Tese de doutorado: (Trans)formação do ser docente-pesquisador: reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora à luz da complexidade e da transdisciplinaridade

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PAULA PEREIRA SCHERRE

(TRANS)FORMAÇÃO DO SER DOCENTE-PESQUISADOR: RECONSTRUÇÃO DA MATRIZ PEDAGÓGICA-PESQUISADORA À LUZ DA COMPLEXIDADE E DA TRANSDISCIPLINARIDADE

Tese apresentada ao Programa de Pósgraduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial da obtenção do título de Doutor em Educação. Orientadora: Drª. Maria Cândida Moraes Coorientadora: Medeiros Arnt

Brasília 2015

Drª.

Rosamaria

de

S326t Scherre, Paula Pereira. (Trans)formação do ser docente-pesquisador: reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora à luz da complexidade e da transdisciplinaridade. / Paula Pereira Scherre – 2015. 380 f.: il.; 30 cm Tese (Doutorado) – Universidade Católica de Brasília, 2015. Orientação: Profa. Dra. Maria Cândida Moraes Coorientação: Profa. Dra. Rosamaria de Medeiros Arnt

1. Educação. 2. Matriz pedagógica-pesquisadora. 3. Complexidade. 4. Transdisciplinaridade. 5. Educação Biocêntrica. I. Moraes, Maria Cândida, orient. II. Arnt, Rosamaria de Medeiros, coorient. III. Título.

CDU 37.026

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

Tese de autoria de Paula Pereira Scherre, intitulada (TRANS)FORMAÇÃO DO SER DOCENTE-PESQUISADOR: RECONSTRUÇÃO DA MATRIZ PEDAGÓGICAPESQUISADORA À LUZ DA COMPLEXIDADE E DA TRANSDISCIPLINARIDADE, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação da Universidade Católica de Brasília, em 30 de novembro de 2015, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

_____________________________________________ Profª Drª Maria Cândida Moraes Orientadora Programa de Doutorado em Educação – UCB/DF

_____________________________________________ Profª Drª Rosamaria de Medeiros Arnt Coorientadora Pesquisadora visitante – UECE

_____________________________________________ Profª Drª Ecleide Cunico Furlanetto Programa de Mestrado em Educação – UNICID

_____________________________________________ Prof. Dr. Célio da Cunha Programa de Doutorado em Educação – UCB/DF

_____________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Spindola Mariz Programa de Mestrado de Gestão do Conhecimento e Tecnologias da Informação – UCB/DF

Brasília 2015

Ninguém transforma ninguém e ninguém se transforma sozinho. Nós nos transformamos no encontro. (ROBERTO CREMA, 1998)1

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Disponível em: . Acesso em: 28 ago.2015.

Com muito amor, dedico esta tese a Marta, Anecir, Rafael e André.

AGRADECIMENTO

Esta tese é fruto de muitos encontros. Encontros que abriram tempos e espaços para formação, pesquisa, reflexão, transformação e para o contínuo aprender. Levo muitas pessoas queridas em meu coração. Quero deixar aqui expressa minha gratidão a algumas delas que possibilitaram essa construção. Maria Cândida, orientadora, atenta, cuidadosa, amorosa, companheira. Rosinha, coorientadora, amiga, que abriu caminhos para o fazer junto e o estar sempre junto, com cuidado, atenção, carinho e doçura. Alba Cristina, amiga, que junto com Rosinha, construímos, como formadoraspesquisadoras, nossa identidade formativa e a experiência de trabalho em equipe integrado(r). Núria Lorenzo, orientadora na Universidade de Barcelona (UB), que me acolheu com muito carinho e me propiciou o diálogo com professores da Universidade e com estudantes de outros lugares do mundo e a participação nas atividades do Grupo de Investigación y Asesoramiento Didáctico da Universidade de Barcelona (GIAD/UB). María Antónia, Saturnino e Teresa, grata também pelo acolhimento em Barcelona. Olzeni e Martha, queridas amigas, no doutorado aproximamos nossos laços, vínculos e teses, em diálogos, escutas, leituras e amizade para toda a vida. Cibele, querida amiga de todos os tempos, em todos os lugares... onde você estiver, estaremos sempre juntas. Maria de Lourdes, Sandra e Sheila, pelas ajudas preciosas sempre. Ruth, uma admiração enorme por seu trabalho com a Educação Biocêntrica, importante inspiração. Virgínia e Luis Otávio, pessoas queridas com quem pude incorporar a Biodanza em meu dia a dia, em Barcelona, e iniciar meu caminho formativo como facilitadora. De volta ao Brasil, Mônica me acolheu em seu grupo de Biodanza e na formação aqui em Brasília. Sou muito grata também aos amigos e amigas da Biodanza/Biodança, com quem pude cultivar vivências integradoras, vínculos afetivos e profundas amizades.

