Terramoto político em França

June 14, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoria: Eleições, França, Eleições Regionais
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Terramoto político em França João Pedro Simões Dias - 2015.12.08

No passado dia 13 de Novembro a França sofreu as agruras do terrorismo em plena capital, Paris, a cidade-luz; no passado domingo, sofreu um verdadeiro terramoto político por ocasião das eleições regionais que colocaram a Frente Nacional de Marine Le Pen como o principal partido francês, o partido mais votado com 30% do voto dos franceses, liderando a eleição em 6 das 13 regiões gaulesas, seguido dos Republicanos do ressuscitado Nicolas Sarkozy com 27% e dos socialistas do Presidente François Hollande com cerca de 23% dos sufrágios. Estes dois factos – os atentados terroristas e o resultado desta primeira volta das eleições regionais – não devem ser tidos como isolados e independentes. Antes, há entre eles um verdadeiro nexo de causalidade. Concretizando – o resultado eleitoral é, em muito, consequência do que aconteceu naquela sexta-feira negra em Paris e de tudo o que se lhe seguiu. A França, recordemo-lo, já tinha sofrido no início deste ano um outro atentado em Paris, direcionado contra o semanário satírico “Charlie Hebdo”; pese embora a sua violência, nada, porém, comparado com a carnificina violenta daquela infausta sexta-feira negra. Ora, a forma como tanto o Presidente François Hollande como o governo de Manuel Valls reagiram aos atentados perpetrados pelo Daesh em plena cidade de Paris foi, invariavelmente, assente, no reforço de uma forte componente securitária e na restrição de um conjunto de liberdades individuais muitas das quais, recorde-se, nascidas em França e no ambiente cultural da sua histórica Revolução. Limitação à liberdade de circulação de pessoas, introdução do estado de emergência, restrições ao direito de manifestação, reintrodução de controles fronteiriços – foram, apenas, al-

gumas das medidas anunciadas por Hollande e pelo seu governo, a par da resposta militar traduzida na intensificação da luta contra o Daesh e as suas instalações e campos de treino em plena Síria. Acontece que, se atentarmos bem para a essência de muitas destas medidas adotadas pelo poder político socialista francês, teremos de reconhecer que muitas delas são, há largos anos, preconizadas e defendidas pela Frente Nacional da família Le Pen. Donde não surpreenda que, perante esta coincidência entre o que é defendido pela Frente Nacional e a resposta dada pelo Partido Socialista, os eleitores tenham optado por canalizar os seus votos de uma forma significativa para a formação de Marine Le Pen. E com este movimento, lograram conduzir, pela primeira vez em eleições nacionais internas, a Frente Nacional à condição de primeiro partido político francês. E isto num quadro em que estudos de opinião das vésperas do ato eleitoral evidenciavam que o Presidente François Hollande beneficiava das mais altas taxas de aprovação obtidas ao longo do seu mandato, justamente por causa da forma assertiva e determinada como reagiu aos acontecimentos daquela sexta-feira negra de Novembro. Decerto – beneficiando dum sistema eleitoral maioritário (a duas voltas) os votos alcançados pela Frente Nacional, inclusivamente as vitórias relativas obtidas em 6 das 13 circunscrições regionais mas sem maioria absoluta, exigirão a realização de uma segunda volta que poderão impedir que os votos alcançados em urna se traduzam em mandatos locais obtidos pela FN. Formal ou informalmente, com ou sem acordos políticos expressos, Republicanos e Socialistas acabarão, por certo, na segunda volta por se entender e cruzar os respetivos votos por forma a evitar a eleição dos candidatos da extrema-direita (um pouco à semelhança do ocorrido na eleição presidencial que, na segunda volta, opôs Jacques Chirac a Jean Marie Le Pen). Trata-se, creio, já apenas e só de um pequeno detalhe. Importante, mas nem

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por isso pequeno detalhe. De relevo e a merecer verdadeira nota de destaque, o facto de a Frente Nacional já merecer a confiança absoluta de 30% dos franceses e ser o primeiro partido político em França. O que serve para nos demonstrar, inequivocamente, duas coisas. Em primeiro lugar, que Marine Le Pen é, objetivamente, quem se encontra em melhor posição para suceder a François Hollande no Palácio do Eliseu nas eleições presidenciais de 2017. Factos são factos, e meter a cabeça na areia para não os encararmos nunca foi o remédio adequado para os enfrentarmos. Em segundo lugar, esta eleição regional em França veio confirmar uma evidência que, empiricamente, já intuíamos mas que, agora, se vê plenamente confirmadas – a de que o estado de insegurança a que chegaram os nossos Estados e a própria Europa, sobretudo a Europa da União, constituem um caldo de cultura ideal para a afirmação e sedimentação das propostas extremistas e radicais como resposta por que os cidadãos anseiam na luta que é necessário travar contra o terrorismo e a barbárie neste momento protagonizada pelo daesh. Nenhum destes factos constitui, por si só, uma boa notícia ou uma notícia com que nos possamos e devamos congratular. O combate ao terrorismo impõe uma estratégia mais assente na inteligência do que na lei de talião. A supremacia moral das democracias assenta justamente aí – na forma como defronta e acaba por derrotar os seus inimigos, por mais ajuramentados que eles sejam. Foi assim no combate às ditaduras belicistas durante a segunda guerra mundial, foi assim na derrota infligida às ditaduras ocidentais na segunda metade do século passado, foi assim na derrota imposta às ditaduras denominadas democracias populares que emergiram no leste da Europa após a se3

gunda guerra mundial. Como foi assim, também, com as derrotas impostas aos grupos do Bader Meinhof, das Brigadas Vermelhas ou do IRA. Porque estão do lado certo da História – o lado da dignidade humana – as democracias acabam por triunfar e por se impor contra os adversários da liberdade e da nossa civilização. Essa é a nossa esperança e também a nossa certeza.

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