Terrorismo como Crime Político e o ordenamento jurídico brasileiro

Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR FACULDADE DE DIREITO

JÔNATAS MACAMBYRA TIAGO

TERRORISMO COMO CRIME POLÍTICO E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Salvador 2014.1

JÔNATAS MACAMBYRA TIAGO

TERRORISMO COMO CRIME POLÍTICO E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Artigo Científico apresentado ao Curso de Direito da Universidade Católica do Salvador, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. José Gomes Brito

Salvador 2014.1

1

Terrorismo como Crime Político e o ordenamento jurídico brasileiro1

Jônatas Macambyra Tiago2 Prof. José Gomes Brito3 RESUMO Este artigo visa discutir o terrorismo político e o ordenamento jurídico brasileiro, partindo da noção de que o terrorismo seja uma espécie de crime político violento, no texto constitucional; a precária tipificação do terrorismo atualmente vigente e por fim, considerações a respeito dos desafios acadêmicos e jurídicos dessa controvérsia, sob uma ótica crítica da violência nas relações políticas. Por meio do método de pesquisa fenomenológico-hermenêutico, este trabalho visa produzir material para contextualizar o atual momento no Brasil, tanto quanto os movimentos sociais contrapostos ao aparelhamento repressor do Estado, bem como os perigos imediatos às liberdades e direitos individuais diante do assédio de doutrinas políticas de ambos os lados.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional, Direito Internacional, Filosofia do Direito, Terrorismo, Crime Político, Principio da Legalidade.

ABSTRACT This article seeks to discuss the political terrorism and the Brazilian legal system, on the notion of terrorism as a kind of a violent political crime in the constitutional text, the poor criminal characterization of terrorism currently prevailing and considerations about the legal and academic challenges regarding this controversy in a critical perspective of violence in political relations. Through the method of phenomenological-hermeneutic research, this work aims to produce materials to contextualize the current situation in Brazil, as well as the social movements opposed to the repressive machinery of the state and the immediate freedoms and individual rights before the dangers of harassment doctrines policies on both sides.

KEYWORDS: Constitutional Law, International Law, Philosophy of Law, Terrorism, Political Crime, Principle of Legality. 1

Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso realizado entre 11 de março e 8 de julho de 2014. Baharelando do Curso de Direito da Universidade Católica do Salvador - Bahia. 3 Prof. da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador, mestre em Direito Econômico e especialista em Direito Administrativo pela Universidade Federal da Bahia. Ex-Procurador-Geral de Justiça Adjunto do Ministério Público da Bahia aposentado. 2

2

SUMÁRIO: Introdução: há uma criminalidade política no terrorismo? 1. As raízes históricas do terrorismo político. 2. A legislação brasileira e o tratamento atípico do terrorismo político. 2.1. O controverso status constitucional do terrorismo político no Brasil. 2.2. O princípio da legalidade e o terrorismo no Brasil. 2.3. A Lei de Segurança Nacional e sua norma em branco. 2.4. A Convenção Interamericana Contra o Terrorismo. 3. A noção acadêmica do terrorismo como crime político. 4. Considerações Finais: A necessidade de abolirmos os axiomas da violência da política no século 21. Referências. INTRODUÇÃO: Há uma criminalidade política no terrorismo? Com a crise de segurança internacional contemporânea gerada pelo o avanço do terrorismo global, as sociedades democráticas têm sofrido o perigoso assédio político da regularização e legitimação de um estado de excepcionalidade penal permanente frente a essa nova ameaça. Tal projeto de positivação iria na contramão dos princípios progressistas do Estado de Direito, gerando uma tendência complacente com o autoritarismo e a violação das liberdades e direitos individuais. Essa relação de supostos dilemas, em que nos obrigam renúncias de progresso em nome de uma suposta segurança, em verdade, é fruto da adoção de premissas contraditórias no sistema axiológico como um todo, que se não forem questionadas, nos induzirão a perturbadores equívocos. Nestes momentos atuais de insegurança nacional, devemos sempre ter em mente - e inadiavelmente- a confiança na razão que nos trouxe até aqui, não permitindo que se abram brechas para a negociação com nossos medos e incertezas. É nesse contexto perigoso que se encontra o Brasil. De um lado e do outro, estamos cercados do discurso do medo, situamo-nos entre a segurança e progresso. Nosso país está sobre a demanda de, com urgência, debater o aparato jurídico-institucional disponível para proteger-se legalmente da ameaça latente do terrorismo internacional. Essa ameaça do terror, representado pelas organizações clandestinas que propagam a violência sistemática, evidencia uma mudança de paradigma daquilo que tem sido vigente até então. Há, então, que se considerar, primariamente, uma reformulação das nossas leis, e, ao mesmo tempo, tornar possível um escape do apelo inconseqüente das doutrinas que flertam perigosamente com engenharias sociais autoritárias. Flertamos, entretanto, com a ameaça do terror político e sua ambivalência. Nota-se uma exposição desconfortável no País, pelo fato de já estar, no momento, sediando grandes eventos esportivos. O Brasil pode tornar-se uma vítima de uma ambição terrorista de amplo espectro, pois, ao atacarem justamente eventos de grande popularidade, por causa das grandes aglomerações, esses grupos sempre planejam a coação de maior alcance possível, como estratégias políticas de propaganda, visando o controle através do medo. Diante de normas em branco, frutos da inépcia e atecnia legislativa, é prudente recearmos o lugar no qual nos encontramos na História, se atentarmos para as lições das décadas passadas

3

em tantos países. A linha perigosa e tênue que separa o terrorismo do crime político não foi adequadamente esclarecida. Há uma perniciosa margem política aberta para qualquer tipo de ação inadequada dentro dessa brecha, tanto por parte do Estado quanto por parte dos radicais inconformados. Há uma constrangedora inexatidão e indefinição de qualquer noção jurídica no contexto legal brasileiro a respeito do terrorismo político e da criminalidade política relativa4. Não se tem por pacificado a exata extensão do controverso e nem mesmo se há confusão de ambas as noções. Essa lacuna do Direito, ainda que ecoe eventualmente em casos esparsos, tem promovido discussões acadêmicas e jurídicas que infelizmente, não parecem avançar para consenso algum. Este artigo pretende, com uma abordagem filosófica sobre a questão, sugerir uma reflexão axiológica sobre Política e Direito, considerando o desenvolvimento da controvérsia da criminalidade política em torno do terrorismo, sob a perspectiva crítica do uso da violência política. Através de uma técnica de pesquisa bibliográfica, este trabalho aspira provocar uma discussão mais profunda a respeito do delineamento conceitual da noção de legitimidade e ilicitude da criminalidade violenta - com motivação e fins políticos - sobre a nociva sombra do que o terrorismo político, que mescla todos estes elementos, representa. Ambiguidades como, por exemplo, até onde indivíduos são transformados em criminosos políticos e quando estes passam a ser denominados terroristas, devem ser respondidas com urgência. Esse debate não deve ser evadido, pois é imprescindível, visto que essa discussão nos remete à motivação ideária da criminalidade política e do terrorismo, que é objeto de densa discussão e reflexão dos dias atuais. Até que ponto, sob as premissas axiológicas do Estado de Direito, vão as ações em defesa da segurança nacional, no combate ao terror e na própria repressão política em estado de exceção? Quais os meios legítimos de se resistir à perversão dos poderes oficiais, considerando o limite do permissível do uso da coação no combate ao poder institucional já desvirtuado? A necessidade de se suscitar essa discussão é reafirmada com o atual momento político na história do país, que será marcado por mobilização popular, fruto de uma angustiante indignação por mais liberdade de natureza social, econômica, política e civil. No outro lado do espectro, há o Estado, que, valendose dos projetos de lei que estão em curso no Congresso Nacional, tem tratado essa inssureição popular como uma espécie de ameaça, delineando um tom autoritário temerário à repressão policial dos protestos, comprometendo a consolidação da legitimidade da soberania popular e nossa tenra democracia.

4

Aquela que não se trata da criminalidade política pura, isto é, aquela que vulnera somente o direito do Estado, quanto que a criminalidade política relativa é aquela que vulnera, além do direito do Estado, também os direitos privados de indivíduos e difusos da coletividade. Durante todo o trabalho se discute a relação entre os elementos da conduta de criminalidade política relativa, com natureza violenta, e o terrorismo estritamente de motivação e finalidade política, daí a expressão terrorismo político. Conforme veremos, a extensão dessas semelhanças são um controverso pouco confrontado, que requer esclarecimentos da doutrina e um esforço de estudo por parte da academia.

