Territórios em Movimento: Cadernos de Oficina - Rocinha - novembro de 2014

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Descrição do Produto

Foto: internet

PAC ROCINHA: UMA AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA SOBRE MORADIA, SANEAMENTO E MOBILIDADE

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ste Caderno é uma devolutiva para a comunidade da Rocinha do projeto “Políticas públicas, Moradia, Saneamento e Mobilidade: uma análise participativa do PAC na perspectiva da promoção da saúde e da justiça ambiental” O projeto é uma realização do Laboratório Territorial de Manguinhos (LTM), da FIOCRUZ, que desde 2003 vem atuando no campo da promoção da saúde, da justiça ambiental e da educação junto às populações que vivem e trabalham em favelas. O projeto foi selecionado por edital público promovido pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e o Ministério das Cidades. Foi realizado em três territórios alvos da atuação do PAC no Rio de Janeiro: Alemão, Manguinhos e Rocinha. Junto com entidades atuantes e pessoas da comunidade formamos grupos de estudos para aprofundar o tema do projeto, organizar oficinas com moradores e sistematizar as questões discutidas. Nesta publicação apresentamos um resumo das discussões das oficinas e de nosso grupo de estudo sobre o PAC Rocinha em quatro partes: (1) Um pouco da história da Rocinha e os problemas prioritários de moradia, saneamento e mobilidade; (2) Um resumo do plano diretor da Rocinha (PDR); (3) O que foi realizado pelo PAC da Rocinha; (4) E, por fim, uma avaliação final e perspectivas sobre o futuro destacando duas questões: por que o PAC não conseguiu avançar como o PDR, e o que pode ser feito para fortalecer as mobilizações em torno dos problemas prioritários e suas soluções? Os interessados em aprofundar essa discussão podem ter acesso ao material mais detalhado na página https://www.facebook.com/pages/Territ%C3%B3rios-em-Movimento/192910660881735?fref=ts

Fotos: Acervo LTM e Acervo Tv Tagarela

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Surgimento da Favela da Rocinha e os Problemas de Moradia, Saneamento e Mobilidade

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egundo algumas fontes de pesquisa, a Rocinha é uma comunidade que começou a se formar entre os anos 20 e 30. Desde então, a nova favela que surgia – próximo aos bairros nobres em expansão na zona sul do Rio de Janeiro – serviria para abrigar pessoas que procuravam morar próximo ao local de trabalho. Um forte crescimento populacional da Rocinha aconteceu durante os anos 70, com a migração de um enorme contingente de mão de obra nordestina, atraído pela oferta de empregos na construção civil, em especial com a expansão imobiliária ocorrida na direção de São Conrado e Barra da Tijuca, facilitada pela construção dos túneis Gávea-São Conrado e São Conrado-Barra. Com um crescimento desproporcional comparado ao restante da cidade, a Rocinha atingiu uma densidade demográfica impressionante – maior que Copacabana –, chegando a ser considerada a maior favela do Brasil. Atualmente a favela abriga mais de cem mil habitantes, ou seja, uma população superior a mais de 5000 municípios brasileiros. Durante algumas décadas, a maioria das construções na favela era de madeira e zinco. Somente entre os anos de 70 e 80 as casas de alvenaria tomaram quase todo o cenário comunitário, com exceções de regiões mais carentes. A partir da década de 90, a experiência de muitos moradores como operários da construção civil foi colocada em prática na construção de estruturas mais complexas, substituindo as casas de telhas por casas de lajes, que aos poucos foram se transformando em prédios.

Fotos: Internet e Acervo PDR – Escritório Luiz Carlos Toledo

A evolução que aconteceu na estrutura das construções da Rocinha não foi suficiente para eliminar os problemas relacionados à habitação. Devido às moradias serem construídas emparelhadas uma às outras e sobre as valas e valões, assim como pelo afunilamento das vias de acesso, existem áreas na Rocinha com elevada insalubridade pela falta de ventilação e luminosidade, assim como pela excessiva umidade nas residências próximas às valas. O risco geotécnico é pouco discutido na comunidade, mas é fato que ainda existem pessoas habitando em localidades sob o risco de desmoronamento, como na Macega, Laboriaux e Dioneia. Há alguns anos atrás tivemos incidentes dessa natureza no alto do Laboriaux, deixando famílias desabrigadas e dois óbitos. Na atualidade é difícil perceber o crescimento da comunidade quando observado de fora. Ao contrário de outrora, a Rocinha não está mais em expansão horizontal, mas sim vertical. Nesse processo de constante transformação, a Rocinha segue aumentando sua capacidade de receber mais gente. 2

Fotos: Acervo

LTM

Saneamento, esgoto e lixo

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esassistida pelo Estado, a Rocinha cresceu à margem da sociedade sem nenhuma proposta política para o problema de esgoto na comunidade. Diante dessa realidade, os moradores começaram a utilizar córregos para afastar os dejetos das habitações, criando valas e valões e construindo casas em cima.

