\"Teria sido melhor ir ver o filme do Pelé\": tradução e adaptação de El Chavo (Chaves) para o contexto brasileiro

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http://www.sbt.com.br/chaves/ (acessado em 12/12/2016)
Além de dublar a voz do personagem Chaves, Marcelo Gastaldi é o responsável pela tradução das falas do seriado para o português brasileiro (BAHR, 2014, p. 39).
Pelo menos nos dois episódios analisados para esse trabalho, mesmo a trilha sonora empregada não é a mesma nas versões em espanhol e em português do seriado.
O trecho selecionado deste episódio está disponível em: https://youtu.be/XA1uPfKvhDU?t=23m59s (em espanhol) e https://youtu.be/wreU5qBF-gE?t=25m35s (em português).
Não como "cortiço", mas na maior parte dos outros episódios da série "a tradução utilizada na versão brasileira para a palavra vecindad foi "vila". As vilas no Brasil têm um formato diferente das vecindad do México. No Brasil, as vilas são construídas ao redor de ruas de pouco movimento ou sem saída, e possuem calçadas em frente às casas. Vecindad são pátios e corredores que fazem ligações das casas para a rua, como uma galeria comercial de casas (KASCHNER, 2006, p.52). Portanto, o termo mais próximo da cultura brasileira seria vizinhança, mas a dublagem optou pelo termo vila" (BAHR, 2015, p. 34).
"A equivalência consiste em substituir um segmento de texto da LO [língua original] por um outro segmento da LT [língua da tradução] que não o traduz literalmente, mas que lhe é funcionalmente equivalente" (BARBOSA, 2004, p. 68).
Conferir "De 'vossa mercê' a 'cê': os processos de uma mudança em curso" (PERES, 2007).
Os episódios assistidos estão disponíveis em: https://youtu.be/ZRt573Ch10w (em espanhol) e https://youtu.be/kwUl9fsAbKs (em português).
LA840A: Angelo Gabriel Uehara Ardonde (164239).
"TERIA SIDO MELHOR IR VER O FILME DO PELÉ": TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO DE EL CHAVO (CHAVES) PARA O CONTEXTO BRASILEIRO
Este breve trabalho pretende observar os procedimentos técnicos de tradução e adaptação do seriado televisivo mexicano El Chavo del Ocho (ou Chaves, nome dado ao seriado no Brasil) para o contexto da televisão aberta brasileira, considerando como preocupação pertinente a esse processo a identificação de um novo público alvo — brasileiro e não mais mexicano — com seu universo próprio de referências socioculturais. Como fundamentação teórica relativa às técnicas de tradução, este trabalho adota como referência os procedimentos técnicos categorizados e descritos por Barbosa (2004).
A análise deste trabalho será desenvolvida em torno de exemplos extraídos de dois episódios do seriado — Vacaciones en Acapulco/Os farofeiros (1977) e El cine/Vamos ao cinema? (1979) — em que as manobras de adaptação de seus diálogos, de forma a adequá-los a referências socioculturais próprias ao público brasileiro, ficam mais evidentes. Contudo, antes de nos adentrarmos em tais discussões, é essencial apresentar uma breve descrição do seriado de modo a contextualizá-lo em relação a seu enredo e conteúdo.
Para tal, a forma mais interessante de caracterizarmos o seriado Chaves em seu formato brasileiro seria a partir da descrição presente no site do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), rede de televisão aberta que o transmite, ainda atualmente, há mais de trinta anos. Envolvendo espectadores brasileiros de tantas gerações, Chaves está há tanto tempo no ar no SBT que se tornou uma tradição vê-lo em sua programação habitual (SANTOS, SALES e FERREIRA, 2015, p. 28). Dessa forma, como um dos seus programas mais consagrados, Chaves é assim descrito no site da emissora:
Chaves, ou El Chavo del Ocho, é uma comédia de situação que aborda as interações de um grupo de pessoas que moram em uma vila pobre. O protagonista, Chaves, é um garoto órfão de oito anos que muitas vezes enfrenta problemas com adultos, incluindo Seu Madruga, Dona Florinda e Dona Clotilde devido a mal-entendimentos, distrações ou travessuras. Ele também convive com seus amigos Quico e Chiquinha, que são da mesma idade. A trama, praticamente, se desenrola nesta vila, sendo Seu Barriga, o dono da mesma e os moradores Seu Madruga, Dona Neves e Chiquinha, que vivem na casa 72, Dona Clotilde, apelidada de Bruxa do 71 por sua aparência e o número de sua residência, e na casa 14 vivem Dona Florinda e seu filho Quico, tendo o Professor Girafales como visitante frequente da vila.
Para a perspectiva com que vamos analisar o seriado neste trabalho, é muito significativo notarmos, já a partir dessa descrição, uma forma de descontextualização do enredo apresentado no seriado em relação a suas origens mexicanas: há uma adaptação do nome dos personagens para a língua portuguesa (como de "Don Ramón" para "Seu Madruga") e não é informado em qual país se localizaria a "vila pobre" habitada por eles. Esse apagamento de suas referências originalmente mexicanas reflete, por parte de seu tradutor, uma estratégia de abrasileiramento da série: todo o processo de tradução de Chaves passa pela interpretação e adaptação de seus elementos (personagens, nomes de lugares, trilha sonora, diálogos) de acordo com as demandas próprias a seu meio de veiculação e ao perfil de seu público telespectador.
A tradução, nesse sentido, dá sobrevida ao texto traduzido. No caso de Chaves, sua tradução tem como estratégia a recontextualização do universo de referências da série, de modo a adaptá-la a referentes socioculturais brasileiros amplamente reconhecíveis por um novo público alvo (a dizer, pelo público brasileiro espectador de canais da televisão aberta). Para exemplificar, notamos isso claramente no seguinte trecho transcrito do episódio Vacaciones En Acapulco/Os farofeiros (1977):


