Territorialização de prostitutas nas ruas no Porto/Portugal: a construção do ser cidadão por populações em situação de marginalidade

September 11, 2017 | Autor: A. Revista Interd... | Categoria: Ciências Sociais, Ciencias Sociales, Prostitución femenina, Prostituição, Território Da Prostituição
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Territorialização de prostitutas nas ruas no Porto/Portugal: a construção do ser cidadão por populações em situação de marginalidade Carolina Appel Colvero Universidade de Coimbra (Portugal)

Apresentarei uma discussão sobre a pesquisa que tenho desenvolvido no âmbito do Doutoramento em Sociologia: Cidades e Culturas Urbanas. Esta pesquisa está em fase de elaboração e o trabalho de campo será iniciado a partir do mês de julho. A proposta consiste em pensar os diferentes territórios como potenciais lócus de construção de cidadania pelos sujeitos, ressignificando os sentidos hegemonicamente atribuídos à cidadania. Os sujeitos de pesquisa são prostitutas de rua da cidade do Porto/Portugal, as quais serão identificadas previamente e entrevistadas após um período de observação participante. A metodologia aplicada será, portanto, a etnografia. A técnica de observação participante acontecerá nos territórios das ruas, que serão resignificados conforme a valoração que as próprias prostitutas de ruas atribuem ao local. Parto do ponto de vista de que as vivências em determinado espaço constróem seu significado. Neste sentido, proponho apresentar a teorização que têm embasado este estudo até o presente momento. I will present a discussion on the research I have developed within the PhD in Sociology: Cities and Urban Cultures. This research is in preparation and fieldwork will start from the month of July. The proposal is to consider the different territories as potential locus for the construction of citizenship by the subjects, reframing the meanings attributed to the hegemonic citizenship. The subjects are street prostitutes in the city of Porto / Portugal, which will be previously identified and interviewed after a period of observation. The methodology will therefore be ethnography. The technique of participant observation will take place in the territories of streets that will be new meaning as the valuation that the prostitutes themselves attach to local streets. I start from the point of view that the experiences in a given space construct its meaning. Accordingly, I propose to present the theories that have grounded the study so far. Palavras-chave: prostitutas de ruas, territorialização, cidadania. Keywords: street prostitutes, territorial and citizenship.

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APRESENTAÇÃO Apresento, aqui, uma breve discussão sobre a pesquisa que tenho desenvolvido no âmbito do Doutoramento em Sociologia: Cidades e Culturas Urbanas, na Universidade de Coimbra. Esta pesquisa está em fase de elaboração e o trabalho de campo será iniciado a partir do mês de julho. Corresponde, portanto, à descrição dos passos iniciais do estudo, relativos às leituras e reflexões acerca dos seus conceitos norteadores, quais sejam: territorialidades, prostituição de rua, rua, cidadania, dentre outros. A proposta consiste em pensar os diferentes territórios como potenciais lócus de construção de cidadania pelos sujeitos, resignificando os sentidos hegemonicamente atribuídos à cidadania. Os sujeitos de pesquisa são prostitutas de rua da cidade do Porto/Portugal, as quais serão identificadas previamente e entrevistadas após um período de observação participante. A metodologia aplicada será, portanto, a etnografia. A técnica de observação participante acontecerá nos territórios das ruas, que serão resignificados conforme a valoração que as próprias prostitutas de ruas atribuem ao local. Parto do ponto de vista de que as vivências em determinado espaço constróem seu significado.