Fotos: Acervo LTM

Conforme aumentava a população, a solução encontrada pelos moradores para solucionar o problema de esgoto se tornava mais precária, inclusive com transbordamentos das valas. Assim, a falta de saneamento resultou num sério problema de saúde pública, com aumento de casos de doenças respiratórias, de pele e, principalmente, da tuberculose. Atualmente a Rocinha é a região com maior índice de tuberculose do Estado, sendo o principal foco de concentração da doença entre a Rua 2 e a Rua do Valão.

Nos anos 70, incentivados por movimentos pastorais da igreja católica, moradores organizaram mutirões para amenizar os transtornos causados pelo esgoto lançado a céu aberto. Somente a partir da década de 80 os serviços públicos chegariam à comunidade, através de projetos da CEDAE em parceria com os Governos em programas como o PROFACE e o PROSANEAR. Eles tinham a finalidade de melhorar o abastecimento de água e a capacidade das valas e do valão para receber esgoto, porém sem resolver definitivamente a questão do saneamento básico. Isso porque, sem obras de microdrenagem, o esgoto das casas continuava a se misturar com as águas pluviais nas valas, e quando estas transbordam todos se expõem a sérias doenças. Fotos: Acervo LTM

No PAC 1, as poucas propostas apresentadas para o problema de saneamento da Rocinha não foram executadas. Assim, as valas continuam convergindo para o valão, que recebe a maior parte do esgoto da favela – com a existência de coleta padrão para o esgoto somente nas proximidades da Estrada da Gávea, Bairro Barcellos e numa parte do Laboriaux. Na Rocinha, parte das valas desemboca numa Estação de Tratamento de Rios, localizada atrás do Complexo Esportivo, e sua finalidade é exclusivamente melhorar a qualidade da água da praia de São Conrado.

Apesar de algumas melhorias conquistadas através da mobilização dos moradores e movimentos comunitários, o saneamento, contemplando a coleta de esgoto em cada casa com o fim dos valões, segue sendo a principal reivindicação da comunidade. Os moradores sabem que existe muito a ser feito, e o quanto a melhora nesse segmento pode aumentar a qualidade de vida dos moradores. Outra situação que causa constrangimento aos moradores da Rocinha é a forma como é feita a coleta de lixo. Numa região complexa, com áreas muito íngremes e becos estreitos, é necessário um projeto específico que atenda as necessidades de uma comunidade que produz aproximadamente 100 toneladas de lixo diariamente. Ao invés disso, a coleta continua sendo feita em lixeiras abertas, existindo moradores que diariamente levam seus resíduos para a lixeira. Infelizmente, ainda há aqueles que, por morar longe desses pontos de coleta, fazem o que é mais viável: descartam o lixo em valas ou encostas. Outro problema relacionado a esse tipo de coleta é o chorume que escorre da lixeira pelas ruas, com seu mau cheiro se alastrando pela redondeza. Se ao menos cada ponto de coleta de lixo tivesse compactadoras, o volume de lixo seria reduzido e não ficaria escorrendo pelas ruas esse líquido mal cheiroso. Além de uma prestação de serviço diferenciada para coleta de lixo, é de grande importância um trabalho de educação ambiental, chamando atenção da população para os riscos ambientais e de saúde quando descartado o lixo em lugares inapropriados. Infelizmente, pouco ou nada vem sendo feito nesta direção pelos governos. Também, é preciso conscientizar sobre a possibilidade de reutilização de determinados materiais, sensibilizando a comunidade para a coleta seletiva do lixo e estimulando a criação de uma cooperativa para trabalhar com produtos recicláveis, fomentando a geração de renda para famílias carentes. 3

