Territorialidades e Entrecruzamentos Geopolíticos na América Latina

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TeRRITORIALIdAdes e eNTRecRuZAmeNTOs GeOpOLíTIcOs NA AméRIcA LATINA ORGANIZAÇÃO: LuIs feRNANdO AyeRbe

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Governador Secretário da Cultura

Geraldo Alckmin Marcelo Mattos Araújo

FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA

Diretor Presidente Chefe de Gabinete da Presidência Diretora do Centro Brasileiro de Estudos da América Latina Diretor de Atividades Culturais Diretor Administrativo e Financeiro DEPARTAMENTO DE PUBLICAÇÕES

Gerente/Editora Executiva

João Batista de Andrade Irineu Ferraz Carvalho Marília Franco Luiz Felipe Bacelar de Macedo Sergio Jacomini Leonor Amarante

CONSELHO CURADOR Presidente Secretário da Cultura Secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Reitor da USP Reitor da Unicamp Reitor da Unesp Presidente da Fapesp Reitor da Faculdade de Cidadania Zumbi dos Palmares Presidente do Conselho CIEE

Almino Monteiro Álvares Affonso Marcelo Mattos Araújo Nelson Baeta Neves Filho Marco Antonio Zago José Tadeu Jorge Julio Cezar Durigan Celso Lafer José Vicente Ruy Altenfelder Silva

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Copyright© 2014 dos autores Todos os direitos reservados

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ T317

Territorialidades e entrecruzamentos geopolíticos na América Latina / organização Luis Fernando Ayerbe. - 1. ed. - São Paulo : Cultura Acadêmica : Fundação Memorial da América Latina, 2014. 260 p. : il. ; 23 cm. ISBN 978-85-7983-535-3 1. Geopolítica. 2. Geopolítica – América latina. I. Fundação Memorial da América Latina. II. Ayerbe, Luis Fernando. 14-16967 CDD: 320.12098 CDU: 911.3:32

Proibida a reprodução total ou parcial sem a autorização prévia dos editores Direitos reservados e protegidos (lei n. 9.610, de 19.02.1998) Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei n. 10.994, de 14.12.2004) Impresso no Brasil 2010 Foi feito depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 10.994, de 14/12/2004)

Fundação Memorial da América Latina Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664 Barra Funda 01156-001 Tel.: (011) 3823 4600 Fax: (011) 3823 4611 www.memorial.sp.gov.br

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Sumário Apresentação João Batista de Andrade..................................................................................................9 Introdução Luis Fernando Ayerbe.................................................................................................11 Capítulo 1. O conceito de áreas não-governadas ou black-spots e os desafios políticos e teóricos para a agenda de segurança dos Estados Unidos Marília Carolina Souza................................................................................................17 Capítulo 2. O Binômio Segurança-Desenvolvimento na Agenda Hemisférica dos Estados Unidos Luiza Rodrigues Mateo...............................................................................................36 Capítulo 3. As gangues urbanas do Triângulo Norte da América Central e a percepção dos Departamentos de Estado e Defesa dos Estados Unidos acerca de sua ameaça à segurança regional Paulo Mortari Araújo Correa........................................................................................51 Capítulo 4. Crimen organizado y áreas no gobernadas en la América Central: Mara Salvatrucha y Barrio 18 Harry Edwin Vanden....................................................................................................81 Capítulo 5. México: Estado falido? Percepções por parte da imprensa dos Estados Unidos Roberto Moll...............................................................................................................87 Capítulo 6. Regionalismo, interesse nacional e ordenamento territorial nas relações dos Estados Unidos com a América Latina Luis Fernando Ayerbe...............................................................................................101 Capítulo 7. Aspectos da Geopolítica Camponesa na América Latina e Caribe: paradigmas, conceitos e resistências Bernardo Mançano Fernandes...................................................................................120

Capítulo 8. Geopolítica Indígena. Entrecruzamiento de soberanías frente a los procesos de integración regional Jaime Preciado Coronado e Pablo Uc.........................................................................137 Capítulo 9. Geopolítica indígena en la región andina: territorialidades en disputa y proyectos plurinacionales Pablo Uc....................................................................................................................168 Capítulo 10. O conceito de Sumak Kawsay e o desenvolvimento equatoriano no governo de Correa: o caso da proposta Yasuní-ITT Carolina Silva Pedroso..............................................................................................195 Capítulo 11. Percepções de segurança regional no âmbito da UNASUL: o Conselho Sul-Americano de Defesa Héctor Luís Saint Pierre e Diego Lopes da Silva........................................................220 Capítulo 12. El ALBA y la seguridad regional Carlos Oliva Campos.................................................................................................245 Apêndice. Conflitos entre empresas e sociedade civil na Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e República Dominicana Adalton Oliveira........................................................................................................271

ApreSentAção

U

ma das prerrogativas do Memorial da América Latina, contribuindo para a integração cultural, social, artística e acadêmica entre os povos latino-americanos, tem sido a de promover a divulgação dos estudos, pesquisas e debates realizados pelas universidades do Brasil e dos países vizinhos. É o caso da presente publicação: Territorialidades, conflitos e desafios à soberania estatal na América Latina, resultado do seminário internacional que o Centro Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL) promoveu em 2012, acolhendo projeto da Universidade Estadual Paulista (Unesp). A obra que agora vem a público, disponibilizada para leitura digital, é a versão atualizada da edição que o Departamento de Publicações do Memorial lançou naquele ano. Esse update faz todo sentido, tendo em vista que as informações correm com a mesma velocidade com que os fatos se desenvolvem em todas as regiões do mundo. As relações de poder entre as grandes potências e o reflexo que elas produzem na conjuntura política, social e econômica dos demais países são, em suma, o objetivo central do livro. Por suas páginas desfilam gabaritados analistas e catedráticos identificados com as mais diversas terminologias ideológicas e logísticas. Eles emprestam seu notório saber para explicar como e por que a segurança dos povos continua sendo um dos maiores problemas na agenda dos nossos governantes. A obra oferece contundentes análises sobre o papel que eles tem desempenhado no gerenciamento de questões que já não deveriam ser tão emblemáticas nos dias atuais. Todas passam pela milenar discussão em torno da soberania dos países, naturalmente associada a situação de conflitos de fronteiras.

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Trata-se de trabalho acadêmico de fôlego, uma radiografia sem retoques clicada por mãos e cabeças de especialistas. Textos que partem da digressão sobre a política externa dos EUA e os efeitos da Guerra Fria para abordar todo o conjunto de problemáticas que, desde então, envolvem a convivência entre os países latino-americanos. E desses nas relações com todo o mundo. João Batista de Andrade Presidente da Fundação Memorial da América Latina

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introDução

O

presente livro é resultado da segunda etapa do projeto Extraterritorialidades, entrecruzamento de soberanias e conflitos na América Latina, coordenado pelo Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI-UNESP), com participação de pesquisadores de universidades de Cuba, Estados Unidos e México, e apoio da Fundação Friedrich Ebert. O objetivo do projeto é analisar problemáticas emergentes associadas à governabilidade e ao conflito, tomando como referência processos de desterritorialização e reterritorialização que resultam de políticas estatais, ação de movimentos sociais, organizações armadas, redes de crime organizado, grupos étnicos, empresas multinacionais e potências extra regionais. Os resultados da primeira fase foram publicados em dois livros, Territorialidades, conflitos e desafios à soberania estatal na América Latina, em 2012, pelo Memorial da América Latina, sob a organização de Luis Fernando Ayerbe, e US National Security Concerns in Latin America and the Caribbean: the concept of ungoverned spaces and failed states, em 2014, pela Palgrave Macmillan, sob a organização de Gary Prevost, Harry E. Vanden, Carlos Oliva Campos e Luis Fernando Ayerbe. No livro que agora apresentamos, incorporamos como tema de destaque a perspectiva geopolítica do entrecruzamento de soberanias, compreendendo três dimensões estratégicas de ordenamento territorial que projetam poderes e disputas de hegemonia.

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Em primeiro lugar, analisamos a perspectiva desde os Estados Unidos, cuja agenda de segurança hemisférica identifica “áreas não governadas”, associadas a territórios com baixa presença do Estado, favorecendo a atuação de redes do crime organizado, do terrorismo e de movimentos sociais antagônicos com os lineamentos da sua política externa. É esse o objeto dos capítulos 1 a 6, que tomam como referência abordagens oficiais, especificamente os Departamentos de Estado e da Defesa, Think Tanks e meios da imprensa escrita estadunidense. No capítulo 1, Marília Souza aborda o debate conceitual sobre a natureza dos novos conflitos e manifestações de violência internacional relacionados às deficiências de governança estatal, introduzindo elementos substanciais à compreensão dos estudos de caso desenvolvidos ao longo do livro. Sua análise nos permite situar os desafios políticos e teóricos para a agenda de segurança dos Estados Unidos na caracterização dos chamados “Estados falidos”, “áreas não-governadas” ou black-spots. Nessa perspectiva, as falhas de governança dos Estados, somadas aos efeitos da interdependência e da globalização sobre as fronteiras estatais, abririam espaço para que novos atores tenham um papel mais relevante nas questões de segurança internacional. No capítulo 2, Luiza Rodrigues Mateo se debruça sobre a agenda hemisférica dos Estados Unidos a partir das mudanças estratégicas posteriores ao “onze de setembro” quando a relação entre segurança e desenvolvimento passa a ser mais valorizada, crescendo em importância a atuação da USAID (Agenda Dos Estados Unidos Para o Desenvolvimento Internacional), vinculada ao Departamento de Estado. A fraqueza estatal e as “áreas não governadas” são descritas como ameaça à segurança nacional na medida em que potencializam o fluxo descontrolado de pessoas e armamentos, atividades criminosas (como o narcotráfico e lavagem de dinheiro), dispersão de doenças, degradação ao meio ambiente e infrações aos direitos humanos, dentre outros, levando à formulação de políticas direcionadas aos países e regiões latino-americanos considerados de risco. Os capítulos 3 e 4 tomam como referência a percepção por parte do governo dos Estados Unidos do grau de ameaça à sua segurança representada pela ação de gangues urbanas na América Central. Por um lado, Paulo Mortari Araújo Correa se detém na visão do Departamento de Estado e, em menor extensão, da Defesa, identificando algumas das principais preocupações e medidas adotadas com relação ao combate às Maras e Pandillas. Paralelamente,

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Harry Edwin Vanden situa a temática dentro do debate que associa crime organizado e áreas não governadas. O autor discute o ponto de vista dos formuladores da política estadunidense, que associam os espaços controlados pelas gangues a territórios à mercê de cartéis, organizações criminosas transnacionais – incluindo as próprias Maras- e até terroristas, motivo pelo qual propõe-se que tais espaços sejam estritamente vigiados quando não subordinados ao controle do governo nacional. No capítulo 5, Roberto Moll aborda as percepções por parte da imprensa dos Estados Unidos sobre a falência estatal como tema de segurança regional, tomando o México como referência. Embora considere comum que os grandes meios de comunicação impressos sobre a América Latina focalizem com destaque crises políticas, econômicas, violência, criminalidade, autoritarismo, corrupção e epidemias, as matérias são avulsas e só ganham continuidade quando os fatos envolvem, ou podem envolver, os interesses dos EUA. O México apresenta-se como uma exceção. Entre janeiro de 2009 e julho de 2012, os grandes jornais estadunidenses apresentaram centenas de reportagens e editoriais sobre o país, em que a guerra contra os cartéis de drogas mereceu atenção periódica e, às vezes, novelesca. Fechando as percepções desde os Estados Unidos, o capítulo 6, de Luis Fernando Ayerbe, aborda a perspectiva de think tanks de diversa filiação política e ideológica sobre o impacto da integração latino-americana na política hemisférica. Em termos de organizações regionais, tomase como referência a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), UNASUL (União de Nações Sul-americanas), AP (Aliança do Pacífico), e CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos). Entre os temas tratados, merece destaque a diferença entre o antagonismo com Washington atribuído à liderança chavista na ALBA, a maior moderação que pauta a UNASUL e a CELAC, e as explícitas boas-vindas à AP, elogiando sua convergência com a perspectiva hemisférica estadunidense e a sua orientação ao livre mercado. Os capítulos 7 a 10 abordam a segunda dimensão das estratégias de ordenamento territorial, compreendendo os espaços de soberania paralelos ao Estado reivindicados por geopolíticas indígenas e camponesas. O foco principal é o entrecruzamento de soberanias e conflitos decorrentes da ofensiva associada a projetos de infraestrutura promovidos por Estados, individualmente ou por meio de iniciativas

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de integração regional, favorecendo interesses de empresas nacionais e transnacionais. Em diversos casos, as geopolíticas camponesa e indígena coincidem, tornando indissociáveis os elementos sociais e étnicos da conflitividade. No capítulo 7, Bernardo Mançano Fernandes analisa a estratégia camponesa de resistência ao capitalismo, que se manifesta nos territórios materiais e imateriais, em que a disputa ideológica e a disputa territorial configuram uma geopolítica da questão agrária. O processo de estrangeirização da terra é um exemplo da territorialidade dessa geopolítica, cujos componentes não se limitam à terra - embora esta seja fundamental para sua existência. O conhecimento, a tecnologia e a ideologia são cada vez mais expressivos para a resistência camponesa. Na perspectiva teórica do autor, é fundamental ressaltar a importância dos conceitos de agricultura camponesa e agricultura familiar, como parte de um mesmo sujeito, uma mesma relação social: o campesinato. No capítulo 8, Jaime Preciado Coronado e Pablo Uc abordam a geopolítica indígena que se expressa na revitalização de tecidos comunitários, criação de organizações, alianças e estratégias de negociação, construindo e legitimando um poder territorial originário e camponês, acompanhado das tensões que derivam das lutas e resistências entre essas espacialidades emergentes - com forte ênfase na conservação ou usufruto da natureza - e as que derivam dos projetos dominantes expressados em mecanismos de integração regional e relações interestatais da América Latina. Entre os exemplos, destacam-se a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), vinculada ao Conselho Sul-americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) da UNASUL, e o Projeto Mesoamérica (anterior Plano Puebla Panamá). No capítulo 9, Pablo Uc analisa os componentes da geopolítica indígena na região andina, especialmente durante a última fase do ciclo de emergência indígena-originária reconhecida a partir da década de 1990. A interpretação da geopolítica indígena proposta envolve uma territorialidade derivada do trinômio poder-espaço-linguagem. Por um lado, são analisadas as práticas e representações que conformam os discursos geopolíticos indígenas, originários e camponeses, com os quais têm obtido importantes conquistas na produção de espaços para a defesa da sua territorialidade, cosmovisão e organização política, assim como a modificação de estruturas e instituições estatais durante a primeira década do século XXI.

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No capítulo 10, Carolina Silva Pedroso aborda a Iniciativa YasuníITT no Equador, fruto de lutas populares para manter as reservas de petróleo encontradas embaixo da terra no Parque Nacional Yasuní, parte integrante da agenda da campanha presidencial de Rafael Correa. Associado a essa iniciativa, coloca-se em destaque o processo de politização da cosmovisão indígena associada ao conceito de Sumak Kawsay (Buen Vivir) incorporado à Constituição equatoriana de 2008, como um elemento essencial para identificar a racionalidade dos atores envolvidos na dinâmica social e política do país. Nesse contexto, a Iniciativa Yasuní-ITT tornase fator desencadeador de conflitos que expressam entrecruzamento de territorialidades associadas ao uso dos recursos naturais. Os capítulos 11 e 12 completam as dimensões estratégicas propostas, abordando perspectivas estatais associadas a mecanismos de integração latino-americanos, especificamente a UNASUL e a ALBA, que têm como característica comum a preocupação em construir uma agenda capaz de expressar interesses regionais, especialmente nas relações com os Estados Unidos. No capítulo 11, Héctor Luís Saint Pierre e Diego Lopes da Silva consideram que se bem a integração sul-americana não é de per si um indício de autonomia decisória regional ou de aumento da soberania regional, tanto a UNASUL, como seu Conselho de Defesa Sul-americano (CDS), com poucos anos de vida, baixa institucionalidade e excepcional voluntarismo, tem avançado na construção da confiança, operando com rapidez e eficácia em diversas crises, como a interna à Bolívia, na região de Pando; o ataque por forças colombianas à região da Angostura em território equatoriano e o intento norte-americano de utilizar as bases militares na Colômbia. Hoje pode se dizer que, embora a região não esteja imune a crises e conflitos, há mecanismos institucionais que permitem certa prevenção diplomática e ações mais rápidas para resolver as controvérsias dentro da sub-região. No capítulo 12, Carlos Oliva Campos indaga as experiências acumuladas pela ALBA, avaliando o papel preponderante que tem a dimensão política dentro do projeto, resultando em um referente no aporte de ideias para a adoção de decisões que façam avançar a integração regional. Por outro lado, ao gerar fortes percepções e ações de segurança em nível hemisférico, dada sua perspectiva anti-hegemônica e de confrontação com Estados Unidos - com o consequente juízo crítico que

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recebe desse governo e dos seus aliados na região - tendem a se impor distâncias e reservas sobre as experiências positivas aportadas pela ALBA, que poderiam ser incorporadas desde uma perspectiva aberta e sem alinhamentos políticos pré-condicionados. Fechando o livro, o Apêndice de Adalton Oliveira apresenta um conjunto de quadros que dimensionam os conflitos entre empresas e sociedade civil na Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e República Dominicana. Na mesma perspectiva dos quadros sobre países sul-americanos elaborados pelo autor para o volume anterior Territorialidades, conflitos e desafios à soberania estatal na América Latina, mencionado no início da apresentação, as disputas associadas ao impacto ambiental ocupam o centro da cena. O Apêndice opera como exemplo síntese das análises desenvolvidas nos doze capítulos, evidenciando um cenário regional em que o entrecruzamento de soberanias associadas a territorialidades nãoestatais desafia na sua conflitividade concepções de governabilidade cuja referência limitante é o Estado-nação. Nessa perspectiva, a visão estratégica estadunidense mostra-se capaz de identificar na sua geopolítica hemisférica uma diversidade de “ameaças” sub e supranacionais aos seus interesses, com a consequente implementação de programas de intervenção. Contrariamente, os mecanismos de integração latino-americana analisados encontram-se num estágio incipiente em termos de agenda comum de segurança, ao mesmo tempo em que demonstram dificuldades de interlocução com as geopolíticas indígena e camponesa, diferentemente da disposição manifesta para formular e implementar ambiciosos projetos de infraestrutura com decisivo protagonismo do capital privado. Para a publicação do livro, contamos com o apoio de diversas instituições: agradecemos ao selo Cultura Acadêmica, ao Centro Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL) do Memorial da América Latina e à Fundação Friedrich Ebert. Luis Fernando Ayerbe

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CApÍtuLo 1. o HemiSFÉrio oCiDentAL SoB A perSpeCtiVA DoS ConFLitoS em eSpAçoS De CLiVAGenS territoriAiS ou AS CHAmADAS áreAS não-GoVernADAS MARíLIA CAROLINA SOUzA

O desencorajamento do conflito interestatal no pós-Guerra Fria e iniciativas para a Zona de Paz no Hemisfério Ocidental

A

segurança internacional do contexto do pós-Guerra Fria tem sido um campo fértil de debates, especialmente pelo advento de tendências de desencorajamento da utilização da força militar para a resolução de conflitos. Nesse contexto, seja em decorrência do paradigma da MAD (Mutually Assured Destruction) sob a rationale nuclear, seja pela tentativa de recomposição da ordem mundial pelas mãos americanas, a região do Hemisfério Ocidental tem sido permanentemente desencorajada a resolver conflitos por meio do uso da força. Tais desdobramentos na região reduziram a níveis mínimos as intenções conflitivas interestatais, tendência que pode ser observada, entre outros parâmetros: (I) pela adesão e ratificação do TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear), (II) pelo aprofundamento de processos de integração regional, (III) bem como a criação de novas instituições com a proposta de não apenas aprofundar iniciativas para o desenvolvimento, como também declarar publicamente a não-intenção hostil entre os Estados. Esses exemplos podem ser verificados com a criação da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), em 2008, e, em seu arcabouço constitutivo, o Conselho de Defesa Sul-Americano: uma importante iniciativa

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de resolução de conflitos sem a utilização do uso da força na América do Sul. A CELAC (Comunidades de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), por sua vez, criada em 2010, já apresentou em sua segunda cúpula em 2014 uma Carta conjunta em que as lideranças políticas reconhecem-se como “zonas de paz” e apresenta-se como uma alternativa à presença americana na OEA (Organização de Estados Americanos) que, por sua vez, segue como um espaço de diálogo diplomático hemisférico, embora sem muitos resultados efetivos na resolução de conflitos. Entretanto, o fato de haver o desencorajamento para o uso da força militar entre países não significa afirmar que a região assiste a um período de paz. De fato, a violência crescente que se observa no início do século XXI exibe, por um lado, raízes intraestatais localizadas dentro de fronteiras formais de Estados, envolvendo grupos não estatais armados; em alguns casos, tais grupos apresentam conexões regionais e, até mesmo, conexões transnacionais. À primeira vista, pode-se ter a impressão de que essa violência é, portanto, um problema exclusivamente doméstico, já que ocorre, a princípio, dentro do território de um Estado. Porém, como se demonstrará mais adiante, os conflitos intraestatais, mesmo que não enquadrados com a devida relevância nas clássicas teorias de segurança internacional, têm sido considerados ameaças à sociedade internacional. Max Weber define o Estado como uma “organização que clama o monopólio do uso legítimo da força física dentro de certo território” (Weber, 1968, apud Frödin, 2010). O Estado, assim, seria dotado de soberania, exercida sobre um delimitado território e a um determinado número de pessoas. Sendo essa unidade considerada coesa e monolítica, apenas a autoridade central do Estado exerceria de forma plena o monopólio da força por todo o território sobre o qual possui jurisdição. Complementando essa conceptualização, sob uma percepção realista, dir-se-ia que o Estado se constitui como unidade de proteção de seus nacionais frente à anarquia do sistema internacional, marcada por hostilidades, desconfiança e constante ameaça. Por esse motivo, Estados que, por vezes, se constituam como uma autoridade política centralizada, apresentam em seus territórios espaços com baixa governança que, por vezes, coincidem com seus espaços de fronteira, apresentam graus de “fragilidade estatal”. Em última instância, sob tal lógica, os chamados “Estados falidos” são unidades políticas em

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que a autoridade considerada central falha em praticar sua governança de forma eficiente em todo o território nacional. A natureza de tais espaços de clivagens é altamente sensível a conflitos e gera desafios políticos concertados não somente no âmbito doméstico, mas, por vezes, regional e, em casos de incidência de crimes transnacionais, necessita de uma concertação hemisférica. O não conflito interestatal e os desafios impostos pelos Black-Spots: espaços de clivagens no Hemisfério Ocidental Quando nos referimos a Estados falidos, podemos verificar o caso da Somália, que desde 1992 enfrenta grave instabilidade política. Apesar de haver no país uma autoridade reconhecida como legítima por boa parte da comunidade internacional – o Transitional Federal Government (TFG) –, pode-se dizer, desde a abordagem realista, que impera na região uma anarquia, considerando que esse governo controla uma porção territorial bastante pequena e não consegue prover à população da área bens e serviços públicos essenciais de forma minimamente satisfatória (Bruton, 2009). Porém, há casos como o México, país que, segundo Frödin (2010), está prestes a ser também considerado um Estado falido que, diferente da Somália, possui um governo constitucionalmente eleito e reconhecido pela população, mas enfrenta um grave problema com relação a cartéis de drogas que foge do controle estatal. Como é possível, entretanto, classificar da mesma maneira a Somália e o México, quando esses países apresentam deficiências tão distintas? O conceito de falência estatal, na verdade, deve ser aprofundado, pois não revela as particularidades de cada caso. No México, por exemplo, a “falência” não diz respeito ao controle da maioria do território do país ou ao provimento de bens públicos essenciais à maior parte da população – como é o caso da Somália –, mas sim, ao combate aos cartéis de drogas, que têm controlado consideráveis porções de espaço urbano. Desse modo, a denominação “Estado falido” apenas generaliza um aspecto: o da existência de alguma forma de fracasso de governança por parte das instituições formais do governo central do país. Há, contudo, diversos níveis de fragilidade que não são identificados em tal classificação. Primeiramente, cabe distinguir governo de governança. De acordo com James Rosenau (2000, p. 15), governo “sugere atividades sustentadas

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por uma autoridade formal, pelo poder de polícia que garante a implementação das políticas devidamente instituídas”. Esse conceito se relaciona com aquele tradicional de Estado, já que também existe aqui o reconhecimento de uma autoridade central que, detendo o monopólio do uso legítimo da força, ordena uma sociedade por meio de instituições a ela vinculadas. Governança, por outro lado, não depende da existência desse ente centralizador para existir. Trata-se especificamente do ordenamento de uma sociedade, seja por meio de instituições formais do governo ou informais. Como afirma Rosenau (p. 15), governança: (...) refere-se a atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas e não dependem, necessariamente, do poder de polícia para que sejam aceitas e vençam resistências. [...] [Governança] abrange instituições governamentais, mas implica também mecanismos informais, de caráter não governamental, que fazem com que as pessoas e as organizações dentro de sua área de atuação tenham uma conduta determinada, satisfaçam suas necessidades e respondam às suas demandas.

Complementa, ainda, o autor (p. 16): [Governança] é um sistema de ordenação que só funciona se for aceito pela maioria (ou pelo menos atores mais poderosos do seu universo), enquanto os governos podem funcionar mesmo em face de ampla oposição à sua política.

Assim, governança seria sinônimo de “ordem”, enquanto governo diria respeito à implementação dessa ordem por meio de uma autoridade central legitimamente reconhecida. No caso dos Estados falidos, dir-se-ia que o que falha é a governança exercida pelo governo, no sentido de que as instituições formais do país não possuem legitimidade ou efetividade em organizar certos setores da sociedade. Contudo, essa ausência de controle governamental não pode ser tida como sinônimo de falta de governança alguma ou caos. A Somália é um bom exemplo para elucidar essa questão. O TFG tem pouco controle sobre o território somali (Bruton, 2009), fazendo com que sua ordem institucional formal não chegue à boa parte do país. Contudo, nas regiões que carecem de controle governamental, acaba vigorando ou-

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tro tipo de governança, exercida por grupos locais, clãs, senhores de guerra, entre outros. É o caso da Somalilândia – região separatista ao norte da Somália. Nesse território, a governança formal foi substituída por normas e iniciativas locais. Por meio de políticas descentralizadas e privatizações de serviços públicos, a população da área tem acesso a bens que o governo central do país não oferece. Há, desse modo, uma governança informal em vigor (Frödin, 2010). Assim, em muitos casos, a ausência de instituições formais não implica em um caos anárquico, como se poderia supor. Portanto, falência do Estado equivale à ineficácia ou até a ausência de governança por parte de instituições formais estatais. Entretanto, é necessário observar em quais aspectos o governo falha em exercer sua governança e de quais fontes têm emanado a ordem nas regiões onde carece a presença formal do Estado. Nesse sentido, até mesmo países mais desenvolvidos do capitalismo podem apresentar algum grau de falência estatal, já que o fracasso de governança pode estar localizado em um setor específico, enquanto os demais funcionam bem – por exemplo, falhas em prover segurança em determinadas áreas, enquanto os sistemas de educação e saúde públicos operam sem grandes problemas. Ao se ampliar o conceito de Estados falidos, é possível enxergar em que setores a governança estatal é deficitária, bem como qual é o grau de fragilidade institucional apresentado por certo governo. Por esse exercício, é possível identificar casos típicos de falência estatal, como é apresentado por Stanislawski. Como já se afirmou, nos Estados falidos há áreas que não são controladas pelo poder formal estatal. Nessas, vigora geralmente a autoridade não democrática de certos grupos, podendo eles, inclusive, ser de natureza ilícita – caso de grupos terroristas. Desse modo, apesar da falta de controle governamental, há de fato uma governança estabelecida nesses territórios. Stanislawski (2008), aprofundando a discussão sobre os Estados falidos, classificou esses territórios em quatro categorias, considerando-os possíveis sintomas de um para-state (ou Estado deficiente). São eles: black spots, as-if states, almost-states e states-within-states. Black spots (ou buracos-negros) são áreas localizadas dentro de um Estado, sobre as quais o governo formal não exerce governança alguma. O tipo de ordem vigente nesses territórios é, quase sempre, desconhecido tanto por parte das autoridades governamentais como pela comunidade internacional. Desse modo, as agências de segurança nacionais têm pouca supervisão sobre os black spots, que se tornam terrenos propícios para que

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grupos terroristas e criminosos desenvolvam livremente suas atividades ilícitas. O México é um exemplo de país que possui black spots, já que há regiões em que o poder do Estado não vigora – caso de Ciudad Juárez, onde grupos de narcotráfico impõem suas próprias normas de convivência. As-if states (ou pseudo-Estados), por seu lado, diz respeito a Estados juridicamente reconhecidos pela comunidade internacional, mas que, na prática, não conseguem desempenhar esse papel. São países fragmentados internamente, com sérias falhas de governança formal, onde instituições informais acabam ocupando o vácuo de poder deixado pela autoridade central. Essa denominação é a que mais evidencia um Estado falido, tendo como exemplo o Afeganistão, que, apesar de internacionalmente reconhecido como sujeito do Direito Público Internacional, possui um governo central que não consegue controlar todo o território sob sua jurisdição. A terceira classificação, almost-states (ou quase-Estado), é praticamente oposta à anterior. Um almost-state é uma unidade política encrustada em um Estado reconhecido internacionalmente, buscando necessariamente independência. Dentro de seu território, esse “quase-Estado” exerce sua própria governança de forma autônoma àquela do Estado do qual formalmente faz parte. Assim, enquanto um “pseudo-Estado” possui soberania externa, mas falha em exercê-la internamente, um “quase-Estado”, apesar de carecer de reconhecimento internacional, aplica, de fato, sua governança em seu território, com o consentimento de seu Estado “anfitrião”. Exemplificam a definição os casos de Nagorno-Karabakh (região separatista do Azerbaijão) e a Abecásia (na Geórgia). Por fim, os states-within-states (Estados dentro de Estados) são unidades que, como os almost-states, gozam de boa autonomia com relação a seus governos formais, porém, com a diferença de nesse caso não haver busca por independência. Na Rússia há exemplos de regiões que, por suas particularidades sociais e étnicas, possuem suas próprias instituições operando com relativa liberdade. São repúblicas autônomas, reconhecidas pelo poder central russo (Pelczynska-Nalecz, Strachota, Falkowski, 2008). Mesmo essas classificações sendo ainda bastante generalistas, já é possível por meio delas ampliar a ideia de falência estatal. Primeiramente, a usual aplicação do termo “Estado falido” não revela o grau de fragilidade que a governança estatal apresenta. Além disso, mesmo países que não sejam considerados internacionalmente como falidos podem apresentar deficiências em suas instituições.

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Desse modo, a desconstrução da ideia de que os Estados são unidades fechadas e plenamente capazes de exercer de forma exitosa sua soberania sobre seu território, somada a essa ampliação conceitual de falência estatal, abre espaço para que se estabeleça uma relação entre falhas de governança estatal e segurança internacional. Elucida essa questão o caso dos black spots, áreas que, apesar de parecerem, a princípio, um problema exclusivamente doméstico, costumeiramente se constituem como uma questão de segurança internacional. Como já foi citado, os black spots podem estar localizados em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, apresentando diversas dimensões territoriais possíveis. São formados em locais em que há um déficit de governança do Estado, que não garante os serviços básicos à população dessas regiões, fazendo com que o vácuo governamental seja logo preenchido pela autoridade informal de diversos grupos, por vezes envolvidos na criminalidade. Nesse caso, tais grupos se beneficiam não só da falta de controle governamental, mas também da globalização, cujo avanço tecnológico nas áreas de transporte e comunicação, além de relativizar a imponência das fronteiras do Estado, oferece novos meios para a prática de crimes. Assim, se as atividades desenvolvidas nos black spots dificilmente são de conhecimento do governo central do país ou da comunidade internacional e os grupos que as praticam geralmente não respeitam ou não reconhecem fronteiras nacionais, logo, atos ilícitos podem transbordar com mais facilidade os domínios do Estado anfitrião. Desse modo, ao mesmo tempo em que os Estados se mantêm enraizados em sua conceptualização clássica, fechados em princípios como soberania, autodeterminação dos povos e não-intervenção, atores ilícitos expandem o escopo de suas atividades, contornando as limitações estatais. Levando-se em consideração o fato de as guerras entre Estados serem mais raras e a violência estar se manifestando com mais força em áreas em que falha a governança estatal – caso dos black spots –, é necessário que as teorias de Relações Internacionais visualizem outros atores além dos Estados no que tange à segurança coletiva. Segundo Rosenau (2000, p. 376): Os Estados ainda predominam; seus interesses, seus conflitos, suas barganhas e suas instituições modelam o rumo dos acontecimentos nos campos político, militar e na diplomacia econômica. Mas essa predominância

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diminui à medida que a tecnologia eletrônica e de transporte ampliou a autonomia das diversas coletividades existentes no mundo multicêntrico, multiplicando o número e o tipo das transações realizadas por meio das fronteiras nacionais sem participação ou influência dos Estados.

Essas palavras são aplicáveis no campo da segurança internacional. É o caso de grupos terroristas e criminosos, que também se beneficiam da globalização, internacionalizando suas atividades ao mesmo tempo em que contribuem para a fragilização das fronteiras e da segurança nacionais. Observa-se uma tendência geral por parte dos governos de perceberem alguns atores que operam em black spots – tais como os grupos citados anteriormente – como ameaças à segurança internacional, devendo isso ser considerado nas teorias e paradigmas mais recentes na academia de Relações Internacionais. Contudo, não cabe nas finalidades deste trabalho julgar a legitimidade ou eficácia das intervenções internacionais. O que se deseja ressaltar é que, com a diminuição dos conflitos interestatais, alguns grupos não governamentais, localizados em territórios cuja governança estatal falha, passam a ser os novos inimigos, principalmente das grandes potências mundiais, que os veem como ameaças à segurança internacional. Portanto, se os governos têm incluído no rol de sujeitos desestabilizadores da ordem internacional grupos criminosos que operam, sobretudo em black spots, pode-se introduzir, a partir dessa concepção, formas contemporâneas de conflitos nas definições de guerras internacionais. Torna-se importante ressaltar que o conceito de black spots tem a mesma significação que área não-governada ou espaço não-governado, que por vezes aparecem de forma conjunta em documentos oficiais e em literatura estadunidense, porém em língua portuguesa consideramos adequado denominar em paralelo de áreas não-governadas. O desafio conceitual dos conflitos internacionais contemporâneos Como já se pôde observar, o fenômeno da guerra tem sido convencionalmente visto nas Relações Internacionais como um conflito que deve envolver, necessariamente, pelo menos dois Estados em oposição (ou forças que, embora não pertençam diretamente ao Estado, o representem), já que esses seriam os principais atores do sistema internacional.

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Porém, a partir do momento que governos reconhecem outros atores – inseridos no território de um Estado que falha em exercer sua governança – como também capazes de desestabilizar a segurança internacional, deve-se ampliar o conceito tradicional de guerra, de modo que novos tipos de conflitos internacionais sejam percebidos. Tatiana Moura, em capítulo intitulado Novíssimas guerras à margem das novas guerras?, percebe pelo menos duas grandes modalidades contemporâneas de conflitos internacionais que contrariam as definições clássicas de guerra. A primeira é classificada como “novas guerras”, caracterizadas pelo envolvimento de grupos tanto estatais como não estatais em luta armada. Embora vários e diferentes casos possam ser incluídos nessa categoria, há em comum a todos eles o fato de a oposição (ou clivagem) ocorrer essencialmente entre um ou mais Estados e grupos não governamentais; ou seja, nessas novas guerras, não há embates entre Estados, mas sim, entre grupos domésticos e governos. O mais comum nessas situações é a existência de organizações que, por meio do controle de territórios e recursos estratégicos, disputam com a própria autoridade central de seu país o monopólio do uso da força. Assim, o interesse maior desses grupos domésticos seria afrontar o poder do Estado, almejando substituí-lo. Exemplo disso seriam as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que lutam para colocar em prática na Colômbia um novo modelo de organização política e socioeconômica. Desse modo, seriam considerados terrenos propícios para o irromper das novas guerras os black spots, os as-if states e os almost-states, característicos de Estados que apresentam alguma debilidade de governança. Já a segunda modalidade, apontada por Tatiana Moura, é denominada de “novíssimas guerras”, dada a atualidade desses conflitos e a baixa cobertura teórica que eles ainda têm nas Relações Internacionais. As novíssimas guerras, assim como as novas guerras, envolvem grupos não estatais, ocorrendo principalmente em black spots. Entretanto, nesse caso, as organizações envolvidas não demonstram inclinação em afrontar ou substituir o poder do Estado, mas sim, de evitar que este interfira nos lucros de suas atividades ilícitas. Trata-se da violência urbana, predominante em grandes cidades de países emergentes. A falha na governança por parte das autoridades centrais do Estado acaba gerando nesses locais pequenos black spots, situados geralmente em periferias onde as forças policiais não chegam e, por con-

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sequência, acabam vigorando normas sociais paralelas às formais. Nesses black spots operam com frequência gangues e narcotraficantes, que buscam expandir sua influência por regiões estratégicas e obter lucros com suas atividades ilícitas. Para tanto, utiliza-se constantemente a violência. Contudo, se no caso das novas guerras é mais fácil enxergar uma relação com as Relações Internacionais, considerando que há uma ameaça direta e declarada à soberania do Estado por parte de grupos não-estatais, o mesmo não ocorre com as novíssimas guerras. Ora, se estes confrontos ocorrem especialmente nas cidades, por que se deveria considerá-los assunto das Relações Internacionais? Há, todavia, pelo menos três motivos para incluí-las nas formas internacionais de manifestação de violência. Em primeiro lugar (I), o crescimento da violência urbana tem sido uma tendência geral principalmente nos países emergentes. As metrópoles, que experimentaram um crescimento demográfico e econômico explosivo nas últimas décadas, se desenvolveram com profundas desigualdades sociais, o que, somado às falhas de governança estatal em determinadas regiões, contribuiu para o aumento da violência. Em segundo lugar (II), muitos dos grupos criminosos que operam nesses black spots urbanos se sustentam por atividades ilícitas que envolvem outros países – caso do tráfico internacional de drogas. Finalmente (III) – e com ainda mais evidência –, destaca-se o fato de muitos de esses grupos criminosos operarem de forma transnacional, não reconhecendo fronteiras estatais e operando em diversos territórios nacionais. O caso das “Maras” na América Central As Maras (ou pandillas, termo em espanhol que corresponde a gangues), são gangues urbanas formadas especialmente por jovens do sexo masculino, que se reúnem em torno de uma identidade e de um senso de solidariedade e irmandade comuns. Esses grupos são usuais nos países da América Central, sobretudo naqueles que compõem a região chamada de Triângulo Norte – sendo eles Guatemala, Honduras e El Salvador –, desenvolvendo suas atividades predominantemente nas periferias das grandes cidades desses países1. As maras têm sido vistas tanto pelos governos locais como pelos

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Estados Unidos como as principais responsáveis pelos surtos de violência que as cidades da região têm experimentado nas duas últimas décadas. Esses grupos são frequentemente associados a crimes como o tráfico de drogas, armas e pessoas, extorsões, sequestros e homicídios, o que justifica a adoção de políticas governamentais repressivas contra eles principalmente a partir de meados da década de 20002. Levando em consideração que as pandillas são um fenômeno regional, esforços multilaterais passaram a ser coordenados nos últimos anos. Governos centro-americanos, com o apoio de agências de segurança estadunidenses, têm cooperado em ações de segurança regional contra as maras, fazendo com que não só medidas domésticas fossem adotadas. Entre 2005 e 2007, por exemplo, realizaram-se em El Salvador três Cúpulas Antimaras, como foram denominadas. Participaram dessas reuniões autoridades de segurança pública dos países da América Central, México e Estados Unidos, nas quais se buscou traçar estratégias de combate regional às maras, o que inclui a troca de informações de inteligência e a identificação de suspeitos ou acusados de delitos (Aguilar & Carranza, 2008). Desse modo, as maras têm sido vistas pelas autoridades da região como grupos envolvidos essencialmente em atividades criminosas e que, apesar de não almejarem tomar o poder estatal como fazem as guerrilhas na América do Sul, buscam o controle de certas regiões urbanas para desenvolver seus negócios e obter riqueza e prestígio, consequentemente perturbando a segurança na região. Ilustraria essa percepção o caso da Mara Salvatrucha 13, considerada uma das maiores maras do mundo. A Mara Salvatrucha 13 (ou MS 13), apesar do nome, foi constituída em Los Angeles, Estados Unidos, no início da década de 1990, estabelecendo-se em El Salvador somente anos depois de sua fundação. Essa mara possui representantes em diversos países da região – incluindo os Estados Unidos –, cometendo delitos de forma transnacional. Para tanto, beneficia-se tanto dos avanços tecnológicos da globalização como das fragilidades dos Estados, estas relacionadas tanto à democracia – caso dos países centro-americanos, cuja transição democrática ainda é incipiente e marcada pela corrupção – como à própria constituição exclusivista do Estado, preso à sua soberania e leis quando, sozinho, não consegue combater um grupo criminoso transnacional (Bruneau, 2005). O combate multilateral a maras como a MS 13 ilustra a definição de novíssimas guerras de Tatiana Moura, já que há a presença de grupos

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não estatais que se envolvem com a violência urbana e, mesmo que não almejem afrontar o poder de Estados, são combatidos por eles, pois suas práticas são consideradas como perturbadoras à segurança internacional. Entretanto, é importante ressalvar que a periculosidade das maras descrita faz parte da percepção que os Estados da região têm sobre elas, algo, desse modo, passível de ser questionado. Jeannette Aguilar e Marlon Carranza são exemplos de autores que não compartilham dessa visão. Segundo eles, é um equívoco adotar uma abordagem tão simplista com relação às maras, condenando-as por todos os males que a América Central tem passado. Primeiramente, os autores chamam a atenção para as particularidades que há entre os próprios países do istmo centro-americano. A atividade das pandillas difere com relação aos países do Triângulo Norte e os demais da região. Em países como a Nicarágua e Costa Rica, por exemplo, esses grupos mantiveram suas características tradicionais, tendo elas a predominância de membros adolescentes do sexo masculino, de idades entre 16 e 17 anos, a ausência de estruturas organizacionais e a prática de delitos leves (quando praticados) como pequenos roubos e depredação de patrimônio público. Por outro lado, em El Salvador, Honduras e Guatemala, muitas pandillas têm mostrado características diferentes, como o aumento da faixa etária de seus membros, um maior nível de organização (com lideranças mais bem definidas e delegação de tarefas) e a prática de delitos mais graves, como o tráfico de drogas e homicídios. Dessa forma, seria importante não fazer generalizações acerca das maras, observando as particularidades de cada caso. Entretanto, Aguilar e Carranza, como se viu, reconhecem que nos anos 2000, algumas maras do Triângulo Norte passaram a se modernizar quanto à sua organização e a adotar práticas mais violentas em suas operações, sendo a MS 13 (e sua rival, a Barrio 18) a principal. Contudo, os autores alegam que muito dessa mudança nas características tradicionais desses grupos se deve à ação dos próprios Estados na região, que praticamente de forma arbitrária passaram a reprimir os pandilleros, adotando uma espécie de combate preventivo a eles, como é o exemplo de El Salvador com a criminalização do pertencimento a maras. Assim, seriam as próprias políticas governamentais de tolerância zero que fomentariam a violência das maras, que teriam que agir dessa forma para garantir sua própria sobrevivência.

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De qualquer modo, observa-se que há a percepção por parte dos Estados de que as maras são um problema de segurança coletiva para a região centroamericana, seja isso legítimo ou não. As maras exporiam, concomitantemente, falhas de governança por parte dos Estados – como a incapacidade de lidar com esses black spots urbanos – e a dimensão internacional que a violência urbana tem adquirido. A adoção de medidas multilaterais para combater esses grupos é um retrato das novas formas de conflito que aparecem após o final da Guerra Fria, algo ainda pouco abordado nas teorias de Relações Internacionais. Os desafios do México perante os Cartéis de Drogas: a escalada da violência O México tem apresentado nas últimas décadas dificuldades em conter os conflitos que envolvem diferentes grupos de Cartéis de Drogas e, desde o governo Vicente Fox, em 2005, ações contra tais grupos têm sido intensificadas. Essas ações centraram-se na apreensão dos principais líderes de cartéis, o que gerou um desequilíbrio entre os diferentes grupos, gerando uma disputa ainda mais acirrada, sobretudo entre o Cartel de Sinaloa e o Cartel do Golfo. Com efeito, entre 2005 e 2007 a violência no estado mexicano aumentou consideravelmente. (Chabat, 2010:3) Com Felipe Calderón no poder, a violência passa de fato a ser vinculada aos cartéis de drogas no país e o presidente lança mão de programas com caráter político-militares para restabelecer o controle de diversas regiões. Preocupações com os efeitos do aumento da militarização da região fizeram com que os Estados Unidos criassem a Iniciativa Mérida em 2008, com características muito semelhantes ao Plano Colômbia, vigente desde 2000 no país, que previa um investimento de U$1,4 bilhão de dólares, e de forma excepcional, o presidente Calderón reconheceu a incapacidade do Estado em lidar com o problema, acatando a Iniciativa Mérida. (Chabat, idem) Tais eram as frentes de atuação dessa iniciativa: (I) o combate ao narcotráfico e ao terrorismo; (II) a segurança pública e a aplicação da lei; e, por fim, (III) a construção institucional do Estado de Direito; sendo essa última marcante por se relacionar com o fortalecimento democrático e governança com justiça e democracia. (Chabat, idem) Ao se analisar os resultados da Iniciativa Mérida, fica evidente que a maior militarização das forças de combate ao narcotráfico ao invés de enfraquecer os cartéis acabou por gerar uma maior inserção e corrupção do Estado pelos cartéis. Em outubro de 2008, por exemplo, descobriu-se

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que uma rede de funcionários de alto nível foi corruptível ao Cartel Los Hermanos Bertrán Lyva. (Chabat, idem) Conforme anteriormente discutido, o México apresenta um alto grau de fragilidade estatal, em decorrência da ação dos cartéis de droga, que fogem do controle estatal, e o Estado busca retomar o controle de tais espaços urbanos, dominados por esses grupos. (Frödin: 2010) Portanto, para a compreensão das dinâmicas de tais espaços, torna-se relevante a elaboração teórica das áreas de clivagens e espaços não-governados, ou black spots. Percebe-se que, em tais áreas, a ação de grupos criminosos no México tem se adensado progressivamente, conforme o Estado diminui seu alcance e seu papel enquanto gestor de segurança pública. Sullivan e Elkus apontam para a proliferação de cartéis a partir dos anos 2000 e observam a situação mexicana diante de tal cenário: O México está em uma encruzilhada. Existe uma possibilidade de o México vir a se tornar um estado criminoso, com a atividade criminosa dominando o sistema político mexicano. O Cartel de drogas pode se tornar tão profundamente enraizado no interior do estado mexicano que arrancá-lo significaria guerra civil. Tal resultado se prova desastroso para os interesses norte-americanos. (Tradução Livre) (Sullivan & Elkus, 2010)

Observa-se, em paralelo, uma sofisticação do alcance dos grupos narcotraficantes: (I) Primeira Geração Relva: Previa a formação de gangues, sendo influenciados por uma violência que toma conta de bairros e cidadelas. Tais gangues possuem suas próprias leis e regularidades perante o comando de uma ou poucas pessoas; (II) Segunda Geração Mercado: Formação de gangues com grande influência perante o mercado de drogas. Praticam violência para inibir a ação de outras gangues e para proteger seu mercado. E, finalmente, (III) Terceira Geração Política/Mercenária: Visa o envolvimento político e pretende operar na esfera global usando formas mais sofisticadas de ganho de poder. (Sullivan, 2009) Da mesma forma, é também possível observar que, à medida que os espaços de clivagem vão se adensando, a natureza da ação violenta dos cartéis e seus objetivos vão também se intensificando: (idem) I. Primeira Fase (Competidor Agressivo): Essa fase originou-se na Colômbia durante a década de 80 e pode ser caracterizada

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pela forma como o Cartel de Medellín agia e desafiava a ordem westfaliana pela sua propensão à utilização de violência extrema e disposição para desafiar a autoridade estatal; II. Segunda Fase (Concertação Sutil): Essa fase também pôde ser observada na Colômbia, mais especificamente no Cartel de Cali, onde as lideranças são mais pulverizadas e organizadas em rede. Portanto, era mais difícil para as autoridades localizarem seus líderes, bem como as ações visavam à corrupção mais diretamente, em detrimento de ações violentas e abertas. Esse tipo de operação pôde ser observado no México na Federação Mexicana, formada pelos quatro grandes grupos de Cartéis: Tijuana, Sonora, Juárez e Gulf. III. Terceira Fase (Sucessor Criminoso do Estado): Essa fase ocorre quando e se os Cartéis emergem, exercem um significante desafio ao Estado e suas instituições. Tal fase é uma consequência da corrupção disseminada em agências estatais, e mesmo nos atores policiais e militares do Estado. Essa fase é a mais profunda em termos de alcance dos grupos criminosos em que esses se assemelham mais a “senhores da Guerra” e dominam esferas estratégicas do Estado. A escalada de violência no México tem sido analisada por alguns autores como sendo de ordem sistêmica. Viridiana Rios (2012) apresenta dois argumentos centrais para tal escalada: (I) a emergência de batalhas (competição) em disputas por territórios entre os cartéis de drogas e (II) resultados das operações de fortalecimento da lei (enforcement). (Rios, 2012) O primeiro argumento demonstra uma mudança da dimensão oligopolista do Mercado de drogas para a dimensão competitiva. O sistema competitivo assiste a mais de um grupo atuando nas mesmas áreas, o que torna a atuação dos cartéis mais difícil, pois precisam lançar mão de mais recursos de corrupção e diminui a fração do mercado consumidor, bem como diminui a zona de influência de que dispõem. (Rios, idem) O Segundo argumento refere-se às respostas militares do Estado contra grupos criminosos e, sob tais ações, os confrontos com utilização de violência aumentam nos espaços urbanos, com mortes de policiais, de traficantes, e, por vezes, de civis inocentes; o que gera uma dinâmica chamada autorreforço de equilíbrio contra a violência. (Rios, idem) Sejam fatores micro ou macrossistêmicos, a escalada de conflitos no México enquadra-se no aprofundamento das dinâmicas dos espaços

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não governados, ou Black-Spots, pois esses são justamente os focos de disputa entre os cartéis de drogas e, mesmo sob a ação militar estatal, percebe-se uma tentativa intensiva do Estado de “retomar” o controle de tais regiões, e não de “reforçar” sua presença em tais regiões, o que seria aceitável se o Estado tivesse controle de tal território. Reflexões sobre os conflitos contemporâneos e sua relação com Território, Sociedade e Governança Por tudo o que foi considerado até aqui, pode-se dizer que há alguns conceitos que devem ser incorporados ao arcabouço teórico das Relações Internacionais, para que seja possível compreender a nova relação entre território, estado e governança que se impõe no séc. XXI, especialmente no que se refere aos conflitos internacionais contemporâneos. As falhas de governança dos Estados, que facilitam o surgimento de áreas como os black spots e áreas não-governadas, somadas aos efeitos da interdependência e globalização sobre as fronteiras estatais, permitem que novos atores tenham um papel mais relevante nas questões de segurança internacional. A percepção por parte dos Estados da violência urbana como um problema internacional, como se evidencia no caso das maras centro-americanas e dos cartéis de drogas mexicanos, justamente reforça a participação de novos atores inclusive em uma agenda que sempre foi exclusiva dos Estados, como é a de segurança. As chamadas novíssimas guerras, tema ainda incipiente nas academias de Relações Internacionais, podem fazer as análises macro, características da área, serem direcionadas à esfera mais “micro” da vida social humana, propiciando uma importante renovação teórica. Para expor de forma mais clara essa afirmação, pode-se retomar o exemplo das maras na América Central e dos cartéis de drogas no México. Se os combates às maras na América Central e aos cartéis no México forem tipificados como casos de conflitos internacionais contemporâneos, seja por exigirem soluções concertadas entre nações, seja por receberem programas dos Estados Unidos, como a Iniciativa Mérida – considerando-se apenas a percepção que os Estados têm do caso e suas consequentes atitudes, e não os julgamentos a respeito da legitimidade dessas ações –, pelo menos dois efeitos em termos de análise poderão ser percebidos.

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Primeiramente, colocar-se-á foco em espaços que até então estiveram sob jurisdição e responsabilidade do Estado: sejam eles os black spots e áreas não governadas, gerando um efeito de relação direta entre o plano doméstico e o internacional, sem passar pelo Estado (ator intermediário), pois esse não teve condições de gerir o espaço; em segundo lugar, a concertação multilateral de ações para tais espaços será necessária, pois a natureza dos crimes praticados, bem como a resposta à maior militarização é o chamado spread effect o que afeta Estados vizinhos, pois o conflito se pulveriza. No caso das perspectivas oriundas da América Latina e Caribe que apresentamos no início do capítulo, cabe destacar que as iniciativas multilaterais e as declarações oficiais, como da UNASUL e da CELAC, de que a região se apresenta como uma zona de Paz, são ainda insuficientes para trazer paz efetiva a essas regiões, pois a intensificação da violência demanda respostas multilaterais mais abrangentes e compreensivas no que tange aos conflitos e suas diversas dimensões: (I) doméstica com lanças transnacionais, (II) altamente violentos, com presença de múltiplos grupos armados, incluindo o Estado; (III) com enormes prejuízos econômicos em tais regiões; (IV) com crianças e adolescentes entre as primeiras vítimas; e, por fim, (V) ocorrendo em espaços sem governo ou Black-Spots concomitantemente a ações militarizadas, que, ao invés de diminuir o conflito, apenas causam o spread effect, fazendo com que esse seja diluído e difundido para outras regiões fronteiriças. Marília Carolina Souza - Doutoranda do Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC/SP, Pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI-UNESP), e professora na Universidade Anhembi Morumbi. (1) Embora as principais maras operem na América Central, há muitas também nos Estados Unidos (Bruneau, 2005). (2) Leis de “tolerância zero” às maras passaram a ser adotadas em toda a região do Triângulo Norte nos anos 2000. El Salvador, por exemplo, entre tantas outras medidas, aplicou a chamada Lei Antimaras, que torna ilícito o simples pertencimento de uma pessoa a uma mara. (Aguilar & Carranza, 2008).

Referências bibliográficas AGUILAR, J., CARRANzA, M. Las maras y pandillas como actores ilegales de la región. Organization of American States. 2008. Disponível em: http://www.oas.org.

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CApÍtuLo 2. o BinÔmio SeGurAnçADeSenVoLVimento nA AGenDA HemiSFÉriCA norte-AmeriCAnA LUIzA RODRIGUES MATEO

A

deficiência no exercício da capacidade estatal é assinalada, pela política externa norte-americana, como um dos grandes desafios à segurança internacional no século XXI. Instabilidades domésticas advindas de conflitos civis, impactos ambientais e fluxos migratórios indesejados, proliferação de armas de destruição em massa ou atividades criminosas e terroristas não mais se restringem às fronteiras dos Estados nacionais. Em um contexto de buracos funcionais na soberania estatal, os problemas de segurança se internacionalizam. Concomitantemente, novos espirais de violência são impulsionados pela lucrativa economia ilícita (tráfico de armas, pessoas, drogas), movimentos insurgentes políticos e identitários (étnico-religiosos) e pelos avanços tecnológicos (nos setores militar, de comunicação e transportes). Os principais conflitos no globo deixam de ser travados entre atores estatais, e passam a ser definidos pelo paradigma da guerra subclássica, nos chamados conflitos irregulares ou “novas guerras”. (Kaldor, 2001; Munkler, 2005) Diante do cenário de ameaças difusas, o fortalecimento dos Estados parece ser um instrumento valorizado pelas grandes potências na tentativa de resguardar sua segurança nacional, integridade territorial e estabilidade econômica. A proposta deste capítulo é pensar a estratégia dos Estados Unidos (EUA) para o enfrentamento desses desafios na última década. Os documentos estratégicos norte-americanos1 revelam a

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associação entre as ameaças do século XXI e a fraqueza estatal ou mesmo a multiplicação de “áreas não governadas” em Estados formalmente estruturados, mas com déficits em sua capacidade. Desde a Estratégia de Segurança Nacional (NSS, na sigla em inglês) de 2002, o governo norte-americano descreve sua atuação internacional por meio da combinação entre diplomacia, defesa e desenvolvimento. A opção por esse tripé se deve ao diagnóstico de que as lacunas na governança doméstica, em diversos Estados ao redor do globo, é fonte de instabilidade e ameaças: “Os Estados Unidos estão hoje menos ameaçados por Estados conquistadores que por aqueles fracassados.” (NSS, 2002:7).2 Ou seja, segundo a narrativa da fragilidade estatal, presente na agenda internacional norte-americana, o subdesenvolvimento se tornou uma ameaça. (Duffield, 2001, 2010) Nesse contexto, tanto o Departamento de Estado quanto o Departamento de Defesa têm se engajado nas atividades de assistência ao desenvolvimento, por meio da ajuda externa norte-americana. Nos anos 2000, observa-se uma valorização da ajuda bi e multilateral como ferramenta de política externa: aumento do volume de dólares destinados à promoção do desenvolvimento internacional e reformas institucionais para dar maior transparência e objetividade ao sistema de ajuda externa nos EUA. (Lancaster, 2007) A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês) torna-se peça central na estratégia de (re)composição das capacidades estatais por meio de projetos que se apresentam como promotores do império da lei e de instituições democráticas, abertura econômica, controle da fome e doenças, socorro em caso de desastres naturais, reconstrução pós-conflitos civis, dentre outros. No contexto hemisférico, ganham destaque os programas de ajuda externa destinados à reforma no setor judiciário, combate à corrupção, combate ao narcotráfico e acesso a serviços sociais básicos, como saúde e educação. Fraqueza estatal e “áreas não governadas” Principalmente a partir das mudanças estratégicas na política externa dos Estados Unidos após os atentados terroristas em setembro de 2001, a relação entre segurança e desenvolvimento passa a ser valorizada. A fraqueza estatal e as “áreas não governadas” são descritas como ameaça à segurança nacional estadunidense na medida em que potencializam o fluxo

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descontrolado de pessoas e armamentos, atividades criminosas (como o narcotráfico e lavagem de dinheiro), dispersão de doenças, degradação do meio ambiente e infrações aos direitos humanos, dentre outros. As “áreas não governadas” são aquelas nas quais o poder central não é capaz de controlar os limites fronteiriços, influenciar a população e manter a lei e os serviços básicos. Seja devido à falta de vontade política ou ineficiência da estrutura burocrática e logística dos Estados, as áreas não governadas possibilitam a emergência de autoridades paralelas que preenchem a lacuna estatal, muitas vezes conquistando apoio de populações locais. (Gates, 2010; Lamb, 2008; Menkhaus, 2007; Rabasa et al, 2006). Na perspectiva estadunidense, essas regiões com problemas de governança podem atrair terroristas, insurgentes e grupos criminosos por terem fronteiras porosas, vigilância reduzida (devido à corrupção e à intimidação de oficiais da lei), desgaste da legitimidade política e populações vulneráveis que sucumbem às autoridades paralelas. Atores ilícitos tomariam proveito de “pontos cegos” da capacidade governamental e bolsões de descontentamento. Muitos explorariam males sociais ou afinidades étnico-religiosas e ideológicas para recrutar novos membros para suas atividades. (Mateo & Santos, 2012) Cabe ressaltar que as “áreas não governadas” não compreendem apenas áreas remotas ou refúgios geográficos (ex. montanhas ou selvas), mas também áreas urbanas, marítimas ou mesmo virtuais (ex. redes de comunicação ou transações financeiras). Os déficits de governança podem aparecer, portanto, em Estados com diferentes gradações de fragilidade, desde aqueles considerados estáveis (como Brasil, Colômbia, Venezuela, Filipinas e Indonésia) àqueles apontados como falidos (como Haiti, Somália, Iêmen e Sudão). Especificamente para a política externa norte-americana, a fragilidade estatal e as áreas não governadas ganham importância porque influenciam no combate ao terrorismo global. Segundo o 9/11 Commission Report (2004): “a linha de frente na Guerra contra o terrorismo está nesses territórios não governados”. Também segundo a Estratégia de Segurança Nacional de 2006: Estados fracos e empobrecidos e áreas não governadas não são apenas uma ameaça à sua população e um fardo à economia regional, mas também são suscetíveis à exploração por terroristas, tiranos e criminosos internacionais. Nós vamos trabalhar para apoiar Estados ameaçados, prover

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alívio para crises e construir capacidade em Estados em desenvolvimento para aumentar seu progresso. (NSS, 2006: 33)

À semelhança dos documentos estratégicos rubricados por George W. Bush (2001-2008), aqueles produzidos na gestão Barack H. Obama (2009-atual) também sublinham a necessidade de fortalecer a capacidade de Estados fragilizados: “A boa governança é o único caminho para paz e segurança a longo prazo”. (NSS, 2010: 26). A ausência de governos eficazes ou responsáveis

na Ásia, África e mesmo nas Américas funcionaria como solo fértil para os atores não estatais engajados com o crime transacional e o terrorismo, tornando-se santuários para diversas atividades ilícitas. Ou seja, “[...] cada vez mais os desafios e ameaças emanam dos territórios de Estados fracos e em processo de falência”. (QDR, 2010: 12) O Plano Estratégico do Departamento de Estado norte-americano revela a conexão entre fraqueza estatal e o terrorismo global: “os mais intratáveis santuários terroristas existem em regiões fronteiriças ou sem governança. Precisamos desenvolver meios para negar refúgio aos terroristas.” (USDS, 2007: 12) Há ainda os Estados fragilizados que oferecem riscos à segurança por serem focos de pandemias (ex. Angola, Congo), crises humanitárias (ex. Sudão, Libéria, Serra Leoa e Burundi) ou reservas energéticas (ex. Venezuela e Nigéria). Instabilidades domésticas nesses países podem transbordar e se tornar problemas regionais ou globais. (Patrick, 2006) Destarte, a atuação dos EUA no combate às ameaças do século XXI compreende não somente instrumentos militares, mas diversos instrumentos diplomáticos, dentre os quais se destaca a ajuda externa com programas voltados ao fortalecimento da capacidade estatal. (Miko, 2004). Consoante Condoleezza Rice, Secretária de Estado no segundo mandato de George W. Bush: “No mundo atual, é impossível delinear claramente o limite entre nossos interesses de segurança, nossos esforços pelo desenvolvimento e nossos ideais democráticos.” (USDS, 2007:6) A ajuda para o desenvolvimento é entendida pelo governo norte-americano de maneira ampla, incluindo programas para o crescimento econômico, problemas globais de saúde e de meio-ambiente, reforma democrática e combate à corrupção, mitigação de conflitos e transições pós-crises civis. Segundo o relatório da USAID (2002), “Quando o desenvolvimento e a governança falham num país, as consequências encobrem regiões inteiras e se lançam pelo mundo”. Assim, a ajuda para o desenvol-

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vimento é considerada uma importante ferramenta de política externa para lidar com regiões instáveis e evitar que Estados entrem em colapso. Ajuda para o desenvolvimento Os Estados Unidos são a maior fonte individual de recursos para ajuda externa. (Lancaster & Van Dusen, 2005). Os norte-americanos proveem, hoje, um quarto de toda ajuda para o desenvolvimento, doando mais que o dobro que a França, o segundo doador entre os países da OCDE3. Os Estados Unidos também são o maior doador de ajuda multilateral, responsáveis por 9% do total investido no Banco Mundial e em programas das Nações Unidas (ONU). Entre 1999 e 2009, a ajuda externa estadunidense cresceu 147% (enquanto o somatório dos países da OCDE cresceu 62%) e também cresceu a proporção do PIB destinado à assistência internacional, de 0,1% em 2001 para 0,2% em 2011. (DAC, 2011) Durante reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o presidente George W. Bush delimitou a relação entre a promoção do desenvolvimento e o combate ao terrorismo: Nós trabalhamos pela prosperidade e oportunidade porque elas ajudam a derrotar o terrorismo. A persistência da pobreza e da opressão leva à falta de esperança e ao desespero. E quando os governos falham em prover as mais básicas necessidades de seu povo, os Estados falidos podem se tornar santuários para o terrorismo. (Bush, 2002)

Em 2003, Bush anunciou dois grandes programas de ajuda: o Plano Emergencial de combate à AIDS e a Corporação Desafio do Milênio. Além de uma profunda reforma organizacional do sistema de ajuda externa, a administração Bush também avançou na revitalização da USAID, que havia sofrido um processo de esvaziamento durante a década de 90, quando a agência perdeu muitos funcionários e diminuiu sua presença no exterior. Segundo Carol Lancaster (2008:1), “Desde a administração do presidente John F. Kennedy não se via tantas mudanças no volume da ajuda, seus propósitos e políticas, na organização e status da ajuda na política externa norte-americana”. O reposicionamento da USAID na grande estratégia norte-americana começou em 2002, com o relatório Foreign Aid in the National Interest

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e seguiu com o importante white paper de 2004, que elencou as cinco missões da agência diante dos desafios do século XXI: Desenvolvimento Transformacional

Governança democrática, crescimento econômico e capacidade humana

Estados frágeis

Melhorar segurança, estabilidade, capacidade institucional e modernização da infraestrutura

Ajuda humanitária

Desastres naturais e conflitos violentos

Apoiar interesses geopolíticos

Desenvolvimento em países de importância estratégica

Lidar com desafios globais

Doenças infecciosas e combate ao crime transnacional, tráfico de drogas, pessoas, armas e lavagem de dinheiro

Fonte: USAID, 2004.

