TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E MULTI/TRANSTERRITORIALIDADE: ABORDAGENS PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA

July 4, 2017 | Autor: Eduardo Molina | Categoria: Geography, Human Geography
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TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E MULTI/TRANSTERRITORIALIDADE: ABORDAGENS PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA Eduardo Valero Molina 1 – Universidade Estadual de Londrina

[email protected] RESUMO A atual condição objetiva e simbólica de vivência transitória entre fronteiras de múltiplos territórios – acentuada pela lógica da expansão urbana, fragmentação e crescente articulação entre espaços difusos anteriormente não inseridos na dinâmica de produção, especulação e consequente des-territorialização – evidencia a realidade de parte considerável da população que convive diariamente com diferentes escalas conflituosas de poder. Pelo fato de se deslocarem para ir ao trabalho ou a escola, ou viver numa comunidade controlada por narcotraficantes, milícias e unidades policiais, ou mesmo dentro das escolas, alunos de todas as idades vivem diariamente esse constante ir e vir entre fronteiras. Como pode ser abordada em sala de aula a mobilidade e identificação simbólica constante com múltiplos territórios, enquanto realidade experienciada diariamente pelos alunos? Como pode o ensino em geografia renovar-se frente a esta condição estrutural e particularmente conceitual à ciência geográfica? A metodologia utilizada para realização deste trabalho constitui-se em análise bibliográfica de diferentes autores que trabalham com os temas abordados a fim de caracterizá-los e discutir os múltiplos territórios no cotidiano dos alunos e elaboração de uma proposta de ação didática a partir das observações e análises realizadas durante o estágio de observação obrigatório. Palavras-chave: Território, territorialidade, multi/transterritorialidade, ensino em geografia. INTRODUÇÃO Como

necessidade

contínua

da

ciência,

a

renovação

(readaptação) dos conceitos e teorias, bem como a ascensão de novos paradigmas que expliquem com maior consistência determinados fenômenos é fundamental. Particularmente na geografia, como já evidenciado por muitos autores, a constante reformulação dos conceitos frente à complexa lógica pósmoderna de produção/reprodução dos lugares é mais do que necessária, todavia, enquanto ciência e aprendizado, o ensino não se faz de forma distinta, utiliza-se dos avanços particulares de cada disciplina para aprimorar a transmissão histórico-social do conhecimento. 1

Aluno de Mestrado em Ciência e Sistemas de Informações Geográficas pela Universidade Nova de Lisboa.

1

Quais os caminhos para a discussão dos conceitos geográficos abordados nas universidades e sua transmissão para o ensino básico? Sendo estes necessários à atualização da própria ciência frente ao atual momento histórico. Como pode ser abordada em sala de aula a mobilidade e identificação simbólica constante com múltiplos territórios, enquanto realidade experienciada diariamente pelos alunos? Neste sentido, este ensaio pretende apresentar e discutir dois conceitos ou “noções” propostos por Rogério Haesbaert em anos de pesquisas envoltas na categoria de análise geográfica território: Multiterritorialidade e Transterritorialidade. Devido à complexidade dos conceitos, que são intrínsecos à noção de territorialidade, desterritorizalização e consequentemente

da

categoria de análise território, inicialmente serão estes apresentados brevemente para melhor organizar a cronologia do trabalho e entendimento do mesmo. Posteriormente, realizar-se-á uma discussão a respeito das múltiplas escalas de poder, bem como os diversos territórios vivenciados no cotidiano dos alunos partindo da realidade simbólica e objetiva dos mesmos. A conclusão deste ensaio baseia-se em propostas de como debater e exemplificar os conceitos pretendidos no ensino médio a partir da experiência

sócio-individual

dos

alunos

a

fim

de

colaborar

com

o

desenvolvimento da geografia em sala de aula no que diz respeito à aplicabilidade de novos conceitos necessários à evolução da ciência geográfica. A metodologia utilizada para realização deste trabalho constitui-se em análise bibliográfica de diferentes autores que trabalham com os temas abordados a fim de caracterizá-los e discutir os múltiplos territórios no cotidiano dos alunos e elaboração de uma proposta de ação didática a partir das observações e análises realizadas durante o estágio de observação obrigatório.