Fotos: Acervo LTM

Mobilidade

Depoimentos

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Rocinha é uma comunidade que tem sua malha de circulação formada principalmente por becos como resultado do crescimento desordenado. Discutir mobilidade é colocar em pauta mais do que os transportes coletivos, é pensar em acessibilidade para todas as pessoas – inclusive crianças, idosos e deficientes – saírem e chegarem às suas residências com mais segurança, praticidade e rapidez, com uma prestação de serviços com qualidade, sejam públicos ou não. Para isso é preciso melhorar as vias de acesso ligando os vários pontos da comunidade. A abertura de novas ruas ou reordenamento de outras já existentes serviria tanto para distribuição correta da rede de esgoto, como também para melhorar a ventilação e luminosidade de localidades insalubres. O mesmo serve para a coleta de lixo, o fornecimento de energia elétrica, o trabalho dos carteiros e a entrega de encomendas nos becos. Por sua vez, o transporte coletivo é outro problema antigo na vida dos moradores. A precariedade do serviço prestado pelas empresas que fazia o itinerário da Rocinha, disponibilizando poucos ônibus, representa uma dificuldade histórica para essa população, que sempre foi humilhada com transportes lotados para cumprir com suas obrigações diárias. Mesmo com o surgimento do transporte alternativo, em meados dos anos 90, com as kombis, moto-taxistas e posteriormente vans, essa realidade não mudou. O morador só deixou de ser dependente exclusivo da empresa de ônibus, podendo escolher outras opções de transporte, porém com as mesmas dificuldades, só que dentro de uma van, ou então tendo que gastar dinheiro a mais para andar de moto-taxi.

“Era muito importante para cidade formal que ali (Rocinha) tivesse um conjunto de gente, de mão de obra barata atendendo as necessidades de construção e serviços da zona sul e oeste da cidade. O governo sabia que se interferisse naquela área com a legislação existente na cidade, ela não poderia ser ocupada de forma alguma. Então ele fechou os olhos...” (Arquiteto Luiz Carlos Toledo) “Existem as soluções do cotidiano dos moradores... O próprio ato de ir lá e fazer já é um ato político, um ato de luta.” (Morador da Dioneia, Rocinha) “A gente não pode trabalhar a tuberculose sem trabalhar essas questões sociais de moradia e saneamento.” Moradora da Dioneia “Saneamento básico é um direito assegurado a todo cidadão brasileiro e não tem que ser dividido em função de necessidade ou prioridade. Ele por si só é uma prioridade que tem que ser feito em toda sua plenitude. Saneamento básico é um direito básico do cidadão e não pode ser tratado como benefício”. (Morador da Dioneia, Rocinha) “A questão do transporte está ligada à questão do saneamento, eu vejo tudo integrado. E por que está ligado ao saneamento? A Rocinha permanece com alto índice de tuberculose. E quem está doente, às vezes sem saber, está passando para as outras pessoas no transporte lotado.” (Morador da Rua 2, Rocinha) “Se pensar em saneamento integral, tem que se pensar em remoção. A questão da remoção tem que ser repensada, rediscutida... sem que quebre o processo de sociabilidade, da construção histórica da vida das pessoas e todas as suas redes construídas.” (Morador do Alemão em oficina na Rocinha) “Veja o terrorismo que o governo fala, que implantar o saneamento vai tirar metade da Rocinha, ... Mas isso é uma balela. Tem que se estudar a questão do saneamento sem produzir esse efeito colateral. Eu acho totalmente possível...” (Luiz Carlos Toledo, arquiteto)

Fotos: Acervo LTM

A situação ficou ainda mais desconfortável para os moradores da Rocinha com as mudanças recentes feitas pela prefeitura, que legalizou as vans que fazem o itinerário comunitário, mas em contrapartida reduziu o percurso e a quantidade de veículos. Uma linha de ônibus circular, Rocinha x Leblon, também teve o percurso reduzido, indo somente até o Baixo Gávea, prejudicando muitos trabalhadores que dependiam do antigo itinerário. Atualmente, a discussão sobre mobilidade gira em torno do polêmico teleférico anunciado pelo ex-governador Sérgio Cabral, que mobilizou moradores e grupos atuantes da comunidade num movimento que diz NÃO AO TELEFÉRICO e SIM AO SANEAMENTO BÁSICO. 4

“Isso (a remoção pelo teleférico) é uma agressão à identidade da pessoa. Ela não escolheu morar na Favela. Ela está ali porque ela quer sobreviver, é o que apareceu para ela. Ai constrói toda uma vida de incentivos, de trabalho, educação, de construção social, de valores que vai ser devastada.” (Moradora do Laboriaux, Rocinha) “Pessoas que já tem ali, duas ou três gerações, estão sendo obrigadas a sair em função de uma política mal feita, mal conversada, que não é oferecida de forma correta para aqueles moradores. Daí, surge um novo grupo de moradores que não tem nenhum vínculo com a criação daquele lugar.” (Morador do Laboriaux, Rocinha)