Conforme apresentado no quadro acima, predominou a preocupação com o desenvolvimento voltado à contenção da fragilidade estatal e seus efeitos, o que se observa por meio da criação de inúmeras instâncias burocráticas para lidar com a prevenção de crises e prover resposta humanitária. No Departamento de Estado foi criado o Office of the Coordinator for Reconstruction and Stabilization, em 2004. Na USAID, um white paper de 2005 deu origem ao Democracy, Governance and Humanitarian Assistance Bureau e do Office of Military Affairs (para ser uma ponte institucional com o Departamento de Defesa). A Defense Directive 3000.05 impeliu, por sua vez, o Pentágono a ajudar na reconstrução de Estados frágeis: O Departamento de Defesa deve estar preparado para conduzir operações de estabilização a fim de estabelecer controle civil e segurança, restaurar ou prover serviços essenciais, reparar infraestrutura crítica ou fornecer assistência humanitária. (USDD, 2005)

O engajamento com programas de combate à fragilidade estatal é um dos eixos do crescente envolvimento do Departamento de Defesa com a assistência internacional. Se no início do século XXI o Pentágono administrou 4% dos recursos orçamentários de ajuda externa, em 2005 foi o responsável por 22% da ajuda não militar estadunidense4. Voltado principalmente aos projetos de reconstrução no Afeganistão e Iraque, o Pentágono também está presente em zonas de paz onde não há presença militar dos EUA. (DAC, 2006) A administração Obama deu continuidade tanto ao nível crescente de dólares empregados na assistência internacional quanto às reformas

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organizacionais (principalmente na USAID) iniciadas com Bush. No discurso proferido em Oslo, quando do recebimento do prêmio Nobel da Paz, o presidente Obama afirmou: É sem dúvida verdade que o desenvolvimento raramente se enraíza sem segurança; e é também verdade que não há segurança quando os seres humanos não têm acesso à comida, água potável, ou remédios e abrigo necessários à sua sobrevivência. A segurança não existe quando uma criança não pode almejar uma educação decente ou um emprego para ajudar sua família. A ausência de esperança pode corroer uma sociedade por dentro. (Obama, 2009)

Durante a Cúpula da ONU sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em 2010, Obama definiu a busca pelo desenvolvimento como um pilar do poder americano. Durante seu primeiro mandato, Obama inaugurou três importantes iniciativas: Feed the Future, Global Health Initiative e Global Climate Change Initiative. Em 2012, a ajuda externa estadunidense atingiu a cifra recorde de 47 bilhões de dólares. Ainda em 2010, foram lançados dois documentos que mudaram as regras do jogo na ajuda externa estadunidense: o President Directive on Global Development (PPD) e a Revisão Quadrienal de Diplomacia e Defesa (QDDR). O primeiro é uma tentativa (inédita) de reorientar a agenda de assistência internacional em todas as instâncias do governo, refundando a metodologia operacional e interpretação de objetivos na promoção do desenvolvimento. Os documentos estratégicos e discursos oficiais revelam, portanto, a manutenção e aprofundamento da abordagem 3D (com o tripé diplomacia, desenvolvimento e defesa) em vigor desde a Estratégia de Segurança Nacional de 2002. Segundo a avaliação do governo norte-americano: O desenvolvimento é indispensável na defesa dos interesses norteamericanos num mundo marcado pela crescente integração econômica e fragmentação do poder político, pela ascensão de poderes emergentes e fraqueza persistente de Estados frágeis, pelo potencial da globalização e riscos das ameaças transnacionais, e pelos desafios da fome, pobreza, doenças e mudanças climáticas. A busca do desenvolvimento é essencial para avançar os objetivos de nossa segurança nacional, prosperidade, respeito a valores universais e uma ordem internacional justa e sustentável. (PPD, 2010)

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Segurança e desenvolvimento no hemisfério Tendo descrito anteriormente a abordagem estadunidense associando fatores de vulnerabilidade social e de vácuo de autoridade estatal às fontes de instabilidade, motor de criminalidade e santuário para grupos terroristas, ganha destaque a lógica que orienta os programas de ajuda externa nos campos político, jurídico, econômico e social para a administração de ameaças à segurança no hemisfério. Nesse sentido, a agenda de assistência internacional, implementada pelo Departamento de Estado e pela USAID, busca aprofundar o que consideram como pilares da governabilidade na América Latina. Segundo a Estratégia para Estados Frágeis da USAID (2005), a debilidade reside na incapacidade ou no desinteresse dos Estados na provisão adequada de segurança e serviços básicos para parcelas significativas da sua população, ou aqueles cuja legitimidade governamental está em questão. Isso inclui os Estados que já faliram ou estão se recuperando de crises civis5.

Segurança

Política

Economia

Sociedade

Efetividade

Legitimidade

Serviços militar e policial capazes de proteger as fronteiras e limitar o crime

Serviços militar e policial empregados razoavelmente, sem ferir os direitos humanos

Instituições e processos políticos capazes de garantir as necessidades do cidadão

Processos políticos, normas e líderes aceitos pela população

Intuições econômicas e financeiras e infraestrutura que comportem crescimento econômico (inclusive geração de empregos) e manejo de recursos naturais

Instituições econômicas, serviços financeiros e oportunidades para geração de renda, transparência quanto ao uso de recursos naturais

Provisão de serviços básicos (inclusive para minorias e grupos vulneráveis)

Tolerância para com crenças, hábitos e culturas diversas

Fonte: USAID, 2005: 12.

Ou seja, segundo a USAID (2005: 10-11), a instabilidade ligada aos Estados frágeis é produto de uma governança não efetiva e/ou ilegítima. De tal modo, seria possível antever a corrosão da capacidade estatal por meio de sintomas como decadência das instituições, eleições contestadas, distribuição de renda precária, déficit de infraestrutura, degradação ambiental descontrolada, acesso limitado a recursos naturais, educação ideologizada, dentre outros.

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Portanto, a atuação da ajuda externa norte-americana tem priorizado os focos de fragilidade, com programas de ajuda a fim de diminuir os impactos de conflitos armados, garantir segurança e serviços sociais básicos, e também de incentivo a reformas nos campos político e econômico, (re)compondo a capacidade institucional do Estado. Essa realidade não é menos importante quando abordamos a região latino-americana. No hemisfério ocidental, os objetivos explicitados pela USAID envolvem: combate à corrupção, aumento na transparência dos governos e participação popular, modernização do sistema de justiça, promoção do comércio e criação de empregos. Além da atuação focada no desenvolvimento econômico e político-institucional, a USAID também provê assistência humanitária a populações vulneráveis e vítimas de catástrofes ambientais, como nos terremotos no Haiti e Chile (2010) ou nas enchentes na Guatemala e El Salvador (2005). A USAID reconhece que governança de qualidade influencia a sustentabilidade do desenvolvimento, e esta é uma prioridade vital para erradicar a pobreza, encorajar o desenvolvimento econômico e de infraestrutura, impulsionar a legitimidade do setor público, erradicar doenças e vencer o terrorismo global. (USAID, 2004: 2)

Destarte, o desenvolvimento serviria como um antídoto para as áreas não governadas elevando a qualidade das relações sócio-político-econômicas, evitando a associação das populações locais com atividades ilícitas e prevenindo, principalmente, as crises agudas. Segundo o governo norte-americano, a prosperidade e o controle estatal na América Latina implicam em estabilidade nas suas fronteiras6 e nas diminuições de migrações ilegais e do crime transrregional. A América Latina recebe 13% de toda a ajuda externa norte-americana (somando ajuda militar e econômica), incluindo os programas direcionados à Colômbia, ao México e América Central. (Tarnoff & Lawson, 2011) Na justificativa para o Congresso assinada pela Secretária de Estado no primeiro mandato de Obama, Hillary Clinton, cinco prioridades foram elencadas para as parcerias hemisféricas (CBJ, 2013): • Melhorar os esforços regionais para prevenção do crime e violência; • Fortalecer os sistemas de educação básica e saúde em Estados-chave; • Ajudar países a aproveitar as oportunidades econômicas;

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territoriALiDADeS e entreCruZAmentoS GeopoLÍtiCoS nA AmÉriCA LAtinA

• •

Promover investimentos em segurança alimentar; Mitigar e adaptar-se às mudanças climáticas globais;

Esse documento ressalta, ainda, o potencial econômico da região e descreve os principais programas: Central American Regional Security Initiative e Caribbean Basin Security Initiative (focados no combate ao crime transnacional e narcotráfico), Energy and Climate Partnership of the Americas (segurança energética e mudanças climáticas), Pathways to Prosperity in the Americas (crescimento econômico). (CBJ, 2013) Em 2013, o planejamento de ajuda econômica externa para o hemisfério ocidental somou 181 milhões de dólares, distribuídos em cinco setores, conforme apresentado no gráfico:

Fonte: Foreign Assistance Dashboard, 2013

Nota-se, assim, uma disposição do governo norte-americano para enfrentar o que considera lacunas de desenvolvimento no hemisfério, com destaque para o combate ao crime organizado e ao narcotráfico. Nos países andinos, além da ajuda militar (financiamento, treinamento e transferência de equipamentos) para fortalecer a atuação das Forças Armadas (sobretudo na Colômbia, América Central e Caribe) na repressão à produção e tráfico de cocaína, muitos projetos da USAID incentivam os pequenos agricultores à substituição do cultivo da coca. Em termos mais

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gerais, a agenda da USAID para a região explicita como foco dos seus programas o fortalecimento dos regimes democráticos e a abertura de mercados para alavancar o desenvolvimento econômico. Considerações finais O capítulo buscou compreender como a política externa dos Estados Unidos tem recorrido ao binômio segurança-desenvolvimento para definir e enfrentar as novas fontes de ameaça aos seus interesses, alimentadas pelo contexto de fraqueza estatal e proliferação de áreas não governadas em diversos países ao redor do globo. A importância da ajuda para o desenvolvimento se revela, principalmente, na possibilidade de conter os santuários para o terrorismo global. Seja negando o abrigo físico (em zonas sem vigilância formal) e virtual (redes de comunicação e levantamento de recursos), ou evitando que populações desamparadas apoiem grupos extremistas. Na América Latina, a maior preocupação norte-americana reside nas diversas atividades do crime organizado, desde o tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos e cooptação de autoridades policiais, até a conexão com grupos terroristas fora do hemisfério. A escalada de violência nas grandes cidades (como Rio de Janeiro, Caracas, Bogotá e Cidade do México) e o fortalecimento da economia ilícita e de poderes paralelos criam “bolsões de fragilidade” e revelam a ausência do poder do Estado. A resposta de Washington, na última década, veio por meio do investimento na recomposição da capacidade estatal, por intermédio de programas de ajuda externa para atender localidades em que identifica maiores ameaças aos seus interesses, priorizando infraestrutura, saúde, segurança alimentar e educação, incentivo ao crescimento econômico e fortalecimento das instituições políticas e judiciais. Segundo Ayerbe (2012: 113), “[...] verifica-se a centralidade assumida pela dimensão estatal tanto no lado dos problemas de segurança identificados, como das soluções prescritas”. Observa-se, assim, a valorização da ajuda para o desenvolvimento como instrumento de controle da fragilidade estatal e de ameaças vindas de pandemias, crises humanitárias, crime organizado e terrorismo, potencializadas pela existência das áreas não governadas. Conforme mostramos,

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diversos documentos estratégicos norte-americanos apontam nessa direção, assim como as iniciativas lançadas pelas administrações Bush e Obama para fortalecer a agenda de ajuda externa. Essas iniciativas tentam dar coesão e eficácia aos programas executados pela USAID, pelos Departamentos de Estado e Defesa, a fim de assegurar a projeção do poder dos EUA no mundo. Luiza Rodrigues Mateo - Doutoranda do Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC/SP, Pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI-UNESP), e professora da Universidade de Sorocaba (UNISO). (1) Destaque para a Estratégia de Segurança Nacional, o Plano Estratégico, a Revisão Quadrienal de Diplomacia e Desenvolvimento, a Estratégia de Defesa Nacional e a Revisão Quadrienal de Defesa. (2) Todas as citações em língua inglesa foram livremente traduzidas pela autora. (3) A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é um organismo internacional criado em 1948 para coordenar políticas econômicas e promover o desenvolvimento. (4) Este ano representou um pico nas atividades do Pentágono em ajuda externa. Entre 2007 e 2012, o papel do Departamento de Defesa na entrega de assistência internacional decaiu paulatinamente, até se estabilizar entre 8 e 9% do total. (DAC, 2011) (5) Segundo dados do Banco Mundial, os Estados fracos crescem apenas um terço da taxa média global, têm um terço da renda per capita, 50% mais dívidas/PIB e o dobro da pobreza em relação aos países medianos. (Wyler, 2008: 13) O tempo esperado para que o Estado fraco saia desse limbo de crescimento é de 56 anos, o que ressalta a importância dos programas capazes de impulsionar seu desenvolvimento. (6) Principalmente nos estados norte-americanos que fazem divisa com o México, Califórnia, Arizona, Novo México e Texas.

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CApÍtuLo 3. AS GAnGueS urBAnAS Do triÂnGuLo norte DA AmÉriCA CentrAL e A perCepção DoS DepArtAmentoS De eStADo e DeFeSA DoS eStADoS uniDoS ACerCA De SuA AmeAçA À SeGurAnçA reGionAL PAULO MORTARI ARAúJO CORREA

Introdução

A

s grandes cidades do Triângulo Norte do istmo centro-americano1, região formada por El Salvador, Guatemala e Honduras, têm sido acometidas, no geral, por alarmantes níveis de criminalidade nos últimos anos. Com referência a 2009, por exemplo, estudos do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, 2011, pp. 118-120), realizados com base nas taxas de homicídio doloso das cidades mais populosas de 112 países, relacionaram as respectivas capitais nacionais San Salvador, Cidade de Guatemala e Tegucigalpa entre as cinco mais violentas do mundo2. Entre os grupos frequentemente responsabilizados por esse cenário encontram-se as maras e pandillas, gangues urbanas constituídas predominantemente por jovens do sexo masculino e atuantes, sobretudo, em bairros periféricos onde se fazem mais notáveis a escassez de bens e serviços públicos e a condição de vida precária de muitos de seus habitantes. No intuito de conter a expansão desses grupos, diversas medidas domésticas têm sido adotadas na região por iniciativa dos governos locais, com

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destaque a planos usualmente referidos como de “tolerância zero”, aplicados a partir de 2003 nos três países, e, em menor escala, programas de prevenção ao ingresso de jovens a gangues e de reinserção social de ex-membros, os quais, por vezes, contam com a participação de atores da sociedade civil, como associações religiosas e ONGs (Organizações Não Governamentais). Com relação às medidas repressivas, El Salvador e Honduras, por exemplo, sancionaram ao longo dos últimos anos, leis que declaram como ilícitas as maras e pandillas, algo que, entre outros efeitos, respalda a perseguição policial a seus integrantes. As reações, no entanto, não se limitam à esfera nacional. Principalmente a partir da década de 2000, os governos da região têm manifestado certa propensão à cooperação na contenção das gangues de rua, levando em consideração a abrangência regional do fenômeno e suas percebidas implicações à segurança pública. Dentro das ações internacionais que de fato se concretizaram, destaca-se a participação de agências dos Estados Unidos, envolvidas tanto com medidas de caráter policial como social. A fim de obter um entendimento maior sobre a atuação estadunidense no combate às maras e pandillas no Triângulo Norte, analisa-se, neste capítulo, especificamente a percepção que os Departamentos de Estado e, em menor extensão, de Defesa do país têm sobre a problemática, identificando-se algumas das principais preocupações apontadas e medidas adotadas com relação a esses grupos e inserindo-as nas discussões acerca das ameaças transnacionais à segurança regional. Foram consultados, para tanto, os endereços eletrônicos de ambos os departamentos, verificando-se todo tipo de material apresentado de 2000 a 2013 – desde relatórios e acordos até declarações, contidos nas seções referentes às diversas agências relacionadas dentro dos próprios sites. Não se conferiu grande destaque, contudo, a materiais que não estavam necessariamente dentro desses veículos eletrônicos, concentrando-se nas informações disponibilizadas neles. É importante delimitar, por conseguinte, o alcance deste trabalho. Não se almeja expor uma visão definitiva sobre qual é a política estadunidense para as gangues na porção setentrional da América Central, mas, sim, apresentar uma percepção específica sobre a problemática (mais precisamente, aquela expressada nos materiais divulgados pelos Departamentos de Estado e Defesa), oferecendo-se, assim, diretrizes para o aprofundamento no tema, considerando as informações obtidas por meio das pesquisas como úteis para a ampliação do conhecimento sobre a realidade concernente aos referidos grupos na região. Ademais, será destacado aquilo que é comum aos três países centro-americanos relacionados, embora se reconheça que existem diferenças e particularidades em cada um deles.

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Panorama da situação das maras e pandillas no Triângulo Norte da América Central Antes de tratar especificamente dos resultados obtidos por meio das pesquisas nos endereços eletrônicos dos Departamentos de Estado e Defesa dos Estados Unidos, é necessário traçar brevemente um panorama sobre as maras e pandillas (com foco em El Salvador, Guatemala e Honduras), de modo que se compreenda minimamente a realidade sobre a qual se está discorrendo. As maras e as pandillas, em linhas gerais, são gangues urbanas, constituídas majoritariamente (mas não unicamente) por jovens do sexo masculino, atreladas, usualmente, a uma região específica de suas cidades e detentoras de uma identidade compartilhada entre seus integrantes, o que pode incluir desde o uso de gírias, tatuagens e gestos corporais próprios até rigorosas normas de conduta. Tais grupos, ademais, são comumente associados à prática de ilicitudes como homicídios, roubos à mão armada, tráfico de drogas e extorsões, o que os caracterizaria como atores frequentemente envolvidos com a criminalidade violenta. Porém, embora na América Central seja comum referir-se a esses agrupamentos de forma indiferenciada, há autores que estabelecem uma distinção entre o que se entende por maras e por pandillas – ambas, contudo, tratadas neste texto como gangues de uma forma geral, sendo distinguidas apenas quando necessário. Em primeiro lugar, cabe mencionar que pandilla é uma palavra hispânica que, em seu uso literal, significa gangue ou bando, possuindo, assim, uma conotação geralmente negativa (tal como ocorre com a palavra pandilha em português). Nesse sentido, poder-se-ia incluir como pandillas até mesmo as maras, já que estas são, também, um tipo de gangue. Entretanto, com a finalidade de distinguir dois fenômenos historicamente diferentes em âmbito centro-americano, autores como Dennis Rodgers, Robert Muggah (2009, pp. 305-306) e Clare Seelke (2009, p. 4) atribuem a cada um dos termos uma particularidade, mais especificamente relacionada às origens dos grupos por eles representados. Pandillas, para tais autores, diria respeito a gangues de rua formadas exclusivamente dentro de um dos países da América Central (ou seja, não apenas naqueles do Triângulo Norte), subcontinente onde estariam presentes há décadas. Já o termo maras, por sua vez, se referiria a gangues de raízes

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transnacionais, constituídas, inicialmente, por imigrantes centro-americanos no exterior (mais precisamente, nos Estados Unidos), os quais, em seu regresso ao país-natal, levaram consigo a experiência vivenciada fora, ajudando a difundi-la pela região. Desse modo, a formação e expansão das maras, em específico, estão relacionadas aos fluxos migratórios ocorridos a partir da América Central (com destaque ao Triângulo Norte) principalmente ao longo das décadas de 1970 e 1980. É importante ressaltar que, nesse período, os países da porção setentrional do subcontinente passavam por grande instabilidade política. A Guatemala, desde 1960, se encontrava imersa em uma longa guerra civil (encerrada apenas em 1996), algo experimentado por El Salvador a partir de 1980 (com fim apenas em 1992). Honduras, por sua vez, embora na época não tenha passado por uma guerra civil propriamente dita, também testemunhava em seu território movimentos de insurgência política, quadro agravado por fatores como elevados índices de pobreza, fome e desigualdade social, comuns, também, a seus vizinhos e persistentes, em variados graus, até hoje3. Diante desse cenário, muitos indivíduos se viram forçados a sair de seus respectivos países em busca de melhores condições de vida, sendo o principal destino os Estados Unidos – com maior ênfase à cidade de Los Angeles e seus arredores (Domínguez, 2008, p. 3). Colocando tal afirmação em perspectiva, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, 2002, pp. 106; 145; 177), em 1980, havia 196.674 indivíduos oriundos desses três países vivendo nos Estados Unidos, número que, em 1990, já atingia o patamar de 800.095 (dos quais 465.433 eram salvadorenhos, 225.739 guatemaltecos e 108.923 hondurenhos, o que representava, aproximada e respectivamente, 87, 77 e 80 por cento do total de indivíduos dessas nacionalidades no exterior). Ao ingressar em terras estadunidenses, contudo, muitos imigrantes, sem qualquer documentação ou reconhecimento de refúgio, terminaram por se assentar, de forma clandestina, em regiões urbanas periféricas, onde, além da discriminação sofrida em decorrência de sua condição de irregularidade e procedência nacional, da falta de acesso a empregos e bens públicos e da marginalização social, tiveram que enfrentar a hostilidade de alguns grupos locais opostos à sua presença. Por conseguinte, alguns desses imigrantes passaram a aderir a gangues de rua existentes em seus novos locais de residência, enquanto outros decidiram fundar as

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suas próprias organizações. No caso dos últimos, tem-se como exemplo a formação da Mara Salvatrucha 13 (ou MS-13), hoje uma das maiores gangues das Américas do Norte e Central. (Wolf, 2012, pp. 65; 71) Ainda ao longo dos decênios de 1970 e 1980, muitos salvadorenhos, guatemaltecos e hondurenhos em situação irregular (seja por ingresso e/ou permanência considerados ilegais, seja por problemas criminais) foram forçados a voltar aos seus respectivos países, dentre eles, alguns membros de gangues, que, em seu regresso, inauguraram a presença das primeiras maras no Triângulo Norte centro-americano. No entanto, a expansão mais notável desses grupos na região ocorreu somente na década de 1990, após o significativo aumento no número de deportações e outras formas de retorno compulsório, algo devido, em parte, ao enrijecimento de leis e políticas migratórias nos Estados Unidos (sendo o maior exemplo o Illegal Immigration Reform & Immigrant Responsibility Act, adotado em 30 de setembro de 1996). De acordo com informações do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (U.S. Department of Homeland Security, 2012, p. 102), entre 1991 e 2000, por exemplo, cerca de 14,5 milhões de pessoas tiveram que retornar aos seus países (frente a 10 milhões entre 1981 e 1990), destacando-se o triênio de 1998 a 2000, que, como consta, foi o período com maior número de “retornados” da história estadunidense – com cerca de 5,4 milhões de indivíduos, dos quais aproximadamente 200.000 seriam criminosos (U.S. Department of Homeland Security, 2006, p. 162). É importante observar, contudo, que a expansão das gangues em El Salvador, Guatemala e Honduras não deve ser atribuída exclusivamente à migração de seus integrantes dos Estados Unidos, considerando que sem a existência de um contexto propício (incluindo fatores socioeconômicos como desigualdade social e baixa disponibilidade de empregos e o predomínio de ações repressivas por parte das forças de segurança pública contra populações econômica e socialmente menos abastadas) dificilmente a experiência marera teria tido a mesma atratividade nesses países (ver, por exemplo, Wolf, 2012). Desse modo, como salientam Rodgers e Muggah (2009, p. 303), as gangues na América Central existiam antes da década de 1970 (caso das pandillas), porém, foi com o advento das maras e com sua expansão, sobretudo a partir dos anos 1990, que o fenômeno ganhou maior notoriedade.

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Com relação à magnitude de sua presença nos últimos anos, o UNODC (2007, p. 60), em referência a meados da década de 2000, divulgou que haveria em todo o subcontinente centro-americano cerca de 70.000 membros de gangues (incluindo maras e pandillas), dos quais mais de 60.000 estariam no Triângulo Norte (36.000 em Honduras, 14.000 na Guatemala e 10.500 em El Salvador), número que, no entanto, pode ter se elevado a quase 100.000 membros em 2012 apenas nesses três países4. Somente a MS-13, segundo o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos (U.S. Department of the Treasury, 2012, online), possuiria ao menos 30.000 integrantes distribuídos não só pelo Triângulo Norte, mas, também, pelo México e por mais de 40 estados dos Estados Unidos (onde teria, aproximadamente, 8.000 membros), sendo, assim, considerada “uma das gangues criminosas mais perigosas e rapidamente expansivas do mundo nos dias de hoje”5. Contudo, é importante frisar que, embora existam pequenos grupos – denominados clicas – em diferentes países que se intitulam como parte de maras como a MS-13, é questionável o nível de integração entre eles. Em outras palavras, apesar do nome comum, é pouco evidente ainda a coesão entre todos esses grupos em nível transnacional a ponto de existirem estruturas hierárquicas e padrões de ação comuns entre eles, fazendo com que sua ligação seja, a princípio, muito mais simbólica (relacionada a uma identidade ou origem comum) do que de fato operacional (Wolf, 2012, p. 76). Como se pode perceber, apesar de ser um aspecto tradicional do istmo da América Central como um todo (caso das pandillas), as gangues estão presentes com maior intensidade na região do Triângulo Norte, sobretudo devido à notável expansão das maras em El Salvador, Guatemala e Honduras. Com relação a tal fato, os governos dos três países, principalmente a partir dos anos 2000, passaram a empreender uma série de medidas de contenção às gangues, principalmente no âmbito da segurança pública (embora iniciativas de cunho preventivo e de reinserção social, em menor número, tenham sido também colocadas em prática). Exemplos disso são os Planos Mão Dura (de 2003) e Super Mão Dura (2004), de El Salvador, o Plano Tolerância zero (2003), de Honduras, e o Plano Escoba (2004), da Guatemala, por meio dos quais, de maneira geral, intensificavam-se as perseguições policiais contra supostos membros de maras e pandillas (Aguilar; Carranza, 2008). Em El Salvador e Honduras especificamente, aprovaram-se, em 2003, leis que tornam

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ilícitos tais agrupamentos, sendo que, no caso do primeiro, a lei foi revogada em 2004 (após ser considerada inconstitucional), sendo relançada em 2010, com um novo texto. Ademais, tem-se visto certa propensão à cooperação regional para o combate às gangues, as quais não apenas são apresentadas como uma ameaça comum aos três países, mas, também, no caso de algumas delas, como uma ameaça transnacional, devendo, desse modo, ser enfrentadas com ações multilateralmente coordenadas – ver, por exemplo, a Declaração Conjunta dos Presidentes de El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua sobre as Gangues “Mara Salvatrucha” e “Mara 18”, de janeiro de 2004 (SICA, 2004, online). As gangues de rua em El Salvador, Guatemala e Honduras, portanto, são frequentemente apresentadas como uma ameaça à segurança pública, responsabilizadas por parte dos altos índices de criminalidade violenta da região e, por vezes, apontadas como transnacionalmente articuladas. A partir disso, e com base principalmente na trajetória das maras, expõe-se e analisa-se, na sequência, a percepção que os Departamentos de Estado e, com menor ênfase, de Defesa dos Estados Unidos, têm sobre esses grupos no Triângulo Norte centro-americano. A percepção do Departamento de Estado As informações e análises contidas nos trabalhos das diversas agências do Departamento de Estado comporiam, em conjunto, uma singular visão do departamento como um todo a respeito não só das maras e pandillas, mas, também, de sua principal região de atuação (e seus arredores). Nesse sentido, a fim de compreender qual é essa percepção, discorre-se, a partir daqui, sobre o que cada agência (dentre aquelas que efetivamente tratam da temática) apresenta a respeito das gangues, abrangendo uma série de elementos que estariam relacionados com as ações de tais grupos em El Salvador, Guatemala e Honduras. Inicialmente, fala-se, a título de ilustração, do cenário no qual as gangues se inserem, sobre duas variáveis que, dentre outras, seriam características principalmente dos países do Triângulo Norte do subcontinente centro-americano, sendo elas a criminalidade e o tráfico de drogas. Para tratar da primeira, recorre-se a informações contidas na seção referente ao Escritório de Operações de Conflito e Estabilização (Bureau of Conflict and Stabilization Operations ou CSO, no acrônimo em inglês),

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do Departamento de Estado. Esse escritório, responsável desde 2011 por trabalhar na prevenção e mitigação de conflitos violentos ao redor do mundo, enumerava, até meados de 2013, quatro zonas prioritárias de atenção, sendo uma delas a denominada “Camada Norte da América Central”, na qual se incluem justamente os três países do Triângulo Norte mais Belize. A grande preocupação na região seria a criminalidade violenta, da qual participariam, como se aponta, gangues tanto nacionais como transnacionais, cujas atividades gerariam medo e insegurança nas comunidades sobre as quais detivessem controle efetivo. Assim, ter-se-ia a porção setentrional do istmo centro-americano como uma zona crítica em termos de violência e necessidade de apoio externo. Recentemente (no segundo semestre de 2013), a lista do CSO6 foi atualizada, substituindo-se a “Camada Norte” por apenas Honduras, mantendo-se, no entanto, a preocupação com as gangues, cujas ações, segundo se afirma, poderiam ter repercussão inclusive nos Estados Unidos7. Como principal resposta, o escritório apoiaria reformas nas instituições de segurança pública e no sistema judicial hondurenhos, sendo disponibilizados, para tanto, conselheiros técnicos estadunidenses. Para complementar a visão panorâmica da região e suas adjacências, podem ser citados alguns dados do Escritório de Assuntos Internacionais de Narcóticos e Aplicação da Lei (Bureau of International Narcotics and Law Enforcement Affairs ou INL). No relatório Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos referente a 2011 (2012, p. 213), estima-se que 95% da cocaína que sai da América do Sul com destino aos Estados Unidos passa pela América Central e pelo México, sendo que 80% desse volume transitaria pelo istmo centro-americano antes de prosseguir em direção ao território mexicano. Por conseguinte, todos os oito países da região estão incluídos na lista de maiores países de trânsito ou produção de drogas ilícitas do INL, juntamente com mais catorze de outras partes do mundo (2012, p. 6). Dentre os países centro-americanos, destaca-se o peso que Guatemala e Honduras teriam no encaminhamento das drogas aos Estados Unidos. Enquanto o primeiro serviria de corredor para 15% da cocaína que é direcionada a solo estadunidense (2012, p. 233), o último seria território de trânsito para 79% de toda a cocaína que embarca em aviões na América do Sul com o mesmo destino (2012, p. 251). Tendo em mente essas duas variáveis – o aumento da criminalidade e o tráfico de drogas (caracterizando a região mais como território

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de trânsito do que de produção8) –, pode-se iniciar a análise acerca das gangues propriamente ditas, começando por sua relação com a comercialização de drogas ilícitas. De acordo com o INL, nos três países do Triângulo Norte, as gangues têm atuado na distribuição local de drogas – ou seja, na comercialização nas ruas de suas respectivas cidades –, com maior ênfase para El Salvador e Honduras. No entanto, no que concerne ao tráfico internacional, não se confere destaque a esses grupos. Em relação a 2005 e 2006, os relatórios do INL chegaram a indicar o envolvimento de gangues de El Salvador e Honduras com organizações internacionais de narcotraficantes (como aquelas provenientes da Colômbia e do México), porém, seu papel se limitaria a proteger carregamentos recém-chegados aos seus países, recebendo em troca armas e drogas (2006, p. 147; 2007, pp. 157, 164). Tal visão foi ainda mais atenuada em 2011 e 2012, em cujos relatórios se afirmou que as gangues, ainda nos dois países citados, tendem a não ter um papel significativo na logística do narcotráfico internacional, sendo mais relevantes, portanto, na distribuição local, apenas (2011, p. 242; 2012, pp. 213, 252). Assim, pelas informações veiculadas nos relatórios do INL, percebe-se um envolvimento mais significativo das gangues nos três países com o tráfico “doméstico” de drogas – com menor destaque na Guatemala –, havendo pouca conexão evidente entre tais grupos e organizações internacionais de narcotraficantes – a não ser em alguns casos relatados em El Salvador e Honduras, onde algumas gangues chegam a oferecer proteção a carregamentos que vêm do exterior, tarefa considerada, todavia, pouco significativa perante a magnitude do processo que envolve o tráfico internacional de drogas. Contudo, apesar dessa relação ainda pouco relevante com o contrabando de ampla escala, não se pode deixar de considerar a gradual importância que as gangues têm tido nos relatórios do INL. Na publicação referente a 2001, por exemplo, esses grupos eram citados somente na seção correspondente a Honduras, na qual se alertava apenas para o consumo de drogas pelos seus membros. Nos anos seguintes, foi-se conferindo maior destaque às gangues não só com relação ao tráfico doméstico de drogas mencionado, mas também ao envolvimento com delitos como roubos à mão armada, assassinatos contratados e esquemas de extorsão, algo comum aos três países e enfatizado, inclusive, nas publicações mais recentes. Ademais, em 2008 (p. 165), na seção correspondente a El Salvador, utilizou-se pela primeira vez

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o termo “gangues de rua transnacionais”, recorrente desde então, com algumas variações, também nos casos de Honduras e Guatemala – nesta, por exemplo, mais especificamente na forma de poderosas gangues regionais de jovens (2011, p. 270). Por fim, destaca-se a informação divulgada no relatório de 2013 (p. 160) de que a Mara Salvatrucha 13 (ou MS-13) foi considerada, em outubro de 2012 pelo Departamento de Tesouro estadunidense, uma organização criminosa transnacional, qualificação que, pelo momento em que se deu, suscita a ideia de que a periculosidade de algumas gangues esteja aumentando de acordo com a percepção do governo norte-americano. O envolvimento com a criminalidade, porém, como o INL também cita, não se limita à comercialização de drogas ilícitas. O Escritório de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho (Bureau of Democracy, Human Rights, and Labor ou DRL), cujo trabalho envolve, entre outras finalidades, a observância da situação dos direitos humanos ao redor do mundo, identifica em seus relatórios anuais – denominados Relatórios de Países sobre Práticas de Direitos Humanos – alguns crimes que as gangues no Triângulo Norte centro-americano praticam regularmente. Nesse caso, é mais oportuno analisar a situação de cada país de forma particular. Em El Salvador, apontam-se como alguns dos crimes praticados pelas gangues os assassinatos (usualmente relatados entre 2003 e 2010), a violência direcionada a mulheres (incluindo torturas e mutilações, relatadas entre 2003 e 2004) e o encorajamento da participação de crianças em delitos como homicídios e tráfico de drogas, beneficiando-se de sua condição de menor de idade (algo citado, inclusive, no relatório referente a 2012, o mais recente até a data de redação deste capítulo). Contudo, os três problemas mais citados nos relatórios, presentes em todas as publicações de 2002 a 2013, são: I) o conflito entre gangues rivais em penitenciárias9, II) a influência exercida pelas gangues nos sistemas carcerário e judicial, desenvolvendo, inclusive, atividades ilícitas dentro das celas, e III) a intimidação de testemunhas em julgamentos contra membros de gangues. Os integrantes desses grupos, porém, não apenas colocariam em risco os direitos humanos do restante da sociedade, como também sofreriam violações aos seus próprios direitos. No relatório referente a 2010, por exemplo, alertou-se para os abusos de autoridade exercidos por parte da polícia, incluindo prisões arbitrárias e perseguição a menores de idade10 suspeitos de fazerem parte de gangues.

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Salienta-se também o estabelecimento da chamada Força Tarefa Antigangue (Anti-Gang Task Force), em vigor a partir de 2004. Tal iniciativa, conduzida pelo Ministério de Segurança Pública de El Salvador, conta com a participação de militares no apoio à Polícia Nacional Civil nas áreas de maior criminalidade. Embora os militares envolvidos não tenham permissão de efetuar prisões – limitando-se à tarefa de proteger as forças de segurança pública –, a iniciativa ganha destaque por envolver membros das Forças Armadas do país em ações de combate a gangues de rua. (DRL, 2004-2007, online) Na Guatemala, apontam-se alguns crimes similares ao caso de El Salvador, como assassinatos (nos relatórios referentes a 2007 e 2008), recrutamento de crianças11 para exercício de atividades ilícitas (como roubos, algo citado em praticamente todas as publicações desde 2001 a 2013) e conflitos entre grupos rivais dentro das penitenciárias (algo recorrente, sobretudo, nos relatórios referentes ao período de 2005 a 2010, apesar de apenas 16% da população carcerária do país nesse último ano ser reconhecidamente composta por membros de gangues). No entanto, o que pode ser destacado na situação guatemalteca é o processo de privatização da violência e os elementos com os quais este se relaciona. Afirma-se que o ambiente de insegurança do país, somado aos altos índices de corrupção e impunidade12, tem favorecido a atuação de grupos de execução extrajudicial, os quais teriam a participação inclusive de policiais e de seguranças privados, incumbidos da tarefa de promover a chamada “limpeza social”, mais precisamente, a perseguição e execução de jovens supostamente vinculados a gangues (DRL, 2001-2007, online). Tais práticas se alinhariam às políticas repressivas encabeçadas pelo governo contra as maras e pandillas e ao próprio abuso de poder praticado por parte de alguns agentes de segurança pública, o que incluiria prisões arbitrárias, detenções ilegais e forjamento de mandados de prisão, algo relatado em praticamente todas as publicações do DRL entre 2005 e 2012. Por fim, em Honduras, aparentemente o caso mais expressivo – tanto pela magnitude da presença das gangues no país, que, segundo relatório de 2010, teriam aproximadamente 36.000 membros, como pelo número de vezes que esses grupos são citados (embora em 2011 e 2012 isso não tenha sido tão expressivo)13 –, destaca-se, além dos enfrentamentos entre gangues rivais em presídios (DRL, 2002-2013, online)

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e o envolvimento com crimes como roubos e assassinatos (DRL, 20032011, online), o recorrente relato da violência praticada nos transportes públicos, incluindo ameaças e assaltos contra passageiros, situação que teria urgido o governo hondurenho a instalar câmeras de segurança em diversos veículos e ao longo de suas rotas de trânsito em 2011. Com relação aos crimes menos citados, pode-se enfatizar a caracterização das gangues como entre os principais grupos envolvidos com o tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, como se alega nos relatórios referentes a 2007 e 2008. Contudo, em nenhuma dessas publicações se detalha qual seria exatamente sua participação nesse crime – fazendo com que tal informação, inclusive, seja contraditória com outras expostas por outra agência estadunidense, como será visto mais adiante. No que concerne às gangues enquanto vítimas, repetem-se no caso hondurenho os relatos de abuso de poder por autoridades de segurança pública (os quais incluem prisões arbitrárias e uso excessivo da violência contra jovens de regiões mais pobres, motivados por leis “antigangues” vigentes no país desde 2003, que, entre outros efeitos, tornaram ilícito o simples pertencimento a uma gangue) e de formação de grupos extrajudiciais de execução contra supostos membros de maras e pandillas. Tais grupos, inclusive, teriam sido responsáveis entre 1999 e 2005 por mais de 970 assassinatos, cujas vítimas incluem desde membros de gangues até crianças de rua e jovens que, a princípio, não tinham qualquer engajamento em atividades criminosas (DRL, 2006, online). No relatório referente a 2007, por exemplo, alega-se que: Grupos de vigília de bairro chamados Conselhos de Segurança Cidadã ocasionalmente tomaram as leis pelas próprias mãos. Organizações de direitos humanos credivelmente asseguraram que alguns conselhos, assim como companhias privadas de segurança com laços com antigos e atuais oficiais militares e policiais, agiram com a cumplicidade da polícia como vigilantes ou esquadrões da morte para usar a força letal contra supostos criminosos habituais. Em 21 de junho, um grande jornal diário publicou o flyer de um suposto “Esquadrão da Morte” composto por policiais, militares e empresários. Ainda em junho, uma pessoa anônima entregou o flyer, o qual ameaçava defensores de direitos humanos de gangues e de traficantes de drogas, a um ativista de direitos humanos em uma rua de Tegucigalpa.

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Por fim, assim como no caso de El Salvador, aponta-se a participação de militares em patrulhas conjuntas com a polícia, a fim de prevenir e combater os altos níveis de criminalidade e a atividade de gangues, algo relatado entre 2001 e 2007. Assim, de maneira geral, as gangues aparecem nos relatórios do DRL tanto como grupos significativamente engajados na criminalidade como alvos de violação de direitos humanos e perseguições nos três países do Triângulo Norte. Ainda com relação aos crimes cometidos pelas gangues, pode-se complementar as informações já expostas com aquelas contidas nos relatórios anuais do Escritório para Monitoramento e Combate ao Tráfico de Pessoas (Office to Monitor and Combat Trafficking in Persons ou TIP), responsável por verificar o tráfico de pessoas ao redor do mundo. De acordo com tais publicações, El Salvador, Guatemala e Honduras são, principalmente, territórios de origem e trânsito no tráfico de pessoas, tendo menor ênfase como destinos. Os últimos estariam em condição mais problemática do que o primeiro, sendo incluídos, por vezes, em uma denominada “Lista de Observação Especial” (Special Watch List)14, integrada por países que mereceriam maior atenção por parte dos Estados Unidos para que sua situação não se deteriorasse a ponto de colocá-los entre os locais mais vulneráveis do mundo. Destaca-se nos três países o tráfico de mulheres e crianças para fins de exploração sexual e laboral – não só para o exterior, mas também internamente, como no caso da Guatemala, onde, em 2004, apontava-se a existência de aproximadamente 2.000 menores de idade trabalhando com prostituição apenas na capital (2005, p. 237). No que concerne às gangues, elas aparecem pela primeira vez nos relatórios apenas em 2008, algo ainda limitado ao caso de Honduras. Neste, afirma-se a preocupação com a exploração do trabalho infantil pelas gangues, incluindo o uso de crianças em crimes de rua, como se apontou em 2009 (p. 151). Já em 2011 (p. 182), relata-se a prática de ameaças e coerção contra jovens por parte de membros de gangues a fim de forçá-los a traficar drogas, algo repetido nas publicações de 2012 (p. 178) e 2013 (p. 189) – nesta última, afirma-se, também, que jovens estariam sendo usados pelas gangues como hit men (ou assassinos contratados). Com relação a El Salvador e Guatemala, as gangues somente são citadas nos dois últimos relatórios, relacionadas também ao uso de crianças (por vezes de maneira coercitiva ou forçosa) em atividades ilícitas (2012,

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pp. 148, 171; 2013, pp. 160, 182). Especificamente sobre El Salvador, diz-se que, somente em 2011, mais de 2.500 crianças pertencentes a gangues foram detidas (2012, p. 148). Desse modo, as gangues não aparecem com grande relevância na problemática do tráfico de pessoas propriamente dita, estando envolvidas, basicamente, na exploração de crianças para a execução de atividades ilícitas em âmbito doméstico, com maior gravidade em Honduras, em cuja seção se explicita o engajamento de menores de idade no tráfico de drogas a mando das gangues. Ainda com relação a esse país, pode-se observar um conflito de informações entre o TIP e o DRL, já que, em publicações referentes a 2007 e 2008, o último alegava que as gangues estavam entre os principais grupos envolvidos com o tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, algo que não é relatado em nenhum momento pelo TIP, escritório que trabalha com maior ênfase nessa problemática. De qualquer modo, apesar de as gangues não terem grande relevância nos relatórios do TIP, observa-se uma maior atenção a elas a partir de 2008, com o caso hondurenho, e em 2012, abrangendo os três países. Por fim, é pertinente, a partir dos relatórios do Escritório de Combate ao Terrorismo (Bureau of Counterterrorism ou CT), discorrer sobre a possível relação das gangues com o terrorismo. Sobretudo em meados dos anos 2000, surgiram alguns rumores acerca da existência dessa ligação. Em 2004, por exemplo, o ministro de segurança de Honduras, Oscar Alvarez, teria declarado que um membro do alto escalão da Al-Qaeda se encontrara com lideranças da Mara Salvatrucha 13 em Tegucigalpa, a fim de estabelecer planos para se infiltrar nos Estados Unidos (Wolf, 2012, p. 89). Apesar de alegações como essa, o próprio CT, cujo trabalho está direcionado exclusivamente à percepção de ameaças terroristas ao redor do mundo, rejeita tal hipótese. Em publicação referente a aquele mesmo ano, diz-se que relatos de envolvimento de gangues com terroristas são infundados, algo que, inclusive, prejudica a percepção de reais ameaças. Nos demais anos entre 2000 e 2012, as gangues sequer foram citadas, além de o Triângulo Norte centro-americano não ser visto como foco significativo de terrorismo, sendo a única preocupação relevante dos Estados Unidos a de que países como Guatemala e Honduras, devido ao frágil controle fronteiriço e ao fluxo de pessoas traficadas, possam servir como rota para terroristas que, porventura, se associem a organizações criminosas operantes na região (CT, 2010). De qualquer forma,

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o norte da América Central não tem destaque no combate mundial ao terrorismo, e tampouco as gangues são atores relevantes na temática. Portanto, de acordo com as informações analisadas, as gangues de rua no Triângulo Norte estariam envolvidas principalmente com a criminalidade urbana local, incluindo a prática de roubos, homicídios e recrutamento de crianças para exercício de atividades ilícitas, sendo responsáveis, desse modo, por parte da violência que acomete os países da região, além de, por sua vez, também sofrerem com abusos de direitos humanos. No entanto, apesar do aumento de sua relevância nas publicações de alguns dos escritórios estadunidenses citados, tais grupos ainda não são apontados como atores relevantes no crime organizado ou no tráfico internacional de drogas e de pessoas – apesar de, por várias vezes, serem mencionadas gangues transnacionais nos relatórios, pois não se explicita de maneira clara como se manifestaria tal “transnacionalidade”. De qualquer modo, seu engajamento em atividades criminosas tem influenciado a adoção de medidas de contenção à sua expansão, das quais diversas agências dos Estados Unidos participam. Articulação regional e bilateral na contenção das gangues As iniciativas nas quais os Estados Unidos participam no Triângulo Norte podem ser divididas entre as de abrangência regional (por vezes, ampliando-se à América Central como um todo e a países adjacentes) e aquelas de caráter bilateral, sendo destacadas, nesta seção, as principais dentro de tais grupos. Sobre as medidas regionais, pode-se iniciar pela denominada Iniciativa Mérida, surgida no final de 2007. Tal iniciativa, apesar de inicialmente firmada entre Estados Unidos e México, foi expandida aos sete países da América Central, ao Haiti e a República Dominicana, tendo como principal objetivo, de acordo com o INL, “confrontar gangues violentas nacionais e transnacionais e organizações criminosas e narcotraficantes que ameaçam toda a região, cujas atividades se espalham até os Estados Unidos” (2009, p. 254). Para tanto, previa-se a disponibilização de recursos por parte dos Estados Unidos principalmente a programas de fortalecimento institucional dos governos da região, incluindo o aumento da capacidade operacional de forças de segurança pública, o provimento de equipamentos e treinamento,

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o combate à corrupção e o fomento a iniciativas socioeconômicas de prevenção ao ingresso de jovens no crime (INL, 2009, p. 254). Em 2010, a parte que concernia à América Central foi separada do restante, dando origem à Iniciativa de Segurança Regional para a América Central (CARSI, no acrônimo em inglês). Seu objetivo era endereçar com maior especificidade os desafios do subcontinente, mantendo-se a diretriz do combate aos grupos responsáveis pela alta criminalidade na região por meio de estratégias como o fortalecimento da capacidade dos governos de garantir a segurança pública e aquelas citadas no caso da Iniciativa Mérida. Nesse sentido, as gangues seguem sendo alvo da assistência estadunidense. Por meio das informações contidas na seção correspondente à CARSI no endereço eletrônico do Departamento de Estado (CARSI, 2013, online), por exemplo, explicita-se a preocupação com a expansão do fenômeno das gangues (parte delas referidas como transnacionais), algumas das quais teriam sob seu controle bairros inteiros, gerando medo e insegurança na sociedade. Reforça essa percepção declarações como a de William Brownfield (2011, online), Secretário Assistente do INL, que afirma que as gangues são, ao lado das organizações de tráfico de drogas, as principais ameaças à segurança dos países centro-americanos. Com relação aos recursos, afirma-se na seção da CARSI que, desde 2008, aproximadamente US$ 495 milhões foram direcionados aos programas referentes à iniciativa, não sendo especificados, contudo, todos os destinos de sua aplicação. A única informação que se tem a respeito se refere ao montante disponibilizado ao INL, que, em 2009 (dentro da Iniciativa Mérida), 2010 e 2011 somava, respectivamente, US$ 64.680.000, US$ 63.500.000 e US$ 71.508.000, com US$ 85.000.000 estimados para 2012 – portanto, com um total de cerca de US$ 284.688.000 em 4 anos, além dos 60 milhões de dólares requeridos para 2013. Embora estejam especificados os programas contemplados pelos fundos – incluindo medidas de fortalecimento institucional, combate ao crime, prevenção15 e reabilitação – e a quantidade de recursos que cada um recebeu (ou que se espera receber), não se explicita em quais deles as gangues são envolvidas. (INL Bugdet, 2009-2013) Ainda do ponto de vista dos recursos disponibilizados pelos Estados Unidos e em complementariedade com as iniciativas regionais, pode-se destacar o denominado Programa às Gangues de Jovens Criminosas (Criminal Youth Gangs Program), o qual, diferente da Iniciativa Mérida

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e da CARSI, está direcionado exclusivamente às gangues de rua. De acordo com sua descrição (INL Budget, 2009-2013), foram disponibilizados a América Central entre 2008 e 2012 aproximadamente US$ 34.935.000 (sendo os valores de 2008 a 2011 reais e o de 2012 estimado, além dos 12,5 milhões de dólares requeridos para 2013), distribuídos em áreas como de capacidade investigativa (envolvendo treinamento de equipe e desenvolvimento de técnicas investigativas contra as gangues), capacidade legal (relacionada ao aperfeiçoamento de práticas como as de balística e análise de evidências), capacidade de inteligência (a qual inclui o provimento de equipamentos de informática para facilitar investigações e trocas de informações) e prisões (relacionada a fatores como a melhoria nos processos de reabilitação de presos), com abrangência predominantemente regional, e não apenas nacional. Justifica-se a necessidade de tais fundos pela percepção de que algumas gangues possuem mobilidade transnacional, sendo apontados como países mais afetados justamente El Salvador, Guatemala e Honduras, embora o resto do continente também esteja ameaçado pela expansão desses grupos (INL Budget, 2009).16 Além das iniciativas e programas vistos, podem-se citar os diálogos estabelecidos entre os Estados Unidos e o SICA (Sistema de Integração Centro-Americano, do qual fazem parte os sete países da América Central mais a República Dominicana, esta como membro associado). De acordo com o que se tem registrado na seção correspondente ao Escritório sobre Assuntos do Hemisfério Ocidental (Bureau of Western Hemisphere Affairs ou WHA, 2007-2010, online) no endereço eletrônico do Departamento de Estado, houve pelo menos três reuniões entre representantes de ambas as partes antes de 2013, ocorridas em 2007, 2008 e 2010, intituladas Diálogo entre Estados Unidos e América Central sobre Segurança (U.S. -Central America Dialogue on Security). O intuito dos encontros era discutir questões relacionadas à segurança, abordando, sobretudo, as ameaças consideradas transnacionais e os crimes que afetam os cidadãos da região de forma geral. Nesses, as gangues são claramente colocadas como um problema a ser combatido, como se percebe na primeira reunião, de 2007, na qual se estabeleceram nove objetivos dos Estados Unidos e do SICA com relação a tais grupos, entre eles, melhorar as condições educacionais, empregatícias e comunitárias dos países envolvidos (a fim de que jovens não sejam tão suscetíveis a ingressarem em gangues), trocar informações sobre a movimentação e a ação das

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gangues, reformar o sistema judicial de cada Estado, reforçar a cooperação na área de segurança pública (de modo que as gangues possam ser mais bem combatidas) e expandir os programas de prevenção, reabilitação e reintegração de jovens, envolvendo diversas organizações da própria sociedade civil. Desse modo, ganham também importância nas palavras dos representantes centro-americanos e estadunidenses fatores socioeconômicos como influentes na expansão das gangues, além de se reforçar a necessidade dos Estados em questão articularem esforços para combater uma ameaça percebida como comum a todos.17 Em abril de 2013, um novo diálogo foi estabelecido entre o SICA e os Estados Unidos (sendo incluídos, nesse momento, também México e Canadá), denominado Diálogo entre América do Norte e SICA sobre Segurança Democrática (North America-SICA dialogue on Democratic Security). Nesse, os objetivos continuavam sendo o fortalecimento da cooperação interregional e a coordenação de ações para enfrentar a delinquência organizada transnacional, termo que, embora não se explicite, provavelmente incluiria as gangues. De acordo com Wendy Sherman, Subsecretária de Assuntos Políticos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, entre as diversas intenções expressas no diálogo, buscar-se-ia aplicar o modelo de redução à criminalidade de Los Angeles em diversas localidades da América Central, inclusive com trabalhos de prevenção ao ingresso de jovens em gangues. Percebe-se, contudo, que os resultados tanto desse diálogo como dos anteriores se limitam, basicamente, a uma declaração de intenções ou diretrizes, sem o compromisso de adoção de planos de ação concretos, por exemplo. (WHA, 2013, online) Outro acontecimento em âmbito regional é a designação de um Conselheiro Regional sobre Gangues (Regional Gang Advisor) em 2007, orientado, nesse caso, a atuar especificamente no Triângulo Norte. Tal profissional, vinculado ao INL, é responsável por coordenar políticas e iniciativas contra gangues na região, incluindo o treinamento de oficiais de segurança pública em tarefas como a redução de homicídios (INL, 2009, p. 254; 2012, p. 215). Somente em 2011, por exemplo, mais de 1.500 oficiais salvadorenhos teriam sido treinados pelos Estados Unidos sob a coordenação do conselheiro (INL, 2012, p. 215). Do ponto de vista preventivo, os Estados Unidos desenvolvem desde 2010 em El Salvador, Guatemala e Honduras uma iniciativa denominada Programa Educacional de Resistência a Gangues (GREAT). O programa,

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amplamente aplicado em próprio território estadunidense, é conduzido por policiais locais treinados para lecionar em escolas, com o intuito de educar e instruir os jovens para que não se envolvam com gangues (INL, 2011, pp. 242, 272; 2012, pp. 213, 235; 2013, pp. 162, 175, 191). O GREAT, no entanto, apesar de ser uma experiência comum na região, não se desenvolve, aparentemente, de maneira coordenada nos três países, sendo apoiado por instituições específicas em cada um deles. Finalmente, há também entre as medidas de abrangência regional o estabelecimento de uma unidade das Academias Internacionais de Aplicação de Lei (ILEA)18 em San Salvador, capital de El Salvador, no ano de 2005. Trata-se de um centro de treinamento para profissionais de segurança pública e do sistema judiciário, no qual se oferecem cursos focados no combate tanto a gangues como ao terrorismo internacional, tráfico ilegal de drogas, tráfico de pessoas, financiamento de terroristas e crimes financeiros (INL, 2013, p. 39). O escopo de atividades de tal unidade, no entanto, não se restringe ao Triângulo Norte centro-americano (apesar de estar localizado na região e ter muitos de seus programas direcionados a ameaças predominantes no local), abrangendo toda a América Latina, atendendo-se, desse modo, profissionais de países como Argentina, Brasil, Colômbia e México (INL, 2012, p. 42). Com relação às iniciativas bilaterais que envolvem as gangues, pode-se iniciar por aquelas relacionadas a El Salvador, das quais se enfatizam a Unidade Transnacional Antigangue (TAG) e o Centro Nacional de Monitoramento Eletrônico. A TAG é resultado da cooperação entre a Polícia Nacional Civil salvadorenha e agentes de segurança estadunidenses, consistindo em um centro de compartilhamento de informações de inteligência para combate às atividades ilícitas praticadas por gangues, algo complementado pelo provimento de equipamentos por parte dos Estados Unidos. (INL, 2008, p. 165). Já o Centro Nacional de Monitoramento Eletrônico, operante desde 2012, baseia-se exclusivamente na interceptação da comunicação entre criminosos, entre eles, membros de gangues, no intuito de detê-los e ter mais domínio sobre suas atividades (INL, 2013, p. 161)19. Já na Guatemala, tem-se como medidas de maior relevância o Precinto Policial Modelo (MPP) e o apoio estadunidense à Unidade Nacional Contra o Desenvolvimento Criminal de Gangues (PANDA). O MPP é um projeto desenvolvido em áreas urbanas de alta criminali-

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dade, centrado, segundo o INL, em melhorar o policiamento e a segurança pública e implementar medidas antigangue (INL, 2009, p. 290), fortalecendo, assim, a eficiência policial por meio de ações como o treinamento de oficiais de segurança e o aumento da presença da polícia nas ruas. A iniciativa teve início em 2005 em Villa Nueva, subúrbio da Cidade de Guatemala, sendo estendida em 2009 à cidade de Mixco (INL, 2006, pp. 144-145; 2010, p. 313). A PANDA, por sua vez, é uma unidade nacional formada por representantes da Polícia Nacional Civil e do Ministério Público guatemaltecos, trabalhando em parceria com os Estados Unidos e outras instituições relacionadas à área criminal na Guatemala, com suas atividades direcionadas principalmente à investigação e ao desmantelamento de gangues locais. Por fim, em Honduras, destacam-se a Unidade Investigativa Especial (Special Vetted Unit) e os Centros de Assistência (Outreach Centers), os quais recebem apoio dos Estados Unidos. A Unidade Investigativa Especial, apesar de focada no combate ao tráfico de drogas no país, estaria também engajada na contenção das gangues, algo demonstrado em 2006, por exemplo, quando um banco de dados biométricos de todos os membros de gangues conhecidos teria sido criado (INL, 2007, p. 166). Além do apoio a esse centro, os Estados Unidos, segundo relatório do INL referente a 2010 (2011, p. 292), teriam estabelecido em Honduras uma unidade investigativa sobre gangues (Vetted Gang Unit), com a principal finalidade de combater gangues transnacionais. Já do ponto de vista social, foram estabelecidos até 2011 vinte e cinco Centros de Assistência em bairros de alta criminalidade, sendo locais seguros para brincadeiras e desenvolvimento vocacional (INL, 2012, p. 254). Portanto, percebe-se que as medidas tanto regionais como bilaterais empreendidas ou favorecidas pelos Estados Unidos envolvendo gangues estão direcionadas principalmente à cooperação na área da segurança pública propriamente dita, visando à articulação entre instituições policiais e ao compartilhamento de informações e técnicas de combate a fim de conter a ação de tais grupos. No entanto, há também alguns exemplos de medidas sociais, voltadas tanto à prevenção de ingresso de jovens na criminalidade quanto à reabilitação de ex-membros de gangues. Em ambas os casos, contudo, não se têm, por vezes, informações suficientes acerca da forma como os Estados Unidos colaboram, algo que mereceria uma investigação mais minuciosa.

