esta atinge os pilares do Direito do Trabalho e seu sistema protetor, devendo ser tida como ilegal, sob pena de simplesmente anular toda a proteção necessária ao trabalhador (3). O Direito do Trabalho, por natureza, baseia-se em dois pilares maiores, a partir dos quais nascem todos os outros princípios: o princípio protetor e a determinação legal da identidade do empregado e empregador. O primeiro pilar, o do princípio protetor, também denominado de princípio tutelar ou de proteção do trabalhador, é conceituado por Pinho Pedreira (SILVA, 1997, p. 29) como “aquele em virtude do qual o Direito do Trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridade econômica, hierárquica e intelectual dos trabalhadores”. Conforme Sussekind (ET AL, 2000, P. 148-149), este princípio resulta “das normas imperativas, e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade. Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho – uma linha divisória entre a vontade do estado, manifestada pelos poderes competentes e a dos contratantes”. Este princípio é a base do Direito do Trabalho e razão de sua existência como ramo autônomo do Direito. Uma vez extirpado, como defendem os neoliberais, acaba a razão de ser do Direito do Trabalho. É o que nos traz Deveali (apud SÜSSEKIND ET AL, 2000, p. 149), afirmando que o Direito do Trabalho é “um direito especial, que se distingue do direito comum, especialmente porque enquanto o segundo supõe a igualdade das partes, o primeiro pressupõe uma situação de desigualdade que ele tende a corrigir com outras desigualdades”. Deste princípio decorre 62

outro a ele inarredável, que é o da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Assim o Direito do Trabalho existe justamente para impor normas cogentes ou de ordem pública, inafastáveis até mesmo por acordo mútuo entre os atores da relação trabalhista, com o fim único de equilibrar as forças em jogo, que se mostram, a cada dia mais, pendendo para o lado do economicamente mais forte. Juntamente com este pilar do Direito do Trabalho, existe outro, como acima citado, o da determinação legal da identidade dos atores sociais. Este princípio tem sua razão de ser em sua imprescindibilidade para a garantia do princípio base do Direito do Trabalho, pois seria muito fácil eliminar o princípio protetor, se não se dispusesse na legislação quem e quando se é empregador e empregado. Se tal princípio não existisse, ao firmar o contrato o empregador se denominaria somente contratante, e o empregado “contratado autônomo”, fugindo das normas protetoras trabalhistas, além das tributárias. Tal ocorre frequentemente, deste os primórdios do Direito do Trabalho. Antigamente utilizava-se a forma societária de Capital e Indústria para tentar disfarçar a relação empregatícia existente, passando todos os empregados a serem “sócios de indústria” e o empregador “sócio de capital”. A forma moderna deste tipo de burla são as cooperativas de mão de obra, apesar de existirem outras formas que são atualmente utilizadas (4). Assim, todas as legislações trabalhistas derivadas do direito continental europeu aplicam o presente princípio, conceituando legalmente os sujeitos da relação trabalhista, não admitindo a derrogação desses dispositivos por vontade das partes, e colocando os requisitos indicadores da existência da relação empregatícia. A Consolidação das Leis do Trabalho não tratou diferentemente a questão. Logo no seu início, nos artigos 2º e 3º, já conceitua as figuras do empregador e empregado. “Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.” “Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e 63

mediante salário.” Destarte, de acordo com a situação real, quem se enquadrar aos termos das definições acima, serão empregado e empregador, mesmo que contra a vontade dos contratantes e de suas disposições contratuais. Isto, pois, vige no Direito do Trabalho o Princípio da Primazia da Realidade, pelo qual vale mais a realidade fática da relação do que a forma pela qual ela se apresenta. Ou seja, o princípio ora em estudo somente tem razão de ser em virtude do Princípio da Primazia da Realidade, já que este impossibilita a burla a todos os direitos trabalhistas por meio da fuga da conceituação dos sujeitos da relação empregatícia. A partir dos conceitos expostos pela lei, a doutrina trabalhista brasileira convencionou os requisitos da relação trabalhistas que, uma vez existentes, estaria então configurada uma relação trabalhista. Esses requisitos divergem bem pouco de autor para autor, e estão em geral relacionados como os seguintes: pessoalidade, alheabilidade, nãoeventualidade, onerosidade e subordinação. Pessoalidade indica que a natureza da prestação de serviços deve ser intuitu personae, ou seja, a prestação do trabalho deve ser realizada pela própria pessoa contratada, não se admitindo a substituição, por regra, por qualquer outra pessoa (5). Alheabilidade, no entendimento de Manuel Alonso Olea (1997, p. 56) seria a correspondência dos frutos do trabalho, entendidos como “todo resultado do trabalho produtivo do homem, intelectual ou manual”, tenha valor por si mesmo ou o tenha associado ao resultado do trabalho de outros homens, consista em um bem ou consista em um serviço; de onde se possa afirmar que a alheabilidade se refere à ‘utilidade patrimonial do trabalho’”. Decorre também desse requisito que quem suporta os riscos da atividade econômica é o empregador, assim como os lucros. Não-eventualidade significa que a prestação de trabalho, para a caracterização da existência de empregado e empregador deve ser contínua, no sentido de inserção do trabalhador nas atividades normais da empresa, impedindo desta forma a caracterização daquele trabalhador eventual que porventura realize um serviço não atinente às 64

atividades da empresa, como o conserto de um elevador ou reparo de instalação elétrica, ou garçons contratados para festa anual da empresa. Onerosidade é o requisito que exige que a atividade do trabalhador seja realizada tendo em vista o interesse em contraprestação em valor financeiro. Desta forma, não seriam empregados aqueles que prestam trabalho por motivos de ordem moral ou religiosa, como os voluntários em casa de saúde ou os sacerdotes de ordem religiosa. Note-se que o requisito é de intenção da contraprestação, e não de sua existência de fato. O fato do empregador nunca ter positivamente pago pela prestação de serviços não acarreta a inexistência deste requisito, e consequentemente da relação empregatícia. O fim da prestação de trabalho é que deve ser observada, e não a situação realmente ocorrida. Por fim, o requisito da subordinação, também chamado de dependência. Este é o mais importante requisito, e que, na maioria dos casos, realmente define a presença de uma relação empregatícia. Várias discussões acerca deste requisito já foram realizadas, inclusive quanto à natureza desta subordinação, que já foi tida como social, econômica e técnica, que logo foram afastadas, por suas impropriedades para a conceituação do requisito. Hoje, quase a unanimidade dos autores afirma ser a subordinação de natureza jurídica, imposta pelo sistema jurídico trabalhista. A subordinação jurídica, na conceituação de Paul Colin (apud MORAES FILHO; MORAES, 2000, p. 242) é “um estado de dependência real criado por um direito, o direito de o empregador comandar, dar ordens, donde nasce a obrigação correspondente para o empregado de se submeter a essas ordens. Eis a razão pela qual chamou-se a esta subordinação de jurídica, para opô-la, principalmente, à subordinação econômica e à subordinação técnica que comporta também uma direção a dar aos trabalhos do empregados, mas direção que emanaria apenas de um especialista. Trata-se aqui, ao contrário, do direito completamente geral de superintender a atividade de outrem, de interrompê-la à vontade, de lhes fixar limites, sem que para isso seja necessário controlar continuamente o valor técnico dos trabalhos efetuados. Direção e fiscalização, tais são então os dois polos da subordinação jurídica.” Realmente, como concordam Evaristo de Moraes Filho e Délio Maranhão (MARANHÃO; CARVALHO, 1992, p. 51), trata-se de uma definição que, se 65

não perfeita, foi a que abrangeu e explicou a subordinação de forma satisfatória, mesmo para os dias atuais. Ressaltamos “para os dias atuais”, pois vivemos um momento em que a subordinação está posta em questão, tanto pela sua abrangência quanto pela sua eficácia. Manuel Alonso Olea, discutindo a dependência no Direito do Trabalho, verificou que “a submissão às ordens é muito relativa em numerosos contratos de trabalho, e em alguns casos virtualmente inexistente, aparecendo como uma potencialidade.” (OLEA, 1997, P. 66) Conclui então, que “hoje a dependência tem que ser concebida como um mero estar dentro de um quadro orgânico de funções e de competências, dentro de um ‘círculo que rege’ ou ‘esfera organizativa’” (OLEA, 1997, p. 67). Sugere então o trabalhista espanhol passar-se então para um critério mais objetivo, estando ínsito o potencial de subordinação. O “Rapport Supiot” (SUPIOT, 1999, p. 38-40), relatório de um grupo de expertos em Direito do Trabalho, encomendado pela Comissão da Comunidade Europeia para a discussão sobre o futuro do trabalho, demonstrou a necessidade de um alargamento do critério da subordinação, pois, se por um lado há um progresso na autonomia do trabalho (como verificado por Olea), pelo desenvolvimento das novas tecnologias, evolução no nível de formação dos trabalhadores e novos métodos de gerenciamento, por outro lado há um crescimento do peso da subordinação, pela criação de novas formas de trabalho precário, como contrato de prazo determinado e trabalho temporário, sendo necessário para a manutenção do contrato de trabalho um empenho e dedicação maiores dos trabalhadores. Fornece, então, o relatório, um entendimento parecido com o de Olea, percebido na jurisprudência das cortes dos diversos países europeus pertencentes à Comunidade Europeia, entendendo que a subordinação “não resulta mais somente da submissão às ordens na execução propriamente dita do trabalho, mas também da integração do trabalhador em uma organização coletiva do trabalho concebida para e por outrem.” (SUPIOT, 1999, p. 39) Portanto, para a conclusão, podemos retirar que para a existência da subordinação, estará presente a integração do trabalhador numa organização coletiva empresarial, sendo que esta fiscaliza e orienta o trabalho, ao menos potencialmente. 66

Porém, a prática requer mais que isso. A verificação da existência dos requisitos da relação trabalhista no caso prático é mais difícil, existindo casos que parecem estar em campo cinzento, não havendo critérios seguros para a verificação da ocorrência da relação trabalhista. Indica o relatório acima citado, no entanto, que as cortes europeias vêm decidindo como não necessária a existência simultânea de todos os requisitos e que, na ausência de algum deles, não se exclui imediatamente o vínculo empregatício. Na realidade, a existência da relação empregatícia verificar-se-á pelo que denomina de “feixe de indícios”, e que a subordinação (e em consequência, a relação trabalhista) ocorreria quando fosse verificada a ocorrência de uma reunião de vários dos indícios entre os existentes da subordinação (SUPIOT, 1999, p. 39). Dentre os indícios mais utilizados, enumera o relatório (SUPIOT, 1999, p. 39): “ – o interessado compromete-se a executar pessoalmente o trabalho; - ele realizou na prática ele mesmo o trabalho; - sua contratação comporta uma disponibilidade para realizar as tarefas a serem realizadas; - a relação entre as partes tem uma certa permanência; - o interessado é submentido às ordens ou a um controle da outra parte naquilo que concerne ao método, ao lugar ou ao tempo do trabalho; - os meios do trabalho são fornecidos pela outra parte; - o trabalho é remunerado; - o trabalhador é em uma posição econômica e social equivalente àquela de um assalariado.” Assim, detendo a prática do trabalho realizado a maioria destes indícios, estará presente a relação empregatícia. Saliente-se, outrossim, que a existência da relação de emprego, uma vez presentes os seus requisitos (ou o feixe de indícios acima exposto), é imperiosa, por força do Princípio da Primazia da Realidade insculpido no art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, que afirma que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, 67

impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” Assim, as regras do Direito do Trabalho prevalecem sobre as regras de Direito Civil ou Comercial que aparentemente disponham não se tratar de uma relação empregatícia. 3. A terceirização no Direito do Trabalho Já verificada a natureza da terceirização, e a base estrutural do Direito do Trabalho, podemos verificar como se entrelaçam e convivem. Os estudos sociológicos existentes sobre a terceirização, embora não realizem a separação entre a terceirização legal e a mera intermediação de mão de obra, demonstram, por outro lado, as consequências em gerais nefastas aos trabalhadores e à coletividade trabalhadora causadas pela utilização do instituto. Porém, para o Direito do Trabalho interessa somente verificar a legalidade ou ilegalidade das condutas, ou seja, a adequação ao sistema jurídico vigente, com relação aos direitos postos dos trabalhadores. Como afirmado supra, pode acontecer de fenômenos de outras áreas atingirem o Direito do Trabalho, sendo que este exerce preponderância na verificação da existência da relação de trabalho. O Direito do Trabalho é o ramo do Direito que “tem por objeto a exposição dos princípios e normas de direito que regem as relações de trabalho subordinado”. (MARANHÃO; CARVALHO, 1992, p. 3) Desta forma, somente lhe interessa aquilo que rege o trabalho subordinado, não pretendendo este regular atividade econômica-empresarial. No entanto, se a atividade econômica impuser burla à caracterização da relação empregatícia, esta simplesmente será ignorada. Destarte, não tem o condão o Direito do Trabalho de declarar legalidade ou ilegalidade em uma terceirização de serviços, e sim dizer da existência ou não de burla à legislação trabalhista, que se dará quando não for uma verdadeira terceirização, e simplesmente a interposição de empresa para retirada do vínculo empregatício direto, ou seja, quando houver intermediação de mão de obra. Tal entendimento é claro na doutrina internacional. Na França, ao contrário do direito brasileiro, há dispositivo legal próprio 68

com proibição expressa da intermediação de mão de obra a título lucrativo, sendo até mesmo penalmente sancionada (L. 125-1 e L. 125-3 do Código de Trabalho Francês.). Da mesma forma ocorre na Espanha (Art. 43 do Estatuto dos Trabalhadores Espanhol). Porém, nos países onde não há previsão expressa de proibição da intermediação da mão de obra, há dispositivo expresso cogente de determinação dos sujeitos da relação empregatícia. Assim, exceto nos casos permitidos pela legislação trabalhista que permite o fornecimento de mão de obra, como as empresas de trabalho temporário, será tida como ilícita a intermediação de trabalho humano subordinado. Não há, nesses países, restrição à terceirização, e nem poderia haver, já que o Direito do Trabalho tem como objeto a regulação das relações de trabalho, e não as relações empresariais. A preocupação do Direito do Trabalho então deve ser com a intermediação de mão de obra travestida de terceirização, devendo ser realizada a clivagem entre elas. É como se encontra em Pélissier-SupiotJeammaud (PÉLISSIER ET AL, 2000, p. 346): “Os contratos de prestação de serviços e de subcontratação são lícitos, sob a condição que se tratem verdadeiramente

de

contratos

de

prestação

de

serviços

ou

subcontratação. Eles são, ao contrário, ilícitos enquanto dissimulam um fornecimento de mão de obra a título lucrativo.” Este também é o entendimento de Gerard Couturier (1996, p. 119-120): “Há ilicitude desde que a empresa principal somente faz apelo à sua parceira contratual para que esta forneça mão de obra.” Como visto, a chave do problema está em saber quando se trata de uma terceirização lícita, de prestação de serviços, e quando se trata de somente uma intermediação de mão de obra, odiosa por objetivar o lucro sobre o trabalho de outras pessoas. Por vezes tal diferenciação é difícil, todavia, na maioria dos casos, é clara a separação entre as duas. Os critérios a serem utilizados para a distinção exporemos mais à frente. Primeiro, vamos ver como se porta o Direito do Trabalho brasileiro frente ao problema. NOTAS: (1) Aqui o autor não faz diferença entre atividade-fim e atividade-meio do empregador, pois, conforme avança na sua discussão sobre o tema, corretamente afirma que existirá a ilicitude na terceirização se a 69

empresa principal quer da sua contratada apenas o fornecimento de mão-de-obra, seja ela na atividade-meio, seja ela na atividade-fim. Não verificou, entretanto, o autor, que na atividade-fim é praticamente impossível o repasse da atividade sem a manutenção da subordinação. (2) Há outras vantagens colocadas pelos defensores da terceirização, mas são totalmente despropositadas. Sergio Pinto Martins (1997, p. 4246), aponta, dentre outras, que a terceirização em empresas trará “melhoria nas condições laborais e ambientais, porque irá diminuir a aglomeração de muitas pessoas num mesmo local, diminuindo acidentes de trabalho e, em conseqüência, trazendo um mecanismo de proteção ao próprio trabalhador” (p. 43). Ora, se o problema de acidentes de trabalho devesse à “aglomeração de trabalhadores”, deveria então a empresa deter instalações maiores, não sendo necessária a terceirização. A diminuição de acidentes na empresa pela redução do número de empregados é relativa, pois da mesma forma haverá a possibilidade de existência de acidentes de trabalho na empresa terceirizada. Tenta-se ofuscar o óbvio, que a prevenção de acidentes se dá por medidas de segurança específicas para cada local de trabalho, medidas essas que são simplesmente ignoradas pela maioria dos empregadores brasileiros. Indica também o magistrado paulista que a terceirização geraria empregos (p. 43) na empresa terceirizada. Mais uma vez, fica-se preocupado: se há geração de mais empregos em outra empresa, como poderia haver então diminuição de custos, sem burla às leis ou precarização de condições de trabalho? (3) Aqui devemos deixar clara nossa posição de que a proteção do trabalhador, mais do que nunca, é necessária. Muitos dos defensores do neoliberalismo afirmam que a proteção estatal ao trabalhador não o deixa evoluir, atravancando da mesma forma a economia nacional, alegando que o trabalhador deve ser tratado como uma pessoa adulta e que sabe dirigir os passos de sua vida por si só. Não concordamos com esta visão, pois esta se esquece de que o Direito do Trabalho somente existe pela diferença, não intelectual ou de conhecimento, porém de forças, diferença que naturalmente existe entre os trabalhadores e as empresas. Hoje, mais do que nunca, a desproporcionalidade de forças está presente. Em tempos de concorrência internacional desenfreada, tanto de produtos quanto de trabalhadores, a livre concorrência e a lei de oferta e procura levariam os trabalhadores a baixar seus níveis de 70

exigência ao mínimo imaginável. Prova disto é o que já ocorre, quando grassa

a

intermediação

de

mão-de-obra

por

cooperativas

intermediadoras de trabalhadores, submetendo esses trabalhadores a labuta sem nenhuma proteção de direitos e sem patamar mínimo de remuneração, levando-os a vida semi-escrava. Se a proteção do Direito Estatal do Trabalho inexistir neste momento, estaremos fadados a conviver com uma massa de trabalhadores miseráveis e em condições indignas de sobrevivência. Como afirma Orlando Teixeira da Costa (1999, p. 58): “No princípio era a tutela e a tutela visava o respeito à dignidade da pessoa humana do trabalhador. Com ela se construiu o Direito do Trabalho e se fez dele um ramo da ciência jurídica a serviço do aperfeiçoamento das relações humanas no trabalho. Esse propósito pode e deve ser melhorado, principalmente em nosso país, tão carente, no momento, de leis trabalhistas esmeradas. O que não pode é desviarse do rumo inicial, traçado por necessidades que persistirão enquanto dificuldades econômicas sérias, ainda que atingindo as empresas, continuem, também, afetando a situação real do trabalhador.” (4) A empresa Xerox denomina seus vendedores empregados de “representantes comerciais”, apesar de preencherem os requisitos da relação trabalhistas, cumprindo horários e recebendo ordens da empresa. A Rede Globo de Televisão contrata seus principais atores e jornalistas pela forma de contrato civil, fazendo com que esses trabalhadores formem uma empresa e contratando esta para, intuitu personae, trabalharem para a emissora. Com isto, além dos direitos trabalhistas em fuga, causa esta última evasão do imposto de renda, já que os trabalhadores não pagam como pessoa física, e sim como pessoa jurídica, com alíquotas bem menores. (5) Essa regra não é absoluta. A fungibilidade para descaracterização da relação empregatícia deve ser tal que os trabalhos não somente podem ser como de fato são realizados por pessoas diferentes. A substituição eventual de um empregado por outro não tem o condão de eliminar o caráter intuitu personae, se o contrato é em sua maior parte exercido pela pessoa.

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Capítulo II – Terceirização e o Direito do Trabalho Brasileiro “Bem aventurados sejam aqueles que amam essa desordem Nós viemos a reboque, este mundo é um grande choque Mas não somos desse imundo De cidades em torrente De pessoas em corrente Errar não é humano Depende de quem erra Esperamos pela vida Vivendo só de guerra Viemos preparados pra almoçar soldados Chegamos atrasados, sumiram com a cidade antes de nós. Mesmo assim, basta esquecê-la em outro dia Transformando em lataria, tudo que estiver ao nosso alcance Viemos espalhar discórdia Conquistar muitas vitórias, conquistar muitas derrotas Bem aventurados sejam todos que caírem em moratória Bem aventurados sejam os senhores do progresso Bem aventurados sejam esses senhores do regresso.” (Canção “Múmias”, Biquini Cavadão)

O Direito do Trabalho brasileiro é de origem europeia continental, ao contrário da origem das formulações teóricas sobre a reestruturação produtiva. Desta forma, a utilização das novas formas de organização do 72

trabalho, como a terceirização, deve ser realizada com o devido cuidado. No presente capítulo, analisam-se as relações entre a terceirização e o Direito do Trabalho brasileiro, verificando como se posta a doutrina, jurisprudência e legislação perante o assunto. O tema, já adiantamos, não é tratado sistematicamente, ou mesmo de forma clara, por nenhuma das instituições acima citadas. Destarte, pretende-se aqui, acima de tudo, dar um tratamento sistemático e científico ao fenômeno frente ao Direito do Trabalho, mostrando-o da forma mais transparente possível. 1. A Doutrina Brasileira A doutrina trabalhista brasileira assiste perplexa ao fenômeno, atacando superficialmente o problema, não levando em consideração a estruturação do Direito do Trabalho e seus princípios. Pode-se encontrar, nas revistas especializadas, uma miríade de artigos sobre o tema, que se debate em sua grande maioria sobre a questão de atividade-meio e atividade-fim, questão que na realidade é secundária para a solução do problema. A sua maioria toma como ponto de apoio para a legalidade ou não das terceirizações a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que nada mais é do que o entendimento sedimentado da mais alta corte trabalhista do país sobre a matéria, que, porém, não tem força de lei, nem vincula os juízes dos primeiros graus de jurisdição. Portanto, a maioria dos escritos segue e tenta decifrar a Súmula nº 331 sem ao menos entender as razões pelas quais uma terceirização pode ser tida como lícita ou ilícita, realizando desdobramentos argumentativos sobre a diferença entre atividade-fim e atividade-meio. Argumentos conflitantes nos traz Bezerra Diniz, quando em um ponto de seu estudo (BEZERRA DINIZ, 1999, p. 3-32) afirma que a terceirização insere-se em um contexto maior de flexibilização do trabalho, apontando diversos malefícios, como precarização do trabalho, desemprego, redução salarial, piora nas condições de saúde e segurança, degradação do ambiente de trabalho, dificuldade de organização sindical etc. (BEZERRA DINIZ, 1999, p. 15), porém em outro ponto passa sinais de perplexidade frente ao fenômeno, chegando a afirmar que “A terceirização, como já explicitado, foi uma saída da classe empresarial à necessidade de barateamento da mão de obra; ao contrário do que 73

pensam alguns, não deve ser simples e absolutamente proibida (como tentou fazer o Enunciado nº 256); é um sinal dos tempos, e como tal deve o direito do trabalho compreendê-la e decifrar suas estruturas, a fim de poder encontrar soluções para a classe trabalhadora, à quem ele serve, dentro desse novo contexto socioeconômico.” (BEZERRA DINIZ, 1999, p. 15) E ainda ignora a diferenciação entre “marchandage”, ou tráfico e intermediação de mão de obra e terceirização, pois afirma que “muitos de seus efeitos são similares, pois partem de uma base comum, a subcontratação de mão de obra.” (BEZERRA DINIZ, 1999, p. 21). (1) Não podemos de forma alguma concordar com essa impassibilidade e a simples estupefação frente ao problema. Não há como se concordar que a terceirização seja pertencente ao movimento maior de flexibilização dos direitos do trabalho, pelo menos teoricamente, pois assim se estaria legitimando a precarização da relação do trabalho frente a um movimento de reestruturação produtiva. Na realidade, a interligação entre terceirização e flexibilização ocorre somente naquela como intermediação de mão de obra, a qual existe justamente para baixa de custos em desfavor dos trabalhadores, o que não é de forma alguma aceitável. E aceitar a terceirização como intermediação de mão de obra é avalizar a precarização e o subjugo do trabalhador frente a questões econômicas. Há também várias monografias publicadas sobre o tema, algumas até sendo apologéticas ao fenômeno da terceirização, esquecendo-se das razões de existência do Direito Protetivo do Trabalho. Em sua maioria elas não são claras, e parecem entrar em contradição a todo o tempo. Sergio Pinto Martins (1997), por exemplo, apesar de curvar-se claramente a argumentos econômicos, olvidando de quaisquer argumentos sociais, em fazendo apologia em várias passagens da terceirização, consegue verificar que a real solução para o problema foge à questão da atividademeio ou fim, e sim quanto à existência de puro fornecimento de mão de obra. Segundo o autor, “a terceirização ilegal ou ilícita é a que se refere a locação permanente de mão de obra, que pode dar ensejo a fraudes e prejuízos em relação aos trabalhadores.” (MARTINS, 1997, p. 136). Concede o magistrado inclusive elementos para verificação da licitude da terceirização, arrolando: “a) idoneidade econômica da terceirizada; b) assunção de riscos pela terceirizada; c) especialização nos serviços 74

prestados; d) os serviços devem ser dirigidos pela própria empresa terceirizada; e) utilização do serviço principalmente em relação à atividade-meio da empresa que terceiriza serviços, evitando-se a terceirização da atividade-fim (2); f) necessidade extraordinária e temporária de serviços.” (MARTINS, 1997, P. 137) Rubens Ferreira de Castro (2000) dá ênfase extremada nas atividades que, segundo ele, deveriam ser tidas como possíveis de terceirização. Crê o autor que a solução do problema está no estabelecimento dessas atividades “terceirizáveis”, em prol da segurança que deve haver no Direito e evitando desta forma as fraudes. Acredita que o mais importante seja a garantia dos direitos sociais, não importando se eles são efetivamente realizados pelo tomador dos serviços ou por um subcontratado (CASTRO, 2000, p. 91). Desta forma, infelizmente ignora todos os estudos realizados que demonstram a exclusão, o apartamento e a fragmentação da classe trabalhadora causada pela terceirização como intermediação de mão de obra, acabando por realizar um afastamento do Direito das Ciências Sociais, distanciamento este totalmente indesejável e que só faz não se alcançar a real solução para o problema. Até o Ministério do Trabalho e Emprego, em sua “cartilha” ao empresariado (MTE, 2000, p. 31) sobre terceirização, faz uma grande confusão, ora afirmando ser a terceirização “a contratação de serviços por meio de empresa, intermediária entre o tomador de serviços e a mão de obra” (MTE, 2000, p. 31), ora afirmando a impossibilidade de existência de pessoalidade e subordinação, sob pena de configuração direta de vínculo com a tomadora (MTE, 2000, p. 32). Essa “orientação” do Ministério do Trabalho, na realidade, nada mais faz do que confundir o empresariado, que pode ser induzido a pensar que é legal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, o que não é verdade. Porém, a obra em que se tem a terceirização como o mais avançado em termos de Direito do Trabalho é de José Luiz Ferreira Prunes (1995), onde se defende com unhas e dentes o fenômeno como intermediação de mão de obra. Fazendo a separação entre terceirização e intermediação de mão de obra, o magistrado gaúcho coloca esta última como inteiramente possível, e que a resistência em sua admissão pela jurisprudência e doutrina brasileiras é realizada em parte por “paladinos 75

de bizarras ‘escolas’ que já se mostram anacrônicas” (PRUNES, 1995, p. 168). É de se notar que em toda a sua obra, não faz o autor nenhum comentário sobre as consequências danosas que a intermediação de mão de obra traz para a coletividade de trabalhadores e a sua contribuição para a precarização do trabalho, muito menos qual a razão séria que levaria uma empresa a contratar uma outra empresa para intermediar seus empregados, aceitando ainda pagar seu lucro. Seu único argumento é o da “modernidade nas relações de trabalho”, sem preocupação mínima com o aspecto social. Para verificar o absurdo de suas conclusões, veja-se acórdão de sua lavra, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), que reproduz em sua obra, onde, ultrapassando qualquer norma de responsabilidade de Direito Civil Liberal, anuncia a irresponsabilidade da tomadora de serviços frente aos trabalhadores, sendo que, em qualquer contrato civil, desde os tempos do Código de Napoleão, não se admite este tipo de irresponsabilidade (3). Nos manuais de Direito do Trabalho, dada à aparente novidade do tema, o tema não é tratado com a importância devida, merecendo somente uma análise superficial que quase sempre repete a Súmula 331 do TST. Não é o caso da mais clássica obra de Direito do Trabalho, as Instituições de Direito do Trabalho (SÜSSEKIND ET AL, 2000, 280-291). Atualizada nesta parte por Lima Teixeira, traz uma boa análise do fenômeno. E consegue verificar que “Fundamental, destarte, perquirir se o enlace contratual é consistente na forma e na essência ou se apresenta distorções que, na execução do pactuado, desvendem autêntico contrato de trabalho sob capa de negócio jurídico admitido pelo Código Civil. Tal é a hipótese quando comprovado que o trabalhador, prestando serviços pessoais e permanentes, não recebe ordens de seu empregador (empreiteiro ou empresa de prestação de serviços) e, sim, do contratante do bem ou serviço, o qual, de fato, o estipendia e assume os riscos da atividade econômica que explora.” (SÜSSEKIND ET AL, 2000, 281). E corretamente arremata, resumindo: “Contrato de empreitada no qual trabalhadores da empresa contratada ombreiam-se com empregados da empresa contratante, sob a direção desta, na execução de um único e mesmo serviço, constitui intermediação de mão de obra ou marchandage, expediente deturpado que encontra rechaço no art. 9º da CLT.” (SÜSSEKIND ET AL, 2000, 282) 76