Do Plano Diretor ao PAC Rocinha: antecedentes Moradores da Rocinha, Gávea e São Conrado; PUC Rio; Clube de Engenharia; a própria SEMADUR, dentre outros. Por fim, no ano de 2005 o governo estadual contratou o IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) para organizar um concurso com propostas de intervenções públicas para compor o Plano Diretor da Rocinha, ganho pelo escritório do arquiteto e urbanista Luiz Carlos Toledo em 2006. Segundo o arquiteto Toledo, a construção do plano foi baseada numa estratégia de participação popular e na seleção de uma área-piloto para o início das intervenções, considerada como estratégia de implementação a curto prazo, para ser posteriormente aplicado a toda comunidade. A ideia central do PDR foi priorizar o saneamento e articular todas as soluções de moradia, mobilidade e convivência. De acordo com as palavras do próprio arquiteto Toledo: “... (o saneamento) é o principal problema da Rocinha. Acho que não se pode fazer obra nenhuma na Rocinha sem começar pelo saneamento... A primeira coisa do saneamento é liberar esses valões.” Portanto, uma ideia central era liberar os valões aos poucos, retirando as unidades residenciais de alta insalubridade construídas em cima deles. Para isso, antes de serem iniciadas as remoções nas áreas de risco em cima das valas, seriam inicialmente construídos prédios que garantissem o direito à moradia com qualidade e espaços adequados para cada família. Ou seja, na proposta original ninguém sairia de sua casa sem uma solução digna, e a velocidade de construção dos novos prédios seria sempre maior que as realocações.

Fotos: Internet e Acervo PDR – Escritório Luiz Carlos Toledo

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uito citado nos debates da comunidade envolvendo temas ligados às obras do PAC, o Plano Diretor da Rocinha (PDR) é resultado de um estudo detalhado dos problemas históricos da região decorrente da ausência de infraestrutura, que aponta soluções técnicas para melhorar a qualidade de vida dos moradores, com projetos elaborados a partir da participação popular comunitária.

Por sua vez, os prédios a serem construídos não seriam apenas moradias, pois cada um deles, além de abrigar os moradores, criaria espaços públicos na Rocinha. E suas escadas teriam também a função de mobilidade, pois seriam utilizadas por todos para circular nos espaços íngremes.

Assumido publicamente pelo ex-governador, Sérgio Cabral, como base para realização das obras do PAC na comunidade, o PDR surgiu da necessidade de respostas das autoridades políticas do Rio à sociedade carioca. Isso ocorreu principalmente depois que uma disputa entre bandidos pelo controle do tráfico na favela, no ano de 2004, aterrorizou os moradores da Rocinha, Gávea e São Corando. A guerra, que teve repercussão midiática mundial, começou na madrugada da sexta-feira Santa, se estendendo por mais de uma semana com vários mortos e feridos.

A proposta do plano diretor era fazer uma rede de esgoto com ligação domiciliar, permitindo que os diversos valões voltassem à sua função original de talvergues, ou seja, as linhas por onde as águas de chuvas e riachos escorrem naturalmente. Nesses locais também seriam construídas escadas drenantes para facilitar a mobilidade, definindo “uma malha de circulação e mobilidade na Rocinha sem tirar uma casa que não estivesse em cima do valão”. A mobilidade seria também facilitada com a criação de vários planos inclinados e ampliação de algumas vias de circulação de carros e ônibus.

Na ocasião, Luiz Paulo Conde, vice-governador de Rosinha Matheus e Secretário Estadual de Meio Ambiente Desenvolvimento Urbano (SEMADUR), propôs a construção de um muro criando uma fronteira entre Vidigal e Rocinha para evitar conflitos como esse, envolvendo bandidos das duas regiões, e também, para criar um ecolimite impedindo a expansão territorial da Rocinha, assunto que já estava em pauta naquela conjuntura política. A ideia foi inicialmente assumida pela Governadora e seu marido, Antony Garotinho, então Secretário de Segurança do Estado. Porém foi logo repudiada por oposicionistas, ambientalistas, especialistas em segurança pública e por movimentos sociais e comunitários. Com isso o governo e setores da sociedade civil tiveram que buscar alternativas que viabilizassem mudanças na Rocinha.