DESENVOLVIMENTO Esta pesquisa visa desencadear reflexões acerca de um segmento de populações em situação de marginalidade - prostitutas de ruas - na cidade do Porto/Portugal com vistas a debater a respeito da percepção desses sujeitos sobre cidadania exercida nesses territórios. Tal reflexão será desenvolvida pela análise da construção de territorialidades por parte das populações em questão. A preocupação crucial consiste em perceber os diferentes territórios como potenciais lócus de construção de cidadania pelos sujeitos, ou seja, realocar os sentidos hegemonicamente atribuídos à cidadania, redefinindo o território da rua. Rua, portanto, deve ser concebida para além de território derivado dos espaços públicos, que são, por sua vez, palcos de manifestações por oposição aos espaços privados. Nesta pesquisa a AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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rua não é pensada como cenário de expressões públicas em prol de grandes causas, mas como cenário de manifestações de vida privada que desencadeiam o sentido de cidadania. Desse modo, supõe-se que as populações que vivenciam as ruas como um ambiente fortemente presente em suas vidas, as ditas em situação de marginalidade – neste caso, as prostitutas de rua - podem ter uma compreensão e mesmo um desenvolvimento do sentido de cidadania alargado. Este é formulado a partir de suas próprias vivências nos territórios, pois a territorialidade lhe atribui significação. Daí a relevância de compreender territorialidade, isto é, o sentimento de pertencimento ao território. Através destas reflexões, será possível, mais especificamente: •

Compreender as percepções sobre cidadania das pessoas em situação de marginalidade apoiando-se na na ideia de protagonismo e capacidade dos sujeitos, dado que são suas concepções sobre cidadania as consideradas na pesquisa.



Compreender o exercício da cidadania nos espaços públicos não referente às participações das massas nas manifestações, mas à apropriação territorial dos espaços públicos, portanto, o uso dos espaços públicos.



Compreender os usos dos espaços como identidade territorial, que é efêmera e inconstante, delineando as idéias de territorialização / desterritorialização /reterritorialização, que são processos concomitentes



Ressignificar, a partir do item acima, o conceito de territorialidade.

REVISÃO DE LITERATURA / ESTADO DAS ARTES Dentre os conceitos elementares para o desenvolvimento deste trabalho, destacam-se: territorialidades, cidadania, populações marginalizadas, ruas. Estes serão abordados, na medida do possível, de forma conectada e interdependente. Para começar a discutir acerca de territorialidades, cabe pensar um pouco sobre território. Ordenar um território significa dispor seres humanos, suas actividades e seus

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equipamentos em harmonia com a natureza, cultura e com a própria economia do local em questão (MERLIN e CHOAY, 2000). Território, portanto, é um termo formulado a partir de deliberações que ordenam a geografia, ou seja, se refere as aplicações postas sobre a própria natureza do local. É algo artificial porque é a ação humana sua definidora. Tem relação com o passado, mas manifesta-se no presente. Lefebvre aponta que as cidades são definições territoriais e seu uso está relacionado ao direito à vida urbana, mais do que a simples transição ou visita ao local (LEFEBVRE,1991). O autor propõe a mobilização dos ingredientes sensíveis que dizem respeito a relação do corpo com a cidade (Lefebvre In: FORTUNA, 2009). Assim consegue-se refletir sobre os usos possíveis e diversos das cidades, sempre assinalando as inúmeras relações das pessoas e seus diferentes estilos de vida com os lugares, numa dinâmica social que complexifica a ideia de cidadania. Este termo designa o pertencimento às cidades. Ser cidadão, do ponto de vista etimológico significa pertencer às cidades. Desse modo então, é plausível conceber que todos os habitués das ruas são cidadãos na medida em que cidadania, pelo ponto de vista jurídico-político, a rigor, refere-se ao gozo de direitos iguais a todos. Fundado no princípio da democracia, cidadania fornece o título de cidadão a toda ordem de sujeitos, independente de classe, etnia, sexo, posição social. Neste sentido, o direito ao uso das ruas está garantido a qualquer pessoa, desde que não infringindo as leis (ser cidadão também implica no cumprimento de uma série de deveres). Mas, conforme a problematização proposta aqui, a letra da legislação não basta para que a cidadania esteja garantida. As análises assentes nos direitos civis remetem a conclusões sobre a cidadania baseadas na coletividade, por vezes, indiferentes às questões subjacentes às individualidades. Pois as coletividades, quando concebidas para além da generificação dos indivíduos (como se fossem todos iguais) pode ser compreendida como uma combinação das suas partes componentes e distintas entre si.