2

Território, territorialidade e multi/transterritorialidade: um resgate teórico A priori, deve-se considerar a dimensão territorial um objeto de estudo não apenas de cunho geográfico, tendo a leitura multidisciplinar uma importância fundamental ao entendimento da mesma, no entanto, o equívoco de se compreender o território unilateralmente por vieses não geográficos acabou e acaba por acarretar certa incoerência conceitual devido à especificidade que o tema assumiu particularmente na geografia enquanto categoria analítica ao longo dos anos. Neste sentido, entendemos que a compreensão principal e específica do tema deve partir da compreensão do território como: Conceito derivado do espaço, o conceito maior, o território é produto da apropriação de um dado segmento do espaço por um dado grupo social, nele estabelecendo-se relações políticas de controle ou relações afetivas, identitárias, de pertencimento. O mundo moderno é recoberto por inúmeros territórios, justapostos ou parcial ou totalmente recobertos entre si, contínuos ou descontínuos, permanentes ou temporários. Esta pluralidade de territórios aponta para sua força como componente essencial para a vida social. (CORRÊA apud HAESBAERT, 2004, p. orelha)

A partir da década de 1960, com as transformações epistemológicas pela qual passava a ciência geográfica no contexto da renovação frente à incorporação do discurso marxista, o conceito de território, anteriormente

utilizado

com

maior

frequência

pela

geografia

política/geopolítica, obteve destaque considerável por definir em sentido mais amplo os recortes espaciais orientados pelas múltiplas escalas de poder através da perspectiva do materialismo histórico dialético. Afirma-se, dessa forma, a partir da segunda metade dos anos 1960, um novo modo de ver e compreender o território. Há, de modo geral, nas ciências sociais e no real, mudanças substantivas que interagem e determinam novos arranjos à ciência geográfica; são fatores e elementos (i)materiais que fazem parte da vida, condicionado e sendo influenciados pela produção do conhecimento e do pensamento. (SAQUET, 2007, p.40)

Essas transformações epistemológicas acabaram por atribuir ao conceito de território novas legendas. Além do tradicional crivo político

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(jurídico) orientado pelas interações espaço/poder, há um olhar renovado frente aos elementos culturais (simbólicos) e econômicos, que acabaram por conferir ao conceito uma polissemia a ser superada pelos autores a partir da clareza conceitual – teórico-metodológica – sobre com qual “território” está se trabalhando (HAESBAERT, 2004, p.40) A noção de territorialidade evidencia a cristalização dos processos e relações sociais que ocorrem em determinadas parcelas do espaço

geográfico.

Atores sociais,

estatais,

imobiliários,

entre outros

responsáveis pela produção do espaço urbano, bem como movimentos sociais, o tráfico de drogas e a prostituição exercem – em diferentes escalas – condições territoriais específicas a seus interesses, todavia a supremacia dos interesses hegemônicos garante a reprodução contínua da expropriação territorial por parte do capital, configurando (especialmente no espaço urbano) um processo concomitante de desterritorizalização e (re)territorizalização por parte dos menos favorecidos. Todos os atores sociais se apropriam de uma parcela do espaço direta ou indiretamente. As diferentes territorialidades produzidas no espaço geográfico fazem com que este seja palco de múltiplos conflitos econômicos, sociais, étnicos e políticos, resultando em diferentes espacialidades. Evidenciando diversos atores que são determinantes na construção/(re)construção do espaço, como salienta Raffestin (1993, p. 58), “Do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que “produzem” o território.” Território deve ser entendido como produzido pelos homens ou por atores sociais nas relações de poder tecidas em sua existência; e poder, como uma força dirigida, orientada, canalizada por um saber enraizado no trabalhado e definido por duas dimensões: informação e a energia. (RAFFESTIN apud CAVALCANTI, 1998, p. 107)

A relação espaço/poder, que orienta a produção e reprodução dos territórios e territorialidades, está para toda estrutura e superestrutura da sociedade inserida num determinado espaço geográfico, assim como a identidade simbólica – de pertencimento – e as características econômicas (mais incorporadas ao discurso marxista).