Clarividência que também tem Souto Maior, que afirma que “Somente deve-se considerar válida a terceirização, sob aspecto de desviar a formação da relação de emprego da empresa tomadora dos serviços, quando a empresa prestadora tenha uma atividade empresarial específica, ou seja, não se constitua apenas como intermediadora de mão de obra e quando a contratação se efetive por tempo determinado, para realização, portanto, de serviços que não sejam contínuos, na empresa tomadora, independentemente de se considerá-los atividademeio ou atividade-fim. Fora desses contornos a terceirização deve gerar a formação do vínculo de emprego diretamente entre os trabalhadores e a empresa tomadora.” (SOUTO MAIOR, 2000, p. 319) Carrion, com a sua conhecida objetividade, aduz que “Na locação de mão de obra e na falsa subempreitada, quem angaria trabalhadores os coloca simplesmente (ou quase) à disposição de um empresário, de quem recebem as ordens, com quem se relacionam constantemente e diretamente, inserindo-se no meio empresarial do tomador de serviço, muito mais do que no de quem os contratou e os remunera; o locador é apenas um intermediário que se intromete entre ambos, comprometendo o relacionamento direto entre o empregado e seu patrão natural; em seu grau extremo, quando, sem mais, apenas avilta o salário do trabalhador e lucra o intermediário (Camerlynck, “Le Contrat”). É a figura do marchandage, com suas características mais ou menos nítidas e que é proibida em vários países (França, México etc.) e até punida criminalmente (art. 43 da L. 8/80, Estatuto dos Trabajadores, da Espanha).” (CARRION, 2000, p. 288-289) Assim, a doutrina mais lúcida vê claramente a diferença entre a mera intermediação de mão de obra e a terceirização de serviços. Vejamos agora como se portam os magistrados em suas decisões. 2. A Jurisprudência Brasileira e a Súmula 331 do TST Com o crescimento de casos de terceirização ocorrido em meados dos anos 80, o Tribunal Superior do Trabalho começou, a esta época, a julgar casos a esse respeito, formando já um grande acervo de decisões, todas no sentido de rechaçar qualquer tipo de terceirização. O primeiro enunciado de súmula sobre a matéria a surgir foi o de nº 239, aprovado pela Resolução Administrativa do TST de nº 15/85, publicado no Diário da Justiça da União do dia 09 de dezembro de 1985, dispondo 77

da seguinte forma: “É bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico”. Percebe-se, então, que, ao mesmo tempo em que se verifica a intenção das instituições bancárias de tentativa de utilização da terceirização com objetivo de fuga às disposições relativas aos trabalhadores bancários, bem mais benéficas, criando empresas subsidiárias para a realização de processamento de dados, verifica-se também que o TST começou abortando tal tentativa. Logo após foi aprovado o Enunciado nº 256, pela Resolução Administrativa nº 04/86, publicado no Diário da Justiça da União de 30 de setembro de 1986, trazendo o seguinte entendimento: “Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nº 6019, de 3.1.74, e 7.102, de 20.6.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços”. Assim, entendeu a mais alta corte trabalhista de que a intermediação de mão de obra seria ilegal, porém cometeu um equívoco, pois não houve a separação entre intermediação e terceirização, colocando como se fosse a mesma coisa o serviço de vigilância previsto na Lei nº 7.102/83 e o trabalho temporário da Lei nº 6.019/74, que trata de uma exceção à regra de proibição de intermediação de mão de obra, ao contrário do serviço de vigilância, quando, em sua regular maioria, é prestado autonomamente e não como empresa interposta. De qualquer forma, não tratou o enunciado de terceirização na sua forma científica, já que diz “contratação de trabalhador”, o que indica intermediação de mão de obra, já que na terceirização regular não se contrata trabalhador, e sim serviços especializados a serem realizados autonomamente. Dentre os julgados precedentes que deram origem ao enunciado, está um em que foi declarada a ilegalidade da intermediação de mão de obra realizada por empresa de limpeza e conservação, posição que o tribunal reveria em sua próxima orientação jurisprudencial. Importante notar que no citado julgamento, foi observado o fato de mero fornecimento de trabalhadores, e não prestação de serviços por parte da tomadora (4). Da mesma forma, houve outros acórdãos que serviram de precedentes, todos demonstrando a intermediação de mão de obra em serviços de 78

limpeza e conservação, além de outros acórdãos que verificaram a mesma situação em outras atividades das empresas tomadoras da mão de obra. Tal enunciado provocou a ira nos setores mais de direita do Direito, chegando um dos maiores defensores do empresariado no Direito do Trabalho a afirmar que “numa penada, o TST revogou partes substanciais do Código Civil, referentes ao contrato de locação de serviços e à empreitada. Numa penada, o TST colocou na ilegalidade os contratos que habitualmente se fazem com mais de cinco milhões de trabalhadores rurais (os chamados bóias-frias) e com cerca de um milhão de outros trabalhadores, ligados às empresas de conservação e asseio.” (MAGANO apud ROBORTELLA, 1994). É incrível como pode alguém defender um sistema, como o de gatos de boias-frias, que é notoriamente a maior exploração de trabalho de pessoas que temos em nosso país, com pessoas precarizadas ao máximo e trabalhando para comer em condições inóspitas. Além disso, o arcaico contrato de locação de serviços já havia sido, na parte que tange ao trabalho subordinado, revogado pela Consolidação das Leis do Trabalho em 1943. Perceba-se, entretanto, que não houve em nenhum momento nesse enunciado a proibição à verdadeira terceirização, e sim à interposição de empresa com vistas a evitar o vínculo empregatício. Porém, os julgados se sucederam naquela Corte no sentido de que o enunciado nº 256 era somente exemplificativo, e que existia então possibilidade de terceirização lícita, chegando então a ser realizada a revisão daquele enunciado. Aprovou-se, então, pela Resolução Administrativa nº 23/93, publicada no dia 21 de dezembro de 1993, o Enunciado nº 331 do TST, que assim dispôs o entendimento do Tribunal: "Contrato de prestação de serviços — Legalidade — Revisão do Enun¬ciado n. 256. I — A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.74); II — A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da 79

Admi¬nistração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República); "III — Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializadas ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta. "IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)" (5). Um enunciado é “o substrato do entendimento dominante da Corte em um dado contexto histórico-social, servindo como orientação, tanto para a Casa, como para os demais órgãos da Justiça do Trabalho.” (6) Assim, para a sua elaboração, tomam-se julgados anteriores sobre a matéria, que são chamados de precedentes, e que dariam a estrutura do enunciado. Contudo, na sessão do Tribunal em que é realizada a elaboração de um enunciado, há discussão da matéria entre os magistrados e votação do texto do enunciado, que pode vir a não coincidir com o entendimento dos precedentes que o forjaram. É o que aconteceu no presente caso, pois alguns precedentes que lhe deram origem vão simplesmente de encontro com o enunciado, confundindo intermediação de mão de obra e terceirização ou prestação de serviços (7). Vejamos como ficou o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, por uma análise passo a passo da súmula. O Enunciado 331, revendo o de n.º 256, na verdade manteve o mesmo espírito e entendimento, desfazendo porém a confusão entre terceirização e intermediação de mão de obra, e está, em linhas gerais, em consonância com o sistema jurídico trabalhista pátrio. O inciso I está a afirmar, categoricamente, da mesma forma que fazia quando da Súmula 256, que, excetuando-se o caso de trabalho temporário, previsto em lei, sempre a contratação de trabalhadores por 80

empresa interposta é ilegal, tomando-se o vínculo com o tomador de serviços. Ou seja, é proibida a intermediação de mão de obra, de qualquer forma, sob qualquer circunstância, com exceção da única possibilidade existente na lei de intermediação lícita de mão de obra, que é aquela realizada por empresa de trabalho temporário, desde que sejam seguidos os rigorosos requisitos impostos naquela lei. O inciso II traz uma exceção à geração de vínculo automática com o tomador de serviços em caso de intermediação de mão de obra por órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, isto em cumprimento à regra constitucional democrática do art. 37, em que a entrada no serviço público deve ser realizada somente por concurso público. Observe-se que a intermediação continua proibida, somente não ocorre o vínculo, pois seria uma fraude ao princípio constitucional do concurso público. O inciso III, aparentemente, seria uma exceção à regra do inciso I, e muitas vezes é assim tratado pelos doutrinadores e julgadores. Porém não é desta forma. O inciso I fala de intermediação de mão de obra, enquanto que o inciso III trata de terceirização de serviços. Neste, verifica-se que não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância, terceirização regulamentada pela Lei n.º 7.102/83 e de conservação e limpeza, além de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. Entretanto, não será sempre que na atividade-meio não se dará o vínculo, pois, ao final do inciso, salienta a Súmula que este não existirá desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Com isso, reafirmou o TST a impossibilidade de intermediação de mão de obra, dando vazão ao Princípio da Primazia da Realidade, onde a situação de fato prevalece sobre a ficção jurídica. Assim, mesmo em sendo atividade-meio do empregador, havendo fornecimento de trabalhadores para executarem suas tarefas com pessoalidade e subordinação direta ao tomador, formar-se-á o vínculo direto com a tomadora. Note-se que não se trata de declaração de ilegalidade da terceirização, e sim a constatação do vínculo, que preexiste à constatação, pois impossível a atividade de fornecimento de mão de obra no regramento jurídico brasileiro, com exceção do fornecimento de trabalho temporário por empresas especializadas, 81

desde que respeitados os requisitos da lei própria. Quanto à diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio, Tribunal as próprias definições de terceirização existentes na interdisciplinar, que, como vimos, tem como pressuposto concentração da empresa no seu “core business”, ou seja,

tomou o literatura básico a atividade

principal. Além disso, partiu o Tribunal de uma presunção, retirada da experiência comum, de que a prestação de serviços em atividade-fim, ou seja, atividade principal da empresa, dentro de estabelecimento da própria, nunca poderia ser realizada sem pessoalidade e subordinação direta com o tomador, o que reputamos correto. Não se pode imaginar uma fábrica em que em sua linha de produção haja uma outra empresa fabricando em seu lugar, nas linhas de produção. Aqui, logicamente, seria intermediação de mão de obra, e a empresa interposta seria somente administradora do pessoal, obviamente fraude à lei. No caso da indústria de automóveis (exemplo muito citado pelos defensores da “terceirização total”), que terceirizou a fabricação das peças, tornando-se montadora de automóveis, o que ocorreu foi a mudança da sua atividade-fim, que passou a ser somente de montagem e projetos de automóveis. Nesse caso, há terceirização autônoma de atividade, mas não da atividade-fim, que foi modificada (8). Se essa mesma montadora de automóveis colocasse outra empresa para fabricar peças dentro de suas dependências e sob a supervisão direta sua, na realidade estaríamos diante de um mero fornecimento de mão de obra. E mais: se essa mesma montadora, ao invés de se contentar em contratar o fornecimento de autopeças, exigir também que sejam fabricadas dessa ou daquela forma, com tantos empregados, sujeitos à fiscalização da indústria que recebe os serviços, estaremos também diante de mera fraude, e não terceirização legítima em termos trabalhistas. Saliente-se, no entanto, que a discussão sobre atividade-fim e meio é secundária para a resolução do problema aqui enfrentado. Novamente repetimos que a viga mestra, limite da legalidade em termos de terceirização, é a diferenciação entre terceirização verdadeira e mera intermediação de mão de obra, diferenciação que já existia no tempo do Enunciado 256 do TST, pois estava este tratando somente sobre a intermediação de mão de obra. 82

Destarte, a entrega à outra empresa da realização de serviços em atividade relacionada diretamente com o objeto social da empresa é presunção juris et de jure, não admitindo prova em contrário. Por outro lado, estranha a inclusão do serviço de asseio e conservação no inciso, como presunção de legalidade de terceirização, já que, ao contrário da exemplificação da vigilância, não há lei a regulamentando. Penso que a sua inclusão na Súmula, oriunda de diversos precedentes, e sua aceitação a priori como válida, deve-se a outros fatores que não jurídicos. Pensamos que a razão é a mesma pela qual o empregado doméstico não detém os mesmos direitos que o trabalhador celetista, e pela qual somente recentemente foram estendidos ao trabalhador rural os mesmos direitos do urbano. Trata-se, ao meu ver, de resquício da escravidão, já que são as mesmas atividades realizadas pelos escravos no século XIX. As atividades do empregado doméstico e daquele do serviço de limpeza são justamente as mesmas, com a diferença do local de trabalho e qualidade de empregador. O trabalho rural e o serviço doméstico eram típicos dos escravos brasileiros do século retrasado. Por isso, serviços tidos como menores e menos gratificantes, realizados pelos negros escravos em outras épocas, recebem discriminação dos órgãos julgadores e legisladores, podendo, na sua visão, serem tratados como de segunda categoria, não merecendo receber o mesmo tratamento que um empregado de escritório, que realizaria “trabalho intelectual”. Além do mais, como verificamos em qualquer repartição pública ou empresa, o que realmente acontece é a mera inserção de pessoal para realizar aquelas atividades, sendo tratados como empregados, havendo subordinação ao tomador, e pessoalidade na realização do trabalho, cumprindo inclusive tarefas determinadas pela empresa, nos horários que essa determina. Essa discriminação, além de odiosa, é inconstitucional, pois fere o inciso XXXII do art. 7º da Constituição Federal de 1988, que determinou a “proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.” Com exceção desse detalhe, quanto ao serviço de limpeza e conservação, verifica-se a justeza do entendimento da Corte Superior Trabalhista,

esperando

que

ela 83

se

mantenha

rechaçando

a

intermediação de mão de obra, que é a real causa de precarização, quando se fala em terceirização (9). 3 – A Terceirização e a Legislação Trabalhista Não há norma proibindo a terceirização, seja em atividade-fim, seja em atividade-meio. E nem seria razoável haver, pois a forma de gerenciar seu negócio e quais setores vai atuar deve ser decisão da própria empresa. Quanto ao Direito do Trabalho, como afirmado anteriormente, só é este ramo do Direito atingido quando, utilizando a terceirização para simples fornecimento de mão de obra, tenta-se escapar das prescrições cogentes dos artigos 2º e 3º que, como vimos, determinam quem serão os sujeitos da relação de emprego. O art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho é claro: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Assim, a Legislação Trabalhista prevê que, se a terceirização for utilizada como intermediação de mão de obra, com objetivo de impedir a formação de vínculo da tomadora de serviços com o trabalhador subcontratado não-eventual e subordinado, será a mesma tida como nula, tomando-se o vínculo diretamente com o beneficiado do trabalho. Como afirma Dora Ramos, “importa destacar que a ilegalidade da intermediação não decorre de expressa vedação legal, mas do nãoenquadramento da noção de empregador ao intermediador de mão de obra”. (RAMOS, 2001, P. 67) A Legislação Brasileira, outrossim, vem, em textos legislativos esparsos, realizando previsões sobre a terceirização. O primeiro texto foi sem dúvida o Decreto-Lei nº 200/67, que dispôs sobre a organização da Administração Pública Federal brasileira. No capítulo III do citado Decreto-Lei, ao dispor sobre a descentralização do serviço público, um dos princípios fundamentais da Administração Pública dispostos pelo diploma legislativo, insere-se o § 7º do art. 10, que assim dispõe: “Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com objetivo de impedir o crescimento 84

desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.” Verifique-se que em nenhum momento se fala em fornecimento de pessoal, o que seria até mesmo absurdo hoje em dia, face à exigência constitucional de concurso público para a inserção de trabalhador na Administração. Vê-se que se trata claramente de terceirização, cessão de tarefas ou serviços a serem realizados autonomamente por empresas capacitadas tecnicamente (especializadas). Assim, houve a previsão de terceirização pelo Dec.-Lei nº 200/67, e não de fornecimento de trabalhadores, como se entendeu, equivocadamente, em alguns julgados do Tribunal Superior do Trabalho acima colacionados. Por ter havido várias distorções quanto à aplicação do Dec. Lei n.º 200/67, que foi utilizado para colocação de pessoal por meio de contratos de prestação de serviços, e para bem demonstrar a diferenciação entre terceirização de serviços e intermediação de mão de obra, foi posto na ordem jurídica nacional o Decreto n.º 2271/97, para disciplinamento da contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, havendo no mesmo claras disposições para evitar o desvirtuamento da contratação de serviços pelo Administração Pública. Dispõe o Decreto citado: “Art . 4º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam: (...) II - caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão de obra; (...) IV - subordinação dos empregados da contratada à administração da contratante.” Conforme Bresser Pereira, em comentários sobre o decreto acima, “a nova regulamentação corrige distorções que descaracterizavam o instituto da execução indireta, especialmente a prática da utilização dos contratos de prestação de serviços para suprir necessidades de pessoal que deveriam ser providas com a admissão ou o remanejamento de 85

servidores públicos. (...) Assim, o decreto estabelece regras vigorosas: não poderá ser contratada a prestação de serviços que permita a subordinação direta dos empregados da contratada ao órgão ou entidade contratante.” (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 300) Destarte, resta patente que na administração pública não há previsão de possibilidade de intermediação de mão de obra, havendo mesmo proibição, sendo seu desvirtuamento fraude ao princípio constitucional do concurso público, indispensável para admissão no serviço público. Em 03/01/1974 foi sancionada a Lei nº 6.019, que tratou sobre o trabalho temporário. Nesta lei sim, pela primeira e única vez, dispôs o Direito Brasileiro sobre intermediação lícita de mão de obra. Atendendo a interesses e preocupações das empresas (10), para atendimento de necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços, foi permitida a inserção de trabalhadores contratados de empresas fornecedoras de mão de obra temporária. Esta lei impôs sérios requisitos para a contratação legal, devido à possibilidade de fraude, para a contratação de pessoal regular utilizando-se desta lei. O primeiro é justamente as razões para a contratação, que são previstas na lei: a substituição temporária de pessoal regular ou acréscimo extraordinário de serviços. Um segundo requisito importante é o prazo, já que a contratação do trabalhador somente pode se dar pelo prazo determinado de até 3 (três) meses, prorrogáveis por igual período, desde que existente autorização do Ministério do Trabalho. Há também uma série de requisitos quanto à empresa fornecedora da mão de obra, quanto a cadastro e patrimônio, não podendo ser qualquer empresa a fornecedora desse tipo de mão de obra (11). Portanto, não se trata de hipótese de terceirização, com prestação de serviços, e sim de fornecimento temporário de trabalhadores para atuação para a empresa tomadora. Como afirma Ciro Pereira da Silva (SILVA, 1997, P. 28), “há uma certa tendência em confundir terceirização com a contratação de mão de obra temporária. Esta é um processo totalmente diferente, regulado pela Lei n. 6.019/74, que permite a criação de empresas “locadoras” de mão de obra para fins específicos, como picos de produção e por período predeterminado não superior a três 86

meses. Já a terceirização propriamente dita, aquela em que a prestadora toma a seu cargo a tarefa de suportar a tomadora, em caráter permanente, com o fornecimento de produtos ou serviços, não mereceu até agora legislação própria.” Em 20/06/1983 entrou em vigor a Lei nº 7.102, dispondo sobre o serviço de transporte de valores, vigilância patrimonial e pessoal, autorizando a prestação de serviços por empresas especializadas nesta atividade para empresas ou pessoas particulares. É caso nítido de terceirização, prestação de serviços autônomos, não existindo previsão de interposição de mão de obra nesta lei. Rubens Ferreira de Castro (2000, 125), comentando a lei, ressalta “a importância da ausência de pessoalidade e subordinação direta entre o tomador e o trabalhador, a fim de que não seja estabelecido vínculo empregatício entre estes. Presentes estes elementos de formação da relação de emprego, haverá nítido propósito de fraude à aplicação das normas tutelares do trabalhador.” Desta forma, verifica-se que tratam de coisas distintas as duas últimas leis citadas. Uma, a de trabalho temporário, trata claramente de colocação de pessoal para trabalhar com pessoalidade e subordinação à empresa contratante, enquanto que a de serviços de vigilância não trata da colocação de trabalhadores a serviço da contratante, e sim da realização de serviço que será realizado autonomamente, segundo a independência organizacional da prestadora de serviços. Há outras leis com previsão para a realização de serviços autônomos, que podem ensejar terceirização, como a Lei nº 7.290/84 (transporte rodoviário autônomo) e a Lei nº 4.886/85 (representante comercial autônomo), mas em nenhuma delas há permissão de fornecimento de mão de obra, e sim, prestação de serviços autônomos, sendo que, se, no caso concreto, verificar-se a prestação pessoal e subordinada de trabalho, serão considerados os trabalhadores empregados da tomadora dos serviços. Verificamos, portanto, que há somente uma lei que permite a intermediação de mão de obra, que é aquela do trabalho temporário. Todas as outras nupercitadas prevêem a possibilidade de prestação de serviços autônomos por empresas especializadas, com ressalvas quanto à prestadora de serviços, para a garantia contra a fraude. 87

Assim, passemos a observar como se pode dar, objetivamente, a distinção entre terceirização e intermediação de trabalhadores. NOTAS: (1) Na p. 7, porém, o autor extrapola, ao afirmar que “O direito do trabalho passa por um momento dialético, já que forças transformadoras e conservacionistas se chocam, cada vez mais, de forma mais radical e com maior intensidade. É interessante notar a inversão dos protagonistas nessa luta: a burguesia, tradicionalmente ocupante do papel d classe conservadora, transformou-se e agora é a transformadora, pregando a reformulação das regras que regem a relação de trabalho (...). A classe operária, partidos de esquerda, intelectuais e estudantes, notadamente a classe progressista, transmudaram-se na nova classe conservadora, defensora ferrenha do atual sistema protetivo jurídico-trabalhista, vendo nele a verdadeira salvação para o proletariado que defende. Nessa luta entre classes, sinais de superação já se fazem sentir, ao menos para a classe patronal”. O equívoco é flagrante. Na verdade, se a esquerda prega a conservação do sistema protetor trabalhista, o faz por falta de condições políticas de avanço em mais defesas e direitos ao trabalhador, enquanto que a “burguesia”, como chama o autor a direita, não tem nada de avançada ou transformadora, e não se transformou, apenas viu a oportunidade surgir de retroceder ao status quo ante, de voltar o trabalho a ser regido pelas regras livres de mercado. Assim, não tem nada de progressista, como quer fazer crer o citado autor, e sim de regressista. (2) Nesta parte se contradiz, já que anteriormente (p. 120) havia dito da existência de terceirização verdadeira em atividade-fim de empresas, dando exemplos que, porém, não me pareceram convincentes. De fato, o autor dá como exemplos de terceirização lícita em atividade-fim primeiramente aquela ocorrente na indústria automobilística e, em segundo lugar, as costureiras que realizam seus trabalhos em seu próprio domicílio para a indústria da confecção. Quanto ao primeiro exemplo, a indústria automobilística, como foi mostrado na primeira parte do presente estudo, foi o campo inaugural da reestruturação produtiva, e, por isso, deve ser tida como um capítulo à parte em relação à terceirização. Isto, pois, atua realmente em rede, realizando parcerias com empresas fornecedoras de autopeças, sendo firmados contratos de 88

fornecimento de produtos, e não prestação de serviços, fugindo do alcance do direito do trabalho. Não olvidamos, entretanto, da forte subordinação (aqui não a específica do Direito do Trabalho, mas dependência econômica entre empresas) exercida sobre as pequenas empresas, que deve ter tratamento específico da área de direito comercial. Quanto ao segundo exemplo, nada mais falacioso. É notória a existência de subordinação no caso das facções de roupas no Nordeste e no interior de Minas Gerais, onde o trabalho em domicílio é utilizado para dificultar a verificação da subordinação e do vínculo empregatício, sempre existentes nesses casos. Foi infeliz o exemplo do autor, pois, conforme a literatura sociológica sobre esse tipo de trabalhador, é uma das formas mais perversas de exploração do gênero feminino existentes. Conforme Lena Lavinas e Bila Sorj (O Trabalho a Domicílio em Questão: Perspectivas Brasileiras in ROCHA, Maria Isabel Baltar (org.), Trabalho e Gênero: Mudanças, Permanências e Desafios. São Paulo: ed. 34, 2000, p. 212, o trabalho a domicílio, “tal qual é definido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), está associado a um assalariamento disfarçado, em que o trabalhador é despossuído de direitos mínimos, com evidente impossibilidade de se fazer representar e defender por um órgão de classe. Por isso mesmo, a Convenção da OIT, assinada em 1996, pretende estender a esses trabalhadores uma condição legal que lhes é negada, sobretudo a mulheres e crianças, que constituem a maioria dessa mão de obra externa à fábrica e fortemente precarizada.”. (3) Afirma Prunes (1998, p. 71): “A lei brasileira tem regulamentação própria para a prestação de mão de obra temporária, de conformidade com a Lei 6.019. Os trabalhos temporários devem, necessariamente, obedecer estas disposições legais, sob pena de se entender que se estabelece com o tomador de serviços. Contudo, tratando-se de mão de obra permanentes, inocorre vedação legal para a existência de tais contratos que são de abrangência trabalhista apenas para a empregadora e o empregado, excluída a responsabilidade do tomador permanente”. Enquanto

o

Direito

Civil

caminha

para

a

maior

responsabilidade dos contratantes, e garantia mais eficaz das partes hipossuficientes, como o consumidor, certas pessoas pregam a entrega do trabalhador desarmado e submetido à força do Capital. Pregando um pretenso modernismo e avanço, olvidam que o Direito Progressista, na realidade, está na efetivação dos Direitos Humanos, e nunca em sua 89

negação. (4) Acórdão 2ª Turma, nº 377/82, RR 889/81, julgado em 02/03/1982. "O trabalho de conservação e asseio não pode ser objeto de contratação pela Lei 6.019, por não se tratar de trabalho temporário. Menos ainda pela locação prevista no Código Civil, por ser atividade permanente, indispensável à vida da empresa. A contratação através de locadora constitui fraude ao regime da CLT. Vínculo empregatício com o tomador do serviço quando há continuidade e o trabalho é prestado a uma única empresa. Quando o empregado trabalha em uma jornada subdividida em duas, o longo intervalo entre ambas deve ser remunerado como extra, porque o empregado ficou à disposição do empregador. Revista a que se nega provimento" (Ac. 2a T 377/82, Proc. RR 889/81, j. 2.3.82, Rei. Min. Marcelo Pimentel, Recorrente: Brilho Conservação e Administração de Prédios Ltda. e Cia. Estadual de Energia Elétrica, e Recorrida: Margarida da Silva Ramos). (5) A fim de atender a decisão Supremo Tribunal Federal, que entendeu por inconstitucional parte da interpretação dada pelo Tribunal Superior do Trabalho, atualmente, a súmula no. 331 tem idênticos incisos I, II e III e a seguinte nos incisos seguintes:” IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa

no

cumprimento

das

obrigações

da

Lei

n.