4

1. AS RAÍZES HISTÓRICAS DO TERRORISMO POLÍTICO Um dos relatos mais antigos de crime político se deu, com certeza, no ano de 44 a.C. no que viria a ser um dos assassinatos mais famosos da história. Julius Cesar teria gritado “Mas isto é uma violência”5, quando agarrado e imobilizado pelos conspiradores. Passaram-lhe um estilete pelo pescoço, e logo depois se revezaram, esfaqueando-o várias vezes. Essa violência também pode ser considerada um dos mais remotos relatos de um ato terrorista. Foi um crime violento cometido com motivação e finalidade estritas ao interesse político, que, à época, os romanos nomeavam de perduellio. Naquele tempo, não havia distinção alguma entre o terrorismo e a criminalidade política, pois ambas as coisas tinham uma só natureza. Considerava-se perduellio todo ato que atentasse contra o Estado ou a paz, e seu autor (perduellis), quando condenado, era executado publicamente. Este evento longínquo serve de um interessante retrato da relação entre a política e a violência ao longo da História. Os conspiradores que assassinaram Julius Cesar, no entanto, não foram condenados pela Lex Julia de Maiestatis, criada para punir os delitos contra o povo romano e sua segurança, incluindo: alta traição, sedição, deserção do exército, ataques criminosos contra magistrados e outros. Nem Cinna, nem Brutus, nem Cassius, nem Cimber e nenhum dos outros assassinos foram considerados perduellis, mesmo havendo se insurgido contra o próprio legislador daquela lei. Antes, foram considerados salvadores da república romana. A eficácia da lei dependia das relações políticas, o Senado naquele tempo, composto pela aristocracia republicana romana, enxergava os ditadores freqüentemente assassinados como ditadores demagogos, que ameaçavam a república e que queriam restaurar a monarquia. Como resultado, os assassinos de Cesar foram anistiados, de modo a selar a composição política, embora, nenhum destes conspiradores tivesse vivido por muito tempo, justamente pelo fato de que, curiosamente, todos tivessem morrido por causas não-naturais. Este episódio não foi isolado na história romana, mas a prática de assassinatos políticos em conspirações clandestinas, ou como políticas oficiais, é um indicador habitual das alternâncias de poder em Roma. O episódio do assassinato de Julius Cesar serve de baliza para investigarmos a relação entre o terrorismo e a criminalidade política que instrumentaliza a violência, visto que nessa fonte histórica estamos muitos mais próximos da origem incógnita que mesclou os elementos da ilicitude política e da violência do que no nosso momento atual. Após séculos de flertes entre esses elementos, a própria noção distinta entre as coisas se confunde em nuance paradoxal na qual a lógica foge do raciocínio. É interessante notarmos como a conveniência política transformou os terroristas romanos de um momento, nos criminosos políticos de outro. A controvérsia reside precariamente sobre o pressuposto de que alguns meios violentos são justificados por seus fins, mas o mesmo pressuposto não determina qualquer parâmetro a respeito C. Suetonius Tranquillus. De vita Caesarum, Stuttgart: Philipp Reclam jun., p. 108. Plutarch. Alexander – Caesar, Stuttgart: Philipp Reclam jun, pp. 187-189. In: BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Crime político e terrorismo: alguns aspectos. Revista Espaço Acadêmico, Maringá. Ano II – Nº 21 – Fevereiro/2003. Disponível na Internet:< http://www.espacoacademico.com.br/021/21bandeira.htm> 5

5

do excesso, este que quando ocorre se desenvolve como um terrorismo de motivação e finalidade política: o terrorismo político. É interessante ainda, na história da ocupação romana da Judéia, relembrar dos sicarii6 judeus, que adotaram táticas de guerra irregular, aterrorizando a vida pública das tropas invasoras, promovendo o medo com assassinatos à luz do dia em meio à multidão, ataques às guarnições romanas e até mesmo aos rivais de seu próprio povo que promoviam os interesses romanos entre os judeus. Na medida em que o jugo de Roma aviltava, estes zelotes, no ano 48 a.C., realizaram uma campanha de insurreição, mediante métodos terroristas de assassinatos de legionários romanos e de judeus colaboradores, infiltrando-se nas cidades e apunhalando-os com a sica, uma adaga curva, ou seqüestrando membros da guarda do Templo para pedir resgate e até mesmo usando de envenenamento coletivo. Jesus Cristo, por exemplo, acusado de pertencer a esse movimento, foi condenado à morte na cruz, forma usada pelos romanos para executar os rebeldes. Tudo isso indica que teria sido acusado de crime de perduellio, isto é, sedição contra Roma, species atrocíssima criminis laesa majestatis7. Com estas referências históricas sobre o Direito Penal Romano, podemos notar que tanto a criminalidade política como o terrorismo tem sua origem no sistema romano-germânico no crime de perduellio, que unia em uma só espécie tanto os crimes violentos quanto os sem vítima que envolvia fins e motivações na política. O Império Romano se enfraqueceu e se dividiu. Roma caiu primeiro, mas, em Constantinopla, a tradição da alternância do poder por meio da intervenção das adagas, continuou mesmo após o advento da adoção oficial do Cristianismo. Com o fim do Império Romano e o começo da Era Feudal da Idade Média, as práticas de crimes políticos contra os soberanos se multiplicaram. Na Inglaterra, entre os anos de 946-1016, três reis foram assassinados: Edmund I, Edward e Edmund II, sendo que este último segurou o cetro por apenas sete meses, antes que o assassinassem. O perduellio se tornou o lesa-majestade, e acompanhou o desenvolvimento tecnológico, introduzindo, além das lâminas e venenos, o fogo, nos novos instrumentos dos terroristas políticos. No ano de 1758, Dom José I, rei de Portugal, sofreu um atentado a bala, do qual escapou seriamente ferido. Em 1775 foi o turno de Luiz XV, rei da França, sobreviver à um atentado. O tratamento dado aos conspiradores, nos dois casos, correspondeu aos costumes da época: eles foram torturados antes de morrer. A esfera de esfacelamento do poder político centralizado dos Impérios em vários principados individuais gerou um enorme fomento do terror 6

DEGENSZAJN, André Raichelis. Terrorismos e Terroristas, 2005. In: GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. O Terrorismo, A luta contra o Terror e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2008. 291 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2008, p. 37. 7 No Evangelho de Lucas, capitulo 23:1-3, se registra que a acusação contra Jesus apresentada à Pônico Pilatos, procurador do Imperador Romano na Judéia, era de que ele proclamou-se o Messias, Rei dos Judeus, e defendeu o não pagamento de tributo ao Cesar. Jesus, segundo o relato bíblico, foi inicialmente acusado por judeus de violar as leis do judaísmo, contudo o Sínodo, tribunal máximo da nação judaica naquela época não encontrou nele culpa alguma segundo as leis judaicas, não podendo sofrer a pena capital de apredejamento, tendo havido isso, eles procuraram incriminá-lo diante das autoridades romanas, sendo dessa forma, condenado como traidor do Império, segundo as leis romanas, por morte de cruz.

6

individual, que por conseqüência funesta, acabou por desencadear a reação do terrorismo de Estado. O historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira conclui que “Quer fossem de indivíduos ou de massas, quer fossem contra o Estado quer fossem impetrados pelo Estado, o terror constituiu sempre um elemento essencial em todas as conspirações e em todas as revoltas”8. Mas o termo terrorismo, com sua conotação moderna, foi reconhecidamente empregado pela primeira vez para descrever a Revolução Francesa9, no período compreendido entre setembro de 1793 e julho de 1794, quando Robespierre, ao liderar os revolucionários, utilizou abertamente, sem nenhum pudor, a violência, de modo aterrador pelo país. Seus métodos podem ser considerados como modos perversos de propaganda e guerra psicológica, cujos objetivos eram a intimidação dos reacionários e a consolidação da Revolução, meios que se orientavam a fins objetivamente políticos. É interessante aqui observar que a moderna concepção da palavra terrorismo não surgiu clandestinamente, mas dentro do aparelhamento estatal, como políticas oficiais. É irrefutável que desde sempre, o emprego perverso e desnecessário da violência apenas para propagandear ou promover o status de uma ideologia de qualquer natureza com o fim de dissuadir qualquer oposição militar ou política é justamente denominado de "terrorismo". É, portanto, a tentativa de persuasão de grupos adversários a fim de cedê-los à sua disposição ideológica através do medo. Pode-se afirmar, então, que os métodos terroristas são essencialmente políticos, mas não têm afiliação ideológica, nem partidária, são universais e foram compartilhados pelos mais divergentes grupos, desde os mais ferrenhos religiosos fanáticos aos mais céticos ideólogos radicais. Ressurgindo ao serviço da imposição de novas ideologias, o terrorismo político seguiu como instrumento no mundo após a Revolução Industrial. Diversos movimentos políticos na Europa do século XIX elegeram métodos violentos como instrumentos preferenciais para combater os Estados nacionais. Isso inclui os grupos anarco-socialistas, por entenderem ser determinante o uso da violência para o sucesso político dessa forma de ação, mas é importante frisar que Karl Marx e Friedrich Engels se opuseram fortemente a essa alternativa na I Internacional. Os crimes políticos de desobediência civil e de violência contra a propriedade se misturavam com outros mais violentos, indiferentes ou dirigidos contra pessoas inocentes, que incluíam bombardeios, incêndios criminosos e ataques de milícias. Após o massacre da Comuna de Paris em 1871, alguns grupos anarquistas começaram a usar abertamente os métodos terroristas como forma de vingança àquele ato, inerentemente também terrorista, promovido pelo Estado Francês. Tais práticas realmente foram disseminadas e propagadas não só pelos movimentos anarquistas, mas principalmente pelos movimentos nacionalistas, assim, consequentemente, valeram-se do uso freqüente de bombardeios, assassinatos políticos, principalmente regicídios e tiranicídios. 8