“O plano inclinado é feito para vencer as trilhas mais árduas, que atualmente a população faz mais esforço andando, ele é feito pra isso. Ele também tira o lixo da região, sobe com material de construção...”(Arquiteto Toledo) Com relação ao lixo, foi desenvolvido um projeto amplamente detalhado que estimava o volume de lixo que teria que ser retirado, a quantidade e localização de compactadoras, além do “...número de garis comunitários que teria que ter. O trabalho foi desenvolvido em conjunto com técnicos da COMLURB, mas até hoje não foi implementado”.

A primeira medida foi estimular a criação de fóruns de debates. A SEMADUR se encarregou de organizar um dentro da Rocinha, reunindo lideranças comunitárias com representantes da secretaria para discutir a realidade que afligia a comunidade. Outro fórum, denominado como Dois Irmãos, concentrou diferentes representações, entre elas: Associações de

Fotos: Acervo PDR – Escritório Luiz Carlos Toledo

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O PAC ROCINHA: o que foi prometido, realizado, não foi feito ou foi feito com problemas?

Fotos: Acervo PDR – Escritório Luiz Carlos Toledo

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epois de pronto o Plano Diretor da Rocinha (PDR), Toledo tinha dúvidas se os projetos elaborados para reurbanizar a comunidade sairiam do papel. Foi quando Sérgio Cabral, ainda concorrendo ao Governo do Estado pelo PMDB, o procurou e sinalizou que implementaria o PDR caso eleito. Conforme indicavam as pesquisas, Cabral ganhou com folga as eleições de 2006, vindo a assumir o seu primeiro mandato como Governador no dia 01 de Janeiro de 2007. No dia 28 desse mesmo mês, o Presidente Lula anunciou o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A parceria entre os governos, através do financiamento do PAC, asseguraria a implementação do PDR, assumido publicamente por Cabral, que contratou o escritório de Toledo para organizar as propostas previstas sob a coordenação da EMOP. Em março de 2008, o presidente Lula visitou a Rocinha para anunciar as obras do PAC 1 na Comunidade. As promessas de intervenções tinham como base algumas das propostas elaboradas no PDR, tendo como ponto de partida a reestruturação de uma área modelo e a construção de aparelhos públicos com a finalidade de promover melhorias nos seguintes setores sociais: educação, saúde, cultura, esporte e lazer.

construção do conjunto habitacional com 144 apartamentos. Como indica o nome, a intervenção nessa área serviria como modelo a outros pontos da Favela, recuperando vias de acesso para melhorar a mobilidade que, consequentemente, aumentaria a luminosidade e a ventilação nas localidades insalubres. Entre os aparelhos públicos estavam previstos a construção do Complexo Esportivo, do Centro Integrado de Atenção a Saúde (CIAS), que funcionaria como um mini-hospital, do Centro Integrado de Convivência e Cultura (C4), da Creche Modelo, da nova passarela projetada pelo arquiteto Oscar Niemayer, do plano inclinado da Roupa Suja, do mercado popular e, também, a revitalização do acesso principal e do Caminho do Boiadeiro. Dois anos após a primeira visita de um presidente a comunidade, Lula retornou para inaugurar o Complexo Esportivo e o CIAS (03/2010). Nesse mesmo ano foram entregues aos moradores a nova passarela, o conjunto habitacional e a Nova Rua 4. A Biblioteca Parque da Rocinha (C4) foi inaugurada em junho de 2012. E somente em julho de 2014 foi entregue a creche – Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Professora Edir Caseiro Ribeiro – que atenderá 150 crianças da comunidade. Porém, nem todas as intervenções prometidas foram entregues, e, das que foram entregues, algumas sofreram modificações. O CIAS foi um dos aparelhos públicos que sofreu alterações na proposta política e na estrutura física, servindo para o funcionamento da UPA (Unidade de Pronto Atendimento), da Clínica da Família e do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Uma das críticas foi que o local escolhido dessas instalações de saúde foi justo em cima de um antigo valão, local previsto no PDR para uma fábrica de lajes de cimento que seria provisória e operada por trabalhadores da própria Rocinha. O Centro Integrado de Convivência e Cultura (C4) deu lugar ao programa cultural do Governo do Estado, denominado Biblioteca Parque.