8.666/93,

especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação.” (6) Acórdão TST, ED-RR 113.599/94.0, Ministro José Luiz de Vasconcelos apud CARRION, Valentin. Ob. cit., p. 756. (7) "Locação de mão de obra — Enunciado 256/TST. A Sociedade de Economia Mista, no caso a Companhia Energética do Ceará, pode, 90

amparada pelo artigo 10, § 7º, do Decreto-lei n. 200/67, realizar contratos de locação de serviços. O Enunciado 256 veio para evitar a ocorrência de fraudes e não para impedir contratos legais. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido para excluir da conde¬nação o reconhecimento do vínculo empregatício, mantendo-se a solidariedade" (Ac. 1a T 3.308/92, Proc. RR 44.058/92.6, j. 28.10.92, Rei. Min. Afonso Celso, DJ 4.12.92). A contratação de mão de obra, mediante empresa interposta, em se tratando de órgão Público, está autorizada pelo Decreto-lei n. 200/67 e pela Lei n. 5.645/70. Ademais, nos termos do parecer do ilustre representante do Ministério Público, Dr. Ives Gandra da Silva Martins Filho, no caso dos autos, além do serviço locado ser de vigi¬lância — hipótese prevista na própria Súmula n. 256 do TST como legal por força da Lei n. 7.102/83 —, a Lei n. 5.645/70 chega a reco¬mendar que os serviços de custódia, conservação e assemelhados sejam contratados por via indireta no âmbito da administração pú¬blica direta, autárquica e fundacional. Dessa forma, o INAMPS é parte ilegítima, não cabendo a solidariedade imposta" (RR 45.956/92A, Ac. 3ª T 5.251/92, Rel. Min. Roberto Della Manna, D; 6.8.93). (8) Pode-se até discutir a relação de dependência entre a empresa contratada e a contratante, o que certamente ocorrerá em muitos dos casos. No entanto, tal dependência, econômica, não é aquela caracterizadora do contrato de trabalho, fugindo do tema ora em exposição. (9) Dizemos que esperamos que o TST continue a rechaçar porque ultimamente o Tribunal Superior do Trabalho aparentemente abandonou a proteção ao trabalhador, passando a abraçar a proteção à atividade econômica, sendo que suas novas teses agasalham a flexibilização e a precarização das relações de trabalho sem limites, alegando uma suposta exigência do mundo econômico moderno. (10) Pode até se discutir a legitimidade do interesse das empresas, em se tratando do Brasil, na utilização de trabalho temporário. De fato. O modelo de trabalho temporário é importado da Europa, onde este existe para uma adaptação frente a uma necessidade de contratação por prazo, em situações justificáveis, já que vige naquele continente, em regra, a estabilidade no emprego. Assim, as empresas de lá, legitimamente, necessitando de trabalho temporário, não teriam como contratá-los e 91

depois dispensá-los. Ora, isso não ocorre no Brasil, onde não há empecilhos para a dispensa de trabalhadores, salvo uma ínfima indenização sobre os depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Portanto, não entendemos aplicável ao Brasil as razões de existência do trabalho temporário, cuja razão de existência não vigora em um Brasil com larga flexibilidade externa na legislação trabalhista. (11) Pode até se discutir a legitimidade do interesse das empresas, em se tratando do Brasil, na utilização de trabalho temporário. De fato. O modelo de trabalho temporário é importado da Europa, onde este existe para uma adaptação frente a uma necessidade de contratação por prazo, em situações justificáveis, já que vige naquele continente, em regra, a estabilidade no emprego. Assim, as empresas de lá, legitimamente, necessitando de trabalho temporário, não teriam como contratá-los e depois dispensá-los. Ora, isso não ocorre no Brasil, onde não há empecilhos para a dispensa de trabalhadores, salvo uma ínfima indenização sobre os depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Portanto, não entendemos aplicável ao Brasil as razões de existência do trabalho temporário, cuja razão de existência não vigora em um Brasil com larga flexibilidade externa na legislação trabalhista.

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Capítulo III – Terceirização e Intermediação de Mão de obra “Parece, mas não é.” (Campanha publicitária do shampoo anticaspa Denorex)

Às vezes resta difícil e um pouco obscura a diferenciação entre a terceirização e a intermediação de mão de obra. Assim, devemos explanar e perquirir sobre alguns critérios, que, objetivamente, demonstrariam quando se trata de uma intermediação de mão de obra, e quando seria uma terceirização de serviços, não existindo, nesta segunda hipótese, vínculo empregatício entre os trabalhadores da prestadora de serviços e a tomadora. Com base no próprio conceito de terceirização, e nos elementos que propiciam a leitura da subordinação jurídica na relação trabalhista, podemos indicar um feixe de elementos, que, da mesma forma que aquele existente para a busca da subordinação jurídica em cada relação trabalhista, poderão nos indicar a existência de uma mera intermediação de mão de obra, nula segundo nosso ordenamento jurídico trabalhista, ou de uma terceirização. Saliente-se, novamente, que, na técnica de feixe de indícios (“faisceau d’indices”), nenhum dos elementos é por si só determinante, devendo haver uma convergência desses elementos para a verificação ou não da fraude (LE GOFF, 2001, p. 157). São estes alguns dos componentes do feixe de indícios demonstradores da intermediação de mão de obra: - Organização do trabalho pela contratante (gestão do trabalho); - Falta de especialidade da empresa contratada (“know-how” ou técnica específica); - Detenção de meios materiais para a realização dos serviços; 93

- Realização da atividade permanente da tomadora, dentro de estabelecimento próprio da contratante; - Fiscalização da execução do contrato pela contratante; - Ordens e orientações procedimentais por parte da contratante; - Prevalência do elemento “trabalho humano” no contrato; - Remuneração do contrato baseada em número de trabalhadores; - Prestação de serviços para uma única empresa tomadora; - A realização subsequente de um mesmo serviço por empresas distintas, permanecendo os mesmos trabalhadores etc. Esses elementos, ou indícios, podem ser reduzidos a somente 3 (três), que, mais amplamente, demonstrariam a existência da mera intermediação de mão de obra: gestão do trabalho pela tomadora de serviços, especialização da prestadora de serviços e prevalência do elemento humano no contrato de prestação de serviços. E é dessa forma, reduzidos a três, é que serão estudados neste capítulo. 1. Gestão do Trabalho pela Tomadora de Serviços O primeiro elemento, não por acaso colocado em primeiro lugar aqui neste trabalho, é o mais importante para indicar a existência de mera intermediação de mão de obra. De fato. A gestão do trabalho, isto é, a determinação do modo, tempo e forma que o trabalho deve ser realizado, é o indicador mais perfeito da existência de subordinação jurídica. Assim, a constatação da gestão ou organização do trabalho por parte do tomador de serviços, deixa clara a existência de uma interposição de empresa para fuga do vínculo jurídico empregatício direto com os trabalhadores. A gestão do trabalho se dá por várias formas. Uma forma de gestão que comumente aparece em contratos ditos de terceirização, mas que na verdade tratam de fornecimento de trabalhadores, é a indicação da quantidade de trabalhadores e em quais funções deverão ser preenchidas pela empresa terceirizada. Ora, se fosse uma terceirização de serviço autônomo, seria a empresa contratada que diria com quantos trabalhadores realizaria o serviço, e quais funções seriam exercidas por esses trabalhadores. 94

A indicação de função a ser exercida demonstra que ocuparão os trabalhadores da contratada posto de trabalho dentro da empresa contratante,

inseridos

em

sua

própria

organização

estrutural,

descaracterizando o fenômeno da terceirização, e indo ao encontro da moderna caracterização da dependência no Direito do Trabalho, e, conforme exposto no Capítulo 1 da 2ª Parte, pertencendo os trabalhadores que ali prestam serviços “terceirizados” ao que chamou Manuel Alonso Olea de “esfera organizativa” ou “círculo que rege”. A subordinação

com

a

tomadora,

portanto,

restaria

caracterizada,

existindo, no caso, intermediação de mão de obra. Esta forma de intermediação de mão de obra é muito comum, e pode ser vista nos contratos de “terceirização” ou prestação de serviços da maioria das grandes empresas. Como exemplo, podemos citar a Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro – CERJ, que mantém Contrato de Prestação de Serviços n.º 027/SG-J/2000, com a empresa com sugestivo nome de RH Internacional Ltda., cujo objeto é o fornecimento de 61 (sessenta e um) trabalhadores (Cláusula 10ª) para realizar atendimento comercial e recepção telefônica, dentro dos estabelecimentos da própria empresa prestadora de serviços públicos de telefonia, sob o seu comando. Note-se que não há terceirização de serviços, mas somente “alocação” (a expressão é a própria do contrato) de trabalhadores, em quantidade determinada pela CERJ, em cada um de seus estabelecimentos (item 10.1 da Cláusula 10ª) (Inquérito Civil n.º 914/00, PRT 1ª Região). Mantém também a mesma empresa Contrato de Prestação de Serviços n.º 026/SG – J/2000, com a mesma RH Internacional Ltda., tendo como objeto a “alocação” de 60 (sessenta) trabalhadores para a realização de atendimento telefônico, também dentro das cercanias da empresa telefônica. Verifica-se claramente tratar-se de trabalhadores, e não de serviços especializados.

fornecimento

de

A Companhia Siderúrgica Nacional – CSN também realiza esse mesmo tipo de contrato, como, por exemplo, com a empresa ISS Servsystem Comércio e Indústria Ltda., que, sob pretexto de ser sua atividade-meio, contrata, segundo o anexo I do Contrato, 12 (doze) vigilantes para o escritório da CSN em São Paulo, 4 (quatro) ajudantes de serviços gerais para o escritório de Volta Redonda, 1 (um) encarregado para Volta 95

Redonda, 1 (um) conferente para o Setor de Alimentação e outros tantos recepcionistas e “office-boys” (Procedimento Investigatório n.º 463/2000, f. 228). Assim, há a clara contratação de fornecimento de mão de obra, e não terceirização de serviços. Há outras grandes empresas, como a Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A. – Telemar, que preveem, expressamente, no objeto de seus contratos, “o fornecimento de mão de obra”. É o que ocorre no contrato mantido com a empresa Construtel Projetos e Construções Ltda., o qual tem por objeto, segundo a cláusula 1.1, “prestar serviços de FORNECIMENTO DE MÃO DE OBRA”, com alocação de: Técnico Pleno Telecomunicações e Sistema Óptico I – 10 trabalhadores; Técnico Pleno Telecomunicações e Sistema Óptico II – 52; Técnico Júnior Telecomunicações e Sistema Óptico – 12; Atendente de Facilidade – 6; cabista – 6 e auxiliar de cabista – 12 (Inquérito Civil n.º 636/00, PRT 1ª Região). A contratação de trabalhadores por empresa interposta é tão óbvia que a empresa realiza até um pequeno plano de cargos e salários dentro da contratada, talvez baseado em seu próprio plano de cargos. Verifica-se que se trata da atividade própria da contratante, existindo somente a necessidade de pessoal, fornecido pela contratada. A determinação de horário de trabalho também é forma da gestão do trabalho. Aqui só cabe uma exceção: quando a indicação do horário de prestação de serviços corresponder ao horário de funcionamento da empresa, ou o horário em que não haja empregados ou pessoas no local, em caso de serviço de vigilância. Fora desta exceção, é séria indicadora de gestão de trabalho a determinação do horário a ser cumprido por trabalhadores da contratada, demonstrando haver subordinação direta com a tomadora. A realização de horas extraordinárias pelos trabalhadores da contratada, ou a mera disposição destes trabalhadores à realização de serviço extraordinário, por determinação direta da contratante, também é indicativa de gestão do trabalho. A Petrobrás contratou a empresa Medical Care Serviços Ltda., para “prestação de serviços técnicos de enfermagem”, sendo que na cláusula 3.1.1 do anexo III do contrato há a previsão de que “os serviços à bordo deverão ser realizados durante 12 (doze) horas por dia, com intervalo de uma hora para o almoço, ficando as outras 12 (doze) horas à disposição 96

para qualquer chamado” (Inquérito Civil n.º 226/2001, PRT 1ª Região). Ou seja, determinada a jornada do trabalhador contratado por interposta pessoa, dizendo até a quantidade de descanso que ele terá. A Companhia Siderúrgica Nacional, por sua vez, contratou a empresa de infeliz nome Transbraçal Prestação de Serviços, Indústria e Comércio Ltda. (Procedimento Investigatório n.º 463/2000, PRT 1ª Região, f. 276/300 do Vol. II, Anexo I), para realização de “limpeza social e serviços gerais”, determinando que os trabalhadores da contratada realizem “turno XY”: jornada das 07h às 15h, de segunda a sábado, e das 15h às 23h, de segunda a sexta. A previsão contratual de substituição de trabalhadores a pedido da contratante indica a gestão por parte da empresa na execução do contrato. Demonstra, outrossim, a existência de pessoalidade nos serviços, já que a empresa tem a possibilidade até mesmo de escolher os trabalhadores que vão trabalhar no contrato. É o que acontece nos contratos de terceirização da Petrobrás em que os serviços são realizados dentro de seus, onde há cláusula padrão no seguinte sentido: “Providenciar a substituição, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, de qualquer empregado seu, cuja permanência nos serviços contratados seja considerada prejudicial à segurança, qualidade e/ou ao bom andamento dos serviços pela fiscalização, sem quaisquer ônus para a PETROBRAS”. Assim, mantém-se a pessoalidade, sem assumir a responsabilidade do vínculo empregatício. Às vezes, a pessoalidade não se resume à dispensa dos trabalhadores, mas também se verifica pela imposição de requisitos de admissão dos trabalhadores da contratada. Foi o que ocorreu no contrato já citado da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN com a ISS Servsystem, onde há cláusula onde é reservada à contratante a aprovação de “alocação, deslocamento e substituição de pessoal promovidos pela contratada, bem como solicitar, por escrito, em conjunto com a contratante, a substituição do empregado cuja permanência seja considerada inconveniente.” É realmente muito conveniente poder escolher quem empregar e quem demitir, sem nenhum ônus ou obrigações daí resultantes. Pode parecer óbvio (no entanto, ocorre frequentemente nos falsos contratos de terceirização), mas outro fator demonstrador de gestão do 97

trabalho é a submissão dos trabalhadores às instruções de pessoal da empresa contratante. Esta, demonstradora inconteste da subordinação direta, deve ser sempre verificada, e às vezes consta inclusive do próprio contrato de terceirização, podendo ser constatada objetivamente. Destarte, “Se aparece que os assalariados executam as instruções de prepostos da empresa cliente, a operação será requalificada de contrato de fornecimento de mão de obra e declarada ilícita.” (JEAMMAUD ET AL, 2000, P. 347). Como observado no conceito da Consolidação das Leis do Trabalho, empregador é aquele que dirige a prestação de serviços. Assim, demonstrado que a gestão, consubstanciada na direção dos serviços, é realizada por prepostos da empresa cliente, estar-se-á diante de uma mera intermediação de mão de obra. A fiscalização da execução do contrato por parte da contratante também é indicador de intermediação de mão de obra. Referimo-nos aqui à fiscalização da execução do contrato e não da fiscalização finalística, que pode e deve ser realizada pela contratante. Esta fiscalização aqui referida também não se refere à obrigatoriedade de demonstração, por parte da contratada, do cumprimento de obrigações fiscais e trabalhistas, pois estará a empresa tomadora de serviços, assim fazendo, somente se resguardando, devido à sua responsabilidade subsidiária no pagamento dos débitos trabalhistas da contratada. A fiscalização que aqui se aborda é aquela em relação à forma, modo e tempo da execução do trabalho, indicando a determinação por parte da contratante da gestão do trabalho da contratada. A verificação de cumprimento de horário e a submissão às ordens de forma de cumprimento do contrato são formas de fiscalização do trabalho terceirizado que o descaracteriza, demonstrando ser mero fornecimento de trabalhadores. A fiscalização indicadora da intermediação de mão de obra é aquela em que o empregado da contratante “fiscalizador” do contrato na realidade se porta como um superior hierárquico, indicando as tarefas a serem cumpridas pelo pessoal da contratada. Por exemplo, no contrato já citado da CSN com a Servsystem, na cláusula 6ª, com relação à fiscalização, há expressa previsão, no item 6.2.3, do poder da tomadora de opinar, propor modificações e definir prioridades. Ora, a gestão do contrato é totalmente subordinada, não havendo autonomia que indicaria a realização de serviços 98

especializados. A realização de atividade permanente da empresa, seja ela atividademeio ou atividade-fim, dentro de estabelecimento da própria tomadora, é forte indicativo de contratação de mão de obra por empresa interposta. A colocação por tempo indeterminado de trabalhadores dentro de uma empresa indica que esses trabalhadores estarão sujeitos ao controle e direção da empresa tomadora, inserindo-os em seu quadro organizativo, ficando praticamente impossível escapar da subordinação típica do contrato de trabalho, nos termos propostos na 2ª parte do presente trabalho. Além disso, o trabalho ombro a ombro de trabalhadores com estatutos diversos gera incontáveis problemas sociais, como discriminação e segregação social, como será abordado mais à frente. A continuação do exercício das mesmas atividades pelos mesmos trabalhadores quando do fim do contrato indica que este era mera intermediação de operários. Isto ocorreu com a TAM Transportes Aéreos Regionais S.A., que manteve contrato com a empresa JVB Transportes Aéreos Ltda., no qual esta última realizaria todo o serviço de terra necessário para a TAM (Procedimento Investigatório n.º 319/1999). Os empregados da JVB executavam ordens diretamente dadas pela contratante, e utilizavam seus uniformes e insígnias, quando prestavam serviços no Aeroporto Santos Dumont e no Aeroporto Internacional do Galeão, ambos nesta Capital. Outros trabalhadores prestavam seus serviços no escritório da JVB, realizando atividades de promoção e vendas de passagens aéreas do grupo TAM, mesmo local onde a TAM, depois diretamente, continuou a realizar com os mesmos empregados o mesmo serviço. No início do mês de abril de 1998, a TAM firmou acordo com a JVB em que era rescindido o contrato entre ambas desde a zero hora do dia 08 de abril de 1998. Logo nesta data foram informados os empregados da JVB que daquele dia em diante seus contratos de trabalho seriam assumidos pela TAM, por ter ocorrido sucessão de empregadores. A própria TAM assumiu a sucessão em comunicado da própria empresa à INFRAERO, que comunicava “que todos os funcionários da referida empresa (JVB) estarão sendo contratados pelo grupo TAM.”. Os empregados permaneceram executando as mesmas funções, vinculados 99

hierarquicamente aos mesmos empregados, não havendo interrupção do trabalho. Assim, com a continuação da mesma situação, e outros indícios verificados na investigação, verificou-se que o contrato era de mero fornecimento de trabalhadores, ilegal, portanto. O exercício de controle do trabalho realizado por superior empregado da empresa principal também indica fraude. Isso pode parecer também óbvio, mas acontece nas chamadas “terceirizações à brasileira”. Verificou-se em investigações (Inquérito Civil n.º 678/2000) que a empresa Telerj Celular S.A. (Telefonica Celular) manteve contrato com a empresa PERSONALE CONSULTORIA E TREINAMENTO LTDA., prevendo como objeto, em sua cláusula primeira: “1.1 O presente contrato tem por objeto a terceirização de mão de obra, no Estado do Rio de Janeiro, recrutando, selecionando e administrando para a TELERJ Celular.” Demonstrou-se, desta forma, a natureza de uma mistura de “agência de emprego” com “departamento de pessoal”. Porém, nas investigações, foi confirmada a extensão do contrato, servindo para a intermediação GERAL de mão de obra, para QUALQUER atividade que da companhia telefônica necessite. Confirmou a empresa interposta, mediante suas declarações e documentação fornecida com nomes e funções exercidas, o fornecimento de trabalhadores em atividades tão diversas quanto ENGENHEIROS, ECONOMISTAS, TÉCNICOS, OPERADORES DE EMPILHADEIRAS, SUPERVISORES DE SERVIÇO, OPERADORES DE TELEMARKETING E AUXILIARES DE ESCRITÓRIO, todos na atividade-fim da contratante. Constatou-se, outrossim, que o maior número de empregados intermediados são relativos à área comercial da contratante, trabalhando nas lojas pertencentes à própria Telefonica Celular para a comercialização e habilitação de celulares. As lojas, estabelecimentos de propriedade da companhia telefônica, funcionam somente com trabalhadores “terceirizados”, sendo, entretanto, o gerente de cada loja, e “algumas outras pessoas, em cargos mais estratégicos” (IC n.º 678/2000, f. 112), empregados da empresa contratante. No item 3.6 do contrato de “terceirização” fica evidente a subordinação direta dos trabalhadores com a tomadora, conforme já explicitamos 100

acima sobre a fiscalização: “Os empregados do contrato, obedecerão, rigorosamente, todas as normas e regulamentos da TELERJ CELULAR que, inclusive, fiscalizará o cumprimento das mesmas;” Neste caso ora comentado há outra particularidade. A empresa, para repassar a atividade, agiu em duas estratégias nesse caso: uma, terceirizando essas atividades contratualmente, por meio de convênios, onde empresas realizavam autonomamente essas atividades; e outra, em lojas próprias, onde, como afirmado acima, o gerente e algumas pessoas em cargos estratégicos eram empregados da empresa telefônica, e o resto do pessoal era fornecido pela contratada. Verificase, então, que a empresa realizava no primeiro caso a verdadeira terceirização, sendo que no segundo caso há claramente mera intermediação de mão de obra. Este caso comprova que a mesma atividade pode ser objeto de terceirização legítima, bem como de intermediação de mão de obra, dependendo da forma escolhida pela empresa para a sua implantação. Outra forma de gestão do trabalho é a indicação contratual do estatuto jurídico dos trabalhadores que exercerão suas funções no contrato. O Ministério da Marinha, no Diário Oficial da União de 24 de abril de 2001, publicou na fl. 3 da Seção 3 aviso de licitação para a contratação de “serviços de profissionais da área de Saúde (...) através de cooperativas” (Procedimento Investigatório n.º 498/2001, PRT 1ª Região). Demonstrou, com isso, que o que lhe interessa é a prestação de trabalho por profissionais denominados de “cooperados”, que estarão sob o comando da própria Administração Pública. A forma de “trabalho cooperado” foi certamente escolhida devido a não haver, a priori, encargos trabalhistas sobre essa mão de obra, sendo, por conseguinte, mais barata, além de ser mais fácil em uma sociedade sem proprietários colocar os trabalhadores que deseja para realizar o serviço. 2. A Especialização da Empresa Contratada O segundo amplo elemento indicador de existência de mera intermediação de mão de obra, indispensável para a caracterização da verdadeira terceirização, é a especialização da empresa contratada naquela área específica objeto do contrato. Este indicador decorre do 101

próprio conceito de terceirização, que, convém relembrar, é a entrega de serviços a empresa especializada que melhor realizaria aquele serviço, concentrando a terceirizante naquilo que sabe fazer melhor. Mas não basta qualquer tipo de especialização. A empresa contratada tem, conforme Le Goff (2001, P. 156), que deter um saber-fazer específico, distinto daquele que detém a contratante. E esse “know-how” deve ser imprescindível para a realização das tarefas terceirizadas. Como foi observado em julgado da Corte de Cassação Francesa trazido pelo autor supracitado, “a colocação à disposição de uma outra empresa de um pessoal especializado não constitui um aporte de um saber-fazer específico se este último não for distinto daqueles dos assalariados da empresa tomadora.” Assim, se a especialização da contratada equivale à da contratante, que detém em seu quadro elementos tão ou mais especializados nas tarefas contratadas do que aqueles pertencentes ao quadro da contratada, estaremos diante de um mero fornecimento de mão de obra. Da mesma forma, fora de cogitação a legalidade de uma empresa de terceirização que “terceiriza-tudo”. Ora, a empresa que terceiriza serviços de limpeza, portaria, manutenção, “telemarketing”, departamento de pessoal etc., na verdade não é especializada em nada, indicando somente realizar a colocação de pessoal em outras empresas, lucrando com trabalho alheio. Nada mais é do que uma agência de colocação de pessoal, que obtém seu lucro alugando pessoas para prestação de trabalho a outras empresas. Essas empresas de fornecimento de trabalhadores estão se alastrando, enriquecendo-se às custas do suor alheio. Exemplo encontrado em investigações foi a empresa “Principal Distribuidora de Produtos de Limpeza Ltda.” (Procedimento Investigatório n.º 195/2000, Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região), que, segundo propaganda comercial veiculada na televisão no Canal 9 da cidade do Rio de Janeiro (CNT-RIO), é uma organização “especializada” na terceirização de serviços em todas as áreas. Diz a citada propaganda: “PRINCIPAL, uma organização especializada na Terceirização de serviços em todas as áreas de sua empresa, da limpeza à administração predial. 102

