Terramoto de Lisboa e maremoto dos Açores em 1755: Ciência, História e Contradições

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2005 - 250 anos do terramoto de Lisboa e do maremoto dos Açores Terramoto de Lisboa e maremoto dos Açores em 1755: Ciência, História e Contradições Félix Rodrigues Departamento de Ciências Agrárias Campus de Angra do Heroísmo Universidade dos Açores Nota- Este trabalho foi desenvolvido no ano em que se assinalam os 250 anos do Terramoto de Lisboa e Maremoto dos Açores, 2005, em estreita colaboração com a RTP-Açores.

Por volta das nove e meia da manhã, de 1 de Novembro de 1755, a terra começou a tremer originando a maior catástrofe de que havia memória na Europa, destruindo a grande cidade de Lisboa (José Hermano Saraiva e Maria Luísa Guerra, 1998). Uma hora, a hora e meia após o terramoto de Lisboa, seguiu-se um maremoto que atingiu esse mesmo local, afirma o filósofo Immanuel Kant (escritos sobre o Terramoto de Lisboa, 2005, Livraria Almedina). No Algarve o terramoto começou a sentir-se às 9 horas da manhã (Gazeta de Lisboa). “Sentido em toda a Europa, o maremoto atingiu Haia e Amesterdão na Holanda, entre as 11 horas e o meio-dia, bem como outras partes do Norte da Europa, incluindo as ilhas Britânicas” (José Hermano Saraiva e Maria Luísa Guerra, 1998). Na Ilha Terceira, no Arquipélago dos Açores, o maremoto atlântico atinge a cidade de Angra do Heroísmo cerca das dez horas da manhã, uma hora depois do terramoto de Lisboa (Francisco Ferreira Drummond, 1859) e cerca de vinte minutos mais tarde, atinge a cidade da Horta na ilha do Faial. Na Horta, o mar entrou pela Ribeira da Conceição, chegando aos moinhos de água “na altura de 8 palmos” (CVARGUA, 1998). Não se garante que as horas aqui referidas pelos historiadores açorianos sejam as horas locais. Na ilha da Madeira o maremoto atinge as Desertas destruindo parcialmente a Deserta Grande, tendo subido as águas a Sul desta ilha cerca de 3 m, e a norte, observou-se um abaixamento das águas até 100 m da costa (autor desconhecido). De acordo com Francisco Ferreira Drummond e CVARGUA, (1998), cerca das dez horas da manhã de 1 de Novembro de 1755 formaram-se três enormes ondas que atingiram o arquipélago açoriano, mas apenas existem registos de destruições nas ilhas Terceira, São Miguel e Faial. Essas três ondas tanto se podem dever a três réplicas de um sismo, como a três eventos distintos, ou eventos sísmicos com epicentros diferentes. Na ilha Terceira, aparentemente a mais atingida, de acordo com Ferreira Drummond, a maremoto demoliu, na vila da Praia da Vitória 15 casas e a ermida de São Tiago no Porto Martins, além de destruir barcos, terras, muros e vinhas, e provocado o morte, a pelo menos, seis pessoas.

2005 - 250 anos do terramoto de Lisboa e do maremoto dos Açores Segundo dois assentos paroquiais existentes, registados pelo investigador açoriano Francisco Ferreira Drummond, morreram Matheus Teixeira, Simão Machado Evangelho, Catharina Teresa e sua filha Anna, Josefa Antonia e Manoel Viera Luiz. Em Angra do Heroísmo, de acordo com Ferreira Drummond, "o mar galgou para terra por três vezes até à praça dos Cosmes”, hoje, a Praça Velha, a principal praça da cidade, no centro histórico classificado como Património Mundial, “deixando os barcos em seco e destruindo todos os que se encontravam no Porto das Pipas” (O Porto das Pipas é um porto que ainda no século XV assumiu o lugar de principal centro de distribuição de pessoas e mercadorias não apenas da ilha Terceira como também de todo o Grupo Central do Arquipélago dos Açores. A primeira informação arquitectural que existe a seu respeito é um desenho de Jan Huygen van Linschoten, datado do século XVI, mostrando apenas um pequeno ancoradouro). "O refluxo das ondas destruiu de seguida as muralhas da alfândega e levou muitas das madeiras que ali se encontravam" refere Ferreira Drummond. Na cidade da Horta (Faial) onde o mar veio a terra também por três vezes "os barcos ficaram quase a bater com a quilha no chão" enquanto em Ponta Delgada (São Miguel) "o mar subiu pelas ruas da cidade estragando muitos edifícios mas sem registo de mortos" (CVARGUA, 1998). Supõem os investigadores que o maremoto tenha atingido outras ilhas e provocado destruições semelhantes às da Terceira, São Miguel e Faial, mas não existem registos de tal evento nas ilhas no Grupo Central, e na ilha de Santa Maria, no Grupo Oriental, que o possam confirmar. Também não se encontraram referências sobre o efeito desse maremoto nas ilhas do Grupo Ocidental (Flores e Corvo). A notícia do terramoto de Lisboa, de acordo com Ferreira Drummond, só chegou ao conhecimento dos açorianos a 26 de Janeiro de 1756 com a chegada do primeiro navio oriundo da capital portuguesa. Com base nestes dados, admitindo que a hora a que os historiadores se estão a referir é a hora solar (cerca de 1 hora e meia a menos nos Açores do que em Lisboa) e que se trata do mesmo evento, o maremoto de Lisboa atinge a ilha Terceira nos Açores meia hora depois de atingir Lisboa. Isso faria localizar o epicentro desse evento mais perto dos Açores do que de Lisboa. Uma equipa do IST (João Fonseca, Susana Vilanova e Ana Catarina Nunes, 2003, Bulletin of the Seismological Society of America) publicou um artigo onde afirmam que teriam existido dois sismos praticamente simultâneos: um com origem no banco de Gorringe, a 350 km de Lisboa, e um outro, sequência do primeiro, que ocorreu na falha do Vale Inferior do Tejo. Essa hipótese não é corroborada pelos dados históricos, se admitirmos tratar-se de um só evento. Por outro lado, os dois sismos referidos por essa equipa não explicam a distância percorrida pelos maremotos de Lisboa e Açores,