Fotos: Acervo PDR – Escritório Luiz Carlos Toledo

Algumas das promessas Na área modelo estava previsto a ampliação da Rua 4 e a reforma das moradias na beira desta nova rua, além da

Fotos: Acervo LTM

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Por razões políticas, econômicas e burocráticas, o projeto das novas moradias sofreu profundas alterações. Por exemplo, em relação ao tamanho das moradias: na proposta original contemplava os realocados conforme o número de integrantes da família em apartamentos de até quatro quartos. Porém isso não ocorreu devido à posição do governo estadual, às regras da prefeitura para a construção de prédios, assim como da Caixa Econômica Federal, que permitia a construção de apartamentos populares com apenas um ou dois quartos. Em relação às moradias a beira da Nova Rua 4, a reforma não passou de uma pintura com cores chamativas.

liberar e revitalizar os córregos, retirando as moradias insalubres construídas sobre os valões para definir uma nova malha de circulação. Na proposta original, as escadas drenantes e os planos inclinados seguiriam o curso dos córregos nas localidades mais íngremes da comunidade – solucionando em boa parte os problemas de saúde e mobilidade. Outra promessa pouco ou nada cumprida foi a de participação da comunidade no acompanhamento das obras e definição de prioridades. O PAC Social e as discussões que produziram a publicação do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Rocinha não corresponderam às expectativas dos movimentos comunitários, que mal conseguiram ter acesso aos projetos do PAC ou visitar os canteiros das obras em andamento. Mesmo faltando concluir o PAC 1, com algumas obras inacabadas e outras que ainda nem foram iniciadas, o PAC 2 foi anunciado pelo Governo Federal e Estadual, tendo como principal proposta a construção de um teleférico, que representou o total descumprimento do compromisso assumido por Cabral de que o PDR nortearia as intervenções feitas na comunidade. Isso gerou grande descontentamento dos movimentos sociais da Rocinha, que reivindicam um sistema de saneamento básico que contemple todos os moradores, inclusive os dos extremos da Favela.

Foto: Acervo LTM

Se algumas obras foram entregues com mudanças e atrasos, outras permanecem pendentes. A obra do plano inclinado da Roupa Suja, iniciada em 2008, segue se arrastando entre abandonos e retomadas, assim como o mercado popular próximo ao valão, que depois de serem erguidas as estruturas ficou totalmente abandonado. Já a revitalização do acesso principal e do Caminho do Boiadeiro sequer foi iniciada. No que se refere ao saneamento básico, não foi feita intervenção nem mesmo junto aos aparelhos públicos construídos pelo PAC – com o mencionado CIAS e o Complexo Esportivo construído sobre valões, e com uma vala mantida dentro do espaço do C4. Além disso, a base da UPP que atua no Laboriaux tem seu esgoto lançado diretamente na mata em direção à Gávea.

Fonte: Acervo do Rocinha sem Fronteiras

Depoimentos “Sem saneamento não tem saúde. Quando a gente tem saneamento a gente tem boa saúde, se a gente tem boa saúde a gente gasta menos. É diferente do teleférico que é tão caro, a manutenção é caríssima e não traz saúde.”

(Morador do Bairro Barcellos, Rocinha) “A Rocinha sempre foi muito politizada em relação à cobrança, de querer participar de tudo, de querer ser consultada, de querer falar de tudo o que precisa. Ai, nesse canteiro social, as pessoas foram ouvidas, sendo que depois as decisões dos moradores não foram respeitadas. Tudo o que a Rocinha pensou e mostrou para o poder público, que ela precisava, foi desrespeitado e engavetado. Agora vêm para Rocinha apresentar o PAC 2, sem sequer concluir o PAC 1.”

Fotos: Acervo LTM

A principal mudança na concepção das obras do PAC parece ter sido a não incorporação da proposta mais radical do PDR: a de

(Moradora do Laboriaux, Rocinha) 7

Por que o PAC não conseguiu avançar com o PDR na solução dos problemas da Rocinha?

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Plano Diretor serviu ao Governo como ponto de partida para acordos eleitorais em 2006 e para implementação das obras do PAC 1 na Rocinha. Mas a medida que o projeto se inicia em 2008, os vários interesses políticos e econômicos intensificam os conflitos entre o Governo Estadual e a concepção original do PDR, com diversas propostas modificadas ou mesmo descartadas. Jamais isso foi explicitado pelo governo estadual, que continua publicamente afirmando que segue, com algumas modificações, a proposta original.