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Pelos motivos explicitados acima, neste trabalho a opção é por um paradigma mais ecológico no qual cidadania reporta ao respeito às subjetividades individuais, acionando um ponto de vista ético em detrimento do ponto de vista moral concernente ao cumprimento das normas coletivas. Em outras palavras, um comportamento ético diz respeito ao sentimento de pertencimento à cidade, como etimologicamente se justifica o termo: ser cidadão = ter o direito de ocupar a cidade, de usar a cidade. A ativação da ética na busca pela cidadania não vislumbra chegar a um lugar comum onde haja harmonia entre concidadãos. Antes pelo contrário, visa reconhecer as diferenças entre os sujeitos e entre os momentos das vidas de cada um desses sujeitos. Diferenças estas, expostas nas trajetórias individuais produtoras de sentimento de territorialidade, mas não de uma territorialidade estática e definitiva, e sim de uma territorialidade provisória, pressupondo uma anterior territorialização divergente da atual e uma posterior desterritorialização seguida da reterritorialização. Dito isto, cabe discorrer um pouco mais sobre o conceito de territorialidade transversal a este trabalho. Haesbaert (2004) desenvolve uma teorização sobre o processo de territorialização-desterritorialização-reterritorialização afirmando que este é o trajeto inevitável de um processo que acontece com todos os seres humanos. O autor procura desconstruir a ideia de que o pertencimento a territórios deve ser concebido como um fim. A territorialização é sempre resultante de um processo de uso do espaço condizente com o contexto de vida do territorializado. Desse modo, é o direito ao uso do espaço da cidade que define o sentimento de territorialidade (ainda que provisório e sujeito a um devir) do sujeito com a cidade, isto é, de cidadania. Ademais, percebe-se a insuficiência da garantia de cidadania a partir do viés normatizador do cumprimento de direitos e deveres. Poder fazer o seu uso pessoal da cidade e adquirir, com isso, território(s) no substrato do espaço em conformidade com seu contexto pessoal pode fornecer subsídios para a construção de cidadania. Isso é passível de ocorrer às populações marginalizadas, dado que marginais são indivíduos excluídos da estrutura social e econômica em vigor mas não necessariamentes privados do uso dos espaços. Compostas por sujeitos não AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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contemplados como cumpridores dos seus deveres ou receptores dos seus direitos na sua totalidade, elas só existem ao tomar-se como referencial as populações normatizadas. Por outro lado, podem elas ser interpretadas como cidadãs desde que tenham o direito ao uso das cidades. O outsider só existe se o sujeito sentir-se como tal, não basta, para sê-lo, o não enquadramento nas normatizações. Viver nas margens não justifica o não pertencimento à cena social pois, os marginais podem ter uma auto-percepção in. Ampliando os parâmetros, à "margem" (no sentido sociológico) converte-se em centro (no sentido ecológico) (PERLONGHER, 2008) quando o indivíduo marginalizado considera-se um territorializado. A noção de território aqui é entendida num sentido muito amplo, que ultrapassa o uso que fazem dele a etologia e a etnologia. Os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente “em casa”. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos (GUATTARI e ROLNIK, 1986, p.323). A valoração identitária que os grupos atribuem aos territórios constroi a territorialidade, ou seja, todos os grupos sentem-se territorializados num mesmo espaço, mesmo que de maneiras diferentes, devido ao uso diferenciado de um mesmo território. Destes usos, focalizar-se-á analisar se eles propiciam cidadania. Retomando a discussão sobre este conceito, é elementar reconhecer que está relacionado aos princípios da democracia, regime no qual o conjunto de indivíduos detém a soberania (Rolnik, 1992), independentemente de fenótipo, gênero, sexo, classe, religião. Porém, reduzir