(Chiquinha) — Chaves! Como é que chegou aqui no Guarujá, Chaves?
(Chaves) — É que eu vim com o seu Barriga.
(Chiquinha) — Ah! O botijão com patas?
(Seu Barriga) — Quem é botijão com patas?
(Chiquinha) — Um velho gordo que tem um cortiço em São Paulo e que...


(Chilindrina) — Chavo! Cómo es que llegaste aqui a Acapulco, Chavo?
(Chavo) — Pues me trajo el señor Barriga.
(Chilindrina) —Já! El botellón con patas?
(Señor Barriga) — Quién es botellón con patas?
(Chilindrina) — Un viejo gordo que tiene una vecindad en México y que...


O que podemos destacar neste exemplo é a substituição da praia de "Acapulco" e de "uma vecindad en México" para, respectivamente, a praia do "Guarujá" e "um cortiço em São Paulo" (dando a entender que os personagens morariam em São Paulo, o que é uma particularidade deste trecho, uma vez que essa informação não é explicitada em outros episódios da versão brasileira da série). Há, inclusive, episódios em que referências a times de futebol mexicano são substituídas por times brasileiros, com menção a nomes de jogadores desses times na década de 70 (BAHR, 2014, p. 54). Nesse sentido, percebemos de forma marcada na fala dos personagens — inclusive em seus sotaques — muitas referências a elementos inseridos em um contexto sociocultural não só brasileiro, mas mais especificamente paulista (BAHR, 2005, p. 54).
Considerando as nomenclaturas propostas por Barbosa (2004) para a análise de técnicas de tradução, em algumas falas deste trecho podemos notar, em grande parte, o emprego de uma tradução palavra-por-palavra, isto é, mantendo as falas em português na mesma ordem sintática das falas em espanhol e empregando vocábulos que sejam, semanticamente, o mais próximo possível dos vocábulos correspondentes nas falas em espanhol (BARBOSA, 2004, p. 64). Nesse sentido, considerando as falas presentes no exemplo anterior, podemos esquematizar a seguinte comparação:

Chavo! Cómo es que llegaste aqui a Acapulco, Chavo?

Chaves! Como é que chegou aqui no Guarujá, Chaves?

Quién es botellón con patas?

