Terra: O Que Acontece Contigo?

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Revista Terceira Civilização

Edição: Fevereiro de 2009

Seção: Especial — Terra: O que acontece contigo?

Entrevistado: Profº Dr. Astolfo Araújo, geólogo, arqueólogo e professor da USP.

Questões

1. Quais as causas dos atuais desastres que afligem a Terra? O que chamamos de “desastres” são fenômenos naturais que sempre existiram e sempre existirão. A diferença é que cada vez há mais gente na face da Terra, e um evento de grande magnitude (muita chuva, muita seca, terremotos, etc) que poderia passar despercebido há 50.000 anos atrás, hoje é um grande problema. Assim, não é necessário ser vidente para fazer a previsão de que cada vez haverá mais “desastres”, uma vez que haverá mais gente para testemunhar, da pior maneira possível, essas manifestações naturais. O interessante é que os últimos 10.000 anos da história da Terra, que chamamos de Holoceno, têm sido extremamente benignos do ponto de vista climático. O clima da Terra era muito mais violento e imprevisível, especialmente por volta de 18.000 anos atrás. Alguns cientistas, inclusive, acreditam que a agricultura (e, por conseguinte, a sociedade humana contemporânea) só foi possível por causa dessa extrema tranqüilidade do clima. Ou seja, o que chamamos de “desastres” hoje não são nada perto do que acontecia, a diferença é que as pessoas não tinham tantos bens materiais, e se acontecia uma cheia, era só subir o morro, sem perder casa, carro, e eletrodomésticos. Outro fator é que, com menos gente, ficava fácil migrar. Ninguém era obrigado a viver no semi-árido, por exemplo. Era só carregar as coisas nas costas e procurar um lugar melhor para viver.

2. Até que ponto a interferência humana no meio ambiente causa danos? O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), um órgão da ONU que reúne cientistas do mundo todo para discutir as causas e efeitos do aquecimento global, deixou claro, em 2007, que não há mais dúvidas de que as ações humanas são o principal fator por trás das mudanças climáticas. Até o momento, parece que toda a atividade industrial, desmatamento, agricultura e atividades ligadas ao “conforto e bem-estar” modernos (automóveis, por exemplo) são responsáveis pela liberação dos chamados gases-estufa, principalmente o CO2 (gás carbônico), CH4 (metano) e N2O (óxido nítrico). O CO2 é liberado principalmente pela queima de combustíveis fósseis, fabricação de cimento e queima de gases, enquanto o CO2 e o N2O são mais relacionados à agricultura. As concentrações de CO2 e CH4 de hoje são as maiores dos últimos 650.000 anos, o que mostra claramente a influência humana no processo. Os danos estão cada vez mais visíveis, já que esse aumento de temperatura parece estar causando um aumento das tempestades tropicais, e ao mesmo secas severas em outras partes do globo, isso sem contar os prejuízos relacionados ao aumento do nível do mar, uma vez que a maior parte da população mundial vive em ambientes costeiros.

3. O que é o aquecimento global? O aquecimento global é um aumento da temperatura média da Terra, promovido pela ação humana, na forma de liberação dos chamados “gases-estufa”, que são principalmente o gás carbônico, o metano e o óxido nítrico. Esses gases têm o efeito de servir como um “cobertor”, dificultando a liberação da radiação solar que bate na superfície da Terra. A radiação solar atravessa a atmosfera, bate na superfície da Terra e, em condições normais, é quase totalmente refletida, indo para o espaço. Os gases-estufa fazem com que boa parte dessa radiação faça um “bate-e-volta”, ficando aprisionada na atmosfera, como se fosse uma estufa de plantas.

4. Ainda há possibilidade de reverter a atual situação do planeta? Como? Essa pergunta é a mais difícil de responder, uma vez que o cenário ainda não é claro. Ou seja, não está claro se o processo de aquecimento global é reversível. A única coisa clara é que somos realmente

responsáveis pelo aquecimento global. Perdemos anos preciosos discutindo se o aquecimento global era ou não induzido pelo homem. As empresas exploradoras de petróleo viviam encomendando “estudos independentes”. Grandes interesses financeiros estavam e estão em jogo. Agora que é óbvia nossa parcela de responsabilidade, resta saber se haverá vontade política para mudar o cenário. Por exemplo, essa crise financeira mundial seria um ótimo momento para mudar a orientação da indústria. A inutilidade das montadoras de automóveis ficou claríssima. Ninguém precisa de tantos carros, e nem deveriam ser fabricados tantos carros, mas o que vemos? O governo tentando ajudar o aumento da produção. Outro exemplo é o do embate entre o ministro da agricultura e o ministro do meio-ambiente. Se alguém diz que é preciso manter 80% da floresta amazônica como reserva legal, e não diminuir para 50%, vem o velho discurso do “progresso”. De qualquer modo, do meu ponto de vista existem dois pontos espinhosos, que ninguém quer abordar de maneira direta; um deles é o fato óbvio de que nunca a humanidade vai poder viver de acordo com os padrões de consumo dos Estados Unidos. Nunca haverá carros, micrroondas, televisores, geladeiras, eletricidade e comida para todo mundo em um padrão de consumo norte-americano. Mas é essa a mensagem que se passa. Que se todas as pessoas trabalharem duro, elas vão “chegar lá”. Que todos os países que seguirem o programa de “crescimento econômico infinito” serão iguais aos Estados Unidos. Isso é mentira. Alguns cálculos simples mostram que seriam necessários 4,5 planetas Terra para isso. Então, ou se diz a verdade para as pessoas, ou se enfrenta o segundo ponto: por mais “ecológicos” que tentemos ser, somos muito numerosos. O problema é que, sem mencionar pontos de vista religiosos, é vantajoso para a indústria, comércio e governos haver gente sobrando, porque a indústria tem um estoque de funcionários à disposição (que, por serem numerosos, aceitam ganhar pouco), o comércio tem um estoque de consumidores, e os governos têm um estoque de contribuintes e, em último caso, de combatentes. Mas certamente, para o bem-estar da humanidade, ter menos gente demandando energia, bens materiais e alimentos seria uma boa coisa. Se isso não acontecer, pelo menos que se deixe claro que o consumo deve diminuir. Que a economia deveria se voltar para a produção de bens materiais de melhor qualidade, mais caros e em menores números, ao invés da atual enxurrada de bens baratos, descartáveis e não recicláveis. Já houve tempo em que as pessoas trabalhavam muito para adquirir algo, e lutavam para manter esse bem conservado. Hoje, compra-se tudo com facilidade, as pessoas acham normal se endividar, e acabam trocando de carro e eletrodomésticos a todo instante. Este modelo de consumo desenfreado e endividamento perene é insustentável, como a crise econômica atual mostrou cabalmente. É a segunda mentira. De qualquer modo, o mundo é feito por pessoas comuns. Não adianta ficar falando do aquecimento global e continuar usando o carro para ir à padaria, a duas quadras de distância da sua casa. Também não adianta encher a sua casa de bugigangas e eletrodomésticos que você mal usa,

ou troca-los a cada 12 meses. Ou comprar um terreno “no mato” e desmatar tudo para plantar grama. São ações individuais que, no fim das contas, farão a diferença.

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