Deixe por nossa conta todas as obrigações trabalhistas e fiscais. Anos de experiência treinando profissionais com equipes da mais alta competência". Conforme verificado, a empresa fornece trabalhadores para as áreas de limpeza, recursos humanos, pessoal administrativo, portaria, podendo, como diz a propaganda veiculada, fornecer trabalhadores “em todas as áreas”. Da mesma forma, a obrigação de cumprimento de ordens ou instruções procedimentais indica a existência de fornecimento de mão de obra. Estas instruções procedimentais abrangem cursos sobre os equipamentos a serem utilizados. Isto porque, se deve a empresa contratada seguir instruções procedimentais e receber cursos da empresa sobre o funcionamento do equipamento a ser utilizado, na realidade faltará à terceirizada a especialidade e a técnica exigidas pelo próprio conceito de terceirização. E mais, se está a empresa tomadora de serviços credenciada a dar cursos sobre o equipamento, demonstra que ela é que é especializada para operacionalizar o próprio equipamento, e não outra empresa. Faltaria, então, à empresa contratada, o conhecimento (“know-how”) distinto da empresa cliente, necessário para a caracterização da verdadeira terceirização. A prestação de serviços para um único tomador é um indício de intermediação de mão de obra, pois denota a dependência econômica desse prestador com aquela empresa, podendo ter surgido esta pequena empresa dependente de um ato simulado, onde a empresa tomadora, para se ver livre dos encargos contratuais, forja (e às vezes financia) a formação de “empresas” por seus empregados, para continuarem realizando os mesmos serviços de antes, só que agora formalmente sem a proteção dos direitos sociais. Esta prática é endossada pelos manuais econômicos sobre a terceirização voltados ao empresariado (Leiria, 1993, P. 88 E LEIRIA ET AL, 1993, p. 41) (1). É o que aconteceu na Rio de Janeiro Refrescos Ltda., fabricante do refrigerante Coca-Cola para o Rio de Janeiro, onde a empresa financiou a compra de seus próprios caminhões de distribuição a uma cooperativa formada por seus ex-empregados, que realizavam anteriormente para ela aquele mesmo serviço, continuando a realizá-lo agora sob a forma de prestação de serviços autônomos Inquérito Civil n.º 875/2000, 103

Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região). O pagamento dos caminhões, segundo cláusula dos contratos (IC n.º 875/2000, f. 26/40), seriam realizados mediante “desconto do que deve à PADRÃO-COOP, em razão de contrato de prestação de serviços existente entre as duas”. Ou seja, trabalhariam os cooperados, sendo retidos os seus ganhos para pagamento dos caminhões que seriam utilizados no transporte. Ainda, segundo denúncia anônima (IC n.º 875/2000, f. 143), a fábrica teria montado a cooperativa de trabalho, não pagando as verbas rescisórias dos ex-empregados, agora “cooperados”. 3. A Prevalência do Elemento Humano no Contrato de Prestação de Serviços O outro elemento indicador de intermediação de mão de obra é a prevalência do elemento humano na prestação de serviços. No caso concreto, deve-se verificar se o objeto contratual se satisfaz com o mero emprego de mão de obra, ou se há a necessidade de um conhecimento técnico específico e uma estrutura de apoio operacional com utilização de meios materiais próprios para a execução do contrato. Se, por outro lado, o objeto contratual se encerrar na prestação de trabalho pelos empregados do contratante, estaremos provavelmente frente a uma intermediação de mão de obra. Para a existência de uma verdadeira terceirização é necessária a utilização, por parte da empresa contratada, de meios materiais próprios para a execução do serviço. Se, ao contrário, a empresa contratada utilizar-se dos materiais fornecidos pela empresa contratante, haverá fortíssimo indício de mera intermediação de mão de obra. Por exemplo, se uma empresa terceiriza seu transporte, seja de pessoal, seja para serviço, porém os meios de transporte (ônibus, carros, motos etc.) são fornecidos pela própria empresa, isso indica claramente que o que interessa para a empresa contratante é o trabalho pessoal dos empregados da contratada, que somente serão colocados para a apropriação de seu trabalho pela tomadora. Isto ocorreu com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, que, necessitando de trabalhadores para exercerem as funções de motorista de sua frota de automóveis, celebrou contrato com “Cooperativa” intermediadora de mão de obra, “para prestação de serviços de condução de veículos da frota do IBGE na Administração 104

Central, através de 15 (quinze) profissionais devidamente habilitados para condução de veículos utilitários (...)” (Inquérito Civil n.º 589/2001, Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região). Indicou inclusive, na mesma cláusula, que os trabalhadores deveriam exercer suas funções de segunda a sexta-feira, das 08 horas às 17 horas, com 1 (uma) hora de intervalo para o almoço. Evidente a mera alocação de trabalhadores para burla do concurso público. (2) Neste caso citado, a própria denominação da contratada já demonstra por si só a inexistência de especialização: “COOPCEL – Cooperativa de Trabalhos Múltiplos de Mão de obra Especializada ou Não Ltda.”. Se a remuneração do contrato for baseada em número de trabalhadores que serão postos à disposição, e seus respectivos salários e demais encargos sociais, estará mortalmente desvirtuada a terceirização. Com efeito, a terceirização deve ser tida como um repasse de uma atividade autônoma, que, mais do que uma mera relação com fornecimento de trabalhadores, tem um custo relacionado com toda a atividade empresarial da contratada. Assim, um serviço realmente terceirizado será baseado em valores de mercado, pois, além de seus empregados que utilizará na prestação dos serviços, serão também empregados o “know-how” e toda a estrutura operacional, além dos meios materiais para a execução do contrato, sem falar nos outros custos que serão agregados. O simples cálculo com base em número de trabalhadores indica que o contrato é de fornecimento de mão de obra, e não uma verdadeira terceirização. É esta a doutrina de Lima Teixeira (SÜSSEKIND ET AL, 2000, p. 2810), ao afirmar que “O contrato por administração, ou cost plus bem pode disfarçar a relação de emprego. A própria estrutura desse contrato supõe o reembolso pelo contratante de salários, encargos e demais custos incorridos pela empresa contratada na consecução do serviço pactuado. Sobre o montante reembolsado recai o percentual da taxa de administração, isto é, a remuneração da empresa contratada, que, em consequência disto, passa ao largo dos riscos inerentes à atividade econômica. (...) Se além dessa gênese contratual receptiva à simulação do elo empregatício, emergir da realidade que a empresa contratante dirige a prestação pessoal de serviços dos empregados da empresa contratada, alocados em atividades normais e permanentes daquela, 105

eclode, com nitidez vítrea, o simulacro para acobertar o contrato de trabalho. Desvaliosa a interposição da empresa contratada, mera testade-ferro, autêntico biombo para formalmente confundir a real natureza do laço contratual.” A concessionária de serviço público Telemar firmou contrato (Inquérito Civil n.º 226/2001, PRT 1ª Região) com a empresa Guinada Consultoria Ltda., para prestação de “serviços de elaboração de projetos executivos de rede externa (...), com alocação de 50 (cinquenta) postos de serviço, sendo 11 (onze) projetistas I, 22 (vinte e dois) projetistas II e 17 (dezessete) projetistas III”, sendo determinado o preço do contrato por posto de serviço, discriminado objetivamente no contrato: “projetista I – R$ 2.304,44; projetista II - R$ 3.401,66; projetista III – R$ 4.133,44”. Em alguns contratos há até a previsão de pagamento a maior do valor contratado, em caso de realização de horas extraordinárias pelos empregados. Ora, se o serviço fosse contratado autonomamente, o risco do negócio caberia ao contratado, logicamente, então não haveria que se falar em pagamento pela contratante de horas extraordinárias realizadas pelos empregados da contratada. Outro indício de existência de intermediação de mão de obra é a permanência de trabalhadores trabalhando quando do fim de um contrato com determinada empresa prestadora de serviços e contratação de outra empresa. Acontecendo isso, ficará provada a pessoalidade e a subordinação desses trabalhadores, já que ficará provado que o conhecimento dos trabalhadores é mais importante do que qualquer “savoir-faire” empresarial, sendo indispensáveis, então, esses trabalhadores para a estrutura da empresa. A permanência do trabalhador em mais de um contrato, realizando o mesmo trabalho nas mesmas funções na tomadora de serviços, por empresa contratada diversa, indica clara e obviamente a existência da pessoalidade naquela prestação de serviços, indicando a fraude da contratação por empresa interposta. Isso ocorre em quase todos os contratos de prestação de serviços com órgãos públicos e empresas públicas, nas atividades de limpeza e conservação e portaria, onde as empresas contratadas se sucedem, permanecendo, porém, os mesmos trabalhadores, executando as mesmas funções. Isso se dá pela necessidade da realização de licitação, 106

onde a administração pública não pode escolher a prestadora, nem a continuação da prestação de serviços pela prestadora que vem atuando perante ela. Assim, geralmente a vencedora de uma licitação nem sempre consegue vencer a subsequente. Seja pela confiança gerada pelos antigos trabalhadores, ou pelo conhecimento prático adquirido, é desejável ao administrador a permanência dos trabalhadores do contrato anterior. Destarte, tais trabalhadores são, geralmente, contratados pela nova empresa vencedora da licitação. Tal prática, de fato corriqueira em nossos órgãos públicos, gera grandes prejuízos aos trabalhadores, pois, em geral, ao serem dispensados pela empresa que anteriormente executava o contrato, não recebem as verbas rescisórias, sendo às vezes obrigados a pedir demissão, ao invés de serem realocados em outros contratos da antiga intermediadora. Isto ocorre, pois, para vencer as licitações, são simplesmente ignorados os custos de dispensa dos trabalhadores, e, como em geral tais empresas não são detentores de patrimônio razoável, não detêm essas prestadoras de serviço de numerário para a realização desse pagamento (ou mesmo não lhes convêm realizar o pagamento, já que deverá ser retirada tal verba do lucro obtido com o contrato). A empresa Jet Rio Transportes Ltda., que prestava serviços de transporte de empregados, para a Petrobrás, ao perder uma licitação de renovação do contrato, para uma empresa pertencente à mesma família (Turismo Cruzeiro do Sul), ofereceu aos seus empregados que assinassem o termo de rescisão do contrato de trabalho, sem, porém, receberem nenhuma parcela, com a anuência do Sindicato da categoria, sendo então admitidos na nova vencedora da licitação, continuando a realizar as mesmas funções que antes, sendo burlados, no entanto, em suas verbas rescisórias, com exceção da multa rescisória de 40% do saldo de FGTS, que por lei deve ser depositada em instituição bancária, não tendo a empresa como fugir de seu recolhimento (Inquérito Civil n.º 006/00, PRT 1ª Região, originado da Ação Trabalhista n.º 1330/99, que teve curso na 3ª Vara do Trabalho de Duque de Caxias - RJ). Mas também na iniciativa privada ocorre esse tipo de continuação de labor por diversas empresas, permanecendo no mesmo local de trabalho e exercendo sempre as mesmas funções. O varejista Carrefour tem esta prática em filial no Rio de Janeiro, com relação ao que 107

denomina de “promotores de vendas”. Por força de negociações de fornecimento de produtos, o grande varejista negocia com o atacadista para que este forneça trabalhadores para realizar, nas dependências do supermercado, reposição de mercadorias, e outras tarefas segundo o interesse do varejista. Foram encontrados casos similares, em que empregado contratado pela Arisco, estava movimentando, em uma filial do supermercado, mercadoria da EBB produtos, afirmando este trabalhador que movimenta qualquer mercadoria, de qualquer marca da seção que trabalha, por ordem do Carrefour. Tal afirmação foi realizada unanimemente por todos os chamados “promotores de vendas” (Inquérito Civil n.º 035/00, PRT 1ª Região). Outro trabalhador, contratado pela Quaker, através de “terceirização em cascata” realizada com a agência Nifty, já vinha executando as mesmas tarefas no mesmo estabelecimento varejista há mais de 5 (cinco) anos, contratado por empresas diversas, como Perdigão, Gillette e Lacta, bem como outro, contratado como se fosse pelos produtos Paquera, trabalhando há 06 (seis) anos na mesma loja Carrefour, executando as mesmas tarefas, tendo sido contratado antes pelas empresas Tarumã, Banana Capixaba e outras (IC n.º 035/00). Outro indício de intermediação seria a existência de exigências pessoais quanto aos trabalhadores da contratada. Na Petrobrás há caso interessante, em que em contrato com a empresa Sextante Reparos Navais Ltda., foi exigido a esta, no anexo VI, denominado “qualificação de pessoal”, item 2.2, que “os candidatos devem se submeter à prova escrita de conhecimentos teóricos e prova prática, com base no programa de treinamento/padrões específicos” (Inquérito Civil n.º 226/01). Ou seja, a tomadora de serviços exige que a terceirizada realize concurso, com base em documento de programa de treinamento/padrões específicos da própria contratante, para a escolha de seus empregados. Assim, demonstra que na verdade o que interessa para ela são os empregados da contratada, e não a especialidade desta. Neste mesmo contrato, exige a Petrobrás que os empregados, para determinadas funções, tenham escolaridade tal e determinada experiência profissional, como por exemplo, ajudante de movimentação de cargas: 1º grau completo, com 02 anos de experiência na função. Ter ainda experiência mínima de 02 (dois) anos como marinheiro de convés, no caso de plataformas de produção e armazenamento. Demonstra-se, assim, a natureza de 108

“agência de emprego empregadora” da empresa terceirizada. No mesmo contrato, verifica-se em outras cláusulas a pessoalidade, como na que exige que “o pessoal técnico deverá possuir comprovada competência em sua especialização, devendo a contratada submeter à Petrobras os respectivos “curriculum vitae”.” (Cláusula 3.10.3 do contrato, IC n.º 226/01). Curriculum Vitae é um documento pessoal de cada trabalhador, que somente interessa ao empregador quando da decisão de contratação, não sendo material que possa ser exigido a sua submissão prévia em uma terceirização, indicando tratar-se de mera intermediação de mão de obra. Feita esta exposição, podemos afirmar que esses são os critérios propostos para a diferenciação entre a verdadeira terceirização de serviços e a mera intermediação de mão de obra. NOTAS: (1) Aconselham os autores: “Mas existem casos em que não é possível encontrar no mercado parceiros, principalmente quando a atividade faz parte de um processo de produção muito específico. A saída, então, encontra-se no investimento (sic) em novos empreendedores que podem ser escolhidos dentro do próprio quadro de funcionários.” (2) Note-se que, neste caso, nada impediria da contratante realizar um contrato com empresa especializada em transportes, para a realização autônoma da atividade de transporte, com meios materiais e gestão do trabalho próprios.

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TERCEIRA PARTE INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA E TRABALHO Demonstrada a diferenciação entre a terceirização e a intermediação de mão de obra, e verificada a utilização desta última em larga escala no Brasil, deve-se passar à análise do que isto acarreta para o mundo do trabalho. No primeiro capítulo será exposta a incompatibilidade da intermediação de mão de obra com o próprio sistema protetor trabalhista, podendo ocasionar-lhe até mesmo uma ruptura, caso seja legalizada esta forma de organização do trabalho. O segundo capítulo aborda e exemplifica os casos de precarização do trabalho humano acarretada pela terceirização como intermediação de mão de obra. Por fim, no terceiro capítulo desta parte, analisaremos a interface da intermediação de mão de obra com a exclusão social, por sua característica eminentemente segregadora e discriminatória.

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Capítulo I. A intermediação de mão de obra como causa de ruptura no sistema trabalhista “A tua piscina tá cheia de ratos Tuas ideias não correspondem aos fatos O tempo não pára Eu vejo o futuro repetir o passado Eu vejo um museu de grandes novidades O tempo não pára “ (Canção “O tempo não pára”, Cazuza) “Quero trabalhar em paz. Não é muito o que eu lhe peço Eu quero trabalho honesto Em vez de escravidão. Deve haver algum lugar Onde o mais forte Não consegue escravizar Quem não tem chance.” (canção “Fábrica”, Renato Russo)

Às vezes um edifício tomba por infiltrações de água, que acabam por abalar sua estrutura. Outras vezes, esse edifício, por maior que seja, é derrubado por um forte golpe que destrói da mesma forma sua base estrutural (1). Do mesmo modo acontece com o edifício do Direito do Trabalho, que vem sendo arruinado, tanto por infiltrações, quanto por tentativas de fortes golpes. E a intermediação de mão de obra pode ser tida tanto como infiltração 111

quanto por golpe, já que ao mesmo tempo em que vem tendo enorme utilização, mesmo à margem da lei, pode a qualquer momento, dadas as inconsequentes tentativas no âmbito governamental de destruição do Direito do Trabalho, ser legalizada. Neste capítulo analisamos como a estrutura desse prédio pode ruir, quais as consequências para os habitantes desse edifício, e qual o futuro da proteção social frente a esse fenômeno que, disfarçado de modernidade,

pode

ensejar

a

desproteção

dos

trabalhadores,

principalmente aqueles em postos que necessitem de menor qualificação, ou seja, daqueles que mais precisam da proteção contra o “dumping social”. 1. A Ruptura do Sistema Trabalhista A intermediação de mão de obra, indubitavelmente, causa séria e grave ruptura no sistema jurídico-trabalhista. Isto se deve ao fato de que todo esse sistema é baseado nas figuras empregado-empregador. E essa relação não é uma abstração ideológica. Ela é, segundo a classificação elaborada por Michel Miaille (1989, P. 48-50) (2), uma abstração científica, que surge baseada em fatos sociais, sendo imprescindível para a compreensão do mundo atual a verificação da existência na realidade social dos dois polos clássicos: capital e trabalho. A luta de classes é uma abstração científica, seja da Ciência Jurídica ou Social, e aparece no Sistema Capitalista em que vivemos como sua própria base, devido aos interesses antagônicos óbvios e incontroversos. A história e o papel do Direito do Trabalho é de amenização dessa luta, de concessão de vantagens e defesas ao trabalho para a sua convivência pacífica com o capital e diminuição do antagonismo. Não se pode simplesmente negar a existência do conflito, e não se pode acabá-lo excluindo a figura do empregador, colocando um intermediário, ou até vários, entre os dois polos sociais. A relação empregado-empregador, que tem por base as definições dadas pela lei a esses atores, é de vital importância para o Direito do Trabalho, e a negativa de sua existência impõe a esse ramo gravame que talvez não possa ser suportado. 112

Tal assertiva é provada pelo fato de que a Consolidação das Leis do Trabalho, em vários pontos, atine para fatores pessoais e subjetivos na condução da relação trabalhista. A confiança, por exemplo, é a base do contrato de trabalho, como ensinam os mestres nas cátedras de Direito do Trabalho em todo o mundo. A possibilidade de escolha do empregador destrói o elemento confiança e a pessoalidade no contrato de trabalho, simplesmente anulando toda a estruturação do Direito do Trabalho, prevista no título I da Consolidação das Leis do Trabalho. Ora, para que servirão, então, os artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, e as definições legais dos agentes sociais, se for possível a sua completa anulação por meio da intermediação de mão de obra? O sistema inteiro protetor ruirá, pois sua base foi retirada. Com isso, finda também a eterna discussão residente no Direito do Trabalho sobre a natureza jurídica do vínculo entre o trabalhador e o empregador. Existem duas grandes correntes neste sentido, uma contratualista e a outra anticontratualista, ou institucionalista. A primeira, mais antiga, concebe o trabalho como mercadoria e sujeita o valor do salário à lei da oferta e da procura. Nesta corrente figuravam vários juristas, entre eles Pothier, Troplong, Laurent, Marcade, Baudry e Kahl, Chatelain, Bureau, Carnelutti, Pantaleoni (NASCIMENTO, 1992, p. 278-279). Contudo, com o avanço do Direito do Trabalho, e a percepção que o trabalho humano não poderia, nem deveria ser assemelhado a uma mercadoria, construiu-se a teoria anticontratualista. Dentre as noções de relação de trabalho trazidas pelos autores pertencentes a essa corrente, existem algumas que chamam a atenção, como a de Wolfgang Siebert (apud NASCIMENTO, 1992, P. 291), que afirma ser “uma relação entre um membro jurídico pessoal e a comunidade de exploração, fundamentada pela sua incorporação ou inclusão nessa comunidade, pressupondo, todavia, um certo acordo de vontades sem força suficiente para transformá-la em contrato”. Verifique-se a sensibilidade inclusionista existente no conceito, o que se está destruindo com a intermediação de mão de obra. 113

De uma forma ou de outra, os modernos doutrinadores trabalhistas adotam a noção anticontratualista, como Mario de La Cueva, Maurice Hauriou, dentre outros. O surgimento dessa grande corrente foi um avanço, passando a tratar o trabalhador como sujeito, uma pessoa, e reconhecendo no trabalho a sua dimensão pessoal. Como diz Supiot (1994, p. 98), “ao lugar de ser apreendido como uma coisa, uma mercadoria, o trabalho se encontra então percebido como a expressão da pessoa do assalariado, isto é, como uma obra.” Com a intermediação de mão de obra, volta o vínculo trabalhista a ter nítida feição contratual simples, troca e venda pura (ou aluguel), pondo por terra com todo o aperfeiçoamento no entendimento sobre o trabalho humano. A subordinação jurídica, chamada por Dominique Méda como “coeur du travail salarié” (coração do trabalho assalariado) (MÉDA, 1995, p. 145), fator da distinção da relação trabalhistas das outras relações jurídicas, juntamente com os seus suplementos, como a ausência da assunção dos riscos da atividade econômica, também deixa de ser aplicável. Como demonstra Supiot (1994, p. 113), “a caracterização da submissão do trabalhador à autoridade do empregador constitui assim a característica ‘essencial’ do contrato de trabalho. (...) À perspectiva funcional e indutiva do ajuste da noção de contrato de trabalho às necessidades de proteção é preferida uma perspectiva formal e dedutiva, que fez derivar a qualificação do contrato pela constatação da submissão de uma parte às ordens da outra ”. Ora, se a relação de trabalho era verificada, de pronto, objetivamente, com fim de proteção aos trabalhadores, com a somente constatação da submissão às ordens de outro (característica da subordinação), a intermediação de mão de obra, na qual as ordens são dadas por outrem que não é o empregador formal, simplesmente aniquila e torna sem efeito essa característica do contrato de trabalho. O que dá ordens não é seu patrão, e seu patrão não te dá ordens, causando um paradoxo às vezes incontornável (RÜDIGER, 1999, p. 120). Todo o Direito do Trabalho Protetor está a perigo, partindo desse ponto de vista, pois seu “coração”, o seu motor, aquilo que o faz continuar a respirar, está sendo sufocado. Assim, descartada a subordinação jurídica (pelo menos da parte de 114

obrigações do empregador, cuja hierarquia e cumprimento de ordens ainda é exigida), tratado o trabalho e o trabalhador como mercadoria e desconectada (ou simplesmente olvidada) a relação real, não ficcional, entre o dador de trabalho e o trabalhador, está prestes a ruir o edifício do sistema protetivo trabalhista. 2. A Nova Mercantilização do Trabalho Humano A Declaração de Filadélfia de 1944, que trata da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, traçando os princípios de seu funcionamento e de tratamento do trabalho no mundo civilizado, propõe como seu primeiro princípio que “O trabalho não é uma mercadoria”. Desta forma, a própria Organização Internacional do Trabalho coloca, como ponto inicial, e, portanto, como base para a proteção do trabalho o seu trato não como uma mercadoria. Com a intermediação de mão de obra, de uma vez por todas, é tratado o trabalho não mais como uma relação, mas sim como uma mercadoria, a ser vendida pelo preço de mercado, posição aviltante em que, transformado em mercadoria sabidamente abundante e descartável, pode chegar a limites extremos de valorização ínfima. E tal tratamento do trabalho humano não é coincidência. Esta é a ideologia da “Terceira Via”, como afirma Richard Sennett (apud ASKONAS; STEWART, 2000, p. 286), que trata o trabalho como mercadoria, ou “brand”, na linguagem neoliberal (apud ASKONAS; STEWART, 2000, p. 286). Citando o sociólogo Gary Becker, afirma o sociólogo inglês que as instabilidades da organização flexível deixam explícito o caráter meramente contratual (apud ASKONAS; STEWART, 2000, p. 282), no sentido não-relacional, como se compra um pacote de arroz em um supermercado. O trabalho humano deixa de ser uma relação jurídica interpessoal, e passa a ser igualado a um contrato de compra e venda, ou aluguel, como se discutia há uma centena de anos atrás. A intermediação de mão de obra é uma nova forma de exploração do trabalho humano, com feição pós-moderna, mais adequada aos dias de hoje, além de muito mais interessante do que as formas anteriores de exploração, até que a escravidão do século XIX. De fato, esta exploração aparece hodiernamente de forma muito mais vantajosa aos exploradores da mão de obra, pois agora, ao invés de 115