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Departamento de Defesa: a possível percepção implícita na escassez de informações Ao contrário do que se viu anteriormente, o endereço eletrônico do Departamento de Defesa não oferece grandes contribuições à temática das gangues na América Central. Tais grupos não aparecem na lista de assuntos prioritários do órgão, assim como as respectivas regiões não estão no foco de sua atenção no mundo. As gangues apenas são mencionadas em algumas notícias e declarações veiculadas pelo site, porém, de forma pouco numerosa e sem acrescentar grandes informações àquelas vistas no Departamento de Estado. Uma possível análise que se pode fazer dessa falta de menções é que, considerando o escopo de atuação do Departamento de Defesa, baseado com maior especificidade nas Forças Armadas, as gangues não seriam um assunto de significativa relevância militar – como o terrorismo, por exemplo –, sendo mais bem abordadas dentro da esfera da segurança pública, envolvendo, assim, especialmente instituições dessa área. Logo, a própria escassez de informações pode revelar alguns vestígios da possível percepção dos Estados Unidos sobre as gangues centro-americanas. Considerações finais William Brownfield, Secretário Assistente do INL, declarou em outubro de 2012 que “[não se pode] tratar dos desafios de segurança e aplicação da lei ao longo da fronteira entre Estados Unidos e México sem lidar com a América Central”, não sendo possível, por sua vez, “tratar das crises de segurança, crime, drogas e violência na América Central sem lidar com os jovens e as gangues” (2012, online). Tais palavras parecem se alinhar ao que se analisou neste capítulo no momento em que as gangues são responsabilizadas por parte da criminalidade que acomete, principalmente, a porção setentrional centro-americana, e a decorrente violência ou insegurança ultrapassa fronteiras nacionais. As gangues urbanas no Triângulo Norte da América Central, apesar de, a princípio, não estarem relacionadas de forma significativa com o narcotráfico e o crime organizado internacionais – além de serem pouco prováveis os vínculos com grupos terroristas –, têm recebido maior atenção por parte de alguns escritórios vinculados ao Departamento de

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Estado, sendo alvo de diversas ações de alcance regional e bilateral, prevalecendo aquelas de caráter combativo, as quais se pautam na caracterização desses grupos como um problema de segurança pública – longe, por outro lado, do escopo de ação do Departamento de Defesa estadunidense, o qual lidaria com questões que envolvessem o uso de forças militares. Em outras palavras, embora estejam mais notavelmente engajadas na criminalidade urbana localizada – segundo as informações coletadas –, as gangues têm sido objeto de preocupação dos Estados Unidos, que têm se articulado principalmente com os governos da região a fim de conter sua difusão. O motivo para tanto pode ser a percepção de certo potencial de ameaça que esses grupos carregariam, considerando que sua expansão poderia acarretar em problemas maiores inclusive aos próprios estadunidenses. Assim, a criminalidade praticada por maras e pandillas nas ruas de cidades centro-americanas poderia se ampliar, propiciando um entrelaçamento mais intenso desses grupos com outros também engajados em práticas ilícitas – caso dos cartéis de drogas operantes na região –, consolidando-os, por fim, como uma ameaça regional de fato (no sentido de que algumas gangues se expandiriam a ponto de se articularem por meio de fronteiras estatais e com outros grupos criminosos, afrontando a segurança de diversos países da região). Isso se torna mais evidente nas assunções acerca da transnacionalidade de certas maras, cujas atividades já ultrapassariam fronteiras (embora não seja clara a magnitude da articulação entre supostos membros de uma mesma gangue em diferentes países). Ademais, é importante ressaltar que a questão pode ter maior relevância aos Estados Unidos pelo considerável fluxo de centro-americanos ao seu território e pela realidade já histórica de problemas com gangues enfrentados pelo país. Portanto, na visão expressada especialmente pelo Departamento de Estado, as gangues no Triângulo Norte da América Central se apresentam mais como uma ameaça potencial à segurança regional do que como grupos de fato transnacionais “organizados”, operantes através de fronteiras estatais. Significa dizer que, embora as agências confiram ênfases distintas à transnacionalidade das gangues, o que predomina é a percepção de que, a princípio e por ora, tais grupos, no geral, não operam de forma significativa através de limites lindeiros internacionais – concentrando-se, logo, na delinquência circunscrita a seus respectivos países –, mas possuem potencial para, em breve, fazê-lo. Assim, fatores como

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as medidas de alcance regional e bilateral e a identificação de maras transnacionais denunciam a percepção do risco que a expansão das gangues acarretaria à segurança de toda a região, o que justificaria o engajamento dos Estados Unidos em uma questão que, a princípio, pode parecer estritamente doméstica, reservada a cada país. Paulo Mortari Araújo Correa - Pesquisador do projeto “Extraterritorialidades, entrecruzamento de soberanias e conflitos na América Latina”, do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP (IEEI-UNESP), e mestrando do Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UNESP, UNICAMP e PUC/SP. (1) Neste texto, entendem-se como países centro-americanos somente aqueles localizados no istmo do subcontinente, sendo eles Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá. (2) Os índices apresentados por tais capitais em 2009 foram de, respectivamente, 94, 118 e 72 homicídios para cada 100.000 habitantes, números bastante superiores à média de 9,5 mortes (para a mesma referência) das outras 109 cidades analisadas (com base nos dados mais recentes disponíveis de cada uma entre 2004 e 2010, considerando que apenas em poucos casos os números haviam sido atualizados até o último ano citado). Com relação às médias nacionais, Honduras, El Salvador e Guatemala apresentaram índices de, respectivamente, 82, 66 e 41 homicídios para cada 100.000 habitantes em 2010 – frente a uma média mundial de 6,9 mortes para a mesma referência –, fazendo-os ocupar, entre outros 204 países e territórios, a primeira, segunda e sétima posições na lista dos locais mais violentos do mundo de acordo com esse critério (UNODC, 2011, pp. 9; 93). Em 2011, os índices teriam variado para 92, 70 e 38, seguindo a sequência de países citada (UNODC, 2013, online). Embora até a data de redação deste texto o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime não tenha atualizado seus dados para além de 2011, de acordo com a Organização dos Estados Americanos (OAS, 2013, online), as taxas de homicídio nos três países em 2012 teriam sofrido uma queda, atingindo o nível de 83 mortes para cada 100.000 habitantes em Honduras, 41 em El Salvador e 35 na Guatemala, números, contudo, ainda muito elevados. Com relação ao penúltimo – caso mais notável de queda –, costuma-se atribuir a diminuição nos homicídios especialmente à trégua estabelecida entre as duas maiores gangues do país, a Mara Salvatrucha 13 e a Barrio 18, nos primeiros meses de 2012 (Martínez; Sanz, 2012, online). (3) Alguns dados ilustram o quadro socioeconômico característico dos três países atualmente. Em relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, 2013, pp. 153-154) referente a 2012, El Salvador, Honduras e Guatemala apresentaram índices de Desenvolvimento Humano (IDH) considerados medianos, fazendo-os ocupar, respectivamente, as 107ª, 120ª

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e 133ª posições (entre 187 países analisados) no ranking mundial para tal indicador. No que concerne à pobreza, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONUHabitat, 2012, pp. 42-43) apontou que, com relação a 2009, mais de 40% das populações urbanas dos três países viviam abaixo da linha da pobreza (ou seja, com o equivalente a menos de dois dólares estadunidenses por dia, ajustados por paridade de poder de compra), com destaque para Honduras, cujo percentual chegava próximo às seis dezenas. Por fim, sobre a fome, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2012, p. 30), no período entre 2010 e 2012, o percentual de habitantes afetados pela desnutrição era de 30,4 na Guatemala, 12,3 em El Salvador e 9,6 em Honduras. Com relação ao caso guatemalteco, apenas o Haiti possuía um índice de desnutrição pior em toda a América Latina e Caribe, com 44,5% de sua população afetada pela fome. (4)Mauricio López Bonilla, Ministro do Interior da Guatemala, após troca de informações com seus pares dos outros Estados do Triângulo Norte, teria afirmado, em fevereiro de 2012, que haveria aproximadamente 95.000 membros de gangues na região, sendo 40.000 em El Salvador, 35.000 em Honduras e 20.000 em seu país (Castañón, 2012, online). (5) Todas as traduções feitas neste capítulo são livres e de responsabilidade do autor. (6) As demais regiões, até finais de 2013, são: I) Síria, onde a tarefa seria apoiar a oposição não-violenta ao atual regime, II) Mianmar, onde se ofereceria suporte a trabalhos de remoção de minas terrestres e apoio a vítimas desse armamento, e III) Somália, com atenção voltada ao restabelecimento de instituições estatais estáveis, à contenção de grupos piratas e extremistas e à assistência humanitária. Anteriormente, além da “Camada Norte da América Central” e dos países acima citados (com exceção da Somália), o Quênia também era apontado como prioridade, onde a preocupação se dava com a violência no processo eleitoral do primeiro semestre de 2013 (7) Tal receio é manifestado no seguinte trecho: “This corrosive combination of spreading violence and an increasingly resigned public threaten the security and prosperity of Honduras, potentially exacerbating trends of illegal immigration, trafficking in all forms of illicit contraband, and gang activities that reach into the U.S” (CSO, 2013, online – grifo nosso). (8) Embora o Triângulo Norte centro-americano seja caracterizado principalmente como um território de trânsito no tráfico internacional de drogas, há indícios de uma produção incipiente com fins de exportação. Sobre a Guatemala, por exemplo, afirma-se no relatório do INL referente a 2011 (2012, p. 233) que, além da maconha para consumo doméstico, tem-se produzido papoula de ópio para exportação. Em Honduras, por sua vez, ter-se-ia descoberto em março de 2011 um laboratório para processamento de cocaína com fins de comercialização externa (2012, p. 253). (9) Apesar da política de separação de grupos rivais nas penitenciárias – como se relatou, por exemplo, em 2004, em referência às duas maiores maras do país, a Mara Salvatrucha 13 e a Barrio 18, cujos membros passaram a ser direcionados a presídios distintos –, a violência nesses locais continuou sendo apontada como um grave problema. Em 2007, para se perceber o potencial da

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situação, alegou-se que 34% da população carcerária do país era composta por membros de gangues. (10) Em 2003, aprovou-se na Assembleia Legislativa uma “lei antigangues”, na qual, entre outros pontos, afirmava-se que crianças entre 12 e 18 anos poderiam ser julgadas como adultos (DRL, 2004 e 2005, online). Tal lei foi posteriormente, em 2004, declarada inconstitucional, como se mencionou anteriormente. (11) Nos relatórios referentes ao período de 2000 a 2007, trabalhou-se com a estimativa de que aproximadamente 10.000 crianças faziam parte de gangues na Guatemala. Tal número, contudo, foi reduzido a cerca de 3.000 a partir de 2008, cifra baseada em informações do Ministério Público e da Polícia Nacional Civil do país (como se alega nos relatórios referentes a 2011 e 2012). (12) Segundo o Escritório de Assuntos Internacionais de Narcóticos e Aplicação da Lei (INL, 2012, p. 233), 96,5% dos assassinatos cometidos no país não são solucionados. (13) Apesar de as gangues aparecerem com maior frequência no caso de Honduras do que nas seções referentes a El Salvador e Guatemala, há algumas informações que poderiam suscitar questionamentos acerca de sua real responsabilidade na escalada da violência no país. No relatório do DRL referente a 2008, por exemplo, afirma-se que apenas 15% dos crimes cometidos em Honduras naquele ano tiveram participação de membros de gangue, informação que teria sido divulgada pela ONG Washington Office on Latin America. Já em 2005, com relação à população carcerária hondurenha, diz-se que dos 11.545 presos, apenas cerca de 900 eram, de fato, membros de gangues. Por outro lado, há informações como a de que 44% dos casos de assassinato de crianças reportados entre julho de 2003 e o final de 2005 ao Ministério Público foram atribuídos a gangues (DRL, 2006, online), o que faz aumentar as dúvidas sobre a magnitude de envolvimento desses grupos com a criminalidade. (14) O TIP classifica os países em três possíveis níveis. No primeiro nível estão aqueles cujos governos cumprem com os requisitos mínimos do chamado Ato de Proteção de 2000 sobre Vítimas de Tráfico e Violência (Victims of Trafficking and Violence Protection Act of 2000 ou TVPA, documento aprovado pelo Congresso estadunidense no qual se estabelecem padrões para o combate do tráfico de pessoas no mundo), embora não signifique que em tais países não haja qualquer incidência do problema. Já no segundo nível encontram-se os países que não cumprem com todos os requisitos mínimos do TVPA, mas que, contudo, estão empreendendo esforços significativos para tanto. Dentro desse nível, há a citada “lista de observação especial”, na qual se incluem aqueles que, apesar de estarem se esforçando para se adequar ao TVPA, enfrentam crescentes dificuldades nesse processo. Por fim, no terceiro nível estão os países que, além de não cumprirem com os requisitos mínimos do TVPA, não demonstram inclinação para tanto. El Salvador, Guatemala e Honduras, por todo o período analisado, estiveram no segundo nível, sendo que os últimos, por vezes, foram incluídos na referente lista de observação especial. (15) No que concerne à prevenção, podem-se citar ao menos dois fatores relevantes. No fact sheet Combatir la corrupción y fomentar la transparencia (2012), em referência à corrupção, por

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exemplo, diz-se que “as gangues pagam à polícia para que os permitam operar em vizinhanças de toda a região”, permitindo-se que tais grupos, desse modo, ajam dentro de suas áreas de influência sem serem incomodados. A pobreza, por sua vez, como se aponta no fact sheet intitulado Presencia del Estado y seguridad en las comunidades en situación de riesgo (2012), é considerada uma condição que facilita o recrutamento de jovens por gangues e grupos de traficantes e do crime organizado. Assim, a CARSI é vista como uma iniciativa que deve abranger não só medidas combativas, mas, também, socioeconômicas e de reforma em instituições governamentais, levando-se em consideração o contexto da região. (16) Para completar as informações orçamentárias às quais se têm acesso, pode-se apontar a disponibilização de fundos complementares às iniciativas regionais citadas, direcionados, por sua vez, especificamente a cada país, embora com o objetivo comum de combate à criminalidade (INL BUDGET, 2009-2012). Levando-se em consideração o período entre 2009 e 2010 (último ano no qual tais cifras são citadas), tem-se o requerimento de US$ 1.600.000 a El Salvador (dos quais US$ 635.000 seriam direcionados ao combate de gangues e organizações criminosas transnacionais), US$ 14.170.000 à Guatemala (sendo US$ 4.020.000 direcionados a gangues e ao crime organizado – salientando-se que os dados de 2009 são estimados, enquanto os de 2010 se referem a valores requeridos) e US$ 1.550.000 a Honduras (dos quais US$ 450.000 se destinariam ao combate a gangues e ao crime organizado). Enquanto os três países não foram citados nos dois anos seguintes, na publicação de 2013, somente a Guatemala é especificada, afirmando-se que US$ 3.992.000 foram disponibilizados em 2011 ao país, além de US$ 5.000.000 estimados para 2012 e US$ 2.000.000 requisitados para 2013. No entanto, os fundos previstos seriam direcionados à Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) (INL BUDGET, 2013, p. 212). (17) Destaca-se dentro desse diálogo a cooperação entre a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) e a Secretaria Geral do SICA, direcionada a medidas preventivas e de reabilitação. Em julho de 2007, por exemplo, ambos assinaram um acordo intitulado Atividade Regional de Prevenção de Gangues, o qual estabeleceu que a USAID disponibilizaria a quantia de US$ 3 milhões ao SICA durante 3 anos, a fim de, entre outros objetivos, apoiar iniciativas de prevenção ao ingresso de jovens em gangues e promover reformas legais e políticas para melhorar o tratamento e reinserção social de ex-membros de tais grupos. (USAID, 2007, online). (18) Há unidades das ILEA em outras localidades do mundo, como Tailândia, Hungria e Botsuana, com focos em ameaças mais específicas em suas respectivas regiões (INL, 2012, p. 42). (19) Poder-se-ia citar também o apoio prestado pelo governo estadunidense à ONG salvadorenha FundaSalva, cujo trabalho se direciona, entre outros fins, à reinserção social de ex-membros de gangues. Embora nos relatórios do INL não se detalhe o alcance desse suporte, a cooperação é significativa por mostrar o apoio dos Estados Unidos não só a instituições públicas, mas, também, a organizações da sociedade civil nas tarefas direcionadas às gangues. (INL, 2011, p. 243; 2012, p. 214)

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CApÍtuLo 4. Crimen orGAniZADo Y AreAS no GoBernADoS en LA AmeriCA CentrAL: mArA SALVAtruCHA Y BArrio 18 HARRY EDWIN VANDEN

E

n 2014 hay cada vez más grupos criminales funcionando en la América Central. Los pequeños estados están encarando desafíos a su capacidad de controlar el espacio del territorio nacional. Incluso algunos se preguntan si Guatemala y Honduras están a camino de ser estados fallidos. (Vanden, 2011) Los zetas están operando en partes de Guatemala y el Cartel de Golfo está cada vez más involucrado con el transbordo de drogas en Honduras. Como se ve que el mapa (figura 1) hay una incursión significativa de varios de los Carteles Mexicanos en el Triángulo Norte de Centro América (Guatemala, El Salvador y Honduras), y están trabajando con varios otros grupos criminales para facilitar el movimiento de cocaína y otras drogas por la región en camino a Norte América y Europa. La campaña del gobierno Mexicano en contra de los carteles ha hecho Centroamérica muy atractivo como una ruta alternativa para el transbordo del producto de la producción ilícita de Colombia y la América del Sur. La capacidad de los varios carteles de controlar espacios y enfrentar los gobiernos centroamericanos es muy preocupante para estas naciones pero también para los Estados Unidos y el Comando Sur de las Fuerzas Armadas Estadounidenses. Sin embargo, los carteles no son los únicos grupos que tienen la capacidad de controlar espacios del territorio nacional y enfrentar el poder de los gobiernos nacionales centroamericanos.

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Figura 1 Carteles Mexicanos en La América Central

Como muestra el cuadro 2, miles de jóvenes salvadoreños, hondureños y guatemaltecos fueron deportados de los Estados Unidos, una vez que sus acciones criminales se registraron en su “record” de antecedentes criminales, o simplemente estaban registrados por la policía local por infracciones menores como conducir sin licencia, o no tener los documentos necesarios para probar su status legal. En respuesta a consulta que hicimos a la Immigration and Customs Enforcement –ICE, nos informaron que en 2008, 20.975 personas fueron devueltas a El Salvador por el gobierno Norteamericano; el número de guatemaltecos y hon-

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dureños fue aún mayor: respectivamente 28.899 y 29.768. La proporción de jóvenes en estas cifras no es informada por la Immigration and Customs Enforcement (Department of Homeland Security), pero nuestra investigación preliminar indica que la gran mayoría de los deportados tenían menos que 30 años. Para dar una idea global de esta política del gobierno de los Estados Unidos, incluimos datos recientes con respecto a tales deportaciones al Triángulo Norte de América Central. Cuadro 2 Remociones de la U.S. Immigration and Customs Enforcement (ICE): El Salvador, Guatemala, Honduras Total Ciudadanía

Año fiscal 2008

Año fiscal 2009

Año fiscal 2010

Año fiscal 2011

Año fiscal 2012

Año fiscal 2013 (datos enero de 2014)

EL SALVADOR

20,975

21,157

20,830

18,870

19,694

5,858

GUATEMALA

28,899

30,411

31,347

33,324

40,498

12,010

HONDURAS

29,768

27,679

25,635

23,822

32,464

8,734

La expulsión de miles de jóvenes Guatemaltecos, Salvadoreños y Hondureños, la existencia de pandillas en los Estados Unidos y la América Central, la violencia de las guerras civiles centroamericanos y las condiciones sociales y económicas se han combinado para dar luz y nutrir el crecimientos de pandillas o maras en Guatemala, El Salvador y Honduras. Se calcula que operan más de 100,000 mareros o pandilleros (miembros de pandillas juveniles) en el triángulo norte de Centroamérica (Guatemala, Honduras y El Salvador) y según varias estimativas, son responsables por hasta 70% de los homicidios en estas pequeñas naciones (Tobar, 2007). Y las tazas de homicidio en El Salvador y Guatemala estaban iguales o mayores que durante las guerras civiles que estos países sufrieron en los setenta, ochenta y principios de los noventa. En El Salvador, la tasa anual de homicidio era 56 muertos por cada 100,000 personas en principios de 2012, lo cual era 5 veces más que lo que la Organización Mundial de Salud considera una epidemia. Y los mareros se involucran también en muchos otros tipos de crímenes. Violan a las muchachas jóvenes que se niegan a ser sus novias o cuyas familias resisten a su control en los barrios o que van a la policía para dar testimonio con respecto a sus crímenes,

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matan a otros jóvenes que niegan incorporarse a su pandilla o resistan su control, y hacen guerra brutal en contra de las maras rivales, y muchas veces mutilan o decapitan a sus víctimas. En los últimos años están involucrados en secuestros y extorciones y cada vez más en el negocio de narcotráfico, trabajando con los carteles que están utilizando Centroamérica para transbordar las drogas que van a los Estados Unidos y Europa. Están, pues, enfrentando el Estado en territorios determinados en la América Central, y creando un desafío al poder y soberanía de los pequeños Estados del istmo. Combinado con la incursión de los carteles implica, entonces, que el control del territorio y la naturaleza del Estado y hasta el sistema de relacionales internacionales está en juego en esta región. Esta realidad se explica bien con el concepto de espacios no gobernados o espacios contra gobernados que se está elaborado en obras como Clunan and Trinkunas (2010). Encima de eso, un reportaje del Departament of Defense de los Estados Unidos subraya que amenazas surgen en “espacios no gobernados, con un gobierno mínimo, mal gobernados, o en áreas desafiadas, donde actores puedan organizar, planear, acumular fundos, comunicar, entrenar y operar en seguridad relativa” (Lamb: 2008, citados in Clunan and Trinkunas, 2010, p. 5). Esto es precisamente lo que las maras están haciendo en Guatemala, Honduras y El Salvador, y en parte de Nicaragua y Costa Rica, lo que es percibido como una preocupación con respecto a la seguridad por los “policy makes” en los Estados Unidos. En un número especial de Small Wars and Insurgencies, editado por Robert J. Bunker, el mismo autor escribe el artículo “Grand Strategic Overview: ephocal change and new realities for the United States” en el que observa que el sistema está cambiando en una transición y el cambio de lo que consideramos el sistema de Estado moderno (sus orígenes más o menos en correlación con el Tratado de Westfalia en 1648) a alguna forma post-westfaliana (por ejemplo, después del Estado-nación) sistema que todavía está en sus primeras etapas de formación. Con esta transición viene la pérdida de la autoridad política, el monopolio de la declaración de la guerra, y la soberanía sobre tierras y derechos que durante tantos siglos disfrutaron los estados modernos. Este nivel de cambio es a escala de gran estrategia y de época y en última instancia atestigua la transición de una forma política dominante a otra. (Y que) todo tipo de vacíos de poder son producidos por los patrones

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cambiantes de la existencia humana y de interacción. Como estos vacíos, huecos, y nichos se ensanchan, son explotados por la competencia de entidades no estatales - tanto subnacionales y supranacionales - que ganan status económico, militar, posición política, religiosa y, con el tiempo, poder. (Y concluye que) las entidades no estatales, beligerantes y politizadas tienen la posibilidad de seguir evolucionando para formas estatales nuevas e indeseables, organizadas en enclaves criminales - , ciudades, pequeños estados, y en redes incluso mucho más grandes de Estados criminales. (Bunker, 2011: 728)

Y es en este contexto que las maras centroamericanas están actuando. Como base de operaciones, las maras ocupan espacios en todas las ciudades grandes de Guatemala, El Salvador y Honduras y están ocupando más barrios en Managua y unas otras ciudades en Nicaragua. En estos espacios, los gobiernos nacionales no pueden ejercer su soberanía plena y muchas veces no quieren -- o tienen miedo-- de enfrentar las maras en estos territorios. En estos espacios son las maras y no los gobiernos que hacen ejercicio del poder. Son ellos que como Max Weber y Vladimir Lenin decían, tienen monopolio del uso de violencia, y no los gobiernos nacionales o municipales. Utilizando su capacidad de violencia y su asociada capacidad de coerción, son los que deciden quienes tienen que pagar los impuestos (“renta” para ellos) que imponen y cuyo valor determinan. Negocios tienen que pagar, familias tienen que pagar, personas tienen que pagar, taxistas tienen que pagar y los autobuses que operan dentro del barrio-- o pasan por el barrio-- tienen que pagar. Pueden ser unos 5 o 10 dólares por semana o $50, o más por mes para un negocio o una familia que tiene medios económicos. Puede ser más para los autobuses y los mareros han matados muchos conductores y ayudantes que no quieren—o no podían—pagar. Y para continuar y aumentar su poder reclutan a la fuerza jóvenes muchachos – y a veces muchachas—para ser nuevos miembros de la mara, o sea, sus soldados. Harry Edwin Vanden - Professor de Ciência Política, University of South Florida, foi bolsista Fulbright e Professor visitante no Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC/SP. Tem estudado as maras centroamericanas por mais de 5 anos.

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CApÍtuLo 5. mÉxiCo, eStADo FALiDo? perCepçõeS DA imprenSA eStADuniDenSe ROBERTO MOLL

O poder ressonante da mídia de massas A mídia de massas, sobretudo em sua versão jornalística impressa, é, talvez, o principal vetor de construção da hegemonia porque funciona como caixa de ressonância das percepções de mundo e projetos políticos. Nos Estados Unidos, de acordo com Noam Chomsky e Edward S. Herman, poucos grupos sociais poderosos controlam e financiam a mídia – por meio das propagandas publicitárias, empréstimos, aquisições, fusões e ações – para propagandear e inculcar percepções de mundo que carregam princípios, valores e crenças, a fim de concretizar suas agendas e realizar seus interesses. Chomsky e Herman lembram do estudo de Ben Bagdikian, que constata que as vinte e nove maiores corporações de comunicação controlam os jornais e revistas mais vendáveis nos Estados Unidos. As publicações que conseguem atrair grande quantidade de publicidade podem colocar os preços de capa abaixo dos custos e, consequentemente, vender mais e alcançar um público maior. Portanto, neste sistema de “livre mercado” nas comunicações, são os proprietários e anunciantes que escolhem quais publicações vão sobreviver, prosperar e alcançar o maior número de cidadãos, não o consumidor (Chomsky & Herman, 2010). Não se trata de uma conspiração ou de manipulação, mas de uma análise da mídia como empresas de um mercado mais ou menos monopolizado e guiado por líderes corporativos e governantes, que têm

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objetivos parecidos e dividem percepções de mundo semelhantes. De certo que, os meios de comunicação de massa precisam retratar o mundo real. Entretanto, a interpretação deve refletir os interesses e objetivos dos anunciantes, dos compradores, dos proprietários e das instituições governamentais e privadas, que as elites dominam. Repórteres, comentaristas, articulistas, editores, jornalistas e outros intelectuais da mídia são escolhidos porque já internalizaram, ou estão dispostos e aptos a internalizar, a percepção de mundo dos proprietários, anunciantes e poderes institucionais que controlam a mídia, sem questionar o sistema. Assim, esses grupos filtram as notícias que podem ser publicadas, marginalizam os dissidentes e permitem que as elites enviem suas mensagens ao público (Chomsky & Herman, 2010). Contudo, a mídia não é monolítica. Ainda que os grupos que dominam a mídia tenham interesses sistêmicos comuns, pode haver divergências quanto às estratégias para alcançar tais interesses. As grandes corporações midiáticas permitem os debates, as críticas e o dissenso, desde que permaneçam dentro dos princípios e pressuposições do sistema, que reflete os interesses das elites. Junto a isso, os meios de comunicação de massas precisam dos governos e das corporações para fornecer matérias-primas baratas para as produções jornalísticas. Obter diretamente recursos desse tipo reduz os custos da investigação jornalística. Como fonte acessível de informações, os governos e corporações podem tentar estabelecer e enquadrar determinadas agendas políticas. Esse processo ocorre de forma direta e indireta, por intermédio de agências, porta vozes e financiamentos de intelectuais e think thanks, que se apresentam como isentos (Chomsky & Herman, 2010). Para Lance Bennet, os jornalistas das grandes corporações “calibram” as notícias de acordo com a esfera de poder, que é conflituosa. Nesse processo de calibragem, implícito e contínuo, os jornalistas colocam o foco sobre as questões políticas mais importantes; avaliam o poder dos grupos que se organizam contra ou a favor da posição dominante; e observam as ações que podem provocar possíveis mudanças políticas. Depois disso, reproduzem a versão dos atores que têm mais poder. Isso cria um sistema que define o que será notícia, qual a importância da notícia, quanto tempo a notícia é notícia e quem tem voz na notícia. Em momentos de embate dentro desse sistema, se interessar, a mídia pode tomar uma posição mais ativa e organizar novos consensos.

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Para isso, as grandes corporações da mídia jornalística de massa monitoram e noticiam a formação de forças políticas; definem vencedores e perdedores; transmitem as histórias de forma rápida, sem dar tempo para interferência dos agentes opositores; investigam informações confidenciais, que vazam por fontes anônimas; e/ou adotam contrapautas de fontes extraoficiais. Mesmo assim, reportagens com investigações sólidas que denunciam o governo precisam de elementos do próprio governo para comprovar a veracidade das denúncias. Sem isso, não conseguem ter sucesso (BENNET, 2007). Mais do que isso, os meios de comunicação dependem dos governos e corporações para conseguir políticas fiscais vantajosas; taxas de juros baixas; políticas trabalhistas flexíveis; leis antitrustes favoráveis; e apoio diplomático para atuar em outros países, por meio de subsidiárias ou de repórteres. Assim, os governos e as corporações podem constranger os meios de comunicação que tentarem se opor completamente às estratégias ou aos interesses estabelecidos. A capacidade da mídia jornalística de difundir visões de mundo e projetos políticos para um público amplo é ainda maior em áreas como a política externa. Quando os acontecimentos em outros locais do mundo tomam dimensões globais e podem atingir os interesses dos governos e das corporações, mesmo que não haja participação direta dos mesmos, a imprensa precisa noticiar e passar a mensagem que deseja, na tentativa de construir consensos acerca das estratégias de política externa. A mídia jornalística pode amplificar os debates e, mesmo quando não há consenso, pode abrir ou fechar possibilidades de mudança na política externa, ao enquadrar as questões, definir a agenda e influenciar a opinião pública em nível nacional e internacional. Entre todos os acontecimentos que se desenrolam em centenas de países, os repórteres escolhem o que será notícia com base no conhecimento prévio; no que supõem que os leitores querem saber; na necessidade de vender a publicação; e no que os editores e os proprietários dos meios de comunicação querem que seja noticiado. Os principais temas são as guerras, os desastres e conflitos, que interessam de alguma maneira à sociedade civil. Nesse escopo, aqueles que envolvem o país, os aliados, os inimigos ou os vizinhos têm mais chance de virar notícia do que aqueles que acontecem em lugares distantes da posição geográfica e dos interesses das elites. A preponderância dos relatos de guerras, conflitos e desastres, mesmo em lugares longínquos que interessam a setores da sociedade civil, deixam a percepção de que o mundo é hostil e sem esperança. A paz di-

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ficilmente é notícia e eventos globais de longa duração, como migração e aquecimento global, são noticiados esporadicamente (Love, 2003). As notícias sobre a guerra contra o tráfico na fronteira entre México e Estados Unidos De forma geral, a maioria das matérias jornalísticas nos grandes meios de comunicação impressos dos Estados Unidos sobre a América Latina tratam de crises políticas, crises econômicas, violência, tráfico de drogas, tráfico de armas, tráfico de pessoas, autoritarismo, corrupção e epidemias. As matérias são avulsas e só ganham continuidade quando os fatos envolvem, ou podem envolver, os interesses estadunidenses. Por isso, o México é uma exceção e um destaque. Entre janeiro de 2009 e julho de 2012, os grandes jornais estadunidenses apresentaram centenas de reportagens e editoriais sobre o México. A guerra contra os cartéis de drogas mereceu atenção periódica e, às vezes, novelesca. Nas décadas de 1980 e 1990, os cartéis de drogas colombianos dominaram a distribuição de cocaína em toda América. O poderoso Cartel de Medellín, chefiado por Pablo Escobar, fazia a cocaína entrar nos Estados Unidos, maior mercado consumidor do produto no continente, através da fronteira sul. O negócio funcionava em sociedade com os cartéis de drogas mexicanos, sobretudo com o Cartel de Guadalajara, chefiado, até então, por Miguel Angel Felix Gallardo, ex-agente da Polícia Federal Judiciária Mexicana. Naquele período, os cartéis mexicanos dominavam o mercado estadunidense de maconha e heroína e controlavam a logística e as rotas de tráfico por meio da fronteira com o vizinho do norte. Em 1989, as autoridades mexicanas e estadunidenses prenderam Gallardo e, em 1992, as autoridades colombianas prenderam Escobar, morto no ano seguinte. Consequentemente, nos anos 1990, o Cartel de Guadalajara e o Cartel de Medellín perderam força, envoltos em conflitos internos e embates com as autoridades mexicanas, colombianas e estadunidenses. Com isso, surgiram, no México, outros cartéis concorrentes – como o Cartel de Sinaloa, Cartel de Juarez, Cartel do Golfo, Cartel La Famiglia e Los zetas – que iniciaram confrontos violentos para cobrir o vácuo no mercado de drogas estadunidense, sobretudo de cocaína. Atualmente, os cartéis mexicanos fornecem noventa por cento da cocaína que entra nos Estados Unidos.

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A concorrência entre os cartéis mexicanos se tornou violenta. O governo de Vincent Fox, entre 2000 e 2006, tentou intervir diretamente na competição pelo mercado de drogas e, para isso, enviou tropas militares para conter o conflito entre os cartéis. Na campanha presidencial de 2006, Felipe Calderón, então candidato à presidência do México, prometeu iniciar uma guerra contra os traficantes de drogas. Já no governo, depois de uma vitória eleitoral apertada, Calderón enviou, de 2006 até 2012, quarenta e cinco mil homens do exército às ruas para combater os cartéis. No mesmo período, as autoridades registraram aproximadamente sessenta mil mortes ligadas ao tráfico de drogas. De acordo com o governo mexicano, a maioria das mortes resultou dos conflitos dentro dos cartéis, entre diferentes cartéis e entre cartéis e autoridades policiais e militares. Frequentemente, os assassinatos obedeceram à estética da violência, voltada para atrair notícias e disciplinar facções internas aos cartéis, integrantes de outros cartéis e até mesmo agências estatais. Nessa lógica, os cartéis promoveram ataques com granadas nos festejos nacionais; abriram fogo contra jovens em comemorações de aniversário, festas particulares e cassinos; assassinaram imigrantes; promoveram sequestros e extorsões; e espalharam corpos decapitados e cabeças de inimigos. Nos Estados Unidos, o governo Republicano de George W. Bush reforçou a visão do tráfico de drogas como problema de política externa estadunidense. Em 2008, o congresso dos Estados Unidos, a pedido da Casa Branca, aprovou a Iniciativa Mérida, um acordo entre o país e os países da América Central para combater o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro entre as fronteiras. Sob o acordo, os Estados Unidos disponibilizaram US$ 1,6 bilhões por três anos em armamentos, equipamentos, treinamento para militares e civis e inteligência. Nesse contexto, em 10 de dezembro de 2008, logo após a vitória eleitoral de Barack Obama, no Los Angeles Times, David J. Danelo, veterano da Guerra do Iraque e autor dos livros “Blood Stripes: The Grunt’s View of the War in Iraq” e de “The Border: exploring US-Mexican Divide”, relatou que em Ciudad Juarez os traficantes enviaram mensagens e espalharam cartazes para lembrar os professores de que deveriam pagar por proteção, para eles mesmos e para os alunos. Segundo Danello, “se criminosos organizados desejarem cobrar tributos de professores, empresários, turistas ou qualquer um, não há nada que o governo mexicano possa fazer” (Danelo, 2008). O México é descrito como um “Estado fragmentado que pode

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entrar em uma espiral de falhas como a recessão e piorar a violência derivada do tráfico de drogas” (Danelo, 2008). Mais do que isso, o autor sugere ao leitor um exercício de imaginação comparativa: “substitua os clãs tribais por cartéis de drogas, e o México começará a parecer perturbadoramente similar ao Afeganistão, onde a economia é alimentada pelo comércio de papoula para fabricação de heroína” (Danelo, 2008). Em fevereiro de 2009, toda a força policial da pequena cidade de Villa Ahumada pediu baixa, depois que homens de um cartel de drogas tomaram a cidade e executaram o chefe de polícia. A cidade fica em um ponto estratégico na rota do tráfico de drogas. Frequentemente, os cartéis, sobretudo o Cartel de Sinaloa e o Cartel de Juarez, entram em disputa pelo controle da cidade. O New York Times relatou o caso na reportagem de Marc Lacey, direto de Ciudad Juarez. Nessa, o jornalista informou aos estadunidenses que todo o estado de Chihuahua, onde está Ciudad Juarez e Villa Ahuamada, estava “sitiado por senhores feudais das drogas fortemente armados” (Lacey, 2009). De acordo com Lacey, os traficantes “rotineiramente coletam tributos de empresários”, mas “nada mais é surpresa em Chihuahua” (Lacey, 2009). Por fim, o repórter ouviu a diretora executiva do plano estratégico de Juarez, que confidenciou que “não há nenhum centímetro da cidade intocado pela violência” e “há muitas evidências de que Juarez, em sentido micro, está se tornando um Estado Falido” (Lacey, 2009). O Miami Herald publicou a matéria de Julie Watson, da Associated Press, sobre o mesmo caso. Para a jornalista, a situação não é exclusiva em Villa Ahuamada. Segundo Victor Clark, especialista da Universidade de San Diego entrevistado por Watson, “os cartéis tratam essas cidades como feudos – em algumas comunidades todos, desde o barman até os policiais locais, pagam algum tipo de tributo aos traficantes” (Watson, 2009a). Por fim, a reportagem da Associated Press reproduz a fala de uma senhora de 67 anos, que implora “nós queremos alguma autoridade aqui” (Watson, 2009a). Seis dias depois, a mesma jornalista, no mesmo jornal, noticiou que, em Ciudad Juarez, um chefe de polícia pediu demissão, após os traficantes avisarem que matariam um policial a cada quarenta e oito horas, se ele não deixasse o cargo. Para Watson, “a ameaça de assassinato era um sinal sombrio de que as gangues estavam determinadas a controlar as forças policiais na maior cidade da fronteira do México” (Watson, 2009b). De acordo com a reportagem, a violên-

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cia “transbordou através da fronteira para os Estados Unidos, onde as autoridades relatam um aumento nos assassinatos, sequestros e assaltos a residências ligadas aos cartéis do México” (Watson, 2009b). O especialista George Grayson, do College of William and Mary, completou a reportagem: “é o principal problema de segurança nacional para nós, muito mais importante que o Iraque e o Afeganistão” (Watson, 2009b). Na edição de 26 de janeiro de 2009 do Wall Street Journal, Mary Anastasia O’Grady, ao relatar alguns casos de violência na fronteira, afirmou que esta ainda pode piorar e os Estados Unidos “enfrentam o contágio” (O’Grady, 2009). Para a jornalista, o México está “à beira do caos, e a confusão poderia facilmente sangrar através da fronteira” (O’Grady, 2009). Para reforçar seu argumento, cita um aviso do U.S Joint Forces Command de que a instabilidade no México pode representar “um problema de segurança interna de imensas proporções para os Estados Unidos”. A repórter publicou ainda o depoimento do general da reserva Barry McCaffrey para quem “a malignidade da criminalidade que cerca o tráfico de drogas se estende por todo os EUA em mais de 295 cidades” (O’Grady, 2009). O general da reserva relatou que os cartéis agem com um aparato militar moderno e que esses grupos são poderosos porque comercializam noventa por cento da cocaína e a maior parte das anfetaminas que entra nos Estados Unidos. Por fim, ainda com apoio do documento do U.S Joint Forces Command, O’Grady concluiu que o México e o Paquistão são potenciais “Estados Falidos” (O’Grady, 2009). Aproximadamente um mês depois, o mesmo diário publicou uma reportagem de David Luhnow e José Córdoba, com o título The Perilous State of Mexico. Após ilustrarem a violência mexicana com mais uma história de assassinato, os autores compararam: “exatamente como o Paquistão está lutando pela sobrevivência contra os radicais islâmicos, o México está travando uma batalha de vida ou morte com os mais poderosos cartéis de drogas do mundo” (Luhnow & Cordoba, 2009). Segundo os repórteres, traficantes mexicanos decapitam os adversários como um “eco arrepiante das táticas de intimidação utilizadas pelos radicais islâmicos” e extorquem “empresários, criando um sistema de impostos paralelo que ameaça o monopólio do governo” (Luhnow & Cordoba, 2009). Para Luhnow e Cordoba, a semelhança entre Paquistão e México é tão grande que os militares estadunidenses consideram ambos como lugares “onde existe um risco de que o governo sofra um catastrófico

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colapso, tornando-se um Estado Falido” (Luhnow & Cordoba, 2009). A situação é apresentada como alarmante porque o México tem cem milhões de pessoas “nas portas dos Estados Unidos, o que significa que qualquer instabilidade séria provocaria uma inundação de refugiados” (Luhnow & Cordoba, 2009). Ainda mais assustador, os repórteres relatam que os traficantes já estabeleceram laços através da fronteira e são, segundo o próprio Departamento de Estado, o “maior crime organizado que ameaça os Estados Unidos”. Apoiados nas análises de especialistas estadunidenses, os repórteres do Wall Street Journal publicaram, bem como O’Grady no mês anterior, a fala de Barry McCaffrey que afirmou que, se as coisas não melhorassem, o México se tornaria um “narcoestado”. Outros especialistas, não nomeados no artigo, teriam dito que o maior perigo não era o colapso, mas que o país “se tornaria como a Rússia, um Estado pesadamente influenciado pela máfia” (Luhnow & Cordoba, 2009). Para tornar a reportagem ainda mais crível, Luhnow e Cordoba publicaram relatos de especialistas mexicanos, como Gerardo Priego, deputado do PAN (Partido Ação Nacional), que disse “nós ainda não somos um Estado Falido, mas se não agirmos logo, nós nos tornaremos em pouco tempo” (Luhnow & Cordoba, 2009). Em 2011, a situação parecia a mesma, ao menos nas páginas dos periódicos. Na edição de 16 de janeiro de 2011 do Miami Herald, o colunista Carl Hiaasen informou aos leitores de que um dos piores terroristas do mundo vivia muito perto da cidade de San Diego e fazia a Al Qaeda parecer os Simpsons, em referência ao famoso seriado de animação. No decorrer da coluna, Hiaasen criticou o governo Obama e, para reafirmar a importância de uma ação estadunidense, relatou os crimes violentos, o número de mortes no México e o clima nas cidades fronteiriças, inclusive do lado norte. Ainda mais enfático, alertou que a violência no México “é uma ameaça mais premente de segurança interna dos Estados Unidos do que o que está acontecendo no Afeganistão ou no Iêmen” porque a violência diária está na “nossa porta, e transbordando” e os cartéis de drogas mexicanos já atuariam em diversos estados estadunidenses como Flórida, Alabama, Califórnia, Arizona e Texas (Hiaasen, 2011). Por fim, ele advertiu: “para os americanos, os desafios podem ser tão grandes quanto no Afeganistão, e as balas estão voando muito mais próximo” (Hiaasen, 2011). A ideia de Estado Falido ficou exemplificada nas eleições. Em

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2010, os jornais reportaram a prisão de Gregório Sanchez, prefeito de Cancun e candidato ao governo do estado de Quintana Roo pelo PRD, por associação ao Cartel Los zetas e lavagem de dinheiro. Na edição de 27 de maio do The Los Angeles Times, Ken Ellingwood lembrou que a prisão “aumenta a preocupação de que grupos do crime organizado tenham se infiltrado na política mexicana em todos os níveis e que estejam minando os frágeis movimentos do país em direção a uma democracia real” (Ellingwood, 2010). Segundo o repórter, o aeroporto internacional de Cancun “ocupa uma posição estratégica para o contrabando de cocaína da América do Sul para os Estados Unidos” e a cidade turística “oferece um mercado robusto para as drogas ilegais” (Ellingwood, 2010). Na reportagem, Sanchez e o PRD (Partido da Revolução Democrática) disseram que as acusações eram frutos da perseguição política do Partido da Ação Nacional (PAN), do presidente Calderón. Segundo as pesquisas, Sanchez era o favorito para vencer o pleito no estado de Quintana Roo. Na mesma data, David Luhnow reportou o mesmo caso no Wall Street Journal e acrescentou que “há uma crescente preocupação de que os cartéis tenham pagado e ameaçado candidatos em vários estados” (Luhnow, 2010). Logo após perder a eleição para o governo do estado de Michoacan, em 2011, Luisa Maria Calderón, irmã do presidente Felipe Calderón, acusou Fausto Vallejo, candidato pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional), de receber ajuda dos cartéis. Tracy Wilkinson e Cecília Sanchez publicaram, na edição de 15 de novembro do The Los Angeles Times, a declaração que Luisa Calderón deu aos meios de comunicação no México. Segundo o periódico Calderón teria dito que “a intervenção pelo crime organizado durante todo o processo eleitoral, e ontem especialmente, é alarmante, não apenas para Michoacan, mas para todo o país” (Wilkinson & Sanchez, 2011). Nas linhas seguintes, Jesus zambrano e Silvano Aureoles, respectivamente presidente e candidato do PRD, ecoou as acusações de Luisa Calderón. O PRI saiu em defesa de Vallejo e negou todas as acusações. Dez dias depois, o Miami Herald noticiou que escutas telefônicas, reveladas por uma emissora de televisão mexicana, flagraram o chefe do Cartel La Famiglia ao ameaçar queimar casas e assassinar quem votasse no candidato do PRD. De acordo com o jornal de Miami, zambrano teria dito que o México virará um Estado Mafioso, caso o PRI vencesse as eleições presidências. Entretanto,

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segundo a mesma reportagem, Aureoles também era acusado de receber US$ 2 milhões do Cartel Knights Templar, que disputava o controle do mercado em Michoacan contra o Cartel La Famiglia (Johnson, 2011). Conclusão: a definição do “outro” e do Estado Falido como instrumento político As análises e as notícias acerca do exterior não são simplesmente narrativas, julgamentos e caracterizações do Estado no cenário internacional. Mais do que isso, embora tentem parecer isentas, os intelectuais que desenvolvem essas narrativas arquitetam imagens da nação, imprescindíveis às disputas na sociedade civil e na construção da hegemonia. É na imagem da nação que as concepções de mundo e o projeto nacional se articulam. As nações são comunidades construídas por meio do estímulo à sua imaginação. Como observa Benedict Anderson, as nações são comunidades imaginadas, pois os membros não se conhecem pessoalmente, mas mesmo assim nutrem e dividem o mesmo sentimento de comunhão nacional. Nos jornais, os leitores reconhecem imagens comuns e narrativas coletivas em que diversos relatos, em diferentes partes do globo, formavam uma espécie de romance real, que incluem suas próprias realidades. Dessa forma, o leitor se vê como parte de uma “comunidade imaginada” por meio da linguagem com um espaço circunscrito e sujeitos nunca vistos, onde se desenrolam os enredos e as narrativas que guiam parte de suas vidas. (Anderson, 1983). A analogia entre as narrativas jornalísticas, o exterior e a vida do leitor se estabelece de duas maneiras distintas. Primeiro ocorre por meio da lógica novelesca diária do jornal, reforçada pelo calendário. Quando os leitores recebem as narrativas sobre a vida de outros indivíduos durante um curtíssimo período, que cessa com o fim da notícia, ficam a imaginar a vida daqueles mesmos indivíduos, que vivem no mesmo território ou se distinguem justamente por viverem em territórios diferentes. Isso instiga a percepção de que existem outros indivíduos que vivem simultaneamente a mesma realidade temporal, formando uma comunidade imaginada. Segundo, enquanto o leitor lê o jornal e percebe que outros sujeitos, em qualquer parte do planeta, podem estar a ler as mesmas notícias, o mundo imaginável se torna visível, aparente. De acordo com Anderson, “imaginada porque

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mesmo os membros das menores nações nunca irão conhecer a maioria dos seus companheiros, encontrá-los, ou mesmo ouvi-los, ainda que nas mentes de cada um exista a imagem da comunhão deles” (Anderson, 1993, p. 6). As peças jornalísticas supracitadas caracterizam o México sempre com palavras e expressões como caos, medo, feudal, problema, narcoestado, estado-mafioso, movimento frágil em direção à democracia, nenhum centímetro da cidade intocado pela violência, queremos alguma autoridade, Estado fragmentado e outras do tipo. Nesse espaço, vivem senhores feudais da droga, criminosos organizados, gangues e outros comparáveis aos radicais islâmicos e terroristas. Eles são sujeitos de todas as ações. Controlam a entrada das drogas nos Estados Unidos; dominam a política institucional; e envolvem todos, desde garçons até candidatos, por passividade ou parceria. Em pouquíssimas reportagens o México é lembrado como uma economia emergente e um dos países com melhores índices de crescimento na América, realidades do mesmo período. Nenhuma reportagem colocou como tema ou personagem principal outros sujeitos da sociedade mexicana. Mesmo as vítimas, de alguma maneira, estavam inseridas na realidade caótica daquele espaço. Tal realidade nunca é conjuntural ou excepcional. A realidade é generalizada, como mostram expressões como “rotineiramente” e “nada mais surpreende”. A conclusão, quase invariavelmente, é que o México é, ou será, inevitavelmente, um Estado Falido ou um conjunto de feudos, portanto atrasado e sem Estado. Por isso, o México, mais do que o Iraque e o Afeganistão, é uma ameaça aos Estados Unidos. É ainda pior porque a violência está na “porta” e há risco de contágio se transbordar através da fronteira. Tudo isso ganha veracidade com a participação de fontes oficiais estadunidenses e mexicanas, supostamente neutras – como o relatório da U.S Joint Forces Command e os depoimentos do general da reserva Barry McCaffrey e de outros especialistas –, que aparecem repetidas vezes em diferentes jornais e, consequentemente, dão uma impressão da realidade. Como lembra David Campbell, diante do exterior, frequentemente, as narrativas jornalísticas operam pelo paradigma da soberania, que funciona por meio da dicotomia soberania/anarquia e também reforça dicotomias como bem/mal, nativo/estrangeiro, eu/outro, racional/irracional, razão/emoção, estabilidade/anarquia,

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herói/vilão e outros mais, em que o primeiro elemento é positivo ideal e o segundo elemento negativo ameaçador. Entre positivo e negativo, o enquadramento dentro desses elementos possibilita a generalização, a diferenciação e a hierarquização. O medo da anarquia, que pode levar à morte do Estado e do indivíduo, estimula o sentido de fidelidade e de pertencimento por meio da promessa de segurança e, consequentemente, de salvação (Campbell, 1998). Nessa lógica, os meios de comunicação definem a fronteira que separa o espaço do “mocinho” onde reina o racional, o ordeiro, o bom e o civilizado do espaço do “bandido” onde imperam a irracionalidade, o caos, o mal e a selvageria. Essa dicotomia é a fronteira verbalizada, que opõe o que é benigno e o que é maligno, em vários níveis, e é, portanto, fundamental para definição da concepção de nação. Sendo assim, as notícias não caracterizam apenas o México e o mexicano, mas também os Estados Unidos e os estadunidenses. O México é o espaço do caos, do medo, da ausência de autoridade e da falta de democracia. É a anarquia – em seu sentido pejorativo – o Estado falido, o problema. Os Estados Unidos, ao contrário, são o espaço da ordem, da segurança, da autoridade e da democracia. É a soberania, a terra prometida, o Estado bem sucedido, a solução. No México, reinam traficantes, organizações criminosas, gangues, assassinos, terroristas ou envolvidos como o tráfico. Nos Estados Unidos, vivem as vítimas da violência e o tráfico – mesmo quando se reconhece o alto consumo de drogas – os especialistas, os políticos, os soldados e as comissões que dão sugestões e podem, supostamente, resolver o problema. As identidades não têm um fim em si mesmas. As narrativas que constroem as identidades são armas fundamentais nas mãos dos intelectuais orgânicos a fim de construir um projeto político hegemônico. Os periódicos jornalísticos não pretendem apenas satisfazer o público, mas buscam suscitar necessidades e desenvolver consenso entre os leitores. Nesse processo de construção da hegemonia por meio dos meios de comunicação, a repetição é um meio didático para alcançar a mentalidade popular e criar novos intelectuais orgânicos, que replicam as visões de mundo, alcançando, inclusive, aqueles que não leem as publicações periódicas. A repetição – em caráter diário, semanal, quinzenal, mensal, semestral ou em qualquer periodicidade – não é mecânica, mas adaptada às tradições e às narrativas conjunturais cotidianas. As narrativas acerca do

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exterior suscitam, quase sempre, o medo em relação ao outro, externo e negativado, e direta ou indiretamente, conformam o comprometimento dos homens com o ideal nacional, em compromisso com sua própria vida e com a vida dos seus semelhantes. Nesse sentido, são vetores de externalização de valores negativos e do perigo e, ao mesmo tempo, de mobilização da população para evitar e controlar os mesmos. A violência no México está concentrada, sobretudo, no norte, próximo à fronteira com os Estados Unidos, mas não exclusivamente. Por isso, atinge diretamente a segurança e os interesses estadunidenses na região, onde estão instaladas centenas de plantas industriais, conhecidas como maquiladoras; que têm posição estratégica importante; abrigam recursos naturais como petróleo e gás; fornecem mão de obra sazonal para plantações no sul estadunidense; e produzem e distribuem drogas que podem gerar alta rentabilidade. Sendo assim, as narrativas jornalísticas que apresentam o México como um Estado falido, assemelhado ao Iraque e ao Afeganistão, e os Estados Unidos como solução para o problema, dão sustentação a projetos políticos que, entre outras coisas, visam controlar e reconstruir a região de diferentes formas, a fim de promover a ordem desejável para realização do capital. Mais do que isso, a associação direta entre Estado falido e a ameaça aos Estados Unidos pressupõe, se for preciso, uma guerra contra um inimigo que ameaça ambas as nações e o mundo. Assim, transfere a questão para o nível militar e legitima, inclusive, intervenções no país vizinho. Não por coincidência, enquanto o México e os Estados Unidos eram caracterizados nos jornais, o congresso estadunidense e o governo Barack Obama estenderam a Mérida Initiative para 2011, com mais US$ 310 milhões, e para 2012, com mais US$ 290 milhões. Roberto Moll - Doutorando do Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC/SP, Pesquisador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI-UNESP), pesquisador e docente do Instituto Federal Fluminense (IFF).

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CApÍtuLo 6. reGionALiSmo, intereSSe nACionAL e orDenAmento territoriAL nAS reLAçõeS DoS eStADoS uniDoS Com A AmÉriCA LAtinA LUIS FERNANDO AYERBE

Introdução O presente capítulo aborda as relações entre os Estados Unidos e a América Latina a partir da análise sobre a percepção em setores do establishment da política externa do país sobre os desafios originários da recente profusão de mecanismos de integração regional, pensados como estratégias de ordenamento territorial que projetam poderes estatais e disputas de hegemonia. Selecionamos sete think tanks com base no seu reconhecido prestígio nos Estados Unidos, sua representatividade em termos de diversidade político-ideológica e por desenvolverem linhas de pesquisa sobre América Latina: 1. O American Enterprise Institute (AEI) é um dos principais centros de referência do pensamento conservador, próximo ao Partido Republicano, inclui nos seus quadros ex-funcionários do governo George W. Bush como Paul Wolfowitz, Secretário Adjunto da Defesa, e Roger Noriega, Subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental; 2. O Brookings Institution (BI) se define como independente, embora venha tendo uma proximidade maior com administrações

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Democratas. Entre os funcionários governamentais oriundos da instituição, cabe mencionar William Cohen, Secretário da Defesa de Bill Clinton, e Susan Rice, atual Assessora de Segurança Nacional; O Center for American Progress (CAP), tem proximidade com o Partido Democrata, conta no seu Conselho Diretor com a participação da ex-secretária de Estado de Bill Clinton, Madeleine Albright. Dan Restrepo, ex-diretor do Programa Latino-americano da instituição, exerceu o cargo de Diretor para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional na primeira administração Obama; O Center for Strategic and Internacional Studies (CSIS), busca se posicionar de forma não-partidária, conta entre seus conselheiros com zbigniew Brzezinski, Assessor de Segurança Nacional de Jimmy Carter, e teve como membro a Otto Reich, Subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental de George W. Bush; A Heritage Foundation (HF), centro conservador e próximo ao Partido Republicano, com vários dos seus quadros atuando em cargos governamentais, como Sara Youseff, assessora especial de George W. Bush para Política Doméstica. Ray Walser, analista de política externa da instituição, foi co-presidente para as questões relativas a América Latina da campanha do candidato Mitt Romney às eleições de 2012; O Inter American Dialogue (IAD), além de estar orientado exclusivamente para os assuntos hemisféricos, incorpora lideranças do setor público e privado da América Latina e do Canadá. Conta com a participação no seu Conselho Diretivo de ex-funcionários de administrações Republicanas e Democratas, como Carla Hills, Representante Comercial de George H. W. Bush, e Thomas F. McLarty III, enviado especial para as Américas no governo de Bill Clinton; O The Washington Office on Latin America (WOLA), cujo objetivo é influenciar a política dos Estados Unidos para a região em temas de direitos humanos, democracia e desenvolvimento socioeconômico, interagindo com órgãos governamentais do país, organizações multilaterais e parceiros na América Latina. Conta com um quadro dirigente de trajetória vinculada à sociedade civil, como Jay Olson e Geoff Thale.