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. op. Cit. LAQUEUR, Walter. Reflexões Sobre o Terrorismo. 1987. In: MARTINS, Raúl François Carneiro. Acerca de “terrorismo” e de “terrorismos”. Instituto de Defesa Nacional, Lisboa, Novembro de 2010. Nº 1, p. 10. 9

7

O assassinato por bombardeamento em 13 de Março de 1881 de Alexandre II da Rússia, por exemplo, iniciou um processo de banalização da violência política no país. Os crimes políticos se disseminaram pelo continente europeu e em Julho de 1900, Umberto I da Itália, foi assassinado com três disparos. No Império Russo, o século XX iniciou-se com assassinatos de diversos ministros de Estado, sendo o maior deles o primeiro-ministro Pyotr Stolypin, morto por um radical. Também se tratando de um assassinato político, em 28 de junho de 1914, foi morto o Arquiduque Franz Ferdinand da Áustria, herdeiro do trono austro-húngaro, e sua esposa, Sophie, duquesa de Hohenberg, ambos mortos a tiros em Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina, por Gavrilo Princip. Estes últimos assassinatos produziram tamanho choque generalizado na Europa, que engatilharam uma série de eventos que culminaram na Primeira Guerra Mundial. O terrorismo que agora foi instrumentalizado nos movimentos étnico-nacionalistas separatistas se proliferou também ultramar, em especial nas colônias britânicas, particularmente na Irlanda, com o Exército Republicano Irlandês, nos territórios do mandato britânico do Egito, com a Irmandade Muçulmana, e na Palestina, com os grupos sionistas, Lehi, Irgun e Hagganah, todos adotando as táticas de assassinatos e bombardeamentos. A expressão desse tipo de violência nesse período foi tão presente e combatida que resultou nos primeiros esforços internacionais em criar legislações que objetivavam refrear a propagação das organizações terroristas clandestinas. Por ocasião dos assassinatos do Rei Alexandre I da Iugoslávia e Louis Barthou, Ministro francês para Assuntos Estrangeiros, no dia 9 de outubro de 1934, por um búlgaro na Marselha, iniciou-se, naquele mesmo ano, uma campanha para levar o problema dos crimes políticos à Liga das Nações, o que ocorreu em 8 de dezembro de 1934, onde Pierre Laval, Presidente do Conselho Francês declarou: É toda uma regulamentação internacional nova que deve se interpor. É necessário que, no plano internacional, seja assegurada uma repressão eficaz dos crimes políticos. Meu governo coloca, desde já, o princípio perante o Conselho, e se reserva a lhes submeter, deste modo, proposições concretas. A Sociedade das Nações deve se engajar nesta via (...). A sanção de uma regulamentação internacional deve ser uma das conclusões desse debate10.

A iniciativa francesa serviu de base para a elaboração, por parte de um Comitê para Repressão Internacional ao Terrorismo, de dois projetos de Convenção. Um deles, adotado em 16 de Novembro de 1937 em Genebra, no entanto, não obteve o número mínimo de ratificações. Contudo, objetivando iniciar essa investigação, façamos referência ao batismo jurídico do termo terrorismo, que provavelmente deve ter ocorrido na Conferência para Unificação do Direito Penal em Bruxelas, no ano de 1930, definido da seguinte forma:

10

Journal Officiel de la Société des Nations, 1934, p. 1731. In: GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. op. Cit. p. 38.

8

O emprego intencional e sistemático de meios capazes de provocar terror junto aos detentores do poder, ao próprio governo ou, mesmo simplesmente, a uma administração pública e até dirigentes empresariais.11

Esta definição, apesar de não apresentar qualquer elemento constituinte para formação de um verdadeiro delito, e nem sirva a qualquer propósito de aproximar-nos de uma solução a respeito da conceituação jurídica de terrorismo, segundo o princípio da legalidade, nos oferece um importante marco para demonstrarmos novamente a conveniência política neste assunto. É certo afirmar que, essa definição, enquanto apresenta uma clientela ampla, nebulosa e incerta, por outro lado apresenta claramente a quem a mesma objetivava proteger, envolta de todo o discurso de apologia ao estatamento que acompanhou aqueles debates. Por fim, instituíram um amplo espectro de grupos na categoria de terroristas, encaixando a todos num reducionismo perverso, denominando-os opositores de regimes democráticos legítimos. Contudo, ignorou-se totalmente as práticas terroristas governamentais, que naquela mesma década com o nazismo na Alemanha, e a soviética, na Rússia, se proliferariam como nunca antes na História. Houve um hiato de 33 anos, até que a luta contra o terrorismo voltasse a entrar em pauta no cenário internacional. Foi necessária uma resposta ao número de seqüestros aéreos que ocorreram na década de 70, o que gerou a aprovação de inúmeras convenções internacionais que abordaram o terrorismo. Mas, pode-se afirmar que, tomando o número de vítimas, a despeito da proliferação de organizações transnacionais que usam de métodos terroristas, o século XX foi o século do terrorismo de Estado. Trata-se por sua vez de um dos mais perversos períodos que a humanidade já experimentou, pois na história da civilização, considerando todas as proporções, jamais se matou tanto em defesa da manutenção de sistemas ideológicos. Nunca antes o maquiavelismo foi tão notável como um axioma da conveniência política no uso da repressão. Foi neste século, como em nenhum outro, que ficou bem claro que o terrorismo político não tem identidade, nem ideologia, não se resume aos grupos clandestinos, mas também estão ligados aos crimes de Estado. É portanto necessário referir-se, pelo menos, à Stalin, Pol Pot, Mao Tse Tung, Hitler e Mussolini, que praticaram políticas de Estado de assédio à minorias e adversários políticos, usando de métodos terroristas em escala industrial, conduzindo-os a praticar crimes de genocídio que somente seriam possíveis com o uso criminoso da máquina estatal. Conforme vimos neste breve relato, cujo teor aspira apenas por ser demonstrativo, o terrorismo, seja de Estado ou de indivíduos, também se manifesta com um elemento político composto a um elemento de violência, que durante a história o considerou diversas vezes como crime político. Nesse tipo de terrorismo, é no elemento político que reside a motivação e a 11

LEVASSEUR, Georges. Terrorisme International. Paris: Pedone, 1976, p. 77. In: LEAL, João José. Crimes Hediondos: Aspectos Político-Jurídicos da Lei nº 8072/90. São Paulo: Editora Atlas, 1996, p. 37.

9

finalidade, de onde se principia e o que se pretende atingir com o comportamento terrorista, que, em sua conduta criminosa, permeia-se de vontade política do início ao fim. A política constitui a base racional com a qual o terrorista político justifica seus próprios atos, e o axioma que lhe faz crer que estes atos são coerentes é que sua cosmovisão política é em si capaz de escusá-lo. Considerando a ambivalência da manifestação da ameaça terrorista, não podemos simplesmente nos aparar de mecanismos legais de defesa apenas da ameaça difusa das composições terroristas privadas clandestinas, representadas pelos grupos inconformados da sociedade global, mas, mormente, também, da ameaça latente advinda dos sistemas institucionais dos Estados. Estes podem a qualquer tempo, voltarem-se contra seus papéis valorativos legítimos e utilizar o terror de Estado, que se manifesta à margem, aproveitando-se do sentimento paralisante, tolerante e permissivo que costuma acompanhar uma sociedade amedrontada. 2. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O TRATAMENTO ATÍPICO DO TERRORISMO POLÍTICO 2.1. O controverso status constitucional do terrorismo político no Brasil O crime de terrorismo é praticamente atípico no Brasil, ou seja, não há previsão legal válida, e por isso o Brasil sofre uma grande pressão interna e principalmente internacional para tipificar e definir o que é terrorismo para efeitos penais. Essa pressão é o fator motivador que nos fez retificar diversas convenções internacionais, o que levou o terrorismo a sofrer uma repugnância absoluta, legalmente presumida no nosso ordenamento jurídico, sofrendo repúdio e simultaneamente, o status de hediondez, constitucionalmente. Contudo, veremos que até hoje há uma grande omissão legislativa no que se refere a este assunto, por falta da mandatória tipificação, que só pode ser explicada pela inércia e a falta de interesse político. Por culpa disso, não há previsão legal para uma espécie de terrorismo que contenha elementos da criminalidade política relativa. Leal (1996, p. 10) pontua que durante a Assembléia Nacional Constituinte houve um cisma entre os parlamentares progressistas e conservadores. Entre os progressistas, se defendia inserir no texto da Carta Magna um dispositivo que expressamente assegurasse a punição a todos aqueles que viessem organizar-se com ações armadas ou práticas sistemáticas de repressão, utilizando ou não de tortura, atentando contra a ordem político-jurídica constitucional. Por outro lado, entre os conservadores, se defendia maior severidade na punição de crimes graves, e ansiaram por prescrever na Lei Maior uma reação penal mais retribuitiva e rigorosa contra quem cometesse atos classificados como terrorismo, por exemplo. Destas duas tendências que se anularam, surgiram os dispositivos constitucionais do Art. 4º e 5º, que abordam a temática do terrorismo e da criminalidade política.