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As ciências sociais em geral, com exceção da ciência geográfica, negligenciaram até a segunda metade do século XX a dimensão espacial dos fenômenos estudados, tendo esta a ser redescoberta, como nos fala Haesbaert (2004, p. 26), para uma leitura de sociólogos, antropólogos, filósofos e mesmo geógrafos sobre o que poderíamos chamar de “fim dos territórios” frente ao atual momento de globalização do capital. Nesta compreensão, a configuração deste modelo sobre redes e à crescente mobilidade (fluxos) seria introduzida no território em detrimento de territórios tradicionais e do poder estatal, assim, como sinônimo de desterritorialização (como se as redes fossem desvinculadas do território). [...] geralmente acredita-se que os “territórios” (geográficos, sociológicos, afetivos...) estão sendo destruídos, juntamente com as identidades culturais (ou, no caso, territoriais) e o controle (estatal, principalmente) sobre o espaço. A razão instrumental, através de suas redes técnicas globalizantes, tomaria conta do mundo... Como se a própria formação de uma consciência-mundo não pudesse reconstruir nossos territórios (de identidade, inclusive) em outras escalas, incluindo a planetária [...] (HAESBAERT, 1994 apud HAESBAERT, 2004, p.210)

Esta concepção, como evidencia o autor, é interpretada de maneira errônea, pois a desterritorialização (dissolução territorial de um determinado grupo) sempre está acompanhada de um movimento de (re)territorizalização, ocorrendo então um hibridismo existencial particular a nossa época descrito por Haesbaert como multiterritorialidade. Segundo Haesbaert (2011, p.16) a imbricação de múltiplos territórios em nosso cotidiano torna-se, atualmente, comum. A condição de viver constantemente entre territórios criados e recriados pela lógica de produção do espaço traduz a fluidez dos territórios que espacialmente são concretizados

de

maneira

fragmentada

e

articulada.

Se

vivemos

cotidianamente, então, transitando por diversos territórios e territorialidades é possível pensar a respeito de um contornamento de limites fronteiriços exacerbado, onde a sensação de pertencimento sobre mais de um território torna-se comum.

5 O trânsito entre diferentes territórios, ou mesmo a vivência, concomitante, de múltiplas territorialidades, e o contornamento de certos limites ou fronteiras territoriais –, nesse caso, conformando aquilo que propomos denominar de multi e/ou transterritorialidade – são processos que cada vez mais parecem compor experiências concretas na sociedade contemporânea. Chegamos a ponto, muitas vezes, de vivenciarmos uma quase completa indistinção de quem/ o que está dentro e o que está fora de um território, quais são os limites territoriais de ação de uma ou outra modalidade de poder. (HAESBAERT, 2011, p.16)

Partindo da compreensão do autor, a multiterritorialidade e a transterritorialidade são processos coesos de um mesmo fenômeno: a mobilidade e vivência concomitante entre

mais de um território.

A

transterritorialidade difere apenas enquanto exacerbação das fronteiras nacionais, como é caso dos indígenas que vivem em áreas fronteiriças2 e dos brasiguaios,

que

vivenciam

a

multiterritorialidade

numa

condição

especificamente internacional. A condição territorial específica do atual momento histórico, como apontada anteriormente, foi amplamente discutida por Haesbaert em anos de pesquisa a respeito do tema, teorizando então a multi e transterritorialidade

como

uma

realidade

objetiva



a

exemplo

do

contornamento constante entre limites fronteiriços – e uma dimensão simbólica de pertencimento concomitante a mais de uma área dotada de relações e múltiplos territórios. “Os processos sociais e territoriais não flutuam sobre mares, montanhas e planícies. Realizam-se, pela unidade idéia-matériaespaço-tempo, em nossa vida cotidiana e são (os processos...) a problemática de partida de um estudo do território [...]” (SAQUET, 2007, p. 48) Múltiplos territórios: como abordar a discussão utilizando o cotidiano do aluno? Atualmente, sob o apogeu da globalização praticamente em todas as escalas municipais, a onda de verticalização crescente de capital bem como a ampliação da capacidade de investimentos locais imprimem uma nova

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A área fronteiriça diz respeito a uma faixa de 150 km a partir do limite entre os países (SAQUET, 2007, p. 50).