vendê-los, os intermediadores de mão de obra alugam os trabalhadores, pelo melhor preço do mercado, simplesmente substituindo-os quando não mais servirem ao tomador da mão de obra, ou mesmo ao próprio intermediador. Sempre, desde o início da História, a subjugação do homem pelo próprio homem teve aparentes aspectos de evolução. Entretanto, se olhado mais de perto, verifica-se que o que há é a mera adaptação às condições conjunturais históricas, com a utilização pela classe dominante do melhor que cada época podia oferecer. Assim ocorreu na troca de escravos por servos da gleba na Europa, como nos conta Domenico de Mais (1999, p. 87), onde a mudança para o sistema servil, além de ser humanitariamente e religiosamente mais interessante, era financeiramente muito melhor. E o controle sobre os seres humanos explorados continuou o mesmo. Na nova exploração do Século XXI, o trabalho novamente é mercadoria, qual na escravidão, porém agora livre, o que é fundamentalmente melhor, pois isento de culpas morais e religiosas, implementado sob a regência de uma aparente regra moderna de normal funcionamento de mercado (a famosa “lei do mercado”), e incrivelmente mais vantajoso financeiramente para quem lucra com os frutos do trabalho, ou seja, o tomador de serviços, bem como para o intermediador, pois, na nova exploração, ao invés de vender os seus trabalhadores, como ocorria no século XIX, é prolongada no tempo a exploração, passando o intermediário a alugar os braços dos trabalhadores disponíveis a quem se dispõe a pagar um preço razoável. Descartáveis para os tomadores, que, conforme vimos pelos contratos citados, podem ser dispensados sem ônus para os contratantes, os seres humanos trabalhadores são descartáveis também para o intermediador, que sempre encontrará no mercado outros tantos trabalhadores dispostos (lembre-se do exército industrial de reserva, figura tão atual) a cederem sua força laboral para serem alugadas. Por uma módica indenização (que na maioria das vezes é sonegada aos trabalhadores, seja pela própria insolvência da maioria dos intermediadores, seja pelos meios jurídicos que encontra para não pagá-la, como acordos espúrios na Justiça do Trabalho, ou engodos como as Comissões de Conciliação Prévia), pode o intermediador se desfazer do trabalhador, colocando outro no seu lugar. Essa exploração, por parte do tomador de serviços, é bem mais vantajosa do que a escravidão, pois, se naquela devia manter o 116

trabalhador com casa, comida, arcando com todos os custos quando este adoecia e correndo os riscos desse vir a falecer ou ficar velho e ver seu investimento escoar, agora paga um aluguel fixo pelo número de braços que deseja, sendo que os riscos do negócio são repassados do tomador de serviços para outros: em pequena parte para o intermediador e em grande parte para o próprio trabalhador. O real empregador já não tem que sustentar o trabalhador, somente pagar um preço fixo, idealizado pelo “livre mercado”. Quando o trabalhador adoece ou simplesmente aborrece o tomador dos serviços, este requer sua imediata substituição, por outro, talvez mais jovem e mais disposto à submissão às ordens patronais. Além disso, não fica o capital “empatado” no trabalhador, podendo ser utilizado em outros investimentos. Por qualquer modo que se vê, a nova exploração é mais lucrativa para o tomador de serviços. Isso demonstramos ao fazer comparação com a mais cruel forma de exploração que já presenciamos, que é a escravidão. Se comparada com o trabalho em termos institucionais, pela busca da cidadania por meio do trabalho, com a participação do trabalhador na vida da empresa, a intermediação da mão de obra toma requintes de atraso incomensurável em termos de ganhos sociais. Assim, a troca da relação empregatícia predeterminada pela lei pela livre intermediação de mão de obra e fornecimento de trabalhadores, inauguraria um novo tempo no trabalho, sem dúvida mais vantajoso para os tomadores do serviço, e muito mais degradante para os que alugariam a força de suas mãos e o suor de seus rostos. 3. A Fragmentação do Sistema de Proteção Social Como afirmava Evaristo de Moraes, já em 1905, “A burla do trabalho livre, unida à desenfreada concorrência industrial, criou, para o operariado moderno, situações novas de desespero e de sofrimento, despertou nêle ânsias tremendas, levantou problemas cada vez mais pungentes, e que, por tôda parte, reclamam solução pronta. O espetáculo dessa luta de classes é muito do nosso tempo, não se lhe encontra similar em outra época da vida coletiva do homem; resulta dessa famosa expansão fabril e manufatureira, que faz o encanto dos economistas clássicos e que, entretanto, exige do trabalhador o supremo sacrifício do seu último 117

esforço, o depauperamento de todo o sangue, a destruição de todo o músculo, para dar-lhe, em troca, o direito de viver mal – apenas viver, mantido pelo salário-mínimo!” (MORAES, 1971, p. 25). Apesar de já ter se passado uma centena de anos, parece ter sido escrita essa afirmação ainda hoje! No entanto, pela análise dessa obra, primeira pátria sobre a necessidade da existência de proteção sobre os contratos de trabalho, extrai-se que a troca da liberdade contratual do trabalho, por uma liberdade assistida de trabalho, foi a base para a criação do Direito do Trabalho. A razão pela qual existe o Direito do Trabalho é justamente essa, a retirada do caráter de mercadoria do trabalho humano, e sua regência por normas cogentes, indisponíveis pelas partes contratantes, como o Código do Consumidor ou as regras de Direito de Família. Evaristo de Moraes, na obra citada a todo o tempo demonstra a impossibilidade de regência do trabalho humano por regras comuns de Direito Civil. A escolha do empregador (que por meio da intermediação do trabalho praticamente declara a inexistência ou anulação desse ator) é o primeiro passo para a destruição das leis do trabalho e todo o sistema protetivo estatal, e a porta aberta à entrega do trabalhador às livres leis de mercado, e a volta à regência do trabalho pelo Direito Civil. Uma vez permitida a intermediação de mão de obra, como pretendem inclusive projetos em andamento no Congresso Nacional, quebra-se o liame empregado-empregador, derrubando com ele todas as garantias conquistadas pelo trabalhador, pois quebrada toda a espinha dorsal e a razão de ser do próprio Direito do Trabalho. Além disso, de nada valeria ter direitos, se não há quem idôneo os implemente e/ou assegure, além do que poderiam ser-lhe impostos a modificação da natureza da relação ou mesmo a identidade do empregador formal, contra a sua vontade e contra a própria realidade. A possibilidade de burlas é infinita se assim ocorrer, como já podemos ver na atualidade. O caso mais escabroso de intermediação de mão de obra, e que demonstra a possibilidade de erosão de todo o sistema protetivo, é o das cooperativas de fornecimento de mão de obra. Contrariamente a todo o sistema trabalhista pátrio, tentam essas 118

fornecedoras de trabalhadores praticar o livre mercado no trabalho humano, entregando trabalhadores a empresas por preços de mercado, estando essas pessoas entregues à própria sorte, sem a garantia de quaisquer direitos mínimos trabalhistas. Apoiam-se tais intermediadoras de mão de obra no parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, que, segundo elas, permitiria a sua atuação como “gatos”, e excluiria qualquer tipo de vínculo empregatício existente entre os trabalhadores intermediados e os tomadores de serviço. Trata-se, porém, de nítida fraude e que não tem abrigo no sistema jurídico nacional. Isto porque tal artigo deve ser entendido não isoladamente, mas em consonância com toda a lei em que está inserida, e com as próprias normas constitucionais que tratam do Direito do Trabalho. Primeiramente, não seria constitucional uma norma que, inserida em texto de legislação ordinária, pudesse revogar todo o sistema de proteção social exposto no art. 7º da Constituição Federal. Segundo que, o art. 9ª da própria Consolidação das Leis do Trabalho declara como nulo os atos que tenham por fim justamente eliminar as proteções das disposições daquela legislação trabalhista. Desta forma, com a intermediação de mão de obra, o vínculo, desde que existentes os requisitos da relação trabalhista, é tomado com o real empregador, o tomador de serviços. Na verdade, a inserção desse artigo no bojo da Consolidação das Leis do Trabalho se deu por projeto do Partido dos Trabalhadores, que estava preocupado com as constantes reclamações trabalhistas que estavam sendo ajuizadas por trabalhadores rurais assentados pela Reforma Agrária em face das Cooperativas de Produção Rural aos quais eram associados. Verifique-se que não eram cooperativas intermediadoras de mão de obra, e sim cooperativas de produção e trabalho, nas quais o resultado da produção era mais bem gerenciado e comercializado em proveito comum dos trabalhadores-produtores. Nesses casos, não havia mesmo vínculo empregatício, pois não existia relação de emprego entre os associados e a cooperativa, nem entre os associados e os compradores de sua produção. Entretanto, a lei mal compreendida tem causado estragos com relação aos direitos dos trabalhadores, que, por 119

ineficiência do Poder Judiciário Trabalhista pátrio e falta de compreensão deste da Defesa Coletiva de Direitos, tem grassado esse falso cooperativismo de forma assustadora em nosso País, chegando a números milionários os trabalhadores submetidos a esse tipo de precarização do trabalho humano. Esse exemplo é o maior que se pode dar sobre o perigo para o sistema protetor trabalhista que é a intermediação de mão de obra. Inclusive, no bojo dos defensores desse falso cooperativismo, que de cooperativo não tem nada, ressalta-se frequentemente a dispensabilidade da proteção estatal do trabalhador, e que esse trabalhador tem que ser emancipado, e tratado com um adulto capaz cuidando de seus próprios interesses. Não há como enganar ninguém nesse ponto. O trabalhador é e sempre será a parte fraca da relação entre trabalhador e empregador. Por mais educação e por mais preparo cultural que aquele detenha, a sua posição sempre será de inferioridade. Não uma inferioridade pessoal, cultural ou de raciocínio, e sim uma inferioridade relacional, ou seja, enquanto sujeito daquela determinada relação jurídica. Isto porque, na posição de trabalhador, é necessidade vital a conquista ou permanência no trabalho, por fatores óbvios de sobrevivência. É falaciosa a independência ou autonomia do trabalhador, conquistada ou concedida. Ele sempre será dependente do empregador, no sentido de que não pode prescindir daquele trabalho para sua sobrevivência e de sua família. Alegam não somente os defensores do cooperativismo, mas também os incentivadores da flexibilização do trabalho e da volta de sua regência pelas leis do mercado de que os trabalhadores já podem ser “emancipados” da proteção, que não são incapazes. Incapazes não são, são na verdade sujeitos em situação especial dentro de uma relação jurídica. Alega-se, também, o excesso de proteção estatal na ordem jurídica trabalhista, mas aplaudem a defesa do consumidor, com gama infinita de proteções inspirada no direito do trabalho, chegando inclusive a se aperfeiçoar essa rede de proteção. Ninguém fala que o consumidor deve ser emancipado, que é um ser humano plenamente capaz. Pois este está, da mesma forma que o trabalhador (talvez até menos), em posição desfavorável em uma relação jurídica. 120

Na época em que vivemos, mais até do que em qualquer época, está o empregador em posição de exigir o máximo de esforço dos trabalhadores pelo mínimo de retribuição. Isto, pois, o exército de reserva grassa, principalmente, mas não somente, para os postos de trabalho desqualificados. Além disso, o poder do capital está mais forte do que nunca, já que mais organizado e concentrado, além de existir uma revolução tecnológica que elimina postos de trabalho. E como afirma Pochmann, “as inovações tecnológicas se fazem acompanhar de um cenário de baixas taxas de crescimento econômico, com desregulada concorrência e profundas incertezas na economia mundial. (...) A redução quantitativa e as transformações qualitativas no mercado de trabalho interno nas grandes empresas (redução de hierarquias, novas formas de gestão de pessoal e de relações de trabalho) contribuem ainda mais para tornar abundante a força de trabalho.”(POCHMANN, 1999, P. 18). O poder do empregador é infinito, havendo por encontrar, para os postos de trabalho menos qualificados, pessoas que aceitem trabalhar sob nenhuma proteção com valores ínfimos, fazendo, em pequena escala, o que se chama de “dumping social”. Para se ter uma ideia desse poder, tomemos um exemplo simples. A Zona Sul do Rio de Janeiro, onde habitam aproximadamente 2 (dois) milhões de pessoas, é dominada por somente três grandes redes de supermercado. Se um trabalhador de supermercado entrar em conflito com sua empregadora, por negativa de submeter-se a qualquer imposição ou regra que o desagrade, terá a chance de encontrar emprego em somente mais duas empresas, pois a porta estará, talvez para sempre, fechada em uma rede. Assim, a possibilidade de ver escoando suas chances de arrumar um emprego em sua área é cada vez maior. Se esse setor, por exemplo, utilizar-se de sistema de lista negra, onde o trabalhador que tiver algum problema jurídico com alguma empresa do ramo, este terá o emprego negado.(3) Portanto, a necessidade do sistema protetor trabalhista atualmente permanece, tornando-se até imprescindível para não ocorrer o retorno à submissão total do trabalhador. Como já citado acima, Supiot nos mostra que a existência da subordinação jurídica e a imposição de regras objetivas de determinação dos atores da relação de trabalho não foram por acaso. 121

Assim ocorreu por motivos de proteção do trabalhador, que poderia, a qualquer momento, ser-lhe imposto situações formais que não compreenderiam à situação real. Destarte, a possibilidade de eliminação dessas regras objetivas de determinação dos atores acaba por invalidar todo o sistema protetor trabalhista, que é realmente a intenção e propósito do movimento neoliberal. Discutindo a terceirização, e verificando a utilização danosa desta para com o sistema protetor trabalhista, Ângela Borges e Maria da Graça Druck realizaram a seguinte crítica: “Com efeito, a forma que vem assumindo esse processo (de terceirização), bem como as consequências negativas que ele engendra sobre o mercado de trabalho, evidenciam a fragilidade da regulação (nos planos jurídico, político e institucional) do uso da força de trabalho pelo capital, no Brasil. Com isto, expõe a incapacidade do Estado Brasileiro para proteger, minimamente, os

trabalhadores

dos

padrões

de

exploração adotados pelo capital que, neste âmbito, goza de quase absoluta liberdade.” (BORGES; DRUCK, 1993, p. 41) Assim, mesmo sem descerem a detalhes, demonstram as autoras a possibilidade, para elas já ocorrente, de quebra do sistema protetor trabalhista. Observada, desta forma, a fratura no sistema jurídico trabalhista nacional causada pela intermediação de mão de obra, ocasionando a entrega do trabalho ao capitalismo avançado, e o trabalhador pátrio ficando entregue à mercê do poder do “livre mercado”. NOTAS: (1) Como vimos no recente e trágico episódio de 11 de setembro de 2001, onde duas aeronaves sequestradas por terroristas acabaram por derrubar as duas torres do World Trade Center, que eram então os maiores edifícios da metrópole de Nova Iorque – EUA. (2) O autor explica existir dois tipos de abstrações: uma, que a denomina de ideológica, cujo objeto consiste numa representação das coisas, e outra denominada de científica, cujo objeto consiste numa explicação, baseada em conhecimentos científicos, apropriando-se intelectualmente de um fenômeno, com o fim de melhor pensá-lo. (3) Esse sistema de lista negra é muito comum, mais do que se imagina. 122

Em São Paulo, foi descoberta uma empresa que fornecia, em CD-ROM, lista de empregados que acionavam empresas na Justiça. Na Procuradoria do Trabalho do Rio de Janeiro, várias são as denúncias sobre essa situação, tendo uma inclusive em face do Clube dos 13, entidade associativa de clubes de futebol, que teriam firmado um acordo em que não contratariam jogadores de futebol que entrassem com ação na Justiça Trabalhista para requerimento de passe em face de outro clube associado à mesma entidade. Hoje é proibida a consulta processual pelo nome do trabalhador.

123

Capítulo II. A intermediação de mão de obra como precarização do trabalho humano “Precário. [do latim precariu, ‘concedido por mercê revogável’]. Adj. 1. Difícil, minguado, estreito. 2. Escasso, raro, pouco, insuficiente. 3. Incerto, vário, contingente, inconsistente. 4. Pouco durável, insustentável. (verbete do Dicionário Novo Aurélio Século XXI)

Além de causar uma ruptura no edifício do sistema protetor, razão de ser do Direito do Trabalho, a intermediação de mão de obra traz consequências práticas imediatas sobre os trabalhadores intermediados, causando a precarização do trabalho humano. Esta precarização será demonstrada por intermédio de três fenômenos observáveis, que são: a subtração de direitos dos trabalhadores intermediados, com relação aos que deteriam caso fossem diretamente contratados; a fragmentação da classe trabalhadora, com perda do poder organizativo coletivo dos trabalhadores; e a degradação do meio ambiente laboral, com maior probabilidade de acidentes de trabalho e menor proteção face aos riscos ambientais do trabalho. O precário é visível e demonstrável, sendo apenas uma pequena amostra do que virá nas linhas que seguem. 1. A subtração de direitos dos trabalhadores intermediados A subtração de direitos, mais do que uma constatação, tem sua confirmação na origem na própria ideia de intermediação de mão de obra. De fato. Se se tomar como pressuposto que a intermediação de mão de obra é instrumento utilizado pelo empresariado para a redução de 124

custos, a subtração nos direitos dos trabalhadores é consequência inarredável. Isto

porque

se

alguém

necessita

de

determinado

número

de

trabalhadores para a realização de certa atividade (e aqui se tomará como pressuposto lógico de que ninguém contrata mais trabalhadores do que objetivamente necessita), a partir do momento que repassa a contratação desses trabalhadores para outro empresário, não há como haver a redução de custos relativos a esse trabalho, já que deverá arcar com o lucro do intermediador, a menos que haja perdas para o trabalhador. A construção aqui é puramente lógica. Wilson Alves Polonio (2000, p. 38) nos fornece um quadro que demonstra os custos da contratação direta de um trabalhador: (encargos sociais + verbas trabalhistas). % Encargos Sociais INSS 20,00 Serviço Social do setor 1,50 Serviço Nacional de Aprendizagem do setor 1,00 Incra 0,20 Sebrae 0,60 Salário-educação 2,50 Seguro Acidente de Trabalho - média 2,00 Subtotal 27,80 125

Verbas trabalhistas FGTS 8,00 RSR 18,77 Férias 9,03 1/3 sobre Férias 3,61 Feriados 3,97 Aviso Prévio 2,46 Auxílio Doença 1,90 13° salário 10,83 40% ref. ao FGTS - rescisões sem justa causa 4,82 Incidências acumuladas 18,10 Subtotal 81,49 Total Geral 109,29 Nos comentários quanto ao quadro, afirma o autor que “As verbas trabalhistas (13º salário, férias, FGTS, repouso semanal remunerado) demonstradas no quadro 2.1, não obstante representem custo para o empregador, beneficiam diretamente o empregado pois configuram 126

pagamento pelos serviços por este prestados. Por essa razão, não deve servir de parâmetro de comparação, num processo de terceirização, no mesmo nível que os encargos previdenciários, pois sua supressão, a contrario sensu, prejudica o empregado. (...) sob a ótica do empregador, a redução dos encargos previdenciários que recolhe como contribuinte, no total de 27,80% da folha de pagamento, conforme demonstrado no quadro 2.1, é o que deve proporcionar a vantagem em um processo de terceirização.” (Polonio, 2000, p. 39). Ora, o tomador de serviços pode não recolher os encargos previdenciários como contribuinte, mas não terá este que repassá-los à empresa contratada, já que esta é que será a contribuinte? Seria vantagem, então, se a empresa contratada, burlando a lei, deixasse de recolher os valores ao INSS. Porém, nem essa vantagem ilegal podem alegar os defensores da terceirização como fator de redução de custos, pois vigora atualmente, em termos de legislação previdenciária, a obrigação da tomadora de serviços de retenção e recolhimento de percentual referente à nota fiscal dos serviços realizados, para posterior compensação da contratada nos encargos previdenciários dos trabalhadores a serviço da contratante (Lei nº 9.711/98). Assim, inicialmente, não há como escapar do pagamento dos encargos previdenciários, não havendo vantagem na intermediação de mão de obra sob este ponto de vista. Mesmo se houvesse, haveria elisão fiscal, e, nesse caso, certamente o governo arrecadador, por ordens do Fundo Monetário Internacional, correria atrás para reverter o prejuízo, realizando novas regras de tributação. A única forma de intermediação de mão de obra legalizada no sistema jurídico trabalhista brasileiro, o trabalho temporário, traz realmente algumas vantagens econômicas. Isto porque a Lei nº 6.019/74 previu somente alguns direitos trabalhistas aos trabalhadores temporários, deixando outros de lado. Há quem entenda (MARTINS, 1998, p. 126), inclusive, que não têm direito esses trabalhadores nem mesmo ao décimo terceiro salário, ainda que proporcional, e que suas horas extraordinárias realizadas são com percentual de acréscimo de somente 20% (vinte por cento). (1) Porém, o que não se pode esquecer, é que essa forma de contratação somente é permitida por se tratar de contratação extraordinária e 127

excepcional, não podendo ser substitutiva da contratação normal. Destarte, para que a intermediação permanente de mão de obra causasse redução de custos para o tomador de serviços, somente se houvesse redução de salários ou subtração de direitos trabalhistas. E essa redução tem, necessariamente, que ser de grande monta, para cobrir o pagamento do lucro da intermediadora de mão de obra e sua verba de administração. E é o que ocorre normalmente nas intermediações de mão de obra disfarçadas de terceirização que encontramos na prática brasileira. A perda de direitos e benefícios é ocorrente em todas as contratações por empresa interposta. Essas perdas vão desde benefícios como valesrefeição e assistência médica, até a horário de trabalho diversificado, além de redução salarial com relação aos trabalhadores efetivos das empresas. Em pesquisa realizada entre outubro e dezembro de 1992, em um universo de 40 (quarenta) empresas, o DIEESE já observava o fenômeno, lançando os seguintes resultados dos efeitos das terceirizações sobre as condições de trabalho (ALVES, 2000, p. 269): Efeitos da Terceirização sobre as condições de trabalho - Diminuição dos benefícios sociais - 72,5% - Salários mais baixos – 67,5% -

Ausência

de

equipamentos

de

proteção/falta

de

segurança/insalubridade – 2,5% - Trabalho menos qualificado – 17,5% - Trabalho sem registro – 7,5% - Perda de representação sindical – 5,0% - Jornada mais extensa – 5,0% Comentando os dados, afirma Giovanni Alves: “Deste modo, a terceirização tem permitido às empresas contratantes livrarem-se dos encargos sociais e legais, além de não repassarem as conquistas dos acordos coletivos aos trabalhadores das empresas contratadas. Ela surge como estratégia de redução de custos de produção que atinge, de modo irruptivo, o mundo do trabalho.”(ALVES, 128

2000, p. 269) Maria da Graça Druck, em sua pesquisa quanto à terceirização realizada na indústria petroquímica do complexo de Camaçari – BA, também constatou a precarização das condições de trabalho dos chamados terceirizados: “Os trabalhadores de terceiras ou subcontratados nas empresas químicas e petroquímicas vivem em condições muito precárias de trabalho. Em geral, desprovidos de uma série de direitos, nem sempre com a cobertura da legislação trabalhista (2), com salários menores, menor qualificação, instáveis, muitos sem carteira de trabalho assinada.” (DRUCK, 1999, P. 225) Segundo a Secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Vera Olímpia, as empresas de terceirização deixam de recolher cerca de R$ 350 milhões de reais por ano ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (Jornal O Globo, 07 de março de 2001, p. 21). O próprio Ministério do Trabalho já identificou como os setores em que há mais irregularidades, quais são: elétrico, construção civil, informática, vigilância, limpeza e alimentação, justamente as áreas de incidência maior da terceirização como intermediação de mão de obra. A perda de benefícios é verificável nos casos práticos. Os trabalhadores terceirizados pela Telemar, por exemplo, segundo o presidente do sindicato da categoria, mesmo os contratados por empresa subsidiária, “não têm os mesmos benefícios dos empregados da empresa principal como ticket restaurante, auxílio creche, participação nos lucros e resultados, plano médico, além de outros.” (Inquérito Civil n.º 636/2000) Esta é outra estratégia que demonstra a intenção de precarização que está por trás da chamada “terceirização”. As grandes empresas, principalmente do ramo de telefonia, estão criando subsidiárias para a realização de contratação de trabalhadores para realizarem serviços indispensáveis, como atendimento telefônico ao público (informações e serviços). Essas subsidiárias, apesar de pertencerem ao mesmo grupo econômico, oferecem salários e vantagens diversas, como vistos acima. Assim, a empresa ao contratar trabalhadores pela empresa interposta, pode realizar a precarização destes, sem interferir no estatuto dos trabalhadores da empresa-mãe. É o típico caso do “separar para precarizar”, como será abordado no próximo capítulo. Aqui, neste ponto, 129

o que interessa é demonstrar que ao realizar a separação e a contratação por empresa interposta, mesmo pertencente ao mesmo grupo econômico, a intenção é realmente a de precarizar o trabalho dos intermediados, reduzindo-se, logicamente, os custos. Há casos escabrosos, que demonstram a intenção de utilizar-se da terceirização, como intermediação de mão de obra, para contratação a título precário de trabalhadores efetivos, como é o caso o de Furnas, que realizou concurso público para engenheiros e outros técnicos do setor elétrico, convocando os aprovados para apresentar toda a documentação, inclusive carteira de trabalho, contudo devolveu-as assinadas por empresas privadas de engenharia, contratadas por suposta “terceirização de serviços”. A empresa deu a explicação de que assim procedeu já que não havia autorização superior para contratar os aprovados, precisando dos quadros qualificados para a realização de serviço, contratando-os por intermédio de suas “terceirizadas” (Jornal “O Globo”, terça-feira, 11 de setembro de 2001, p. 2). Assim, realiza certame de seleção para funções eminentemente típicas da empresa, e os contrata precariamente por intermédio de outras empresas, com o fim de contratá-los de forma descartável. Todos esses dados relativos à precarização são corroborados pelos números do Ministério Público do Trabalho. Dos procedimentos investigatórios em andamento na Procuradoria Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, 15,94% são relacionados com a terceirização como intermediação de mão de obra, sendo, de longe, a irregularidade mais apontada, ratificando sua condição de precarizadora do trabalho humano. (Dados de Relatório da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região em 30 de outubro de 2001) 2. A descoletivização do trabalho: a fragmentação da classe trabalhadora Um dos piores, senão o pior efeito, que traz a intermediação da mão de obra para o mundo do trabalho é a fragmentação ou pulverização da classe trabalhadora, causa de enfraquecimento da representatividade sindical. De fato. A terceirização intermediadora de trabalhadores coloca lado a lado, no mesmo local de trabalho de uma fábrica, trabalhadores representados por diversas entidades sindicais, das mais fortes às mais fracas, de posições ideológicas as mais diversas, e, na maior parte das 130

vezes, com atuação individual e descoordenada. Pois, conforme Ricardo Antunes (1999, p. 62), “a fragmentação, heterogeneização, complexificação da classe-que-vive-do-trabalho questiona na raiz o sindicalismo tradicional e dificulta também a organização sindical de outros segmentos que compreendem a classe trabalhadora.” Essa situação é multiplicada quando essa heterogeneização trabalha para uma mesma empresa, sofrendo os mesmos tipos de problemas no dia-a-dia. Como acontece essa multiplicação de sindicatos dentro da mesma empresa? No Brasil, a organização sindical é por categoria, sendo entendido por isto “a similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas.” (Art. 511, § 2º, Consolidação das Leis do Trabalho). Assim, a representação sindical é baseada na atividade econômica do empregador, que no caso dos trabalhadores terceirizados são da empresa que o contrata, e não daquela em que ele efetivamente exerce suas funções. Destarte, em uma grande empresa pode existir um leque enorme de sindicatos, diferentes entre si por aspectos de tamanho, força, estruturação, união, interesses e experiência de luta classista. Tomemos, por exemplo, a Petrobrás. Seus empregados são representados por entidades sindicais de alta mobilização e combate. Porém, seus terceirizados, ou intermediados (na maioria dos casos), que hoje em dia superam, em muito, o número de empregados da Petrobrás (3), são representados não por estes sindicatos, mas sim por vários, dependendo da empresa que são contratados. Nas plataformas de extração de petróleo existem trabalhadores que são representados entidades sindicais das mais variadas (como os sindicatos metalúrgicos (pessoal de manutenção), de trabalhadores restaurantes (pessoal da cozinha), de asseio e conservação, mergulhadores etc.).