10

A Constituição Federal do Brasil de 1988 determina como princípios que regem as relações internacionais da República no seu Art. 4º, entre outras coisas, a prevalência dos direitos humanos (II), autodeterminação dos povos (III), solução pacífica dos conflitos (VII), repúdio ao terrorismo e ao racismo (VIII) e a concessão de asilo político (X). Já no Art. 5º, XLIII, a Constituição Federal determina que a lei considere crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia o terrorismo, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitálos, se omitirem, mas simultaneamente determina, logo após, no inciso LII, que não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião. Com essas orientações constitucionais podemos notar o resultado de que nossa Constituição acabou por não desposar qualquer doutrina a respeito da classificação e caracterização nem dos delitos de índole política e nem dos de índole terrorista, deixando tal definição em aberto. O sistema constitucional claramente impõe uma interpretação que faça distinção entre a criminalidade política e o terrorismo, distinção essa que veremos, contém certo aspecto controverso, no que tange a extensão das dessemelhanças, mais precisamente, se o terrorismo é ou não é expressão da criminalidade política. Podemos fazer aqui referência à extradição nº 855/STF de 2004, que justifica o importante interesse em distinguir o crime político do terrorismo: Para aquele [o terrorismo] há o repúdio com a máxima imposição penal, no âmbito interno. Noutro giro, há tratamento benigno dispensado ao autor de crimes políticos ou de opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção que o faça imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente, se se tiver em consideração a revelantissima circunstância de que a Assembléia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos revestidos de índole terrorista, a estes reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade política. (EXT 855/STF, 2004)

Ao colocar em paridade cada um destes princípios do Art. 4º e as determinações subseqüentes no Art. 5º, a Constituição Federal não deixou muita liberdade à definição de terrorismo e crime político, dando poucas alternativas ao legislador além do que tange a se terrorismo assemelha em gênero ou em espécie à criminalidade política. Portanto, essa mesma Constituição não deu dicas para os legisladores de como solucionar esse aparente dilema. É deste modo, para principiar o verdadeiro pesadelo hermenêutico para o interprete da lei, que o ordenamento jurídico brasileiro tenta solucionar a controvérsia do terrorismo como uma espécie da criminalidade política. A polêmica da questão é o fato de a Constituição Federal repudiar os atos de terrorismo e conferir privilégio para os crimes políticos. Essa aparente pressuposição constitucional geraria um enorme desafio, que obrigaria, de alguma forma, a conciliação de tal suposição com o raciocínio lógico, ocorrendo que isso só é possível negando a finalidade política inerente ao terrorismo, e negar essa natureza, é negar à futura lei uma função no mundo real.

11

Ao supormos que o terrorismo não é parte da criminalidade política, negamos ao fenômeno do terrorismo todas as semelhanças que mantém com os crimes políticos, imergindo a figura de uma conduta na margem cinzenta da disputa, que representa, mormente, quase toda expressão dos crimes de caráter terrorista na história. Essa figura é o terrorismo político, aquele delito que em seu aspecto subjetivo é praticado em todo ou em parte motivado politicamente, e em seu aspecto objetivo atinge direta ou indiretamente, intencionalmente também, os bens jurídicos próprios da organização política, social e econômica de um Estado, mas em que o agente se utiliza de métodos reconhecidamente considerados terroristas para atingir tais fins, que sejam formas de emprego de violência de modo espetacular que causem amplo dano físico e psicológico, alcançando também a outros bens jurídicos que não sejam aqueles próprios da criminalidade política, de modo indiferente ou até propositadamente, e neste caso, lesionando um amplo espectro de interesses coletivos e individuais. Nessa consideração, imaginemos hipoteticamente uma questão de pedido de extradição de um estrangeiro, que, no seu país, esteja sendo perseguido inicialmente por suas opiniões políticas, sendo obrigado pelas circunstâncias a adotar a clandestinidade. Ele, mais tarde, envolveu-se em crimes comuns conexos à manutenção de seu status clandestino, sendo que há poucos dias fugiu para o Brasil buscando um asilo diplomático ainda não concedido, e, logo mais tarde, fosse apurado no seu país que este mesmo cidadão participou de um atentando à bomba em local público, por exemplo, uma Embaixada de país apoiador da repressão aos dissidentes políticos, onde havia grande circulação de pessoas todos os dias buscando autorização para viagem. O ataque foi premeditado por uma organização política clandestina, um antigo partido que entrou em luta armada contra o regime atual de governo, que o assumiu publicamente como ato de vingança pela morte de um dos membros. O país que requer a extradição apresenta um pedido bem elaborado com larga documentação probatória de uma investigação criminal proba e íntegra o relacionando entre os mandantes e também executores e demonstrando que a ação do extraditando foi deliberada e indiferente, já que planejou o ataque em um horário de pico. Imagine que tivéssemos até como aferir objetivamente sobre o histórico positivo do agente por dados fáticos, a respeito de seu ativismo e sua militância política verdadeira, que em determinado tempo a organização que ele fundou era uma organização política, mas que evoluiu para uma organização armada contra o Estado. Posteriormente, percebendo que uma opção de guerrilha aberta era inviável, principalmente por falta de adesão popular, continuou a escalada de violência de modo controverso. Tudo corrobora para informações suficientes para um asilo diplomático, o que o torna um criminoso político, como tudo corrobora para igualmente o interpretar como terrorista, sendo obrigação o extraditar. Agora, imaginemos que o mesmo estrangeiro praticou métodos terroristas não por uma vez, mas há 22 anos habitualmente, sem nunca ter alterado em nada seu comportamento político, nem a natureza de suas demandas. A ação do tempo elevou o número plausível de vítimas substancialmente, bem como tornou mais nítido o aspecto violento do individuo e de sua associação, mas o mesmo dilema pesa ao julgador, pois o tempo não separou os elementos combinados do mesmo comportamento... Note que apenas com os critérios

12

oferecidos não poderíamos tecnicamente separar a eventual natureza da conduta, se propriamente terrorista ou da criminalidade política, de modo que o agente responsável pela elaboração e consecução dos planos não deveria ser tratado de modo diferente de um criminoso político, tendo em vista o principio da dubiedade em favor do réu, ainda que houvesse flagrante o comportamento terrorista em sua última conduta ou nos últimos vinte dois anos de sua vida, pois não há nada objetivamente nos dizendo quando um comportamento considerado de criminalidade política se torna terrorista. O aparente paradoxo hermenêutico, no entanto, só subsiste na suposição de que o terrorismo não é uma expressão da criminalidade política. Se assim o fosse, conseqüentemente, assumiríamos, sem contradição com a Constituição Federal, que todo o status privilegiado do criminoso político no nosso ordenamento seria privado excepcionalmente aos criminosos políticos que utilizassem de métodos terroristas, ou seja, um conjunto de condutas previamente tipificadas que descaracterizariam a validade da concessão de anistia ou graça, e o asilo político, no caso do estrangeiro, de forma que o paradoxo fosse resolvido. Ao se manter o pensamento de que terrorismo e criminalidade política não se confundem “porque não devem” se mergulha a controvérsia numa discussão subjetiva e politizada, e não numa discussão técnico-jurídica à qual se deve esperar de uma questão tão importante para nosso ordenamento, por tratar-se de princípios orientadores de nossa República; ao se debater hoje o que foi preponderante, a essência política da motivação ou a essência terrorista dos meios utilizados pelo agente, arriscamos a eventualmente, segundo o oportunismo e conveniência, conceder status de perseguido político à quem utilizou-se de métodos terroristas que ferem abertamente outros princípios. As condutas da criminalidade terrorista e as condutas da criminalidade política, no que tange ao uso da violência como um instrumento, desenvolve perigosas semelhanças que podem afastar injustamente a remissão do legítimo suplicante e conceder anistia e graça à barbárie do outro. Toda essa vacância normativa e essa impassibilidade doutrinária é uma arriscada brecha para que se cometam injustiças assoladoras, em especial, nos casos de extradição ou asilo político de um estrangeiro. 2.2. O princípio da legalidade e o terrorismo no Brasil Inicialmente, sabemos que não há crime sem lei anterior que o defina - como versa o princípio da legalidade e está definido no Art. 5º, XXXIX: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem a prévia cominação legal.