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Embora sem a pretensão de estabelecer um consenso sobre a representatividade da eleição dentro da grande variedade de setores que, direta ou indiretamente, exercem influência sobre os rumos do posicionamento internacional estadunidense, consideramos que a seleção feita possibilita o aceso a importantes atores. Além de prover quadros para funções decisórias importantes do Poder Executivo, essas instituições produzem estudos que refletem a percepção da América Latina por parte de interlocutores relevantes dos recentes governos Republicanos e Democratas, permitindo uma visão bastante próxima sobre os desafios que o establishment da política externa do país identifica na região. Uma exclusão que consideramos necessário justificar é a do Council on Foreign Relations (CFR). Desde a sua fundação em 1921, até os dias atuais, a instituição inclui entre seus membros ex-ocupantes de cargos nas mais altas esferas decisórias do país, independentemente da origem partidária de cada administração, incluindo presidentes, vice-presidentes, secretários de Estado, de Defesa, do Tesouro e, após a Segunda Guerra, assessores do Conselho de Segurança Nacional e diretores da CIA. Sua projeção perpassa também boa parte dos principais Think Tanks do país, com participações de vários integrantes daqueles que apresentamos anteriormente. No nosso entender, a ampla disseminação da presença do CFR dificulta a caracterização de posições institucionais, um dos objetivos deste artigo. (Ayerbe, 2012, p. 73) Em termos de organizações regionais latino-americanas, tomaremos como referência quatro instituições criadas entre 2004 e 2012: a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), de 2004, a UNASUL (União de Nações Sul-americanas), de 2008, a Aliança do Pacífico (AP), de 2011, e a CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), de 2012. Essas quatro organizações apresentam como característica comum o fato de serem iniciativas que partem dos próprios países latino-americanos, inserindo-se no movimento mais geral visando a uma ordem internacional multipolar, buscando articular um espaço econômico e político regional a partir do fortalecimento de mecanismos de cooperação. Para organizar a análise, dividimos os Think Tanks em três categorias: 1) conservadores, Heritage Foundation e American Enterprise Institute, com foco no poder estadunidense como instrumento privilegiado na criação de uma ordem internacional próxima aos interesses do país, defendendo

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o isolamento e/ou subordinação dos governos considerados adversários; 2) moderados, Brookings Institution e Center for American Progress, mais preocupados com a construção de consensos, valorizando o poder de atração dos valores que consideram inerentes ao sistema político estadunidense; 3) não-partidários, CSIS, Inter-American Dialogue e Wola, que objetivam apresentar, para além do partido no poder, análises e proposições direcionadas a favorecer políticas de Estado. Os Think Tanks e o regionalismo latino-americano Três temas adquirem maior destaque na vinculação que os Think Tanks selecionados estabelecem entre a política externa dos Estados Unidos e os desafios dos mecanismos regionais: 1) Reconhecem-se diferenças entre o radicalismo atribuído à ALBA, a maior moderação que pauta a UNASUL e CELAC, embora ganhe destaque o fato de que as duas últimas, mais amplas em termos de participação de países, também deixam fora os Estados Unidos, e as explícitas boas-vindas à AP (Aliança do Pacífico), elogiando seu pragmatismo na abertura a novos membros dentro ou fora do hemisfério e a sua orientação ao livre mercado. 2) Reconhece-se a perda de relevância da América Latina na agenda internacional estadunidense, tendo como contrapartida uma diminuição da influência do país na região. 3) A continuidade da abordagem hemisférica da política externa perde consenso, despontando análises que vislumbram um cenário pós-Doutrina Monroe, priorizando convergências sub-regionais e bilaterais. Começando com o campo conservador, tanto o AEI como a HF focalizam a atenção no ativismo chavista e sua estratégia de enfraquecimento da influência dos Estados Unidos. Durante o processo eleitoral de 2008, Roger Noriega destaca entre os desafios do próximo presidente o “Imperialismo Bolivariano” sustentado financeiramente pelo contexto de alta dos preços do petróleo, apresentado como fator de fortaleza conjuntural, mas de limitado alcance estrutural, prevendo um inevitável fracasso quando o mercado se estabilizar. No entanto, No momento, Chávez está em maré de sorte, e a diplomacia dos EUA está se reduzindo a partir desse desafio. Sua marcha descarada para a ditadura

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continua, com muito poucos comentários dos diplomatas estadunidenses, que estão lutando para se mostrar impassíveis, mas não indiferentes. Jogos de empurra constitucionais na Bolívia e Equador têm chamado pouca ou nenhuma atenção. Aqueles que uma vez se uniram aos Estados Unidos para dizer o que pensam na defesa dos valores democráticos — Canadá, Chile, os países centro-americanos e a Colômbia— têm ficado em silêncio. Aqueles que desejavam que os Estados Unidos trabalhassem de forma mais colegiada não têm conseguido convencer a Organização dos Estados Americanos (OEA) a assumir o papel que lhe corresponde na defesa multilateral da ordem democrática. (Noriega, 2007)

Diferentemente de Hugo Chávez e a ALBA, Noriega vê positivamente a atuação do presidente peruano Ollanta Humala, que dá continuidade à AP, iniciativa que teve no seu antecessor, Alan Garcia, um dos seus grandes promotores, especialmente a partir da Declaração de Lima de 2011. Humala “provou ser mais pragmático do que ideológico, e parece cada vez mais confortável com as soluções de livre mercado em detrimento da agenda estatista”. (Noriega, 2013a) Com o falecimento de Hugo Chávez em março de 2013, Noriega alerta para o caos que pode se instaurar na Venezuela, construindo um quadro que combina crise econômica, falência da revolução bolivariana, aprofundamento da polarização política e fraqueza de liderança do novo presidente Nicolás Maduro, acenando para um cenário pior que o da Síria: Uma implosão da economia da Venezuela — ou, Deus não queira, uma guerra civil prolongada — vai perturbar os mercados internacionais de petróleo e desestabilizar a região num momento em que a economia dos EUA está crepitando. O que é pior, na última década, a Venezuela converteu-se num narco-Estado, com dúzias de altos funcionários e empresas estatais cúmplices no lucrativo tráfico de cocaína. O regime também é um aliado de Irã e Hezbollah, que podem encontrar suas próprias formas de explorar o caos na Venezuela. A geografia faz com que o banho de sangre na Síria seja quase invisível para os estadunidenses, mas a Venezuela é um voo de três horas desde Miami, e o Nº 3 no mundo das redes sociais... Por outra parte, nas Américas se espera dos Estados Unidos que exerçam a liderança. (Noriega, 2013b)

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Na perspectiva de analistas da HF, a estratégia bolivariana adquire notoriedade em três áreas importantes da agenda estadunidense: economia, política de drogas e defesa. No âmbito econômico, Ray Walser remete ao discurso de Chávez na reunião de Chefes de Estado dos países da ALBA em novembro de 2008, em Caracas, quando chamou a acabar com “a ‘hegemonia do dólar’ e propôs a criação de um ‘sistema de intercâmbio comercial baseado na solidariedade’, centrado numa zona monetária única e no estabelecimento de uma moeda comum, o sucre, a ser estabelecido nos próximos dois ou três anos”. (Walser, 2009a) Em declaração ao Comitê de Assuntos Exteriores do Congresso em dezembro de 2009, Walser estabelece um paralelo entre a política de enfraquecimento da presença dos Estados Unidos patrocinada pela ALBA e a política de combate às drogas: “Expulsar a Agência de Controle de Drogas da Bolívia ou Venezuela, o fechamento da base de operações avançadas em Manta, Equador, e a expulsão dos embaixadores estadunidenses com pretextos frágeis, são sinais de um esforço consistente para socavar o passado de progresso conjunto na frente das drogas.” (Walser, 2009b) No campo da defesa, Walser e Ortiz (2008) destacam a aproximação entre a Venezuela e a Rússia, que se torna seu maior provedor de armas, e o protagonismo nas iniciativas da UNASUL para a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, colocando em evidência a convergência com o Brasil, embora deixando claras as diferenças de abordagem dos dois países em termos de radicalismo antiamericano. Para Walser, a liderança brasileira assume um caráter diferenciado, já que paralelamente à busca de maior autonomia regional, consegue moderar o alcance da influência venezuelana. Chávez reconhece que não pode ditar por completo a agenda regional para a América Latina. Deve, portanto, continuar sendo o suficientemente flexível como para apoiar projetos como a recentemente criada União das Nações Sul-americanas (UNASUL). Ele também tem que ajustar as políticas econômicas e comerciais o suficiente como para manter o ingresso ao Mercado Comum da América do Sul, MERCOSUL. (Walser, 2009a)

A construção de espaços de autonomia por meio dessas organizações é reforçada a partir de 2008 pelos efeitos da crise financeira,

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quando a Ásia, e especialmente a China, amplia sua projeção nas relações econômicas da região. Em um quadro de menor influência estadunidense, Walser sugere à administração Obama que não desdenhe dos frutos de uma política de duas décadas que considera consistente e de caráter bipartidário: Desde o Plano Brady para o alívio da dívida, a promoção da democracia no marco do guarda-chuva do National Endowment for Democracy, e a Iniciativa para as Américas, todos produtos da era Reagan-Bush; por meio do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), da Cúpula das Américas e do Plano Colômbia durante o governo de Clinton; aos acordos bilaterais de livre-comércio, da Corporação do Desafio do Milênio (MCC), e da Iniciativa Mérida da Administração passada, uma Administração atrás da outra foi construindo sobre o trabalho dos seus predecessores. Quando começam a se queixar da falta de atenção dos EUA com a região, os latino-americanos necessitam ser gentilmente lembrados dessas iniciativas políticas estadunidenses custosas e extensas dos últimos vinte anos. (Walser, 2009c)

A percepção com relação aos perigos colocados por Chávez e a ALBA reaparece no processo de destituição do presidente Fernando Lugo no Paraguai em julho de 2012. Para Walser (2012), trata-se de um teste para a liderança dos Estados Unidos na região frente aos que rotula como “autocratas da ALBA”, na vanguarda das denúncias de que houve um golpe de Estado, recomendando a Obama o apoio ao impeachment e a nomeação pelo congresso do vice-presidente Federico Franco como novo chefe do executivo. Da mesma forma que Roger Noriega, o analista da HF Suarez-Murias acusa a ALBA de ser uma porta de entrada do Irã na região: Quando os EUA levaram o Ocidente a estabelecer sanções paralisantes contra o Irã, os Estados da ALBA continuaram a negociar com o Irã. Venezuela e Equador (...) permitem ao Irã usar estruturas bancárias internas para mover o seu dinheiro no mercado internacional. Além disso, as operações com Cuba e Venezuela (...) têm sido bem sucedidas em falsificar documentos de identidade para que cidadãos iranianos migrem mais livremente para a América do Norte. (Suarez-Murias, 2013)

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Robert James (2013), também da HF, considera a CELAC uma criação chavista, em que seu caráter antiamericano estaria manifestando-se explicitamente com a nomeação de Cuba para a presidência rotativa em 2013. Nessa perspectiva, chama para a ação o governo dos Estados Unidos: “O presidente Obama deveria trabalhar com a União Europeia (UE) e apresentar uma frente unida contra os renegados chavistas, em interesse não só dos investidores de EUA e da UE, senão também em nome dos cidadãos de Argentina, Bolívia e Venezuela que estão sendo enganados pelas políticas dos seus governos”. Nesse clima de “ameaça bolivariana iminente”, a reunião realizada em Cali em maio de 2013 entre os presidentes da AP, que decidem eliminar taxas alfandegarias sobre 90% do seu comércio, é percebida como fator positivo que deveria demandar maior atenção do governo Obama. Para Sergio Daga (2013), da HF, trata-se de um “bloco comercial, consideravelmente mais pragmático e menos ideológico que outros da região (por exemplo, a ALBA, CELAC e UNASUL, todos eles chavistas)”. Em documento dirigido ao Congresso dos Estados Unidos, Ana Quintana e James M. Roberts, da HF, sugerem sete prioridades para a América Latina e Caribe em 2014: 1) Apoiar uma genuína transição democrática em Cuba, condicionando qualquer relaxamento de sanções a passos concretos do regime na direção da liberdade política e econômica. 2) Apoiar a Aliança do Pacífico “como o melhor caminho a seguir por parte da América Latina”. 3) Forjar uma relação mais forte com a Costa Rica, “prestes a aderir à Aliança do Pacífico e a assumir a liderança da Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe 2014-2017”. 4) Apoiar reformas econômicas mais amplas e profundas no México. 5) Encorajar reformas no Brasil, que da mesma forma que o México, “escorregou para trás e provou mais uma vez que não tinha jogado fora as políticas nacionalistas e protecionistas que por gerações têm atrasado o seu potencial econômico”. 6) Preparar-se para o inevitável colapso na Venezuela, “que virá quando os militares venezuelanos finalmente decidirem que têm mais a perder se ficarem com o sucessor que Hugo Chávez escolheu a dedo (junto com seus supervisores cubanos) do que se o derrocassem”. 7) Construção de uma Fundação que “incentive os governos da América Latina a buscar uma maior liberalização das suas economias”. (Quintana e Roberts, 2014) No campo dos Think Tanks que caracterizamos como moderados, se bem a preocupação com a perda de influência e a emergência de novos

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polos de poder também esteja presente, se descartam ameaças à ordem hemisférica originárias de governos associados à esquerda. O que se propõe é que os Estados Unidos trabalhem na construção de alianças que explorem as diferenças entre as lideranças da Venezuela e do Brasil expressas na ALBA e na UNASUL. Citando o descontentamento gerado em 2009 pelo anúncio da Colômbia da utilização por parte dos Estados Unidos de bases militares no seu território, que levou a um maior isolamento de Álvaro Uribe, seu principal aliado, Diana Villiers Negroponte, da BI, questiona a postura do governo Obama de não levar em conta o Brasil na hora de promover essa iniciativa. O resultado do anuncio foi uma estridente reação “antigringo”, que jogou a favor de Hugo Chávez e seus colegas na ALBA (...). Também deixou o presidente brasileiro Lula, fundador do Conselho Sul-Americano de Defesa, que deliberadamente excluiu a participação de EUA, irritado por não ter sido consultado com suficiente antecedência. A boa vizinhança sem dúvida indica um formal “cara a cara” antes que aviões dos EUA adquiram direito de aterrisagem em bases aéreas na fronteira norte do Brasil. (Villiers Negroponte, 2009)

Na mesma perspectiva, Michael Werz e Winny Chen, do CAP, percebem o Conselho de Defesa Sul-Americano como uma iniciativa que explicita objetivos de liderança brasileira, buscando “aumentar a transparência dos gastos militares, a promoção da cooperação militar entre seus Estados membros, e resolver as disputas regionais com a clara exclusão dos Estados Unidos, pressionados a renovar sua presença num entorno regional que mudou dramaticamente.” (Werz e Chen, 2010) Avaliando os desafios de um quadro complexo de proliferação de mecanismos de interlocução sub-regional, documento do CAP recomenda à administração Obama assumir a iniciativa de reforma da OEA, instância privilegiada para o diálogo hemisférico e na qual a busca de convergências com aliados como Brasil se torna fundamental. Se bem essa dinâmica funciona por si só através da América Latina, um significativo diálogo de EUA com o Brasil, consciente do enfoque matizado do país para a diplomacia regional, é crucial. O Brasil não está disposto a adotar um enfoque de confronto aberto na sua diplomacia

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regional —especialmente se os Estados Unidos estão na mesa, e não quer ser visto como um lacaio dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, no entanto, o Brasil tem um crescente apreço do valor da estabilidade regional, dada a exposição do seu banco de desenvolvimento e das empresas multinacionais brasileiras ao risco político nas Américas e ao redor do mundo. (Meiman e Rothkopf, 2009)

Contrariamente ao estado de alerta presente nas análises do AEI e da HF com relação às ameaças originárias da atuação conjunta dos governos “esquerdistas” em organizações regionais, os Think Tanks que caracterizamos como não-partidários adotam perspectiva similar à BI e a do CAP sobre a necessidade de conviver pragmaticamente com as novas realidades. Documento de WOLA de 2007 propondo à administração a ser eleita em 2008 uma redefinição de lineamentos nas relações Estados Unidos-América Latina, aponta o peso regional dos fatores econômico-sociais como motor de mudanças políticas geradas em um quadro de respeito à democracia. Frente a esse cenário, devemos entender que as correntes populistas que surgiram na América Latina nos últimos anos —e que em muitos países têm vencido eleições livres e justas, e agora exercem poder político— são uma resposta aos problemas reais que enfrenta a região. Os Estados Unidos deveriam responder positivamente ao impulso que está por trás desses movimentos. (WOLA, 2007)

Caso não se estendam pontes de cooperação que passem por cima da diversidade regional, será mantida a tendência de isolamento dos Estados Unidos com relação à sua vizinhança. Essa perspectiva passa a ser percebida como realidade mais palpável nas análises de WOLA sobre a CELAC, que ao mesmo tempo em que aprofunda a percepção de perda de influência dos Estados Unidos, suscita interrogações sobre a operacionalidade da nova organização em comparação à OEA, levando em conta seu grau de institucionalidade. Analisando a Cúpula de janeiro de 2014 em Havana, Geoff Thale considera que a presença do Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e do Secretário Geral da OEA, José Miguel Insulza, sinaliza “a crescente importância diplomática do corpo regional”. No entanto, mesmo considerando que a autonomia da organização está se tornando real e não deve ser subestimada ou antagonizada pelo

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governo Obama, Thale pondera o fato de que os Estados Unidos “são ainda o maior parceiro comercial de muitos países latino-americanos, incluindo algumas das vozes mais críticas, como Venezuela. E a OEA é ainda muito importante na região na medida em que possui uma institucionalidade da qual a CELAC carece. Adicionalmente, muitos países na região querem estar em um diálogo multilateral que inclua os Estados Unidos e o Canadá”. (Thale, 2014) Em junho de 2011, respondendo ao Portal argentino Infobae sobre como Washington avalia o surgimento das novas organizações multilaterais na América Latina e no Caribe, Michael Shifter, do IAD, apresenta uma síntese que nos parece ilustrativa da análise que desenvolvemos até aqui: Em geral, Washington recebe bem esses novos mecanismos que estão surgindo na região, porque são vistos como complementares à OEA e a outros fóruns dos quais participam os Estados Unidos. É preferível ter instituições fracas que não ter nenhum tipo de instituições. Há certo ceticismo sobre quão sólidos e coerentes podem chegar a ser esses novos organismos regionais, especialmente perante as divisões políticas entre os diferentes governos. Inclusive deixando de lado os EUA, há uma grande desconfiança em vários países da América Latina. Até agora a UNASUL jogou um papel positivo em alguns casos, como na redução das tensões entre Colômbia e Venezuela, mas os desafios institucionais são consideráveis. Washington acompanha de perto como isso evolui; é claro que a região mudou e que a influência dos Estados Unidos declinou notavelmente. Alguns poderão sentir saudades dos velhos tempos de hegemonia estadunidense, mas a maioria está de acordo que Washington tem que entender e se relacionar melhor com essas novas realidades. (Shifter, 2011)

O quadro que se estabelece em 2013 a partir do falecimento de Hugo Chávez e das denúncias sobre espionagem do ex-consultor da CIA, Edward Snowden, embora impacte nas relações Estados Unidos-América Latina, não altera a percepção de Shifter, que mantém um olhar diferente sobre o “estado de alerta iminente” exaltado por analistas do AEI e da HF: Hugo Chávez teria adorado o caso Edward Snowden: um homem que foge das autoridades estadunidenses, apontando à suposta hipocrisia da

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política externa de EUA, uma brecha entre Washington, Beijing e Moscou, e contando com a ajuda de um grupo de governos latino-americanos esquerdistas que vocifera a possibilidade de incluir a Venezuela, Cuba e Equador na sua busca de refúgio... Mas este momento de centralidade de atenção dos governos de esquerda da América Latina chega em tempos difíceis. Depois de quase uma década e meia das grandes ambições de Chávez para construir a solidariedade regional em oposição à influência dos EUA na região, seu sucessor, Nicolás Maduro, parece demasiado preocupado por crises internas para fazer grandes incursões no cenário mundial. (Shifter, 2013)

Se bem a situação interna da Venezuela afete a liderança da ALBA, isso não se traduz em uma alteração de correlação de forças que sinalize o retorno ao cenário político-ideológico regional prévio à emergência do chavismo. Shifter considera que a AP representa de fato uma boa notícia em termos de retomada da agenda de livre-comércio em países importantes da região após a interrupção da iniciativa da ALCA, no entanto, a volta ao governo do Chile de Michele Bachelet tende a esfriar entusiasmos com um potencial contraponto AP-ALBA: “Embora tenha se comprometido com a Aliança, é provável que (Bachelet) se mova mais perto do Brasil e talvez um pouco mais distante do bloco do Pacífico. Seu governo resistirá à qualquer tentativa de apresentar a Aliança como um contrapeso ideológico à ALBA”. (Shifter, 2014) Respondendo uma consulta da publicação do IAD “Latin America Advisor” sobre as tendências das relações Estados Unidos-América Latina para 2014, Peter Hakim, membro do Conselho Assessor da instituição, considera que já passou o tempo de se discutir uma política latino-americana dos Estados Unidos, em um contexto em que a administração Obama, na voz do Secretário de Estado John Kerry, anuncia o fim da Doutrina Monroe (Kerry, 2013) e as relações com a região estão atomizadas. Não existe América Latina ou uma política latino-americana. Os Estados Unidos se desacoplaram em grande parte das operações da OEA —e está mais distante que nunca dos países da região. Particularmente prejudicial tem sido a disputa entre Brasil-EUA sobre a espionagem da NSA, que levou a presidente Rousseff a cancelar sua visita de Estado a Washington (...). Apesar dos esforços diplomáticos do Secretário Kerry (particularmente

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para a Venezuela), as relações com o grupo antiestadunidense da ALBA se mantêm sem mudanças. (Latin America Advisor, 2013)

Na mesma direção dos analistas vinculados ao IAD, Carl Meacham, do CSIS, trata o caso Snowden e a emergência da AP como exemplos da diversificação do espaço hemisférico. No caso dos vazamentos de informações de inteligência, questiona sobre o fato de que a oferta de ajuda ao espião asilado provisoriamente na Rússia se concentre no Hemisfério Ocidental, particularmente em países associados à ALBA, o que vê como indicador do deterioro da posição dos Estados Unidos: Uma série de líderes da região, particularmente Maduro, procura seguir o exemplo de Chávez e Fidel Castro. Sua liderança dependeu principalmente de ganhar relevância e influência posicionando-se como contrários aos Estados Unidos e ao interesse nacional dos EUA. Emprestando uma mão para Snowden (...) esses líderes latino-americanos continuam essa longa (e em grande medida cansativa) tendência. (Mecham, 2013a)

Como compensação, aponta as razões pelas quais os Estados Unidos deveriam integrar a AP: “a Aliança do Pacífico incorpora um conjunto de valores que os Estados Unidos tem defendido, tanto na região como ao redor do mundo (...). Aceitar um convite para ser membro pleno seria, em suma, a mensagem de que os Estados Unidos estão do lado dos seus vizinhos da América Latina que trabalham por uma maior liberalização econômica”. (Meacham, 2013b) Eric Farnsworth, em estudo para o CSIS sobre as tendências da política hemisférica estadunidense, faz um balanço crítico do que considera iniciativas bem intencionadas, mas de escassos resultados em torno do apoio à democracia, segurança pública e abertura dos mercados, na medida em que não conseguiram deter a diminuição da influência do país na região. Como consequência, diagnostica um colapso do pensamento estratégico que concebia a possibilidade de construção de uma agenda de alcance regional, como a representada pela Cúpula das Américas lançada por Bill Clinton, que tem se tornado crescentemente irrelevante. Para ele, “os formuladores de políticas internalizaram a dinâmica do ‘fim da história’ em que a emergência da democracia por meio do eixo norte-sul na América Latina asseguraria a busca de uma agenda comum baseada em

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valores compartilhados e interesses comuns” (Farnsworth, 2013, p. 60). Isso aparece claramente no caso do Brasil e suas relações paralelas com os Estados Unidos e a ALBA. “Brasil, o peso pesado regional, uma democracia forte e vibrante, mas com uma visão estratégica independente, também tem desenvolvido uma agenda que busca construir sua própria influência às custas dos Estados Unidos (...). Por exemplo, a busca do Brasil de obter uma vantagem comercial em Venezuela e Cuba tem sido prioridade sobre o desejo de apoiar as instituições da democracia nesses países”. (Farnsworth, op. cit., p. 58) O vigésimo aniversário do Nafta em janeiro de 2014 representa para Farnsworth um bom marco para a atualização estratégica consistente com o cenário regional descrito, com um relançamento do livre-comércio capaz de atrair os líderes de países com maior afinidade, como os congregados na AP e o presidente Cartes do Paraguai. “Isto significativamente estabelecerá uma agenda mais estratégica e consequente com as Américas da que tem existido desde a ruptura da agenda da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA) de uma década atrás” (Farnsworth, op. cit., p. 63) Considerações finais Desde o início da pesquisa que deu origem a este capítulo, um elemento comum verificado nas abordagens dos sete think tanks selecionados é a escassa relevância atribuída às organizações latino-americanas como objeto específico de análise, prevalecendo seu dimensionamento como projeção dos interesses nacionais de países membros, destacando-se, por ordem de prioridade, Venezuela (ALBA), Brasil (UNASUL, CELAC). Isso aparece não apenas no conteúdo das posições expressas, mas também no processo de levantamento de fontes, em que as escassas alusões aos organismos regionais se dão dentro de estudos que tomam como foco os países citados. As referências que aqui utilizamos praticamente esgotam as publicações dessas instituições sobre o impacto da atuação da ALBA, a UNASUL e a CELAC nas relações hemisféricas. O caso de CELAC é paradigmático. Antes de 2013, mesmo sendo a iniciativa mais ambiciosa em termos de articulação e expressão de autonomia regional, apenas o IAD e o CSIS apresentavam análises específicas.

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O falecimento de Hugo Chávez e a evidência adquirida pela AP a partir da Cúpula de Cali geram um maior foco no tema do regionalismo. Como vimos, esse interesse coincide com a profetização de uma tendência de bifurcação da América Latina em dois eixos, um considerado emergente e promissor em termos de retomada da agenda de livre-comércio associado a AP e um protecionista e crítico dos Estados Unidos cuja retração estaria condicionada pelo vácuo de liderança venezuelana. A associação das organizações regionais a “eixos” pró ou contra os Estados Unidos revela-se como principal preocupação dos estudos apresentados, com cinco desdobramentos mais específicos. Em primeiro lugar, a continuidade de governos marcados por lideranças com origem na esquerda, que promovem políticas de crescente autonomia ou de oposição ao país, especialmente os sul-americanos Hugo Chávez, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, Néstor e Cristina Kirchner, Evo Morales e Rafael Correa. Em segundo, o reconhecimento de diferenças entre o radicalismo atribuído à ALBA e a maior moderação prevalecente nas demais. Em terceiro, a percepção de que a UNASUL e a CELAC, como organizações mais abrangentes em termos do número de países participantes, deixam à margem os Estados Unidos e debilitam a influência da OEA, tradicional fórum de interlocução hemisférica. Em quarto lugar, ressalta-se a perda de relevância da região, que nos últimos anos ficou cada vez mais afastada do centro das atenções estadunidense, o que teria favorecido a perda de influência. Finalmente, reconhecem-se dificuldades para restabelecer uma abordagem hemisférica da política externa após o abandono da ALCA. Essas questões têm tratamentos diferentes por parte dos Think Tanks, resultantes de seu perfil político, conforme as categorias conservadora, moderada e não-partidária que estabelecemos. Para os conservadores, o governo deve estar alerta para a projeção de uma esquerda capaz de reinventar suas tradições de antiamericanismo, estatismo e rejeição da economia de mercado, o que exige forte compromisso no apoio a aliados, destacando-se os países que conformam a AP, e o enquadramento de adversários, fundamentalmente a Venezuela e sua projeção na ALBA, UNASUL e CELAC. A retomada de uma política hemisférica dos Estados Unidos permanece como recomendação, demandando a Washington maior ativismo. Do lado dos moderados, se descartam ameaças sistêmicas originadas nos governos mais à esquerda, propondo que os Estados Unidos

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trabalhem sem vetos prévios com os países da região em temas convergentes. Sem questionar a importância de uma abordagem hemisférica, não se explicitam recomendações nessa direção. As diferenças entre conservadores e moderados não são de caráter antagônico, mas de percepção de ameaças e definição de prioridades na resolução de problemas, o que se reflete na notória distância entre a profusão de estudos gerados no interior do AEI e da HF e a reduzida oferta oriunda da BI e do CAP. No âmbito dos Think Tanks não-partidários, vislumbra-se um cenário menos conflitivo, identificando espaços que favorecem uma reinserção dos Estados Unidos, já não com alcance hemisférico, mas com possibilidades de interação com importantes atores. Assume-se uma mudança estrutural, convergente com manifestações da administração Obama de abandono da Doutrina Monroe, num cenário em que já não se aplicariam abordagens totalizantes como a do “fim da história”, reorientando o foco para o estabelecimento de convergências sub-regionais e bilaterais. Se por um lado a interlocução por intermédio de mecanismos de integração econômica se mantenha ativa ao norte e ao sul do hemisfério, no campo da formulação de agendas políticas abrangentes as tendências divergem: a concepção da América Latina como espaço comum perde consenso nos Estados Unidos ao mesmo tempo em que ganha status na região em organizações como a CELAC. Paralelamente à diminuição da influência de Washington e a busca de autonomia de países latino-americanos apontadas por analistas dos diversos Think Tanks, as tendências assinaladas sugerem uma terceira perspectiva: a perda de relevância passou a ser mútua. Luis Fernando Ayerbe - Professor do Departamento de Economia da Unesp, campus de Araraquara, e do Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC/SP. Coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP (IEEI-UNESP).

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CApÍtuLo 7. ASpeCtoS DA GeopoLÍtiCA CAmponeSA nA AmÉriCA LAtinA e CAriBe: pArADiGmAS, ConCeitoS e reSiStênCiAS BERNARDO MANçANO FERNANDES

Introdução Neste artigo destacamos a importância estratégica da agricultura camponesa para garantir a soberania alimentar e problematizamos o conceito de agricultura familiar. A partir do debate paradigmático, analisamos como a produção teórica é influenciada e influencia as políticas de desenvolvimento territorial no campo. A soberania alimentar é compreendida como uma política pública com o objetivo de garantir a produção de alimentos de qualidade e o abastecimento da população, evitando a dependência do mercado capitalista. O conceito de agricultura familiar é recente e tem “ocupado” o lugar do conceito de agricultura camponesa em algumas análises teóricas e políticas públicas. Essa “ocupação” não teria maiores problemas se não fosse o caráter pejorativo que muitos pesquisadores e políticos profissionais aplicam ao conceito de campesinato, como por exemplo: atrasado, antigo, ultrapassado etc. A diferencialidade é um atributo do campesinato que pode ser classificado como: rico, médio ou pobre nas definições clássicas ou consolidado, intermediário e periférico nas acepções contemporâneas. É importante distinguir a diferencialidade do preconceito. O preconceito aparece quando se afirma que o campesinato tem que se transformar em agricultor familiar para tornar-se moderno. Que somente a metamorfose pode livrá-lo do destino de ser camponês (Abramovay, 1992). Neste texto,

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procuramos superar o caráter pejorativo e afirmamos que campesinato e agricultura familiar são a mesma relação social, são o mesmo sujeito. É fundamental ressaltar que há diferença estrutural entre agricultura de base familiar (denominada popularmente de agricultura familiar) e agricultura familiar capitalista. Quando afirmamos que a agricultura familiar é camponesa, estamos nos referindo à agricultura de base familiar, cuja renda total é produzida predominantemente pelo trabalho dos membros da família. Nesse critério, estamos determinando a condição de classe social para delimitar o conceito. A agricultura de base familiar é camponesa exatamente por se distinguir da agricultura capitalista. O conceito de campesinato nasceu antes de existir o capitalismo de modo que essa relação social e forma de organização do trabalho e da produção pode ser familiar, comunitária, associativa, cooperativa, mas nunca é capitalista. Quando uma família camponesa começa a praticar a mais-valia, ela deixa de ser camponesa para se transformar em capitalista. A estratégia camponesa de resistência ao capitalismo se manifesta nos territórios materiais e imateriais. As disputas ideológicas e a disputa territorial configuram uma geopolítica da questão agrária (Fernandes, 2011). O processo de estrangeirização da terra é um exemplo da territorialidade dessa geopolítica. Mas os componentes da geopolítica camponesa não se limitam à terra - embora esta seja fundamental para sua existência. O conhecimento, a tecnologia e a ideologia são cada vez mais expressivos para a resistência camponesa, como demonstramos neste ensaio teórico em que procuramos contribuir com a reflexão e o debate sobre a importância da agricultura camponesa e defender o poder desse conceito. Também podemos utilizar o conceito de agricultura familiar, mas jamais como preconceito, pois isso seria um ato de falseamento da realidade cujas implicações políticas ampliam as desigualdades sociais. Este artigo é também uma proposta de diálogo com outros paradigmas, pois o debate é condição para expressarmos nossas diferenças e realizarmos nossas disputas. A importância da agricultura camponesa Em quase toda América Latina os governos têm substituído o conceito de campesinato por agricultura familiar em suas políticas de desenvolvimento rural. Um pesquisador curioso, visitando as páginas dos ministérios ou secretarias responsáveis pelo desenvolvimento do campo,

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encontrará facilmente a expressão agricultura familiar ou agricultura familiar campesina. Com exceção de Cuba, onde a ideia de agricultura familiar ainda não está disseminada, em todos os outros países, o conceito predomina. Mas qual a diferença entre agricultura familiar e agricultura familiar campesina, como aparece, por exemplo, no Chile? No Brasil, os movimentos vinculados à Via Campesina utilizam o termo camponês e agricultura familiar com o mesmo sentido. Utilizar os dois conceitos juntos ou separados, mas referindo-se sempre à organização familiar, comunitária, associativa ou cooperativa é coerente. O que devemos evitar é separá-los por meio de falsas definições como incompleto, atrasado, superado, antigo etc. O campesinato vive o seu tempo e viveu todos os tempos: nas sociedades escravocratas, feudais, capitalistas e socialistas. É um sujeito histórico perene que luta para ser ele mesmo. Enquanto os sistemas querem destruir o campesinato, ele reage para se reproduzir com dignidade. Shanin, 1983, chamou a atenção para essa classe social que incomoda a todos os sistemas porque não aceita ser cooptado. Assim como os povos indígenas, os camponeses possuem suas próprias formas de organização e lutam contra o capital, porque a subalternidade é a única condição de existência desses povos na sociedade capitalista. Por causa da hegemonia capitalista, é nessa condição que os povos indígenas e camponeses vivem. E resistem. Todos os dias, em nuestra América Latina há conflitos entre organizações camponesas e indígenas contra o capital, manifestando a questão agrária. Todavia, a negação da questão agrária pelas políticas de governo e por parte dos intelectuais vinculados ao paradigma do capitalismo agrário faz com que a subalternidade do campesinato ao capital seja vista como um fato natural. Essa postura dos governos amplia a desigualdade entre as agriculturas camponesa e capitalista, promovendo o agronegócio. Reconhecer o campesinato como um modelo estratégico de desenvolvimento da agricultura é necessário para superar o mito das commodities como condição para acabar com a fome. A seguir apresentamos aportes da agricultura camponesa em treze países da América Latina (quadro 1) para analisarmos sua importância na produção de alimentos saudáveis e na geração de postos de trabalho que contribuem para o desenvolvimento local. Observe que os camponeses guatemaltecos garantem 49% do valor da produção, ou seja, quase metade da produção agropecuária do país vem de unidades com área média de um hectare. No Panamá, onde a

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área média é de 4,1 hectares, o campesinato assegura 58,3% do valor da produção. Em Honduras, Nicarágua, El Salvador e Costa Rica, os números são respectivamente: 56,5; 49,3; 42,7 e 40,6%, o que significa que nesses países o campesinato garante em média a metade do valor bruto produzido na agropecuária. É importante destacar que a importância estratégica da agricultura camponesa não contém somente o valor da produção, mas também a produtividade. Brasil e Equador são os países onde a produtividade camponesa é mais alta. Relacionando a participação percentual das áreas das unidades territoriais da agricultura camponesa com a participação percentual no valor da produção, observa-se que a agricultura de base familiar no Brasil, embora controle somente 24,3% das propriedades agrícolas produz 38% do valor da produção. Isso significa que o agronegócio ou agricultura capitalista controla 75,7% das terras e produz apenas 62% do valor da produção. Ainda é preciso dizer que a agricultura capitalista fica com 90% do crédito agrícola (Fernandes, 2012; Fernandes, 2013). Esses números são uma referência para compreender a desigualdade de renda entre agricultores camponeses e capitalistas. No Equador, a produtividade camponesa também é maior que a capitalista. Os camponeses usam 41% das terras e asseguram 45% do valor da produção. Na Argentina e Chile, onde o avanço do agronegócio foi ainda mais devastador, a agricultura camponesa representa 19,2 e 22% do valor da produção. Uma análise desde o debate sobre agricultura camponesa e agricultura familiar na Argentina está em Hocsman, 2010. Dos países analisados, a Colômbia é o único onde os camponeses ou agricultores de base familiar utilizam uma área maior que a agricultura capitalista e são responsáveis por 41% do valor da produção e 57% no oferecimento de postos de trabalho. Aliás, com relação ao trabalho, somente a Costa Rica está abaixo dos cinquenta por cento. O campesinato gera mais postos de trabalho que o agronegócio, promovendo as condições necessárias para o desenvolvimento sustentável.

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Quadro 1 Aportes da agricultura camponesa em treze países da América Latina Importância da Agricultura camponesa

Argentina

Brasil

Chile

Colômbia

Equador

Paraguai

Uruguai

Costa Rica

El Salvador

Guatemala

Honduras

Nicarágua

Panamá

Participação % no valor da produção

19,2

38,0

22,0

41,0

45,0

NI

NI

40,6

42,7

49,0

56,5

49,3

58,3

Participação % no oferecimento de emprego

53,0

77,0

61,0

57,0

NI

NI

NI

36,0

51,0

63,0

76,0

65,0

70,0

Número de unidades territoriais da agricultura camponesa (x mil)

251,1

4367,9

254,9

737,9

739,9

264,8

32,6

70,0

230,0

1062,0

484,0

334,0

164,0

Participação % da agricultura camponesa no total das unidades territoriais

75,3

84,4

95,0

87,0

88,0

91,4

57,2

NI

NI

NI

NI

NI

NI

Áreas médias das unidades territoriais da agricultura camponesa (ha)

142,0

18,4

17,0

3,0

7,0

7,4

77,2

NI

2,2

1,0

NI

6,7

4,1

Participação % das áreas das unidades territoriais da agricultura camponesa em relação ao total

20,3

24,3

44,0

57,0

41,0

6,3

15,4

NI

NI

NI

NI

NI

NI

Fonte: CEPAL – FAO – IICA. Perspectivas de la agricultura y del desarrollo rural en las Américas: una mirada hacia América Latina y el Caribe. Santiago, 2013.

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O debate paradigmático O quadro 1 revela algumas disparidades, como a concentração fundiária e de renda. Mas as desigualdades são maiores ainda quando analisamos o domínio de tecnologias, o acesso aos recursos públicos e aos mercados. Os monopólios em diferentes setores são os pilares da hegemonia do agronegócio no mundo. Para compreender melhor as desigualdades entre a agricultura camponesa e a agricultura capitalista é imprescindível analisar o debate paradigmático, pois é o gerador do pensamento e das políticas que promovem o desenvolvimento da agricultura. O ponto de partida é a intencionalidade. O que nos conduz ao debate é tanto a intenção de defender nossas visões de mundo, nossos estilos de pensamento, nossos paradigmas, nossas posições políticas, quanto de conhecer outras posições teórico-políticas e suas visões de mundo, respectivos estilos de pensamento e distintos paradigmas. O debate é, portanto, uma disputa. Mesmo não tendo noção dos paradigmas e suas tendências, os trabalhadores intelectuais transitam por esses territórios epistemológicos, onde a filosofia e a ciência se encontram (Japiassu, 1979). A intencionalidade é manifestada de diversos modos: pela ação cognitiva, percepção, linguagens, práticas etc. (Searle, 1995). Ao mesmo tempo em que a ação cognitiva é produtora de territórios imateriais, a ação prática é produtora de territórios materiais. Esta relação tempo-espaço a partir das ações cognitivas e práticas criam a conexão entre o pensamento e a realidade, o conhecimento e o fato. Esse processo é um movimento que possui direções expressando diferentes intencionalidades, como também é uma espécie de trilha entre o sujeito e o objeto (Santos, 1996, p.74). Este processo-movimento-dirigido é a práxis (Vázquez, 2007), que ninguém pode evitar, pois qualquer ato é revelador de ação, tanto a proposição quanto a negação. O processo de construção do conhecimento é uma práxis intelectual e política que por meio de coletivos de pensamento se organiza para produzir seus estilos de pensamento, seus paradigmas (Fleck, 2010; Kuhn, 1978). Nenhum trabalhador intelectual está fora desse processo, nem os que trabalham em grupos de pesquisas, em redes nacionais e internacionais, nem mesmo aquele que trabalha sozinho e muito menos os que trabalham para os governos. É por meio da práxis intelectual que

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utilizamos conceitos produzidos e produzimos outros, ao adentrarmos nos territórios das teorias conduzidos pelo método. A discussão sobre os conceitos tem um papel importante dentro do debate paradigmático, porque trazem à luz as intencionalidades dos pensadores e revelam suas posições políticas. Um exemplo que trabalhamos neste artigo são os conceitos de campesinato e agricultura familiar. Lembrando da afirmação feita na introdução deste artigo, optamos pelo diálogo, para promover o debate para melhor compreensão das razões que levam a teoria e a política a promoverem diferentes modelos de desenvolvimento. Debater significa ter uma posição definida nos territórios imateriais formados pelos paradigmas. Estes são formados por teorias ou pensamentos referências organizados em correntes teóricas, que são interpretações dos fatos, o que implica necessariamente ter uma postura política diante dos mesmos. A primeira vez que manifestamos nosso entendimento sobre o debate paradigmático na forma de texto foi em Carvalho, 2005, p. 23-5, onde apresentamos as primeiras ideias de paradigmas. As teses recentes de Felício, 2011, Campos 2012 e Camacho, 2013, são contribuições fundamentais para o avanço dessa iniciativa inaugurada há quase uma década, com o objetivo de mais bem analisarmos os pensamentos, as políticas e os territórios que são produzidos pelas ações de diferentes instituições no desenvolvimento da agricultura. O debate paradigmático explicita a disputa de paradigmas que se utilizam do embate das ideias, dos campos de disputas, por meio de relações de poder, para defender e ou impor diferentes intenções que determinam seus modelos interpretativos. Os paradigmas representam interesses e ideologias, desejos e determinações, que se materializam por meio de políticas públicas nos territórios de acordo com as pretensões das classes sociais. Por intermédio do recurso paradigmático, os cientistas interpretam as realidades e procuram explicá-las. Para tanto, eles selecionam um conjunto de constituintes como, por exemplo: elementos, componentes, variáveis, recursos, indicadores, dados, informações etc., de acordo com suas perspectivas e suas histórias, definindo politicamente os resultados que querem demonstrar. Evidente que sempre respeitando a coerência e o rigor teórico-metodológico. Nas leituras sobre o desenvolvimento e as transformações da agricultura, nos detemos nos problemas e soluções criadas pelas relações

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sociais na produção de diferentes espaços e territórios. Estas leituras paradigmáticas têm influências na elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento da agricultura, definindo a aplicação de recursos em determinadas regiões, territórios, setores, culturas, instituições etc. Por essa razão, conhecer o movimento paradigmático que vai da construção da interpretação à execução da política é fundamental. Tomamos como ponto de partida dois paradigmas para representar as posturas das diversas instituições, como os governos em diferentes escalas: federal, estadual e municipal, as corporações do agronegócio nacional e multinacional e dos vários movimentos camponeses. O paradigma da questão agrária tem como ponto de partida as lutas de classes para explicar as disputas territoriais e suas conflitualidades na defesa de modelos de desenvolvimento que viabilizem a autonomia dos camponeses. Entende que os problemas agrários fazem parte da estrutura do capitalismo, de modo que a luta contra o capitalismo é a perspectiva de construção de outra sociedade (Fernandes, 2008; Fernandes, 2009). O paradigma da questão agrária está disposto em duas tendências: a proletarista que tem como ênfase as relações capital trabalho e a campesinista que tem como ênfase as relações sociais camponesas e seu enfrentamento com o capital. Para o paradigma do capitalismo agrário, as desigualdades geradas pelas relações capitalistas são um problema conjuntural e pode ser superado por meio de políticas que possibilitem a “integração” do campesinato ou “agricultor de base familiar” ao mercado capitalista. Nessa lógica, campesinato e capital compõem um mesmo espaço político fazendo parte de uma totalidade (sociedade capitalista) que não os diferencia, porque a luta de classes não é elemento desse paradigma. (Abramovay, 1992). Esse paradigma possui duas vertentes, a tendência da agricultura familiar que acredita na integração ao capital e a vertente do agronegócio que vê a agricultura familiar como residual. Em síntese, para o paradigma da questão agrária, o problema está no capitalismo e para o paradigma do capitalismo agrário, o problema está no campesinato. No Brasil, esses paradigmas têm contribuído para a elaboração de distintas leituras sobre o campo brasileiro realizadas pelas universidades, pelos governos, pelas empresas e organizações do agronegócio e pelos movimentos camponeses. Na atualidade, as organizações mais influentes do agronegócio são: a Associação Brasileira do Agronegócio - ABAG - e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA.

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Entre as organizações camponesas estão a Via Campesina, formada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA, Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, Movimento das Mulheres Camponesas e Comissão Pastoral da Terra - CPT; a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG e a Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar - FETRAF. O governo federal possui dois ministérios que tratam das políticas de desenvolvimento para o campo: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA - e o Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA. Entre as universidades mais influentes, destacamos: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, Universidade de São Paulo - USP, Universidade Estadual Paulista – UNESP e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. A análise do debate paradigmático também contribui para uma postura crítica em relação às atitudes dos governos. A partir das políticas de governos, por meio de seus documentos, podem-se ler suas tendências políticas e formular proposições para mudá-las. O paradigma do capitalismo agrário é hegemônico e o paradigma da questão agrária tem conseguido apenas denunciar a hegemonia. Em alguns eventos, tenho sido questionado sobre por que dois paradigmas? Respondo que nos parâmetros de minhas análises ainda não encontrei referências suficientes que possibilitassem pensar um terceiro paradigma. Todavia, recentemente na América Latina tem surgido novo debate sobre vivir bien e buen vivir. Vários estudiosos estão apresentando suas primeiras análises e perguntando se não estaria nascendo um novo paradigma não capitalista e contra hegemônico, como são os trabalhos organizados em Farah e Vasapollo, 2011, e Hidalgo e Fernandez, 2012. Essas questões estão colocadas e estudos futuros com certeza contribuirão para se conhecer como acontecerá a superação da hegemonia. A questão agrária de Kautsky, 1986, é a principal obra teórica de referência e que inaugura o paradigma da questão agrária. Nesse livro são analisados elementos como, por exemplo: a produção renda da terra, a concentração da renda e da terra, a industrialização da agricultura e o papel das ciências e da construção do conhecimento para a geração de tecnologias. Shanin, 1983 e Shanin, 1990; Houtart e Wen, 2013, são referências do desenvolvimento do pensamento desse paradigma que mantém a questão da existência do campesinato como ponto central na

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luta contra o capitalismo para garantir sua existência. Na América Latina há inúmeros exemplos de trabalhos elaborados a partir do paradigma da questão agrária e uma referência pode ser vista na coletânea organizada por Fernandes, 2008. Em sua obra, Kautsky discute o fim do campesinato como uma possibilidade frente ao processo de destruição do trabalho familiar e aumento do trabalho assalariado. O problema do fim do campesinato apontado por Kautsky, quando publicou seu livro em 1899, refere-se à destruição física de uma classe social, o campesinato, que se transforma em outra classe social com o assalariamento. Enquanto o camponês é subordinado formalmente por meio da renda capitalizada da terra, o assalariando é subordinado totalmente por meio do assalariamento. A obra O fim do campesinato de Mendras, 1992 é a principal obra teórica de referência que estabelece o paradigma do capitalismo agrário. Nesse livro, o autor analisa as mudanças que ocorreram pós segunda guerra mundial e destaca a intensificação da relação entre produtores familiares e as corporações capitalistas. Se para Kautsky essa relação provoca a destruição do campesinato, para Mendras ocorreu a eliminação de uma relação milenar em que o campesinato tradicional deixou de existir e cedeu lugar a um novo tipo de produtor familiar. Seguindo essa visão, os trabalhos de Lamarche, 1993, e Lamarche, 1998, analisaram o campesinato na França, Polônia, Canadá, Tunísia e Brasil e procurou demonstrar as diferenças entre camponeses e agricultores familiares por meio do grau de relação com o capital. A tese de Abramovay, 1992, estudou o desenvolvimento do capitalismo, tomando como referência as realidades de países ricos. Nesse contexto, com a consolidação das estruturas nacionais de mercado, o campesinato não conseguiria sobreviver no capitalismo por sua incompatibilidade com esses ambientes econômicos onde se realizam relações mercantis. Essas estruturas destruiriam a personalização dos laços sociais, levando consigo o próprio caráter camponês da organização social (Abramovay, 1992, p. 117). Segundo o autor, a pobreza do campesinato é uma das bases sociais em que se apoiam os mercados incompletos. “O capitalismo é por definição avesso a qualquer tipo de sociedade e de culturas parciais” (Abramovay, 1992, p. 125 e 129). Todavia, nesse estágio do desenvolvimento do capitalismo aconteceria um processo de integração plena. Com base na realidade dos camponeses do Sul do Brasil, Abramovay afirma:

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[...] integram-se plenamente a essas estruturas nacionais de mercado, transformam não só sua base técnica, mas sobretudo o círculo social em que se reproduzem e metamorfoseiam-se numa nova categoria social: de camponeses tornam-se agricultores profissionais. Aquilo que era antes de tudo um modo de vida converte-se numa profissão, numa forma de trabalho. O mercado adquire a fisionomia impessoal com que se apresenta aos produtores numa sociedade capitalista. Os laços comunitários perdem seu atributo de condição básica para a reprodução material. Os códigos sociais partilhados não possuem mais as determinações locais, por onde a conduta dos indivíduos se pautava pelas relações de pessoa a pessoa. Da mesma forma, a inserção do agricultor na divisão do trabalho corresponde à maneira como os indivíduos se socializam na sociedade burguesa: a competição e a eficiência convertem-se em normas e condições da reprodução social. [...] O ambiente no qual se desenvolve a agricultura familiar contemporânea é exatamente aquele que vai asfixiar o camponês, obrigá-lo a se despojar de suas características constitutivas, minar as bases objetivas e simbólicas de sua reprodução social. [...] Aí reside então a utilidade de uma definição precisa e especifica de camponês. Sem ela é impossível entender o paradoxo de um sistema econômico que, ao mesmo tempo em que aniquila irremediavelmente a produção camponesa, ergue a agricultura familiar como sua principal base social de desenvolvimento (Abramovay, 1992, p. 126-7).

Essa é uma diferença importante. Enquanto para o paradigma da questão agrária, a diferenciação gera a subalternidade e a destruição do campesinato no capitalismo, para o paradigma do capitalismo agrário, a diferenciação produz uma metamorfose em que o camponês ao se integrar ao mercado capitalista transforma-se em agricultor familiar. Se para o paradigma da questão agrária a relação do campesinato com o capitalismo pode gerar a morte do camponês, para o paradigma do capitalismo agrário essa relação pode salvá-lo. Para o paradigma do Capitalismo Agrário a permanência ou fim do campesinato é uma questão conjuntural, porque depende de uma mudança na conjuntura socioeconômica determinada pelo desenvolvimento do capitalismo. Segundo Abramovay, 1992, em um determinado estágio, o capital cria relações mercantis que aniquila um modo de vida que não se adequaria ao capitalismo. Entretanto, ocorre uma metamorfose e esse modo de vida

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vira uma profissão. Logo, entende-se que o camponês por não ser um agricultor profissional, é asfixiado pelo desenvolvimento do capitalismo e então, para sobreviver, ele precisa se converter em agricultor familiar. A integração plena a um mercado completo que possui fisionomia impessoal define o processo em que o camponês adentra o mundo moderno do capital. Diferentemente do paradigma da Questão Agrária em que o camponês é um sujeito subalterno que resiste ao capital, no paradigma do Capitalismo Agrário o camponês é um objeto em sua plenitude, a ponto de sofrer uma metamorfose para se adequar à nova realidade em formação. O paradigma do capitalismo agrário tem determinado as políticas de governo que procura atender uma parte dos camponeses ou agricultores familiares que estão integrados ou subordinados ao modelo capitalista de desenvolvimento da agricultura. A Organização das Nações Unidas declarou 2014 o ano da agricultura familiar. Essa será mais uma oportunidade para debatermos se há de fato diferenças entre agricultura familiar e agricultura camponesa e compreender as suas intencionalidades. Agricultura camponesa/agricultura familiar Foi na conjuntura neoliberal dos anos 1990 que surgiu, no Brasil, o conceito de agricultura familiar como moderno em oposição ao conceito de camponês como atrasado, como pode ser analisado nas obras de Abramovay, 1992; Lamarche, 1993; Lamarche, 1998. Essa é uma das fortes expressões do debate paradigmático por refletir a leitura sobre o sujeito, redefinindo categorias de análise. Depois da controvertida morte física do campesinato pela vertente proletarista nos estudos do paradigma da questão agrária, surgiu a vertente da agricultura familiar nos estudos do paradigma do capitalismo agrário com a morte ideológica do camponês. O surgimento do conceito de agricultura familiar impactou a realidade de forma ostensiva, criando políticas públicas, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura familiar (PRONAF) e um movimento socioterritorial nacional: Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF). Outros dois fatos que corroboram a ofensiva desse conceito são: 1) a Lei Nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabeleceu “as diretrizes para a formulação da Política Nacional

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da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais”, e 2) o Censo Agropecuário 2006 que, pela primeira vez, publicou uma edição especial destacando a produção da agricultura familiar brasileira em relação à produção não familiar (agronegócio). Mas essa separação da produção não significou um entendimento das diferenças das relações sociais familiares (não capitalista) e capitalista. Para os coletivos de pensamento do paradigma do capitalismo agrário, a agricultura familiar é parte do agronegócio. A dicotomia entre o conceito de agricultura familiar como moderno ao conceito de camponês como atrasado ainda é muito forte no imaginário acadêmico e social. Quantas vezes ouvi em eventos científicos que o conceito de camponês estava ultrapassado e que o conceito de agricultura familiar era o mais adequado. Muitos faziam e fazem essa afirmação apenas porque leu alguma referência do paradigma do capitalismo agrário, mas sem se perguntar qual a razão dessas ideias. Com o objetivo de superar essa dicotomia, começamos a trabalhar sobre esse tema na segunda metade da década de 1990 e os resultados primários de nossas primeiras reflexões estão publicados em Fernandes, 2001. O pensamento que separa o campesinato da agricultura familiar ignora as lutas camponesas de resistência ao capital e defendem a “integração” da agricultura familiar ao agronegócio. Não se encontra nos textos da tendência da agricultura familiar no paradigma do capitalismo agrário nenhum estudo sobre a resistência camponesa, nem mesmo quando esses se referem ao campesinato, pois a destruição do campesinato ou a sua metamorfose em agricultor familiar é compreendida como única possibilidade. O conceito de agricultura familiar no Brasil surgiu na mesma época em que nasceu a Via Campesina e os movimentos camponeses que se articularam na Via, como o MST, MPA e MAB não adotaram o conceito de agricultura familiar em seus documentos, enquanto que outros movimentos camponeses como a CONTAG e a FETRAF o adotaram. Outras organizações passaram a utilizar o termo agricultura familiar camponesa, como a Comissão Pastoral da Terra. Martins, 1981, p. 21 e 22, no clássico Os camponeses e a política no Brasil, afirma que a palavra campesinato é “importação política”, dá exemplos de denominações próprias como caipira, caiçara, caboclo entre outros para concluir que camponês e latifundiário não são meras palavras e que explicitam confrontos entre classes sociais. Vinte

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anos depois, Martins, 2000, p. 45, escreveu que quando se refere ao campesinato está pensando no agricultor familiar. Também em Martins, 1981, p. 117, o autor afirma que “já não há como fazer para que a luta pela terra não seja uma luta contra o capital, contra a expropriação e a exploração que estão na sua essência”. Todavia, em Martins, 2000 ou em suas obras mais recentes, essa leitura não comparece. Essas mudanças podem ser mais bem compreendidas na faixa de sobreposição do debate paradigmático, em que a tendência agricultura familiar do paradigma do capitalismo agrário e a tendência campesinista do paradigma da questão agrária se encontram. Campesinato e agricultura familiar são um mesmo sujeito compreendido por diferentes conceitos, tendências e paradigmas, representados pelas leituras que se fazem da agricultura não capitalista e suas relações com a agricultura capitalista. A importância dessa discussão pode ser destacada no debate promovido pelo Movimento dos Pequenos Agricultores com vários intelectuais do paradigma da questão agrária, que resultou no livro O campesinato no século XXI (Carvalho, 2005). Esse trabalho foi ampliado com a elaboração do projeto História Social do Campesinato, numa atividade conjunta com a Via Campesina, que resultou em uma coleção de nove volumes, coordenada por Horácio Martins de Carvalho, Márcia Motta e Paulo zarth. Essa coleção procurou recuperar a memória da história camponesa, em um momento em que se tentou aniquilar o conceito. Na apresentação do primeiro volume há uma ampla reflexão sobre como os estudiosos entendem o campesinato e é um excelente exemplo para o debate paradigmático. Essa discussão não é exclusiva do Brasil, há outros esforços sobre a conceitualização e reconceitualização de campesinato, como o livro Defining Peasants (Shanin, 1990) e Reconceptualizing the Peasantry (Kearney, 1996). Também, podem-se encontrar vários estudos sobre o campesinato no mundo, no Journal of Peasant Studies e até mesmo na América Latina, em que políticas governamentais utilizam cada vez mais o conceito de agricultura familiar, colocando o conceito de campesino em segundo plano. Considerações finais A discussão sobre os conceitos de agricultura familiar e camponesa tem um papel importante no debate paradigmático porque reflete sobre

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as possibilidades de existência do campesinato e sua importância para a soberania alimentar. Traz à luz as intencionalidades dos pensadores e revelam suas posições sobre o modelo de desenvolvimento que defendem. Esse tema está associado ao debate sobre desenvolvimento territorial e conflitualidades, onde se pensa quais os caminhos do campesinato na hegemonia do agronegócio. A agricultura familiar é vista como parte dos sistemas agrícola e pecuário do complexo de sistemas do agronegócio, onde sua relação sempre é subordinada, embora seja chamada de integração. A questão que o debate coloca é: a agricultura camponesa pode se desenvolver na luta contra o capital, a partir de seu próprio modelo de desenvolvimento, aprimorar seu conjunto de sistema a partir de sua lógica produtiva ou somente de forma subordinada ao capital. Evidente que se a condição de enfrentamento for ampliada, as relações de subalternidade ainda continuarão e por essa razão o conceito de conflitualidade é importante para entender as disputas territoriais e por modelos de desenvolvimento. A produção de alimentos não pode ser monopólio do agronegócio. O direito à comida e o direito de produzir alimentos está entre as principais lutas contra a hegemonia do agronegócio. Superar a dicotomia entre agricultura camponesa e agricultor familiar é fundamental para a compreensão da luta camponesa contra o capital, afinal, em toda sua existência, o camponês sempre foi agricultor familiar. O sentido da dicotomia é de enfraquecimento político na luta de classes. Bernardo Mançano Fernandes - Coordenador da Cátedra Unesco de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe, do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI/UNESP).

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CApÍtuLo 8. GeopoLÍtiCA inDÍGenA. entreCruZAmiento De SoBerAnÍAS Frente A LoS proCeSoS De inteGrACiÓn reGionAL1 JAIME PRECIADO Y PABLO UC

Introducción

E

n este trabajo exploratorio tenemos como objetivo identificar los principales rasgos de la emergente geopolítica indígena en América Latina, mediante la generación de contra-espacios derivados de la revitalización de los tejidos comunitarios, la creación de organizaciones, alianzas y estrategias de negociación que han conducido a una creciente consolidación y legitimación del poder territorial indígena, originario y campesino, frente a las estructuras de poder dominantes. Por otro lado, nos enfocamos en identificar algunas de las principales tensiones derivadas de las pugnas y resistencias entre las espacialidades emergentes (reivindicativas en muchos casos de la defensa y autodeterminación sobre la conservación o usufructo de la naturaleza) y las de los proyectos dominantes expresadas en los mecanismos de integración regional y las relaciones interestatales de América Latina. La producción de espacios multi-escalares derivados de las más recientes alianzas en la geopolítica indígena continental, así como su dinámica de expansión-contracción en la producción de organizaciones trans-locales, regionales y continentales, ha significado también una creciente tensión con las proyecciones geoeconómicas de los Estados

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nacionales y el capital transnacional y paraestatal. Desde la perspectiva indígena, ello ha implicado una capacidad efectiva para resistir, reorientar, negociar o revertir sus definiciones de soberanía, desde prácticas de autonomía y autodeterminación no estatales, hasta la modificación de la institucionalidad estatal ‘desde dentro’ orientadas a la construcción de regímenes plurinacionales. La geopolítica indígena originaria ha tenido una importante incidencia en los regímenes internacionales y constitucionales, la propuesta de agendas con perspectivas micro y macro que cuestionan la proyección dominante sobre el desarrollo a partir de las nociones de un nuevo equilibrio en las relaciones naturaleza-sociedad (Buen Vivir, Vivir Bien). El entrecruzamiento de estas espacialidades (dominantes y subalternas) ha derivado en una creciente cantidad de territorios en pugna, donde la idea de integración impulsada por las más recientes dinámicas capitalistas de la estatalidad en América Latina, las relaciones intergubernamentales entre los proyectos neoliberales, progresistas o incluso los denominados “postneoliberales”, han encontrado una fuerte resistencia por parte de los pueblos indígenas y sus alianzas con otras organizaciones populares de las sociedad civil. La idea de una integración regional autónoma para América Latina y el Caribe requiere considerar las paradojas de las agendas neo-desarrollistas de los esquemas de integración, los estragos del intenso neo-extractivismo, la implacable ampliación de la frontera agrícola y el monocultivo orientado a la commoditización del alimento. Así como las consecuencias de la apuesta “incondicional” de los proyectos de interconexión energética, de infraestructura para agilizar los medios y espacios de transporte de los recursos naturales destinados a la reproducción de capital internacional, como ocurre con la Iniciativa para la Integración de la Infraestructura Regional Sudamericana (IIRSA) del Consejo Suramericano de Infraestructura y Planeamiento (COSIPLAN) de la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR), o con el Proyecto Mesoamérica (antes Plan Puebla Panamá). La commoditización de los recursos naturales, el territorio, los ecosistemas y sus comunidades, se ha convertido en una sistemática dinámica de despojo impulsada por estos proyectos, que han terminado por dinamizar la resistencia constitutiva de la geopolítica indígena originaria. Esta tensión entre proyectos civilizatorios y soberanías territoriales demanda una reflexión crítica sobre la dimensión de los procesos de integración

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regional que, si bien han sido una línea neurálgica en los últimos años para generar una autonomía regional frente al imperialismo estadounidense y la estructura de dependencia y endeudamiento con el capital y las instituciones internacionales, han acelerado violentos procesos de acumulación por desposesión. La posibilidad de construir y consolidar procesos plurinacionales en la región, que ha sido una importante plataforma de encuentro negociado entre las estructuras dominantes y los pueblos indígenas, originarios y afrodescendientes en América Latina, se ha sustentado en la consulta y concertación de los proyectos de explotación y el derecho a otorgar al entorno natural un espacio de jurisdicción. Evaluar estas tensiones, resulta fundamental para interpretar el contemporáneo escenario geopolítico latinoamericano y vislumbrar alternativas. El trabajo está organizado en tres apartados. En el primero desarrollamos una esquemática revisión sobre la espacialidad de los pueblos indígenas originarios en la región latinoamericana, expresada en su presencia demográfica, las paradojas de la medición poblacional y los censos, las presencias lingüísticas y las alternativas de un ‘ordenamiento’ territorial basado en áreas geoculturales indígenas más allá de los Estados nacionales. En el segundo apartado desarrollamos algunas de las principales características de la geopolítica indígena, mediante la identificación de la producción histórica de organizaciones, luchas reivindicativas expresadas en alianzas y territorialidades contra-hegemónicas. En el tercer apartado desarrollamos un sucinto balance sobre las violentas contradicciones generadas por la territorialidad de algunos de los proyectos de integración regional latinoamericana frente a la territorialidad indígena, expresada en una tensa conflictividad derivada de proyectos de integración de infraestructura, carreteras, corredores eólicos, etc. contenidos en la proyección de iniciativas como la IIRSA y el Proyecto Mesoamérica. Finalmente se presentan algunas conclusiones. Pueblos indígenas originarios en América Latina: espacios, territorios, demografía y soberanías otras La producción de espacios, alianzas y proyectos contra-hegemónicos se definen por la capacidad de ocupar y construir espacios otros, en los cuales se producen alteridades políticas y culturales. La cualidad de estos contra-espacios está determinada por la orientación de las agendas

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estratégicas de los actores y su capacidad para ejercer presión y tener presencia en el escenario político. En este sentido, es importante hacer un sintético balance sobre la presencia demográfica, el “ordenamiento” geográfico, político y cultural, y las paradojas en torno a la población indígena originaria y afrodescendiente en América Latina, de acuerdo a los factores lingüísticos e identitarios redefinidos por los criterios de auto-adscripción. Los criterios para el ordenamiento de la geografía latinoamericana y los censos de población (histórica herramienta de control colonial), suelen expresar el espacio-tiempo dominante de los Estados nacionales. No obstante, redibujar el mapa de acuerdo con las geografías culturales permite identificar el entre-cruzamiento de territorialidades, su abigarramiento y el escenario de tensiones y encuentros entre los diversos proyectos regionales en la región. De acuerdo con el Atlas sociolingüístico de la UNICEF2, es posible reconocer diez áreas geoculturales definidas por el reconocimiento de los espacios de desarrollo histórico de los pueblos originarios, con el fin de “liberar nuestra visión de estrechos corsés creados por los estados, que han subordinado a ‘sus’ proyectos nacionales la comprensión de sus pueblos indígenas” (Sichra, et. Al., 2009:5). Los territorios nacionales están yuxtapuestos, en el caso de casi todos los países latinoamericanos, por varias regiones culturales, entre los que se destaca, por ejemplo, el caso de Colombia que alberga cinco áreas geoculturales, o el del Brasil amazónico que alberga cuatro subregiones geoculturales. Las áreas consideradas por la investigación de la UNICEF son las siguientes:

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Cuadro 1 Distribución de pueblos y países en las áreas geoculturales de América Latina ÁREAS

PUEBLOS

PAÍSES

Patagonia e Isla de Pascua

9

Argentina, Chile

Chaco ampliado

25

Argentina, Paraguay, Bolivia, mención Uruguay

Amazonía

247

Brasil, Bolivia, Perú, Ecuador, Colombia, Venezuela, Guyana, Surinam, Guyana Francesa

Orinoquía

34

Colombia, Venezuela

Andes

24

Argentina, Bolivia Chile, Perú, Ecuador, Colombia, Venezuela, Guyana, Surinam, Guyana Francesa.

Llanura costera del Pacífico

5

Ecuador y Colombia

Caribe Continental

16

Panamá, Colombia, Venezuela

Baja Centroamérica

23

Panamá, Costa Rica, Nicaragua, Honduras, El Salvador

Mesoamérica

61

Guatemala, México, Belice

Osisamérica

18

México BRASIL AMAZÓNICO

Sudeste de Brasil

7

Brasil

Sur de Brasil

2

Brasil

Centro-Oeste de Brasil

10

Brasil

Noreste de Brasil

38

Brasil

Oriente Boliviano

3

CHACO BOLIVIANO Bolivia

Fuente: Atlas sociolingüístico de pueblos indígenas en América Latina, UNICEF/FUNDPROEIB: Bolivia, 2009.

De acuerdo con el balance de la UNICEF, para finales de la primera década del siglo XXI se registran 522 pueblos indígenas originarios y 420 lenguas indígenas en uso, que se extienden desde la Patagonia y la Isla de Pascua hasta Oasisamérica en el norte de México, pasando por distintas áreas geográficas como el Chaco Ampliado, Amazonía, Orinoquia, Andes, Llanura Costera del Pacífico, Caribe Continental, Baja Centroamérica y Mesoamérica (ver cuadro 1). Brasil es el país con mayor diversidad de pueblos indígenas con 241 (que representa una población de 734.127

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personas). Le siguen Colombia con 83 pueblos (1.392.623 habitantes), México con 67 pueblos (9.504.184 personas) y Perú, con 43 pueblos indígenas distintos que alcanzan una población de 3.919.314 habitantes (Sichra, et. Al., 2009). Bolivia, Guatemala y Belice son los países en los que los pueblos indígenas originarios representan porcentajes más altos sobre la población total, con el 66,2%, el 39,9% y el 16,6% respectivamente. Mientras que en El Salvador, Brasil, Argentina, Costa Rica, Paraguay y Venezuela registran un bajo porcentaje de población indígena (entre 0,2% y 2,3%). En El Salvador se reconocen 3 pueblos indígenas (13.310 personas), en Belice 4 (38.562 habitantes) y en Surinam 5 (6.601 personas), mientras que en el Caribe insular, Antigua y Barbuda, Trinidad y Tobago, Dominica y Santa Lucía, existe poca información sobre la supervivencia de pueblos nativos, no obstante, se reconoce la trascendental presencia de los pueblos afrodescendientes y la presencia de lenguas criollas (creoles) y garífunas, con presencia en todo el Caribe Continental. En conjunto, México, Bolivia, Guatemala, Perú y Colombia reúnen al 87% de indígenas de América Latina y el Caribe, con una población que alcanza un máximo de 9.500.000 (México) y un mínimo de 1.300.000 habitantes (Colombia). Cabe señalar que contraria a la idea de ‘minoría étnica’, el Atlas Sociolingüístico destaca a los cinco pueblos indígenas que superan las cifras de millones que en orden decreciente son: Quechua, Nahua, Aymara, Maya yucateco y Ki’che’. Mientras que con poblaciones que oscilan entre los 500 mil y un millón destacan seis pueblos: los Mapuche, Maya qeqchí, Kaqchikel, Mam, Mixteco y Otomí (Sichra, et. Al., 2009: 13). De acuerdo con los censos oficiales elaborados entre 2000 y 2008 a los que recurren instituciones como la UNICEF o el PNUD, el total de población indígena identificada en América Latina es de 28.858.580 de un total de 479.824.248 personas, lo que supone un porcentaje total del 6,01% (véase cuadro 2). No obstante, de acuerdo con el Programa de Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD) el estándar de la población indígena en la región es del 10%, según estimaciones del año 2004, mientras que otras fuentes recurren a la cifra de 45 millones para identificar a la población indígena de todo el continente, que desborda precisamente la geografía de los Estados nacionales (Le Bot, 2013). En este sentido, cabe señalar que los criterios utilizados a nivel na-

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cional poseen perspectivas muy diversas generadas por conceptos y metodologías que expresan el enfoque político-ideológico utilizado por los censos de los países latinoamericanos, que terminan por determinar el “reconocimiento” o invisibilización de los pueblos originarios. El criterio más empleado en Latinoamérica para la elaboración de censos “nacionales” es el uso de una lengua indígena, aunque le preceden criterios sustentados en el ‘reconocimiento’ de quienes elaboran los censos, sustentados en la apariencia fenotípica, indumentarias, etc. que suelen recurrir a categorías etno-raciales como: blancos, indígenas, mestizos, negros (o en su defecto afrocolombianos, afrobrasileños, etc.). También se suele recurrir al criterio de la lengua materna, del territorio o de manera más reciente al criterio de la auto-adscripción (como ocurre en Brasil, Chile, Colombia y ahora en Bolivia). Lo cual no siempre resulta “objetivo” o pertinente para su instrumentalización política. En Bolivia, por ejemplo, la auto-identificación con algún “pueblo indígena” en el todo el país, llegó al 62% de la población en el censo del 2001, a pesar de que sólo el 49% de la población declaró hablar algún idioma indígena. “Esto revela que amplios estratos cholos y mestizos de las ciudades, aún si no hablaban ningún idioma nativo, se consideraban a sí mismos como indias/os” (Rivera, 2013:6). No obstante, en el censo de 2012, rediseñado bajo el nuevo gobierno indígena de Evo Morales y la constitución aprobada en 2009 - que reconoce a 36 naciones y nacionalidades indígenas-, la auto-identificación con un pueblo originario –sin la opción de identificación como mestizo- disminuyó del 62 al 41%. Por su parte, en Yucatán, México, cientos de miles hablantes del maya yucateco se consideran mestizos; en Paraguay ocho millones de habitantes hablan guaraní, pero sólo 120 mil se consideran indígenas guaranís; mientras que en la región andina millones de personas hablantes del quechua se consideran mestizos o cholos, para distinguirse de los grupos indígenas (Le Bot, 2013: 28). En el caso de Ecuador existe una enorme disparidad entre las cifras oficiales y las propias estimaciones indígenas. De acuerdo con el censo de 2001, basado en el criterio de la lengua, en el país había 582.542 indígenas y con el criterio “auto-identificación” 834.418, lo que daría un 4,3% y un 6,8% sobre la población total respectivamente. No obstante, la Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE) afirmó que en el país la proporción de indígenas es de 45% (Le Bot, 2013: 30).