por dos em dos

Com isso, as negociações se tornam cada vez mais difíceis, pois os sindicatos, principalmente aqueles que têm pouca representatividade, em termos numéricos, dentro da empresa, não têm nenhum poder de 131

barganha. Já o sindicato dos empregados da empresa, por não ter a representação de todo o pessoal que trabalha na empresa, vê, da mesma forma, seu poder diminuído. Uma prova disso ocorreu na última greve dos empregados da Petrobrás, ocorrida no mês de outubro de 2001. Enquanto estavam paralisados os empregados da Petrobrás, esta continuava sua produção, segurando todo o pessoal de produção (que são todos empregados da Petrobrás, por enquanto) nos locais de trabalho, sendo que os “terceirizados” continuavam a trabalhar de forma normal. Às vezes, a tentativa de enfraquecer os sindicatos e impedi-los de exercer direitos é explicitamente declarado. A empresa Barcas S.A., uma das operadoras que realiza a travessia de barcas entre Rio de Janeiro e Niterói, declarou explicitamente, em depoimento perante o Ministério Público, que mantinha pessoal intermediado “cooperado” para que, em caso de greve, não ver paralisadas suas atividades, já que dos 07 (sete) sindicatos que têm representação na empresa, somente 05 (cinco) haviam chegado a um acordo com a esta última. Destarte, os falsos “cooperados” estavam ali para substituir os empregados, para impedir o resultado de uma greve, direito constitucionalmente garantido aos trabalhadores. Como se sabe, “cooperado” não é sindicalizado, já que não se presta o cooperativismo a ser intermediador de mão de obra. Desta forma, totalmente docilizados e desmobilizados, mais fácil a tratativa. Então a estruturação da empresa em diversos sindicatos profissionais leva a uma desunião dos trabalhadores, que passam a defender direitos diversos, em condições diferentes, com resultados cada vez mais incertos, trazendo mais precarização das condições de trabalho. Concorda com esse argumento Souto Maior, para quem “o dinamismo da terceirização acaba provocando uma pulverização da classe trabalhadora, o que inibe a luta por melhores condições de trabalho, já que o pressuposto dessa luta é a união.”(SOUTO MAIOR, 2000, P. 320) A sociologia também já se debruçou sobre o problema, analisando-o da seguinte forma: “No caso da nova (e radical) terceirização surge um novo tipo de controle capitalista da produção, operado pelas subcontratantes inscritas no 132

interior do novo espaço da produção redimensionado. Na nova planta industrial, desapareceu – ou diminuiu sobremaneira – o poder de interferência coletiva dos trabalhadores sobre o espaço da produção. A fragmentação (e pulverização) do coletivo operário prejudicou o contrato, por exemplo, da comissão de fábrica com os trabalhadores transferidos (ou com operários de firmas subcontratados que operam no mesmo espaço de produção). Assim, a nova (e radical) terceirização possui importante – e estratégica – dimensão política, na medida em que tende a fragmentar o coletivo operário, debilitando a organização da classe e, por conseguinte, seu poder de resistência (e de barganha) às usurpações do capital.” (ALVES, 2000, p. 266) Foi o que também constatou Maria da Graça Druck em sua pesquisa, indo mais fundo, dizendo quais são os efeitos que essa pulverização do coletivo do trabalho traz: “Este processo tem sérias implicações sobre a relação dos trabalhadores entre si e com o trabalho, determinando novas identidades sociais. Em geral, extremamente frágeis, à medida que a referência deixa de ser coletiva ou sustentada em coletivo de trabalhadores e passa a ser individual, fragmentada, alimentada e incentivada pela solidão do mercado.” E continua mais à frente: “Esta fragmentação da classe, destruição dos coletivos dos trabalhadores, este crescimento acentuado do trabalhador individual têm levado a uma pulverização dos sindicatos, levando-os a desenvolver uma ação marcada, em primeiro lugar, pela concorrência entre eles mesmos, na disputa pelas bases sindicais e, em segundo lugar, por privilegiar o reforço de laços com os ainda incluídos no emprego formal – “a elite” – incapazes de manter a representação dos excluídos – dos desclassificados.” (DRUCK, 1999, p. 227) No que concorda Giovanni Alves, ao afirmar que “a perda política da pulverização do coletivo operário é irreversível – o que, do ponto de vista do capital, contribui para a captura da subjetividade operária. A nova (e radical) terceirização tem atingido os setores que tendem a representar a espinha-dorsal do movimento operário organizado, atingindo parcelas de operários qualificados, mais organizados e mobilizados, tais como a ferramentaria. Nas empresas subcontratadas, o poder do coletivo organizado dos trabalhadores parece frágil, quando não totalmente inexistente.” 133

Destarte, dispersos os trabalhadores, divididos em sindicatos diferentes e pulverizados, sem força coletiva, individualizados e rivalizados, consegue-se a fragilização da força de trabalho, trazendo a precarização das condições de trabalho, em todos os seus aspectos. 3. A precarização do meio ambiente de trabalho A precarização, em relação ao meio ambiente do trabalho, em parte é decorrente do próprio esfacelamento do coletivo trabalhista. De fato. Com a pulverização da classe trabalhadora, e a multiplicação das entidades sindicais, fica cada vez mais difícil a defesa do meio ambiente do trabalho, que é uno, é o mesmo tanto para os empregados quanto para os chamados “terceirizados”, sejam eles “cooperados” ou “empregados de empreiteiras”. Assim,

em

uma

grande

empresa,

os

sindicatos

com

pouca

representatividade em termos numéricos, como vimos acima, não têm força de pressão, quanto mais em termos de segurança e saúde do trabalhador, cuja proteção é onerosa e altamente técnica. As cooperativas não têm sindicato profissional, como acima dissemos, assim não têm voz alguma. Resta, destarte, somente o sindicato da empresa principal, enfraquecido pela falta de representatividade total. E essa falta de representatividade total acarreta problemas quanto à segurança e saúde no trabalho. Por exemplo, se ocorre um acidente com um trabalhador “terceirizado”, são normalmente sonegadas ao sindicato as informações quanto ao ocorrido, sob a alegação de falta de representatividade sobre o trabalhador acidentado. Entretanto, como o meio ambiente do trabalho é uno, esse sindicato, não vai nunca saber as causas do acidente de trabalho, embora interessado, já que poderia ter acontecido com um de seus representados, não podendo assim procurar as causas e exigir soluções para o problema. Lembre-se, aqui, que segurança e meio ambiente saudável são sempre garantidos por medidas preventivas que anulem os riscos. Não tendo nenhuma entidade conhecimento total das situações de risco existentes na empresa, nada poderá fazer quanto à prevenção de futuros acidentes. Tomemos novamente o caso da Petrobrás. A empresa petrolífera brasileira, segundo dados da Associação Internacional de Produtores de Óleo e Gás (OGP), Petrobrás e Federação Internacional de Sindicatos de 134

Energia (Icem), foi no ano 2000, a vice-campeã mundial de mortes de petroleiros, incluindo aí os terceirizados, conforme se observa no quadro abaixo (Revista Época, n.º 185, 3 de dezembro de 2001). Mas quem sofre esses acidentes na Petrobrás, e de que natureza são esses acidentes? Segundo dados do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (dados retirados a partir de dossiê-denúncia que originou o Inquérito Civil n.º 50/2001), observem-se os quadros de acidentes ocorridos na Petrobrás na Bacia de Campos: Portanto, a partir dos dados dos gráficos, verifica-se que, na vice-campeã mundial de óbitos de trabalhadores na indústria petrolífera, a maioria absoluta das fatalidades e de acidentados é de trabalhadores terceirizados (4). Outro fato que se sobressai das análises dos números é a verificação do crescente no número de acidentes e de trabalhadores acidentados, entre 1998 e 2000, justamente quando do aumento da utilização de intermediação de mão de obra da Petrobrás, principalmente quanto ao setor da manutenção, como vimos nos números colocados anteriormente. Para entender todo o problema com relação ao meio ambiente do trabalho e por que os acidentes ocorrem em maior número com os trabalhadores terceirizados, observe-se a seguinte declaração da Associação dos Engenheiros da Petrobrás: “A AEPET, em vários Boletins, manifestou a sua posição contrária a esse processo desagregador da equipe da Petrobrás. Éramos 62 mil empregados concursados formando uma equipe aguerrida e vencedora. Nas operações de bombeamento de combustíveis havia condições para se manter empregados acompanhando, de hora em hora, as transferências ponto a ponto. Isto é, de um lado, um empregado acompanhando a quantidade de combustível que saia de um ponto e, de outro lado, um outro empregado acompanhando a quantidade recebida. A cada hora, eles confrontavam as quantidades por eles medidas e se tranquilizavam, se fossem idênticas. Caso contrário o bombeamento era interrompido para verificar possíveis anormalidades. Afinal, naquela época, a Missão da Petrobrás era suprir o País com derivados de petróleo de forma rentável e aos menores custos para a sociedade, COM SEGURANCA”. 135

Desgraçadamente, fomos reduzidos a um amontoado de 34 mil empregados autoreferentes, cada um preocupado em manter o seu emprego e vendo no colega ao lado um concorrente. É muita pretensão, portanto, imaginar, nesse contexto de clima organizacional altamente negativo, que a segurança das atividades de risco estava preservada. Não há clima para a segurança das atividades de risco. O clima é de individualidade, lamentavelmente, incentivada por bônus não transparentes, por criação dos cargos de consultores também não transparentes, por aumento de 100% nos salários dos gerentes quando a maioria dos empregados teve menos de 5% sob o argumento de que aqueles eram os responsáveis pelo espetacular lucro de R$ 10 bilhões, em 2000. E não são.” (Relato de João Conrado de Sousa, Diretor da AEPET, encontrado 05/12/2001).

na

página

www.pdt.org.br/pet_p36a.htm,

em

A Associação de Engenheiros demonstra a incapacidade de realizar treinamento sério em segurança quando há alta rotatividade de trabalhadores: “Quanto à causa (2), terceirização, a AEPET vem há muito tempo chamando a atenção para essa ação equivocada de se terceirizar trabalhos em uma indústria de altíssimo risco como é a de petróleo. O numero é alarmante. Para cada empregado contratado há dois terceirizados. E o horizonte dos trabalhadores terceirizados é de menos de dois anos para não se criar vínculo empregatício, ou seja, são trabalhadores que estão sempre em treinamento e quando atingem um ponto adequado de produção são demitidos. É claro que, neste contexto, há prejuízos para o clima organizacional e para a segurança.”(encontrável em www.aepet.org.br, acesso em 15/12/2001) Além da inexistência ou deficiência de treinamento, a própria perda de direitos, trazendo a precarização do trabalho, aumento a incidência de acidentes. Na Petrobrás, quanto ao trabalho em plataformas, o regime de trabalho negociado pelo sindicato dos empregados garante a eles trabalhar 14 (quatorze) dias embarcados, sendo 21 (vinte e um) dias de descanso. Enquanto isso, aos terceirizados é imposto um regime de 14 (quatorze) dias de trabalho embarcado por 14 (quatorze) dias de descanso. Ou seja, a cada 14 (quatorze) dias de trabalho, os terceirizados têm direito a 7 (sete) dias a menos de descanso do que os trabalhadores 136

empregados da Petrobrás. Isso causa um desgaste muito maior nesses trabalhadores, expondo-os aos acidentes. É o entendimento da médica do trabalho Leda Leal Ferreira (Revista Época, n.º 185, 3 de dezembro de 2001, p. 43): “Os terceirizados trabalham mais, têm funções mais arriscadas, sofrem mais pressão, são menos capacitados, menos organizados e têm menos assistência médica. Ou seja, não é surpreendente que sejam as maiores vítimas de acidentes”. De fato, os trabalhadores terceirizados, não somente na Petrobrás, realizam as atividades mais perigosas e menos valorizadas. Observe-se que, das duas formas de terceirização admitidas pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, uma é dos vigilantes (perigosa por natureza) e a segunda é uma forma de trabalho pouco valorizada, a limpeza e conservação. A Petrobrás encomendou trabalhadores para a linha de frente, ou seja, a manutenção de equipamentos, atividade altamente especializada, da qual ela mesma seria a mais capacitada a realizar esse serviço, entregando tal atividade a empresas de construção civil, que nada entendem de produção de petróleo. Por outro lado, a capacidade para realização do trabalho não deve ser observada somente quanto à empresa a ser contratada, já que na maioria das vezes é apenas uma intermediadora de mão de obra, e sim se deve observar a capacitação dos próprios trabalhadores, para verificação da precarização. Ainda segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobrás: “Qual a diferença básica entre os empregados da Petrobrás e os terceirizados? Os empregados do quadro da empresa são pessoas que passaram por um processo seletivo rigoroso, submetidos a concursos públicos de grande procura. São avaliados física e mentalmente e passaram por avaliação e estágio prático antes de iniciar o trabalho. Anualmente, são submetidos à avaliação médica. Os empregados em áreas perigosas são treinados para dar combate a incêndios e prestar socorro a colegas acidentados. Como a Petrobrás não fez contratações nos últimos anos, a média de experiência do pessoal de operação nas unidades é hoje de cerca de 10 anos e a do pessoal de manutenção, de 15 anos. Já com os empregados terceirizados, a situação é diferente. Eles são, na quase totalidade, pessoas admitidas após a celebração do 137

contrato com a Reduc. As empresas só os contratam após terem a certeza do aporte de recursos para o pagamento dos salários. Pouco antes do término do contrato, estas pessoas são demitidas. Este procedimento não deixa tempo para a capacitação, o que exige que as empresas busquem, no mercado, estes profissionais já prontos. Alguns contratados são bastante capacitados. Outros não têm o preparo necessário, e a qualidade de mão de obra é muito dependente do número de obras. Quanto maior, menor a qualidade do pessoal disponível para a contratação. Existem terceirizados que trabalham na Reduc há mais de 20 anos. A cada dois anos trocam de uniforme e de firma contratada”. (Boletim n.º 225, de 27/08/2001, da Associação dos Engenheiros da Petrobrás). E esta precarização do meio ambiente do trabalho ocorre não somente na Petrobrás, mas em todas as grandes empresas que se utilizam da terceirização como intermediação de mão de obra. A Telemar, concessionária de telefonia fixa do Estado do Rio de Janeiro, terceirizou todos os trabalhos relativos à rede externa de telefonia, como instalação de linhas telefônicas e sua manutenção, instalação e manutenção de telefones públicos, com isso entregando a subsidiária e a diversas empresas, grandes e pequenas, a contratação desses trabalhadores. Segundo o presidente do Sindicato da categoria, “em matéria de segurança do trabalho, essas empresas são um desastre, sendo que a maioria não mantém nem ao menos CIPA” (Inquérito Civil n.º 636/2000, f. 356). A CIPA é a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, instituída pela Norma Regulamentadora n.º 04 do Ministério do Trabalho, tendo por função primeira a utilização dos próprios trabalhadores como peças fundamentais na prevenção de acidentes, tendo os empregados eleitos para a CIPA, inclusive, por previsão constitucional, estabilidade no emprego. Ora, se as empresas que realizam um serviço altamente perigoso como a manutenção de linhas externas de telefone, imagine-se o nível de segurança na realização desses trabalhos. Parece que a prejudicialidade da intermediação de mão de obra com relação ao meio ambiente do trabalho não é exclusiva do caso brasileiro, já que a bibliografia internacional chegou às mesmas conclusões que chegamos: 138

“As condições de trabalho declaradas pelos trabalhadores a título precário quando das pesquisas estatísticas são bem piores que aquelas dos assalariado que tenham um contrato de duração indeterminada. Seu rítmo de trabalho é mais constrangido pelos equipamentos, pelas normas, pelos controles de hierarquia. Eles trabalham mais frequentemente em equipes alternadas. Seu trabalho é mais penoso. Seu meio ambiente de trabalho é mais medíocre. Eles são mais expostos aos acidentes. É certo que tudo isto é em parte ligado ao fato que os trabalhadores a título precário não ocupam o mesmos empregos que os outros assalariados. No entanto, mesmo em posto de trabalho comparável, um desvio significativo subsiste entre as condições de trabalho dos trabalhadores precarizados e aquelas dos estáveis.” (GOLLAC ; VOLKOFF, 2000, p. 67) De todo o exposto, verificamos que o meio ambiente do trabalho sofre sérios danos com a intermediação de mão de obra, pelas seguintes causas: - precarização da situação laboral do trabalhador; - dificuldade de efetiva representação e defesa sindical; - fragmentação do ambiente de trabalho, com falta de coesão comunitária; - menor remuneração; - menor qualificação e possibilidade de qualificação; - menor experiência na função e menor conhecimento da situação específica do trabalho; - maior riscos das atividades exercidas. NOTAS: (1) Porém, entendo ser tal entendimento totalmente despropositado, pois a Constituição Federal, no caput do art. 7º não discriminou, indicando serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aqueles relacionados em seus parágrafos. Ora, não é o trabalhador temporário um trabalhador urbano? Onde há a restrição? Entendo, portanto, que todos os direitos relacionados no art. 7º devem ser aplicados ao trabalhador temporário, desde que compatíveis. (2) Quanto a esta afirmativa, somente podemos concordar que os 139

trabalhadores não estejam cobertos pela legislação trabalhista se tomarmos pelo aspecto formal. Assim, falsos cooperados, temporários fora das normas estritas da lei, constituintes de firmas individuais, formalmente estão fora da proteção trabalhista, porém a partir do momento em que for questionada a situação, e verificada pelas condições reais a existência de uma relação trabalhista, a Justiça do Trabalho concederá os direitos sonegados formalmente. (3) Segundo a Revista Época, n.º 185, de 03 de dezembro de 2001, em 1995, a Petrobrás tinha 46.000 (quarenta e seis mil) empregados e 30 (trinta) mil terceirizados, sendo que em 2001 são 34.000 (trinta e quatro mil) empregados e 90.000 (noventa mil terceirizados), sendo então a proporção de quase 3 (três) terceirizados para cada empregado da Petrobrás. No Relatório de sustentabilidade do ano de 2013, encontrável no site www.petrobras.com.br, nesse ano a empresa tinha 86.111 empregados e 360.000 terceirizados, constatando-se um aumento significativo na proporção. (4) É de suma importância salientar que os dados referentes aos acidentes ocorridos com empresas terceirizados não são de alto nível de exatidão. Os números colocados são os conhecidos pelo sindicato, podendo ter existido outros acidentes aos quais não teve acesso, seja devido ao não comunicado da Petrobrás, seja pelo fato de que as empresas terceirizadas, para não serem multadas pela própria Petrobrás, tentam sempre esconder a existência de acidentes. No entanto, os números referentes aos empregados da Petrobrás são exatos, pela representação do sindicato da categoria. Assim, se houver alguma incorreção nos dados, estes somente serão quanto a eventual aumento de número de acidentes e acidentados de trabalhadores terceirizados, crescendo a proporção que já é assustadora.

140

Capítulo III. A intermediação de mão de obra como segregação e exclusão social “That until there are no longer first class And second class citizens of any nation Until the colour of a man's skin Is of no more significance than the colour of his eyes Me say war That until the basic human rights are equally Guaranteed to all, without regard to race Dis a war” (Cancão “War”, Bob Marley) A intermediação de mão de obra causa sérios gravames aos trabalhadores, como a quebra do sistema protetivo laboral e a precarização do trabalho humano. Porém, não param por aí os malefícios desta forma ilícita de contratação de trabalhadores. Talvez o maior prejuízo para os trabalhadores seja mesmo o estado de exclusão em que permanecem os terceirizados, discriminados dentro do ambiente de trabalho, segregados de um grupo de trabalhadores com “status” de efetivos, recebendo melhores benesses do empregador único. Neste capítulo é o que se pretende demonstrar, verificando primeiro o que se tratará como exclusão social, discriminação e segregação, a sua relação com o trabalho, e a verificação da intermediação de mão de obra como principal discriminante dentro do ambiente laboral. 1. Segregação, Discriminação e Exclusão Social A categoria “exclusão social”, em voga nos anos 90,(1) tida então como essencial para o entendimento dos problemas sociais, no final da mesma década já começou a sofrer sério desgaste, recebendo várias 141

críticas quanto à sua sustentação frente aos problemas que procura solucionar. Porém, antes de verificarmos se se sustenta esta categoria, e em que nível, devemos realizar um pequeno estudo do que seja ou o que é entendido por exclusão social, percorrendo o caminho dos estudiosos. As críticas, geralmente, advêm de um mal-entendido em relação a essas categorias, talvez alimentado pela diversidade de orientações e sentidos pelos que se utilizam e se apropriam diferentemente do conceito de exclusão social. Há, certamente, uma “inflação de usos” e uma “multiplicidade de acepções” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 11). Segundo o sociólogo francês Cédric Frétigné, “A massa de documentos escritos, de suportes audiovisuais e/ou radiofônicos, de alocuções e de comunicações em colóquios consagrados a esta questão é verdadeiramente assustadora”(FRÉTIGNÉ, 1999, P. 11). O número de sinônimos, ou expressões de substituição também é vasto, e ajuda à confusão sobre o sentido da utilização do termo: “desafiliação, desqualificação social, desinserção, não-integração, desfiliação, desliame, vulnerabilidade relacional, desafetação, insecuridade cumulativa” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 172). Tal termo também é usado massivamente por vários grupos de pessoas, com interesses e intenções as mais diversas, como políticos, jornalistas, militantes e economistas. Assim, “a dissipação da bagunça semântica” é “um imperativo incontornável” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 172), e clarificar o conceito utilizado e evitar a dúvida que traz a noção, é indispensável para o bom entendimento do que se pretende expor. Atribui-se a René Lenoir, na obra de 1974 “Les Exclus. Un français sur dix” o estabelecimento da acepção contemporânea de “exclusão”, apesar de que outros autores atribuem a paternidade a J. Klanfer, em sua obra de 1965 “L’Exclusion Sociale” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 162). Todavia tais obras são tentativas esparsas de tratamento da questão, somente nos anos 90 realmente aparecendo a exclusão social como categoria sociológica e necessária para entendimento e apropriação dos problemas sociais. É, sem dúvida alguma, em seu nascedouro, uma categoria europeia, pois trata da “desestabilização dos estáveis”, ou de como se deu a crescente proliferação da pobreza e do desemprego em países que praticamente inexistiam, caracterizando a exclusão social a intenção de demonstrar a 142

saída (talvez sem volta) de pessoas que tinham uma vida estável para uma vida de instabilidade e precariedade. Destarte, a exclusão social significou, a princípio, uma categoria disposta a se tornar imprescindível para o enfrentamento da “questão social”, ou seja, o “enigma da coesão da sociedade, e sua “capacidade (...) para existir como um conjunto interligado por relações de interdependência” (CASTEL, 1998, P. 30) Alain

Touraine

entende

por

“exclusão

social”

nas

sociedades

contemporâneas o fato de que tais sociedades não mais se estruturam de forma vertical, em termos de sociedade de classes, passando a ser estruturada de forma horizontal, “onde o importante é saber se estamos no centro ou na periferia” (TOURAINE, 1999, P. 10). Segundo o mesmo autor, “a questão não é mais hoje de estar ‘up’ ou ‘down’, mas ‘in’ e out’” (TOURAINE, 1999, P. 10). Desta forma, para ele há a “guetização” cada vez maior do mundo, havendo uma exclusão daqueles que são encaminhados à periferia, existindo um fosso entre o “in” e “out” praticamente intransponível. Destarte, passaríamos de uma sociedade vertical, característica da modernidade integrativa, à uma sociedade horizontal, típica da pós-modernidade exclusiva e dualista. Conforme desenvolvido por Frétigné, “Os integrados, os ‘in’, que se beneficiam do movimento geral de elevação do nível de vida, ocupam um emprego, gozam de uma ‘identidade no trabalho’, bem como dos bens e serviços, participam da vida social. Os excluídos, os ‘out’, são vítimas das mutações do sistema econômico. Então, os segundos são privados de toda participação efetiva” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 90). Verifica-se na teoria de Touraine que a exclusão, ou os efeitos da exclusão, são na realidade, ao mesmo tempo que intercalados, momentos diferentes do mesmo fenômeno. Assim, a perda do emprego, a moradia em “banlieue” ou periferia, a falta de acesso aos direitos e ao consumo são consequências uns dos outros, e fases ou graus da exclusão social. Entretanto, apesar de não deixar claro explicitamente, o termo exclusão social utilizado por Touraine não quer dizer que as pessoas que se encontram nessas condições estão excluídas da sociedade. O que ele quer dizer é que estas pessoas estão cada vez mais excluídas, no sentido de apartadas, separadas, discriminadas, mantidas longe do convívio social com o outro grupo, o dos incluídos, e com frouxos liames sociais com aquela outra parte da mesma sociedade e não havendo a desejada coesão social. 143