13

O princípio da legalidade traz implicitamente consigo quatro funções fundamentais, são estes conhecidos por suas expressões latinas12: a) nullum crimen nulla poena sine lege praevia – que proíbe a retroatividade da lei penal; b) nullum crimen nulla poena sine lege scripta – que proíbe a criação de crimes e penas pelos costumes; c) nullum crimen nulla poena sine lege stricta – que proíbe o emprego de analogia para criar condutas criminosas, ou mesmo fundamentar ou agravar as penas; d) nullum crimen nulla poena sine lege certa – que proíbe incriminação vaga e indeterminada. Em apoio a isso, a CF/88, no mesmo artigo 5º, endossa no inciso XL que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Consideremos, pois a reserva legal em respeito a lex certa. Tal princípio determina que na norma primária do tipo penal incriminador haja uma definição precisa da conduta a ser proibida ou ser obrigada, vedando a criação de tipos que contenham conceitos vagos e imprecisos. Isto é, requer que a lei seja taxativa. Exige-se do Poder Legislativo a máxima determinação dos elementos constitutivos daquela conduta, de modo que, a interpretação do Poder Judiciário seja por sua vez restritiva. Como observa Rogério Greco: O agente tem de saber exatamente qual a conduta que está proibido de praticar, não devendo ficar, assim, nas mãos do intérprete, que dependendo do momento político pode, ao seu talante, alargar a sua exegese, de modo a abarcar todas as condutas que sejam de seu exclusivo interesse, como já aconteceu na história do Direito Penal no período da Alemanha nazista, da Itália fascista, e na União Sovietica, logo após a Revolução bolchevique13.

Observa-se que o Estado de Direito e o princípio da legalidade são dois conceitos intimamente relacionados, pois no verdadeiro governo das leis, criado com a função de limitar o poder absoluto das mãos de um soberano, exige-se a submissão de todos às leis. O regime de direito é aquele em que a atividade estatal deve apenas desenvolver-se dentro da instrumentalidade da ordem jurídica que serve objetiva e primariamente para salvaguardar os cidadãos do abuso institucional do Estado. Neste tema assim leciona Paulo Bonavides: O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível por parte dos governantes. Tinha-se em vista alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a intranqüilidade, a desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado

12

Rogério Greco diz-nos que a fórmula latina do princípio da legalidade foi cunhada por Feuerbach, em sua obra Tratado de 1801, quanto que o seu desenvolvimento amplo nulluum crimen nula poena sine lege foi preconizada por Ferrajoli e chancelada por Nilo Batista, vide Direito Penal do Equilibrio: Uma visão minimalista do Direito Penal. 7ª Edição. Niterói: Editora Impetus, 2014, p. 142-143. 13 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral: Volume 1. 16ª Edição. Niterói: Editora Impetus, 2014, p. 101.

14

de uma vontade pessoal soberana ou se reputa legibus solutus e onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente elaboradas nem reconhecidas14.

Mirabete, a respeito do tema da reserva legal, bem observa que: Pelo princípio da legalidade alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere como crime. Ainda que o fato seja imoral, antissocial ou danoso, não haverá possibilidade de se punir o autor, sendo irrelevante a circunstância de entrar em vigo, posteriormente, uma lei que o preveja como crime.15

Conforme leciona Mirabete (2013, p. 121), os crimes políticos no ordenamento jurídico brasileiro são aqueles que lesam ou põe em perigo a própria segurança interna ou externa do Estado. Conforme o art. 1º da Lei de Segurança Nacional de 1983, crime político é todo aquele que expõe ao perigo de lesão: a integridade territorial e a soberania nacional (I); o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito (II); a pessoa dos chefes dos Poderes da União (III), distinguindo-se dos crimes comuns pelo dolo do agente, sua motivação e finalidade, e pela lesão real ou potencial a estes bens enunciados (art. 2º), isto mescla um critério objetivo e subjetivo, que considera a natureza do interesse jurídico e também a intenção do sujeito ativo do crime. Conforme ainda doutrina Mirabete, se distinguem em espécie, dois tipos de crimes políticos. Puros ou próprios seriam aqueles que têm por objeto jurídico apenas a ordem política, sem que sejam atingidos bens ou interesses jurídicos de outra natureza que não a do Estado. Para o doutrinador, refere-se aos definidos nos art. 8º, 10, 13, 22, 24 e etc. Por sua vez, crimes políticos impróprios ou relativos seriam aqueles que expõem a perigo ou lesam também bens jurídicos individuais ou outros que não a segurança do Estado, isto é para ele, os arts. 15, 18, 20, 26, 27, 28, 29, etc, trazendo um exemplo em lei extravagante o crime de genocídio (Lei Nº 2.889/56). Segundo o conceito discernido por este doutrinador, os atos de terrorismo, como tipificado no art. 20 da LSN, assim seriam considerados como crime político impróprio ou relativo, é importante percebemos isto conforme veremos, já que implica em diversas considerações a respeito do ordenamento jurídico. Por outro lado, João José Leal (1996, p. 37), tenta separar o comportamento terrorista em três classificações distintas, para ele podemos considerar três formas: terrorismo político ou rebelde, terrorismo individual ou anarquista e terrorismo de Estado. Entende o autor que apenas 14

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, p. 112. In: GRECO, Rogério. op. Cit, p. 97. MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral, arts. 1º e 120 do CP. 29ª Edição. São Paulo: Atlas, 2013, p. 39-40. 15

15

os terrorismos de natureza intrinsecamente institucional, aquele que parte de cima para baixo, através de políticas em defesa do Estado, quanto o de natureza extrinsecamente institucional, aquele que parte de baixo para cima, através de políticas contra o Estado, são de natureza política, e mais que isso, Leal em sua classificação considera que o terrorismo individual ou anarquista, não sendo de natureza política, pois não integra qualquer movimento organizado em favor de mudanças institucionais, não tem compromisso formal com um plano revolucionário de tomada do poder. Data vênia o saber jurídico deste doutrinador, não se pode ignorar que a despeito de a ideologia anarquista não ter nenhuma orientação político-institucional, já que nega sua validade, ela é essencialmente política, pois a negação de certa política ainda constitui uma cosmovisão política. 2.3. A Lei de Segurança Nacional e sua norma em branco Consideremos agora a principal previsão legal no que tange ao terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro que advém da Lei Nº 7170 – de Segurança Nacional, que em uma única vez menciona “atos de terrorismo” no Art. 20, aqui se transcreve: Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.

A Lei aqui não define o que é atos de terrorismo, sendo assim, trata-se de uma norma penal em branco. Para João José Leal16, “a imprecisão e a amplitude desta expressão contraria a regra da objetividade jurídica, que exige a definição clara e precisa das ações constituidoras dos tipos penais”, e acrescenta: Não há dúvida de que, do ponto de vista da tipicidade objetiva, esta forma de ação delituosa pode ser vista como uma espécie de terrorismo (...), porém, no Direito Penal prevalece a regra da interpretação restritiva ou seja, se a Lei se refere ao ato de sabotagem, torna-se inadimissivel atribuir-lhe a marca jurídica do crime de terrorismo.

É curioso mesmo notar que a Lei Nº 7170 traz inúmeros artigos com tipos penais que poderiam utilitariamente, para conveniência do regime político daquele momento, servir a 16

LEAL, João José. Crimes Hediondos: Aspectos Político-Jurídicos da Lei nº 8072/90. São Paulo: Editora Atlas, 1996, p. 41.

16

definição do que são atos de terrorismo, contudo, o legislador por motivação ignorada, resolveu deixar intencionalmente o tipo penal aberto, que é explicado com o contexto político em que o Brasil se encontrava, pois se tratava de 1983, ainda nos anos de chumbo, de modo que o crime de terrorismo foi usado por diversas vezes para enquadrar condutas não previstas de agentes opositores ao regime. 2.4. A Convenção Interamericana Contra o Terrorismo Avaliando a precária condição da nossa legislação interna, o ordenamento jurídico brasileiro tem toda sua segurança institucional a respeito dessa ameaça, dependente, quase que exclusivamente, dos estatutos internacionais ratificados e que adentraram no nosso ordenamento jurídico. Cabe aqui, brevemente, comentar sobre a Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, assinada em Barbados, em 3 de junho de 2002. Essa convenção foi elaborada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), impulsionada pelos atentados terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos, que constatou a necessidade de assegurar um sistema interamericano de medidas eficazes para prevenir, punir e combater o terrorismo no continente, mediante uma ampla cooperação internacional, baseada em valores e princípios já consagrados na Declaração sobre a Segurança das Américas. A convenção trouxe regras úteis para nosso ordenamento jurídico brasileiro, ainda que não suficientes e nem tragam a melhor solução, por exemplo, em relação ao tema da distinção de crimes políticos e terrorismo em tópico de extradição, o Decreto Nº 5639/05, que promulgou a Convenção no Brasil, em seu artigo 11 define: Inaplicabilidade da exceção por delito político Para os propósitos da extradição ou assistência judiciária mútua, nenhum dos delitos estabelecidos nos instrumentos internacionais enumerados no Artigo 2 será considerado delito político ou delito conexo com um delito político ou um delito inspirado por motivos políticos. Por conseguinte, não se poderá negar um pedido de extradição ou de assistência judiciária mútua pela única razão de que se relaciona com um delito político ou com um delito conexo com um delito político ou um delito inspirado por motivos políticos.