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En el caso mexicano el censo del año 2000 recurrió a un doble criterio de auto-identificación: el etnorracial (con el que más de cinco millones se declararon indígenas) y el lingüístico (en el que más de seis millones declararon hablar una lengua indígena). Una disociación que revela un contexto racista en el que declararse indígena no es una autoafirmación identitaria mayoritaria en todas las regiones de dicho país. Cabe reconocer, en todo caso y atendiendo a las significativas diferencias entre cada uno de los países, que el desarrollo demográfico de las poblaciones indígenas se enfrenta a dos fenómenos: una aculturación creciente y una disminución relativa en la práctica de las lenguas originarias entre las generaciones más jóvenes; una emigración continua de las comunidades campesinas indígenas (Le Bot, 2013: 33). Cuadro 2 Población indígena en los 21 países de América Latina según los censos, conteos y encuestas nacionales entre 2000 y 2008 Total de la población indígena registrada en censos oficiales, conteos y encuestas nacionales

27.467.984

Categoría otros y sin especificar en los censos

1.390.596

Total de población indígena identificada

28.858.580

Total de población en América Latina

479.824.284

Porcentaje de población indígena identificada en AL

6,01%

Fuente: Atlas sociolingüístico de pueblos indígenas en América Latina, UNICEF/FUNDPROEIB: Bolivia, 2009.

Las consideraciones en torno a las áreas geoculturales, los criterios de medición de la población indígena originaria y la proporcionalidad demográfica distribuida en el espacio y los territorios latinoamericanos, expresan algunos referentes primarios para descifrar el sentido constitutivo de la geopolítica indígena originaria en la región. Geopolítica indígena: alianzas y producción de territorialidades contra-hegemónicas La práctica espacial indígena originaria constituye un discurso geopolítico conformado por prácticas y representaciones. Las primeras

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se expresan mediante la articulación de organizaciones inter-comunitarias locales, regionales, nacionales y transnacionales; agendas de movilización y repertorios estratégicos. Las representaciones se proyectan en mapas y cartografías políticas que redefinen territorialidades alternas a las hegemónicas o las reinterpretan; lenguajes y símbolos de resistencia que recuperan y crean imaginarios de “ancestralidad” orientados a la re-territorialización; lugares desespacializados por la territorialidad de los Estados nacionales que reaparece mediante cartografías de lucha y reconstitución de lazos identitarios transnacionales. Este es el caso de la concepción de la Abya Yala3, nombre otorgado por el pueblo tule kuna, asentado en la actual Panamá y el occidente de Colombia a la masa continental americana y que ha sido recuperado crecientemente por diversos pueblos originarios, organizaciones civiles, agencias informativas, proyectos académicos y editoriales, cumbres y encuentros continentales de diversos pueblos y nacionalidades indígenas, etc., para referirse al continente y convocar a una reinterpretación de la espacialidad dominante. La Abya Yala, además de convertirse en un referente otro de un espacio territorial constituye un espacio continuo de reunión post-nacional y de muchas maneras ha significado también, la capacidad de re-vincular la fragmentada idea del norte y el sur, en la medida en que se han acelerado los encuentros entre pueblos originarios de EEUU y Canadá con los de Latinoamérica. Por su parte, el Tawantinsuyu (las cuatro regiones del mundo en lengua quechua) es el símbolo y proyección geopolítica indígena más importante en la región andina y el cono sur latinoamericano. Constituye la reunión de los cuatro suyus o regiones que conformaron la expresión territorial más amplia del imperio incaico: el Chinchaysuyo, el Antisuyo, el Collasuyo y el Contisuyo, cuyo centro de reunión era el Cuzco. En los discursos indígenas emergentes durante la segunda mitad de siglo XX y sobre todo la última década, esta expresión se convirtió en un referente central para la reivindicación de la reconstitución territorial de territorios. Entendido como una agregación de espacios, territorios y sociedades, los suyus se constituyen a su vez por markas, y estas por ayllus. El Tawantinsuyu representa un contra-espacio que desborda la territorialidad de Chile, Perú, Bolivia, Ecuador y Colombia, y moviliza la proyección de las alianzas, estrategias y un entendimiento específico de integración entre los pueblos indígenas.

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Uno de los símbolos fundamentales que han permitido re interpretar la filosofía, ciencia y cosmovisión andina, trascendental para los pueblos indígenas originarios, ha sido la Tawa Paqa o Tawa Chakana, conocida vulgarmente como Cruz Andina. Además de la profundidad alcanzada por recientes estudios4, este símbolo ha conducido a una reinterpretación profunda de la memoria, la historia y la capacidad de los pueblos andinos para constituir una base de valores que condicionan la idea de integración, sustentada en la idea de dualidad, reciprocidad, complementariedad y equilibrio justo (Lajo, 2006). Imagen 1 Interpretaciones simbólicas, matemáticas y espaciales de la Tawa Chakana

Fuente: Tomado del sitio web: [http://www.integralworld.net/piacenza5.html].

En Bolivia, la creación del Pacto de Unidad ha generado una convergencia de representaciones y mitos con fundamento espacial, orientadas a la reconstitución territorial, que actúan como heterotopías movilizadoras. En el altiplano, la reconstitución del Qullasuyu como parte

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de la proyección geopolítica del Tawantinsuyu; en el oriente amazónico la búsqueda de la Loma Santa y en el chaco guaraní de la Tierra Sin Mal, representaciones que además impulsan la reconstitución de una territorialidad transregional y transnacional guaraní. Otro ejemplo importante lo constituyen los caracoles zapatistas, creados en 2003 en Chiapas, México. Los caracoles son las zonas rebeldes autónomas creadas por las comunidades de base zapatista (antes conocidas como Aguascalientes) tras la radicalización de autonomía no estatal. Son coordinadas mediante Juntas de Buen Gobierno y organizan en cinco zonas a los 29 Municipios Autónomos Rebeldes zapatistas (MAREz). Por un lado, la territorialidad rebelde zapatista se sobrepone y cruza con la territorialidad de los municipios oficiales del gobierno mexicano, que termina por representar una geografía dual. Por otro lado, la imagen del caracol constituye un referente de ordenamiento espacio-temporal de origen maya que simboliza formas de articular poder político territorial bajo una lógica no lineal, que pone en práctica la horizontalidad del autogobierno y la autodeterminación abierta al origen (memoria) y el porvenir (potencialidad) de manera paralela. La geopolítica zapatista parece reordenar el territorio en la lógica de un espiral simbólico y estratégico (Mapa 1). En este sentido, el acto de recuperar o renombrar constituye parte de la geopolítica latente en términos de transformación, como ocurre con el re nombramiento de los cinco caracoles zapatistas: • Caracol de La Realidad: “Madre de los caracoles, mar de nuestros sueños”; • Caracol de Oventik: “Resistencia y rebeldía por la humanidad”; • Caracol de La Garrucha: “Resistencia hacia un nuevo amanecer”; • Caracol Morelia: “Torbellino de nuestras palabras”; • Caracol Roberto Barrios: “Que habla para todos”.

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Mapa 1 Caracoles zapatistas

Fuente: Centro de Documentación sobre zapatismo [http://www.cedoz.org] (El trazo de la espiral es de los autores).

Otra expresión fundamental de contra-espacialidad la constituye la nación mapuche: Wall Mapu (país mapuche), constituida a su vez por dos parcialidades: Ngulu Mapu (tierra del oeste) y Puel Mapu (tierra del este). El territorio mapuche se despliega en la región austral del cono sur latinoamericano, desbordando el espacio territorial del sur de Chile y Argentina. El imaginario histórico de la resistencia mapuche contra el imperio inca, el imperio español y las políticas de anexión territorial de las repúblicas de Chile y Argentina (Pacificación de la Araucanía y Conquista del Desierto, respectivamente), se ha reflejado en la fuerte identidad y una reivindicación territorial expresada en sus cartografías y símbolos. Una de las características del pueblo mapuche ha sido su descentralización y autonomía. No obstante, su proceso histórico de resistencia ha derivado en una trascendente unificación organizada de la nación mapuche, por lo que a pesar de la existencia de diversas banderas, el Aukin Wallmapu Ngulam o ‘Consejo de Todas las Tierras’, en 1992 adoptó una bandera común: la Wenufoye (‘Canelo del cielo’).

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Mapa 2 Representación cartográfica de Wall Mapu

Fuente: Tomado del sitio web: [http://entun.bligoo.com/content/view/610369/ Para-que-vayamos-cachando-La-Historia-NO-contada-del-Pueblo-Mapuche.html#. U1BUsfTuKuI].

La imaginación geopolítica de resistencia permite construir “contra-espacios en los que las representaciones oficiales del espacio territorial y sus contenidos se cuestionan, reflejando las prácticas espaciales de las fuerzas contra-hegemónicas” (Cairo, 2005: 324). Etapas y ciclos del movimiento indígena Es posible reconocer varias etapas en la formación de organizaciones indígenas (Le Bot, 2013: 40-41; Stavenhagen, 2010). Suele identificarse a la década de 1960 como el referente de surgimiento de los movimientos indígenas, marcado por la creación de la Federación Shuar en la Amazonía ecuatoriana; el Consejo regional Indígena del Cauca (Colombia); el auge del katarismo en Bolivia y en 1974 el Primer Congreso indígena en Chiapas, México. La Unión Nacional de Indios del Brasil (UNI) jugó un

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rol relevante en las discusiones de la nueva constitución de Brasil en 1988 y la Organización Nacional Indígena de Colombia (ONIC) en el proceso constitucional de 1991. Mientras que a Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE) al organizar dos masivos levantamientos indígenas que paralizaron el Ecuador en 1990 y 1993, obligó al gobierno nacional a negociar con los pueblos indígenas (Stavenhagen, 2010). Es imprescindible reconocer, por su parte, el papel articulador que jugó la “Campaña Continental 500 años de resistencia indígena, negra y popular”, cuya convocatoria experimentó diversas formas de apropiación entre los movimientos y foros indígenas de América Latina. En todos los casos, sin embargo, significó un referente crítico ante los proyectos de celebración del V centenario del descubrimiento de América impulsado por los gobiernos iberoamericanos, y re significado como un proyecto continental de resistencia. La relación entre las categorías de nación, poder popular, pueblo, movimiento indígena y territorio, se transformaron y conllevaron a una reorientación de los horizontes de demandas emancipatorios, proyectos de país y capacidades concretas para la construcción de relaciones políticas y de resistencia entre pueblos, más allá de las acotaciones del Estado nación. En este contexto la Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE), la Organización Nacional Indígena de Colombia (ONIC) y el South and Meso American Indian Righs Center (SAIIC) convocaron en 1990 a la Primera Cumbre Continental de Pueblos Indígenas, en Quito, Ecuador. El II Encuentro Continental de Pueblos Indígenas fue organizado por el Frente Independiente de Pueblos Indios (FIPI) y la Coordinadora de Organizaciones y Naciones Indígenas del Continente (CONIC), integrado por organizaciones y naciones de EEUU, México, Centroamérica y del Cono Sur, y fue celebrado en el Centro Ceremonial Otomi en el estado de México, durante la segunda semana de octubre de 1993. En el contexto de la llegada al poder presidencial de Bolivia de Evo Morales en 2006, se convocó al “Primer Encuentro Continental de pueblos y nacionalidades indígenas del Abya Yala: De la resistencia al poder” en La Paz, Bolivia, en 2006. Mientras que en marzo de 2007 se realizó la “III Cumbre Continental de Pueblos y Nacionalidades Indígenas de Abya Yala. De la resistencia al poder”, en Iximche’ Tecpán, Guatemala, en marzo de 2007. Por su parte, la “IV Cumbre Continental de los Pueblos originarios

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Indígenas de Abya Yala” se realizó en Puno, Perú, en 2009. Finalmente, la V Cumbre, más reciente, se celebró en el Cauca, Colombia en 2013. Alianzas y organizaciones indígenas originarias en América Latina En un trabajo anterior (Preciado y Uc, 2010) consideramos que la práctica espacial indígena originaria y afrodescendiente, entendida como una expresión de resistencia geopolítica generadora de contra-espacios, se expresa en una estrategia etnonacionalista que afirma la propia cultura originaria para reivindicar ‘territorialidades ancestrales’. Esto conlleva a la legitimación de símbolos, espacios, lenguajes y prácticas concretas con las cuales se han re-articulado las sociedades indígenas en organizaciones translocales y regionales que desbordan (o re-utilizan estratégicamente) los límites o fronteras dominantes de la geografía colonial o de los Estados nacionales modernos (cantones, municipios, provincias, Estados, etc.). También consideramos una estrategia panindianista, que afirma la comunidad de los excluidos por la colonización, y desarrolla una estrategia de desterritorialización de los actuales Estados poscoloniales (Cairo, 2005). Este panindianismo constituye la base sobre de alianzas translocales, transregionales, trasnancionales indígenas. Entre las principales alianzas translocales, “dentro”de los territorios nacionales podemos considerar:







La Confederación de las Nacionalidades y Pueblos Kichwas del Ecuador (ECUARUNARI). Constituida en junio de 1972 con el objetivo de propiciar dentro de la población indígena la toma de conciencia para lograr una recuperación social, económica y política. Está integrada por catorce pueblos kichwas y cuenta con trece organizaciones regionales. La Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE), que ha estado a la vanguardia de esas actividades políticas, organizando varios grandes “levantamientos” indígenas pacíficos en Ecuador, en 1990, 1993 y 1999. La Organización Nacional Indígena de Colombia (ONIC). Constituida en 1982. Desarrolla los principios de Unidad, Territorio, Cultura y Autonomía. Apoya el empoderamiento y el fortalecimiento del ejercicio de los derechos colectivos; aporta a la construcción de una sociedad democrática. Ejes estratégicos de la CAOI.

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• •































El Consejo Nacional de Ayllus y Markas del Qullasuyu (CONAMAQ) de Bolivia. La Confederación Sindical única de Trabajadores Campesinos de Bolivia (CSUTCB). La Confederación Nacional de Mujeres Campesinas de Bolivia – Bartolina Sisa (FNMC-BS). La Confederación Sindical de Comunidades Interculturales de Bolivia (CSCIB). La Confederación de Pueblos y Comunidades Indígenas de Bolivia (CIDOB), que reúne a su vez ocho organizaciones subregionales de tierras bajas amazónicas orientales: » CIRABO: Central Indígena de la Región Amazónica » CPIB: Central de Pueblos Indígenas del Beni. » APG: Asamblea del Pueblo Guaraní. » CPESC: Central de Pueblos Étnicos de Santa Cruz. » ORCAWETA: Organización de Capitanías Weehnayek. » CPITCO: Central de Pueblos Indígenas de Cochabamba. » CPILAP: Central de Pueblos Indígenas de La Paz. » CIPOAP: Central Indígena de Pueblos Originarios de la Amazonía de Pando. » COPNAG: Central Organizativa de los Pueblos Nativos Guarayo La Confederación Nacional de Comunidades del Perú Afectadas por la Minería (CONACAMI). La Coordinadora de Identidades Territoriales Mapuche (CITEM) de Chile. La Organización Nacional Indígena de Colombia (ONIC). El Consejo Regional Indígena del Cauca (CRIC), en Colombia. La Confederación Campesina del Perú (CCP). La Confederación Nacional Agraria de Perú (CNA). La Unión de Nacionalidades Aymaras (UNCA), en Perú. La Federación de Mujeres de Yauli (FEMUCAY), en Perú. La Asociación Nacional de Maestros de Educación Bilingüe Intercultural (ANAMEBI), en Perú. El Consejo de Productores Alpaqueros del Norte de Ayacucho (COPUCA), en Perú. La Organización de Naciones y Pueblos Originarios en Argentina (ONPIA). La Unión de Naciones Indígenas de Brasil (UNI).

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Por su parte, entre las alianzas transnacionales y transregionales de América Latina, es posible considerar a: •

La Coordinadora Andina de Naciones Indígenas (CAOI) que ha trazado cinco ejes estratégicos de acción en los cuales ha trabajado entre el 2010 y el 2012: Buen Vivir y Derechos de la Madre Tierra; fortalecimiento y articulación del movimiento indígena; Observatorio Jurídico e incidencia en instancias internacionales; incidencia en procesos internacionales sobre cambio climático; y fortalecimiento del liderazgo y articulación de las mujeres indígenas. De acuerdo con su más reciente plan estratégico, los objetivos 2011-2015 son: Defensa de la Tierra, Territorios y Unidad con la Madre Naturaleza. Construcción de Estados Plurinacionales y Sociedades Interculturales. Implementación de Derechos Colectivos de los Pueblos Indígenas. Reconstitución de nuestros Pueblos y consolidación de su articulación internacional. Desarrollo de la legitimidad y las alternativas en la incidencia política internacional del movimiento indígena. No criminalización de las demandas indígenas y desmilitarización de nuestros territorios. Defensa de los derechos de los pueblos y promoción del Buen Vivir frente a la crisis climática. Fortalecer y legitimar la participación de las mujeres indígenas en las organizaciones y las instancias nacionales e internacionales.















Y sus ejes estratégicos los siguientes: Buen Vivir / Vivir Bien. Estados Plurinacionales. Derechos de la Madre Tierra. No criminalización de Derechos Indígenas (Observatorio Jurídico). Crisis Climática. Articulación de los movimientos indígenas y con los movimientos sociales. Mujeres indígenas.

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Las principales organizaciones constitutivas de la ONIC son: ECUARUNARI: Confederación de Pueblos de la Nacionalidad Kichwa del Ecuador; CONAMAQ: Consejo Nacional de Ayllus y Markas del Qullasuyu; CONACAMI: Confederación Nacional de Comunidades del Perú Afectadas por la Minería; ONIC: Organización Nacional Indígena de Colombia. También se deben considerar las alianzas estratégicas que los pueblos indígenas han hecho con otros sectores de la sociedad civil internacional con los que comparten agendas políticas comunes, como ha sido el caso de los grupos ambientalistas, organizaciones que actúan contra la minería a cielo abierto, la construcción de represas, construcción de infraestructura estratégica, etc. Esto adquiere gran importancia: […]si vemos el proceso en perspectiva, ya que en sus inicios la defensa indígena se basó fundamentalmente en conceptos asociados a los derechos humanos y a la defensa de los aspectos culturales y de la diversidad, pero recientemente la emergencia de la figura del indígena como “guardián de la naturaleza” colocó a las poblaciones nativas en un lugar privilegiado en relación con las organizaciones ecologistas y defensoras del medio ambiente que facilitó la inserción de las diferentes asociaciones de pueblos en el panorama transnacional (Rodríguez, 2008:6).

Las agendas políticas de los pueblos indígenas han hecho un eco fundamental en los temas de medio ambiente, el cumplimiento efectivo de los derechos humanos, la aplicación de políticas de desarrollo sustentables, las reflexiones sobre conceptos “modernos” vitales como el de ciudadanía, el anhelo de consolidar estados pluriculturales, pluriétnicos y plurinacionales (Rodríguez, 2008). Así como en la capacidad efectiva para construir política, cultura, sociedad y desarrollo desde la autonomía y la autodeterminación en clave no estatal. En este sentido, existe una agenda de lucha política en el marco de los regímenes internacionales en los que se vinculan el derecho de los pueblos indígenas con los grandes temas de la agenda global. Pero también existe una agenda de lucha y resistencia frente a los gobiernos nacionales, el capital transnacional y paraestatal, y los proyectos de desarrollo regional-transnacional agendados en los proyectos de integración regional latinoamericana.

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Entrecruzamiento de territorialidades y soberanías frente a los proyectos de integración regional En julio de 2007, en la sede de la Comunidad Andina de Naciones (CAN), se llevó a cabo el Primer Foro de Intelectuales e Investigadores Indígenas orientado a presentar las ideas de integración regional basadas en el Qhapaq Ñan o camino de la sabiduría. Más de 35 yatichiris, sabios, amautas, pensadores e investigadores acudieron a la sede de la CAN y debatieron con los funcionarios de la organización. Las líneas de conexión parecieren tener concordancia en los discursos, pero la práctica concreta del desarrollismo que conduce los programas de integración regional conducen a fuertes disputas y desencuentros. Entre los puntos apremiantes de la perspectiva de integración de los pueblos indígenas destaca el considerar el reconocimiento de la diversidad y los desarrollos desiguales experimentados en las sociedades andinas; el imperativo reconocimiento a las formas de organización propias; el reconocimiento de la economía comunitaria y la impostergable construcción de una soberanía alimentaria; la consolidación de estados plurinacionales y creación de órganos de representación indígena autónomos a los gobiernos nacionales, entre otros (Maldonado, 2007). La región andina se ha convertido en uno de los centros de mayor tensión respecto al desarrollo de iniciativas de extracción minera. La proyección de corredores extractivistas, la ampliación de infraestructura estratégica para el trasporte de recursos naturales y desiguales jurisdicciones que han convertido el desenvolvimiento de la integración en una agenda de conflictividad comunitaria. Es claro que las tendencias de los proyectos de integración poseen diferencias en el posicionamiento ideológico, el relacionamiento con los centros de poder mundial, su perspectiva y ritmos de inserción al patrón capitalista internacional, su nivel de subordinación o autonomía frente a EEUU, su discurso de desarrollo, etc. No obstante, tanto los proyectos suramericanistas como los del norte latinoamericano coinciden en la matriz neo-extractivista y el impulso a los megaproyectos mineros que han acelerado la inversión de capitales extranjeros (fundamentalmente canadiense y estadounidense), represas, explotación petrolera, deforestación masiva para la ampliación de la frontera agrícola orientada al monocultivo, etc.

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Las proyecciones de la geopolítica indígena han negociado relaciones diferenciadas con los proyectos de integración regional, fundamentalmente en la región del Cono Sur. Por un lado, parecen apostar al fomento de la autonomía de los proyectos políticos y comerciales latinoamericanos, a través de graduales formas de apoyo a iniciativas tales como la Alternativa Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América (ALBA) y los Tratados de Comercio entre los Pueblos (TCPs), el Mercosur (en su versión social: Mercosur del pueblo), o incluso de la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR) en su perfil de integración social. Por otro lado, sin embargo, se enfrentan y oponen a muchas de las territorialidades desarrollistas de las instituciones estratégicas del capitalismo nacional-internacional que da sentido a la integración regional, la visión de desarrollo, el devastador mono-cultivo y el modelo neo-extractivista que tales iniciativas implican. Por lo cual, las territorialidades indígenas originarias de diversas latitudes de América Latina, se enfrentan a un nuevo abigarramiento territorial que proyecta múltiples y complejos escenarios de conflicto. La conflictividad derivada de la IIRSA En 2009, Miguel Palacín, Coordinador General de la CAOI, declaró ante la Comisión Interamericana de Derechos Humanos lo siguiente: “no estamos en contra de la IIRSA, es la IIRSA la que está en contra de los pueblos indígenas”. El mapa de proyectos de la IIRSA se han convertido no sólo en la proyección de desarrollo regional para la integración de los recursos naturales al capital internacional, sino también la cartografía de una creciente conflictividad entre pueblos originarios, gobiernos nacionales y empresas transnacionales y paraestatales. En este sentido, la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) realizó en noviembre del 2010 una Audiencia para analizar este tema. Los peticionarios (la Organización Indígena de la Chiquitanía - OICH, la Red de Defensa Jurídica de la Amazonía y la Coordinadora Andina de Organizaciones Indígenas - CAOI), indicaron que los megaproyectos vulneraban: •



El derecho a no ser desplazados. El derecho a la propiedad colectiva de la tierra, cuando se planifican

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y ejecutan sobre territorios indígenas aún no titulados. El derecho a la consulta y el consentimiento libre, previo e informado, cuando no se realizan consultas, o se realizan consultas inadecuadas dirigidas a personas y no a las comunidades El derecho a la libre determinación y el autogobierno, al desconocer las formas propias de desarrollo, atentando contra la cosmovisión indígena del Buen Vivir; y al desconocer a las autoridades y los procesos de toma de decisiones de los pueblos indígenas. El derecho a la integridad personal y a la salud, por la contaminación y la pérdida de la biodiversidad en zonas de caza, pesca y recolección.

El mega-ordenamiento territorial de iniciativas como la IIRSA tiene dos componentes: en primer lugar “la captura de fuentes energéticas creando territorios corporativos en minería, hidrocarburos y agro-combustibles, en formas análogas a las zonas francas industriales donde son subrogadas las leyes nacionales, y en segundo lugar, se trata de la interconexión vial, fluvial, eléctrica, petrolera y gasífera que impone una lógica extractiva a la dinámica poblacional, económica y ambiental de estos territorios” (Martínez y Houghton, 2008: 231). Estos proyectos se han concentrado en la externalización de los costos para las grandes empresas y la absorción de los mismos por el presupuesto público del Estado, como ocurre al analizar la asignación de presupuestos nacionales. El re-ordenamiento del territorio se elabora sobre criterios corporativos que desestructuran la territorialidad indígena, generando fracturas ecológicas y sociales a la vez que unen las fuentes primarias y los mercados. En Colombia, por ejemplo, se han emprendido varias iniciativas: la IIRSA, el Plan Visión Colombia II Centenario 2019, el Plan 2500 del Instituto Nacional de vías5, la Agenda Interna de Competitividad y Productividad, y el Plan Nacional de Desarrollo 2006-2010. Todas estas iniciativas se complementan y terminan por generar una agenda de conflictividad y un desprecio sobre las formas territoriales de las comunidades locales, sean indígenas, afrodescendientes o campesinas (Martínez y Houghton, 2008).

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Cuadro 3 Cartera de proyectos IIRSA 2010 (En unidades y millones de $US corrientes) Número de Grupo

Número de Proyectos a/

Inversión estimada b/

Eje del Amazonas

7

58

5400,9

Eje Andino

10

64

7478,0

Eje de Integración y Desarrollo

Eje de Capricornio

5

72

9421,4

Eje des Escudo Guayanés

4

25

1694,9

Eje de la Hidrovía Paraguay-Paraná

5

95

6677,4

Eje Interoceánico Central

5

55

5525,1

Eje MERCOSUR-Chile

6

107

35836,2

Eje Perú-Brasil-Bolivia

3

23

21402,3

Eje del Sur

2

27

2713,0

TOTALES

47

524

96119,2

Fuente: Cartera de proyectos COSIPLAN, sitio web: [http://iirsa.org/Page/Detail?menuItemId=32].

Como lo refleja el Cuadro 3, la cartera de proyectos de la IIRSA de 2010 considera hasta 524 iniciativas distribuidas en los nueve ejes de integración, de las cuales existen 31 proyectos estructurados en la Agenda de Proyectos Prioritarios de Integración (API). De todos ellos, existe un particular énfasis en el eje andino y el eje Mercosur-Chile. Del primero, han derivado dos emblemáticas resistencias localizadas en Bolivia: la resistencia indígena contra la construcción de la carretera que atraviesa el corazón del Territorio Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), y la oposición a la construcción de la hidroeléctrica Cachuela Esperanza. La primera representa un proyecto de integración nacional del altiplano con el oriente amazónico boliviano, proyectado como una prioridad geopolítica del gobierno de Evo Morales, pero constituye además el eje estratégico para interconexión del capital paulista con la región occidental del cono sur (García L., 2012). El problema radica tanto en el escenario de devastación ecológica que conlleva la construcción del segundo tramo de la carretera (que atraviesa el corazón del TIPNIS), como la ruptura con uno de los principios centrales del proyecto plurinacional: la consulta previa, libre e informada a los pueblos indígenas. Por su parte, el proyecto hidroeléctrico Cachuela Esperanza en la región norte de Bolivia, forma parte del complejo Río Madera, el proyecto más polémico de la IIRSA conformado por dos proyectos hidroeléctricos

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en Brasil (San Antonio y Jirao), un proyecto binacional en la frontera de Bolivia y Brasil (Ribeirao) y un proyecto en Bolivia: el mencionado en Cachuela Esperanza. Entre las consecuencias derivadas del mismo se encuentra la resistencia de las comunidades que serán desplazadas, el enorme costo ambiental ya que el Río Madera es el río más biodiverso del mundo, además de ser el río amazónico con más sedimentos. En su cuenca viven muchos pueblos indígenas de los cuáles algunos no han sido contactados o viven en aislamiento voluntario. La otra paradoja estratégica se encuentra en el hecho de que la viabilidad económica depende de que la mayor parte de energía producida por la represa se exporte a Brasil (Laats, 2010). Este condicionamiento revela a los actores centrales y los intereses que giran en torno a los proyectos de integración y la situación de despojo que lleva a los pueblos indígenas a generar una frontal resistencia. PPP+Colombia - Proyecto Mesoamérica El Proyecto Mesoamérica6, antes Plan Puebla Panamá, incluye a Belice, Colombia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México (que considera a los estados del sur-sureste de México: Campeche, Chiapas, Guerrero, Oaxaca, Puebla, Quintana Roo, Tabasco, Veracruz y Yucatán), Nicaragua, Panamá y República Dominicana. Región que cuenta con una población de 212 millones de habitantes y 3.65 millones de km2 de extensión territorial, cuya estratégica ubicación geográfica quiere ser aprovechada para la instrumentación de proyectos de infraestructura, interconectividad y desarrollo social7. Aunque también hay una agenda escondida en torno del control de las migraciones, la seguridad nacional y regional bajo la influencia de la política estadounidense hacia su “tercera frontera”, o buffer zone, así como el afianzamiento del proyecto neo-extractivista y la mercantilización de la biodiversidad mexicana y del istmo centroamericano. No obstante que Mesoamérica cuenta con 61 pueblos reconocidos por su lengua y cultura originaria, no hay una sola mención de esos pueblos en los planes y programas del Proyecto Mesoamérica. Grave omisión si se toma en cuenta que en conjunto, México, Guatemala, Perú y Colombia (además de Bolivia), reúnen al 87% de indígenas de América Latina y el Caribe. Mesoamérica reúne a dos grupos étnicos con una población que alcanza un máximo de 9.500.000, de indígenas en México y 1.300.000 indígenas en Colombia.

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De acuerdo con el Centro de Investigaciones Económicas y Políticas de Acción Comunitaria (CIEPAC)8: “Cuando el Plan Puebla Panamá fue lanzado en 2001 por el presidente de México de aquel entonces, Vicente Fox Quesada, la resistencia de los pueblos no tardó en llegar. La ofensiva que este plan significó contra comunidades indígenas y campesinas provocó su fuerte rechazo: los pueblos se manifestaron firmemente en contra de semejante proyecto de saqueo y privatización de los recursos naturales y de la vida. Hallaron que los mega-proyectos traerían sólo impactos negativos a sus comunidades y que los supuestos beneficios quedarían -como siempre - en manos privadas. Gracias a las protestas y movilizaciones populares han podido ser detenidas, postergadas, desviadas, alteradas y canceladas numerosas obras del PPP.” Entre las organizaciones en resistencia más destacadas en 2011, se encuentran las siguientes: • • • • • • •

CECOP (Consejo de Ejidos y Comunidades Opositores a La Presa La Parota) en Guerrero, México. COPINH (Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas de Honduras) contra la presa El Tigre en la frontera entre Honduras y El Salvador. ACAP (Asociación de Comunidades Afectadas por el Anillo Periférico y Libramiento) en contra de vías rápidas en la zona metropolitana de San Salvador, El Salvador. La comunidad maya en Sipacapa, departamento de San Marcos, Guatemala, contra la minera Montana. UCIzONI (Unión de Comunidades Indígenas de la zona Norte del Istmo), en el Estado de Oaxaca, México contra diversas obras del PPP y de PEMEX en el Istmo de Tehuantepec. El Grupo Solidario de la Venta en contra del Proyecto Eólico La Venta II, en el Istmo de Tehuantepec. La Asociación de Comunidades Rurales de Chalatenango, contra el acoso de varias empresas mineras en El Salvador.

No obstante que el Proyecto Mesoamérica no alcanzó a reunir todos los recursos financieros prometidos por los gobiernos nacionales y por las instituciones financieras internacionales que lo apoyan, como el Banco Interamericano de Desarrollo, o el Banco Mundial, sigue apostando por megaproyectos de integración regional que afectan la vida de comunidades que no son tomadas en cuenta para la implantación de proyectos en

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diversas áreas, correspondientes a 43 proyectos, que se dividen en dos grandes áreas temáticas: el Eje de Integración Productiva y Competitividad, que incluye: Transporte, Energía, Integración de los Servicios de Telecomunicación, Facilitación Comercial y Competitividad, Biocombustibles. El Eje de Desarrollo Humano y su Entorno, que contempla proyectos de Salud, Cambio Climático, Vivienda, Desarrollo Rural. La construcción de carreteras es uno de los elementos clave del Proyecto Mesoamérica dada su trascendental importancia geoestratégica. “La geografía mesoamericana permite una comunicación e intercambio de bienes y servicios con los centros mercantiles más importantes en las cuatro direcciones (Norteamérica, Sudamérica, Asia y Europa) y con la ventaja de contar con costas en ambos océanos (Atlántico y Pacifico)” (zunino, 2010). Aquí se encuentran varios focos de resistencia, pues son afectadas cientos de comunidades indígenas por más de 3 mil 500 kilómetros de red carretera proyectada. Mapa 3 Proyectos de Transporte - Red Internacional de Carreteras Mesoamericanas

Fuente: zunino (2010)

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En cuanto a Energía, el PM también genera escenarios de transformación territorial que entran en conflicto con la vida de las comunidades indígenas y campesinas afectadas por la política de reestructuración de la matriz energética en los países miembros, pues esa política (zunino, 2010): “ha derivado en la paulatina privatización del sector energético, colocando la producción de energía en manos privadas, a la vez que ha buscado romper la dependencia a los hidrocarburos diversificando las fuentes, como es el caso de la expansión de presas hidroeléctricas en México y Centroamérica. El fin último de esta política apunta al abasto seguro y barato de energía eléctrica destinada a los bloques empresariales e industriales de los diferentes países”. Existen planes para impulsar cultivos extensivos destinados a producir biodiesel, construir 381 presas hidroeléctricas a lo largo de Centroamérica y el sur de México, y la magnitud e impacto negativo sobre comunidades afectadas, está despertando resistencias e impedimentos que surgen desde movimientos sociales heterogéneos en los que participan pueblos y naciones indígenas. Para mediados de 2009, sólo el 1,7% del financiamiento se destinó para el eje de Desarrollo Humano y su Entorno. De acuerdo con zunino (2010), ello “nos habla del carácter netamente económico del Proyecto Mesoamérica, basado casi exclusivamente en la generación de la infraestructura para integrar los mercados del norte con los del sur, lo cual desmiente el discurso oficial de una supuesta segunda etapa basada en proyectos de gran impacto social como salud, medio ambiente, vivienda, etc.” Ni la sustentabilidad, ni la mejoría de calidad de vida, son prioridades del PM. Lo que se trata de implementar con proyectos como el de Ciudad Rural Sustentable, iniciado en Chiapas, muestra la perversidad de planes que se presentan como mejoría pero que tienen objetivos subyacentes de expulsión y control de las poblaciones rurales indígenas y campesinas. Desde el campo de las alternativas, la región mesoamericana anida resistencias, proyectos políticos y civilizatorios que son heterogéneos en su estrategia y composición étnica, aunque promisorios de nuevos formatos participativos que dan voz y visibilidad a actores discriminados, excluidos de los proyectos de desarrollo. Además de las organizaciones de base territorial en cada uno de los países de Mesaomérica, la experiencia de integración regional social y popular del Foro Mesoamericano de los Pueblos, desde su surgimiento en el año 2000 en Tapachula, México, “ha centrado

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sus fuerzas en la construcción y articulación de movimientos y luchas en torno a la resistencia contra las diferentes expresiones del neoliberalismo, como los tratados de libre comercio o los planes de despojo como el PPP, actual Proyecto Mesoamérica.” (zunino, 2010A). Conclusiones Las proyecciones de la geopolítica indígena han negociado relaciones diferenciadas con los proyectos de integración regional, fundamentalmente en la región del Cono Sur. Por un lado, parecen apostar al fomento de la autonomía de los proyectos políticos y comerciales latinoamericanos, a través de graduales formas de apoyo a iniciativas tales como la Alternativa Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América (ALBA) y los Tratados de Comercio entre los Pueblos (TCPs), el Mercosur (en su versión social: Mercosur del pueblo), o incluso de la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR) en su perfil de integración social. Por otro lado, sin embargo, se enfrentan y oponen a muchas de las territorialidades desarrollistas de las instituciones estratégicas del capitalismo nacional-internacional que da sentido a la integración regional, la visión de desarrollo, el devastador mono-cultivo orientado al biodiesel o la agroexportación especializada, la expansión de cultivos genéticamente modificados, y el modelo neo-extractivista que tales iniciativas implican. Por lo cual, las territorialidades indígenas originarias de diversas latitudes de América Latina, se enfrentan a un nuevo abigarramiento territorial que proyecta múltiples y complejos escenarios de conflicto, entre los que se encuentran los siguientes: a. El conflicto entre derecho comunitario y el Estado de Derecho nacional, supranacional e internacional. En el que se ubican los problemas relativos a la configuración del sujeto individual-colectivo, sus formas de asociación e integración comunitaria y el ejercicio de gobierno bajo parámetros no occidentales, que incluyen el debate democrático bajo el marco de concepciones holistas como la sociedad de la naturaleza, o sociedad natural. Cabe preguntarse sobre las demandas colectivas de base indígena en torno de las autonomías étnicas y regionales, la conformación de Estados plurinacionales, que ofrece el caso boliviano, los

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Caracoles zapatistas en México, la constitución de comunidades etno-políticas como la nación mapuche, la perseverancia de imaginarios territoriales de inspiración andina en Perú, Ecuador y Colombia, o la configuración de un imaginario supranacional como el Abya Yala. Geopolíticas indígenas que tensan las relaciones locales con lo global, como es el caso de las reivindicaciones ante las Naciones Unidas, la Organización Internacional del Trabajo, o la propia Corte Penal Internacional, que se han constituido en espacios de lucha, resistencia y reivindicación de demandas indígenas ancestrales-contemporáneas. b. El conflicto entre desarrollo capitalista, experiencias de corte “post-neoliberal” y procesos de integración supranacional regional, que terminan por ser excluyentes de los mundos indígenas. Si la crisis global y sistémica toma un giro eco-territorial (Svampa, 2012), dada la expansión del modelo neo-extractivista, son las comunidades indígenas las principales afectadas por ese conjunto de prácticas neocoloniales, en tanto la acumulación por desposesión expulsa e impacta negativamente a quienes se asientan sobre territorios biodiversos. Se calcula que cerca del 70 por ciento de las zonas biodiversas coincide con los lugares donde se asientan pueblos originarios. Y en tanto los Estados nacionales que buscan otras vías de desarrollo no capitalistas, o vías reformistas de intentos de justicia y equidad social, no logran escapar de las megatendencias impuestas por el modelo neo-extractivista ni de las presiones del mercado financiero internacional transnacionalizado y corporativo. c. El conflicto por la oposición entre el proyecto civilizatorio indígena y el proyecto capitalista hegemónico, que se expresa en la dimensión cultural desde o frente a la naturaleza, particularmente en torno del llamado desarrollo sustentable, en la dimensión de la comunidad política, ante la preeminencia de enfoques estado-céntricos e interestatales que “regulan” las relaciones entre Estado y sociedad, o en la dimensión social de la convivencia, el reconocimiento de la alteridad, el derecho a la diferencia y a la interculturalidad, sin discriminación alguna. Un proyecto civilizatorio que entraña nuevas formas de

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comunidad política y valores de sentido, que incluyen, aunque desbordan hacia la constitución de formatos “universales particulares”, que interpelan al “orden mundial”, al Estado nacional y los gobiernos locales; el entramado de los regímenes internacionales dedicados al tema indígena y los valores de convivencia. Destacan en este sentido los principios o el Estado del Buen Vivir, los Caracoles zapatistas y múltiples concresiones de poderes locales con potencial instituyente o constituyente, que apuntalan la fuerza de la geopolítica indígena frente a la utopía. Jaime Preciado - Professor-Pesquisador Titular C da Universidad de Guadalajara, México e do Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Occidente (ITESO), México. Expresidente da Asociação Latino-americana de Sociología (ALAS). Pablo Uc - Pesquisador associado do Centro de Estudios Superiores de México y Centroamérica (CESMECA), da Universidad de Ciencias y Artes de Chiapas (UNICACH), e Professor da Universidad Autónoma de Chiapas (UNACH), México. Bolsista do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO). (1) Este artículo deriva de la ponencia presentada con el mismo título durante el Seminario Internacional: Extraterritorialidades, entrecruzamento de soberanias e conflitos na América Latina, coordinado por el Dr. Luis Ayerbe, realizado en Sao Paulo, Brasil en agosto de 2013. Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP, Centro Brasileiro de Estudos da América Latina do Memorial da América Latina y Fundação Friedrich Ebert. Agradecemos los comentarios y críticas hechas por los colegas participantes. (2) Este trabajo, organizado en dos volúmenes que se organizan en diez capítulos geoculturales y cinco capítulos temáticos, compila la participación de 34 investigadores de todas las regiones estudiadas. Incluye un capítulo, no exhaustivo, dedicado exclusivamente a la presencia de los pueblos afrodescendientes. Es posible acceder en el sitio web. (3) De acuerdo con el texto de Miguel Ángel López Hernández (2004), Abya Yala significa “tierra en plena madurez” o “tierra de sangre vital”. (4) Uno de ellos es el texto de Javier Lajo (2006):“Qhapaq Ñan: La ruta inka de sabiduría”. (5) http://www.invias.gov.co/index.php/seguimiento-inversion/123-seguimiento-a-la-inversion/proyectos-invias/76-plan-2500. (6) Del Portal del Proyecto Mesoamérica: http://www.proyectomesoamerica.org/ . (7) Portal del Proyecto Mesoamérica: “Sus antecedentes se remontan al año 2001, surgiendo en el marco del Mecanismo de Diálogo y Concertación de Tuxtla, foro de diálogo político impulsado permanentemente por México y Centroamérica, el cual se ha ampliado con la incorporación de República Dominicana y Colombia.”

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(8) CIEPAC: “Integración para el despojo: el proyecto Mesoamérica, o la nueva escalada de apropiación del territorio (I/III)”, consultar en el sitio web: http://www.biodiversidadla.org/ Portada_Principal/Documentos/Integracion_para_el_despojo_el_proyecto_Mesoamerica_o_la_ nueva_escalada_de_apropiacion_del_territorio_I_III.

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CApÍtuLo 9. GeopoLÍtiCA inDÍGenA en LA reGiÓn AnDinA: territoriALiDADeS en DiSputA Y proYeCtoS pLurinACionALeS1 PABLO UC

Introducción

E

n la región andina, la geopolítica indígena, originaria y campesina ha logrado un singular impacto en la modificación de las relaciones de poder y en el ejercicio y reivindicaciones de nuevas territorialidades, expresadas en una suerte de “soberanías paralelas” constituidas con base en la autonomía, la autodeterminación y heterogéneos tejidos comunitarios que participan e inciden intermitente en el espacio político de lo nacional-popular. Es por ello que ha surgido una re-definición en las prácticas y representaciones del espacio-tiempo dominante –Estado, nación, capital e imaginación geopolítica moderna-, y se han re-establecido procesos de re-territorialización y lenguajes de poder que han logrado importantes modificaciones en las gramáticas de las constituciones nacionales (en el caso de Bolivia, Ecuador, Venezuela y más limitadamente en Colombia). Así como la reivindicación de los pueblos indígenas originarios sobre los usos y derechos intrínsecos de la madre tierra, el territorio y el usufructo de los recursos naturales (Gudynas, 2011). Esto ha coadyuvado en un debate político, ético e intelectual en torno al modelo de desarrollo extractivista y los nuevos esquemas de dependencia y endeudamiento, frente a las alternativas políticas y conceptuales planteadas en los paradigmas del sumak kawsay, sumak kamaña o el ñandereko2.

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El análisis de la geopolítica indígena, requiere considerar las adjetivaciones de lo originario, campesino, afrodescendiente y popular, lo que conlleva a reinterpretar este espacio geográfico y su concepción de región cultural como un complejo de múltiples territorialidades que han derivado en procesos de superposición y subalternización identitaria, generadora de una persistente conflictividad y, por otra parte, de intermitentes manifestaciones de complementariedad y negociación entre los actores políticos. El entrecruzamiento de reivindicaciones históricas por parte de los pueblos indígenas en la región se enfrenta a la insorteable territorialidad modernizante de los Estados nacionales –impulsada por las elites políticas y empresariales, corporaciones, etc.-, y a la configuración de la “nueva” matriz neo-extractivista del capitalismo internacional con enclave petrolero, gasífero, minero y de mono-producción agrícola en la región –incluso en los proyectos plurinacionales de Bolivia y Ecuador. Escenario frente al cual los pueblos indígenas y poblaciones no indígenas que cohabitan espacios con alta riqueza en recursos naturales, re-elaboran sus estrategias de resistencia o inserción a dichos esquemas. En este sentido, más que un entrecruzamiento de “soberanías”, existe un abigarramiento entre territorialidades que, por un lado, fundamentan su capacidad organizativa en un ethos comunal que apela a referentes geo-históricos heterogéneos. Estos han definido una subjetividad emergente capaz de fracturar la subalternidad política indígena y constituir la base del éxito estratégico de las movilizaciones que llevaron al colapso de gobiernos neoliberales en Bolivia y Ecuador a principios del siglo XXI. Por otro lado, las territorialidades dominantes del Estado nación, y del capital estatal-transnacional (para-estatales y multinacionales), re-ordenan la matriz de explotación y la re-primarización de las economías de la región mediante los proyectos extractivistas intensivos (nueva ola de dependencia y endeudamiento), insertos tanto en los modelos de desarrollo nacionales como en los proyectos de integración regional latinoamericanos. A pesar de su disímil perfil ideológico y estratégico para la autonomía regional, éstos coinciden en su perspectiva desarrollista-neo-extractivista3. Si se considera este escenario, es posible plantear las siguientes interrogantes: ¿cuáles son los principales ejes de tensión entre las territorialidades abigarradas en la región andina? ¿Cuáles son las características de la geopolítica indígena? ¿Cuáles son sus prácticas, representaciones y

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estrategias de resistencia? ¿De qué manera se constituyen territorialidades alternativas a las de los Estados nacionales desde la autonomía y la autodeterminación? ¿Cuáles son las principales agendas de conflictividad derivadas de las espacialidades que se entrecruzan y abigarran en la heterogénea región andina? Este trabajo tiene como objetivo reconocer estas interrogantes y más que responderlas, evaluar su pertinencia mediante el análisis de los componentes de la geopolítica indígena en la región andina, especialmente durante la última fase del ciclo de emergencia indígena-originaria (reconocida a partir de la década de 1990), desde una perspectiva teórica que recupera los fundamentos de la geopolítica crítica (Ó Tuathail, 2006), las interpretaciones geoestratégicas indígenas (Mamani, 2005, 2011), la perspectiva de ‘comunalidad’ (Gutiérrez, 2009) y ‘movimientos societales’ (Tapia, 2008). Se pretende interpretar a la geopolítica indígena desde una expresión de territorialidad derivada del trinomio poder-espacio-lenguaje. Por un lado, se analizarán las prácticas y representaciones que conforman los discursos geopolíticos indígenas, originarios y campesinos, con los cuales han logrado importantes conquistas en la producción de espacios otros para la defensa de su territorialidad, cosmovisión y organización política, así como la modificación de estructuras e instituciones estatales durante la primera década del siglo XXI. Por otro lado, se bosquejarán las contradicciones derivadas del abigarramiento entre territorios y espacialidades divergentes, así como sus mutuas y paradójicas incidencias: la estatalidad reconducida por la configuración de lo plurinacional; la proyección indígena postnacional redefinida y condicionada por la estatalidad; las dinámicas de resistencia “postneoliberales” cruzadas transversalmente por la intensificación de dinámicas capitalistas manifiestas en el nuevo mapa neo-extractivista y la re-primarización de las economías en todos los países de la región andina (y del resto de América Latina). En este sentido, el trabajo se organiza de la siguiente manera. En el primer apartado se bosquejan las características de la emergencia geopolítica de los pueblos indígenas originarios en la región andina, con énfasis en la experiencia de Bolivia y Ecuador, mediante el reconocimiento de representaciones espaciales y territoriales no centradas en la territorialidad de los Estados nacionales modernos, que funcionan como fuente de valores simbólicos y estratégicos. Así como las características de su

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desenvolvimiento autónomo mediante la reinterpretación del poder y la creación de espacios otros, reactivación de territorialidades en resistencia (los no lugares de la política) y sus experiencias de inserción-participación en la estatalidad política para la concreción de proyectos plurinacionales. En el segundo apartado se revisa la configuración de discursos geopolíticos indígenas-originarios: prácticas, expresadas en las estrategias de territorialidad insurgente, movilización, alianzas sustentadas en el tejido y funcionamiento social comunitario; y representaciones: construidas a través de los imaginarios espaciales sobre los que han reconfigurado la perspectiva identitaria y política de los pueblos indígenas. En el tercer apartado, se hace un reconocimiento de la más reciente agenda de conflictividad derivada de los proyectos neo-extractivistas (fundamentalmente a partir de nuevo enclave minero) y otras iniciativas que responden al más reciente paradigma desarrollista. Una agenda llena de tensiones y paradojas a las que se enfrenta la implementación de los proyectos plurinacionales. Finalmente, se presentan algunas conclusiones que tratan de dilucidar un conjunto de reflexiones sobre los alcances de la autodeterminación y autonomía en clave no estatal del discurso indígena, los horizontes de la autonomía y las nacionalidades indígenas subordinados a la estatalidad, así como las paradojas del persistente neo-desarrollismo. Geopolítica de las (re)emergencias indígenas originarias: territorialidades en el no lugar de la política Durante las últimas cuatro décadas, se ha configurado un nuevo ciclo de (re)emergencias por parte de los pueblos indígenas, originarios, campesinos y afro-descendientes en América Latina. Este ciclo ha derivado en la reconfiguración de subjetividades histórico-políticas, territorialidades y proyectos de sociedad que han reorientado la geopolítica latinoamericana y dinamizado una nueva complejidad en el espacio-tiempo de la región. Su constitución como actores políticos determinantes en la dirección política latinoamericana no es de ninguna manera “nueva” o “reciente”. Es el resultado de heterogéneos referentes geo-históricos basados en una memoria larga que recoge la experiencia de rebeliones, huelgas, resistencias, negociaciones-incorporaciones y sublevaciones frente a los poderes coloniales, republicanos, estatales ‘modernos’ y del capital nacional y transnacional. Y su combinación con una memoria mediana y corta (Rivera, 2003) que

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recogen múltiples referentes históricos que explican tanto la participación como el desbordamiento en la historicidad nacional moderna, definiendo estrategias de re-articulación inter-comunitaria, trans-local e interregional, nuevas tácticas en la politización por medio de la creación de organizaciones, uso de los estatutos e instituciones internacionales (regímenes internacionales) (Stavenhagen, 2010, Le Bot, 2013), instalación de congresos, asambleas y encuentros regionales, nacionales e inter-regionales, que han derivado en alianzas entre indígenas y múltiples sectores de la sociedad civil internacional. La última fase de este ciclo de (re)emergencias, ha tenido como singular característica la constitución de discursos geopolíticos, es decir, prácticas y representaciones contra-espaciales que han dado un vuelco a las estructuras simbólicas y materiales dominantes, y a su vez la apropiación de las mismas (toma del poder estatal y reivindicaciones sobre el derecho de usufructo sobre el capital). Estas han sido constitutivas de un imaginario subalterno en torno a la subjetividad social, política y cultural de los pueblos indígenas en la región. En paralelo, se ha creado una idealización homogeneizante de su proyecto y devenir histórico que anula su propia conflictividad y sus contradicciones geohistóricas, como si se tratara de armónicas comunidades estáticas, desvinculadas de la modernidad activa de los cinco últimos siglos. De allí la importancia de reconocer las dinámicas de poder, jerarquías, estratificaciones y la construcción de pactos que permiten superar la idea de comunidad como un ente unificado que sólo resiste, se reconstituye o se desestructura frente a fuerzas externas (Thomson, 2006). La fase del ciclo de (re)emergencia (geo)política de los pueblos indígenas originarios, abierta durante la primera década del siglo XXI, conllevó a la construcción de iniciativas plurinacionales, sustentadas en la construcción de vínculos y alianzas territoriales postnacionales –de la escala trans-local a la trans-regional-, fundamentadas en tejidos comunitarios que condujeron, por ejemplo, a la creación de la Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE) en 1986, su intermitente participación en la política de Estado y su posterior incidencia en la última asamblea constituyente ecuatoriana. Así como la Confederación Indígena del Oriente Boliviano (CIDOB) entre 1979 y 1982, que agrupó a ocho organizaciones regionales de la Amazonía, la Chiquitanía y el Chaco guaraní; el Consejo Nacional de Ayllus y Marqas del Qullasuyu

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(CONAMAQ) en 1997 orientado a la reconstitución de los territorios ancestrales a través de la reunificación territorial y organizativa basada en el ayllu en Bolivia; o el histórico pacto de unidad entre las organizaciones indígenas, originarias y campesinas del altiplano boliviano, los valles cocaleros y las organizaciones indígenas de tierras bajas en Bolivia, entre 2004 y 2006. Sólo por mencionar algunas. Por otra parte, esta emergencia contra el espacio-tiempo subalterno también encontró un espacio fecundo para sus reivindicaciones y dinámicas de participación en los sistemas de representación liberales, tras la institucionalización de regímenes y foros internacionales –expresados en el Foro Permanente para las Cuestiones Indígenas de la Organización de Naciones Unidas (ONU, 2000) o el Convenio 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en países independientes de la Organización Internacional del Trabajo (OIT, 1989). A pesar de la estructura funcionalista de estos regímenes, vinculados a ciertos patrones del contemporáneo sistema neocolonial y neoliberal o sus perspectivas multiculturalistas, han representado una plataforma de apropiación y un espacio discursivo que reivindica importantes legitimidades a nivel internacional y global, y un nivel importante de responsabilidad jurídica por parte de los gobiernos que han ratificado estos tratados. A su vez, los movimientos indígenas originarios han encontrado una capacidad de articulación inter-comunitaria con proyecciones de agregación intermitente (expansión y repliegue), con una persistente reivindicación sobre el territorio, su usufructo, la autodeterminación y una reinterpretación de los conceptos de nación y nacionalidad (como es el caso de la CONAIE y la gramática de las constituciones de Ecuador y Bolivia), o frontalmente adverso a la estatalidad moderna, como en el caso del proyectos indianista aymara dirigido por Felipe Quispe, el Mallku, postulado en el Movimiento Indígena Pachakuti (MIP) en Bolivia; o complementario, como resultó ser el caso de los proyectos plurinacionales apropiados por el Movimiento al Socialismo (MAS-IPSP). Esto ha significado, por tanto, que durante la última década los proyectos indígenas hayan accedido a la participación en los espacios de la política de los Estados nacionales, aunque no a través de una mera incorporación a los partidos dominantes, sino mediante la creación de sus propias estructuras partidarias instrumentales, sometidas a la autodeterminación comunitaria en la elección de sus representantes, estructuras de rotatividad y responsabilidad política4.

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El mover-se al no lugar de la política, ha funcionado como el nodo fundamental de la estructura de las rebeliones indígenas de Bolivia y Ecuador durante las últimas cuatro décadas frente a su histórica subalternización; una práctica nómada de la política frente a la inmovilización sedentaria del lugar definido por la moderna estatalidad capitalista. Cabe señalar que en esta condición abigarrada y en estas territorialidades dominantes participa intermitentemente -aunque con mayor intensidad en las últimas dos décadas- parte el horizonte de los pueblos indígenas campesinos. Especialmente, algunos pueblos más vinculados a la matriz colonizadora de la tierra cultivable, orientada a la ampliación de la frontera de explotación agrícola –como ocurre, por ejemplo, con buena parte de la territorialidad cocalera quechua en los valles del Chapare en Bolivia. Esto conlleva a reconocer la heterogeneidad y las tensiones entre los pueblos originarios e indígenas que proyectan una relación de explotación vs conservación de la tierra, divergente e incluso conflictiva5. Es por ello que cabe reconocer la disputa por el control de la producción del espacio, el cual resulta imprescindible para el mantenimiento o transformación de cualquier esquema poder dominante. Desde esta perspectiva, el poder sólo puede ser conquistado para su transformación a través de la producción de más espacio (Lefebvre, 1991). De tal manera, toda expresión política que articula un ordenamiento de lo social, transita y se manifiesta invariablemente a través del espacio (Tapia, 2008). Un espacio que, producido y apropiado por los movimientos indígenas originarios, concretó lo que ha sido el pivote de su resistencia y empoderamiento, una territorialidad de lucha y la deslocalización de los espacios dominantes del Estado y del capital internacional. Las cualidades finitas de lo territorial – que transcurren entre la conflictividad y la convivialidad (Santos, 2010)-, y la pugna por la confección de los ‘lugares de la política’, nos brindan una interpretación concreta sobre la forma en que se constituye la geopolítica indígena, conducida por una memoria de rebeldía que parte de un ethos comunal, y una temporalidad que se armoniza con perspectivas basadas en narrativas míticas ancestrales, mientras resuelve la construcción de tácticas y estrategias concretas que han logrado canalizar y frenar la violencia estatal y demandar su reconducción mediante su acceso, incluso utilizando el juego democrático liberal. De tal manera, “todo movimiento social es, rigurosamente, un cambio de

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lugar social” (Porto, 2001: 197), pero esto no significa una renuncia definitiva de toma del poder o retorno al Estado en su proceso por reconvertir la misma estatalidad (homogeneizante, colonial, patrimonial, patriarcal, etc.), en la medida en que los movimientos indígenas también se han permeado por la estatalidad, el capital, el mercado y la conflictiva y contradictoria concepción y práctica de la modernidad. Aun cuando la geopolítica de los movimientos indígenas originarios ha llegado a plantear un sistema de relaciones sociales diferenciadas, contra-hegemónicas e incluso anti-sistémicas, que se contraponen a los límites, fronteras y delimitaciones de la geografía estatal moderna, un desafío inevitable ha sido el de materializar y “agendar” su proyecto en los lugares hegemónicos de la política –desde las instituciones y foros internacionales intergubernamentales las instituciones del ‘estado’ y el nuevo proyecto constitucional-, y a la vez mantener un posición crítica que les permita engendrarse como un mover-se constante que desplaza permanentemente tales lugares de enunciación hegemónica y dispersa el poder concentrado en los mismos (zibechi, 2006). Articulación del discurso geopolítico indígena en la región andina: prácticas y representaciones Porto señala que “la geografía, como acto de marcar la tierra, de apropiarse material y simbólicamente el espacio, es un saber eminentemente ligado al terreno político y al proceso de creación de un magma de significaciones sociales” (Porto, 2001:7). Estas significaciones implican tanto el reconocimiento de la dimensión discursiva que forma parte de la configuración de espacios de poder, como de la memoria y ejercicio político de los actores que participan en su constitución concreta, siendo en este caso los movimientos indígenas originarios los que han tomado conciencia activa en él y en el desplazamiento-desbordamiento de los lugares hegemónicos establecidos. Todas las prácticas de los actores están impulsadas o constreñidas en alguna medida, por discursos que en este caso se expresan simbólica y materialmente a través de relaciones de poder espacializadas y territorializadas. Un discurso geopolítico alude a la manera en que han sido escritas y leídas las prácticas y las representaciones del espacio, el territorio y las relaciones de poder mediante cartografías,

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mapas, censos, gramáticas, fronteras y otras determinaciones de dominio (Ó Tuathail, 1992). Varios de los discursos geopolíticos que han articulado en la última fase del ciclo de emergencia los pueblos indígenas originarios, constituyen un conjunto de contra-representaciones frente a los discursos dominantes del Estado y el capital, y por tanto proyectan espacios de representación alternativa que emerge desde la enunciación y práctica de la resistencia. De allí que dichas prácticas territoriales sean el punto de referencia para interpretar un lenguaje contra-espacial que ha derivado en la institucionalización de nuevas gramáticas de poder y legislaciones que derivaron en proyectos plurinacionales en Ecuador y Bolivia. A su vez, cabe reconocer la persistencia de la estatalidad y las múltiples expresiones de apropiación sobre símbolos sobre la modernidad y reivindicaciones concretas sobre el derecho a la modernización. Lo que para algunos intelectuales ha cooptado parte del capital simbólico ganado por el discurso indígena, ha significado una expresión llana y concreta de resolver demandas históricas de justicia social para líderes indígenas como Felipe Quispe, quién desde su escaño en 2004 confrontó, con una aguada dosis de ironía, el imaginario predefinido sobre el tipo de reivindicaciones que las luchas indígenas establecen al decir: “somos indios de la posmodernidad. Queremos tractores e internet” (Stefanoni, 2007:23). O el propio Evo Morales, quien ha sostenido claramente que como líder sindical de las seis federaciones cocaleras del Chapare y jefe del Estado boliviano, tiene claro que la creación de escuelas, centros de salud y los servicios básicos, son derechos humanos y de eso deberían aprender Europa (Sivak, 2012). En todo caso, resulta fundamental identificar representaciones y prácticas concretas desde las cuales es posible construir un espectro amplio y crítico sobre dicho discurso indígena. Representaciones (otras) del espacio y el territorio En las fuerzas políticas indígenas de la región andina es posible reconocer múltiples puntos referenciales para sus reivindicaciones espacio-temporales, entre ellos es posible destacar dos. Por un lado, la idea de la reconstitución ancestral de territorios, expresada en la idea del Tawantinsuyu, y por otro lado, la defensa de la territorialidad micro y mezzo

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expresada en el ayllu, las markas y los suyus (Gráfico 1). Ambos referentes constituyen contra-representaciones andinas persistentes en la memoria larga de los pueblos originarios y un componente del imaginario discursivo que ha servido para la activación determinante de la geopolítica andina. Desde la interpretación de Yampara (2001), el ayllu constituye la ‘casa cosmológica andina’, una institución aymara tetraléctica (tiwana qallqu) que dinamiza cuatro ordenamientos: territorial, producción-economía, cultural-ritual y sociopolítico. Además de los pares de autoridad, el autor señala que las funciones del ayllu se complementan por el par de autoridades de la producción: Yapu/Uyqa Qamana; y las autoridades de la cosmovisión andina: yatiri/chamakani (Yampara, 2001:71). Desde la perspectiva del Consejo de Ayllus y Markas del Qullasuyu (CONAMAQ) y con particular énfasis del discurso de Felipe Quispe, líder de la CSUTCB y después dirigente central del Movimiento Indígena Pachakuti, era necesaria una conversión del nombre de Bolivia por la del Qullasuyu , que corresponde al imaginario territorial de la región qulla en la región altiplánica del país, que constituyó parte del imperio incaico. Figura 1 Descripción simbólica del Tawantinsuyu y de los referentes espacio-temporales andinos

Fuente: Yampara, Simon, 2001, El ayllu y la territorialidad en los Andes, La Paz: Qaman PachaCada/UPEA.

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Mapa 1 Territorialidad del Tawantinsuyu

Fuente: Sitio web [http://blog.pucp.edu.pe/item/130965/ceque].