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lógica de produção no espaço geográfico, especialmente no que diz respeito ao espaço urbano. Um estudante do ensino fundamental ou médio, rico ou pobre, residente em uma cidade pequena, média ou grande, bem como todos nós; convive diariamente com a realidade objetiva e conflituosa de diversos territórios e territorialidades atuando ao mesmo tempo em meio ao espaço geográfico, especificamente, da escala glocal3 ao indivíduo. Exemplificando, Um morador de uma favela do Rio de Janeiro, mesmo sob o controle de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), pode estar ao mesmo tempo subordinado às condições impostas por essa territorialidade estatal, que lhe garante certa segurança e infraestrutura (passando a pagar taxas de serviços ao Estado) e, ainda assim, recorrer ocasionalmente a circuitos de comercialização de drogas comandados por facções do narcotráfico, como forma de garantir sua sobrevivência. É como se ele transitasse entre diferentes territórios (ainda que fisicamente imbricados, quase indistinguíveis) com uma forma de “contornamento” a situação de precarização [...] (HAESBAERT, 2011, p.16)

Esta condição de mobilidade e vivência contínua entre territórios pode passar despercebida para maioria da população, no entanto, a própria localização geográfica das residências transparece preconceitos e espacialmente demonstra a segregação de forma a evidenciar os diferentes territórios intrínsecos a uma escala intra-urbana. O olhar espacial supõe desencadear o estudo de determinada realidade social verificando as marcas inscritas nesse espaço. O modo como se distribuem os fenômenos e a disposição espacial que assumem representam muitas questões, que por não serem visíveis têm que ser descortinadas, analisadas através daquilo que a organização espacial está mostrando (CALLAI, 2000, p. 94).

Neste sentido, entendemos que a identificação desse conjunto de ações/tensões territoriais ao jovem é fundamental, pois o conhecimento de que existe uma interação espacial (mesmo segregada e fragmentada) estimula 3

Segundo Haesbaert (1999), a partir da lógica de produção da diversidade territorial verificada com o processo de globalização, há um hibridismo entre as singularidades criadas na escala local e a relativa homogeneidade gerada em escala global; devido ao fluxo de informações, as singularidades antes restritas ao local, globalizam-se assim como anteriormente as formas restritas aos grandes centros urbanos. Deste hibridismo cultural, compreende-se o glocal.

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a criticidade para com a realidade, mesmo que muitas vezes a criticidade venha acompanhada de repulsos e desmistificações; o conhecimento deve partir de questionamentos pessoais. Há ainda um predomínio da Geografia mnemônica, meramente informativa na sua versão empobrecida. Um somatório de informações, sem uma teoria geral que ligue os fatos discutidos entre si e, salvo exceções, sem ligação dos assuntos vistos com a vida dos alunos (KAERCHER, 2003, p. 41).

Como

explicitado

anteriormente,

devido

à

abrangência

qualitativa e quantitativa da produção de diversidade territorial no atual momento histórico, a interação (articulação) espacial ocorre de uma maneira nunca antes contemplada, sendo a escala local um instrumento a ser mais explorado na educação pelo fato de reproduzir as particularidades da globalização e ainda ser o cerne da produção de singularidades contrárias a este movimento. A difusão do acesso a internet pela população traduz também uma nova realidade no que diz respeito à vivência simultânea entre mais de um território, a possibilidade de navegar por lugares anteriormente inacessíveis, bem como a utilização de redes sociais imprimem uma lógica territorial eminentemente fluida. A fluidez fronteiriça intercontinental, neste sentido, exemplifica a transterritorialidade e como múltiplos territórios são acessíveis a um número maior de pessoas num menor intervalo de tempo. Dentre todos os aspectos da aceleração globalizadora dos gêneros de vida é possível verificar como a interação espacial de diversos territórios está para o cotidiano como o cotidiano cada vez mais está sujeito a esse constante contornamento fronteiriço de múltiplas escalas de poder. A principal novidade é que hoje temos uma diversidade ou um conjunto de opções muito maior de territórios/territorialidades com os/as quais podemos “jogar”, uma velocidade (ou facilidade, via internet, por exemplo) muito maior (e mais múltipla de acesso e trânsito por essas territorialidades – elas próprias muito mais instáveis e móveis [...] (HAESBAERT, 2004, p. 344)