Conforme se nota, a Convenção optou pela completa desconsideração dos elementos políticos de algumas condutas descritas nos instrumentos internacionais, referidos no Artigo 2 da própria Convenção. Assim, através disto, os países signatários ficam impedidos de invocar a motivação política sobre os delitos para negar o requerimento de extradição ou assistência judiciária mútua. O Artigo 2 da Convenção referido é este:

17

Instrumentos internacionais aplicáveis Para os propósitos desta Convenção, entende-se por “delito” aqueles estabelecidos nos instrumentos internacionais a seguir indicados: a) Convenção para a Repressão do Apoderamento Ilícito de Aeronaves, assinada na Haia em 16 de dezembro de 1970. b) Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, assinada em Montreal em 23 de dezembro de 1971. c) Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, Inclusive Agentes Diplomáticos, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 1973. d) Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 17 de dezembro de 1979. e) Convenção para a Porteção Física dos Materiais Nucleares, assinada em Viena em 3 de dezembro de 1980. f) Protocolo para Repressão de Atos Ilícitos de Violência nos Aeroportos que Prestem Serviços à Aviação Civil Internacional, complementar à Convenção para Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, assinado em Montreal em 24 de dezembro de 1988. g) Convenção para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima, feita em Roma em 10 de dezembro de 1988. h) Protocolo para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança das Plataformas Fixas Situadas na Plataforma Continental, feito em Roma em 10 de dezembro de 1988. i) Convenção Internacional para a Supressão de Atentados Terroristas a Bomba, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 15 de dezembro de 1997. j) Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 9 de dezembro de 1999.

O resultado pragmático da Convenção é que os atos de apoderamento de aeronave, crimes contra agentes diplomáticos, tomada de reféns, atentados à bomba, e outros, não são mais considerados para o ordenamento jurídico brasileiro, e para todos os signatários da Convenção Interamericana contra o Terrorismo, como crimes políticos, seja qual for a doutrina utilizada pela legislação nacional, sendo assim considerados atos de terrorismo. O mérito da proposta reside em contornar o controverso debate a respeito da natureza de condutas motivadas politicamente para despolitizar tais crimes tratados nesses diplomas internacionais, alcançando um consenso, contudo, devemos considerar que a Convenção não trouxe nada novo a respeito do tema da distinção da criminalidade política relativa violenta que flerta com os atos de terrorismo. A despolitização das condutas criminosas de motivação política, descritas nesse diploma internacional, não seria a melhor solução para nossa legislação interna, tendo em vista ser uma distinção ficta, serve somente ao propósito de criar um aparato mínimo de legalidade para tratar o terrorismo no país. Também é interessante notar que muitas outras condutas que podem ter índole terrorista não foram estabelecidas no roll da Convenção, o uso de

18

armas químicas e biológicas, a provocação de inundação e avalanche por sabotagem em instalações civis, e outros, que por fim, se encontram dispostos numa brecha legal. Gustavo Pamplona (2011, p. 162) observa que a Convenção adotou a idéia de nocrim. Ao desposar a tese de crime político como nocrim nas condutas que objetiva prevenir, a Convenção não permite a possibilidade de se invocar a dimensão política sobre aqueles crimes comuns. Enquanto a doutrina tradicional se esforça para apresentar a distinção entre crime político e terrorismo, o nocrim faz a separação extremada entre os institutos do delito político e do terrorista. Conforme notamos, essa idéia, que é a que mais bem se relaciona com nosso ordenamento constitucional – que por criar e não conceituar nenhum dos dois institutos deixa implícito que considera distintos e separados – tenta chegar a solução com a negação de uma composição entre os elementos políticos e os terroristas. Deste modo, o conhecimento do terrorismo político continua uma incógnita, já que é ignorado pela legislação. Assim, com a atual situação da nossa legislação, o ordenamento jurídico do Brasil não fornece nenhuma tipicidade válida para a criminalização do terrorismo político, e muito menos, equipa o Judiciário de qualquer base legal para distinguir a criminalidade política deste, privilegiada constitucionalmente, da criminalidade terrorista com motivação política, ao mesmo tempo, repudiada pelo texto constitucional. 3. A NOÇÃO ACADÊMICA DO TERRORISMO COMO CRIME POLÍTICO Na literatura estrangeira podemos facilmente achar estudos científicos com conceitos ou referências sobre terrorismo político nas áreas das ciências humanas, contudo no Direito a contribuição é escassa, não há muita doutrina desenvolvida em torno da matéria, e poucas das que existem são as que escolhem a via simplista e dogmática no vácuo das legislações locais. A despeito da prolífera produção de convenções e tratados internacionais que trata do assunto, quase nenhum tentou enfrentar o tópico com coragem de definir condutas associadas ao terrorismo político. Na ONU, por exemplo, veremos que boa parte do regramento que há, tenta de alguma forma desfazer os elementos entremesclados da criminalidade política e terrorista, de modo que entre o terrorismo e o crime político puro, emerge uma área cinzenta maior do que as definições dissociadas. Embora tal postura facilite o consenso, ela não traz avanço na controvérsia que realmente importa, pois como sabemos, é uma rara exceção encontrarmos na História qualquer conduta terrorista que não seja permeada por motivação ou finalidade política, mesmo quando consideramos os mais radicais terroristas religiosos do Oriente Médio, percebemos que estão motivados e buscando expandir o Estado da Sharia ou mesmo uma Teocracia Islâmica. Tal consideração nos faz ponderar que função há, ao final, legislar para terrorismos, que aparentemente só existem excepcionalmente.

19

Estão às vistas, porém, como perceptível e complexo, o estabelecimento de um alicerce conceitual a respeito do terrorismo. Estudos acadêmicos sobre o tema partem de pressupostos axiomáticos diversos, de substratos variados, o que dificulta a formação consensual de algum pensamento teórico, já que não houve qualquer sistematização neste sentido. Walter Laquer, historiador, prolífico autor de estudos no assunto, afirma, ceticamente: Muitos terrorismos existem, e suas características mudaram de forma com o tempo de país para país. O esforço de achar uma "teoria geral" do terrorismo, uma explicação geral das suas raízes, é uma fútil e equivocada empreitada. (...) O Terrorismo mudou ao transcorrer do tempo e também os terroristas, suas motivações e as causas do terrorismo17.

A Équipe de Recherche sur le Terrorisme et l'antiterrorisme, organização canadense orientada em estudar este fenômeno, em sua página eletrônica, num esforço que contribui para iniciar estudos neste assunto, por exemplo, fez uma relação de 51 definições de acadêmicos e centros de pesquisa, além de legislações, convenções e outros documentos, sobre o que seria terrorismo18. Mas, a fim de trazer um marco inicial, devemos trazer a referência de uma das mais notáveis contribuições a respeito do tema: a obra conjunta de Alex Peter Schmid e Albert J. Jongman nomeada de Political terrorism: a new guide to actors, authors, concepts, data bases, theories, and literature. Nesse livro, os autores elaboraram uma extensa pesquisa bibliográfica, numa consulta acadêmica acerca do problema conceitual a respeito deste tema, que levantou os elementos constitutivos do terrorismo em meio a várias definições encontradas em diversas fontes, no que por fim delibera que: Terrorismo é um método de inspirar aflição através da repetição de ações violentas, empregues (semi-)clandestinamente por indivíduo, grupo ou atores estatais, por motivações idiossincráticas, criminosas ou políticas, em que - em contraste com o assassinato - os alvos que a violência atinge diretamente não são os principais alvos. As vítimas humanas imediatas da violência são geralmente escolhidos aleatoriamente (alvos de oportunidade) ou seletivamente (alvos representativos ou simbólicos) de uma população-alvo, e servem como geradores de mensagens. O processo de comunicação baseado na ameaça e violência entre terrorista (organização), as vítimas (em perigo), e os alvos principais, são usadas para manipular o alvo principal (audiência), transformando-o em um alvo de terror, um alvo de demandas, ou um alvo de atenção, dependendo se o verdadeiro objetivo for intimidação, coerção ou propaganda19. 17

LAQUEUR, Walter. No End to War: terrorism in twenty-first century. New York: Continuum, 2003. In: POLETTO, Ricardo dos Santos. Terrorismo e Contra-Terrorismo na América do Sul: As Políticas de Segurança de Argentina, Colômbia e Peru. 2009. 217 f. Tese (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília. 2009, p 26. 18 Para consultar a relação, que está em diversos idiomas, o endereço da página eletrônica < http://www.ertatcrg.org/analyses/definitions.htm> (acesso em 24/05/2014). 19 No original: “Terrorism is an anxiety-inspiring method of repeated violent action, employed by (semi-) clandestine

20

Durante o estudo de Schmid & Jongman eles apresentam tabelas ilustrativas em que apontam os elementos conceituais e a freqüência com que foram usados nestas definições, e notamos que logo abaixo da “Violência, uso da força” (83,5%) o que segue é “Política” (65%). Outra tentativa de conceituação bastante relevante é trazida por Antonio Cassesse20, baseando-se numa pesquisa bibliográfica em definições constantes em legislações internas e nas Resoluções emanadas da Assembléia Geral das Nações Unidas: (...) qualquer ato violento contra pessoas inocentes com a intenção de forçar um Estado, ou qualquer outro sujeito internacional, para seguir uma linha de conduta que, de outro modo, não seguiria, é um ato de terrorismo.