Por su parte, en la cultura aymara la fortaleza mítica y religiosa de las montañas –denominadas achachilas y apus- es trascendental en la definición de los ciclos agrarios y en la consulta de decisiones importantes. Constituyen la fuente de una importante narrativa territorial capaz de reunir y movilizar grandes cuerpos sociales de poder comunal. Entre las achachilas, existes jerarquías que determinan el papel de las montañas en el rol de la vida cotidiana, y la organización religiosa regional, y consecuentemente en la producción de escalas espaciales que se vinculan a la realidad local, regional y contemporáneamente, nacional. La comunicación de la montaña, significa un espacio de consulta para la toma de decisiones y espacio de religiosidad, manifiesta en ceremonias y entrega de ofrendas. Y por otro lado, persiste como un referente de representación

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constitutiva de una geografía que desborda las delimitaciones coloniales y republicanas del Estado. En la rebelión aymara de 2003, el epicentro de la resistencia tuvo lugar en Achacachi, en donde se reactivó la función táctica fundamental de una montaña sagrada: Qalachaca, convertida en el cuartel militar indígena aymara que concentró a las bases movilizas para la defensa del territorio y la avanzada militar del gobierno de Sánchez de Lozada. Ha sido una de las mayores expresiones de organización comunitaria sustentada en el sistema de turnos, rotatividad y acciones colectivas de resistencia desde donde se enfrentó a los embates del ejército nacional hasta conseguir su derrota. La recuperación militar del territorio es un fundamento inapelable de soberanía para cualquier lectura política. El ayllu militarizado del ciclo rebelde incluyó estrategias de avance, defensa y hasta ataque de edificios gubernamentales, se trata de “estructuras comunales que comienzan a prepararse para el enfrentamiento” (García L. et. Al., 2004:158). (Por supuesto, que la acotada sostenibilidad de las acciones más radicales terminaba por cuestionar el alcance de la rebelión como un proyecto de autonomía política sostenible, y terminaba por imponer la estructura de la toma del poder estatal, por las vías liberales del ‘estado’). Figura 2 Relación espacial de las Achachilas

Fuente: Damonte, Gerardo, 2011, Construyendo territorios narrativas territoriales aymaras contemporáneas, Bolivia: Fundación Tierra/CLACSO, p. 101.

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La producción de espacio puede llegar a sustentarse, por otra parte, en la organicidad de los espacios estratégicos ancestrales. Q’alachaqa (‘paso o estanco de piedra’ en lengua aymara), al constituirse como el cuartel general indígena, se constituyó en un taypi (el centro) del pachakuti, “en la que se articulan cuatro momentos importantes como es la organización política, la organización de tipo militar, la reconstitución de un territorio indígena y los sistemas de organización interna” (Mamani, 2011:141). Q’alachaqa, ubicado en la entrada del aguerrido pueblo de Achacachi “es el centro de la articulación interprovincial y territorial indígenas” (Mamani, 2011:140). Por otro lado, la estrategia expansiva fue la reactivación de los focos ancestrales y el uso de una particular ‘tecnología militar comunal’. En este sentido, el valor estratégico de esta achachila (montaña sagrada) se basa en su simbolismo, al ser el lugar de convocatoria y concentración para marchas, despliegue de bloqueos y resistencia pacífica y anti-militar, así como en su posición geoestratégica: […] desde donde se domina la extensa pampa de la comunidad de Marka Masaya, el cerro de Suruq’achi y otras poblaciones al norte de Achakachi y el cuartel militar de Achakachi, Ayacucho […] Es el punto de partida pero al mismo tiempo es punto de llegada de comunidades que vienen a Achakachi. En otras palabras, es el taypi-centro o referente de pertenencia colectiva en tanto lugar para las concentraciones y referencia territorial indígena. Además es aquí donde se ha dado inicio al manejo estratégico de la geografía altiplánica (Mamani, 2011:106).

El ‘sistema comunal’ es la base explicativa del proceso de estrategias de acción colectiva, porque se organiza la participación permanente y casi total de los comunarios en distintos cargos de complementariedad para la movilización: frentes de acción para el bloqueo de caminos, preparación de alimentos y abastecimiento a los asentamientos en resistencia, redes de comunicación, frentes de avanzada, etc. “Este es un sistema que organiza las estructuras internas de las comunidades y la relación que éstos establecen con el conjunto de otras comunidades y otras regiones indígenas” (Mamani, 2011:107). Otra noción constitutiva de la contra-representación andina es la idea y concepto de Pachakuti(k), que puede ser interpretada como una inversión del orden establecido, la alteración del adentro hacia afuera

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que supone un cambio profundo en las relaciones de poder. Para interpretar la idea del pachakuti, son importantes dos elementos del pensamiento aymara: la noción de pacto y de equilibrio justo (Gutiérrez, 2009:152-153). En Bolivia, el pachakuti es interpretado por Gutiérrez como la apertura de un nuevo ciclo que invierte órdenes fundamentales de un nuevo equilibrio sustentado en el poder del tejido comunitario popular. En Ecuador, la CONAIE y el movimiento indígena no sólo logró una articulación entre tierras altas y la amazonía -que ya había sido proyectado por Ecuarunari, primera federación regional de organizaciones comunitarias andinas (1972)-, sino que también llevó a la formación de un partido político para participar en la esfera política estatal, que fue nombrado como Movimiento Unidad Plurinacional Pachakutik. En este sentido, las representaciones alternativas a la de la estatalidad moderna, reivindicada contemporáneamente por algunos de los pueblos indígenas originarios, pone en jaque la estructura político administrativa del territorio y re articula un funcionamiento dinámico y vigente de una territorialidad alterna fundamentada en la articulación estratégica del tejido comunitario. Desde esta, se cuestiona la naturaleza inequívoca del territorio y su funcionalidad irrestricta para el funcionamiento administrativo estatal y su inserción para la explotación. Allí radica un choque de representaciones en las que se fundamenta gran parte de la más reciente conflictividad. En relación con la producción de las fidelidades identitarias indígenas contra-hegemónicas y anti estatales destacan no sólo los discursos verbales oficiales (en comunicados) o públicos y su importante contenido insurgente o reformista, sino las ‘ritualidades identitarias’, que considera la imagen de los dirigentes y de las bases movilizadas (ponchos, sombreros, chicotes), “la escenografía ritual de los actos organizativos (wiphalas, retratos de Katari y Sisa) como espacio ordenador del espacio ritual lo que modifica simbólicamente la auto-representación, sus jerarquías y sus mandatos históricos” (García L., 2004:174). En este mismo sentido, Mamani destaca la función del cuerpo como una construcción simbólica cultural en la que la vestimenta es una arquitectura de poder: [E]l poncho es un ‘territorio masculino’ y el aguayo es un ‘territorio femenino’. El poncho es un territorio del mallku, de la autoridad o el jilaqata, el varón. Y el aguayo es el territorio de la t”alla o mama t”alla, que es la esposa del mallku, autoridades políticas del ayllu o de la

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marka […] la autoridad originaria está envestida de muchos elementos simbólicos y sagrados, rutinarios y mundanos. Es decir, su cuerpo está vestido, envuelto, del territorio del ayllu. Por eso hay distintos colores de ponchos (Mamani, 2005).

Este tejido de símbolos y representaciones apenas señaladas con énfasis en la experiencia boliviana, es representativo de la articulación de lenguajes de poder que trazan el desenvolvimiento de prácticas y repertorios materiales de lucha, oposición, resistencia y en muchos casos, incidencia en la reorganización de la gramática de los estados y el capital, y de la misma trampa territorial e identitaria de lo nacional. Prácticas y repertorios estratégicos Los bloqueos, las marchas, las huelgas de hambre, el diseño de los cercos a los epicentros de poder político, son prácticas contra hegemónicas derivadas de una percepción e imaginación anti-geopolítica a la que han recurrido los pueblos originarios en la región andina, con grandes éxitos en Bolivia y Ecuador para generar presión a los gobiernos centrales, la articulación intercomunitaria e incluso propinar derrotas militares al estado, así como en Perú para frenar proyectos mineros y negociar agendas políticas con los poderes locales y nacionales. Aunque las marchas son consideradas una estrategia de presión pacífica y moderada, constituyen una práctica simbólica de gran poder, en la medida en que acuerpan contingentes que se apropian físicamente del territorio mediante el trazo de su camino hasta llegar a las sedes de poder. Una muestra de voluntad y presión que suele evidenciar la disposición del Estado para el establecimiento del diálogo. En ocasiones, las marchas en Bolivia han llegado a terminar con la ocupación de las plazas y el apedreo de las instalaciones de gobierno, un símbolo de lo que en aymara se denomina taraxchi, la toma de las ciudades de la república que estarían orientadas a la toma del poder político (Quispe, 2005:74). En su amplio espectro, el bloqueo de caminos desata una serie “de distancias radicales entre comunidad y ‘estado’ y es uno de los momentos de mayor escenificación de las enemistades históricas con la sociedad dominante” (García L., 2004:155). El bloque permite el aislamiento de ciudades, el corte de suministros de alimento y de los flujos comerciales (bloqueo

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geoeconómico), pero sobre todo es el ejercicio de autoafirmación indígena basado en el ejercicio de soberanía territorial. Las variaciones más relevantes durante las movilizaciones, tomando como referente las movilizaciones del ciclo rebelde experimentado en Bolivia entre 2000-2003, fueron el plan pulga, el plan sikititi, el plan taraxchi y el plan wayronk’o (Quispe, 2005:73). El primero consistió en “la formación de brigadas comunales que de manera rápida bloquean diferentes puntos a lo largo de la carretera sin quedarse en un lugar fijo, a fin de dirigirse a otros puntos a bloquear” (García L. et. Al., 2004:157). Esta capacidad de movilidad posee la efectividad táctica de la guerra de guerrillas, una ágil movilidad que permite que los comunarios ejecutar el bloqueo sin tener que enfrentar físicamente la llegada del ejército. Por otro lado, permite generar un desgaste permanente en las tropas castrenses que al quitar el bloqueo en un punto, ya encontrarán uno nuevo en otro más, ya que cuando el ejército parte, las pulgas en conjunto regresan y reinstalan el bloqueo. Por su parte, el plan sikititi (hormiga colorada) consiste en una marcha en línea que va integrando casa por casa a los participantes en la marcha para la progresiva acción táctica. El plan wayronk’o (escarabajo de la tierra) consiste en marchas y bloqueos relámpago para distraer a las fuerzas represivas, sin una ruta o plan previo ni predecible como el vuelo del escarabajo. Mientras que el plan taraxchi es la movilización masiva para estrangular las ciudades (zibechi, 2008:73; García L., 2004:118). Estos repertorios de práctica e imaginación táctica, son una locución de inteligencia comunal que Mamani explica desde la perspectiva de la estrategia de los turnos y mitas, ya que: […] representan una articulación territorial intermitente de las acciones colectivas que han dado paso a las masivas concentraciones en lugares estratégicos como el de Qalachaka. Nuevamente empieza a construirse murallas humanas sobre los cerros, sobre los caminos y las pampas para controlar y no permitir el ingreso de militares a este territorio cuasi autónomo [...] El territorio es construido mediante consenso en los ampliados provinciales e interprovinciales, y mediante las conversaciones cotidianas en lengua aymara y los manifiestos, comunicados, declaraciones emanadas desde el centro del poder comunal: las asambleas u ulaqas. Estos posteriormente han

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sido redistribuidos en copias y entregados a los secretarios generales o tata generalas, cantonales y ejecutivos provinciales para tener buena información y un “buen gobierno” indígena (Mamani, 2011:193).

Mucho de lo que explica la producción de la espacialidad aymara y quechua, se sustenta en la sobre-posición de lo que Patzy (2011) considera como un ‘ethos comunal’, por encima del ‘ethos sindical’; se trata de un núcleo de acumulación de cultura fundamentada en la identidad originaria y en un sistema de organización social comunitaria. Para que este andamiaje comunal funcione con tal esfuerzo de energía, gasto, tiempo, etc., se requiere una sólida o densa estructura de símbolos de cohesión identitaria, capaz de constituir dicho ethos comunal, anclajes de memoria histórica, proyectos de identidad fuertemente movilizados. De tal manera que los elementos fundamentales de logística, que abarcan desde la movilización de los comités de bloqueo, hasta el abastecimiento de alimentos -lo que recae fundamentalmente en las personas mayores y las mujeres a través del apthapi -, son ya el resultado de esta densidad político identitaria. Entrecruzamiento-convergencia de “soberanías” y territorialidades en la región andina: horizontes y paradojas de los proyectos plurinacionales Como se ha expuesto, las representaciones y las prácticas generadoras de contra-espacios, han sido una base central en la construcción de un discurso geopolítico en el que sustenta la potente emergencia indígena originaria en la región andina. En el caso de Ecuador, la trayectoria de la CONAIE comprueba, sin embargo, que el capital político ganado en las movilizaciones y las múltiples expresiones de resistencia fundamentadas en un articulación fina y de gran fortaleza comunitaria, ha enfrentado una crisis tras acceder a los espacios del poder político estatal, dada la forzosa inserción al lugar y dinámicas de la estatalidad capitalista. Aun así, su participación en la definición de la agenda de debate en la Asamblea constituyente (2007-2008) fue de gran importancia a pesar de haber tenido pocos escaños de representación. El posterior vaciamiento de los principios plurinacionales por parte del gobierno de Rafael Correa y la limitada capacidad de acción-negociación para contener el modelo desarrollista, llevó a

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una fractura con el gobierno y son un punto clave para reflexionar sobre la geopolítica indígena. Por su parte, en Bolivia la llegada a la presidencia de Evo Morales, fue el escenario simbólico de un triunfo que en gran medida acumuló su poder efectivo durante el ciclo rebelde (2000-2004/5), que aglutinó las luchas del altiplano, los valles cocaleros, el movimiento urbano en Cochabamba que articulo la resistencia en la Guerra del agua (2003), el movimiento indígena de tierras bajas, etc. La consolidación del proyecto nacionalista indígena –y la indianización del nacionalismo (Stefanoni, 2011)-, significó la derrota de las iniciativas neo-fascistas y separatistas encabezadas por la oligarquía oriental, con epicentro en Santa Cruz, y la creación de una nueva gramática constitucional que fue diseñada desde las bases congregadas en el pacto de unidad. Posteriormente fue reapropiada por el flamante partido de gobierno (MAS) para consolidar en la asamblea constituyente el nuevo texto que daría sustento al proyecto plurinacional. Los resultados posteriores a la aprobación de la nueva constitución han derivado en una agenda creciente de conflictividad entre el gobierno de Morales y algunas de sus bases, la ruptura del pacto de unidad y el quiebre de la base orgánica indígena originaria que le dio soporte político para la toma del poder estatal. En este contexto, es posible plantear que la nueva agenda de conflictividad en la región, se caracteriza por la incidencia del proyecto neo-extractivista impulsado por los gobiernos tanto progresistas como neoliberales. Por supuesto que, en el caso de Ecuador y Bolivia, existe una reivindicación constitucional que demanda el respeto a un conjunto de principios políticos y éticos en relación con los límites y procesos para la explotación de los recursos naturales, los derechos de la naturaleza, así como un referente constitucional que explicita las condiciones de lo plurinacional, sustentado en el respeto al territorio y el derecho a la consulta previa e informada a las comunidades que habitan el territorio bajo una reivindicación histórica ancestral o precolonial que reconoce el discurso plurinacional. En Perú y Colombia, a pesar del rezago en materia jurídica-constitucional explícita y aun sostenida en las perspectivas multiculturales, el poder efectivo de contención y movilización indígena originaria es también de trascendental importancia. Enseguida, se enlistan algunos de los casos de mayor conflictividad en la región andina, con el fin de identificar

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la sobre-posición de territorialidades, soberanías y vislumbrar algunas consideraciones del nuevo escenario de abigarramiento andino. Neo-extractivismo: un mapa de conflictividad y abigarramiento territorial Desde finales de la década de los noventa y con un particular énfasis a lo largo de las primeras décadas del siglo XXI, América Latina se ha enfrentado a un nuevo auge del desarrollismo centrado en un esquema neo-extractivista. Aunque el debate energético se ha centrado en la discusión sobre la relativa recuperación de soberanía y la estatización de la explotación de yacimientos que trajeron consigo los proyectos post-neoliberales, el avance extractivo en la industria petrolera y gasífera ha alcanzado un máximo histórico. Mientras que el impacto de la minería a cielo abierto se ha convertido en una de las principales fuentes de conflictividad territorial entre los gobiernos, las empresas transnacionales y las comunidades indígenas, frente a lo que parece una reconfiguración de economías de enclave en la región latinoamericana, ante el gigantesco aumento de la demanda de minerales y metales estratégicos. El oro, la plata, el cobre, el níquel, el zinc y el hierro –en paralelo a la sostenida estructura de dependencia a los hidrocarburos- enfrentaron desde 2004/5 un alza internacional de precios, como respuesta a la avasallante demanda de recursos por parte de las consolidadas potencias industriales y las emergentes (China, Brasil, India, Rusia), representado por un histórico despliegue de consumo energético por parte del gigante asiático. La región andina constituye un reservorio extraordinario de recursos naturales: agua dulce, petróleo, gas y múltiples recursos mineros (incluyendo extraordinarios yacimientos de litio). En la última década, empresas multinacionales de capital fundamentalmente canadiense y estadounidense, se han abierto paso en las legislaciones y planes de desarrollo de los gobiernos de la región para establecer una explotación sistemática sobre el cordón andino-amazónico-mesoamericano, que expone los focos de conflictividad territorial más aguda en América Latina. De acuerdo con el Observatorio de Conflictos Mineros de América Latina (OCMAL), para el año 2012, se habían registrado 161 conflictos entre gobiernos y empresas, por un lado, y cooperativas, comunidades

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indígenas por otro, al reivindicar el derecho a la explotación de dichos espacios y su repudio al otorgamiento de concesiones a las empresas multinacionales, o la defensa del espacio y contra su explotación; al igual que importantes sectores de la ciudadanía, movilizada en defensa del medio ambiente (Mapa 2). La instalación de yacimientos de explotación de minería a cielo abierto, se ha convertido en una devastadora estrategia que ha impactado ambientalmente en la contaminación del agua, producto del uso de cianuro y arsénico para el desarrollo de la explotación. En Bolivia, se reconocen 6 principales conflictos y 22 comunidades afectadas, en Ecuador 5 conflictos y 6 comunidades afectadas, en Perú 28 y 32, en Chile 25 y 34 y en Colombia 16 y 20, respectivamente (OCMAL, 2012). En Perú, se ha desatado una importante ola de protestas (huelgas, paros, bloqueos, etc.) a lo largo de la franja de explotación minera. Este es el caso de la comunidad campesina San Juan de Cañaris, o de Cajamarca, que logró frenar el proyecto minero en las minas de Conga, en la sierra norte del Perú. No obstante, aun cuando la oposición de las comunidades es mayoritaria, existen grupos que han confiado en la explotación minera como su vía concreta de ingresos. Las empresas encargadas de su explotación, Yanacocha y Newmont, de capital estadounidense, proyectan sacar en los primeros cinco años entre 580 y 680.000 onzas de oro al año y entre 155 y 235 millones de libras de cobre al año, y están prospectadas por lo menos dos décadas de intensa explotación (Ximenez, 2012). Por su parte, en 2009, un violento conflicto en la región selvática de Bagua que dejó 35 muertos, promulgó hace casi dos años una ley de consulta previa a los indígenas sobre proyectos que afecten sus territorios, pero hasta el momento no ha sido aplicada (Ibíd.). El gobierno de Ollanta Humala ha impulsado el desarrollo de proyectos extractivos con una inversión extranjera en minería por un valor de 40.000 millones de dólares pendientes de ejecutar hasta 2017, en un país en el que la minería supone un 60% de las exportaciones y que el gobierno está dispuesto a defender, como lo demuestra la tendencia represiva en Cajamarca. Por otro lado, las consecuencias ambientales de la explotación minera constituye la contaminación de lagunas de agua dulce y bajas expectativas de una auténtica política de responsabilidad social por parte de las empresas.

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Mapa 2 Infografía sobre los impactos de la minería en América Latina y el Caribe

Fuente: Observatorio de Conflictos Mineros de América Latina (OCMAL), 2012; Rebosio (El País, 2012).

En Bolivia la coyuntura de conflictividad más importante en lo que va del ‘proceso de cambio’ quizá esté representado la decisión del gobierno de construir el segundo tramo de la carretera que vincularía a la población de San Ignacio de Mojos (Beni) con la de Villa Tunari (Cochabamba) sin el procedimiento inicial de consulta –según lo establecido en la nueva constitución- y atravesando el corazón del Territorio Indígena Parque Nacional Isiboro Securé (TIPNIS). El cual está ubicado en el centro la región amazónica del país y que se extiende al sur del departamento del Beni y al norte del Chapare cochabambino. Entre agosto y octubre de 2011 se convocó y dio inicio la VIII Marcha Indígena que partió de la ciudad de Trinidad rumbo a La Paz, encabezada por la CIDOB y la CONAMAQ, ambas organizaciones participantes del pacto de unidad. La VIII Marcha definió como agenda central el reclamo de la consulta (consagrado como derecho constitucional en la flamante carta magna) y la redefinición de la estrategia de construcción de la carretera.

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La violenta intervención a este despliegue territorial indígena en Yucumo, por parte de fuerzas de seguridad del Estado, no impidió la conclusión de la marcha, pero marcó el desenvolvimiento fallido de los acuerdos que serían alcanzados en la ciudad de La Paz, así como en la promulgación de una ley de consulta, finalmente rechazada por los marchistas y una parte importante de la población local. Son varias las aristas de este conflicto, pero destacan los siguientes puntos. En primer lugar, se han expuesto y constatado las contradicciones profundas que existen entre las propias organizaciones indígenas, originarias y de campesinos colonizadores en torno a la idea de desarrollo. En segundo lugar, la pugna por el TIPNIS ha marcado un debate en torno al horizonte económico que se pretende construir. Por un lado, la posibilidad de ampliar una frontera agrícola sobre el TIPNIS mediante el avance de las comunidades campesinas cocaleras (denominadas interculturales) y la extensión de los cultivos de coca, ha llevado a considerar otra connotación de frontera: la de defensa de los territorios indígenas, que por sus diversos significados culturales y ecológicos, parece potenciar las estrategias de defensa territorial en términos de autodeterminación. En tercer lugar, se encuentra el potencial hidrocarburífero en el corazón del TIPNIS, lo que permite vislumbrar la inserción de este territorio a la economía extractivista nacional. Este escenario constata que el horizonte económico-productivo gubernamental todavía se encuentra concentrado en un modelo extractivo primario exportador que “requiere para sus operaciones productivas fundamentos y bases de un Estado centralista y mono nacional” (Paz, 2011), más que en una industrialización soberana que procure una creciente autonomía del modelo de desarrollo respecto al patrón de acumulación regido por el régimen rentista extractivista transnacional de los hidrocarburos y la minería, en paralelo al fortalecimiento de la soberanía alimentaria y el apoyo al campo para una creciente auto-sustentabilidad plurinacional. Además, hace evidente que la territorialidad indígena que proyecta una resistencia contundente ante la territorialidad capitalista del Estado boliviano se traslapa con la proyección de la IIRSA, y la inserción de los insumos amazónicos a los ejes desarrollistas de la iniciativa de integración. Así como la proyección sub-hegemónica brasileña, en particular del capital paulista, interesado en la ampliación de la frontera agrícola, y que a través del Banco Nacional de Desarrollo Económico y Social de Brasil (BNDES) impulsó el proyecto de la carretera para “la integración auténtica de Bolivia”.

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A este escenario, es importante agregar las marchas y protestas por parte de los comunarios de Mallku Khota, territorio de ayllus en el norte de Potosí, que en 2010 expusieron su repudio al proyecto de explotación de la empresa South American Silver, la cual adquirió derechos sobre la región entre 2003 y 2008. Los comunarios se opusieron ante la implementación de la tecnología de explotación a cielo abierto, enfrentando represión policiaca y detenciones, y reivindicando los derechos de explotación sobre la riqueza minera de su territorio. A diferencia de la situación del TIPNIS, en la que el gobierno de Morales ha insistido en sostener el proyecto de la carretera, en Mallku Khota, el gobierno ha terminado por suspender la concesión a la empresa. Por un lado, destaca la capacidad de disuasión de la resistencia territorial indígena, pero también revela el peso de las alianzas estratégicas y compromisos del gobierno de Morales (Jiménez y Campanini, 2012). En todo caso, resulta interesante reconocer la persistencia de discursos geopolíticos en tensión y la capacidad múltiples fuentes para determinar relaciones de poder y nuevos balances en la producción de territorialidades dominantes y subalternas. Conclusiones: paradojas de los proyectos plurinacionales La idea sobre lo plurinacional puede ser interpretada como la demanda por el reconocimiento de otro concepto de nación y de la condición coetánea y convergente de múltiples naciones (en cuanto comunidades culturales) y nacionalidades, concebidas como la pertenencia a una etnia, cultura o religión. Implica el reconocimiento de los derechos colectivos de los pueblos o grupos sociales en situaciones en que los derechos individuales de las personas que los integran resultan ineficaces para garantizar el reconocimiento y persistencia de su identidad cultural o el fin de la discriminación social de que son víctimas. Por otro lado, la heterogeneidad de diversas naciones y nacionalidades, implica el reconocimiento de que estas comunidades, experimentadas e imaginadas, redefinen la imaginación social de pertenencia a una estructura territorial con el derecho a la diferencia, la garantía de la representación, la autonomía y la autodeterminación territorial para los pueblos indígenas, originarios y afrodescendientes. En paralelo, implica también reconocer el derecho de nacionalidad moderna estatizada que representa la sociedad no indígena, la cual puede llegar a compartir u oponerse a la proyección de la

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diversidad. En todo caso, pensar la plurinacionalidad desde el Estado –Estado plurinacional-, conlleva una paradójica trampa territorial e ideológica, ya que la heterogeneidad se ve de constreñida a un territorio definido y un valor identitario dominante del que pende la construcción de ciudadanía. Los proyectos plurinacionales han expresado la capacidad de transformar el lenguaje que históricamente había determinado una violenta homogenización mediante el discurso modernizante del Estado nación. La descentralización y la creación de modelos de autonomía en las nuevas constituciones de Ecuador y Bolivia, ha significado un espacio concreto para garantizar el derecho a la autodeterminación y el autogobierno dentro de una institucionalidad estatal. Sin embargo, la incorporación a la nueva estatalidad pareciera cooptar la autonomía que de hecho han ejercido algunos pueblos indígenas y originarios. En la medida en que se profundizan los nuevos nacionalismos populares, lo plurinacional parece vaciarse de sustancia y contenido. Justamente, uno de los fundamentos de lo plurinacional, es la garantía constitucional y ética por parte del aparato de gobierno, de consultar a las comunidades indígenas sobre los proyectos de infraestructura y explotación económica que inciden directamente en su territorio. En este sentido, la entrega de concesiones a empresas extranjeras o a las propias paraestatales para la explotación petrolera, gasífera y minera entre otras ya señaladas, han significado la apertura de una agenda de conflictividad que explica las tensiones entre las diversas reivindicaciones que se disputan y los sentidos concretos de la actual yuxtaposición territorial en América Latina. La proyección del discurso geopolítico indígena originario, plantea espacios otros y posibles, y a su vez revela el rediseño de los mapas y cartografías concretos a los que se enfrentan las ciencias sociales contemporáneas. Pablu Uc - Pesquisador associado do Centro de Estudios Superiores de México y Centroamérica (CESMECA), da Universidad de Ciencias y Artes de Chiapas (UNICACH), e Professor da Universidad Autónoma de Chiapas (UNACH), México. Bolsista do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO). (1) Este artículo es el resultado de la ponencia presentada con el mismo título durante el Seminario Internacional: Extraterritorialidades, entrecruzamento de soberanias e conflitos na América Latina, realizado en Sao Paulo, Brasil en agosto de 2013. Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP, Centro Brasileiro de Estudos da América Latina do Memorial da América Latina y Fundação Friedrich Ebert.

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(2) El sumak kawsay (buen vivir en lengua kichua) fue incorporado al debate político y la constitución de Ecuador como eje articulador de otras maneras de desarrollo –y paralelamente instrumentado como eslogan político del gobierno de Correa; mientras que suma qamaña (vivir bien en lengua aymara) ñandereko (vida armoniosa) y teko kavi (vida buena) en lengua guaraní, han sido las concepciones planteadas en la nueva constitución de Bolivia como “principios éticomorales de la sociedad plural” – y también instrumentado en el discurso político del gobierno de Evo Morales. (3) Esta crítica se refiera tanto a los proyectos abiertamente neo-desarrollistas y depredadores contenidos en la Iniciativa Mesoamericana, la Iniciativa para la Integración de la Infraestructura Regional Sudamericana (IIRSA-UNASUR), la Alianza del Pacífico y su vínculo con el Trans Pacific Partnership (TPP), algunos proyectos del Mercado Común del Sur (Mecosur), e incluso de la Alternativa Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América (ALBA) dada su profunda petrodependencia extractiva. (4) Este es el caso, por ejemplo, de la experiencia del Movimiento Unidad Plurinacional Pachakutik creado en 1996 como instrumento político para la participación en el espectro electoral ecuatoriano, aunque no siempre presentó candidatos indígenas. Destaca por ello el caso del MASIPSP (Instrumento para la Soberanía de los Pueblos) en Bolivia, que accedió progresivamente a los espacios del Estado hasta convertirse en la plataforma mediante la cual Evo Morales llegó a la diputación y después a la presidencia (2006), y ahora mismo el partido de Estado. (5) En este sentido, Piazzini señala acertadamente la necesidad de reconocer las contradicciones al interior de los polos subalternos del sistema mundo-moderno colonial: la alteridad de experiencias y conceptos de espacio-tiempo parece reducirse a la división entre lugares de enunciación situados en el interior/exterior del sistema mundo moderno/colonial, sin mayor sensibilidad a otras diferencias geohistóricas que se encuentran en el interior de los pares de oposición” (Piazzini, 2008:68).

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CApÍtuLo 10. iniCiAtiVA YASunÍ-itt: ConFLitoS e A poLitiZAção Do ConCeito De SumAk kAwSAY no equADor De rAFAeL CorreA1 CAROLINA SILVA PEDROSO

Eleito com forte apoio de movimentos sociais, ambientais e indígenas, o economista Rafael Correa tornou-se presidente do Equador em 2007 com uma plataforma de campanha inovadora para o país. Sua principal promessa era promover uma reforma constitucional com ampla participação popular e, consequentemente, dos movimentos mais articulados da sociedade civil, incluindo os que lhe deram sustentação na campanha eleitoral. O resultado desse esforço conjunto foi a Constituição de Montecristi, conhecida, dentre outras coisas, por ter incorporado o conceito de Sumak Kawsay (Buen Vivir, em espanhol) nas leis do país e por ter transformado a natureza em sujeito de direitos. Mesmo com os avanços jurídicos logrados, Correa enfrentou muitos desafios para implementar integralmente seu plano de governo, sobretudo no que se refere às aspirações ambientais e mudanças de paradigma de desenvolvimento, tendo em vista os diversos interesses privados e públicos que tangenciam essas questões. Por esse motivo, ele passou a sofrer fortes críticas de seus antigos apoiadores: movimentos estudantis, ambientais e indígenas. A CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas Equatorianas), uma das representações indígenas mais articuladas do país, por exemplo, declarou o presidente como persona non grata depois da polêmica envolvendo a Iniciativa Yasuní-ITT. Essa proposta nasceu no contexto de protestos contra empresas petroleiras nos anos 1990 e consiste em manter as reservas de petróleo encontradas no Parque Nacional Yasuní

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embaixo da terra. Correa havia incluído essa proposta em seu plano de governo, porém elaborou também um “plano B” para explorar aquele petróleo de uma forma menos agressiva ao meio ambiente, o que não foi bem aceito pelos grupos indígenas e de ambientalistas, pois representaria um desrespeito à soberania territorial e cultural dos povos que residem em regiões de jazidas e acarretaria prejuízos à biodiversidade. Apesar do começo promissor com a aprovação de uma das cartas constitucionais mais avançadas do continente, o governo Correa foi perdendo o apoio desses setores, que hoje fazem parte da oposição à esquerda. Portanto, o estopim dessa ruptura política gira em torno do dilema “desenvolvimento econômico e social versus sustentabilidade” e tem como pano de fundo a Iniciativa Yasuní-ITT, cuja inovação era a não exploração do petróleo existente no parque. Os ânimos se acirraram quando o governo anunciou, em agosto de 2013, que levaria adiante o “plano B”, explorando o petróleo da maneira “menos danosa” ao entorno da reserva, gerando forte comoção na opinião pública nacional e internacional. O objetivo deste estudo é apresentar a Iniciativa Yasuní-ITT, que é fruto de lutas populares e foi incorporada à agenda da Aliança País, bem como o seu “plano B” elaborado pelo governo. Nesse contexto, a politização do conceito de Sumak Kawsay e a busca por um novo paradigma de desenvolvimento econômico permitirão entender as posições dos diversos grupos de interesse e do próprio presidente em relação às questões ambientais na atualidade. Consideramos que o processo de politização do Sumak Kawsay é um elemento essencial para identificar a racionalidade dos atores envolvidos na dinâmica social e política do Equador, sobretudo a partir da análise do caso da Iniciativa Yasuní-ITT. Destarte, o trabalho está dividido em quatro partes: a primeira é um breve panorama histórico e conjuntural; a segunda é uma explicação do significado da incorporação do conceito de Sumak Kawsay à Constituição equatoriana de 2008; a terceira seção é dedicada à apresentação e aos desdobramentos da Iniciativa Yasuní-ITT e, por fim, estão as considerações finais sobre os conflitos evidenciados por essa iniciativa na sociedade equatoriana. Antecedentes da Iniciativa Yasuní-ITT: a proposta da moratória petroleira “Nos últimos anos, o surgimento de lutas, reivindicações e propostas de diversos movimentos sociais frente ao neoliberalismo, a fase mais desenvolvida e implacável de acumulação do

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sistema capitalista, mostrou a necessidade de construir novos paradigmas que nos permitam impulsionar profundos processos de mudança para a construção de sociedades mais justas, igualitárias, capazes de gerar alternativas a partir de sua própria diversidade e na democracia.” - Ana María Larrea, 2010 (tradução nossa).

A economia equatoriana, embora diversificada, é majoritariamente sustentada pela exploração de petróleo e de outros recursos naturais2, motivo pelo qual desde a década de 1960 o país recebeu empresas estrangeiras que dominaram esse setor. Após os dois choques do petróleo da década de 1970, os países exportadores do produto foram inundados por capital internacional e obtiveram facilidade de crédito. O Equador viu sua dívida crescer 22 vezes e, segundo Lia Bressan, “[...] a situação de vulnerabilidade na qual os dirigentes equatorianos colocaram o país deixou o mesmo à mercê dos grandes bancos internacionais na década de 1980, quando esses resolveram cobrar a dívida adquirida na década anterior.” (Bressan, 2012, p. 46). A partir de então, a fim de sanar suas dívidas, o país aceitou uma série de condicionamentos para receber ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional. Estava iniciada, pois, a década perdida e o ciclo conhecido por neoliberal. Já nos anos 1990, o Equador viveu um período de mobilização social ocasionado pelo inconformismo com os resultados sociais e ambientais das políticas consideradas neoliberais. Ademais da intensa presença de capital estrangeiro investido em atividades extrativas, foi nessa década que desastres ecológicos, decorrentes de tais atividades, afetaram a riqueza natural do país e a soberania de povos indígenas, sobretudo na região amazônica. O caso mais emblemático é o da Chevron-Texaco, cujas operações transcorreram entre 1964 e 1990 e resultaram, por um lado, na exploração de quase 1,5 milhão de barris e, por outro, foram responsáveis pela contaminação de rios, pela morte de animais e pelo aumento de casos de câncer na população local. Além dos danos ambientais: No âmbito psicossocial, as denúncias são múltiplas: violência sexual por parte dos operadores da empresa contra mulheres adultas e menores de idade, mestiças e indígenas; abortos espontâneos; discriminação e racismo; deslocamentos forçados; nocivo impacto cultural e ruptura da coesão social. E mais, sobre Texaco pesa também a extinção de povos originários como os tetetes e os sansahuaris. (Acosta, 2010b, p. 20, tradução nossa).

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Mediante todas as atrocidades cometidas por essas empresas, indígenas, ambientalistas e militantes dos mais diversos movimentos sociais encabeçaram uma luta pela saída de tais companhias do Equador. Crescia a percepção de que os ganhos obtidos com a exploração dos recursos naturais não eram distribuídos às regiões responsáveis pela produção. A Amazônia equatoriana, se comparada às demais regiões do país3, possui um déficit significativo no que se refere à infraestrutura, à qualidade de vida e aos índices de educação e probreza, além de ter problemas estruturais na área de saúde (Bustamante & Jarrín, 2005, pp. 20-22). Surgia na sociedade um questionamento acerca do modelo de desenvolvimento adotado pelo país, baseado nas atividades extrativas dos recursos naturais, seja pelo aumento da desigualdade social, seja pelos desastres ecológicos que prejudicavam a população local e a biodiversidade. Nota-se que foi construído um relativo consenso social acerca da necessidade de expulsão dessas empresas, como parte de um plano maior de adoção de um novo padrão de desenvolvimento (Acosta, 2011). Nesse contexto surge a demanda pela moratória petroleira, ou seja, um compromisso internacional de que o país não exploraria seu petróleo amazônico, buscando conservar tal região em troca do perdão de parte de sua dívida externa. A proposta final da moratória petroleira foi oficializada no livro El Ecuador Post-Petrolero (Acción Ecológica), publicado no ano 2000. No ano seguinte, Acosta relata que: […] resgatando a questão da dívida ecológica, a partir dos grupos que discutiam o tema da dívida externa se levantou a possibilidade de um acordo histórico com os credores internacionais para suspender o serviço do endividamento externo em troca da conservação da Amazônia. (Acosta, 2010b, p. 20, tradução nossa).

A grande novidade – e também fragilidade – da moratória petroleira é que ela condiciona sua efetivação e concretização ao apoio e sensibilidade internacionais pela causa ambiental. Para reforçar esse argumento, os movimentos utilizavam como base um relatório do Banco Mundial que listou as condições necessárias para que um país se desenvolvesse somente com a exploração do petróleo, condições essas inexistentes no Equador (Acosta, 2010a).

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Para entendermos as motivações indígenas na defesa da moratória petroleira é preciso ter em mente a importância da entidade mitológica Pachamama. De acordo com Jorge Lira (1944), a etimologia desse termo advém tanto do ayamará como do quichua, em que Pacha significaria Espaço, Tempo, Terra ou Universo e Mama mãe; portanto, uma tradução literal sugeriria a ideia de Mãe-Terra (Madre-Tierra, em espanhol). Representada pela figura de uma mulher baixa com pés grandes e usando um chapéu, a divindade de origem Inca não seria uma deusa criadora, mas sim provedora, responsável pelas colheitas e gado. Assim, suas funções estão relacionadas à Natureza, sobre a qual exerce o poder da vida e da fertilidade e, em troca, exigiria sacrifícios e oferendas. Apesar de ser cultuada durante o ano todo, o mês de agosto é dedicado a uma série de comemorações, oferendas e rituais que visam agradá-la, pois se acredita que o desrespeito para com ela gera castigos à toda a humanidade, como os grandes desastres naturais (Lessa, 2007). Seguindo esse raciocínio, os indígenas entendem que o petróleo é o sangue da terra e, como tal, não deve ser retirado sem a permissão da Pachamama. Caso isso ocorra, a natureza sangraria e o castigo de sua divindade seriam fenômenos climáticos incontroláveis. Portanto, a explicação das nacionalidades indígenas que acreditam nessa entidade para o aquecimento global tem relação com a exploração do petróleo. A interpretação dessa crença ancestral leva a uma a conclusão semelhante à corrente científica que atribui o aquecimento global à ação antrópica, como a queima de combustíveis fósseis e, dentre eles, o petróleo. O Movimento Pais, fundado pelos economistas e intelectuais Alberto Acosta e Rafael Correa em 2005, juntamente com outros grupos sociais, incorporou a demanda pela moratória petroleira em seu plano de governo para as eleições presidenciais de 2006, conforme documento oficial do partido: Neste empenho por repensar a política petroleira, aparece com crescente força, a necessidade de analisar com seriedade a possibilidade de uma moratória da atividade petroleira no sul da Amazônia equatoriana, atada a uma suspenção do serviço da dívida externa. Seria imperdoável que se reedite a destruição ambiental e social experimentada no norte da Amazônia. Ademais, é preciso manejar o petróleo existente como uma reserva energética para o futuro, que seria extraída, sempre que

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existissem suficientes garantias para não colocar em risco a principal riqueza da Amazônia: sua biodiversidade. (Movimiento País, 2006, p. 41, tradução e grifos nossos).

O êxito eleitoral do novo partido, além de incorporar a ideia de moratória petroleira, também ocorreu graças à proposta de reforma constitucional, que era defendida pela Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) desde 1994. Para o cientista político André Luiz Coelho (2006), esse ponto foi essencial para a primeira vitória eleitoral de Rafael Correa. Na próxima seção, serão discutidas as inovações constitucionais firmadas em Montecristi, em 2008. O Sumak Kawsay na Constituição de Montecristi “Toda Constituição sintetiza um momento histórico. Em toda Constituição se cristalizam processos sociais acumulados. E em toda Constituição se plasma uma determinada forma de entender a vida. Uma Constituição, todavia, não cria uma sociedade. É a sociedade que elabora a Constituição e a adota quase como uma rota de fuga.” - Alberto Acosta, 2010a, tradução nossa.

Reconhecida por ser uma das constituições mais avançadas em termos sociais, indígenas e ambientais, a Constituição de Montecristi (2008), de maneira inédita, instituiu os direitos da Natureza4 como um dever a ser perseguido pelo Estado, visando a oferecer aos seus cidadãos melhores condições de vida e transformar o país em uma potência ambiental (Ecuador, 2008). Sob essa perspectiva, a natureza deixa de ser um objeto e se aproxima da cosmovisão ancestral da Pachamama. Na tentativa de enquadrar esses termos na lógica ocidental, pode-se afirmar que a ideia de natureza deve ser tomada em conta por sua essencialidade para a vida na Terra, incluindo a humana. Portanto, seu bom funcionamento é fundamental para a manutenção de nossas vidas, evidenciando que a centralidade dessa proposta é que o meio-ambiente, entendido como Vida, tem valor em si mesmo e não por razões econômicas (Breda, 2011). O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos acredita que esse processo de incorporação de termos ligados aos povos indígenas

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em uma carta constitucional, instrumento político proveniente do pensamento burguês ocidental, é uma prova da “ecologia do saber”, que representa uma mistura de saberes. “Direito para a Pachamama é uma mescla maravilhosa entre o pensamento eurocêntrico e o pensamento ancestral. E essa é a riqueza que não podemos desperdiçar.” (Santos, 2010, p. 153, tradução nossa). O Sumak Kawsay, traduzido para o castelhano como Buen Vivir, por sua vez, é um conceito advindo da cosmovisão indígena, tanto kichwa como yamará, e está relacionado à ideia de uma ‘vida boa’, em que há uma harmonização entre todos os elementos da natureza, colocados em pé de igualdade. No Viver Bem nos desenvolvemos em harmonia com todos e tudo, é uma convivência onde todos nos preocupamos por todos e por tudo o que nos rodeia. O mais importante não é o homem nem o dinheiro, o mais importante é a harmonia com a natureza e a vida. Sendo a base para salvar a humanidade e o planeta dos perigos que afligem uma minoria individualista e sumamente egoísta, o Bom Viver aponta para uma vida simples que reduza nossa dependência do consumo e mantenha uma produção equilibrada sem arruinar o entorno. (Mamani, 2010, p. 21, tradução nossa).

Dessa forma, o homem não é mais visto como um ser superior, mas sim como um dos elementos que compõe este sistema, formado por todas as formas de vida e baseado na sua dependência mútua. Se levado ao extremo, é um conceito que representa um paradigma alternativo ao Antrocentrismo da civilização euro-ocidental, propondo uma visão Biocêntrica. A grande contribuição dessa proposta é a construção de um modelo sócio-biocêntrico, reconhecendo a igualdade de importância da vida de todos os seres, independentemente de seu valor utilitário para a humanidade. [...] a ideia do Sumak Kawsay ou Suma Qamaña: nasce na periferia social da periferia mundial e não contém os elementos enganosos do desenvolvimento convencional. Já não será questão do “direito ao desenvolvimento” ou do princípio desenvolvimentista como guia da atuação do estado. Agora se trata do Bom Viver das pessoas concretas,

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em situações concretas, analisadas concretamente e a ideia provém do vocabulário de povos outrora totalmente marginalizados, excluídos da respeitabilidade e cuja língua era considerada inferior, inculta, incapaz do pensamento abstrato, primitiva. Agora seu vocabulário entra em duas Constituições. (Tortosa, 2009, tradução nossa).

A Constituição equatoriana não foi a primeira a possuir termos oriundos das nacionalidades indígenas, a Bolívia já o tinha feito alguns anos antes, por isso José Maria Tortosa se refere também ao texto constitucional boliviano, em que é dever do Estado promover o Bom Viver (Bolívia, 2009). No entanto, enquanto a Carta boliviana prescreve que é dever do Estado promover esse e outros princípios ético-morais da sociedade plurinacional, a equatoriana vincula o Sumak Kawsay com o regime de desenvolvimento, que englobaria os aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Para Ana María Larrea: […] na Constituição do Equador se supera a visão reducionista do desenvolvimento como crescimento econômico e se estabelece uma nova visão, na qual o centro do desenvolvimento é o ser humano e o objetivo final é alcançar o sumak kawsay ou o Bom Viver. Frente à falsa dicotomia entre Estado e mercado, impulsionada pelo pensamento neoliberal, a Constituição equatoriana formula uma relação entre Estado, mercado, sociedade e natureza. O mercado deixa de ser o motor que impulsiona o desenvolvimento e compartilha uma série de interações com o Estado, a sociedade e a natureza. Pela primeira vez na história da humanidade uma Constituição reconhece os direitos da natureza e esta passa a ser um dos elementos constitutivos do Bom Viver. (Larrea, 2010, p. 20, tradução nossa).

Assim, ademais da obrigação do Estado equatoriano em promover o Sumak Kawsay, existe a necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento para que se possa, de fato, colocar em prática tal conceito. O desenvolvimento não deve ser considerado um processo linear ou uma etapa do subdesenvolvimento a ser superada; tampouco a pobreza é vista como a carência de recursos materiais. Existe, pois, a sobrevalorização de outros elementos como o Bioconhecimento (conhecimento para a vida) e uma relação harmoniosa entre sociedade e Natureza, como se não houvesse separação entre elas (Acosta, 2010a; Breda, 2010).

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Essas novas concepções pretendem estimular outra visão de mundo, em que a natureza não é unicamente um ente provedor, mas sim um elemento com o qual devemos viver em harmonia, respeitando seus ciclos vitais e não como um objeto de comercialização. Segundo essa lógica, não se pode pensar em valores monetários para a vida nem para a relação humanidade-mundo e, embora a exploração dos recursos naturais seja importante para a vida humana, ela deve respeitar a capacidade de regeneração da natureza, ou seja, seus ciclos vitais. Desse modo, seria possível conciliar o Sumak Kawsay com “[…] as vantagens tecnológicas do mundo moderno ou os possíveis aportes advindos de outras culturas e saberes que questionam distintos pressupostos da Modernidade dominante”. (Acosta, 2011, p. 10, tradução nossa). Raúl Prada Alcoreza (2011), analisando os significados das terminologias dos povos andinos, indica que as palavras “desenvolvimento” e “progresso” encontram como tradução mais próxima a expressão Sumak Kawsay. No entanto, destaca que ambas guardam concepções completamente distintas e até opostas de desenvolvimento. Nesse sentido, o Sumak Kawsay surge não somente como uma alternativa de desenvolvimento, mas também como uma alternativa ao desenvolvimento. A incorporação desse princípio à constituição equatoriana de 2008 trouxe maior visibilidade para as discussões sobre o entendimento e a aplicação dessa outra forma de ver o mundo. Apesar do grande marco que foi a introdução dessas ideias na carta constitucional, o Sumak Kawsay já vinha sendo amplamente discutido e repensado no Equador pelos movimentos sociais, na luta contra o neoliberalismo (Simbaña, 2011). A importância dessa discussão era tamanha no contexto dos anos 1990 e 2000 que, segundo o ex-dirigente da CONAIE, Floresmilo Simbanã, a nova classe política que chegou ao poder com Rafael Correa não tinha alternativas se não assumir esse compromisso e adotar esse princípio em seus discursos. Todavia, ele afirma que “[…] para esses governantes, o sumak kawsay se reduziria a ‘redistribuir os benefícios do desenvolvimento’, não necessariamente mudar de modelo nem destruir as estruturas reais que o sustentam”. (Simbaña, 2011, p. 223, tradução nossa). Para Fander Falconí (2010), o Sumak Kawsay é uma ideia que segue em construção e em disputa e, por ser uma novidade jurídica, permite interpretações diversas acerca do seu conceito e de qual a

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melhor maneira para alcançá-lo. Por esse motivo, existiriam divergências sobre essa concepção em diversos setores, inclusive entre a alta cúpula do governo de Rafael Correa: Alberto Acosta, que presidiu a Assembleia Constituinte e foi responsável pela elaboração da carta de Montecristi e o próprio Fander Falconí, que ocupou o cargo de chanceler, retiraram-se de suas atribuições por discordarem das posições do presidente5. Esses dois expoentes da política equatoriana têm um histórico de lutas ao lado dos movimentos indígenas e ambientalistas, cujos posicionamentos questionam a postura governamental frente ao desafio de cumprir os princípios constitucionais do Sumak Kawsay e garantir os direitos da Mãe-Terra, vis-à-vis a necessidade de empreender políticas desenvolvimentistas, com vistas a dirimir as grandes assimetrias sociais. Para eles, o mesmo governo que engendrou a reforma constitucional passou a descumpri-la, por aprovar uma legislação mais branda em relação à atividade de mineração. Dentre os motivos que explicam o afastamento de Acosta, Falconí e outros representantes de movimentos sociais, indígenas e ambientais do governo de Correa, é preciso entender sua postura diante da luta pela Iniciativa Yasuní-ITT, apresentada a seguir. Yasuní-ITT: uma iniciativa para mudar a história. A proposta e seus desdobramentos “O Projeto Yasuní-ITT tem um valor nacional, que é também um valor regional e um valor mundial. É bom para todos os equatorianos; porque nada do que é bom para os indígenas pode ser bom simplesmente para os indígenas; é bom para os indígenas porque é bom para o país.” - Boaventura de Sousa Santos, 2010, tradução nossa.

Yasuní é o nome de um parque nacional onde estão três poços de petróleo que compreendem a sigla ITT: Ishpingo, Tambococha e Tiputini e está localizado na Amazônia equatoriana, na fronteira com o Peru (ver figura 1).

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territoriALiDADeS e entreCruZAmentoS GeopoLÍtiCoS nA AmÉriCA LAtinA

Figura 1 Mapa do Parque Nacional Yasuní e dos poços ITT

Fonte: Ecologistas en acción (2011).

O Parque Nacional Yasuní é uma área de proteção ambiental, em que o metro quadrado apresenta mais biodiversidade que todo o continente norte-americano (ver Anexo I). A título de ilustração: […] foram documentadas 150 espécies de anfíbios: mais que as existentes entre Estados Unidos e Canadá juntos. Um hectare do Yasuní contém, em média, mais espécies de árvores, 655, que em todas as existentes ao norte da fronteira do México com Estados Unidos. São estimadas 1.100 espécies de árvores em uma área de 25 hectares. (Ecologistas en acción, 2011, p. 5, tradução nossa).

Nessa área também vivem os Tagaeri e os Taromenane – considerados Patrimônio Sociocultural da UNESCO desde 2005 pela conservação da biodiversidade amazônica –, cujos direitos ao isolamento voluntário foram garantidos em 1999 com a criação de zonas intangíveis. Essas, embora motivo de controvérsias por terem sido traçadas sem nenhum tipo de consulta a esses povos, ao mesmo tempo em que respeitaram a

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presença dos poços de petróleo existentes, são uma garantia legal de que o Estado não deve permitir a extração de recursos minerais nessas áreas (Acosta, 2010b; Lequang, 2011). Afora a riqueza cultural e natural, os poços ITT possuem uma quantidade de petróleo que corresponde a, mais ou menos, 920 milhões de barris, aproximadamente 20% do total das reservas existentes do país. Se fosse explorado geraria uma renda de 7 bilhões de dólares, um montante nada desprezível diante da situação de extrema desigualdade social do país. Por outro lado, o óleo encontrado no bloco ITT é pesado e viscoso, cuja exploração liberaria no meio-ambiente uma quantidade de resíduos altamente poluentes (Ecologistas en acción, 2011). A Iniciativa Yasuní-ITT consiste em deixar embaixo da terra o petróleo dos três poços, preservando as comunidades indígenas e a biodiversidade da região. De acordo com Acosta: Seus objetivos são precisos. Busca-se proteger a vida dos povos livres em isolamento voluntário: os tagaeri, os taromenane e, em certa medida, também os oñamenane. A proteção de uma das zonas com maior biodiversidade do planeta está em sua mira. Igualmente se evitaria a emissão de 410 milhões de toneladas de CO2. (Acosta, 2010b, p. 21, tradução nossa).

Em contrapartida, o Equador receberia doações financeiras equivalentes à metade dos ganhos se tal reserva fosse explorada, isto é, 3,6 bilhões de dólares, até 20236. O prazo foi estabelecido em conjunto com o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), com quem o país devia gerir um fundo. A importância da parceria com o PNUD na gestão dos recursos financeiros é a garantia que os investidores terão de que os fundos serão utilizados para cumprir os compromissos de: i) buscar fontes alternativas de energia para reduzir o uso de combustíveis fósseis; ii) evitar desflorestamento para conservar a Amazônia; iii) promover o desenvolvimento social para a população amazônica e, finalmente, iv) investir em tecnologias que permitam a transição para um modelo econômico baseado no Sumak Kawsay (Lequang, 2011). A Iniciativa, além da clara influência das reivindicações sociais pela moratória petroleira e por um novo modelo de desenvolvimento, tem respaldo na noção de que existiriam devedores e credores ecológicos no sistema internacional:

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Com a Iniciativa Yasuní-ITT, o governo equatoriano incorpora um sentido de solidariedade às relações internacionais a partir de um enfoque histórico que faz alusão à dívida ecológica, reconhecendo a responsabilidade dos países ricos do Norte, cuja industrialização e riqueza foram possíveis a partir da exploração e a importação dos recursos naturais dos países do Sul, que não puderam aproveitá-los. (Lequang, 2011: 46, tradução nossa).

A ideia é que os problemas ambientais devem ser pensados a partir do princípio de corresponsabilidade mundial em relação aos bens comuns a toda a humanidade, como a atmosfera, o clima, a biodiversidade, a água, etc. A proposta do Equador ao mundo é que a biodiversidade do Parque Nacional Yasuní e seu petróleo sejam vistos como bens comuns, que requerem uma gestão coletiva por conta de sua importância para a humanidade. Portanto, deixar de explorar os poços ITT acarretaria benefícios reais não só ao Equador, mas a toda humanidade, consolidando a busca por um novo modelo de desenvolvimento. Assim mesmo, com essa iniciativa esperam-se mudanças profundas no relacionamento de todos os povos do mundo com a Natureza, ao propiciar a construção de uma nova institucionalidade jurídica global sustentada no princípio da corresponsabilidade diferenciada: os países mais desenvolvidos, mormente responsáveis pela deterioração ambiental, estão condenados a contribuir muito mais na solução dos problemas ambientais globais. A lógica da cooperação internacional também deveria ser repensada integralmente a partir dessas novas perspectivas. Enfim, com essa Iniciativa se abre a porta para outra forma de organização da vida do ser humano no mundo e não somente no Equador. (Acosta, 2010b, p. 21, tradução nossa).

A despeito da enorme importância política, econômica e simbólica da proposta, seriam necessárias mudanças estruturais empreendidas tanto pelo governo, quanto pela sociedade civil, a fim de alcançar um modelo de desenvolvimento “pós-petroleiro”. Quanto aos desafios externos, Rafael Correa sempre considerou que o êxito da Iniciativa dependia da adesão financeira por parte dos países mais desenvolvidos. No entanto, se aqueles países cujas condições são similares às do Equador – concentração de biodiversidade, reservas significativas de hidrocarbonetos e necessidade de garantir a inclusão

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social e promover a defesa do meio ambiente de forma concomitante – adotassem mecanismos semelhantes à Iniciativa Yasuní-ITT, isso já representaria um grande passo na estratégia de obter respaldo internacional para uma mudança profunda de paradigmas (Lequang, 2011). Em 2008, o presidente Correa viajou à Europa para vender a proposta e conseguiu entusiasmar Alemanha e Bélgica, que haviam se comprometido a doar parcelas anuais ao projeto. Chegou-se, inclusive, a ser estabelecido um convênio bilateral com o governo alemão, porém com o agravamento da crise na zona do euro a partir de 2010 fez com que os aportes prometidos não fossem efetivados. Adicionalmente, alguns países europeus queriam impor condições extras ao país, em troca das doações. Na ocasião, Correa demonstrou seu descontentamento publicamente, chegando a declarar que em seu programa diário de rádio: Querem saber, senhores? Vão mandar em sua casa, peguem as suas doações em “centavinhos” e coloquem-nas nas orelhas, porque nós não vamos receber ordens de ninguém, porque esse dinheiro é do povo equatoriano. Eu dei a ordem de que não se assina esse acordo em condições vergonhosas. Há gente que não entendeu a mudança de época e que aqui já existe soberania e dignidade. Porém note o abuso, a prepotência. Eles são os doadores e nós os pobrezinhos, inúteis corruptos, ineficientes. Assim que o dinheiro vai para um fundo e eles têm a maioria e decidem em que investir. Se for assim, fiquem com seu dinheiro e em junho começamos a explorar o ITT. (Correa, 2010, tradução nossa).

Ao mesmo tempo em que parecia empenhado em vender a proposta mundo afora, o presidente desistiu de apresentar a proposta na Conferência de Copenhague (COP-15), em 2009, gerando incômodos entre seus defensores e entusiastas. Aquela seria uma oportunidade ímpar de demonstrar uma ação concreta na luta contra o aquecimento global, uma ocasião em que todos os países estavam reunidos com esse objetivo, e lograr maior visibilidade e adesões à Iniciativa. Por conta dessa decisão e das críticas que fazia à equipe responsável por negociar a proposta com os países, Fander Falconí juntou-se a Acosta e retirou-se do governo. Esse fato repetiu-se durante a Conferência Rio+20, em que o Equador teve uma atuação tímida e não atendeu à expectativa daqueles que esperavam um posicionamento firme em defesa da Iniciativa Yasuní-ITT.

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Mesmo tendo incorporado a Iniciativa ao seu programa de governo, Correa e parte de sua equipe elaboraram um “Plano B” ainda durante a primeira campanha presidencial, em caso de não alcançarem o montante esperado no prazo estabelecido e também para apresentar uma “ameaça crível” como elemento persuasório aos possíveis países doadores (Sevilla, 2013). O plano significava a exploração das reservas do bloco ITT, porém utilizando mecanismos de alta tecnologia para mitigar os possíveis danos e impactos ambientais dessas atividades. Por outro lado, ele desconsiderava o posicionamento contrário dos povos indígenas da região e violava as leis nacionais e internacionais de proteção ambiental e respeito às zonas intangíveis. A Petrobras, por exemplo, apresentou um plano de exploração da região, em que empregaria as mesmas técnicas de extração da camada pré-sal, evitando ao máximo os impactos ambientais na região, medida que seria complementada pelo transporte do petróleo por helicóptero até o local de refino. Segundo Daniela Campello, a empresa “[...] defende sua atuação ressaltando que a área devastada em função do projeto será um pouco menor do que cem hectares, ou cerca de apenas 0,007% da área total do parque, e que o projeto terá impactos positivos para a população local”. (Campello, 2008, p. 36). Outra proposta que chamava a atenção era a da Refinaria do Pacífico, construída na cidade de Manta, na costa equatoriana, em conjunto com o governo da República Bolivariana da Venezuela. Com o objetivo inicial de refinar o petróleo produzido nos dois países, a refinaria tornou-se alvo do interesse chinês. Segundo Roque Sevilla (2013), havia planos concretos desde 2009 de refino de 200 mil barris provenientes da Venezuela e 100 mil barris do bloco ITT, a serem exportados para a China. Entre 2007 e 2013, o país arrecadou somente 0,37% do esperado, o equivalente a 13,3 milhões de dólares e contou com o apoio de Alemanha, Austrália, Bélgica, Chile, Colômbia, Espanha, França, Geórgia, Itália, Indonésia, Luxemburgo e Turquia. Outro valor, de 116 milhões de dólares, era condicionado a outros compromissos e não estava diretamente relacionado à Iniciativa, mas à conservação do Parque Yasuní. Tal condicionamento, imposto pela Alemanha em seu convênio com o Equador, era considerado por Correa como uma ingerência externa: “A dignidade do país não está à venda. Senhores (alemães), fiquem com seu dinheiro, rechaçamos unilateralmente o convênio. Saberemos seguir

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adiante sem a prepotência de certos países que sempre acreditaram ser os donos do mundo.” (Correa, 2013, tradução nossa). Todas essas variáveis colocavam em xeque a real disposição do governo em levar adiante a Iniciativa Yasuní-ITT. Se, por um lado, deixou de apresentá-la ao mundo em diversas oportunidades, por outro, recebeu doações ínfimas, muito abaixo do esperado, dificultando sua capacidade em resistir às pressões das empresas que desejavam explorar as reservas. Diante desse cenário e consciente das normas constitucionais sobre a defesa de áreas como a do Parque Yasuní, o governo de Correa ficou dividido, pois tem nos poços ITT uma oportunidade de curto prazo para financiar muitos dos projetos destinados a sanar as muitas debilidades financeiras, estruturais e sociais do país. A decisão de explorar ou não as reservas encontradas implicaria em um custo político muito alto para um governo que já vinha perdendo prestígio entre os movimentos sociais. Esse não é um fato menor, tendo em vista que o histórico de instabilidade democrática no Equador ainda reverbera na cultura política do país7. Em compensação, a popularidade do presidente tem se mantido em alta, apesar das rupturas com parte da esquerda, o que pode ser comprovado com a reeleição de Rafael Correa em fevereiro de 2013, ainda no primeiro turno, com mais de 50% dos votos8. Em agosto de 2013, em cadeia nacional, o presidente Rafael Correa finalmente admitiu que a Iniciativa seria descartada, culpabilizando a crise econômica e a falta de interesse dos países mais ricos em promover esse projeto vanguardista. Afirmou que “[…] a iniciativa se adiantou aos tempos, e não pôde ou não quis ser compreendida pelos responsáveis pela mudança climática” (Ecuador, 2013, p. 4, tradução nossa) e lamentou profundamente que esse tenha sido o desfecho de uma ideia revolucionária nascida na periferia do mundo. Utilizando como justificativa a extrema desigualdade, as péssimas condições sanitárias e os altos índices de desnutrição no país, Correa anunciou que a Iniciativa seria sacrificada em favor da melhoria da vida da população mais pobre, que inclui boa parte dos povos indígenas. Em seu pronunciamento, indicou que “Nossos povos ancestrais e minorias étnicas vivem na pobreza e alguns pretendem mantê-los nessa situação em nome da ‘preservação de suas culturas’, como se a miséria, o maior insulto à dignidade humana, fosse parte do folclore”. (Ecuador, 2013, p. 6-7, tradução nossa).