Quem é botijão com patas?
Tal possibilidade de tradução, em grande parte, palavra-por-palavra deve-se à proximidade linguística entre o português e o espanhol, que são línguas com grande equivalência morfossintática — o que garante, inclusive, a sincronização labial para a maior parte do processo de dublagem do seriado, de forma a naturalizar, para a percepção dos telespectadores brasileiros, a voz dos personagens em relação a seus movimentos labiais (MACHADO, 2012, p. 17). No entanto, também é possível notar para esse processo de tradução as implicações de algumas particularidades da língua espanhola em comparação com o português brasileiro: por exemplo, o emprego do pronome de tratamento formal "usted" (em oposição ao informal "tú") é traduzido pelo seu equivalente em português "senhor(a)" — já que o pronome "você", ao longo do tempo, deixou de ser empregado como marca de formalidade no português brasileiro.
Ainda levando em consideração o processo de dublagem, há momentos em que as falas dos personagens são, em parte, adaptadas para garantir o efeito de sincronização labial mencionado acima. Um claro exemplo disso é o próprio apelido do personagem Chaves, que em espanhol não se trata de um apelido, pois — de forma equivalente do espanhol para o português — "el chavo" significa apenas "o garoto". Nesse sentido, o seriado traduzido e adaptado para o português ganha novos significados: aqui, "o garoto" ganha o apelido de Chaves devido a necessidade de se manter a sincronização labial no processo de dublagem (BAHR, 2014, p. 66). Contudo, ganhando sobrevida ao ser traduzido para o português, o seriado também acaba, consequentemente, ocultando ou perdendo alguns significados presentes em sua versão mexicana. Por exemplo,
outro vocábulo que figura no título original da produção, ocho – "oito" –, foi usado com recurso do duplo sentido por parte de seu autor: trata-se de uma gíria do idioma espanhol falado no México, cujo significado é "barril" – referência ao barril onde o protagonista da série viveria; o número "oito" também faz referência ao primeiro canal de TV em que foi exibido o programa, o canal 8 TIM – Televisión Independiente del México – e que, em 1975, a Televisa acabou comprando. Chespirito continuou usando o oito no nome do seriado, mesmo a Televisa sendo do canal 5, e criou uma nova explicação para o fato no enredo da história: o garoto teoricamente morava na casa 8 da vila, mas preferia passar a maior parte do seu tempo dentro de um barril.
Outro exemplo que bem retrata a estratégia de abrasileiramento do seriado pode ser observado no episódio El cine/Vamos ao cinema? (1979). "Teria sido melhor ir ver o filme do Pelé", que dá título a este trabalho, é uma fala do personagem Chaves neste episódio que se tornou reconhecida entre os fãs brasileiros da série e que fora adaptada do espanhol: "hubiera sido mejor haber ido a ver la película El Chanfle". Filme de comédia sobre um clube de futebol mexicano, El Chanfle (1979) é estrelado por Roberto Gómez Bolaños (também conhecido por Chespirito, assim mencionado na citação anterior), comediante notoriamente reconhecido como criador e protagonista de filmes e seriados mexicanos humorísticos, dentre os quais El Chavo del ocho tem maior destaque. Nesse sentido — de "El Chanfle" a "Pelé", em um movimento de recontextualização das referências culturais do mexicano para o brasileiro — a fala do personagem Chaves ganha vivacidade e simbologia cultural frente a uma nova audiência, facilitando sua receptividade por parte de um novo público telespectador (BAHR, 2014, p. 31).

Bibliografia
BAHR, Michael Pizzatto. El Chavo Del Ocho/ Chaves: tradução, adaptação, dublagem. 2014. 104 p. Dissertação de Mestrado em Processos comunicacionais. Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2014. In: http://tede.utp.br:8080/jspui/handle/tede/228. Acessado em: 12/12/2016.
BARBOSA, H. Procedimentos técnicos de tradução: uma nova proposta. São Paulo: Pontes, 2004.
FERREIRA, Raquel; SALES, Roseni e SANTOS, Adriana. "A audiência do 'Chaves': motivos, usos e gratificações". Revista ALTERJOR: Jornalismo Popular e Alternativo (ECA-USP), 2015. In: http://www.revistas.usp.br/alterjor/article/viewFile/98923/104077. Acessado em 12/12/2016.
MACHADO, Dilma. "Uma Análise do sincronismo no processo tradutório da dublagem". 2012. Artigo disponível em: https://www.academia.edu/3835868/Uma_An%C3%A1lise_do_Sincronismo_no_Processo_Tradut%C3%B3rio_da_Dublagem. Acessado em 12/12/2016.


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