Ricardo dos Santos Poletto21 (2009, p. 28) na sua dissertação sobre o tema Terrorismo e Contra-Terrorismo na América do Sul: As Políticas de Segurança de Argentina, Colômbia e Peru, propõe um conceito mais simples e conservador: Uso – ou ameaça de uso – premeditado de violência ou brutalidade espetacular e indiscriminada para consecução de um objetivo político, por meio da intimidação ou produção de medo dirigido para uma audiência maior que suas vitimas diretas.

Esses conceitos se somariam a muitos outros, mas podemos discernir que parte da controvérsia repousa quase pacificada sobre a idéia de que o terrorismo é o uso de certos meios cruéis, que envolvem o uso gratuito, desproporcional e extremado da violência contra vítimas simbólicas, representativas ou de oportunidade, para atingir certos fins políticos, através da intimidação gerada por esses atentados, coagindo e atingindo indiretamente outro grupo alvo, a quem se busca realmente interpelar, com suas demandas. Assim, o terrorismo se caracteriza como individual, group or state actors, for idiosyncratic, criminal or political reasons, whereby - in contrast to assassination - the direct targets of violence are not the main targets. The immediate human victims of violence are generally chosen randomly (targets of opportunity) or selectively (representative or symbolic targets) from a target population, and serve as message generators. Threat- and violence-based communication processes between terrorist (organization), (imperilled) victims, and main targets are used to manipulate the main target (audience(s)), turning it into a target of terror, a target of demands, or a target of attention, depending on whether intimidation, coercion, or propaganda is primarily sought”. SHMID, Alex Peter; JONGMAN, Albert J. Political terrorism: a new guide to actors, authors, concepts, data bases, theories, and literature. Amsterdam: North Holland, Transaction Books, 1988. (p. 28). In: POLETTO, Ricardo dos Santos. Terrorismo e Contra-Terrorismo na América do Sul: As Políticas de Segurança de Argentina, Colômbia e Peru. 2009. 217 f. Tese (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília. 2009, p. 28. 20 CASSESSE, Antonio. Terrorism, Politics and Law: The Achille Lauro Affair. Princeton University Press, Princeton, New Jersey, 1990, p. 6. In: ibidem. 21 Poletto considera que, embora a pesquisa seja válida para apontar os elementos conceituais mais recorrentes ee reunir um mínimo de convergência no debate acadêmico, não serve para um estudo prático. Concordamos que a conceituação é extremamente relevante para o estudo teórico, mas ainda não é própria para desenvolvermos um núcleo para um tipo penal, ou mesmo para orientar políticas públicas de combate ao terrorismo.

21

um extremismo de meios (POLETTO, p. 30). É desse modo que reconhecemos que o fenômeno do terrorismo é essencialmente um comportamento motivado por cunho ideológico-político que se legitima por um discurso de justificação também político, que usa meios ilícitos extremos para atingir qualquer finalidade que, conseqüentemente, também é política. Neste sentido, também entendeu Heleno Cláudio Fragoso: O terrorismo é fenômeno essencialmente político. Ele constitui agressão à ordem política social, pretendendo atingir os órgãos supremos do Estado (atentados aos governantes e a quem exerça autoridade) ou provocar a desordem social, dirigindo-se contra a ordem estabelecida, para tornar, como dizem os ativistas da Prima Linea o sistema inviável (FRAGOSO, 1981, p. 124)

Fragoso notou que primariamente a finalidade do agir na conduta terrorista não permite a noção de uma criminalidade comum, pois se trata de buscar um resultado que caracteriza um fato político, isto é, o sentido que reveste a conduta praticada mediante atos de violência para os terroristas é o de dirigir-se contra a ordem política e social, para destruí-la ou para mudá-la. Assim, Fragoso também entende que o terrorismo não é senão espécie do gênero da criminalidade política, no que sustenta por fim que seria impróprio tratar o terrorismo como completamente dissociado da criminalidade política. Essa percepção é tão forte na obra Terrorismo e criminalidade política, que o autor encontrou dificuldades de sustentar uma distinção valorativa entre um fenômeno e outro, ao ponto de repetir conceitos extremamente semelhantes entre as duas condutas. Sustentamos, por fim, que o terrorismo tem um caráter instrumental para alguns criminosos políticos, cujo desígnio seria criar uma instabilidade política, conveniente aos seus propósitos, que advém do medo e da insegurança provocada pelo emprego intencional e sistemático de meios violentos suficientes para causar terror e pânico generalizado na população, criando uma ameaça capaz de coagir um governo, um Estado ou um organismo internacional, de modo a torná-los vulnerável à extorsão, chantagem, com os quais se visa obter satisfações políticas. É também característica do terrorismo atingir vítimas apenas conexas aos seus legítimos alvos de demanda, por exemplo, amedrontar uma audiência a fim de obter sujeição do adversário naquele grupo em respeito de um tópico político, ex: a autonomia regional. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A necessidade de abolirmos os axiomas da violência da política no Século 21. Os seres humanos são inevitavelmente diferentes e infelizmente, não se confrontam somente no campo das idéias, isso porque nas ideologias, tratam do ideal comum, do sonho que se sonha junto, seja quimera presente, ou utopia distante, está ligada a anseios mais do que racionais. É, porém, racionalmente estranho que possamos justificar que através da violência possamos combater a assimetria do pensar como se fosse algo realmente sinistro. Em muitos

22

momentos da humanidade o combate toma proporções físicas: lutas, duelos, pelejas, batalhas, guerras, conflitos humanos. Nossa narrativa é um retalho dos relatos de testemunhas sobreviventes todos com o vício de sua individualidade, com suas cosmovisões próprias interpretando os fatos que participou, e nossa noção da realidade histórica é limitada pelo relato inexato de pontos de vista de indivíduos fatalmente diferentes que são opostos, cegos por suas paixões e convicções. Aproximação científica destes fatos passados, inevitavelmente, acaba por tornar-se imprecisa pelas amarrações confusas de uma animalidade além do nosso senso de humanidade. A palavra terrorismo foi largamente usada para expressar fatos que ocorreram na história. Não raramente, as palavras “terrorismo” e “terrorista” são usadas para estes e aqueles, de forma que conceituar uma expressão tão carregada de emoções torna-se uma tarefa hercúlea. O paradigma para os valores do nosso século surge da necessidade de apreender o que se compreende como terrorismo na nossa sociedade moderna. Impossível dizer que o terrorismo do início do século XX é o mesmo do início do século XXI, mas é fato que conforme nota-se na história, política e violência caminharam juntas, baseado numa convenção não declarada, onde grupos afins se digladiavam pelo poder buscando o controle social, tudo isso baseado em princípios de que certos fins determinam meios escusos, que por sua vez, seriam justificados pela finalidade. O que é preciso perceber é que o terrorismo político é, portanto, a expressão irrecorrível, conseqüente e inerente dessa inconveniente verdade. Daí, o fenômeno da mutação do comportamento político no terrorismo revela-nos a verdadeira tendência perigosa dormente em toda história da humanidade. Esse terrorismo, quase que consensualmente entendido como um método instrumental para atingir certos objetivos, se asila em sentimentos passionais a respeito de sistemas ideológicos, sejam filosóficos, políticos ou mesmo religiosos, que sistematicamente desumaniza o outro pensar. Visando tentar lidar com a oposição das idéias adversas, buscando alguma aniquilação, tem imperado o preceito de que os homens, quando imbuídos de suas convicções e da aparência do bem, são abonados de qualquer outro motivo para tomar a iniciativa de instrumentalizar a violência física para atingir o acabamento das idéias contrárias, através da aniquilação ou sujeição do adversário. O apelo à força como um argumento válido – este é o axioma mais original do terrorismo, e este argumento é que tem aqui se discutido do repúdio à dignidade. Hannah Arendt bem compendia que é da própria substância da violência quando consagrada em meio para atingir objetivos nas atividades humanas, o perigo no qual os fins incorrem de serem dominados pelos meios, assim conclui que os meios empregados para se alcançar objetivos políticos são da maior relevância para o mundo futuro do que os objetivos pretendidos. É dessa sincera honestidade que consideramos a violência que se manifesta na política, pois até aqui ousamos ressaltar que as relações políticas têm sido regidas pelos mesmos princípios coadunados para Lourenço de Médici através de Nicolau Maquiavel, em suas lições notáveis na obra clássica O Príncipe. Contudo, o que era antes válido aos príncipes, hoje é considerado válido a qualquer homem político, desde que este encontre as finalidades certas diante de um tribunal que considere também certos seus valores. Este axioma dogmatizado em tantas ideologias orienta a política para violência, como algo natural, e isto têm como efeito