2005 - 250 anos do terramoto de Lisboa e do maremoto dos Açores haveria necessidade de introduzir nessa teoria um terceiro epicentro ou um terceiro sismo. Três epicentros diferentes explicariam as três vagas sucessivas ou os três maremotos descritos pelos historiadores açorianos. Se admitirmos de novo como correctos os registos da hora dos acontecimentos de Angra do Heroísmo e Horta, referidos por Ferreira Drummond, verificaríamos que a onda do maremoto se deslocou a cerca de 450 km/h, o que parece ser uma velocidade razoável já que as ondas de maremotos se deslocam normalmente entre os 400 km/h e os 600 km/h. Por outro lado, a velocidade típica de propagação de ondas sísmicas situa-se entre os 6 e os 8 km/s. Tendo-se registado o terramoto que atingiu o Algarve cerca das 9 horas da manhã de 1 de Novembro de 1775, e tratando-se do mesmo evento que originou o terramoto de Lisboa às 9 horas e trinta minutos, essas ondas teriam viajado a uma velocidade de cerca de 0,1 km/s, o que é manifestamente atípico. Fazendo fé nos dados históricos, haveria que acrescentar um outro epicentro, para outro evento, que explicasse o sismo ou terramoto do Algarve, e já estaríamos a falar de quatro eventos distintos. A localização do epicentro do terramoto de 1755 na falha Açores-Gibraltar, num ponto equidistante dos Açores e Lisboa ajudaria a explicar parte desses acontecimentos, mas não explicaria o facto do maremoto ter atingido a ilha da Madeira pelo Sul e as ilhas Terceira e Faial, nos Açores, pelo Sul e Este. Claramente que os trabalhos que apontam para o epicentro do terramoto de 1755, um ponto a 200 km do Cabo de São Vicente, não estão de acordo com os dados históricos. Admitindo ainda, e de novo, tratar-se de um único evento geológico, associado ao terramoto de Lisboa de 1755, e que o maremoto que atingiu Lisboa foi o mesmo que atingiu os Açores e a Holanda, esse só seria sentido em Haia, 4 horas após ter-se manifestado em Lisboa. Assim sendo, o maremoto Holandês deveria ter sido registado pelas 4 horas e meia da tarde de Haia e nunca entre as 11 horas da manhã e o meio-dia. Se houve tentativa dos historiadores referenciarem o evento de 1755 à hora de Lisboa, ele deveria ter sido referido como tendo ocorrido por cerca das três horas da tarde, e nunca, entre as 11 horas da manhã e o meio-dia. A admitirmos como correctos esses registos, o maremoto atingiu em simultâneo Lisboa e Holanda, e meia hora depois, a ilha Terceira, nos Açores. Não sabendo os açorianos da existência do terramoto de Lisboa, a hora registada para o evento na ilha Terceira aparenta claramente ser a hora local. Tal facto, não permite explicar a razão pela qual as águas do maremoto atingiram a ilha da Madeira, a ilha Terceira e a ilha do Faial, pelo Sul, resultante do relato de três historiadores distintos. A serem fidedignos os registos holandeses, haveria que considerar ainda um outro epicentro para além dos anteriormente descritos. Que terá realmente acontecido no Atlântico nessa data? Face ao devastador efeito do terramoto de 1755, não terá havido uma identificação em todo o Mundo com a dor produzida por essa catástrofe e assim ao referir o

2005 - 250 anos do terramoto de Lisboa e do maremoto dos Açores acontecimento pretender dar-lhe uma amplitude mundial? Os historiadores afirmam que o maremoto se sentiu na Alemanha, Holanda, Irlanda, Grã-Bretanha, Suécia, Dinamarca, França, Suíça, Áustria, Espanha, Marrocos, Madeira, Açores e na ilha de Barbados. Não terá a visão deste acontecimento, como sendo “um castigo Divino”, influenciado a descrição dos factos? A história e a ciência parecem teimar em se contradizer.

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