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A alternativa anunciada por Correa, munido de muitas estatísticas, gráficos e mapas, era a exploração de 0,001% do Parque Yasuní. Seu objetivo era demonstrar que a correlação Yasuní/petróleo, Tudo/Nada, postulada por Alberto Acosta e outros ambientalistas9 que seguiram na defesa intransigente da Iniciativa, era alarmista e só servia para desinformar a população. E acrescentou: […] o verdadeiro dilema é: 100% do Yasuní e nada de recursos para satisfazer às necessidades urgentes de nossa gente, ou; 99,9% do Yasuní intacto e cerca de 18.000 milhões para vencer a miséria, especialmente na Amazônia, paradoxalmente a região com maior incidência de pobreza. (Ecuador, 2013, p. 10, tradução nossa).

Usando essa afirmação de forma contundente, o presidente deixa claro que a sua opção foi por utilizar os recursos da exploração de petróleo para melhorar a qualidade de vida das populações locais, em detrimento do respeito às zonas intangíveis e à soberania dos povos de isolamento voluntário. O presidente aproveitou a oportunidade para conclamar toda a população a fiscalizar as explorações que ocorrerão e a cobrá-lo, comprometendo-se pessoalmente a investir boa parte de seu tempo para garantir que a biodiversidade ali existente não seja prejudicada. A decisão e o pronunciamento de Rafael Correa percorreram o mundo e geraram repercussões negativas e positivas em todos os lugares. Parte da opinião pública internacional demonstrou resignação, compadecendo-se da difícil e utópica missão equatoriana em não explorar o petróleo, destacando o papel das empresas petroleiras e da pressão que o governo suportou por seis anos. O economista Alfredo Serrano Mancilla, por exemplo, publicou um artigo no portal TeleSUR intitulado “Correa não tem a culpa”10, enfatizando a ausência de interesse do capitalismo em financiar uma proposta que não estimula a exploração da natureza de forma predatória. Ele também critica os grupos ambientalistas que colocam a questão de forma maniqueísta: ou se explora a natureza para melhorar as condições de vida dos mais carentes ou se conserva a natura intacta, sem obter ganhos que poderiam beneficiar as camadas mais vulneráveis da população. Esse falso dilema teria a ver com a incapacidade da esquerda em entender que a crise ambiental está intrinsicamente articulada com as crises econômica e social perpetradas pelo neoliberalismo. Portanto, a culpa pelo fracasso

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desse projeto não deveria recair sobre os ombros de Correa, mas sim do próprio sistema e do mau entendimento dos neoecologistas dos conceitos advindos da cosmovisão ancestral indígena (Mancilla, 2013). Por outro lado, muitos acadêmicos, cientistas e intelectuais de várias partes do mundo também lamentaram a decisão. Vandana Shiva, uma importante ativista indiana e embaixadora da Iniciativa desde 2012, publicou um vídeo na internet pedindo ao presidente equatoriano que revisse seu posicionamento e insistisse para que a inovadora proposta seguisse em voga, afirmando que existiriam outras formas de obter os recursos necessários para erradicar a miséria no Equador11. Internamente, o anúncio gerou grande comoção, levando milhares de pessoas às ruas nos meses posteriores. Muitos grupos de ambientalistas e indígenas uniram-se em torno da proposta de consulta popular, entusiasmados pelas pesquisas de opinião que indicavam que mais de 60% dos equatorianos apoiavam a Iniciativa12. A constituição equatoriana prevê esse mecanismo e as coletas de assinaturas ocorreram por todo o país. Paralelamente, esses grupos têm divulgado alternativas de obtenção dos valores que seriam gerados pela exploração do bloco ITT, motivados pelas palavras de Vandana Shiva. Segundo a organização Yasunídos, uma solução seria aumentar a carga tributária em 1,5% sobre as elites econômicas do país. Em seu endereço eletrônico13, as informações são de que, se implementada, essa medida permitiria o ingresso de mais de 20 bilhões de dólares em um período de 25 anos, um valor maior do que o calculado para a exploração do petróleo. Esse grupo também afirma ser falaciosa a ideia de “exploração limpa” do petróleo, indicando que durante o processo a cada 10 barris retirados do solo, somente um seria de petróleo e os outros nove seriam de substâncias tóxicas. “Esto significa que durante el periodo de extracción del ITT se derramarán el equivalente a 1,5 millones de piscinas olímpicas llenas de desechos. Petroamazonas, la empresa que se va a encargar de explotar el bloque, tiene un amplio historial de derrames en la zona”14. Reflexões finais “A um povo que marcha para sua libertação, com dignidade e soberania, expressando a voz do tempo e da Mãe-Terra, nada pode detê-lo” - Fernando Huanacuni Mamani, 2010, tradução nossa.

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Em 2007 o Equador assistiu à ascensão do economista Rafael Correa e do Movimiento Pais, legenda que abarcava as principais reivindicações indígenas e ambientais. Sua vitória representou um êxito daqueles que lutavam pela mudança de modelo de desenvolvimento, a fim de superar a dependência econômica da exploração do petróleo, que é uma das principais fontes de renda do país. Uma vez no poder, Correa logrou empreender a reforma constitucional, que resultou na Constituição de Montecristi (2008). Apesar da importância que tiveram os grupos contestatórios na primeira vitória eleitoral do Movimiento Pais, suas posições entraram em choque desde o primeiro ano do governo de Rafael Correa, que chegou a ser declarado persona non grata por uma das organizações indígenas mais importantes do país, a CONAIE, em 2010. Mesmo com objetivos semelhantes - incentivar a substituição do padrão de desenvolvimento a partir do Sumak Kawsay - o governo e os movimentos ambientais, indígenas e sociais divergem em relação à maneira como esse processo deve ser conduzido. O governo crê que para financiar o projeto de um Equador pós-petroleiro é necessário recorrer à renda oriunda de atividades extrativistas e aprovou mudanças polêmicas nas leis que regulam tais atividades, gerando uma onda de protestos. Por outro lado, os movimentos ambientais e indígenas defendem que a postura governamental incentiva a continuidade do modelo desenvolvimentista e corresponde aos interesses daqueles que vivem da exploração dos recursos naturais. Quando o Plano B da Iniciativa Yasuní-ITT tornou-se a decisão oficial do Equador, o dilema desenvolvimento econômico e social versus preservação ambiental foi recolocado no debate. Este episódio comprovou a desconfiança de grupos ambientais e indígenas de que o governo tinha cedido às pressões do capital internacional para explorar as reservas amazônicas e, por essa razão, teria desistido de levar a cabo a Iniciativa. Só a existência de um “Plano B” já seria uma demonstração de que o governo não continuaria uma defesa intransigente da proposta, como desejavam seus idealizadores. Portanto, a politização do conceito Sumak Kawsay, bem como sua apropriação pelos diversos grupos sociais e progressistas, gerou interpretações particulares acerca de seu significado e dos melhores meios para pô-lo em prática. Essa situação não ocorre apenas por uma questão conceitual, mas também está fortemente relacionada aos interesses que

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motivam cada um dos grupos envolvidos na discussão acerca do novo modelo de desenvolvimento pós-petroleiro. A equação “desenvolvimento econômico e social versus sustentabilidade” para os movimentos indígenas e ambientais não é um problema real, uma vez que a proposta do Bom Viver é multidimensional, com implicações sociais, culturais, econômicas, ambientais, epistemológicas e políticas. No entanto, as barreiras enfrentadas pelo governo em manter a decisão de não explorar o bloco ITT demonstraram que a efetivação de uma realidade pós-petroleira requer condições que muito provavelmente não serão oferecidas pelo mundo ocidental-capitalista. Em última instância, o fim da Iniciativa Yasuní-ITT revelaria a incompatibilidade de uma sociedade totalmente baseada no Sumak Kawsay com o capitalismo. O desfecho parcial definido pelo governo de Correa abre, pelo menos, duas alternativas imediatas no horizonte: i) a proposta oficial, de permitir a extração do petróleo em 0,001% do parque nacional e com rigoroso controle social sobre as atividades ou ii) a mobilização popular dos equatorianos na construção de outras formas de combater as desigualdades sociais do país, sem ter que prescindir da preservação total do Yasuní. Em ambos os casos, a participação da sociedade é a peça-chave para as mudanças paradigmáticas que o conceito de Sumak Kawsay demanda e, nesse sentido, sua politização faz parte do processo de compreensão e assimilação de seus preceitos. O grande desafio inerente aos dois caminhos sugeridos é a capacidade de imposição de vontades entre a população socialmente organizada e os interesses financeiros das grandes corporações, que dominam o setor petroleiro. Neste tabuleiro, as empresas possuem força econômica descomunal em relação às organizações civis e mesmo ao Estado equatoriano. Será, pois, uma batalha não só entre o Sumak Kawsay e o Capitalismo, mas, sobretudo, da Democracia e do Bem Comum frente ao poder financeiro das grandes corporações internacionais e da lógica do self-help. Carolina Silva Pedroso - Doutoranda do Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC/SP, bolsista da CAPES, e Pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI-UNESP).] (1)O presente trabalho é uma versão estendida do artigo “O conceito de Sumak Kawsay e o desenvolvimento equatoriano no governo de Correa: o caso da proposta Yasuní-ITT”, Ensaios do IEEI, nº 17, abril de 2013.

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(2) As principais atividades econômicas do Equador, segundo dados do Banco Central disponíveis em seu endereço eletrônico (http://www.bce.fin.ec/), são a exploração de petróleo e exportação de produtos primários (banana, camarão, flores, etc.), além das remessas dos imigrantes. Uma obra de referência sobre a evolução histórica da economia equatoriana é Breve História Econômica do Equador de Alberto Acosta, publicado pela Editora FUNAG (2005). (3) Embora territorialmente pequeno, o Equador é dividido em quatro regiões bem distintas e diversificadas entre si: a Amazonía, a Sierra (Andes), a Costa (litoral) e o arquipélago de Galápagos. (4) Do ponto de vista legal, a ideia de direitos está vinculada a deveres: a natureza cumpre com suas obrigações ao prover as condições necessárias para a manutenção da vida. Para que possa exercer seus direitos, todavia, precisa recorrer ao recurso da tutela, de forma similar às crianças e a outros sujeitos que não têm autonomia de ação no âmbito jurídico e são representados por instituições, advogados ou qualquer outro cidadão ou coletivo de pessoas dedicado à sua proteção (Breda, 2010). (5) Acosta rompeu com Correa em 2008, já ao final do processo constituinte, do qual foi presidente. Falconí, por sua vez, foi chanceler até 2010, quando renunciou. Meses depois, retornou ao governo à frente da Secretaria Nacional de Planejamento e Desenvolvimento (SENPLADES) até agosto de 2013, quando novamente anunciou sua saída. (6) Com a atualização dos valores, as perspectivas iniciais de 7 bilhões de dólares foram atualizadas para 18 bilhões de dólares, porém não alteraram o montante calculado inicialmente como contrapartida pela não exploração, ou seja, o país continuaria pedindo o equivalente a 3,6 bilhões de dólares (Ecuador, 2013). (7) Entre 1996 e 2006, nenhum dos presidentes eleitos conseguiu terminar seu mandato, fazendo com que o país contabilizasse nesse período sete mandatários diferentes. (8) Alberto Acosta também foi candidato nesse pleito, inscrito pelo Movimento Pachakutik. No entanto, alcançou menos de 3% dos votos, segundo o Conselho Nacional Eleitoral equatoriano (www.cne.gob.ec). (9) Sobre este grupo, o presidente não os poupou de críticas durante todo o pronunciamento, denominando-os de charlatões, falsos, mentirosos, hipócritas, simplistas, maniqueístas e oportunistas (ECUADOR, 2013). (10) Artigo originalmente publicado em 23 de Agosto de 2013 e disponível em: http://www. telesurtv.net/articulos/2013/08/23/correa-no-tiene-la-culpa-8269.html

e

comentado

no

portal “Sem Diplomacia” da UNESP, em 26 de agosto de 2013 (http://unesp.br/semdiplomacia/ artigos/2013/129). (11) Disponível no endereço eletrônico da organização SOS Yasuní: http://www.sosyasuni.org (consulta em 23 de agosto de 2013). (12) Pesquisa disponível no endereço eletrônico da organização Amazonía por la vida, publicada em 27 de setembro de 2011: http://www.amazoniaporlavida.org/es/Noticias/encuesta-de-

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perfiles-de-opinion-sobre-la-iniciativa-yasuni-itt.html (consulta em 23 de agosto de 2013). (13) Informações disponíveis no endereço eletrônico: http://www.yasunidos.org/ (consulta em 30 de outubro de 2013). (14) Idem.

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Anexo I

Mapa disponível no endereço eletrônico da organização da sociedade civil equatoriana SOS Yasuní, consultado em agosto de 2013 (www.sosyasuni.org).

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CApÍtuLo 11. perCepçõeS De SeGurAnçA reGionAL no ÂmBito DA unASuL: o ConSeLHo De DeFeSA SuL-AmeriCAno HÉCTOR LUíS SAINT PIERRE DIEGO LOPES DA SILVA

D

o ponto de vista institucional, a sub-região da América do Sul se articula em relação às ameaças e percepções de segurança no âmbito do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Ainda nos seus primeiros anos de vida, o organismo está sujeito a ingentes esforços políticos pela sua consolidação e fortalecimento. Não obstante esses impulsos, a iniciativa sul-americana de ainda incipiente institucionalização padece do pouco interesse de alguns países e é objeto de iniciativas extrarregionais que intentam evitar uma posição sul-americana coerente e única nos debates de outros foros internacionais. Alguns analistas apontam elementos considerados como forças centrífugas sobre o intento integracionista sul-americano. A percepção norte-americana de que essa integração poderia dificultar o exercício da sua hegemonia na região talvez seja a principal. Outros elementos seriam também a formação da Aliança Bolivariana (ALBA) e a Aliança do Pacífico. Todavia, consideramos que ambas, de clara diferença ideológica, não chegam a comprometer os avanços conseguidos dentro da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), especialmente do CDS. Embora a ALBA tenha uma nítida orientação ideológica e uma vocação para a Defesa, seus membros, que por sua vez são também membros do CDS, não colocam em risco a existência deste nem sequer provocam uma fissura na sua estrutura. Se bem a Aliança do Pacífico tenha um perfil basicamente comercial e econômico, alguns analistas apontam esta associação como a principal iniciativa norte-americana para fraturar a formação de um bloco sul-americano.

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Como vértice de uma das forças centrípetas, a presidenta Michele Bachelet lançou durante sua campanha para a presidência do Chile em 2013, seu programa de governo para o quadriênio seguinte. No eixo de Defesa, afirmava que: Durante o período 2014-2018, a política de Defesa Nacional terá como objetivo principal de mediano e longo prazo, gerar uma Comunidade de Segurança na América do Sul que garanta a paz e elimine definitivamente a ameaça da guerra, sendo o Conselho de Defesa da UNASUR a instituição para avançar nesta matéria.1

O compromisso firmado em trabalhar para a conformação de uma Comunidade de Segurança no âmbito do Conselho de Defesa Sul-Americano surpreendeu parte do setor acadêmico e político. Um dos motivos que talvez explique esse desconcerto é o período de relativo imobilismo pelo que está passando essa organização e que alguns consideram ser o tramo final de sua breve existência. Com efeito, não obstante alguns avanços em várias matérias e o inequívoco êxito na resolução de vários conflitos na região2, a atividade do CDS pautou-se em base do voluntarismo presidencial e se caracterizou pela baixa institucionalidade, que o deixa à mercê do humor dos governos da região. Mas, apesar disso, o CDS conseguiu certo grau de legitimação entre os países da região para se constituir em um reconhecido foro para debater as questões relativas à Defesa. Não obstante ser um órgão relativamente novo, o CDS já é percebido como um foro legítimo para a concertação das políticas de defesa dos países sul-americanos. Estabelecido em 2008, o organismo é definido como uma “instância de consulta, cooperação e coordenação em matéria de defesa em harmonia com as disposições do Tratado Constitutivo da UNASUL em seus artigos 3º letra s, 5º e 6º”3. Seus objetivos principais são: I) consolidar a América do Sul como zona de Paz, base para a estabilidade democrática e o desenvolvimento integral dos povos e como contribuição à paz mundial; II) construir uma identidade sul-americana em matéria de defesa; e III) gerar consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de defesa. O Chile, assim como a própria Bachelet e o seu Ministro da Defesa, Goñi, teve uma intensa participação na construção desse foro. O Grupo de Trabalho encarregado de elaborar o plano de implementação

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da proposta inicial foi formado por determinação de Michele Bachelet, que na época acumulava as posições de Presidenta do Chile e Presidenta Pró-Tempore da UNASUL. A coordenação do Grupo de Trabalho ficou a cargo do Subsecretário de Guerra do Ministério de Defesa Nacional do Chile, Gonzalo Garcia Pino. A partir de seu estabelecimento, quatro reuniões foram realizadas em Santiago para que a arquitetura institucional do Conselho de Defesa Sul-Americano fosse discutida. Ademais dos três objetivos principais, o CDS estabelece mais onze objetivos específicos. Dentre eles, um dos mais desafiadores é o item “d)” que se refere ao avanço de uma visão compartilhada a respeito das tarefas da defesa, promoção do diálogo e cooperação preferente com outros países da América Latina e Caribe. Desde as conversas iniciais sobre a construção do CDS, as divergências sobre o papel das Forças Armadas e as ameaças à sub-região foram as mais expressivas. Acerca da primeira, o governo colombiano marcou diversas vezes seu posicionamento a favor da atuação das FA no âmbito interno e exigiu dos outros países da região uma manifestação de rechaço aos grupos armados não ligados ao Estado. O posicionamento colombiano era até certo ponto justificado face ao conflito interno que vivencia contra às FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e outros grupos paramilitares que operam dentro do seu território. Em contrapartida, as delegações da Venezuela e da Bolívia opuseram-se, argumentando que o CDS não deveria normatizar com base em eventos conjunturais. Por tal motivo, e com a mediação do presidente brasileiro Lula da Silva, chegaram a uma fórmula de consenso pela qual todos os países aceitaram que fosse incluída no Estatuto do CDS o compromisso de “reconhecer as Forças Armadas consagradas constitucionalmente pelos Estados Membros como únicas instituições encarregadas da defesa nacional”. Assim, desde seu nascedouro, o CDS teve que lidar no centro dos debates com uma força centrípeta em torno da normatização do emprego das FA e, concomitantemente, de uma definição substancial de “Defesa”, já que o conteúdo semântico desta não foi delimitado nem compartilhado. Embora representativa de um dos extremos da gama de alternativas do emprego da instituição militar, a posição colombiana não era a única. Na verdade, a postura da Colômbia no CDS, como a dos outros países que compõem o organismo, representou basicamente uma extensão de suas definições políticas internas e não a procura de uma posição comum. No caso da Colômbia, a Defesa e a Segurança são trata-

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das juntamente ao fazerem parte de uma política única. Com efeito, por meio da Política Integral de Segurança e Defesa para a Prosperidade, de 2011, a Colômbia identifica quatro fatores de risco que justificariam, para serem combatidos, o emprego das Forças Armadas: os grupos armados à margem da lei, os delitos contra os cidadãos, as ameaças externas e os desastres naturais. Por sua vez o Peru, que também alega combater forças paramilitares dentro do seu território, apresenta uma perspectiva similar. Neste país entende-se por “Defesa” o “conjunto de medidas, previsões e ações que o Estado gera, adota e executa de forma integral e permanente [e que] se desenvolve nos âmbitos externo e interno”4. Em 2012, o Peru criou a região militar do VRAE (Valle de los Ríos Apumaric y Ene) com o objetivo de adensar a presença do Estado (em realidade das FA) na região central do país e combater os grupos armados que atuam nessa parte do Peru. As operações são realizadas pelas Forças Armadas em conjunto com as Forças Policiais. Em outro extremo da gama de posições sobre a semântica de “Defesa” e do emprego das FA - definindo de maneira mais drástica a separação entre “Defesa” e “Segurança Pública” e, concomitantemente, regulando com maior detalhe as situações de emprego das Forças - está a Argentina. Este país definiu e normatizou por lei constitucional a “Defesa” e a “Segurança”, legislando também sobre a “Inteligência Interior”. Desse modo, posicionou-se de maneira oposta à permissividade colombiana no que concerne à atuação das Forças Armadas. A Ley de Defensa Nacional argentina, de 05 de maio de 1988, define no artigo segundo: A defesa nacional é a integração e a ação coordenada de todas as forças da Nação para a solução daqueles conflitos que requerem o emprego das Forças Armadas, em forma dissuasiva ou efetiva para enfrentar as agressões de origem externa. Tem por finalidade garantir de modo permanente a soberania e a independência da nação argentina, sua integridade territorial e capacidade de autodeterminação; proteger a vida e a liberdade de seus habitantes5.

Como resultado de um processo de redemocratização conduzido pelas forças políticas civis, depois do fracasso econômico do sanguinário governo militar que reprimiu furiosamente a sociedade argentina e a posterior derrota de suas FA frente a um inimigo convencional, as

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definições da subordinação militar e da condução política da Defesa foram pautadas politicamente no marco constitucional. Assim, as FA argentinas foram orientadas exclusivamente para dissuadir e enfrentar ameaças externas, definindo a fronteira de atuação das mesmas de modo nítido e claro. Com essas definições, suas FA ficaram impedidas de serem empregadas internamente, assim como também foram proibidas por lei de realizar inteligência interior. A óbvia contraposição entre, por um lado, as definições colombiana/ peruana e, por outro, a argentina, assim como o leque de posições que se estendem entre ambos os extremos, ilustra o desafio de negociação política auto-imposto pelo CDS na articulação dessas definições em uma mesma instituição que pretende uma identidade estratégica sub-regional. A falta de nitidez no limite do emprego das FA para resolver questões de ordem interna, como crime organizado, tráfico de drogas, pessoas e armas, “terrorismo”, controle de movimentos sociais, normalmente não resulta de uma dificuldade para definir competências, mas política. Em alguns casos responde à premência de resolver problemas que poderiam comprometer o desempenho eleitoral do governo e, em outros, a pressões externas ao país e muitas vezes à região. Com efeito, a maioria daqueles problemas internos citados acima requer para sua solução medidas cujos resultados só aparecerão no médio e longo prazo, porque exige medidas socioeducativas, ou de reforma do sistema judicial e/ou policial, ou outras medidas que superam o prazo do horizonte político (limitado a quatro anos do período eleitoral) e por tanto fora do propósito do governo de se reeleger ou definir o sucessor. Sendo que o que influencia a eleição é o índice de percepção social da violência e não os índices da violência propriamente ditos; influenciar os formadores de opinião e colocar as FA na rua resolve. O emprego das FA contra a maioria dos problemas internos às fronteiras nacionais não resolve nenhum deles, mas as classes médias, que formam a opinião pública e modelam o voto, sentem-se mais seguras com os uniformizados nas ruas, incidindo nos índices de percepção de insegurança de maneira rápida e cosmética. Por outro lado, a falta de nitidez no emprego das FA para as questões internas pode ser provocada por pressões externas inclusive à sub-região. A decisão do emprego de FA na ordem interna corresponde a um imperativo para o continente defendido pelos Estados Unidos desde a reunião de Williansburg em 1995. A aproximação das políticas de emprego das FA com a posição norte-americana é normalmente

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recompensada pela concessão de linhas de financiamento para compras de armamentos, educação e treinamento militar, suporte para operações de paz, combate às drogas e contraterrorismo. Colômbia e Peru, justamente por enfrentarem grupos armados em seu território categorizados, segundo as autoridades desses países, como grupos “terroristas” financiados pelo tráfico internacional de drogas ilegais, acabam alinhando suas políticas de Defesa às exigências de emprego da força ditadas pela política norte-americana para a região. Não queremos dizer com isso que no ambiente internacional não possam existir políticas desinteressadas, altruístas, solidárias como queria Ernesto Che Guevara6, mas em geral, na política internacional, como diria Carl Schmitt, “o protego ergo obrigo é o cogito ergo sum do Estado”.7 Justamente Colômbia e Peru, cujas políticas de defesa estão mais próximas do lineamento norte-americano para o hemisfério, também são os países da região que resultam ser os maiores beneficiados dos financiamentos norte-americanos no setor militar. Para constatar essa preferência creditícia, mostramos o quadro a seguir que compila as cifras recebidas e a receber pelos países da América do Sul no período 20092014. Nele pode se observar a disparidade entre as quantias recebidas por esses dois países e o resto da sub-região. Ajuda militar e policial fornecida pelos EUA 2009-2014 em US$ 2010

2011

2012

2013

2014

TOTAL

Argentina 2.926.987

2009

4.183.327

1.347.750

2.931.750

2.931.750

2.543.750

16.865.314

Bolívia

22.639.640

18.613.454

18.242.600

8.621.600

7.991.600

5.674.600

81.783.494

Brasil

3.672.536

3.312.558

3.159.833

5.654.833

5.832.333

3.021.833

24.653.926

Chile

19.040.419

3.673.947

2.622.046

4.945.046

4.945.046

4.900.046

40.126.550

Colômbia 441.505.261 434.177.248 336.830.537 280.454.537 279.465.805 257.678.917 2.030.112.305 Equador

33.317.540

16.224.256

17.533.155

19.070.155

19.170.155

14.849.155

120.164.416

Guiana

1.257.849

2.500.812

411.000

364.000

364.000

325.000

5.222.661

Paraguai

2.229.041

4.026.092

3.220.726

7.364.726

7.489.726

6.676.726

31.007.037

Peru

84.830.341

59.950.769

51.679.628

44.205.225

43.565.693

41.428.758

325.660.414

Suriname 1.792.139

1.651.429

755.295

746.295

746.295

732.295

6.423.748

Uruguai

3.031.941

1.301.737

1.233.737

1.233.737

1.144.737

9.160.277

329.000

501.500

508.500

508.500

508.500

2.992.660

1.214.388

Venezuela 636.660

Fonte: JUST THE FACTS. ‘Grant U.S aid listed by country, all programs, entire region, 2009–14’. Disponível em . Acesso em 15 de fev. de 2014.

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Os principais programas de financiamento mantidos pelo governo dos Estados Unidos para a América Latina se referem, na sua maioria, ao combate ao tráfico de drogas. O International Narcotics Control Law and Enforcement apresenta as maiores cifras transferidas, muito embora os valores transferidos tenham diminuído nos últimos anos. Em 2009, o montante concedido para América Latina era de US$ 703.981.000, em contraste com o orçamento aprovado pelo Congresso norte-americano para o ano de 2014 de US$ 317.294.2718. Nesse valor, são incluídos salários, benefícios, subsídios e treinamento de pessoal norte-americano e local para o combate ao narcotráfico. Além disso, sistemas organizacionais, ferramentas para fiscalização e controle, bem como outros custos para planejamento do programa, implementação, monitoramento e avaliação também são incluídos. O programa Section 1004 Counter-drug Assistance é o segundo na hierarquia orçamentária para a América Latina. O mecanismo permite que os Estados Unidos forneçam treinamento militar a forças policiais estrangeiras com o propósito aludido de combater o narcotráfico. As linhas de auxílio prestadas são: manutenção, reparo e aprimoramento dos equipamentos; transporte de suprimentos e de pessoal norte-americano e estrangeiro; estabelecimentos e operação de bases para treinamento e operação; treinamento de pessoal estrangeiro para manutenção da lei; detecção e monitoramento; construção de bloqueios para evitar o tráfico de drogas nas fronteiras dos Estados Unidos; redes de comunicação; serviços linguísticos e de inteligência; e reconhecimento aéreo e de terreno9. O alinhamento político associado ao recebimento dessas verbas fica mais evidente ao analisarmos a atuação internacional dos países da América do Sul receptores da ajuda norte-americana. Uma forma de constar o apelo do auxílio financeiro norte-americano para conseguir o apoio dos receptores em votações de foros internacionais consiste em analisar a tabela a seguir que ilustra a porcentagem de votos coincidentes entre os países da sub-região e os Estados Unidos em votações consideradas importantes por esse último10. Vemos que em relação ao Peru e Colômbia, a convergência aumentou significativamente ao longo dos anos, o que indicaria uma maior aproximação política com os EUA.

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Porcentagem de convergência em votações importantes na ONU entre EUA e América do Sul 2008

2009

2010

2011

2012

Argentina 41,7% 45,5% 37,5% 44,4%

2002

41,7% 50%

40%

60%

58,3%

57,1%

42,9%

Bolívia

35,7% 50%

40%

22,2% 16,7%

0%

30%

33,3%

14,3%

0%

Brasil

38,5% 38,5% 25%

22,2%

20%

12,5%

37,5%

33,3%

33,3%

28,6%

Chile

35,7% 58,3% 40%

40%

33,3% 46,2%

33,3%

58,3%

53,8%

50%

37,5%

Colômbia 38,5% 41,7% 25%

25%

0%

16,7%

60%

50%

83,3%

75%

Equador

35,7% 50%

40%

33,3% 22,2%

10%

25%

30%

0%

0%

Guiana

33,3% 33,3% 22,2% 22,2%

0%

12,5%

40%

45,5%

33,3%

16,7%

Paraguai

38,5% 50%

40%

38,5% 55,6%

30%

50%

50%

50%

50%

Peru

38,5% 60%

57,1% 57,1%

50%

60%

44,4%

75%

66,7%

80%

60%

0%

14,3%

0%

33,3%

42,9%

50%

16,7%

40%

50%

37,5%

66,7%

60%

25%

33,3%

0%

7,7%

0%

18,2%

16,7%

11,1%

0%

Suriname 0% Uruguai

2003

2004 40%

25%

2005

40%

27,3% 22,2% 22,2%

38,5% 50%

42,9% 37,5%

Venezuela 33,3% 38,5% 11,1% 10%

2006

2007

30% 20% 22,2%

Fonte: Elaboração própria com base nos relatórios Voting Practices in the United Nations dos anos em questão. Disponível em: . Acesso em: 15 de fev. de 2014.

Ao passo que as posições políticas de Colômbia e Peru se aproximam das expectativas dos EUA para a América do Sul, a Venezuela representa a posição do outro extremo do arco político sub-regional. O governo venezuelano tentou influenciar as definições políticas do CDS com seu posicionamento anti-imperialista. Ainda nas reuniões iniciais nas que se deliberou sobre a formulação do Estatuto do Conselho, em meio às discussões sobre as ameaças comuns à América do Sul, a delegação venezuelana propôs o seguinte trecho: Condenar as ameaças e ações em matéria de defesa que pairem sobre a convivência pacífica de nossos povos e seus sistemas democráticos de governo e rechaçar a presença ou ação de grupos armados ilegais e a IV Frota, que possam exercer ou propiciar violência, seja qual for sua origem11.

O excerto apresentado ilustra sua percepção de ameaça fortemente marcada pela presença norte-americana no Atlântico, percepção também compartilhada pelo governo brasileiro. A IV Frota, criada pelo governo dos EUA com o objetivo de proteger a região do poderio bélico naval nazista tinha sido desativada em 1950. Entretanto ela foi formalmente reativada em julho de 2008, causando receio em alguns governos da região12.

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De todo modo, a proposta venezuelana não foi acordada por todos e depois de calorosamente debatida acabou sendo excluída da redação final. O Brasil, assim como o Chile, mantém até certa medida um paralelo entre os preceitos do CDS e seus documentos de Defesa nacional, mostrando a importância concedida ao mesmo em suas definições políticas. Na Estratégia Nacional de Defesa, tanto na versão de 2008 quanto na de 2012, é feita menção ao CDS e à sua importância para o diálogo em matéria de defesa. No Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), de 2012, onde o cenário sul-americano é analisado, pondera-se a importância das instituições regionais para a segurança nacional e a cooperação militar. Na América do Sul, delineia-se uma clara tendência de cooperação em matéria de defesa. Essa tendência tem sido constantemente reforçada desde a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e, especialmente, de seu Conselho de Defesa (CDS). Vê-se surgir na América do Sul uma “comunidade de segurança”, motivada pelo fato de os países vizinhos compartilharem experiências históricas comuns, desafios de desenvolvimento semelhantes e regimes democráticos, que facilitam a compreensão recíproca e propiciam uma acomodação pacífica dos diversos interesses nacionais13.

Assim como o documento de campanha de Bachelet, o LBDN menciona a criação de uma Comunidade de Segurança, o que pode ser entendido como uma percepção de ambos os governos de que se pode ir além do CDS em termos de defesa cooperativa sub-regional. Entretanto, à revelia do discurso cooperativo manifesto no LBDN, a Estratégia Nacional de Defesa coloca certa contradição com relação à ideia de uma comunidade de segurança e de cooperação regional em defesa. Com efeito, na diretriz 9 desse documento, lê-se como uma das suas propostas “adensar a presença de unidades da Marinha, do Exército, e da Força Aérea nas fronteiras”. A orientação integra o esforço da Política de Defesa brasileira em incrementar seu poder dissuasório. Ao propor reforçar a presença militar nas fronteiras para aumentar a segurança nacional esse documento manifesta implicitamente a percepção dos formuladores de que a ameaça pode estar do outro lado da fronteira, isto é, que ela pode vir do vizinho. Mas todos os seus vizinhos fazem parte da UNASUL e do CDS, é com eles que o LBDN manifesta desejo de constituir uma “comunidade de segurança” regional, e é

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com eles que se propõe cooperar na defesa. Assim, entretanto, cria-se um paradoxo no qual ao passo em que com o mesmo país se busca a cooperação, dissuade-se: onde se coopera, não se dissuade. Aliás, da citada diretriz 9 decorre outra questão: a quem o Brasil pretende dissuadir com o adensamento de tropas nas suas fronteiras? Acreditamos que a resposta a essa questão define o direcionamento do investimento em meios militares. Os documentos de Defesa brasileiros são vagos em relação à definição de ameaças. Ao discorrer sobre as Hipóteses de Emprego das Forças Armadas, a END define: Entende-se por “hipótese de emprego” a antevisão de possível emprego das Forças Armadas em determinada situação/situações ou área/áreas de interesse estratégico para a defesa nacional. É formulada considerando-se a indeterminação de ameaças ao País14.

Em outro trecho, complementa: Os ambientes apontados na Estratégia Nacional de Defesa não permitem vislumbrar ameaças militares concretas e definidas, representadas por forças antagônicas de países potencialmente inimigos ou de outros agentes não estatais. Devido à incerteza das ameaças ao Estado Brasileiro, o preparo das Forças Armadas deve ser orientado para atuar no cumprimento de variadas missões, em diferentes áreas e cenários, para respaldar a ação política do Estado. As hipóteses de emprego são provenientes da associação das principais tendências de evolução das conjunturas nacional e internacional com as orientações político-estratégicas do País15.

Essa indefinição impacta diretamente na execução dos gastos em defesa, pois, de acordo com o artigo 12 da Lei Complementar 97, que dispõe sobre as normas gerais para organização, preparo e emprego das FFAA, o orçamento do Ministério da Defesa deve contemplar as prioridades estabelecidas pela END. Como não há uma ameaça claramente definida e, ainda assim, há um aumento do orçamento para a defesa ou simples disponibilidade de verba, corre-se o risco de se cair na sedução da “compra de oportunidade”, seja para aproveitar o dinheiro disponível ou alguma oferta apetecível, com possíveis consequências nefastas para a estratégia nacional, já que não é nem a política nem a estratégia que definem os meios de emprego, mas são as

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caraterísticas e especificidades das compras que posteriormente exigem treinamento também específico e uma doutrina pertinente, o que acaba impactando a estratégia e questionando a política de Defesa. Apesar de ter tentado iniciar um esforço na identificação de ameaças comuns à América do Sul sob a coordenação da Venezuela, o CDS logo percebeu as dificuldades dessa tarefa em uma sub-região com diferentes realidades, tão desigual e heterogênea desde vários pontos de vista. Essas diferenças e heterogeneidades da região sul-americana condicionaram as diferentes percepções dos países membros e não permitiram que uma definição nitidamente clara e operacionalmente útil fosse balizada. Os governos sul-americanos preferiram não avançar nesse sentido e recorrer a definições vagas e demasiadamente amplas, tal qual o conceito de “segurança multidimensional”. Em razão da emergência do que se convencionou chamar “novas ameaças” — crime transnacional, terrorismo, ataques cibernéticos, instabilidade política, etc.– os Estados, de acordo com o conceito, deveriam preparar novos tipos de resposta. A abordagem ganhou ensejo a partir do Consenso de Miami e da Declaração sobre Segurança das Américas. Essa última declara: Nossa nova concepção da segurança no Hemisfério é de alcance multidimensional, inclui as ameaças tradicionais e as novas ameaças, preocupações e outros desafios à segurança dos Estados do Hemisfério, incorpora as prioridades de cada Estado, contribui para a consolidação da paz, para o desenvolvimento integral e para a justiça social e baseia-se em valores democráticos, no respeito, promoção e defesa dos direitos humanos, na solidariedade, na cooperação e no respeito à soberania nacional16.

Posteriormente, na IV Conferência de Ministros de Defesa das Américas, o conceito é reforçado: A segurança é uma condição multidimensional do desenvolvimento e progresso de nossa nação. A segurança é fortalecida quando aprofundamos sua dimensão humana. As condições de segurança humana melhoram mediante o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais dos indivíduos, sob o Estado de direito, bem como por meio da promoção do desenvolvimento econômico e social, da educação e da luta contra a pobreza, a doença e a fome. A segurança é essencial para

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criar oportunidades econômicas e sociais para todos e gerar um ambiente favorável para atrair, reter e empregar produtivamente os investimentos e o comércio necessários para criar fontes de trabalho e realizar as aspirações sociais do Hemisfério. A pobreza extrema e a exclusão social de amplos setores da população, também afetam a estabilidade e a democracia, erodindo a coesão social e minando a segurança dos Estados17.

O Conselho de Defesa Sul-Americano abdicou dessa abordagem generalista, marcando um posicionamento comum em relação às discussões que vinham sendo desenvolvidas no âmbito hemisférico sob o comando norte-americano. Não há em nenhum documento do foro sul-americano menção à segurança multidimensional. Analisamos detidamente o conceito de “multidimensionalidade” em outro lugar18, onde concluímos que esse termo, como enfoque ou adjetivo geral da segurança é heuristicamente infértil, analiticamente inadequado e operacionalmente perigoso. Esta última caraterística é enfatizada porque, adotado acriticamente e incorporado às visões de países ante suas ameaças, cujas debilidades institucionais lhes oferecem apenas as FA como único instrumento confiável, acaba securitizando a agenda social e militarizando a segurança. Há um vazio de significado nesse conceito que “nada diz sobre tudo”. Ao passo que as fontes de ameaças são múltiplas, também são diversos os mecanismos institucionais com os que conta o Estado para seu enfrentamento. Assim, se as ameaças podem ser políticas, sociais, econômicas, climáticas, etc., o Estado conta também com respostas “multifacetadas”, como indicou o embaixador Patiño Mayer. O que queria dizer Mayer é que as respostas adequadas para aqueles desafios deveriam partir dos Ministérios de Economia, de Desenvolvimento Social, de Justiça, de Meio Ambiente, etc. Ele se esforçava por enfatizar que a resposta militar deve ser limitada àquelas ameaças que exijam uma resposta armada, tentando evitar o emprego das FA em outros ambientes que não os específicos. A militarização como única resposta estatal para todos os desafios parece ser uma alternativa tentadora ao governante que precisa de resultados imediatos para melhorar os índices de aceitação popular e garantir sua reeleição ou que lhe permita fazer seu herdeiro. Uma vez nas ruas, as Forças Armadas proporcionam ao cidadão uma sensação de segurança que não necessariamente corresponde à solução da ameaça que provoca sua

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insegurança. Com efeito, as FA não estão preparadas, nem treinadas, nem armadas, nem contam com doutrina específica nem sistema de inteligência que lhe permita operar com eficácia sobre o tipo de ameaças internas que intranquilizam a sociedade e tornam impopular o governo. Ainda naquele artigo apontamos a origem do conceito de “multidimensionalidade”, nefasto para a organização da Defesa e da Segurança, mas funcional a outros interesses: “ele foi sendo introduzido nas declarações hemisféricas da área de segurança paulatinamente e sob pressão política de quem conta com a força para decidir sobre as ambiguidades conceituais”. A Argentina, por sua vez, também levou em conta a existência do CDS assim como o seu compromisso institucional com ele nos seus documentos de Defesa. No Libro Blanco de la Defensa de 2010, o governo expressa o seguinte entendimento: Nesse sentido, em um mundo crescentemente interrelacionado, a Argentina concebe sua defesa na dupla dimensão de autônoma, por um lado, e cooperativa, por outro. Isso implica que seu desenho de forças e suas capacidades não ofensivas se vinculam e complementam com seus compromissos multilaterais. Com esse espírito, e no marco da União de Nações Sul-Americanas (UNASUR), a Argentina participou de modo ativo no processo de criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS).

De fato, o país é um dos membros mais participativos no CDS, demonstrando seu engajamento desde o início. O gráfico a seguir mostra a porcentagem de atividades assumidas por cada país nos Planos de Ação até hoje formulados. Elaboração própria baseada nos Planos de Ação do Conselho de Defesa Sul Americano. Disponível em: . Acesso em: 05 de fev. de 2014.

O próximo gráfico ilustra a evolução dessa participação em cada país. Nele, é possível observar como alguns países, dentre eles o Brasil, assumiram mais atividades no CDS com o passar dos anos. A Argentina não demonstrou um aumento na participação tão expressivo quanto se observou no Peru. Entretanto, apresentou uma participação mais consistente.

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Por sua vez, o expressivo aumento no engajamento do Peru nas atividades do CDS deve ser acreditado à conjuntura pela qual teve que assumir, seguindo a ordem estabelecida, a Presidência Pro-Tempore da instituição.

Elaboração própria baseada nos Planos de Ação do Conselho de Defesa Sul Americano. Disponível em: . Acesso em: 05 de fev. de 2014.

Outro aspecto que pode ser contemplado ao analisar a participação dos países nas atividades do CDS é a importância da encomenda, muito embora essa importância possa responder à ordem subjetiva da análise. Todavia, e a nosso entender, duas das atividades mais significativas desenvolvidas até o momento pelo CDS foram coordenadas pela Argentina, a saber: a criação do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED/CDS) e o Registro de Gastos de Defesa Sul Americano. O estatuto do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa, de março de 2009, define como objetivos da instituição: a) Contribuir, mediante análises permanentes, na identificação de desafios, fatores de risco e ameaças, oportunidades e cenários relevantes para a defesa e a segurança regional e mundial, tanto no presente quanto no mediano e longo prazo; b) Promover a construção de uma

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visão compartilhada que possibilite a abordagem comum em matéria de defesa e segurança regional, dos desafios, fatores de risco e ameaças, oportunidades e cenários previamente identificados, conforme os princípios e objetivos expostos no Tratado Constitutivo da UNASUL e no Estatuto do CDS; c) Contribuir na identificação de enfoques conceituais e lineamentos básicos comuns que permitam a articulação de políticas em termo de defesa e segurança regional19.

Os objetivos aos que se propõe atender o CEED/UNASUL são basicamente insumos para as tomadas de decisão política dos governos que compõem o CDS e definições conceituais que exigem a articulação política dos representantes nacionais no CEED. A natureza dessas atividades requer para sua realização a concorrência da expertise acadêmica e de articulação política, ambas caraterísticas encontradas na cada vez mais consolidada comunidade civil da Defesa sul-americana. Todavia, não obstante a relevância das metas colocadas e do perfil específico da representação que poderia assumir a tarefa da sua realização, uma análise sociológica pormenorizada do perfil da representação nacional junto ao CEED permite inferir que foram outros os critérios que balizaram a escolha dos mesmos. Até fevereiro de 2014, o organismo contou com o apoio para os trabalhos do mesmo com vinte e quatro delegados nacionais, sendo que seis desses compõem o corpo de especialistas atualmente. Não obstante os atuais diretor (argentino) e o vice-diretor (equatoriano) sejam civis, do total de vagas para as delegações, somente quatro foram ocupadas por civis. As vinte remanescentes foram, ou são, ocupadas por oficiais das FA que se encontram na Argentina para realizar outras missões e são aproveitados pelos seus ministérios para ocupar a vaga da representação desse país no CEED. A maioria dos militares que compõem o CEED/CDS são oficiais destacados pelos Ministérios de Defesa dos seus países para atuarem na função de adido militar na Embaixada do seu país na Argentina ou para realizar o Curso de Estado Maior ou intercâmbio militar ou qualquer outra missão especificamente militar na Argentina. Obviamente, a decisão sobre o perfil do representante é da alçada da soberania dos respectivos países. Pode ser que essa decisão obedeça a critérios de economia (aproveitar a presença do oficial militar em Buenos Aires), pode se argumentar a falta de especialistas civis em Defesa e Segurança em alguns países, que pode representar a manifestação da falta de

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interesse de alguns países no destino do CEED/CDS, mas também pode significar que os militares de alguns países gozem de autonomia nas decisões políticas que envolvem a Defesa. Os únicos países sul-americanos a enviar representação civil ao CEED/CDS são Argentina e Chile, todas as outras representações estão constituídas exclusivamente por militares em atividade. Perguntamo-nos se a particular configuração sociológica do organismo não explicará em parte a morosidade dos trabalhos realizados pelo CEED/CDS; até que ponto a formação específica militar, ajustada ao princípio da soberania e à desconfiança, permitirá reflexionar e decidir sobre medidas que apontem à cooperação em Defesa; assim como também, como essa formação incidirá no direcionamento na construção de conceitos e enfoques comuns em matéria de defesa e segurança. O que podemos constatar até o momento é que CEED/CDS não mostrou uma abertura significativa para que civis compusessem sua junta de especialistas, como imaginávamos que faria, como tampouco funcionou como articulação entre o CEED/ CDS e os centros de reflexão acadêmicos civis dos países do CDS, o que teria, por um lado, aumentado o universo de expertos e a capacidade de estudos e análises e, por outro, teria funcionado como estímulo para a geração de massa crítica acadêmica. Acreditamos que a composição sociológica do CEED/CDS e o seu isolamento da comunidade acadêmica da defesa sul-americana acabaram comprometendo o potencial do organismo para se constituir em um foro de discussão e em incentivador da participação civil nos assuntos de defesa e segurança regional. A segunda das atividades mais importantes realizadas pelo CEED/ CDS e presidida pela representação argentina foi a implementação do Registro de Gastos de Defesa Sul Americano20. Como fruto de um trabalho iniciado em 2009 e coordenado pela Argentina, o CEED/CDS apresentou em Quito, no dia 10 de maio de 2012, um relatório no qual se apresentavam as cifras dos gastos orçamentários direcionadas à Defesa durante o período de 2006 a 2010. Segundo o documento, o acumulado dos gastos sul-americanos ocasionados por esse rubro chegou a um total de US$ 126 bilhões, com uma média anual de US$ 25 bilhões e uma variação média de 18%. Desagregando essas cifras por cada país, nota-se que o orçamento brasileiro perfaz quase metade do total, chegando a 43% dos gastos totais em Defesa na região. O gráfico a seguir mostra a evolução dos gastos.

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Fonte: elaboração própria com base no Registro de Gastos de Defesa Sul-Americano. Disponível em:. Acesso em: 10 de fev. de 2014.

No que concerne à parcela dos gastos em defesa em relação ao PIB, é possível identificar o nível de prioridade fiscal que é atribuído ao setor Defesa dentro do orçamento nacional total. De um modo geral, a média regional do gasto total de defesa como porcentagem do PIB manteve-se estável, variando entre 0,9% em 2006 e 0,93% em 2010. Entretanto, quando são considerados caso a caso é possível observar que, durante o período contemplado pelo Registro, alguns países expandiram o espaço que o orçamento de defesa ocupava no total das contas públicas nacionais de maneira significativa. O caso mais expressivo é o equatoriano, que em 2006 dedicava 1,79% para a Defesa do seu orçamento nacional, mas para o registro de 2010 o reservado para esse setor já atingia os 2,74% do orçamento total. No componente Gastos de Defesa por Objeto, no qual se registram os rubros para os quais foram aplicados os recursos atribuídos à Defesa, o documento apresenta informações bastante esclarecedoras para entender a eficiência dos gastos militares na região e sobre como essas cifras são utilizadas. Os gráficos do Registro indicam a enorme disparidade entre o montante destinado à pesquisa na área de defesa vis-à-vis os gastos realizados com Pessoal. O primeiro recebeu em média entre 2006-2010, 0,5% do

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total destinado à defesa, ao passo que os gastos com pagamento de pessoal atingiram 58,7%21, sendo que nesses dados não constam os gastos previdenciários. Em relação à incidência do gasto total em pessoal sobre o gasto total de defesa na região, apesar do Registro colocar essa informação em bilhões de dólares, convertemos as cifras em porcentagem, o que permite visualizar mais claramente se a parcela dedicada ao pagamento de Pessoal aumentou ou diminui no período em questão. Apesar de ainda continuar alta, a parte do orçamento dedicado à Pessoal decresceu. Em 2006, a porcentagem era de 62,77%; e em 2007, de 57,94%; diminuindo para 55,92% em 2008. No ano de 2009 a porcentagem subiu para 58,44%; caindo em 2010 para 57,71%. A partir de uma análise mais atenta da metodologia desenvolvida no âmbito do CEED para medição dos gastos militares, chamamos a atenção para algumas idiossincrasias do mecanismo. Preliminarmente, destacamos a influência que a experiência em medição padronizada de gastos militares levada a cabo entre Argentina e Chile teve no desenho do instrumento. Com efeito, esses dois países, que foram responsabilizados pelo CDS para desenvolver o registro multilateral de gastos de defesa, imprimiram em sua arquitetura a expertise adquirida na construção da metodologia bilateral de medição de gastos de defesa empregada por eles entre 1999 e 200122. Duas características dessa experiência foram repassadas ao mecanismo do CDS. A primeira delas refere-se à maneira como as cifras de Ajuda Militar Externa são contabilizadas. Ao passo que, por exemplo, o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) contabiliza os gastos em ajuda militar nas contas do país doador23, o Registro de Gastos de Defesa Sul-Americano os imputa ao país receptor. Isso reflete uma preocupação com a condição periférica na qual os países da região se encontram no sistema internacional. A elaboração de um desenho metodológico que perceba tal posição é sem dúvida uma mostra do esmero com o qual o mecanismo foi pensado. Outro fator significativo na metodologia herdado do mecanismo entre Argentina e Chile é a inclusão de uma categoria de relatório relativa ao financiamento extraorçamentário24. A realocação de recursos para a defesa de áreas não relacionadas é uma variável importante no estudo da dinâmica dos gastos militares sul-americanos. Uma análise fiel desse cenário não estaria completa se fosse displicente em relação a esse tipo de financiamento. A iniciativa de instauração de um mecanismo de transparência em gastos militares na América do Sul foi bem sucedida enquanto medida

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de construção da confiança. Entretanto, seu sucesso deve-se menos ao seu resultado – o Registro de Gastos de Defesa Sul Americano – e mais ao próprio processo de sua construção. Ao longo das negociações, todos os países da região procuraram encontrar um ponto de convergência no qual concordaram em compartilhar informações relativas aos seus orçamentos de defesa. De fato, seu estabelecimento é um marco, porém sobressai-se muito mais na dimensão simbólica do que prática. Muito embora esse Registro de Gastos em Defesa para a Região não seja perfeito, ele constitui inequivocamente um instrumento de construção e consolidação da confiança, colocando a América do Sul como a primeira região a apresentar um instrumento dessa natureza. Analisando suas informações é possível desconstruir a ideia de corridas armamentistas na região. Por outro lado, um estudo mais detido das compras mostra que em quase todos os casos referem-se à recuperação e à modernização de material obsoleto. Como podemos observar na figura a seguir, a maioria das transferências de armamentos para a América do Sul foi realizada durante as décadas de 1970 e 1980, tornando os inventários bélicos, em sua maioria, defasados atualmente.

Fonte: Elaboração própria de acordo com a Base de dados sobre transferência de armamentos do SIPRI. Disponível em: . Acesso em: 11 de fev. de 201425.

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O documento, por outro lado, permite ver ainda que as compras, se não representam um risco à estabilidade regional, tampouco apresentam a direção para uma cooperação em defesa regional e para a construção de uma “comunidade regional de defesa”. Cada compra obedece a interesses nacionais sem procurar um desenho complementar de compras. Isso pode ser constatado nas recentes compras de aviões pelos países da região encarregados a diferentes fornecedores, perdendo a oportunidade de realizar um planejamento cooperativo e racional da compra. No entanto, consideramos que a região, com todas as suas dificuldades, tem avançado na construção da confiança e que, embora a precariedade institucional da UNASUL e do seu CDS, tem conseguido operar com rapidez e eficácia nas crises que se apresentaram na região, como a interna à Bolívia, na região de Pando; o ataque por forças colombianas à região da Angostura em território equatoriano e o intento norte-americano de utilizar as bases militares na Colômbia. Hoje pode se disser que, embora a região não esteja imune a crises e conflitos, há mecanismos institucionais que permitem certa prevenção diplomática e agir com rapidez para resolver as controvérsias dentro da sub-região. Assim, com poucos anos de vida, baixa institucionalidade e excepcional voluntarismo, o CDS depara-se com forças centrífugas e centrípetas que tornam seu presente complexo e o seu futuro incerto. Todavia, a formação de uma integração sul-americana não é de per si um indício de autonomia decisória regional ou de aumento da soberania regional, pelo contrário, como afirma Vivian Frias em termos da época da Guerra Fria, a integração “pode se concretar para afiançar o subdesenvolvimento e a dependência colonial, ou pode se realizar para superar o atraso e se liberar da opressão imperialista”26 e isso, acreditamos, dependerá, entre outras coisas, do posicionamento político da sociedade sul-americana e dos seus líderes políticos. Héctor Luís Saint Pierre - Pesquisador Pq 2 do CNPq. Professor Titular de Segurança Internacional da Universidade Estadual Paulista (Unesp/ Franca). Professor e coordenador da área “Paz, Defesa e Segurança” do Programa Interinstitucional (UNESP/ Unicamp/PUC-SP) de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas”. Coordenador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança (GEDES). Coordenador do Projeto Red Nacional de Estudios Estratégicos. Conta para sua pesquisa com apoio financeiro da FAPESP. Diego Lopes da Silva - Doutorando em Relações Internacionais pelo Programa de PPGRI Santiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP). É pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional desde 2008.

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(1)CHILE DE TODOS. Programa de Gobierno Michele Bachelet 2014-2018. Disponível em . Acesso em: 20 de janeiro de 2014. (2)Como o interno à Bolívia, na meia lua de Pando, o ataque colombiano ao acampamento de Reyes na Angostura, o intento norte-americano por se instalar em bases militares colombianas, (3) CDS. Estatuto del Consejo de Defensa Suramericano. 11 de diciembre de 2008, Santiago, Chile. Disponível em: : Acesso em: 11 de fev. de 2014 (4) PERU. Libro Blanco de la Defensa Nacional, 2005. p. 62. Disponível em . Acesso em 17 de dezembro de 2013. (5) ARGENTINA. Ley de Defensa Nacional, nº 23.554, 05 de maio de 1988. (6) GUEVARA, E. “La tarea consiste en fijar los precios que permitan el desarrollo” Ver também, “Si la Alianza para el Progreso fracasa”. In: Obras Completas. Buenos Aires: Ed. Legasa, 1996 (7) SCHMITT, C. El concepto de lo político. Buenos Aires: Folios Ediciones, 1984. A cita é da pág. 48 dessa edição. (8) JUST THE FACTS. U.S. Aid from International Narcotics Control and Law Enforcement, Entire Region, 2009-2014. Disponível em: . Acesso em: 17 de fev. de 2014.. (9) ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. US Departament of State. Description of programs. Disponível em . Acesso em: 17 de fev. de 2014. (10) Esse conjunto de votações é explicitado no documento Voting Practices in the United Nations de cada ano. Entretanto, os critérios de diferenciação da importância das votações não são discutidos. (11) Idem. (12) CARTA CAPITAL. EUA reativam IV Frota e preocupam dirigentes da AL. Disponível em:

. Acesso em: 03 de fev. de 2014. (13) BRASIL. Ministério da defesa. Livro Branco da Defesa Nacional, 2012. p. 29. (14) BRASIL. Ministério da defesa. Estratégia nacional de defesa, 2012. p. 28. (15) BRASIL. Ministério da defesa. Estratégia nacional de defesa, 2012. p. 29-30. (16) ORGANIzAçÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Declaração sobre Segurança nas Américas, México, 2003. Art. 2. Disponível em: . Acesso 11 de fev. de 2014. (17) ORGANIzAçÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. VI Conference of Ministers of Defense of the Americas. 2004. Disponível em: . Acesso em: 11 de fev. de 2014.

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(18) SAINT PIERRE, Héctor Luis. “Defesa” ou “segurança”? “Reflexões em torno de conceitos e ideologias”. In: SAINT PIERRE, Héctor Luis; MEI, Eduardo (Org.) Paz e guerra: defesa e segurança entre as nações. São Paulo: Unesp, 2013. (19) CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS. Estatuto do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa do Conselho de Defesa Sul Americano. Disponível em: Acesso em: 11 de fev. de 2014. (20) CENTRO DE ESTUDOS ESTRATEGICOS DE DEFESA. Informe final Diseño de una Metodologia Común de Medición de Gastos de Defensa. Disponível em: . Acesso em: 14 de fev. de 2014. (21) Operações receberam 23,5% e investimentos 17,3%. (22) Entre 1999-2001, Argentina e Chile participaram de um exercício de medição padronizada de gastos militares com o auxílio da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) (23) Na definição de gasto militar do SIPRI, gasto em defesa é todo fluxo de capital investido nas Forças Armadas (incluem-se as Operações de Paz); Ministério de Defesa ou outras agências governamentais encarregadas de assuntos de defesa; Forças Paramilitares, quando treinadas e equipadas para operações militares; atividades militares espaciais; pessoal militar e civil; operações e manutenção; aquisições; pesquisa e desenvolvimento militar; e ajuda militar (despesa computada nos cálculos do país doador). ECONOMIC COMISSION FOR LATIN AMERICA AND CARIBBEAN. Methodology for the comparison of military expenditures. Santiago: Office of the Executive Secretary, 2005. p. 22. (24) O financiamento extraorçamentário é caracterizado por desembolsos realizados no setor militar de receitas advindas de outras fontes que não o orçamento regular do Estado destinado à Defesa, como, por exemplo, atividades comerciais das Forças Armadas. Essa prática iniciou-se nos períodos nos quais os militares assumiram um papel protagônico, irrompendo prepotentemente no cenário político nacional para sequestrar o poder de decisão das mãos dos civis. Uma das fontes de recursos para tal prática é a carga impositiva sobre a extração de recursos naturais. Países como Chile, Peru, Venezuela e Equador possuem, ou já possuíram, mecanismos que direcionam parte das receitas da extração de recursos naturais para a Defesa. No caso chileno, por exemplo, tal vínculo foi estabelecido pela Lei Reservada do Cobre, de 1958. (25) Para medir as transferências de armamentos internacionais, o SIPRI desenvolveu a unidade de medida TIV (Trend Indicator Value). “A TIV é baseada nos custos unitários de produção conhecidos de um conjunto de armas e destina-se a representar a transferência de recursos militares, ao invés do valor financeiro da transferência. Armas que não têm o custo de produção conhecidos são comparadas com armas nucleares baseadas em: tamanho e as características de desempenho (peso, velocidade, alcance e carga útil); tipo de eletrônica, arranjos de carga ou descarga, motor, rodas, faixas ou armamento e materiais; e no ano em que a arma foi produzida. Uma arma que já foi utilizada por outro país tem o valor atribuído de 40 por cento do total de

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seu valor caso fosse nova. Uma arma já utilizada, porém, que foi significativamente remodelada ou modificada pelo fornecedor antes da entrega recebe um valor de 66 por cento de seu valor original”. Para mais informações da metodologia, acessar . Acesso em: 11 de fev. de 2014. (Tradução nossa) (26) FRIAS, Vivian. Imperialismo y Geopolítica en America Latina. Montevideo: Talleres Gráficos C.I.S.A., 1967. p. 376.

Referências bibliográficas ARGENTINA. Ley de Defensa Nacional, nº 23.554, 05 de maio de 1988. ARGENTINA. Ministerio de la defensa. Libro blanco de la defensa, 2010. BRASIL. Ministério da defesa. Livro Branco da Defesa Nacional, 2012. ______. Ministério da defesa. Estratégia nacional de defesa, 2012. CARTA CAPITAL. EUA reativam IV Frota e preocupam dirigentes da AL. Disponível em . Acesso em: fevereiro de 2014. CDS. Estatuto del Consejo de Defensa Suramericano. 11 de diciembre de 2008, Santiago, Chile. Disponível em: . Acesso em: 11 de fevereiro de 2014. CENTRO DE ESTUDOS ESTRATEGICOS DE DEFESA. Informe final Diseño de una Metodologia Común de Medición de Gastos de Defensa. Disponível em: . Acesso em: 10 de fevereiro de 2014. ______. Plan de Acción del Consejo de Defesa Suramericano 2009. Disponível em: . Acesso em: 05 de fevereiro de 2014. ______. Plan de Acción del Consejo de Defesa Suramericano 2010-2011. Disponível em: . Acesso em: 05 de fevereiro de 2014. ______. Plan de Acción del Consejo de Defesa Suramericano 2012. Disponível em: . Acesso em: 05 de fevereiro de 2014. CENTRO DE ESTUDOS ESTRATEGICOS DE DEFESA. Plan de Acción del Consejo de Defesa Suramericano 2013. Disponível em: . Acesso em: 05 de fevereiro de 2014. ______. Estatuto do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa do Conselho de Defesa Sul Americano. Disponível em: Acesso em 11 de fevereiro de 2014. CHILE. Ministerio de Defensa Nacional de Chile. El Consejo de Defensa Suramericano: crónicas de su gestación. Santiago de Chile, Julio de 2009. Disponível em: Acesso em 02 de fevereiro de 2014. ECONOMIC COMISSION FOR LATIN AMERICA AND CARIBBEAN. Methodology for the comparison of military expenditures. Santiago: Office of the Executive Secretary, 2005. ESTADOS UNIDOS DA AMERICA. US Departament of State. Description of programs. Disponível em . Acesso em: 17 de fevereiro de 2014. ______. US Departament of State. Foreign Military Financing. Disponível em: . Acesso em: 17 de fevereiro de 2014. ______. Voting Practices in the United Nations. Disponível em: . Acesso em 15 de fevereiro de 2014. FRIAS, Vivian. Imperialismo y Geopolítica en America Latina. Montevideo: Talleres Gráficos C.I.S.A., 1967. GUEVARA, E. La tarea consiste en fijar los precios que permitan el desarrollo. In: Obras Completas. Buenos Aires: Ed. Legasa, 1996. ______. Si la Alianza para el Progreso fracasa. In: Obras Completas. Buenos Aires: Ed. Legasa, 1996. JUST THE FACTS. U.S. Aid from International Narcotics Control and Law Enforcement, Entire Region, 2009-2014. Disponível em: . Acesso em: 17 de fevereiro de 2014. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Declaração sobre Segurança nas Américas, México, 2003. Art. 2. Disponível em: . Acesso 11 de fevereiro de 2014. ______. VI Conference of Ministers of Defense of the Americas. Declaration of Quito, 2004. Disponível em: http://www.oas.org/csh/english/

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docministerials.asp Acesso em 11 de fevereiro de 2014. PERU. Libro Blanco de la Defensa Nacional, 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 de fevereiro de 2014. PROGRAMA de Gobierno Michele Bachelet 2014-2018. Disponível em: . Acesso em: 07 de fevereiro de 2014. SAINT PIERRE, Héctor Luis. “Defesa” ou “segurança”? Reflexões em torno de conceitos e ideologias. In: ______; MEI, Eduardo (org.). Paz e guerra: defesa e segurança entre as nações. São Paulo: Unesp, 2013. SCHMITT C. El concepto de lo político. Buenos Aires: Folios Ediciones, 1984. SIPRI. Military Expenditure database. Disponível em: . Acesso em: 14 de fevereiro de 2014. ______. Arms tranfers database. Disponível em: . Acesso em: 14 de fevereiro de 2014.