Fotos: Acervo PDR – Escritório Luiz Carlos Toledo

De certa forma, os avanços do PDR parecem ter chegado ao limite das possibilidades da política pública atual, pelo fato de propor medidas de intervenções de curto, médio e longo prazo que são contrárias às lógicas relacionadas ao clientelismo eleitoral, bem como as de mercado envolvendo empreiteiras e o setor imobiliário, dentre outros. Para os participantes das oficinas realizadas, também faltou vontade política para execução das obras essenciais à comunidade – como as soluções do PDR para a coleta do lixo e do esgoto –, sendo priorizadas somente as obras que davam visibilidade ao Governo, como a nova passarela e a proposta do PAC 2 de implantar um teleférico na Rocinha semelhante ao Alemão. Aparentemente, as maiores mudanças na Rocinha nos últimos anos ocorreram não propriamente pelo PAC 1 em si, mas por outros fatores como: o aumento do poder aquisitivo de classes populares; pela UPP, que propiciou maior liberdade de circulação (embora tal quadro esteja se alterando nos últimos tempos...); pela UPA, apesar dos problemas relacionados ao seu funcionamento; e possivelmente também pela futura estação do metrô. Na questão saúde, embora tenha havido progressos recentes com a saúde da família, a UPA e o CAPS desenvolvidos em conjunto com o PAC, continuam deficientes tanto a atenção básica como os procedimentos mais complexos, inclusive as emergências. Na UPA há queixas sobre a falta de especialistas como pediatras, ginecologistas e dentistas, bem como a longa fila de espera. Também há críticas quanto à qualidade da gestão terceirizada da saúde local por parte de organizações sociais (OS’s) que fazem a gestão da UPA e da Clínica da Família, sendo que muitos moradores desconhecem se tratar de OS’s. Ou seja, passados mais de sete anos de anúncio do PAC 1 e superado o otimismo inicial, apesar de avanços pontuais (esportes, cultura, saúde...), o clima é de incerteza e insegurança, com a permanência de problemas antigos de moradia, saneamento e mobilidade. Estes fazem parte de demandas emergenciais que permanecem tais como: a existência de casas insalubres em cima das valas com alto índice de tuberculose; transbordamento do valão em dias de chuva; lixeiras a céu aberto com proliferação de ratos e mal cheiro; passageiros pessimamente atendidos pelas empresas responsáveis pelo transporte coletivo, dentre outros problemas. A expectativa em relação ao PAC 2 é que esses problemas não serão resolvidos, embora a promessa do governo estadual seja, além do teleférico, avançar no saneamento básico. 8

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esde que foi anunciado a construção de um teleférico como principal proposta do PAC 2 para a Rocinha, diversos movimentos sociais comunitários se articularam em torno de uma reivindicação antiga, contra argumentando o governo com a audaciosa proposta do Plano Diretor para solucionar um problema histórico da comunidade - levantando uma bandeira de luta que diz Sim ao Saneamento Básico e não ao Teleférico, denominando a proposta governamental como um grande elefante branco.

O que fazer para implementar as soluções propostas pelo Plano Diretor aos problemas que afligem a Rocinha há décadas?

A bandeira de luta levantada não é apenas para tentar impedir a construção de um teleférico, que se acredita – tendo como exemplo o Complexo do Alemão – que não resolverá os problemas de mobilidade da comunidade, sendo preciso remover, em vão, muitos moradores para realização dessa obra faraônica. A mobilização do Sim ao Saneamento básico e não ao Teleférico, encabeçada pelo “Rocinha sem Fronteiras”, tem como principal objetivo conquistar um direito básico constitucional, negado às populações de favelas, que aumentaria a qualidade de vida na comunidade por ser um projeto de saneamento integrado à questão da mobilidade e do fim das moradias insalubres. A mobilização na luta pelo saneamento não limitou o debate às lideranças locais junto aos moradores. Ao contrário, as discussões questionando as possibilidades de implementação das propostas do PDR, contrapondo a principal proposta do PAC 2, vêm sendo debatidas com especialistas e outras representatividades sociais para ganhar força argumentativa, como o Clube de Engenharia e com o próprio arquiteto responsável pelo PDR. Políticos já entraram no mérito da questão, principalmente depois que o movimento ganhou as ruas, em junho do ano passado, com uma manifestação que seguiu da Rocinha até o Leblon, com destino ao prédio onde Cabral reside.

Foto: internet

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ma posição consensual da última oficina realizada pelo projeto é a necessidade de ampliação dessa teia de articulações, integrando a participação das organizações mais progressistas da O que sociedade com os movimentos comunitários locais. Só assim será possível criar as condições necessárias para forçar o Governo a dialogar com a comunidade sobre propostas de intervenções que protejam a dignidade humana e os direitos sociais de cada indivíduo, e não apenas defenda os interesses das empreiteiras e a especulação imobiliária.

fazer?