Em seu livro “Adeus ao Proletariado”, André Gorz (1980, P. 94) chama os excluídos de “non-classe”, composta de indivíduos expulsos da esfera produtiva e englobando o total dos supranumerários da produção social, sendo a face visível do movimento de precarização mais geral que gangrena pouco a pouco o total do corpo social, causando a vulnerabilidade de massa que alude Robert Castel. Segundo o autor (GORZ, 1980, P. 74), “a classe operária tradicional não é mais do que uma minoria privilegiada. A maioria da população pertence a este neoproletariado pós-industrial dos sem-estatuto e sem-classe que ocupam empregos precários de auxiliares, de substitutos temporários, de trabalhadores eventuais, de interinos, de empregado a tempo parcial.” André Gorz descreve o movimento de “divisão dualista da população ativa”: “de um lado uma elite de trabalhadores protegidos e estáveis, empregados a tempo pleno, depositária dos valores tradicionais do industrialismo, ligados ao seu trabalho e seu estatuto social; do outro lado uma massa de desempregados e de trabalhadores sem qualificação nem estatuto, empregados de tipo precário e intermitente com tarefas indiferentes ” (GORZ, 1980, P. 74). Assim, demonstra Gorz que a exclusão não passa só e necessariamente pelo desemprego, podendo ter uma feição um pouco menos flagrante nas diversas categorias e modalidades de subemprego. A exclusão, inclusive, apesar de ter relação direta com o trabalho, pode ser ocasionada por fatores outros que não o trabalho, sendo a qualidade deste consequência. É o que ocorreu com o Regime do “Apartheid” ocorrido na África do Sul, onde as pessoas da raça negra viviam fora do sistema normal de relações sociais, colocados como segunda classe de pessoas, participando da mesma sociedade, porém apartados. Não havia “coesão social”, como a união das pessoas em uma sociedade sem segregação. No entanto, essas ideias sobre a exclusão e a própria categoria são negadas por cientistas sociais de peso. Robert Castel critica a exclusão social dizendo pertencer os “incluídos” e os “excluídos” à mesma sociedade, ao mesmo conjunto social. Segundo o autor, “quer entremos na sociedade ‘pós-industrial, quer mesmo na ‘pós-moderna’, ou como se quiser chamá-la, ainda assim a condição preparada para os que estão ‘out’ depende sempre da condição dos que 144

estão ‘in’. São sempre as orientações definidas nos centros de decisão – em matéria de política econômica e social, de gestão das empresas, de readaptações industriais, de busca de competitividade etc. – que repercutem como uma onda de choque nas diferentes esferas da vida social. Mas a recíproca é igualmente verdadeira, a saber, os poderosos e os estáveis não estão colocados num Olimpo de onde possam contemplar impavidamente a miséria do mundo. Integrados, vulneráveis e desfiliados pertencem a um mesmo conjunto, mas cuja unidade é problemática. As condições de constituição e de manutenção dessa unidade problemática é que devem ser interrogadas.” (CASTEL, 1998, P. 34) Insiste o autor que os precarizados, os desfiliados (como chama os “excluídos”) não são “marginais”, eles estão e fazem parte da dinâmica do capitalismo (CASTEL, 1998, P. 526). Ora, penso que, apesar de acertar nas análises, equivoca-se o autor nas críticas à categoria da exclusão. Como já dissemos, não é ínsita à exclusão social a negativa de pertencimento à sociedade e de interligação entre os “excluídos” e “incluídos”. E não há ninguém que possa negar o pertencimento, ou até mesmo a essencialidade da existência dos “excluídos”, “desfiliados”, “marginais”, “precários” ou dos “pobres” do século XIX, na dinâmica e na máquina do capitalismo. O que se pretende observar com a categoria é justamente a separação entre dois grandes grupos (mesmo que heterogêneos), na mesma sociedade, com relação a sua unidade e liame, e sua convivência em termos de vínculos sociais, e não meramente econômicos. E que essa convivência, ou unidade, seja em termos em que diferenciações não ocorram de forma que praticamente tornam impraticáveis as trocas sociais, pela situação desigual de fato e de direito. Robert Castel chega a ser até contraditório, pois ao mesmo tempo de nega a dualidade dentro da sociedade, apresenta a categoria de “desfiliação” (ou seja, não pertencimento, processo de desengajamento social, ou “desencaixe em relação às regulações através das quais a vida social se reproduz e se conduz”) (CASTEL, 1990, P. 154) e indica, como se verifica ao final da última citação, a possibilidade de não manutenção dessa unidade. Exclusão indica possibilidades ou oportunidades de relacionamento social diversas, dentro da mesma sociedade. 145

Como o próprio autor supracitado coloca, “a exclusão não é uma ausência de relação social, mas um conjunto de relações sociais particulares da sociedade como um todo. Não há ninguém fora da sociedade, mas um conjunto de posições cujas relações com seu centro são mais ou menos distendidas” (CASTEL, 1998, P. 569). As relações sociais continuam, mas em nível desigual e comprometendo as trocas sociais, pois passam a não conviver igualitariamente, e os atores relacionais não se mantêm coesos. Outra crítica à categoria remonta à estaticidade da noção de exclusão (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 104). Com razão, um excluído não pode ser tido como “para sempre excluído”. É uma questão de situação momentânea, mas que, como dito por Touraine, tende a se perpetuar, pelo agravamento da situação particular, ou seja, pelo grau de exclusão. Assim, apesar de não ser necessariamente estática, há tendência de ser. Além dessa, outra crítica encontrável é a de que há heterogeneidade nas posições dos excluídos (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 104). Porém, como já dissemos, a exclusão comporta graus diferentes, ou seja, mínimo de laços sociais com a parte integrada da sociedade. Serge Paugam (1986 apud DEMO, 1998) também critica a utilização abrangente do termo exclusão social, diferenciando este de precariedade. Para ele, este último é estágio anterior à exclusão. Entretanto, aponta corretamente que um dos núcleos decisivos da exclusão é a destruição de liames coesivos. E demonstra essa ruptura: “Da mesma forma, o problema das favelas não pode ser explicado só pelas formas de segregação espacial e as desigualdades face à habitação; é mister ver também um processo de degradação das relações sociais no seio das cidades deserdadas e as dificuldades crescentes da população de fazer face ao sentimento de solidão, de enfado, de vazio de existência.” (PAUGAM, 1986, 15 apud DEMO, 1998, 18) Desta forma, verifica o autor que há a destruição do liame social, e a coloca como um processo, chamando-o de precarização, cujo resultado final seria a exclusão. Abraçando as críticas de Castel e Serge Paugam, notou Frétigné que o conceito de “exclusão social” passaria para “configuração social excludente” (FRÉTIGNÉ, 1999, P. 188) ou seja, posição na sociedade que acarreta (ou pode vir a acarretar), em graus diferentes, uma posição real 146

de exclusão, ou situação de isolamento de certo fragmento da sociedade. No Brasil também há críticas sobre a categoria “Exclusão Social”, encaminhadas principalmente por Pedro Demo, na obra “Charme da Exclusão Social” (DEMO, 1998). Repetindo um pouco as críticas de Paugam e Castel, vai, porém, mais além, dizendo que não aceita a exclusão social nem como final de um processo, já que “se o risco de exclusão social atinge a amplitude da sociedade, fica ainda mais difícil imaginar que os excluídos estejam apenas ”fora”, até porque seria contraditório considerar fora a maioria da população, sempre que os excluídos se tornem maioria” (DEMO, 1998, p. 30). Afirma também que “a exclusão é uma forma de inclusão, ou seja, uma maneira de exercer uma função dialética no sistema”. Disso nunca duvidamos, já que o que estamos aqui a combater, a intermediação de mão de obra, é instrumento útil ao capitalismo e que está sendo utilizado por este justamente para desvalorizar o trabalho humano em busca do lucro, ou seja, incluído no modo de reprodução da sociedade. No entanto, o que se discute é o “modo” dessa inserção, é a inserção excluída, dialética, como o próprio autor afirma. A outra crítica de Pedro Demo é relacionada com a “nova questão social”, a que atinem Robert Castel e Pierre Rosanvallon (1998), dizendo tratar-se apenas de susto que passa a Europa, especialmente a França, com o surgimento do desemprego estrutural, não se aplicando de forma alguma ao Brasil, onde o desemprego estrutural sempre existiu. Contudo, mesmo se não é uma nova questão social para nós, continua sendo uma questão a ser resolvida, e sua característica de não-novidade não impede, de forma alguma, o estudo da questão para a busca de soluções possíveis. Assim, após a discussão, verifica-se que se deve ter um conceito bem definido de exclusão social, para evitar as críticas acima, algumas bem racionais, categoria. processo. analisar a

a partir do entendimento errôneo que se pode ter da Deve, inicialmente, ser salientada a exclusão social como Alain Lipietz (1998) demonstra bem essa característica, ao sociedade atual como “sociedade em ampulheta” (“société en

sablier”), ou seja, cada cidadão é um grão de areia em direção ao fundo, e quem está na parte mais baixa da parte superior da ampulheta vê-se, a 147

todo momento, em possibilidade de passar para a parte de baixo. Lipietz denomina a exclusão social de “déchirure sociale”, ou ruptura social, tratando-a como processo centrífugo, ou ameaça. Então, para fim do presente estudo, temos que exclusão social ou processo de exclusão, bem como qualquer outro nome que se dê, como “desfiliação”, “configuração social excludente”, deve ser entendida como a forma ou processo de discriminação ou segregação, causada por situação ou posição existente, determinante de quebra de liame social, dificuldade ou impossibilidade de continuação de relações sociais, que causa ruptura na coesão social e participação efetiva em determinado ambiente social. 2. Segregação, Discriminação e Exclusão no Trabalho O trabalho, apesar de não ser o único, é um importante campo de verificação do processo de exclusão. Sem esquecer do debate sobre a centralidade do trabalho (2) (mas o deixando de lado por não caber sua discussão dentro deste estudo), a posição do indivíduo perante o trabalho ainda exerce grande influência nas suas relações sociais. Para se ter uma ideia da importância do trabalho para a questão social, verifique-se que a obra de Robert Castel, com 600 (seiscentas) páginas na edição brasileira, tratando sobre “As Metamorfoses da Questão Social”, explana quase que inteiramente sobre as relações de trabalho através dos tempos até os atuais. E as muitas das facetas da exclusão, ou processo de exclusão, são demonstradas, ou restam visíveis, indubitavelmente, por meio do trabalho. Caso típico de exclusão é o “desemprego”, que inclusive levou ao aprofundamento dos estudos sobre a “exclusão social” e a suposta “nova questão social”, estudando políticas de inserções, que na impossibilidade do emprego, garantiriam renda mínima às pessoas sem possibilidade de encontrar uma posição no mercado laboral. Porém, como vimos no item anterior, a falta do emprego não é a única causadora de ruptura no liame social. Também o são algumas formas atuais de inserção no próprio mercado de trabalho, inserções precárias como o contrato a prazo determinado, o trabalhador a tempo parcial, falsos cooperados e trabalhadores informais. São, como chamados por André Gorz, “Neo-Proletariado pós-industrial sem estatuto e sem classe”. 148

Há, no entanto, outras formas de exclusão dentro do ambiente de trabalho. Como trata Marcio Pochmann (1999, p. 21), “a geração de ocupações com baixa qualidade (atípica, irregular, parcial), que no padrão sistêmico de integração social estaria associada à exclusão relativa do modelo geral de emprego regular e de boa qualidade, surge como exemplo de incorporação economicamente possível. Dessa forma, distanciam-se as possibilidades de estabelecimento de um patamar de cidadania desejada”. Isto seria, segundo o autor, uma nova forma de exclusão, surgida com o retrocesso no mundo do trabalho trazido pela terceira revolução industrial, ou neoliberalismo (POCCHMANN, 1999, P. 179 e 5455). Orlandina de Oliveira e Marina Ariza (2001, p. 77-103), estudando a exclusão social com relação à questão da mulher, aduzem que “a exclusão por gênero, nos mercados de trabalho, é examinada levando-se em conta três aspectos interrelacionados: a natureza precária do trabalho feminino, a segregação ocupacional e a discriminação salarial diante dos homens”(OLIVEIRA; ARIZA, 2001, p. 78). Portanto, partindo do ponto de desigualdade, demonstra-se a posição apartada de convivência apenas formal dentro do mesmo ambiente social. Assim, abstraindo a questão de gênero, qualquer situação imposta no trabalho que determine a segregação ou discriminação de categoria demonstra a existência de processo de exclusão, pois ocasiona a quebra do liame social entre os grupos envolvidos. De fato. Conforme Tony Atkinson (1998, p. 13), a exclusão social deve ser observada por três elementos: relatividade, atividade e dinâmica. Assim, de acordo com o primeiro elemento proposto por Atkinson, “pessoas são excluídas de uma sociedade em particular: refere-se a um lugar e tempo definido”. E ainda, “Nós não podemos julgar se uma pessoa é ou não socialmente excluída somente observando suas circunstâncias em isolução. A implementação de qualquer critério para exclusão tem que levar em conta as atividades dos outros. Pessoas são excluídas devido a eventos em qualquer lugar na sociedade. Exclusão pode realmente ser mais uma propriedade de grupos de indivíduos do que de indivíduos.” (ATKINSON, 1998, p. 13) Desta forma, a análise da exclusão social deve ser realizada relativamente a determinado grupo de indivíduos e 149

determinada sociedade, onde haveria (ou deveria haver) as trocas sociais e a coesão. O segundo elemento trazido por Atkinson é atividade, pois exclusão implica um “ato”, e um “agente” ou “grupo de agentes”. Com isso, o ato de exclusão, ou a falta de inclusão, é gerado por ato ou atos realizados por um agente ou grupo de agentes, que gerariam o afrouxamento dos laços de solidariedade, indispensáveis para a coesão social. O terceiro elemento é a dinâmica. Como já explicado anteriormente, a exclusão social é um processo onde ocorre a discriminação e o consequente afastamento da convivência social. “Pessoas são excluídas não somente porque elas estão atualmente sem emprego ou renda mas porque eles têm poucas perspectivas para o futuro.” (ATKINSON, 1998, p. 14) Destarte, não basta para explicar o processo de exclusão social a permanência do trabalhador fora do mercado de trabalho, ou inserido no mercado de trabalho por meio de um trabalho precário. O que deve ser observado é a situação do trabalhador dinamicamente, ou seja, a possibilidade dessa pessoa encontrar um trabalho, e que esse trabalho lhe permita a dignidade e o convívio sem discriminação geradora de apartação. Remonte-se à ampulheta de Alain Lipietz, onde um trabalhador com emprego precário seria o próximo a passar para a parte baixa da sociedade. Vemos, então, que o trabalho, ou a ausência deste, está intimamente ligado com o fenômeno da exclusão social, apesar da negação dos neoliberais. Friedreich Hayek, tido como o mentor do neoliberalismo, afirmou que não se devia esperar nenhuma coesão social pelo trabalho, e que deveríamos buscá-la em qualquer outro lugar, nas famílias ou em comunidades locais. Porém, como bem lembra Sennett (apud ASKONAS; STEWART, 2000, P. 282), esquece-se Hayek que, cada vez mais, passamos a maior parte de nossas vidas acordados, no trabalho, ou em volta deste. Assim, como grupo social no qual vive-se a maior parte do tempo desperto, não há como excluí-lo da necessidade de coesão e convivência social. Seria como transformar trabalhadores em robôs, que seriam desligados de suas subjetividades (como amor, ódio, amizade, alegria, tristeza) durante o horário de trabalho, voltando a viver realmente como ser humano nas horas livres (que a despeito das “modernas” teorias do tempo livre, após a diminuição da carga horária de trabalho tida entre o 150

início da era industrial até os anos 80, estão cada vez ocorrendo em menor número, devido à enorme quantidade de horas extraordinárias realizadas pelos trabalhadores)(GOLLAC; VOLKOFF, 2000, P. 45). Assim, a segregação dentro do grupo de trabalho, com ausência ou frágeis liames entre o grupo segregado e aquele tido como inserido, além da falta de reconhecimento mútuo como grupo único, é, evidentemente, geradora do processo de exclusão dentro daquele determinado grupo. Como estabelecem Orlandina Oliveira e Marina Ariza, “A segregação social é outro dos aspectos que tornam visíveis os processos de exclusão. Em si mesma, é um modo de exclusão que delimita espaços diferenciados entre grupos sociais a partir de atributos particulares. A distinção não é neutra, legitima esferas de autoridade e competência e determina um acesso desigual aos recursos sociais. Segregar é reduzir um espaço social para assegurar a manutenção de uma distância, para institucionalizar uma diferença que, por sua vez, ratifica uma certa ordem social.” (OLIVEIRA; ARIZA, 2001, P. 80-81) São, então, características da segregação social, como forma de exclusão social: delimitação de espaços diferenciados, não-neutralidade da distinção, legitimação de esferas de autoridade e competência e acesso desigual aos recursos sociais. Como veremos a seguir, todas essas características estão presentes na terceirização como intermediação de mão de obra, que realmente é causa de segregação dentro do espaço de trabalho. 3. Intermediação de mão de obra como causa de segregação, discriminação e exclusão social Podemos

claramente ver a exclusão social

agir por meio da

intermediação de mão de obra, que segrega com todas as características acima expostas. A delimitação de espaços diferenciados ocorre naturalmente no seio das empresas que se utilizam de mão de obra fornecida por intermediadora. Em algumas das vezes, esses espaços são fisicamente delimitados, sendo que outras vezes a delimitação é realizada por meio de identificações, como uniformes ou crachás. Um exemplo de delimitação física de espaço é encontrado no 151

estabelecimento do Carrefour Comércio e Indústria Ltda. Situada em São João do Meriti - RJ, onde funciona sua central de distribuição para as lojas do Rio de Janeiro. Ali, onde na verdade funciona um depósito de mercadorias, foi confiada a uma empresa especializada em logística a administração de todo o depósito, ficando o Carrefour somente com a parte de negociação com os fornecedores. Assim, no primeiro andar daquele estabelecimento funciona o depósito, onde ficam os empregados terceirizados, e no segundo andar ficam os vendedores, empregados do Carrefour, que realizam a negociação. A separação é total, já que entre os locais delimitados fica a segurança contratada pelo Carrefour, que impede a “mistura” entre os trabalhadores de cada lado, que são identificados por meio de crachás, sendo aqueles dos empregados do Carrefour crachás eletrônicos, e os dos empregados terceirizados

crachás

“provisórios”

nos

quais

é

estampada

a

denominação “Terceirizados”, bem destacada em vermelho. A delimitação por meio de identificação dos trabalhadores terceirizados, ou intermediados, é mais comumente encontrada, seja por meio de uniformes diferenciados ou por crachás, como no caso acima citado. No caso da Petrobrás, inclusive, há norma expressa nesse sentido, que consta nos contratos padrões de terceirização, como, por exemplo, no contrato com a empresa Christensen Roder Produtos e Serviços de Petróleo Ltda. (Inquérito Civil nº 226/01, PRT 1ª Região), onde na cláusula 3.10.8 vinha previsto a obrigação de “manter uma identificação especial para seu pessoal, de modo a distingui-lo do pessoal da Petrobras e de outras empresas que, eventualmente, atuem em outros serviços ligados ao objeto do presente contrato.” Na realidade, a Petrobrás exige inclusive que a cor do uniforme seja diferenciada, sendo que a de seus empregados é cinza claro. A não-neutralidade da distinção também é facilmente encontrada na intermediação de mão de obra. A distinção entre “efetivos” e “terceirizados” não é utilizada como mera distinção de funções, mas sim como geradora de “status” diferentes dentro da empresa. Muitas vezes a utilização do termo “terceirizado” é realizada com menosprezo e rebaixamento ao trabalhador contratado por empresa interposta. Esse rebaixamento, inclusive, é demonstrado por meio das empresas que, ao invés de utilizarem-se do instituto do contrato por experiência, 152

contratam primeiramente por meio de uma empresa intermediadora de mão de obra, e se esse trabalhador for “aprovado”, alçará à condição de efetivo, finalmente considerado como empregado da sua já antes real empregadora. Tal fato ocorre em muitas empresas, cujo exemplo pode ser dado pelo Citibank, onde, conforme investigação, verificou-se que é comum encontrar trabalhadores que, após um período trabalhado como “cooperado”, são efetivados como empregados do banco (Procedimento Investigatório nº 144/99, PRT 1ª Região, fl. 689, 714-715 e 719-720). Outras vezes a distinção tem tons mais fortes e pejorativos. No Citibank, conforme inspeção realizada em seu estabelecimento no centro do Rio de Janeiro (Procedimento Investigatório nº 144/99, PRT 1ª Região, fls. 686690), toda a gama de trabalhadores não efetivos do banco, que vão de cooperados a contratados por empresas intermediadoras de mão de obra, passando por trabalhadores que foram obrigados a montar uma empresa para serem contratadas por empresas intermediadoras de mão de obra para prestarem trabalho para o banco, além de “estagiários” que trabalham 08 (oito) horas por dia, são todos rotulados de “externos”, sendo subordinados a empregados do banco. Aliás, existe neste caso uma carreira hierárquica demonstradora de uma estruturação nitidamente fordista, cuja aparente reestruturação produtiva não consegue esconder. A estrutura é totalmente piramidal, com um gerente empregado, chamado “TL Sênior”, alguns denominados “TL Líder” empregados, chefiando outros chamados “TLs do Banco” também empregados, e esses subordinando “TLs linha”, trabalhadores terceirizados com mais tempo no banco, e, por último, os chamados “externos”, em maior número e na base da pirâmide estrutural da empresa (Procedimento Investigatório nº 144/99, PRT 1ª Região, fls. 714715 e 719-720). Assim, verifica-se que a distinção é para legitimação de esferas de autoridade e competência, da mesma forma que ocorre no caso da Telerj Celular anteriormente citado, na qual a gerência e “os cargos estratégicos” são ocupados pro empregados da contratante, sendo que todo o resto por empregados intermediados. Às vezes, a discriminação vem travestida de combate à própria discriminação. Foi anunciada em toda a imprensa nacional (Jornais “O Globo”, de 09 de dezembro de 2001, p. 3 e “Jornal do Brasil”, de 08 de dezembro de 2001, p. 4), ação do governo federal tida como “a mais 153

ousada iniciativa brasileira de combate ao racismo”. Anuncia-se a ação como sendo a reserva de 20% (vinte por cento) das vagas no serviço público federal às pessoas da raça negra. Porém, de logo se percebe o equívoco. Não se trata de reserva de vagas no serviço público, mas sim de obrigação contida nos editais de licitação para que as “prestadoras de serviço”, ao efetivarem contratos junto ao governo federal, utilize-se de trabalhadores negros de acordo com o percentual mínimo. Da notícia extraem-se duas primeiras e assustadoras conclusões. Primeiramente, observa-se que o Governo Federal está tratando o instituto da “terceirização” como “fornecimento de trabalhadores sem concurso público”, implicando que as prestadoras de serviço estariam sendo meras intermediadoras de mão de obra ao governo federal. Como se sabe, a atividade pode ser terceirizada, mas isso não implica no “fornecimento” de trabalhadores para que estes atuem como “servidores”, sem o concurso público devido, com subordinação ao governo federal. As atividades terceirizadas devem ser realizadas autonomamente, e não como estão sendo tratadas pelo governo federal, que quer ter a ingerência sobre o pessoal que a prestadora de serviços irá realizar sua atividade, contrariando o Decreto nº 2271/97, da própria Administração Pública Federal. Contudo, esta não é a principal conclusão, sendo até periférica. A principal é que a ação, de acordo com o noticiado, não é nem de longe uma medida contra o racismo, mas sim uma reafirmação do racismo, agora de modo oficial. Está o governo federal reservando aos negros não cargos efetivos e importantes na administração pública, como se era de esperar, mas sim precários postos de trabalho, em atividades acessórias e pouco valorizadas, que por essa razão foram repassadas à iniciativa privada. Estes postos de trabalho são geralmente muito mal-remunerados e não têm nenhuma garantia contra a dispensa, sendo por isso, totalmente precários. E mais, com relação aos servidores públicos eles são tidos como trabalhadores de segunda categoria, discriminados no próprio ambiente de trabalho, detentores de menores direitos e realizando atividade de 154

menor importância. A “novidade” já teve seu caráter experimental realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário desde setembro, e a imprensa noticia a reserva de vagas de “importantes” funções como “Office-boy”, “motorista” e outras funções de “serviços gerais”. Ora, tais funções, que não necessitam de qualificação para seu exercício, já eram ocupadas por negros e por pessoas de outros grupos discriminados, como os nordestinos. Para essas funções não há necessidade de cota, já que os discriminados já ocupam sua maioria, senão a sua totalidade. O que os negros precisam é de cargos com real importância e garantia, aos quais não têm acesso, ou esse acesso é dificultado, por razões de preconceito históricas. Uma ação afirmativa é aquela que, na tentativa de igualar os desiguais, resulta em um “upgrade” na situação de pessoas discriminadas, que seriam incluídas. O que se necessita, então, é de cotas no próprio serviço público, em funções importantes, para que se criem oportunidades para essas pessoas deterem cargos públicos efetivos, com dignidade e garantias, e não que sejam mantidos em posições de segundo nível, mal remunerados, precarizados e excluídos. A inclusão social é realizada quando estes passam a participar do mesmo espaço público que os servidores públicos, e não apartados destes, em funções com “status” diferenciado. Na realidade, a noticiada “ação afirmativa” traduz-se em racismo oficializado, apartação e discriminação institucionalizada, reservando aos negros a fatia pior de trabalho junto ao governo federal. Por último, o acesso desigual aos recursos sociais é também encontrado nas intermediações de mão de obra. Na Petrobrás, segundo um antigo mergulhador terceirizado, as salas de televisão das plataformas de petróleo são utilizadas preferencialmente pelos empregados efetivos da empresa, que podem inclusive mudar de canal quando lá estiver assistindo somente “terceirizados”. Nessa empresa, a diferenciação entre os “terceirizados” e os “funcionários”, como são chamados os empregados, é patente, e o acesso aos recursos sociais bem desiguais, como observa-se no seguinte relato: “Os terceirizados sempre receberam menor remuneração, e têm condições de trabalho muito inferiores às dos empregados da Petrobrás. 155

Os banheiros e vestiários colocados à disposição deles são de baixa higiene e qualidade. O transporte é feito em condições mínimas de atendimento. Apenas no último ano, a Reduc disponibilizou as instalações do seu restaurante para os empregados terceirizados. Isto só foi possível devido à redução do efetivo próprio.” (Boletim nº 225, de 27/08/2001, da Associação dos Engenheiros da Petrobrás) Outro exemplo de acesso desigual é a utilização de refeitório somente para empregados efetivos, como ocorre em várias empresas, existindo casos em que os “terceirizados” são obrigados a trazer suas próprias refeições, em “quentinhas” ou “marmitas”, e comê-las junto ao meio-fio da rua (3). A utilização dos refeitórios geralmente é exclusiva dos empregados, já que somente estes recebem os “tíquetes” que dão o acesso. Assim, não é que seja “proibida” a entrada dos trabalhadores, mas não há oportunidade do acesso, o que, no final, resulta em desigualdade. É como ocorre com o racismo brasileiro, onde não há segregação, mas não há igualdade de possibilidades, por razões históricas ou mesmo preconceituosas. Muitas dessas formas de segregação foram encontradas na pesquisa de Maria da Graça Druck. Observe-se seu relato: “(Os trabalhadores terceirizados) constituem uma categoria inferior, são tratados como de segunda categoria, não somente pelas chefias e supervisores, mas, em muitos casos, até mesmo pelos trabalhadores fordistas, que integram a “elite” da fábrica.” ”Trabalhadores que são apartados dos demais, com os quais trabalham lado a lado e, muitas vezes, exercendo a mesma função, mas que são considerados de segunda categoria (os desclassificados), desprovidos de um estatuto e de direitos elementares que o trabalho assalariado deveria garantir.” (DRUCK, 1999, P. 225) Richard Sennett também concorda que as práticas modernas de “flexibilidade” dificultam a inclusão social (SENNETT, 1999, P. 282). E isto se dá, segundo o sociólogo, por algumas razões: pela ausência de mutualidade nas relações entre os sujeitos e que a burocracia flexibilizada é orientada ao curto termo (SENNETT, 1999, P. 279-290). A primeira razão se origina pela falta de trocas sociais ritualísticas, de onde surge o sentimento de pertencimento àquela determinada sociedade. Já a segunda razão decorre que, com a estrutura vocacionada 156

ao curto termo, falta às relações o “comprometimento” necessário à coesão. Com isso, não há razões para sentimento de pertencimento, já que tudo está orientado ao curto termo, instável e flexível. Inclui também Sennett outra razão, qual seja a ausência de dependência, pela valorização da autonomia no mundo atual do trabalho (SENNETT, 1999, P. 284). Podemos ver que todas essas causas de ruptura de inclusão social são aplicadas na intermediação de mão de obra. A tentativa de fuga da dependência, mesmo jurídica, do real empregador em relação ao trabalhador demonstra que aquele não quer ter com este outras relações além do puro contratualismo de troca simples: trabalho x dinheiro. Não há espaço para comprometimento comutativo, não há espaço para confiança, não há espaço para coesão. O trabalhador intermediado está, da mesma forma, ligado indissociavelmente ao curto termo. Ele sabe que a qualquer hora pode ser trocado por outro, já que está sendo somente alugado pelo real empregador. Como verificamos acima, pela maioria dos contratos analisados, o tomador de serviços pode, a qualquer tempo, sem qualquer ônus, requerer a substituição do trabalhador. Assim, o curto termo é sua vida, ele sabe que trabalhará hoje, mas amanhã poderá estar em outra empresa, ou até em nenhuma. Não há tempo para comprometimento, fidelidade ou sentimento de pertencimento. Quanto à ausência de mutualidade nas relações, verifica-se, principalmente, que o trabalhador, exercendo às vezes as mesmas funções que empregado da tomadora de serviços, não tem o “status” de empregado reconhecido, nem pelos seus colegas de trabalho, nem pelo empregador. Dessa forma, a primeira troca, que seria o reconhecimento, torna a relação viciada desde o começo, quanto à mutualidade. Destarte, restou demonstrado o processo de exclusão social a que são submetidos os trabalhadores intermediados, discriminados dentro do ambiente laboral.

segregados

e

NOTAS: (1) Apesar de ter surgido nos anos 70, após a crise mundial do petróleo, somente nos anos 90 conseguiu projeção a categoria de exclusão social. Inclusive, no Brasil, já nos anos 50, costumava-se tratar da questão dos 157

“marginalizados”, e nos Estados Unidos, nos anos 70, da questão dos “underclass”. (2) Nossa opinião é que a ênfase da não centralidade da categoria trabalho decorre do ressurgimento do liberalismo, que tenta tratar o trabalho não como um local de trocas sociais, mas sim somente de trocas econômicas. (3) Esta situação foi presenciada pelo autor, quando de atuação como Auditor-Fiscal do Trabalho em Goiânia – GO.