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CApÍtuLo 12. eL ALBA Y LA SeGuriDAD reGionAL CARLOS OLIVA CAMPOS

L

a integración regional gravita hoy en América Latina y El Caribe estancada entre la necesidad de adaptar sus conceptualizaciones, respondiendo a las condiciones histórico-concretas que se viven y la ausencia de decisiones políticas para avanzar, no sólo hacia la concreción de los procesos, sino a la articulación entre los existentes. Diversos factores, entre los que gravita en primer lugar el cumplimiento por parte de Estados Unidos de objetivos estratégicos trazados para sus escenarios hemisféricos pos 11-92001, han generado una palpable fragmentación regional. Paulatinamente, la Cuenca del Caribe fue reajustada como el nuevo perímetro sur de la seguridad nacional estadounidense. Mientras que en Sudamérica gravitan una Comunidad Andina de Naciones casi inexistente, el MERCOSUR y la ALBA. El MERCOSUR, el más fuerte de los esquemas de integración, a pesar de la diversidad de foros y espacios internos que ha creado para atender la multiplicidad de temas que demanda nuestra realidad, no trasciende la dimensión económica bajo la cual fue concebido. Se califica como integración a la cooperación, la colaboración y toda una serie de otras acciones que conllevan a diferentes articulaciones multinacionales. Nadie puede negar la importancia estratégica que tiene la UNASUR, así como en perspectiva la CELAC, en tanto se consolide, asumiendo la responsabilidad regional que le corresponde. Pero, calificar a estos mecanismos de concertación política como procesos de integración, sólo nos da una visión parcial y peor aún, reduccionista de la realidad. Esto facilita mucho las cosas a los enemigos de una real integración.

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Este grave problema identificado fue el que nos estimuló a explorar las diferencias que se aprecian en la ALBA, proyecto que ha concitado más críticas que ningún otro y, precisamente, por factores que resultan decisivos –en opinión de este autor- para desatar los nudos que frenan los avances de la integración regional. Por tanto, vamos a profundizar en lo que ha sido la ALBA hasta el presente, pero desde el necesario sentido crítico que puede ayudarnos a contribuir a ese tan mencionado debate regional abierto. En esencia, adelantamos que se trata de indagar en las experiencias acumulas por la ALBA y evaluar cómo el papel preponderante que tiene la dimensión política dentro del proyecto, puede resultar un referente para aportar ideas, más que al debate, a la posible adopción de decisiones concretas que hagan avanzar la integración regional. Sin embargo, la ALBA también ha generado todo un entretejido de percepciones y acciones de seguridad a nivel hemisférico, dada su perspectiva anti-hegemónica y de confrontación con Estados Unidos y sus aliados en la región. De ahí que nos planteamos como hipótesis de trabajo, que son precisamente esas percepciones de seguridad en torno a la ALBA, encabezadas por el crítico enjuiciamiento que recibe del gobierno de Estados Unidos, las que gravitan sobre una comunidad regional tan diversa y asimétrica en sus relaciones con Washington, imponiendo distancias y reservas sobre las experiencias positivas que ha aportado el proyecto, que podrían ser incorporadas desde una perspectiva abierta y sin alineamientos políticos pre condicionados, al debate regional sobre los procesos de integración. La Alianza Bolivariana para la América Neutralizados el intento de golpe de estado de abril de 2002 en Venezuela y los subsiguientes paros petroleros, el rotundo triunfo del Presidente Chávez en el referéndum revocatorio de agosto de 2004, le abrió definitivamente los espacios políticos que necesitaba para desplegar su programa de Revolución Bolivariana. La primera acción de la ALBA, un proyecto fundamental dentro de su programa político, fue precisamente a finales de ese propio año, cuando Chávez suscribió en La Habana junto al entonces Presidente cubano Fidel Castro, la Declaración Conjunta Cuba-Venezuela (Granma, 2004, p. 5), documento que serviría como plataforma para su posterior despliegue.

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La ALBA venía a buscar su inserción regional en momentos en que Chávez, en unión de los Presidentes de Argentina y Brasil, Néstor Kirchner y Luis Inacio Lula da Silva, lideraban la batalla latinoamericana contra el ALCA (Área de Libre Comercio de las Américas) patrocinada por Estados Unidos. Por tanto, la ALBA comienza a andar, moviéndose entre la confrontación con el ALCA y la concertación entre estos nuevos líderes sudamericanos, escenario que desembocó en una acción de integración, la propuesta de inclusión de Venezuela en el MERCOSUR, a finales de 2005. Es bien conocido el largo trecho vivido para la ratificación de esa decisión, que incluyó las retrasadas aprobaciones de los parlamentos de Uruguay y, sobre todo, Brasil. La definitiva incorporación de Venezuela la impusieron los restantes miembros del MERCOSUR, en ocasión de separar temporalmente a Paraguay –cuyo Congreso también vetaba la inclusión-, al deponer al Presidente Fernando Lugo en el año 2011. En enero de 2006, durante la VI Cumbre de la ALBA, se acordó sustituir el término Alternativa por el de Alianza respondiendo, de una parte, a la consolidación gradual del proyecto y de otra, con la intención de lanzarse a la búsqueda de la integración regional desde su perspectiva, mucho más profunda y radical que todo lo que la rodeaba. Esto último, estimulado por el éxito alcanzado por las fuerzas anti-ALCA en la Cumbre de las Américas de Mar de Plata de noviembre de 2005. Como resultado de los nuevos desarrollos, el proyecto pasó a denominarse ALBA-TCP (Ojo Pelao, 2006, p. 1-2). Su fundamento doctrinal parte del ideario de unidad regional promovido por el Libertador Simón Bolívar en su momento histórico, acompañado de un panteón de otros próceres, como José Martí, que continuaron alimentando y profundizando en la necesidad de la integración de los pueblos de América Latina y El Caribe. Hoy, son miembros de la ALBA, Venezuela, Cuba, Bolivia, Nicaragua, Ecuador, San Vicente y las Granadinas y Antigua y Barbuda y Dominica. Honduras se vinculó a la organización bajo el gobierno del Presidente Manuel zelaya, hasta su deposición por un golpe militar a mediados de 2009. Este acontecimiento, calificado por Juan Gabriel Tokatlián como neo-golpismo, al evaluar el retorno a las opciones militares (Tokatlián, 2010), se vuelve mucho más alarmante si damos crédito a la entrevista citada por el periodista Andrés Oppenheimer a Dante Caputo, ex -canciller argentino y asesor especial del Secretario General de la OEA,

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José Miguel Insulza. Según Oppenheimer, Caputo le expresó que: “Puede consolidarse la idea de que estamos frente a un nuevo tipo de golpe, un golpe correctivo, que no pretende una permanencia en el poder por años sino bloquear una acción presidencial [ilegal] y relanzar el juego democrático a los pocos meses”. (Oppenheimer, 2009). No es nuestro interés profundizar en este lamentable acontecimiento, sólo dejar constancia de la siguiente interrogante, ¿cuánto pesó la relación de zelaya con Chávez y la ALBA en el enjuiciamiento de su ilegalidad? Pero, ¿es la ALBA un esquema de integración regional? Las respuestas son múltiples y variadas. Para unos, no es propiamente un esquema de integración. Por ejemplo, Eduardo Gudynas y Mariela Buonomo, en una aproximación que se presenta insuficiente y distante de los hechos, afirman en su Diccionario sobre integración y comercio: El ALBA aparece actualmente como un proceso en marcha, flexible, basado en medidas concretas de los gobiernos, mientras que los estudios oficiales sobre sus objetivos y medios de acción son limitados. Además, muchos analistas invocan definiciones del ALBA pero que en realidad son expresiones de sus ideales o propuestas sobre cómo debería ser la integración regional… (Gudynas y Buonomo, 2007, p. 20).

Mientras que Jorge Mario Sánchez y Lourdes Regueiro, prefieren circunscribirse a los hechos cuando afirman que las propuestas del ALBA están relacionadas con: a. las relaciones políticas entre los países latinoamericanos como un proyecto integracionista frente a Estados Unidos, b)la facilitación de comercio y servicios financieros con criterios de prioridad para áreas deficitarias en lugar de los mecanismos convencionales de mercado -rasgo que constituye su elemento distintivo, con énfasis en los mecanismos de gestión y las iniciativas gubernamentales-, incluyendo la colaboración en las esferas de la educación básica, cultura, ciencia, tecnología, e infraestructura social. (Regueiro y Sánchez, 2007, p.143). Tenemos, por otra parte a Emir Sader, que llama la atención sobre un aspecto que, no sólo distingue al proyecto de cualquier otro, sino que

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significa un serio requisito a considerar a la hora de hablar de una verdadera integración regional. Afirma Sader: El ALBA es un proyecto de integración que se apoya en mecanismos destinados a crear “ventajas cooperativas”, en lugar de las pretendidas “ventajas comparativas”, esa verdadera cantinela de las teorías liberales del comercio internacional. Las ventajas cooperativas, en cambio, pretenden reducir las asimetrías existentes entre los países del hemisferio. Se basan en mecanismos de compensación con el fin de corregir las diferencias de nivel de desarrollo entre unos y otros. (Sader, 2006, p. 4).

E Irene León, partiendo de una lectura ideo política, sin dejar de ser realista, coloca dos temas cruciales que definen al proyecto, el peso de los factores políticos y geopolíticos y las características nuevas que adquiere el proceso integracionista que se propone. Sin embargo, extrae de ese ideario un pensamiento esencial. Parafraseando a Chávez, León señala que: “se trata de una plataforma política, geopolítica y económica, fundamentada en una visión integral, con una agenda explícita de cambios estructurales, que apunta a crear un territorio interrelacionado en el que el intercambio entre los países constituya una fortaleza para todos y para cada uno.” (León, 2013, p. 10) Cerremos ésta multiplicidad de visiones, todas objetivas y con visos de realismo, cual el “rompecabezas” que no deja de ser, con una acertadamente crítica y aglutinadora reflexión de Atilio Borón: el ALBA y el TCP tienen un fundamento filosófico no sólo distinto sino antagónico, del cual se desprenden estrategias y políticas concretas de integración que abarcan no sólo la esfera económica sino las correspondientes a la vida social, política y cultural de nuestros pueblos. Se trata, por lo tanto, de una concepción integral que es la exacta negación de los principios que rigen el funcionamiento de los TLC e, inclusive, de esquemas de integración como el MERCOSUR, cuyo elemento dinámico es la maximización de la rentabilidad de las transnacionales… (Borón, 2008, p. 105-106).

Resumiendo, podemos llamarlo esquema o proyecto de integración sujeto también a las definiciones y conceptualizaciones pendientes pero, se erige sobre una perspectiva multidimensional, única bajo la cual

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puede pensarse en un verdadero proceso de integración. Por otra parte, ha demostrado una claridad meridiana sobre la defensa de principios vitales para una real integración: cooperación, solidaridad, complementariedad, reciprocidad y respeto de la soberanía de cada país. Eso no quita que lo asumamos como un proyecto en evolución, en desarrollo; lo que ocurre es que sus presupuestos doctrinales y, sobre todo, sus metas estratégicas, son diferentes al resto. Por su radicalismo, expresado sobre todo en esa articulación sedimentada a partir de posiciones políticas anti-imperialistas y anti-hegemónicas, concita tanto rechazo de Estados Unidos como de sus aliados, a la vez que reservas y aprensiones de muchos dentro de las filas del progresismo y el amplio abanico de izquierdas impuesto en nuestra región. Con ésta última afirmación, se llama la atención sobre las evidentes diferencias de aquellos otros países que, siendo parte activa de los cambios en la región –Brasil, Argentina, Uruguay- sus intereses nacionales no pasan por una confrontación con Estados Unidos y sus aliados y privilegian el permanente empleo de sus canales de negociación y comunicación con el vecino del norte. Tal vez el momento más complicado, en este aspecto, se vivió durante el primer lustro de vida de la ALBA. Eso llevó al economista argentino Claudio Katz a colocar la siguiente reflexión: Mientras evitan enunciar cualquier opinión sobre el ALBA, Kirchner, Lula y Tabaré trabajan activamente para impedir la profundización del proceso bolivariano. (…) Buscan ante todo atenuar la confrontación contra el imperialismo y también contrapesar la enemistad de los capitalistas venezolanos con Chávez. Por eso auspician la presencia de empresarios latinoamericanos en Venezuela que contribuyan a contener el proceso bolivariano. Especialmente Kirchner cumple un papel muy activo en este operativo mediante el impulso a los negocios que realizan grandes capitalistas argentinos (Techint, Pescarmona) y europeos (Repsol) en Venezuela. Esta acción tiende a sofocar el despunte efectivo del ALBA. (Katz, 2008, p. 172).

Sin embargo, la concertación se sobrepuso a las diferencias entre los 4 líderes, posibilitando abrir y consolidar un discurso común con acciones consensuadas y compartidas, a partir de la estratégica victoria alcanzada en la ya mencionada Cumbre de las Américas de Mar del Plata

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de finales de 2005. No desconozcamos que, el hecho de descolocar a la alternativa promovida por Estados Unidos, aligeró presiones sobre estos líderes más moderados, pudiendo dedicar todo su tiempo a trabajar en la reconfiguración del nuevo escenario sudamericano. Tal vez, resulte paradójico afirmar que la ayuda estadounidense resultó decisiva, en tanto el escenario pos-ALCA marcó una fragmentación regional. La Cuenca del Caribe quedó abiertamente supeditada a las estrategias de seguridad pos-11-9, que vinieron a marcar el entorno del TLC firmado por Estados Unidos con Centroamérica más la República Dominicana (en inglés CAFTA-DR). Este nuevo escenario, marcó un relativo distanciamiento de Sudamérica, desatando las iniciativas estratégicas que vendrían como el proyecto PetroCaribe de la ALBA, la iniciativa de incorporar a Venezuela al MERCOSUR y el surgimiento de la estratégica UNASUR. Pero este período que se abre, no sólo marca una radicalización de los procesos políticos en sociedades tan convulsionadas como Bolivia y Ecuador, emergiendo los liderazgos de Evo Morales y Rafael Correa, sino que desató con toda su fuerza a una diplomacia presidencialista que facilita comunicaciones inmediatas al máximo nivel entre naciones, potenciando diálogos, entendimientos, moderación y concertación. En los marcos de ese nuevo y estratégico escenario sudamericano, la ALBA comenzó a desplegar todo su potencial, que pasamos a resumir en los principales ejes de intervención identificados: • El eje energético, que es fundamental porque beneficia del recurso petróleo – controlado por el gobierno bolivariano de Venezuela-, a todos los miembros, así como a otros países que se articulan mediante acuerdos bilaterales. • El eje de programas de desarrollo humano, que contiene los diferentes proyectos de salud, extendidos a varios países de la ALBA. “Barrio Adentro”, que fue el proyecto iniciador de los médicos cubanos en Venezuela y la Operación Milagro, con más de medio millón de intervenciones quirúrgicas oftalmológicas a pacientes de casi toda la región lideran este eje. Vale decir que su carácter incuestionablemente humanitario explica su extensión más allá de la ALBA. La Escuela Latinoamericana de Medicina (ELAM), con sede en La Habana, forma como médicos a jóvenes de numerosos países del mundo. Además, existe un fuerte entretejido de programas bilaterales desde Cuba,

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el país que atesora ese vital recurso humano, que se extiende a numerosos países de la región y del mundo subdesarrollado. Se trata de un programa de asistencia que contempla la presencia de médicos de la isla en más de 60 países. El eje educacional, también liderado desde Cuba, con su programa de alfabetización Yo sí puedo, es otro que se extiende más allá de la ALBA, igualmente a nivel hemisférico y fuera de este. Otro eje con similares características estaría centrado en la asesoría y capacitación deportiva, para técnicos y atletas, el tercer eje liderado por Cuba, como expresión del amplio capital humano formado en más de medio siglo de Revolución. El eje de infraestructuras, que se ha traducido en la construcción o modernización de complejos industriales vinculados a los energéticos y a sectores como la vivienda, por sólo mencionar los más conocidos. Países como Cuba, China, Bolivia y Nicaragua se incluyen en estos programas bilaterales. El eje de comunicaciones, que tiene como proyecto emblemático a TeleSur, un canal televisivo con criterios editoriales que defienden una visión anti-hegemónica de la información internacional, expresión de los postulados ideológicos que articula a los países centrales dentro del ALBA. El eje cultural, que trabaja fuertemente el rescate del pensamiento de Bolívar y otros próceres latinoamericanos, realzando igualmente sus tempranas posiciones unionistas, integracionistas y anti-hegemónicas. Casas Culturales, Conferencias Internacionales y la publicación masiva de textos de los referidos autores y sobre su obra se cuentan entre los proyectos más desarrollados. El eje financiero, que exhibe entre sus proyectos emblemáticos los Bancos del Sur y del ALBA, aunque, ha mostrado más su funcionamiento a nivel bilateral entre sus países miembros. También la adopción del sucre, como moneda para las transacciones comerciales intra-ALBA. Igualmente, el Fondo ALBA Caribe, creado dentro del marco de PETROCARIBE para los miembros caribeños del proyecto. Contempla un fondo del gobierno venezolano destinado a financiar programas económicos y sociales para contribuir a reducir los niveles de pobreza existente.

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Se debe resaltar, como un desprendimiento de todo lo señalado, pero respondiendo a una coyuntura crítica, la apertura de un eje de intervención específico para Haití, debido a los dramáticos sucesos que enlutaron a esa empobrecida nación caribeña, en ocasión del devastador terremoto que cobró más de 300.000 vidas en enero de 2010. Por supuesto, no se está vendiendo una quimera. Como se apuntó desde un inicio, es un proyecto que ha recibido muchos enfoques críticos, con juicios sobre la llamada diplomacia petrolera o los petrodólares, en alusión al peso del petróleo venezolano como su principal sostén económico. (Serbín, 2006). Por otra parte, ha relanzado dentro de las críticas recibidas viejas políticas que han acompañado a la historia latinoamericana en la figura del llamado populismo, ahora apellidado de radical, con Venezuela como su principal objetivo. (U.S. Southcom, 2004; y Shifter, 2006). Sin embargo, sobre este último comentario resulta útil colocar una perspectiva diferente en torno al siempre polémico tema del populismo. Una primera aclaración la aporta Roberto Regalado, al acotar la interpretación del populismo al término “clientelismo”. Sobre esto, nos dice el autor: significa que las políticas públicas y de redistribución de riqueza dirigidas a la clase media, el proletariado, y otros sectores humildes de la población no tienen carácter universal – es decir, no benefician a todos los miembros de esas clases y sectores-, sino que están basadas en el ‘clientelismo’, práctica consistente en otorgar privilegios a los sindicatos y organizaciones gremiales , profesionales y sociales ‘oficialistas’ , a cambio del apoyo de sus miembros a uno u otro partido burgués. (Regalado, 2009, p. 26).

Mientras que el sociólogo chileno Manuel Antonio Garretón aporta otra aclaración capital: Muchas veces se lo confunde con populismo, lo cual es incorrecto ya que el populismo era una política destinada a integrar a actores excluidos a una comunidad política ya existente mientras que en este caso se trata de una movilización destinada a refundar o reconstruir la polis a través de una nueva constitución. Es posible que una política como ésta sólo pueda realizarse si se dispone de recursos tan estratégicos como el petróleo. Por otra parte, tiene todavía como desafío el cambio del sistema productivo. En

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cualquier caso, el sujeto apelado de este modelo es el pueblo movilizado, y sus riesgos y costos más altos tienen que ver con el problema de la polarización de la sociedad y su dificultad de institucionalidad más allá del liderazgo personal. (Garretón, 2006).

Apuntes para una conceptualización sobre la integración regional de cara al proyecto ALBA Luego de ésta “tormenta de ideas” acerca de la ALBA, que alimentó, pero no asumió una definición exacta sobre lo que debe ser un proceso de integración, se hace necesario abrir un espacio para incorporar nuestra interpretación conceptual del tema, exponiendo otra definición al muy amplio arsenal existente, apelando a la lectura de los trascendentales acontecimientos socio-políticos que han reconfigurado a la América Latina de inicios del siglo XXI. Será una fusión de ideas del autor, auxiliado por algunas conceptualizaciones imprescindibles formuladas por reconocidos especialistas. Por supuesto, se hará evidente la distancia existente entre la siguiente definición y la realidad circundante, incluida la ALBA. Pero de eso se trata, de proponer una reflexión sobre lo que se debe alcanzar, en el entendido de que la ALBA, aún y con sus muchas limitaciones y deficiencias lleva un paso adelante del resto de los esquemas, proyectos y acciones de integración existentes. En un artículo publicado en el Anuario de la integración regional de América Latina y el Gran Caribe, de CRIES (Oliva Campos, 2007, p. 72), se adelantaron algunas ideas que paso a profundizar: Se entiende por integración un proceso, multidimensional por esencia, en el cual deben interactuar los factores económicos, políticos, culturales, educacionales, científico-técnicos, medioambientales, jurídico-diplomáticos, militares, deportivos, y laborales, entre tantas otras dimensiones que puedan ser incorporadas, facilitando una rotunda interrelación entre pueblos y naciones. Sin establecer precondiciones y reconociendo el decisivo papel de la economía en estos procesos, es inevitable aceptar la responsabilidad que tienen los factores políticos, en tanto deciden la definitiva concertación de las élites gubernamentales, para la construcción del nuevo sujeto supranacional. Quiere esto decir, que es la voluntad política asumida por las élites

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dirigentes las que llevan a conclusión un exitoso proceso de negociación, para iniciar los primeros pasos en función de la integración. Un aspecto crucial, imprescindible dentro de esa voluntad política y las decisiones que se aprueben, está en la sesión consciente de cuotas de soberanía por parte de todos los estados implicados, siempre en función de alcanzar el objetivo estratégico final. Por otra parte, se sugiere tomar en consideración, para aspirar a la funcionabilidad de un proceso de integración, atender a las siguientes premisas: 1. Son los gobiernos los máximos responsables de construir y conducir los procesos de integración. De entrada, se coloca un tema que resulta neurálgico en tiempos – ubiquémonos a inicios del siglo XXI- de predominio del neoliberalismo, del libre mercado, de una reducción, aunque podría llegarse a hablar casi de negación del estado como institución –debido a la subordinación al poder de las grandes transnacionales-; de una lógica de libre comercio bien esclarecida por Jaime Ornelas, cuando afirma que: La expansión de la esfera de actividades económicas más allá del Estadonación, provoca que los gobiernos nacionales pierdan fuerza y apenas si se les concede alguna razón de ser en la medida que sean capaces de convertirse en agentes promotores de la construcción de las condiciones generales de producción y, aún más, atender las exigencias de las empresas transnacionales, cuya importancia en nuestras economías puede llegar al grado de permitirles alcanzar un poder superior al del gobierno nacional… (Ornelas, 2005, p. 107).

Pero, si bien los gobiernos deben ser los conductores de los procesos, deben ser también los responsables de que los mismos no queden expuestos a la coyuntura de liderazgos y mandatos políticos determinados. Cuando se coloca el término meta estratégica, uno de sus principales contenidos está en la dirección de consolidar un proceso de integración interestatal, es decir, los acuerdos que se suscriban para echar a andar el nuevo sujeto multinacional, serán suscritos por representantes de gobiernos pero, bajo la condición de ser acuerdos de estados, para garantizar su perdurabilidad y estabilidad.

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2. La definición de un sistema colectivo de toma de decisiones. Siguiendo el razonamiento de León Lindberg: La integración implica que un número de gobiernos comienza a crear y a usar recursos comunes para comprometerlos en la prosecución de ciertos objetivos comunes y que lo hacen desprendiéndose de ciertos atributos factuales de la soberanía y de la autonomía de la toma de decisiones, en contraste con modos más clásicos de cooperación tales como alianzas u organizaciones internacionales. La integración política puede ser por tanto definida como la evolución en el tiempo de un sistema decisorio colectivo entre naciones. (Lindberg, 1970, p. 649-65)

Vale insistir aquí en el peso decisivo que alcanzan los factores políticos para el funcionamiento del proyecto de la ALBA. Se aprecia tanto a nivel gubernamental como de los diferentes liderazgos personales involucrados. La diplomacia presidencialista, los continuos encuentros, bilaterales o multilaterales al máximo nivel político y las Cumbres de la ALBA –ya suman 12-, lideran un continuo intercambio político entre los miembros, manteniendo una capacidad movilizadora y mediática que, no sólo neutraliza las acciones opositoras sino que les presenta como un nuevo sujeto cohesionado a nivel del sistema internacional. 3. El tratamiento de las hegemonías y los liderazgos al interior del nuevo sujeto emergente. Es imposible desconocer cuales de aquellos estados implicados poseen y aportan las mayores capacidades de poder. Pero una vía para minimizar o avanzar en el manejo consensuado de las hegemonías dentro de estos procesos, puede estar en trabajar por una conciliación de los diferentes liderazgos nacionales incluidos dentro del proyecto. Citando inicialmente al especialista argentino Félix Peña, la investigadora cubana Lourdes Regueiro retoma algunos requisitos considerados imprescindibles para ejercer un efectivo liderazgo regional: • Visión estratégica y propuesta de iniciativas que sean aceptables para otros países; • Protagonismo que implique presencia en los asuntos de la región; • Relevancia, entendida como potencial para incidir en la evolución de cuestiones significativas de la vida de una región.

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Y concluye Regueiro: En el orden conceptual este acercamiento resulta pertinente, al poner de relieve que la condición de líder implica el reconocimiento de que existe compatibilidad entre los intereses nacionales del país líder y los intereses regionales y la percepción de que la propuesta es viable, y que tiene capacidad de influencia para lograr que el resto de los países sigan el proyecto que defiende. (…) A los elementos antes mencionados podrían agregarse la percepción de credibilidad avalada por el cumplimiento de los compromisos contraídos y de sustentabilidad, vista como confianza de que la propuesta es perdurable en el tiempo, tanto por su capacidad económica de reproducirse, como por el apoyo político que hacen de la misma una política de Estado más allá de los gobiernos. (Regueiro, 2008).

En el caso de la ALBA, ya al mencionar los diferentes ejes o ámbitos de intervención, se hicieron evidentes los liderazgos sectoriales que ejercen Venezuela y Cuba. El primero, con el recurso petróleo y el segundo, con todo lo que aporta su capital humano. La propia ejecutoria de la ALBA demuestra cómo se ha logrado un manejo consensuado de estos liderazgos en función del trazado y la búsqueda de los objetivos estratégicos del proyecto. 4. La sesión consciente de cuotas de soberanía nacional. Este es, indudablemente, el tema que se aprecia más distante de alcanzar, debido a que las amenazas, violaciones y agresiones a la soberanía nacional continúan gravitando como un problema central de los gobiernos de la región. La razón está en el hecho de que el problema se revela a partir de un universo de variables, económicas, políticas, militares, jurídicas, diplomáticas y revela, igualmente, cómo operan los ejercicios de hegemonía y poder para lesionar la soberanía nacional de un determinado país. De tal forma que un genuino proceso de integración regional ofrece la posibilidad de constituir un nuevo sujeto supranacional que aglutina un conjunto de capacidades de poder nacionales, colocándolo en una posición más favorable en relación con las potencias centrales de sistema. Todo proceso de negociación para alcanzar cualquier tipo de acuerdos, y en este caso hablando de un proceso de integración que incluye

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a diferentes Estados, implica que se gana y se pierde, pero nunca en una perspectiva de “suma cero”. De ahí que, además de la claridad sobre lo que está en juego y lo que debe hacerse para alcanzarlo, la voluntad política se erija como el factor fundamental para asumir esa sesión consciente de cuotas de soberanía nacional Siguiendo ese razonamiento dentro de la ALBA, puede destacarse un ejemplo –que ha levantado tantos seguidores como detractores-, con la masiva presencia de cooperantes cubanos en Venezuela, ejerciendo una influencia significativa para el diseño de los sistemas públicos de salud, educación y deportes, así como en las amplias capas de la población que interactúan con ellos. Esa presencia, puede asumirse como una sesión consciente de cuotas de soberanía nacional, pero justificada en función de alcanzar objetivos estratégicos para el gobierno bolivariano. Este es sólo un ejemplo, pero la ALBA puede darnos algunos más. La ALBA y la seguridad regional De la Ley Orgánica de Seguridad de la Nación de Venezuela (2002), se ofrece el siguiente concepto en su artículo 2: “(…) la seguridad de la nación es una situación que garantiza el goce y ejercicio, por parte de la población, de los derechos y garantías en los ámbitos económico, social, político, cultural, geográfico, ambiental y militar, con proyección generacional, dentro de un sistema democrático, participativo y la integridad de su territorio y demás espacios geográficos.” Al proyectar el concepto venezolano, bolivariano, sobre seguridad nacional, no se aprecian diferencias esenciales en cuanto a las tradicionales visiones de las naciones latinoamericanas. Eso lo avala Sergio Bitar que nos recuerda que en América Latina, la seguridad nacional se centra en la preservación de cada estado-nación, de sus recursos naturales, y la defensa de la independencia y la soberanía nacional. (Bitar, 1986, p. 594). Al comparar esas visiones con las de Estados Unidos saltan las notables diferencias entre ambos. El conocido informe elaborado por Diálogo Interamericano Las Américas en una encrucijada, expresa en una de sus partes: Cuando los latinoamericanos analizan el tema de la Seguridad Nacional, la mayoría de ellos piensan en los desafíos internos de la unidad nacional y el desarrollo, en las fronteras con los estados vecinos y, en algunos

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casos, en la posibilidad de intervención por parte de Estados Unidos. En Estados Unidos el foco de la seguridad es externo, global y estratégico (…) Estados Unidos, por lo general, busca asegurar la estabilidad política en el exterior, a veces apoyando el statu quo ante desafíos internos o regionales. (Diálogo Interamericano, 1983).

Por supuesto, restaría acotar para el caso estadounidense, que tras los atentados del 11-9 se activa la dimensión interna de la seguridad nacional –homeland security-, como nunca lo había enfrentado esa sociedad, descrito por María Cristina Rosas con los siguientes cambios: • El regreso a la “noción estato-céntrica”, en la cual el estado define y centraliza las políticas vinculadas con la protección de las fronteras, la población y las instituciones. • Establece una clara distinción entre seguridad interna y externa. • A diferencia de las percepciones de la Guerra Fría, las amenazas provienen del exterior y no de luchas internas; (aunque se refuerza la seguridad interior a niveles nunca antes proyectados, como resultado de los atentados sufridos, N. del A.) • Se asume como reacción una centralización de la toma de decisiones del estado; • Sólo hay una opción, el desarrollo de las capacidades militares ofensivas necesarias para enfrentar y neutralizar a los enemigos. Por tanto, ¿cómo deducir el origen de las amenazas provenientes de la ALBA? Por rescatar el ideario bolivariano y proyectar a la ALBA como un vehículo para materializarlo. La ALBA, el ideario bolivariano de la integración y un proyecto de izquierda radical que concertó una alianza estratégica con Cuba resultan sobrados ingredientes para activar la alarma. Desde una perspectiva regional repasemos los principales temas de una eventual agenda de seguridad para la ALBA. Quizás por la colectividad que involucra, el ejemplo más fehaciente podemos apreciarlo en el Caribe y la dimensión de seguridad que ha tenido históricamente y mantiene, tanto para Venezuela como para Cuba. En el caso de Venezuela, a partir del llamado Acuerdo de Punto Fijo (1958), que llevó a los principales partidos políticos de la época (COPEI y Acción Democrática) a abrir el denominado período de democracia representativa, que colapsó definitivamente con el ascenso al poder de Hugo Chávez en 1999. Entre los factores que marcaron esa

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mayor atención pueden considerarse: • El seguimiento de la cancillería venezolana del proceso de descolonización iniciado por esa época en el Caribe anglófono. • El mantenimiento de un largo litigio por el reclamo venezolano de la Isla de Aves, ubicada a unas 200 millas náuticas en el litoral caribeño de ese país, en la estratégica área entre Cumaná y la Isla Margarita. Sin olvidar el clásico conflicto con Guyana por el Valle del Esequibo. • El inicio, a partir del Acuerdo Energético de San José (1980), de un mayor protagonismo venezolano en la Cuenca del Caribe - o Gran Caribe -, formando parte junto a México y Colombia de las llamadas “potencias emergentes” del área. • La posterior participación, junto a estos países y Panamá, en el importante proceso de negociación de Contadora (1983). Vale llamar la atención sobre el peso del recurso petróleo como elemento principal dentro de la proyección venezolana hacia la sub-región a lo largo de todo el período, lo que confirma que la “diplomacia petrolera” no fue inventada por Chávez y su Revolución Bolivariana. Lo que cambió fue el sentido estratégico de su utilización, en función de una nueva visión de la integración regional. ¿Por qué la convergencia estratégica con Cuba? Porque el gobierno revolucionario que asumió el gobierno a partir de 1959 en la isla, incorporó al Caribe como un eje estratégico dentro de su nueva geopolítica global, a partir de defender su doble condición de país latinoamericano y caribeño. La larga historia de cooperación y colaboración entre Cuba y los países del Caribe anglófono, República Dominicana y Haití, ha permitido superar las más complejas coyunturas históricas, como la traumática invasión militar estadounidense a la pequeña isla de Granada en octubre de 1983. (Oliva Campos, 2002, p. 209-235). Ya en tiempos de la ALBA, Cuba pasó a formar parte del proyecto PetroCaribe, junto a otros 13 países; sobresaliendo, además, la masiva ayuda humanitaria brindada por los médicos y para-médicos de la isla a raíz del catastrófico terremoto sufrido por Haití en 2010. Por todo lo expuesto, debe entenderse la dimensión estratégica que tiene el Caribe, por extensión, para la ALBA. Aunque, visto desde el ángulo de los países caribeños, esa dimensión queda acotada al eje energético, es decir, independientemente de las buenas y fluidas relaciones que

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mantienen Venezuela y, sobre todo con Cuba, el resto de los miembros caribeños no se incorporaron al proyecto por razones ideológicas. Recordemos que el Acuerdo de Cooperación Energética de Jefes de Estado y de Gobierno del Caribe (PetroCaribe), se firmó el 29 de junio de 2005 en la ciudad venezolana de Puerto La Cruz. Suscribieron el acuerdo, Antigua y Barbuda, Bahamas, Belice, Cuba, Dominica, Granada, Guyana, Jamaica, República Dominicana, San Vicente y las Granadinas, Santa Lucia, San Cristóbal y Nieves, Surinam y Venezuela. PetroCaribe estaba jurídicamente respaldado tanto en la Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (Capítulo I, Art. 154, 1999), como por el Plan de Desarrollo Económico y Social de la Nación, 2001-2007 (MPD, 2000). No obstante, es necesario recordar que PETROCARIBE se reconoce como una extensión del Acuerdo Energético suscrito en Caracas (2001) por muchos de sus miembros, lo cual lo coloca con anterioridad al surgimiento de la ALBA. Lo que ocurre es que se gestó ya bajo el ideario bolivariano que alcanzó su mayor dimensión con el lanzamiento de la ALBA. De inmediato, PetroCaribe conquistó numerosos críticos dado lo inoperante, desde el punto de vista económico, que resultaba un proyecto cuyas bases eran trabajar directamente por reducir las asimetrías entre sus miembros en una perspectiva basada en un fuerte componente político, que descolocaba acuerdos precedentes. Entiéndase que, el pago tras años de gracia, facilitando la cancelación del grueso de la deuda adquirida, lo cual colocaba a los países beneficiarios en muy buenas condiciones para lograr una cancelación total de lo adeudado en un plazo de 25 años. Un elemento clave a señalar, estaba en el hecho de que los pagos podían realizarse a través del suministro de bienes y servicios. Adicionalmente, el gobierno venezolano asumiría el financiamiento de la construcción de infraestructuras energéticas en los países receptores, buscando impulsar sus industrias petroquímicas. Para Norman Girvan, reconocido economista caribeño y ex Secretario General de la Asociación de Estados del Caribe (AEC): En definitiva, ALBA y PETROCARIBE son desarrollos muy significativos en el horizonte económico y geopolítico en el hemisferio. Los países de la CARICOM no podrían hacer frente a los costos derivados de ignorar estos desarrollos; y de hecho la mayoría de ellos ya están fuertemente involucrados con estas iniciativas sobre la base bilateral. ALBA y PETROCARIBE son las

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fuentes principales y más recientes de recursos financieros para el alivio a las balanzas de pagos de los países beneficiarios con vistas a enfrentar los crecientes precios del petróleo, de asistencia financiera para los presupuestos gubernamentales y para el desarrollo de la infraestructura física, y de cooperación técnica en la provisión de servicios sociales y para el desarrollo de los recursos humanos. Tanto ALBA como PETROCARIBE han demostrado ser pro-activos en el enfrentamiento de nuevas problemáticas como el crecimiento acelerado que se ha observado en el precio de los alimentos. Estos dos proyectos de cooperación e integración incorporan muy reducidos niveles de condicionalidad y un grado considerablemente más reducido de intromisión en las políticas domésticas de sus Estados Partes – tanto en alcance como en profundidad – que los mecanismos de financiamiento procedentes de donantes tradicionales. (Girvan, 2009).

Un segundo tema, dentro de lo que podemos asumir como una agenda de seguridad para y sobre la ALBA -y entiéndase bien que no se están jerarquizando, sólo mencionando los más significativos- es el eje que, desde Colombia, se traza tanto hacia Venezuela como hacia Ecuador, e incluso potencialmente hacia Nicaragua, como se verá posteriormente. La razón fundamental es la percepción de amenazas a la seguridad nacional que entrecruzan a estos países. Con respecto a las relaciones colombo-venezolanas resulta ilustrativa la siguiente reflexión panorámica que nos aporta Claudio Briceño: Colombia y Venezuela son dos países que comparten una intensa frontera, y entre café y petróleo han trazado una historia binacional que ha sido ideada entre dos naciones hermanas. En esa misma línea, intereses económicos y geoestratégicos han trazado la historia de sus vecindades, compartiendo una extensa frontera pero, paradójicamente bajo realidades diferentes (formas de Estado y servicios) y al mismo tiempo, problemáticas en cuanto a migración, contrabando, grupos armados irregulares y narcotráfico, situaciones que han representado los principales obstáculos para la cooperación entre ambos países… (Briceño, 2011, p. 83-84).

Para la República Bolivariana de Venezuela, Colombia ha pasado a ser el principal tema de su agenda de seguridad nacional, conside-

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rando tanto el antagonismo de los gobiernos de ese país tras el proceso político iniciado por Chávez en 1999, como por las amenazas, no sólo a Venezuela sino a toda Sudamérica que representa la alianza estratégico-militar entre Colombia y Estados Unidos. En este sentido, es sugerente la afirmación de Alfredo Portillo al visualizar la interacción colombo-venezolana como un “juego de suma cero”, al asumir ya que lo que es seguridad para uno es percibido como inseguridad por el otro. (Portillo, 2009, p. 167). Precisamente, es este eje que involucra a Colombia el que ha dado lugar al ejemplo más fehaciente en materia de seguridad, no sólo para Venezuela sino al proyecto en su conjunto, con la VII Cumbre del ALBA-TCP, celebrada el 17 de octubre de 2009 en Cochabamaba, Bolivia. En la declaración final de la cumbre se hizo una mención expresa a las amenazas provenientes del narcotráfico y un rechazo categórico a la intención estadounidense de instalar siete bases militares Colombia, validando la beligerancia de un Comité de Soberanía y Defensa, creado por la organización para enfrentar este tipo de contingencias. Sin embargo, también quedó como un ejemplo, de las distancias internas que se entre cruzan dentro de la ALBA, cuando Antigua y Barbuda, Dominica y San Vicente y las Granadinas, en su condición de miembros del sistema de seguridad interamericana, expresaron sus reservas para incluirse en el nuevo Comité. Y es que hay que entender las ausencias e insuficiencias que enfrenta la ALBA en términos de seguridad, que van desde la dispersión geográfica de sus miembros, las diferencias que separan a muchos de los proyectos políticos incluidos y, en consecuencia, la claridad que sí expresan en cuanto a los límites que sus intereses nacionales para acompañar las radicales metas estratégicas declaradas. En cuanto al eje Ecuador-Colombia, resulta llamativo el criterio emitido por el conocido historiador ecuatoriano Jorge Núñez al calificarlas como naciones siamesas (Jaramillo-Jassir y Tibocha, 2007, 33), aludiendo a la inevitable y permanente interacción entre ambas. En el caso de Ecuador no se puede absolutizar a Colombia como la principal percepción de amenaza a la seguridad del país, porque eso sería desestimar la historia de conflictos con Perú. Eso lo recuerda Rogelio Núñez con el siguiente comentario: no hace más de 15 años que se produjo la última guerra entre Estados en Suramérica, la que enfrentó a Perú y Ecuador en la guerra del Cenepa en el

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año 1994. En el año 2008 una incursión militar colombiana en Ecuador para atacar a un grupo guerrillero de las Fuerzas Armadas Revolucionarias Colombianas (FARC) desencadenó un conflicto entre ambos países que continúan, en junio de 2009, sin relaciones diplomáticas. Incluso, un tercer país, como Venezuela, llegó a movilizar su ejército en apoyo de las reivindicaciones ecuatorianas. De hecho, el conflicto de marzo de 2008 entre Ecuador-Venezuela y Colombia es lo que condujo directamente a reactivar la creación del CDS. (Núñez Castellano, 2010, p. 28).

En lo que respecta a Nicaragua, ya se adelantaba que mantiene un diferendo territorial con Colombia en el que sobresale una disputa que rebaza ya los dos siglos de existencia, por un territorio insular que incluye la estratégica isla de San Andrés, bañada por las aguas del Caribe. (zamora, 1994). A este se agregan otros diferendos con países vecinos como Honduras –por territorios insulares- y Costa Rica, que se presenta como más potencialmente explosivo. El diferendo Nicaragua- Costa Rica, pesar de existir un pronunciamiento reciente de un tribunal de La Haya a favor de Nicaragua (2010), sobre sus derechos al dragado del común Río San Juan, el gobierno costarricense sigue negándolo y el área se mantiene “caliente”, debido a sus múltiples complejidades. Aquí operan disputas sobre el reclamo nicaragüense al derecho de libre navegación por el San Juan; el reclamo de soberanía de ambos países sobre la isla Calero; el permanente trasiego de bandas de narcotraficantes en ambos sentidos, y como resultado de todo lo apuntado, la presencia de tropas de ambos países. Restaría señalar que sobre este diferendo bilateral gravitan factores que involucran a agentes externos, a saber, la creciente presencia militar estadounidense en Costa Rica –que exhibe el mérito de haber eliminado por ley a sus fuerzas armadas desde 1948- y la polémica abierta en torno al ambicioso proyecto nicaragüense de construir un canal interoceánico, precisamente por el Río San Juan. Finalmente, faltaría mencionar el eje de seguridad que se abre a partir de Estados Unidos con países de la ALBA, que resulta el más extenso, porque incluye a los cinco países latinoamericanos que son miembros. Ya que han existido y se mantienen diferendos sobre diversos temas, con Ecuador y Bolivia, por ejemplo. El caso de Nicaragua tiene sus particularidades, porque ya el escenario bilateral con Estados Unidos, a pesar de mantenerse las diferencias ideológicas, ya no se trata del intenso

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conflicto que protagonizaron los dos países durante los años 80s del pasado siglo. (Medina Núñez, 2008, p. 228). Cerremos con una mención aparte a los dos casos que revelan los mayores niveles de conflictividad con Estados Unidos. En el caso de Cuba, no puede omitirse la mención al histórico conflicto que sostiene con Estados Unidos, que trasciende épocas históricas y diferencias ideológicas, porque su esencia pasa por el no reconocimiento estadounidense del derecho a la independencia y la soberanía nacional de su vecino. Mientras que Venezuela, con el establecimiento de la Revolución Bolivariana de Chávez, abrió un conflicto bilateral que, aunque se ha manejado por caminos diferentes al cubano por lógicas históricas –no rupturas diplomáticas ni agresiones militares directas, ni cese de las compras del estratégico petróleo venezolano-, no ha dejado de incluir componentes tradicionales como la participación en el intento golpe de estado de abril de 2002, la permanente guerra económica y las continuas operaciones encubiertas de diferentes servicios especiales estadounidenses. Algunas sugerencias finales para continuar el debate Indudablemente, se abordaron muchos de los aspectos que nos permitieron sugerir el visualizar a la ALBA como modelo que ha adoptado decisiones políticas no asumidas por los restantes esquemas, proyectos o esfuerzos de integración. Pero, nos debemos también la obligatoriedad de reconocer que quedaron fuera del análisis otras aristas cruciales que no han sido abordadas. Quedaron sin analizar dos cuestiones esenciales, la primera, la sostenibilidad de la ALBA como proyecto partiendo, por supuesto, de evaluar los niveles de estabilidad económica y política y los indicadores de gobernabilidad que han alcanzado los países miembros, particularmente, los cinco latinoamericanos en quienes se puso la mayor atención. En el mismo sentido se manejó en el trabajo el tema de una posible agenda de seguridad para la ALBA, sólo en la perspectiva de sus variables externas. Eso nos colocó ante una gran deuda que, si bien significa incorporar contenidos que quedan fuera de los objetivos que nos propusimos y la hipótesis con que trabajamos, nos coloca en la necesidad de avanzar algunas ideas que apunten hacia esa imprescindible otra investigación. De ahí la segunda cuestión que nos lleva al análisis de los escenarios nacionales que ya enfrentan esos cinco países y las perspectivas que se

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dibujan a futuro. ¿Quién puede desconocer cuánto gravita en el centro del análisis la prematura muerte del Presidente Chávez y todas las consecuencias que se deriven de este traumático acontecimiento? Es por ello que las notas finales a este debate abierto serán dedicadas a avanzar ideas sobre algunos de los temas domésticos a considerar para proyectar los probables rumbos de la ALBA a futuro. Una primera idea –lo cual no significa que sea el único camino para comenzar- pasaría por intentar una evaluación, lo más objetiva posible, sobre la significación que tiene una Venezuela Bolivariana, chavista, para la existencia de la ALBA, pero también, para que se continúe avanzando en la construcción de un proceso de integración regional como el que hemos visualizado. Para nadie es un secreto que el peso económico fundamental de la ALBA recae en el manejo del recurso petróleo venezolano. Sin embargo, Venezuela ha financiado los proyectos esenciales, pero no exportó el chavismo. A nadie se le ocurriría decir que la ideología chavista se impuso en el pensamiento político cubano. Realmente, la carga de los medios de difusión que no comulgan con esos procesos políticos, de lo que han hablado es de la fuerte presencia e influencia cubana –mentiras y verdades aparte- en Venezuela; sin poder negar, que el Presidente Chávez definió y desarrolló su propio proyecto de revolución –bolivariana-, encontrando importantes coincidencias estratégicas con el pensamiento de Fidel Castro. Siguiendo este razonamiento, es que vemos la autenticidad o, al menos, la independencia de los restantes proyectos políticos, transitando desde las particularidades que llevaron a Evo Morales al poder y a fundar el Estado Plurinacional de Bolivia, pasando por la Revolución Ciudadana que conduce Rafael Correa en Ecuador y llegando hasta un segundo gobierno de Daniel Ortega, que a todas luces, aprendió las lecciones de ese primer gran proceso sandinista de los 80s y la confrontación con Estados Unidos. De ésta primera idea se desgaja una segunda, que nos lleva a cuestionarnos qué ocurriría en Venezuela y con sus aliados de la ALBA, de triunfar la oposición anti-chavista. Colocándonos hipotéticamente ante ese escenario, es de esperar que la oposición arremeta contra las bases esenciales del proyecto bolivariano; siendo una de las primeras decisiones esperables, la reversión de las actuales directrices de trabajo de PDVSA. Eso dejaría a la ALBA sin su recurso fundamental. ¿Cómo proyectar esos escenarios sobre los otros países estudiados? Evidentemente, los más vulnerables son Cuba y Nicaragua. El primero,

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TerriTorialidades e enTrecruzamenTos geopolíTicos na américa laTina

con una larga experiencia histórica de dependencias estratégicas externas –pensando en términos de suministros de petróleo-, pero disponiendo hoy de una producción nacional de petróleo pesado que le permite enfrentar, al menos, el funcionamiento de algunas industrias y el suministro nacional de gas. Un proceso de cambios internos, que busca una transformación de las bases económicas del país, aún con muchas ventanas por abrirse. Y una recomposición, gradual, pero ya visible de sus relaciones internacionales, donde China, Brasil y Rusia, ocupan espacios significativos. Resumiendo, es un escenario sobre el que gravitan muchas especulaciones sombrías, pero también otros factores que sirven de contrapeso y abren las puertas a las alternativas. En el caso de Nicaragua, hay que considerar las grandes diferencias con respecto al cubano. Primero, Ortega puede reelegirse o intentar variables continuistas, pero no puede cerrar al país a las alternancias de gobiernos. En segundo lugar, ha vivido siempre en la dualidad de ser miembro del ALBA y del CAFTA-DR, lo cual mantiene al país dentro de escenarios de negociación alternativos. En tercer lugar, si el gran proyecto de una nueva vía interoceánica prospera, es lógico pensar que la economía del país alcanzará nuevas capacidades. Se afirmaba que no había un único camino para adentrarnos en el análisis que hacemos. Eso nos lleva a reconocer que, en estos avances para esa otra investigación, podrían incluirse, por ejemplo, el análisis de variables internas fundamentales que tienen que ver con la continuidad de los liderazgos actuales; las perspectivas de las relaciones cívico-militares; y las distancias reales entre la ideología socialista y el desarrollo de modelos económicos que revelan cada vez más la combinación de diferentes formas de propiedad y producción. Finalmente, este autor considera que, a éstas alturas del camino recorrido, ningún país latinoamericano puede sustraerse a alguna forma de integración, ni la comunidad regional o parte de ella, lo permitirían. Pero eso nos llevaría a evaluar eventuales escenarios de integración regional con una ALBA de continuidad, cambiada o suprimida y eso, sería otra nueva investigación por realizar. Carlos Oliva Campos - Professor do Departamento de História da Universidad de La Habana, Cuba. Foi profesor visitante da Universidade Estadual Paulista (UNESP), e da University of Texas e da John Hopkins University.

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TerriTorialidades e enTrecruzamenTos geopolíTicos na américa laTina

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ApênDiCe ADALTON OLIVEIRA

Adalton Oliveira - Economista do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI-UNESP)

Conflitos entre empresas e sociedade civil na Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e República Dominicana

COSTA RICA ATORES Comunidades Comunidades da comarca de La Crucitas

Local

Empresas

Infinito Gold (Canadá)

Comarca de Las Crucitas, San Carlos (província de Alajuela)

Período do conflito Início

1997

Causas

Término

Referências

Impacto ambiental (exploração de minério de ouro)

2013

http://www.estrategiaynegocios.net/ blog/2013/06/20/costa-rica-justicia-entierra-proyecto-de-minera-infinito-gold/

EL SALVADOR ATORES Comunidades

Empresas

Local

Período do conflito Início

Término

Causas

Referências http://mrzine.monthlyreview. org/2012/em071112.html

Comunidades de San Isidro

Pacific Rim (Canadá) (projeto El Dorado)

Município de San Isidro (Cabañas)

2005

Em andamento

Impacto ambiental (exploração de minério de ouro)

Comunidades de San Isidro

Pacific Rim (Canadá) (projeto Santa Rita)

Município de San Isidro (Cabañas)

2009

em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minério de ouro

http://rabble.ca/blogs/bloggers/brentpatterson/2013/05/international-fact-findingmission-on-mining-and-water-el-sal; http:// firstperson.oxfamamerica.org/2012/06/01/re

Goldcorp (Canadá)

Município de Asunción Mita (Jutiapa)

Em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minério de ouro)

http://www.stopesmining.org/j25/index. php/14-sample-data-articles/227-preliminaryreport; http://www.cronica.com.gt/ internacional/tiempos-dificiles-para-goldcorp-enamerica-latina_be481f

Comunidades de Asunción Mita

2007

272

GUATEMALA ATORES Comunidades

Empresas

Local

Período do conflito Início

Comunidades de San Miguel Ixtahuacán e Sipacapa

Goldcorp (Canadá) (projeto iniciado por Glamis Gold - Canadá)

San Miguel Ixtahuacán e Sipacapa (San Marcos)

2004

Comunidades indígenas Q’eqchi e camponeses

Chabil Utzaj Sugar Company (EUA, Nicaraguá)

Município de Panzos (Valle del Polochic)

2011

Comunidades indígenas Q’eqchi e camponeses

Comunidades de San José del Golfo

Comunidades de San Rafael de las Flores

Solway Group (Russia)*

El Estor (Izabal)

KCA (USA)**

San José del Golfo e San Pedro Ayampuc (departamento de Guatemala)

Tahoe Resources (Canadá)

San Rafael de las Flores (departamento de Santa Rosa)

2004

2012

2007

Causas

Término

Referências

Em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de ouro)

http://micla.ca/conflicts/marlin-mine/; http://www.copaeguatemala.org/articulosCOPAE/Los%20Problemas%20creados%20 por%20la%20mina%20Marlin.html

Em andamento

Violação dos direitos dos povos da região (biocombustíveis)

http://upsidedownworld.org/main/ guatemala-archives-33/3162-food-crisis-in-the-polochic-exacerbates-as-government-repression-continues

Em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minério de níquel)

http://yukon-news.com/life/30494/;http:// www.plazapublica.com.gt/content/tierra-minada; http://micla.ca/conflicts/fenix-project/

Em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minério de ouro)

http://www.ghrc-usa.org/our-work/ current-cases/san-jose-del-golfo/; http:// www.codev.org/2012/06/opponent-of-vancouver-mining-transnational-gunned-down-in-guatemala/; http://www. mimundo.org/2012/06/04/2012-05-third-month-of-resistance-against-a-radius-gol

Em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minérios de ouro e prata)

http://www.noalamina.org/mineria-latinoamerica/mineria-guatemala/qlas-verdades-ocultas-de-la-mineriaq-en-san-rafael-las-flores; http://www.prensalibre. com/santa_rosa/Disturbios-mina-San-Rafael-Flores_0_776322620.html

(*) Em 2011, a Solway adquiriu de Hudbay Minerals/Skye Resources (Canadá) a propriedade da mina. (**) Adquiriu a mina de Radius Gold (Canadá).

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HONDURAS ATORES

Período do conflito Local

Comunidades

Comunidades do Valle del Siria

Empresas

Início

Entre Mares Honduras (Goldcorp - Canadá)

Municípios de El Porvenir e San Ignacio y Cedros (Francisco Morazán)

2001

Causas

Referências

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minério de ouro)

http://www.miningwatch.ca/news/sisters-siria-valleywe-support-your-struggle-justice-and-health; http:// www.rightsaction.org/action-content/criminalizationhuman-rights-and-environmental-defenders; http:// www.olca.cl/ocmal/ds_conf.php?nota=Conflicto&p_bus

Término

Em andamento

MÉXICO ATORES

Período do conflito Local

Comunidades

Empresas

Comunidades indígenas zapotec

Fortuna Siver Mines Inc. (Canadá)

Comunidades locais

Mag Silver Company (Canadá)

Município de Benito Juarez (Chihuahua)

Comunidades locais

Argonaut Gold (Canadá); Vista Gold (Canadá)

Sierra de la Laguna (Baja California)

Causas Início

Município de San José del Progreso (Oaxaca)

Referências

Término

Em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minério de prata)

http://ww4report.com/node/10777;http://www. minesandcommunities.org/article.php?a=11454

2006

Em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minério de prata)

http://www.northernminer.com/news/magsilver-faces-eviction-in-mexico/1001876544/; http://www.otherworldsarepossible.org/ resources/mag-silver-denies-involvementmexican-tragedy-accused-serious-legal-violations

2010

Em andamento

Impacto ambiental (exploração de minério de ouro)

http://www.watershedsentinel.ca/ content/toxic-mining-baja

2009

274

Comunidades locais

Minera San Xavier (New Gold - Canadá)

Município de San Luis Potosí

1996

Em andamento

Impacto ambiental (exploração de minério de ouro e prata)

http://www.jornada.unam. mx/2012/09/22/opinion/018a1pol

Comunidades locais

Minefinders*** (Canadá)

Ejido Huizoza, município de Madera, província de Chihuahua

2006

Em andamento

Impacto ambiental (exploração de minério de ouro)

http://upsidedownworld.org/main/enespatopmenu-81/3513-empresa-minera-canadiensese-aprovecha-de-la-guerra-contra-las-drogas

Comunidad de Capulapan de Mendéz

Continuum Resources (Canadá)

Município de Ocotlán

2005

Em andamento

Impacto ambiental (exploração de minérios de ouro e prata)

http://www.capulalpam.mx/ no-a-la-minera-natividad/

Comunidade de Todos los Santos

Vista Gold Corporation (Canadá)

Município de La Paz, Baja California

2007

Em andamento

Impacto ambiental e econômico (exploração de minério de ouro)

http://www.remamx.org/?p=13360; http:// www.eluniversal.com.mx/estados/88510.html

Comunidade de Mulatos e de Sahuaripa

Alamos Gold Inc. (Canadá)

Município de Mulatos, Sonora

2005

Em andamento

Impacto ambiental (exploração de minério de ouro)

http://www.movimientom4.org/2012/03/ alto-a-la-contaminacion-piden-vecinosde-mulatos-sahuaripa-sonora/

Comunidade indígena Wixárika

First Majestic Silver Corp. (Canadá), Revolution Resources Corp. (Canadá)

Município de Real de Catorse, San Luis Potosí

2010

Em andamento

Impacto ambiental e cultural (exploraçao de minério de prata)

http://radioamlo.org/noticias/wirikuta-empresascanadienses-afectan-territorio-sagrado/

Comunidades de Alpuyeca, Miacatlán e Xochicalco

Esperanza Resources Corp. (Canadá)

Município de Temixco (Morelos)

2012

Em andamento

Impacto ambiental e cultural (exploração de minérios de ouro e prata)

http://racismoambiental.net.br/2013/04/ mexico-comunidades-se-oponen-a-mina-enperimetro-de-zona-arqueologica-xochicalco/

275

Comunidades locais

Excellon Resources (Canadá)

Municípios de Tlahualilo e Mapimi, na província de Durango

Em andamento

Impacto ambiental (minérios de prata e zinco)

http://www.usw.ca/media/news/ releases?id=0819; http://www.conflictosmineros. net/admin-menu/lista-noticias/23-mexico/14697excellon-rechaza-propuesta-del-ejido-la-sierritapara-resolver-conflicto-comarca-lagunera

2007

Comunidades locais

Great Panther (Canadá)

Município de Guanajuato, província de Guanajuato

2008

Em andamento

Impacto ambiental (minérios de ouro e prata)

http://basedatos.conflictosmineros.net/ ocmal_db/?page=conflicto&id=52

Comunidades locais

Black Fire (Canadá)

Município de Nuevo Morelia, Chiapas

2009

Em andamento

Impacto ambiental (barita)

http://www.jornada.unam. mx/2011/04/24/estados/025n1est

Comunidade indígena de San Miguel de Aquila

Ternium (ItáliaArgentina)

Município de Aquila (Estado de Michoacan)

2000

Em andamento

Impacto ambiental (minério de ferro)

http://www.animalpolitico.com/2013/08/ responsabilizan-a-minera-ternium-decrisis-en-aquila/#axzz2cj1jR91S

Comunidades indígenas de Tlamacazapa

Mineria Media Luna (subsidiária de Torex Gold Resources/ Canadá)

Município de Cocula

2007

Em andamento

Impacto ambiental (minério de ouro)

http://mexico.indymedia.org/?article898

Comunidades de San Juan de los Planes

Argonaut Gold (Canadá)

Município de La Paz, Baja California

2008

Em andamento

Impacto ambiental (minério de ouro)

http://www.eluniversal.com.mx/ estados/84598.html; http://tanyadimitrova. blogspot.com.br/2013/07/proposedgold-mine-in-baja-splits.html

Comunidades de Magdalena de Tetipac

Linear Gold Corp. (Canadá)

Município de Tlacolula (Oaxaca)

2007

Em andamento

Impacto ambiental (minério de prata)

http://lindomarpadilha.blogspot.com.br/2013/03/ povo-zapoteca-expulsa-mineradora-de.html

276

Comunidades de Tequesquitlán

Gan-Bo (China)

Município de Cuautitlán (Jalisco)

2008

Em andamento

Impacto ambiental (minérios de ferro e manganês)

http://www.jornada.unam. mx/2013/05/06/estados/033n3est

Comunidades indígenas Nahuas, comunidades indígena de la Sierra de Manantlán, comunidades indígenas de Cuautitlán, povoado de Puertecito de las Portas e povoado de los Potros

Ternium (ItáliaArgentina), Arcelor (Inglaterra)

Municípios de Minatitlán (Colima) e Cuaautitlán (Jalisco)

2012

Em andamento

Impacto ambiental (minério de ferro)

http://www.jornada.unam. mx/2013/04/20/cam-mina.html

(***) Em janeiro de 2012, Minefinders foi adquirida pela empresa canadense Pan American Silver.

NICARAGUÁ ATORES

Período do conflito

Causas

Referências

Local Comunidades Comunidades de Santo Domingo

Empresas B2Gold (Canadá)

Início Município de Santo Domingo (Chontales)

2012

Término

Em andamento

Impacto ambiental (minério de ouro)

http://www.envio.org.ni/articulo/4671

277

PANAMÁ ATORES Comunidades

Período do conflito

Local

Empresas

Início

Comunidade Coclé

Petaquilla Minerals Ltda (Canadá), Teck Cominco Ltda (Canadá)

Cerro Petaquilla, província de Cloclé

2005

Comunidades locais (El Frente Santeño)

Pershimco Resources (Canadá)

Cerro Quema, província de Los Santos

Comunidades indígenas Ngäbe Buglé

Inmet Mining Corporation (Canadá) associada ao governo coreano e capitais nacionais

Comunidades indígenas Ngäbe Buglé

Dominion Minerals Corp. (EUA)

Cerro Colorado, comarca de Ngäbe Buglé

Cerro Chorcha, comarca de Ngäbe Buglé

Causas

Término

Referências

Em andamento

Impacto ambiental (exploração de minérios de ouro e cobre)

http://old.kaosenlared.net/noticia/campesinoscocle-rechazan-proyecto-minero-cerro-petaquilla; http://www.prensa.com/impreso/panorama/ petaquilla-fuera-de-sus-limites/175716

2011

Em andamento

Impacto ambiental (exploração de minério de ouro)

http://hemisferiozero.com/2012/05/06/ movimientos-sociales-en-america-latina-iifrente-santeno-contra-la-mineria-en-panama/

2012

Em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minério de cobre)

http://www.nuevatierra.org.ar/2012/02/ panama-represion-al-pueblo-ngobe-bugle/;http:// ictsd.org/i/news/puentesquincenal/128283/

2010

Em andamento

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de minério de cobre)

http://burica.wordpress.com/tag/comarca-ngobe/

REPÚBLICA DOMINICANA ATORES Comunidades

Comunidades locais

Empresas Barrick & Goldcorp (Canadá)

Local

Município de Cotuí, na província de Sánchez Ramírez

Período do conflito Início

2010

Término

Em andamento

Causas

Impacto ambiental, violação dos direitos dos povos da região (exploração de ouro)

Referências http://globalvoicesonline.org/2010/03/28/ dominican-republic-opposition-to-barrick-gold-miningoperations/; http://www.mimundo.org/2012/07/30/ accumulation-by-dispossession-barrick-goldcorp’spueblo-viejo-gold-mine-in-the-dominican-republic/

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Título Organizador Editora Executiva Assistente de redação Diagramação Diagramação - Estagiários Revisão - Estagiárias Tipografia Número de páginas

Territorialidades e Entrecruzamentos Geopolíticos na América Latina Luis Fernando Ayerbe Leonor Amarante Márcia Ferraz Everton Santana de Souza Arthur Gumieiri Renato Canever Joelma Gomes Karla Oliveira Joanna MT 280

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