o conceito ao âmbito do direito e das leis pode implicar na indiferença da ecologia da subjetividade de pensar o outro como cidadão (ROLNIK, 1992). Considerando o “outro” (a idéia de alteridade aqui abarca nossa própria condição de AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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outro, na medida em que sou “eu” ao mesmo tempo que sou “outro” também, é uma questão de viés) sempre reinventado, remodelado. Isto é, sejam quais forem as identidades acionadas pelo sujeito, é mister o reconhecimento de que são identidades provisórias, sujeitas a constantes transformações. Com o reconhecimento de que as identidades são provisórias percebe-se que os territórios são instáveis, pois, acontecem com a presença de seres com suas identidades naquele determinado momento. Desse modo, pensar cidadania implica em concebê-la não como um conjunto de direitos para determinado grupo de indivíduos ocupantes de determinado espaço, mas sim em considerar esses indivíduos diante da realidade de desterritorialização e reterritorialização permanente. O termo cidadania, neste sentido, implica no respeito às identidades – provisórias, pois estas não são fixas – seja por parte do poder público ou pela sociedade de um modo geral. A fluidez das relações com os territórios leva ao uso dos espaços por diferentes sujeitos em diferentes momentos de suas vidas e depende do contexto no qual se está. Isto quer dizer que um espaço que tem certo uso para certas pessoas hoje, poderá ter outros usos para outras pessoas amanhã. Bem como, pode haver, paralelamente, diferentes usos dos mesmos espaços, fazendo variar sua significação: Doel vê o espaço como algo sempre em processo, um permanente “tornar-se”. Para ele “se algo existe, é apenas enquanto confluência, interrupção e coagulação de fluxos”. Em conseqüência, não há “última instância” ou estrutura primeira, solidez e fluidez nunca estão separadas, “a permanência é um efeito especial da fluidez” (HAESBAERT, 2009,p. 17) Os espaços são readaptados, remodelados, reconstruídos, e assim, um mesmo lócus geográfico se constitui em territórios distintos conforme a componente humana sobre tal lócus. Aliando com a questão da cidadania, que diz respeito muito mais ao sentimento de protagonismo social capaz de ser desenvolvido por todos os seres humanos, é salutar refletir sobre como esta pode ser criada pelos indivíduos que se encontram em situação de marginalidade. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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Para definir melhor as pessoas que vivem nessas condições, utilizar-se-á a categoria de regiões morais (PARK, 1979) que definem os lugares de encontros da população segundo as relações ecológicas dos indivíduos com os espaços. Embora todas as pessoas possam sentir-se marginais em algum momento já que nem sempre segue-se as regras sociais com absoluto rigor, em alguns casos a relevância desse modo de vida é mais significativa, isso se dá pois a situação de marginalidade corresponde a viver de modo discordante do hegemônico. Pobreza, pertencimento a etnia minoritária, execução de atividades ilícitas ou criminosas e execução de atividades não catalogadas nos códigos morais da sociedade são alguns dos fatores desencadeadores de situação de marginalidade. As prostitutas podem ser incluídas em mais de um, senão em todos esses elementos do rol de fatores de marginalização. A justificativa pela opção de trabalho empírico com prostitutas de ruas decorre da perspectiva desta pesquisa, cujo olhar está voltado para as interações dos indivíduos com as ruas, isto é, aos os usos que os indivíduos fazem delas. Teoricamente, os espaços mais democráticos são as ruas. Estas remetem aos becos, praças, largos, passagens. Os usos das ruas envolvem passagem, permanência ou ajuntamento de indivíduos em ritmo regular, esporádico ou excepcional (FREHSE, 2004); referem-se aos vínculos dos indivíduos em co-presença em suas interações mediadas pelo comportamento corporal.