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Propostas para debater território e multi/transterritorialidade no ensino de geografia Território, enquanto conceito estruturador da geografia previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais para Ensino Médio (BRASIL, 2010, p.52), deve ser constantemente debatido e exemplificado em sala de aula, bem como seus desdobramentos. Muitos professores e pesquisadores já utilizam de metodologias didáticas específicas para este tema, entretanto, acreditamos que o trabalho de campo seja o melhor instrumento para vislumbrar o território. A geografia escolar, até então, pouco se preocupou em mostrar didaticamente ao jovem este constante ir e vir entre fronteiras, bem como sua identificação simultânea com territórios diversos, no entanto consideramos essa noção imprescindível pelo fato de ser a própria realidade empírica no que diz respeito ao atual momento histórico. Ressaltamos que como quaisquer conceitos, estes não fogem às relações espaço-temporais que modelam diferentes explicações. Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Consequentemente, uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança. (MÉZÁROS, 2008, p. 25)

A mobilidade intra e inter-territorial, enquanto processo social consequente de uma lógica de reprodução atualmente exacerbada na condição de globalização, está intimamente ligada, concordando com Mézáros (2008, p.25), com os processos educacionais, nos quais as “práticas da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança”. A

utilização

propriamente

dita

dos

conceitos

(multiterritorialidade e transterritorialidade), por se tratar do ensino médio, julgamos não ser necessária. A associação cognitiva, neste ponto de vista, é a forma mais didática de apreender o significado empírico do “viver entre fronteiras” a partir da realidade local. Não é necessário que o aluno possua

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conhecimento científico de que determinada condição territorial diz respeito à multi ou transterritorialidade, no entanto, a noção pretendida é que ele compreenda que existem múltiplos territórios medindo forças diariamente em sua realidade; pelos quais ele transita e possui relações simbólicas. [...] devemos reconhecer que vivenciamos hoje um entrecruzamento de proposições teóricas, e são muitos, por exemplo, os que contestam a leitura materialista com aquela que responde pelos fundamentos primeiros da organização social. Somos levados, mais uma vez, a buscar superar a dicotomia material/ideal, o território envolvendo, ao mesmo tempo, a dimensão espacial material das relações sociais e o conjunto de representações sobre o espaço ou o “imaginário geográfico” que não apenas move como integra ou é parte indissociável das relações. (HAESBAERT, 2004, p.42)

Sendo um conteúdo de difícil compreensão para os alunos do ensino médio devido a abstração ao se tratar do tema a partir de conceituações, acreditamos que o melhor caminho para se chegar a um aprendizado satisfatório é a utilização de mapas mentais e de cartografia em escala local. Desta forma, tornando o conteúdo mais palpável no que diz respeito à visualização. Mais do que nunca, é hoje uma necessidade imperiosa conhecer de forma inteligente (não decorando informações e sim compreendendo processos, as dinâmicas, as potenciais mudanças, as possibilidades de intervenção) o mundo em que vivemos, desde a escala local até a nacional e a mundial. E isso, afinal de contas, é ensino de geografia. (VESENTINI, 2004, p. 12)

Exemplificando, a partir de um mapa do município – seja ele grande médio ou pequeno – separar os alunos em grupos de acordo com as regiões geográficas do mesmo, onde cada grupo terá que apontar os principais objetos geográficos (urbanos ou rurais) que caracterizam sua região. Após o término da dinâmica e com os exemplos citados pelos alunos, o professor terá condições de demonstrar as diferentes relações territoriais existentes entre as regiões (econômicas, políticas, físicas entre outras) a partir de exemplos reais, bem como a relação simbólica e particular de cada grupo, compactando a escala de análise e também verificando as interações territoriais internas de cada região.