23

colateral inevitável os terrorismos eventuais, sem considerarmos aqui neste ponto a controvérsia, não há onde se achar qualquer consenso. Partindo do questionamento do papel da violência na política, podemos felizmente pensar num novo paradigma para este debate. O Direito sempre evolui conforme reflete os valores da sociedade de seu tempo, e é necessário que a repulsa a essa violência desnecessária, que não serve aos seus usos legítimos de autodefesa, que atinge não-agressores de modo doloso ou indiferente, flagrantemente desumana, seja rechaçada pelo ordenamento jurídico, proporcionalmente. É necessário, portanto, que para isso, enfrentemos o verdadeiro paradoxo real que criamos ao adotar tantos novos princípios humanistas sem abolir aquele perverso. Há agora uma imediata necessidade de considerar critérios objetivos político-jurídicos entre o terror e o crime político que orientem uma legislação internacional e nacional, para que não fique a justiça refém da arbitrariedade, e da nevoenta noção subjetiva do assunto, mas tão imediato quanto, é a necessidade de questionarmos tal axioma sinistro que acompanha a civilização e está no âmago do terrorismo e sua criminalidade política. Não basta, diante da sincera preocupação que sentimos por causa das agonias gerada por essa violência, criarmos leis funcionais, que se harmonizem com o sistema legal, que não se contradigam com a Constituição Federal nem com os princípios das Relações Internacionais, mas que admitam o livre exercício da perversidade, como também não bastam que as academias cheguem a qualquer consenso a respeito do tema, elaborando doutrinas endossadas por uma real adoção legislativa, se não questionarmos as premissas dos valores que aceitamos, que permitem. até este momento, o comportamento racionalmente motivado que impulsione homens a arriscarem tentar atingir qualquer objetivo, através da violência, esperando a justificativa final. O terrorismo é um comportamento permeado de um pensamento derradeiro e extremo, e essa sua essência é que lhe dá corpo como fenômeno, não se configuram em atos de violência em estado de necessidade, nem em legítima defesa, mas em atos de violência exercidos como uma faculdade, que se justificam com apelos de utilidade, conveniência, oportunidade, pois, um dia finalmente, podem ser aceitos, tolerados e compreendidos. Os terroristas, assim, racionalizam o ajustamento dos meios aos fins pelas juras das utopias. O ato terrorista é uma ação humana racionalmente motivada a cometer perversidades para um devido fim, considerando que os resultados delituosos são em si criminosos, o agravamento repousa na intenção motivada e destinada a executá-lo sobre qualquer argumento, apelo ou esperança legitimante daquilo. Essa mensagem política é o próprio horror do terrorismo como é o horror de todo uso desnecessário da violência dentro da atividade política. Só se pode combater tal tendência sinistra, desencorajandoa, tornando-a realmente inaceitável e intolerável. Civilizar o século XXI, torná-lo mais humano, requer a adoção de novos valores à política, abolindo as idéias da política compulsória por uma idéia de política voluntária, assim, deslegitimando o uso da força e incentivando o uso da razão. É necessário por sua vez, nos insurgirmos contra a injustiça justificada por aquele tão velho princípio, que tem fomentado tantas razões para nos destruirmos por pensarmos diferente. É

24

necessário que o Direito possa se reconstruir diante da oportunidade dessa lacuna, reconstruindo também o raciocínio das organizações políticas humanas, incentivando a solução pacífica das divergências e desencorajando o uso nefasto da violência. O debate em torno do terrorismo e do crime político é um pormenor, que revela em superfície os motores incultos que ainda funcionam na atividade política em pleno século XXI. Apenas quando confrontando os meios terroristas é possível um consenso não-político, com o combate aos métodos violentos de fazer política junto à negação total a reconhecê-los dignos de outra coisa que não o repúdio, podemos nos dá a esperança de uma resposta adequada à ameaça terrorista, porém enquanto para um os meios são justificáveis, sempre haverá argumento para que a barbaridade seja conveniente a algum interesse. Este caminho requer nos despirmos do maquiavelismo de qualquer orientação justificadora da violência como um meio disponível para fins políticos. Somente no momento em que a iniciativa da violência for limitada ao seu devido lugar, e que estivermos dispostos a somente tolerá-la em reação a agressões já iniciadas, poderemos nos livrar de toda torpe nuance alienante das velhas premissas que massacraram tantos homens na história da humanidade. Neste início de século experimentamos uma exaustão axiológica na defesa dessas velhas formas de fazer política através da força. Basta, por fim, reconhecermos o poderoso discurso, e espetacular apelo moral, das idéias não-violentas de resistência e desobediência civil, como instrumentos de fazer política, e notar que deslegitimam todos os velhos discursos que fazem apologia a métodos violentos. São incontáveis as lições morais de transformações políticas pacíficas do século passado, da Índia e sua Marcha do Sal em 1930 através da doutrina Satyagraha de Gandhi à Primavera de Praga de 1968, notamos que tem se tornado cada vez mais provado historicamente que podemos alcançar fins políticos sem iniciar a agressão. O ano de 1989 é um ano especial para demonstrarmos maiores feitos populares neste sentido, com a Revolução Pacífica da Alemanha, com suas manifestações de desobediência civil destruindo os muros de Berlim, o movimento Solidariedade da Polônia, a Revolução de Veludo da Checoslováquia, a Revolução Cantada da Estônia, Lituânia e Letônia, e mais recentemente temos os exemplos das manifestações da Primavera Árabe ainda em andamento, em especial, os protestos da Praça Taskim Gezi na Turquia... Essas imagens deixam-nos a clara evidência de que o uso de formas violentas para o exercício político merece totalmente ter questionado suas premissas, e devemos esperar sinceramente que tais justificativas sejam de todo um dia abolidas, de forma a abrir o paradigma para a nova forma de fazer política nos momentos mais tensos de nossas histórias, uma forma nova e que não seja mais necessária a existência de vítimas. REFERÊNCIAS ARENTDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. 1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. ARENDT, Hannah. Da Violência, trad. Maria Drummond, Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1985.

25

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Crime político e terrorismo: alguns aspectos. Revista Espaço Acadêmico, Maringá. Ano II – Nº 21 – Fevereiro/2003. Disponível na Internet:< http://www.espacoacademico.com.br/021/21bandeira.htm> FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do garantismo penal. 3ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Terrorismo e Criminalidade Política. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1981. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral: Volume 1. 16ª Edição. Niterói: Editora Impetus, 2014. ____________. Direito Penal do Equilibrio: Uma visão minimalista do Direito Penal. 7ª Edição. Niterói: Editora Impetus, 2014. GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. O Terrorismo, A luta contra o Terror e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2008. 291 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2008. JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. Org. e trad. André Luis Callegari, Nereu Giacomolli. 6ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. LEAL, João José. Crimes Hediondos: Aspectos Político-Jurídicos da Lei nº 8072/90. São Paulo: Editora Atlas, 1996. MAQUIAVEL, Nicolau di Bernardo. O Príncipe. Org. e trad. Antonio Caruccio-Caporale. Porto Alegre: L&PM, 2007. MARTINS, Raúl François Carneiro. Acerca de “terrorismo” e de “terrorismos”. Instituto de Defesa Nacional, Lisboa, Novembro de 2010. Nº 1, 1-128. MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral, arts. 1º e 120 do CP. 29ª Edição. São Paulo: Atlas, 2013. POLETTO, Ricardo dos Santos. Terrorismo e Contra-Terrorismo na América do Sul: As Políticas de Segurança de Argentina, Colômbia e Peru. 2009. 217 f. Tese (Mestrado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília. 2009. PAMPLONA, Gustavo. Crimes Políticos, Terrorismo e Extradição: nos passos de Hannah Arendt. Porto Alegre: Editora Simplíssimo, 2011, p. 258. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição Nº 855/2004. Plenário. Relator: Ministro Celso de Melo. Sessão de 26/08/2004. Disponível em:
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.