158

CONCLUSÃO A partir de agora, passamos a fazer a ligação dos pontos, como naquele jogo de passatempo infantil, para vermos o que está por trás da utilização da terceirização. Verifica-se, inicialmente, que, na realidade brasileira, continuou-se a realizar a estruturação das empresas, em sua maioria, de acordo com os ditames fordista-taylorista, somente havendo a retirada da contrapartida dada idealmente por esse regime aos trabalhadores . A estruturação continua a mesma, em forma piramidal fortemente hierarquizada, porém com grande utilização da intermediação de mão de obra, disfarçada de terceirização, para a precarização de determinadas funções, que continuam inseridas na própria estruturação fabril. Estas funções “terceirizadas” geralmente se encontram na base da pirâmide, submetidas a forte hierarquia dos módulos superiores da pirâmide, ainda trabalhadores empregados diretos. Verificou-se, outrossim, que a terceirização encontra realmente suporte e agasalho na ordem neoliberal. O mesmo suporte e agasalho são dados pela corrente ideológica à sua versão deturpada, a intermediação de mão de obra. É realmente interesse dessa corrente de pensamento, ao realizar a reestruturação produtiva, e na própria criação das múltiplas formas de trabalho surgidas, a precarização do trabalho humano e a subjugação dos trabalhadores ao domínio econômico do capital. Todas essas novas formas são, em comparação com o trabalho a tempo indeterminado, modelo antes absoluto, mais precárias e menos comprometidas com o bem-estar do cidadão trabalhador. É o que Pierre Bourdieu chama de “flexploração”, sendo que, corroborando a conclusão aqui observada, “a precariedade se inscreve num modo de dominação de tipo novo, fundada na instituição de uma situação generalizada e permanente de insegurança, visando obrigar os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração.” Esta submissão à exploração condiciona os trabalhadores na luta de todos contra todos, aceitando 159

um trabalho precário, livre das proteções sociais, e tendo-o como um “privilégio”. Percebe-se, também, que esta concepção liberal faz com que os operadores do Direito do Trabalho no Brasil, em sua maioria, esqueçam quais são as bases desse ramo jurídico, negando às vezes seus princípios básicos. Quando um operador jurídico-trabalhista propõe a legalidade da intermediação de mão de obra realizada por uma cooperativa de trabalho, na verdade o que faz é simplesmente negar todo o Direito do Trabalho. Assim, a ideologia dominante, com seu ar de inevitabilidade globalizante, traz impassibilidade e perplexidade ao meio jurídico trabalhista, que passa até a negar-se a si próprio. As soluções jurídicas estão já previstas no ordenamento jurídico pátrio, sendo que a realidade que tenta ser imposta pela nova ideologia dominante é que impede a utilização desses mesmos instrumentos para a solução dos problemas que surgem. A diferenciação entre a terceirização lícita, aquela entrega de atividades não centrais das empresas para realização autônoma por outras empresas especializadas, e a intermediação de mão de obra, objeto de repugnância histórica das sociedades democráticas, pode ser tratada de forma mais clara, segundo os indícios aqui propostos, quais são: gestão do trabalho pela tomadora de serviços, especialização da prestadora de serviços e prevalência do elemento humano no contrato de prestação de serviços. E essa diferenciação é indispensável para a manutenção da unidade do meio laboral, para diminuição de diferenças que dificultam a busca da cidadania pelo trabalho. A apartação e a exclusão social, que vimos apresentar-se em todas as suas formas na intermediação de mão de obra, é interessante à ideologia ora dominante, o que pode ser demonstrado a partir das ideias de seu idealizador, que determina a busca pelos homens da coesão social em qualquer lugar, menos do ambiente do trabalho. O trabalho deixa de ter seu passando à mercadoria posta leis do mercado. O trabalho existente em abundância, e

papel de criador de valor e de história, em concorrência, regida e valorada pelas passa a ser tido como uma mercadoria o emprego, qual seja ele, precário ou 160

aviltante, espremido pela síndrome da “empregabilidade”, faz torná-lo uma dádiva. Empregar, que vira “dar trabalho”, torna-se sinônimo de caridade e ato nobre caridoso do empresário. Torna-se, destarte, uma mercê concedida ao trabalhador. Então, o trabalho, tratado como mercê, remonta à própria etimologia do adjetivo precário, “concedido por mercê revogável”, ou seja, torna-se um favor que pode ser revogável a qualquer momento. O trabalhador intermediado é, indubitavelmente o mais precário de todos no sentido etimológico, pois, como vimos, pode ser-lhe retirado o trabalho a qualquer momento. Assim, a precariedade do trabalho está também na concessão como dádiva, revogável a qualquer hora por interesse do concedente, o tomador de serviços. O trabalhador não quer dádiva. Quer trabalho decente que lhe garanta sobrevivência digna e convivência harmoniosa com o patrão e os demais trabalhadores. O trabalho ainda rege boa parte, senão a totalidade, em alguns casos, a vida do ser humano. É um importante local para a realização das trocas sociais tão imprescindíveis para a vida em sociedade mais humana. O trabalho não deve ser um local onde a pessoa tem obrigação de ir e lá permanecer, esquecendo-se nesse ínterim da sua condição humana, a fim de ganhar algum dinheiro para sua sobrevivência daquele dia. O trabalho enquanto relação jurídica interpessoal deve ser valorizado e estendido no tempo para criação de ritos de trocas que realizariam a inclusão social dos trabalhadores. Como vimos no capítulo dedicado à globalização, o mundo e as relações pessoais certamente mudaram. Mas ainda o trabalho é preponderante na vida das pessoas, principalmente, pois ainda dele necessitamos para a sobrevivência. E mais, o empresário necessita do trabalhador da mesma forma que antes. Mesmo com o crescimento da automação, ainda não foi possível eliminar a necessidade de ter trabalhadores à disposição do empreendimento. Apesar de ser esse o sonho de numerosos empregadores: dispor de uma mão de obra sem ter empregados. Assim, encontrou o empresariado, na intermediação de mão de obra, travestida de terceirização, a chance de realização de seu grande sonho. A utilização do próprio termo “terceirização” já indica a real intenção do empresariado brasileiro no repasse a “terceiro”, outro qualquer, da 161

posição de empregador na relação empregatícia (e consequentemente da responsabilidade sobre os encargos e direitos trabalhistas) com seus empregados. A intenção na sua utilização é justamente separar, apartar, discriminar. Separar os trabalhadores aos quais se deseja dar um tratamento melhor, daqueles que, mesmo sendo indispensáveis e imprescindíveis, não haveria uma necessidade de valoração igual ao primeiro grupo. A intenção, clara, é realizar a discriminação, entre trabalhadores dignos de ostentarem o “título” de empregados, e aqueles outros que serão “os outros”, os “terceirizados”. Vemos realmente o futuro repetir o passado, na exploração do trabalho humano de forma cada vez mais favorável ao detentor do capital, e cada vez menos favorecida ao trabalhador. Vemos um museu de grandes novidades, pois as novas formas de trabalho nada mais são do que tentativas de reviver o trabalho como era no século XIX, sem proteção e desgarrado de qualquer compromisso com a cidadania. Os senhores do progresso na verdade são senhores do regresso, transformando em lataria tudo o que estiver ao seu alcance. E mais, a terceirização, como intermediação de mão de obra, ataca os sentimentos lógicos mais óbvios. É como se uma mãe pudesse escolher entre os filhos aqueles que seriam tidos como seus filhos, e que o poderão chamá-lo de mãe, recebendo todas as benesses advindas dessa ligação. Aqueles não escolhidos seriam desprezados, chamados talvez de “enteados”, não usufruindo a ligação filial que geraria muitos benefícios. Assim, esta mãe, mesmo tendo gerado da mesma forma os filhos, poderia escolher aqueles que mais a agradassem para dar a eles o que já lhes seria natural, ser filho da sua mãe. Da mesma forma se dá com a intermediação de mão de obra, que tenta dar um outro empregador ao trabalhador, contrariamente ao estipulado pelo Direito do Trabalho, com o fim justamente de limitar as vantagens, e principalmente as obrigações, advindas desse liame. O Direito do Trabalho, com a utilização da intermediação de mão de obra, como demonstrado neste trabalho, é atingido brutalmente em seus pilares, deformando sua estrutura, podendo vir a condenar todo o edifício. O que está em cheque é todo o sistema protetor trabalhista, tratado como arcaico e incapaz de resolução dos problemas entre 162

capital e o trabalho, segundo os defensores da liberalização do mercado de trabalho. Ora, como vimos, desde o início do século demonstrou-se que a liberação do trabalho humano de toda a proteção estatal entrega o trabalhador, sem nenhuma arma, nas mãos dos empregadores (ou tomadores de mão de obra, como preferem ser chamados atualmente). O alvo é todo o edifício, e parece que este alvo está sendo a todo o momento atingido, e os habitantes desse prédio não estão dando conta do porvir. Se

quisermos

mesmo

buscar

trazer

cidadania

pelo

trabalho,

contrariando as ideias de Hayek, não podemos deixar que haja tais tipos de segmentação dentro do ambiente laboral. O trabalho é meio próprio para alcance da cidadania, e o seu tratamento cada vez mais longe desse sentido de entendimento do labor provoca a consciência da exploração que o trabalhador vem sofrendo pela forma de trato do trabalho atual. Se acreditarmos que há a possibilidade de que o modo de produção capitalista possa ser justo, deve ser tratado o trabalhador, seja ele realizador de trabalho intelectual ou de escritório, seja ele detentor de tarefas que necessitem de menor qualificação, como cidadão, como uma pessoa íntegra à espera de um tratamento igualitário e digno. Como dizia Flaubert, “Triste et bizarre époque que la nôtre ! Vers quel océan ce torrent d’iniquités coule-t-il ? Où allons-nous dans une nuit si profonde? Ceux qui voulent palper ce monde se retirent vite, effrayés de la corruption qui s’agite dans ses entrailles.” Espero que nesta noite escura pela qual navega o Direito do Trabalho, seu navio deságue em águas mansas e límpidas, onde o trabalho será tratado como locus no qual o ser humano encontrará a si próprio como ser social, e usufruirá todos os benefícios da cidadania plena, sem discriminações de qualquer sorte.

163

POSFÁCIO Nada se alterou tanto no âmbito jurídico quanto sociológico desde a primeira edição desta obra. Realmente, ainda não há uma regulamentação expressa pelo Poder Legislativo da terceirização, apesar de diversas tentativas consubstanciadas em projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional. Todas, sem exceção, com severas tendências precarizantes e expansivas da utilização da terceirização. No presente momento o empresariado tenta desesperadamente utilizar o Supremo Tribunal Federal para liberar a terceirização em qualquer atividade, fim ou meio. Do lado social, a terceirização, confundida com intermediação de mão de obra, cada vez mais lesa os trabalhadores, causando-lhes a perda da força do coletivo laboral, a precarização do trabalho e a exclusão social. As consequências sociais danosas da terceirização já não são exclusivas de países periféricos como o nosso. A Organização Internacional do Trabalho, após várias tentativas de adoção de uma convenção internacional sobre as relações de trabalho triangulares, editou a Recomendação nº 198 no ano de 2006, que trata da relação de emprego. A preocupação dos peritos da Organização Internacional do Trabalho sobre os efeitos nefastos da burla da legislação trabalhista por meio da fuga da relação de emprego na utilização de contratos civis gerou discussão que foi travada por anos no âmbito daquela organização, gerando resistência dentro do grupo dos empregadores à feitura de uma Convenção, ocasionando, por fim, em 2006, na votação de uma Recomendação. Uma Recomendação não tem a pretensão, como é da natureza de uma Convenção, de se tornar lei nos países membros, tendo efeito somente orientador e moral para guiar os países nas legislações estatais. Esta recomendação tem por maior importância a reafirmação do princípio da primazia da realidade, trazendo em seu parágrafo nono: 164

“9. Para os fins da política nacional de proteção dos trabalhadores vinculados por uma relação de trabalho, a existência de uma relação de trabalho deveria determinar-se principalmente de acordo com os fatos relativos à execução do trabalho e à remuneração do trabalhador, sem prejuízo da maneira em que se estipule a relação em qualquer arranjo contrário, seja este de caráter contratual, ou de outra natureza convencionado pelas partes”. Assim, repetindo de forma mais incisiva o dispositivo do art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, não importa qual a forma contratual estipulada pelas partes. Considerando-se a existência das características da relação do trabalho no plano fático, as estipulações em sentido contrário devem ser afastadas, prevalecendo a condição de assalariado, recebendo, assim, a proteção trabalhista. Afirma ainda a mesma recomendação, em seu parágrafo 4, item “b”, que as políticas nacionais devem adotar medidas para: “lutar contra as relações de trabalho disfarçadas, no contexto de, por exemplo, outras relações que possam incluir o recurso a outras formas de acordos contratuais que ocultem a verdadeira situação jurídica, entendendo-se que existe uma relação de trabalho disfarçada quando um empregador considera um empregado como se não o fosse, de uma maneira que oculte sua verdadeira condição jurídica e que possam produzir situações nas quais os acordos contratuais dão lugar a que os trabalhadores se vejam privados da proteção a que têm direito;” Assim, deve a legislação de cada país combater a utilização de contratos civis, sejam eles quais forem, para ocultação da verdadeira condição de empregado, e, por conseguinte, a privação da fruição da proteção trabalhista a que deveriam ter direito. Propõe a citada recomendação, no seu parágrafo 13, que alguns indícios podem ser adotados para a constatação da condição de trabalhador alvo da proteção trabalhista, como aqueles do “feixe de indícios” citados nesta obra: “(a) o fato de que o trabalho: seja realizado de acordo com as instruções e sob o controle de outra parte; envolva a integração do trabalhador na organização da empresa; seja realizado somente ou principalmente para o benefício de outra pessoa; deva ser realizado pessoalmente pelo 165

trabalhador; é realizado dentro de horas estipuladas de trabalho ou dentro de local de trabalho especificado ou acordado pela parte que encomendou o trabalho; tenha uma certa duração e tenha uma certa continuidade; requeira a disponibilidade do trabalhador; ou envolva a provisão de ferramentas, materiais e maquinaria pela parte contratante do trabalho; (b) pagamento periódico de remuneração ao trabalhador; o fato que tal remuneração constitua a única ou principal fonte de recursos do trabalhador; provisão de pagamento in natura, tal como comida, alojamento ou transporte; reconhecimento de direitos como descanso semanal e anual; pagamento pela outra parte de viagem realizada pelo trabalhador para realização do trabalho; ou ausência de risco financeiro pelo trabalhador.” Assim, busca a Organização Internacional do Trabalho dar linhas gerais para que os países membros possam continuar realizando a necessária proteção aos trabalhadores, e que esta sobreviva ao ataque incessante de “novas formas” contratuais que pretendam, em verdade, somente afastar a proteção que merece o trabalhador. As fraudes à relação de emprego atualmente têm uma feição ainda mais ardilosa. Trabalhadores estão sendo obrigados a criar empresas para a prestação de trabalho. São transformados assim em “capitalistas” sem Capital, para a exploração pelo verdadeiro Capital. São lhes incutidos ideias e cobradas atitudes próprias de capitalistas, como assunção de riscos, sendo todos os bônus deixados para o empregador. Tal procedimento é compatível com o “novo espírito do capitalismo” que nos traz Boltanski e Chiapello (1999). O capitalismo atualmente passa a se justificar de uma nova forma, apontando para princípios de equivalência inusitados, em uma configuração ideológica nova. Assim, estaria em formação uma nova forma de cidade, à qual Boltanski denomina de “cidade por projetos”(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, P. 65). Na “cidade por projetos”, a principal forma da ordem natural é a rede e suas características principais são: a mobilidade, a flexibilidade, a tolerância e informalidade (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 190). A vida social se apresenta não mais como uma série de direitos e deveres frente à uma comunidade familiar expandida em um mundo 166

doméstico, nem na forma hierárquica do mundo industrial, mas sim na forma de reencontros e conexões temporais, porém reativáveis, a grupos diversos operados a eventualmente grandes distâncias sociais, profissionais, geográficas e culturais. O projeto é a ocasião e o pretexto da conexão (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 165). O princípio superior comum, ou aquele sob o qual coisas, atos e pessoas são julgados em cada cidade, dividindo em uma disputa aqueles julgados em estados de grande e pequeno, da cidade por projetos é a atividade. A atividade na cidade por projetos opõe o trabalho ao nãotrabalho e o estável ao não-estável, o mensurável em termos de produtividade e o não-mensurável. A atividade é a inserção nas redes, visando a gerar projetos ou se integrar aos já existentes (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 166). A cidade por projetos propõe a substituição do trabalho assalariado por trabalho por honorários, com multiplicidade de clientes, que pode ser auxiliado pelo trabalho benévolo, que cria as redes sociais fora do trabalho. Ao inserir-se em uma empresa por um projeto, a pessoa sabe que será por tempo determinado, com um fim inevitável, no qual deve haver o engajamento sem a perda do entusiasmo. A ideia do fim do projeto traz consigo a possibilidade de engajamento em outro, bem como a possibilidade de escolha do projeto a se engajar. Aquele que não se engajar em projetos, corre o risco da exclusão, por ficar fora das redes. Quem fica fora da rede, não consegue gerar sua própria empregabilidade, que passa a ser obrigação do próprio trabalhador em se qualificar, ao contrário de antes, quando a qualificação e o treinamento eram obrigação da empresa (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 167). A pessoa deve ser adaptável, móvel, flexível, polivalente, capaz de mudar de atividade ou ferramenta para se conservar em um projeto ou se engajar em um outro é manter-se empregável. Ser ativo, autônomo, assumir riscos, aberto, conector, são formas inevitáveis de se inserir nas redes. As empresas apresentam os seguintes dispositivos: subcontratação, especialização, externalização, unidades autônomas, franquias. Essas são as características da empresa pós-moderna, pós-fordista, em rede (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 177). 167

Todas essas características são próprias de estados de grande. Já as características do estado de pequeno são o autoritário, o intolerante, o imóvel, e, principalmente, o rígido (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 179). A relação com o trabalho também se modifica na cidade por projetos. Tida como a própria essência do capitalismo, houve uma tendência crescente de separação entre a vida privada e a vida profissional, o completo afastamento do escritório ou fábrica do lar, sendo corolário da separação entre a força de trabalho que é colocada no mercado e a pessoa do trabalhador. Essa tendência culminou em um capitalismo de grandes empresas burocratizadas e dirigidas por assalariados diplomados no segundo espírito do capitalismo. Essa diferenciação entre as esferas doméstica e profissional inclue também a reprovação do favoritismo, nepotismo ou invasão da vida privada do trabalhador ((BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 236-237). Já no mundo conexionista, ao contrário, a tendência se inverte, desaparecendo a linha entre a vida privada e a vida profissional, sob uma dupla confusão: a) entre as qualidades da pessoa e as propriedades de sua força de trabalho (competência) e a entre a posse pessoal (de si mesmo) e a posse social (entrega à organização). Há a mistura entre o tempo da vida priva e o tempo da vida profissional, representada pelos almoços e jantares corporativos e de negócios e os trabalhos realizados em casa (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 237). Essa é a base das modificações trazidas pelo novo espírito do capitalismo e a nova e em formação cidade por projetos. Veremos agora essas modificações no mundo do trabalho, segundo Boltanski. Inicialmente, Boltanski vê as modificações no mundo do trabalho como assimilação da crítica artística pelo novo espírito do capitalismo e um total esquecimento da crítica social. A principal transformação está na flexibilidade, que pode ser decomposta em flexibilização interna, baseada em uma transformação profunda a organização do trabalho e das técnicas utilizadas (polivalência, autocontrole, desenvolvimento da autonomia) e em flexibilização externa, que pressupõe uma organização do trabalho em rede (subcontratação) e com uma mão de obra maleável em termos de emprego (empregos precários, temporários e independentes), ou em termos de horários ou duração do trabalho (tempo parcial, horários variáveis) (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 292). 168

Quanto às modificações sobre a organização interna do trabalho, vê-se na França a ruptura sistemática de práticas chamadas “tayloristas”, sendo que ocorrem principalmente nas indústrias de processo (petroquímica, siderurgia etc.) (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 293). Observou-se o crescimento exponencial da terceirização e da contratação de trabalhadores temporários (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 296). Outra característica forte é a precarização do trabalho. A utilização de formas precárias de contratação tem um duplo objetivo: utilizar-se da mão de obra disponível somente pelo tempo estritamente necessário e fugir do Direito do Trabalho (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 303). Ocorre também a “dualização do assalariado”, ou seja, a existência de diferentes estatutos entre os trabalhadores dentro da mesma empresa, sendo alguns contratados diretamente pela empregadora, a tempo indeterminado e com todos os direitos e garantias, e outros, ou contratados precariamente ou contratados por empresas fornecedoras de mão de obra, seja ela permanente ou temporária (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 308-313). Interessante dado verificado por Boltanski é a utilização do trabalho precário ou externalizado para processo de seleção/exclusão (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 313-318). Os estudos citados demonstram que os menos competentes, os mais frágeis fisicamente ou psiquicamente, os menos maleáveis, foram sendo remetidos às contratações cada vez mais precárias, até a completa exclusão da rede (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 313-314). Interessante análise das dispensas coletivas constatou a discriminação não somente por motivos já conhecidos como raça, sexo e origem, mas outras condições pessoais dos trabalhadores, como as qualidades médico-psicológicas das pessoas, ou seja, o seu estado de saúde, com o fim de expelir os empregados menos qualificados ou com menos condições físicopsíquicas (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 323). Ao mesmo tempo, constata-se um enfraquecimento das defesas do mundo do trabalho, pela intensa dessindicalização, seja pela repressão anti-sindical ou pela reestruturação das empresas, pela terceirização ou deslocamento espacial (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 352-360). A desintegração da comunidade de trabalho, pela existência de 169

trabalhadores de diferentes estatutos e de diferentes empregadores (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999, p. 358). Enfim, Boltanski demonstra que, a título de “libertação” dos trabalhadores, o que almejava a crítica artística ao capitalismo, o que se percebe é a exploração maior pelo capital dos trabalhadores, justamente pela individualização dos assalariados e a criação de diversos estatutos ligados às características pessoais e individuais de cada trabalhador. O Direito do Trabalho, assim, é colocado em risco a partir dessa mentalidade. A integridade do direito do trabalho somente será mantida com a não confusão entre os fenômenos da terceirização e da intermediação de mão de obra. Esta última deve ser sempre repelida, ou, no máximo restringida em situações excepcionais. Ao lado disso, dispositivos devem ser encontrados para inibir a utilização da terceirização como fornecimento de mão de obra, e, assim, sua utilização para redução de custos. A solução, entendemos, passa justamente por deixar mais onerosa a terceirização. Propõe-se a fixação de garantias aos trabalhadores que impedirão a utilização desvirtuada do fenômeno. Assim, as três iniciativas a serem propostas, algumas já com utilização pelos tribunais trabalhistas, seriam: 1) Responsabilidade solidária trabalhadores da contratada;

do

contratante

em

relação

aos

2) Isonomia de direitos e benefícios entre os trabalhadores da terceirizada e da empresa contratante; e 3) ampliação da liberdade sindical, com possibilidade de reunião em um mesmo sindicato dos trabalhadores da empresa principal e das contratadas. Dessa forma, ao mesmo tempo em que se mantém a integridade do Direito do Trabalho, criam-se amarras que vão impedir, ou pelo menos tornar mais custoso, assim menos atraente a tentativa da burla da legislação trabalhista por meio de intermediação de mão de obra travestida de terceirização.

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