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Após o conteúdo apresentado, o professor pode propor um trabalho de campo (como citado no primeiro parágrafo deste tópico) passando pelas regiões trabalhadas e exemplificando, assim, a multiterritorialidade pela relação identitária que alguns alunos terão com mais de um território e mesmo a transterritorialidade, pelo constante fluxo dos alunos de cada uma dessas regiões específicas passando por diversos territórios (culturais, econômicos, políticos...) até a escola ou até o trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS As práticas didáticas em sala de aula, enquanto instrumentos facilitadores e ao mesmo tempo indagadores ao jovem possuem um leque de possibilidades dentro das especificidades geográficas do conteúdo a ser trabalhado. Nossa proposta, dentre as muitas possíveis, pretendemos estimular o olhar geográfico do aluno quanto à fragmentação da cidade partindo da escala local: 1. Quando os alunos formam os grupos a partir do lugar de residência

utilizando

mapas.

2.

Quando

pesquisam

a

respeito

das

características (físicas, econômicas, políticas...). 3. Visualizando empiricamente essas características particulares no trabalho de campo. Partindo desta dinâmica e dos conteúdos ministrados em classe, o aluno indiretamente (ao realizar seu percurso), pode compreender os conceitos multi e transterritorialidade em sua dimensão objetiva discutida em sala de aula. Tanto a identificação simbólica dos alunos com o lugar quanto a percepção das diferenças intra-urbanas pelos conteúdos geográficos analisados em campo, traduzem a imbricação entre múltiplos territórios que, entre eles, transitam pessoas que estão sujeitas a tensões territoriais diversas; bem como emergem singularidades e neoterritorialismos em função do caráter primitivo do território enquanto alicerce biológico que hoje é transpassado por redes e sistemas macro-políticos de ordem multi-escalar. REFERÊNCIAS BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para Ensino Médio PCNEM 2010: Geografia. Brasília: MEC, 2010.

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CALLAI, H. Estudar o lugar para compreender o mundo. In: CASTROGIOVANNI, A. C. (Org.). Ensino de Geografia: práticas e textualizações no cotidiano. Porto Alegre: Mediação, 2000. CAVALCANTI, L. S. Geografia, escola e construção de conhecimentos. Campinas: Editora Papirus, 1998. CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, l989. _________. Reflexões sobre paradigmas, geografia e contemporaneidade. Revista da ANPEGE, Campinas, v.7, n.1, número especial, p.59-65, out. 2011. HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. _________. Multi/transterritorialidade e “contornamento”: do trânsito por múltiplos territórios ao contorno dos limites fronteiriços. In: FRAGA, N. C. (Org.) Territórios e fronteiras: (re)arranjos e perspectivas. Florianópolis: Ed Insular, 2011, p. 15-31. _________. Da desterritorialização a multiterritorialidade. In: Encontro dos Geógrafos da América Latina, 10., 2005, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2005. _________. Territórios Alternativos. São Paulo: Contexto, 2002. _________. Região, diversidade territorial e globalização. GEOgraphia, ano 1, n.1. Niterói: Programa de Pós-graduação em Geografia, 1999. KAERCHER, N. A. Desafios e utopias no ensino de Geografia. São Francisco do Sul, RS: Edunisc, 2003. MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. 2ed. São Paulo: Boitempo, 2008. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. SAQUET, M. A. Abordagens e conceitos de território. São Paulo: Expressão Popular, 2007. SAQUET, M. A. Estudos territoriais: os conceitos de território e territorialidade como orientações para uma pesquisa científica. In:

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FRAGA, N. C. (Org.) Territórios e fronteiras: (re)arranjos e perspectivas. Florianópolis: Ed Insular, 2011, p. 33-50. VESENTINI, J. W. O Ensino da geografia no século XXI. Campinas: Papirus, 2004.

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