Tendo em vista que a pauta de discussão é a melhoria da qualidade de vida na comunidade, faz-se necessário acrescentar a essa reflexão outra questão importante: a expulsão dos moradores do seu local de origem, tanto pela remoção como pela gentrificação. A remoção é uma prática política que caracteriza a postura administrativa de vários governos elitistas e autoritários na cidade do Rio de Janeiro diante das intervenções realizadas. Na Rocinha as remoções aconteceram de uma maneira injusta quando comparamos o número de unidades habitacionais oferecidas com as unidades habitacionais construídas, menor que a quantidade de famílias removidas pelas obras do PAC. Da mesma maneira, não foram priorizados os moradores de algumas áreas de risco. A outra forma de expulsão acontece pela gentrificação, ocasionada, principalmente, pelo aumento da especulação imobiliária. A expectativa de melhoria na qualidade de vida na Rocinha vem provocando um aumento dos preços sobre as moradias (aluguel, compra ou venda) e do custo de vida local. Assim, os moradores com menor renda e sem políticas de proteção para permanecerem na comunidade acabam expulsos pela lógica excludente do mercado. O grande desafio dos movimentos comunitários, na luta de integrar favela à cidade, é encontrar medidas democráticas capazes de impedir a remoção ou a gentrificação no processo de melhoria da qualidade de vida por intervenções públicas como o PAC. Para tanto, é preciso uma articulação com distintos setores sociais, políticos e acadêmicos para tentar assegurar ao morador de favela os direitos básicos de cidadão, sem que ele seja expulso do pedaço de chão onde alicerçou sua história de vida. Sem isso, projetos de melhoria das favelas funcionam não para que as cidades sejam inclusivas, plurais e democráticas, mas para um novo processo de expulsão dos moradores para outras periferias e a continuidade das desigualdades.

Foto: Roberto Neves

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Foto: internet

Depoimentos

“Foi aquela população que ajudou a construir esses bairros. A gente tem que tratar a Rocinha com a dignidade que ela merece. Ele serviu essa cidade, a tal cidade formal. Durante anos ela foi um reservatório de mão de obra barata. Agora a Rocinha quer galgar um novo espaço de integração com a cidade. Cabe a gente que pensa a Rocinha, que não mora lá, pensar em reverter essa situação. Mas mesmo assim, por mais que eu fale, que eu tente explorar esse assunto com meus alunos na academia, com os arquitetos...por mais que eu fale isso, o meu resultado é muito pequeno. É o morador da Rocinha, atento as questões, sabendo o que está acontecendo que vai tomar esse bastão e vai resolver o problema. Por mais que gente que não mora lá, possa querer o melhor pra rocinha, cabe ao morador exigir aquilo que ele tem direito; e ele tem direito a saneamento antes de qualquer coisa. Quando eu falava na Rocinha, falava imitando aquele pastor americano Martin Luther King; “eu tenho um sonho”, um dia uma moradora do Leblon falar assim: essa coleta de lixo tá uma vergonha aqui no Leblon, não é como a coleta de lixo da Rocinha. Eu achava que deveria ser um exemplo de boa coleta de lixo.” (Arquiteto Toledo) É preciso ações coletivas, por que o morador quer ser consultado para que as prioridades possam ser garantidas. “A gente não quer nada imposto, a gente que participar”. (Moradora do Laboriaux, Rocinha) “O morador quer uma integração, e não uma submissão. Não vamos nos submeter a uma ordem de fora para dentro, mas estamos abertos ao diálogo e ao debate.” (Morador do Alemão, coordenação do Instituto Raízes em Movimento) “Ou seremos protagonistas ou vítima disso tudo que está acontecendo na Rocinha.” (Morador da Rua Dois, Rocinha) 11

A Cidade não para

Fotos: Acervo LTM e TV Tagarela

Expediente REALIZAÇÃO

Responsáveis pelo Projeto Marcelo Firpo de Souza Porto e Marize Bastos da Cunha Comissão editorial Marcelo Firpo Porto, Cléber Araújo, Camila Perez e José Ricardo Duarte Coordenação de Produção Cléber Araújo, Marcelo Firpo Porto e Fátima Pivetta Equipe de Campo Cleber Araújo, Arley Macedo, Camila Perez e Ricardo do Laborioux Projeto Gráfico Carlos Fernando Reis – Coordenação de Comunicação Institucional/ENSP-FIOCRUZ Impressão e acabamento Coordenação de Comunicação Institucional/ENSP-FIOCRUZ Tiragem: 50 exemplares

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