HIPÓTESES,

MÉTODOS

E

PLANO

GERAL

DE

AÇÃO

(DESENVOLVIMENTO) Parte-se do pressuposto de que é possível o exercício da cidadania em diferentes territórios, mesmo nos marginais. Para tanto, se considera marginalidade o pertencimento a toda a forma de vida não hegemônica, isto é, não contemplada nos pressupostos dos livros políticos e cláusulas constitucionais. Essa visão moderna da democracia não somente é mantida pelo o corpo dos responsáveis pela execução e/ou manutenção das leis, leia-se estado e organizações civis, mas, para além disso, é assegurada pelas estruturas sociais. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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Considera-se, ainda, que há correlação entre a degradação dos espaços urbanos com a degradação simbólica dos sujeitos que territorializam estes espaços. Áreas percebidas como depósitos de pobres, anormais e desajustados compõem e reforçam o estigma social dos sujeitos que, nem por isso deixam de ser ou de sentirem-se cidadãos. Esta pesquisa buscará identificar estes locais na cidade do Porto a partir do levantamento de locais considerados referências a eles (Casas de Misericórdia e Centros públicos de assistência). Feito isso, será desenvolvida observação participante nas ruas e posterior aplicação de entrevistas semi-estruturadas junto aos sujeitos envolvidos. A aplicação do método etnográfico busca enfatizar o cotidiano dos “nativos”1, transitando pela tensão entre o individualismo metodológico e a perspectiva mais sociológica (que tende para reificação do social), como sugere Fonseca (1999). A utilização deste método, certamente exige do pesquisador a familiarização com teorias científicas pertinentes aos problemas e às comunidades a ser estudadas (FONSECA,1999). Mas, o material científico irá fornecer as conjecturas hipotéticas que irão se modificando a cada confronto com a realidade (FONSECA, 1999). A difusão do método etnográfico para as questões urbanas, nos moldes que costuma-se aplicar atualmente, tem, em grande medida, a Escola de Chicago como responsável. Segregações, miscigenações, ocupações, vestuário, atitudes de grupo, funções comunitárias, participações de grupos sociais, ecologia, economia, política e sociologia das relações entre grupos, status, sentimentos grupais, formas culturais (MENDOZA, 2010) são algumas das matizes da etnografia. Essa escola levou à frente uma prática pioneira de pesquisas etnográficas em campos como os da marginalidade, segregação étnica, criminalidade, prostituição, delinqüência e das várias formas de interação nos espaços públicos, sendo que muitos estudos mostravam também haver uma “organização” ou “ordenação” internas a esses locais (FRÚGOLI JR., 2005) Spaddley (In: Alves, 2009) incita investigadores a colocar as necessidades das pessoas no cerne da própria investigação. Ao envolverem-se, tornam-se participantes deixando de lado o papel passivo e silencioso que a sociedade lhes atribuiu.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Tudo no mundo é duplo: visível e invisível. O visível, de resto, interessa sempre muito menos.” Cecília Meireles

A partir da proposta de alcançar sujeitos em situação de invisibilidade, a pesquisa relatada aqui pretende levar em consideração que as populações que vivem em situação de marginalidade também podem sentir-se cidadãs. Em todo o caso, para esta afirmação, cabe considerar cidadãs as pessoas que pertencem às cidades, que fazem usos das cidades. Os usos podem ser os mais variados e, no caso da presente pesquisa, são importantes os usos das ruas das cidades. Entenda-se por ruas os espaços públicos onde são viabilizados encontros entre estranhos e por usos as diversas práticas cotidianas e sociais exercidas sobre o local. São as práticas sobre os espaços que atribuem significações à estes, caracterizando-os como territórios, da onde advém o conceito de territorialidade, isto é, o sentimento de pertencimento ao território. Neste sentido, os conceitos de uso, cidadania, ruas, territorialidade são utilizados para pensar uma realidade de populações que compõem uma categoria que faz usos marginais das ruas: as prostitutas de ruas. Para tanto direciono-lhes um olhar heterotópico, para utilizar um termo foucaultiano, ou seja, um olhar que dê conta da pluralidade de sentidos que podem designar, neste caso, os espaços e os territórios.

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1 A utilização do grifo no termo é justificada para tentar transpor o distanciamento entre pesquisador e pesquisado. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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