Agradeço a presença dos amigos e amigas do grupo de pesquisa Ecotransd (Ecologia dos saberes, Transdisciplinaridade e Educação) e das disciplinas de Metodologia 1 e 2 do doutorado. Sou muitíssimo grata a todos os educadores e educadoras com quem tive o prazer de aprender junto e compartilhar a Formação de Educadores para a Cidadania em Horizonte, CE. Agradeço de coração as contribuições e questionamentos propostos pelos membros da banca que me acompanharam desde a qualificação: Ecleide, Célio e Ricardo. Para finalizar, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro e a oportunidade ímpar de realizar o doutorado-sanduiche na Universidade de Barcelona e à Universidade Católica de Brasília pela abertura para que eu pudesse desenvolver esta tese.

RESUMO

Referência: SCHERRE, Paula Pereira. (Trans)formação do ser docentepesquisador: reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade. 2015. 380 folhas. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2015.

Este trabalho de doutorado tem como tema: (Trans)formação do ser docentepesquisador: reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Propus como problema de pesquisa: como ocorre o processo de reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora tradicional do ser docente-pesquisador por meio de estudos teóricos e de vivências desenvolvidos à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade? A partir do cenário epistemo-metodológico aberto por essas teorias, me senti convidada a reintroduzir o sujeito no processo de conhecimento, a religar sujeito e objeto de pesquisa e a compreender que o conhecimento é construído na interação entre os dois. Sendo assim, realizei a fusão entre sujeito e objeto e entre formação e pesquisa, me tornando a pesquisadora e a pessoa pesquisada ao mesmo tempo. Desenvolvi uma metodologia narrativa autoformadora, de natureza qualitativa, composta por 4 relatos (Relato 1: História de vida de formação e identificação da matriz vigente; Relato 2: Sistematização da experiência de docência e pesquisa; Relato 3: Construção da metodologia de formação e pesquisa; Relato 4: Síntese da matriz emergente e contribuições para outros processos formativos) e 11 dimensões (vivencialexperiencial; dialógica; escuta sensível e atenta; (auto)reflexiva e (auto)crítica; aprendizagens; envolvimento emocional; passado-presente-futuro; escrita narrativa; múltiplos “eus”; estudos teóricos; análise interpretativo-compreensiva). Apesar de didaticamente separados, relatos e dimensões se entrelaçam, retroagem e se retroalimentam. O contexto da formação e pesquisa foi composto pela entrada no grupo de pesquisa Ecotransd, pela entrada no doutorado, pela realização do doutorado-sanduíche e pela Formação de Educadores para a Cidadania, em Horizonte, CE, realizada entre 2012 e 2013, da qual participei como formadorapesquisadora. Por meio da metodologia construída, identifiquei a matriz vigente, investiguei suas bases paradigmáticas tradicionais, sistematizei a experiência de docência e pesquisa, interpretei e compreendi as aprendizagens construídas e propus uma síntese da matriz pedagógica-pesquisadora emergente. Essa metodologia, denominada narrativa autoformadora, foi, ao mesmo tempo, o caminho de formação e de pesquisa para a construção de conhecimento e o resultado da própria pesquisa, sendo a resposta ao problema de pesquisa. Em considerações finais abertas e provisórias, compreendo que apesar de este ser o final de um ciclo de formação e pesquisa é também um recomeço de uma contínua e incessante

espiral de desenvolvimento humano. Levo comigo a importância das formações iniciais e continuadas propiciarem movimentos tripolares de formação, integrando os três polos: hetero-eco-auto. Levo que, ao longo da vida, profissionais, professores, pesquisadores possam (se) refletir, (se) questionar, (se) pesquisar sobre suas trajetórias, processos formativos e matrizes. Levo a esperança de contribuir com processos formativos para que possam considerar o ser humano que se forma com suas histórias, origens, aprendizagens e experiências; possam abrir tempos e espaços para que saberes disciplinares e teóricos dialoguem com todos esses outros conhecimentos que a pessoa em formação traz consigo; possam ser ambientes de formação, de pesquisa e de autoria, de sentido, de criatividade e de conhecimento de si e científico. Levo também a certeza de que tenho muito a aprender, a pesquisar, a conhecer e a continuar em outros encontros, em outros caminhos.

Palavras-chave: Matriz pedagógica-pesquisadora. Complexidade. Transdisciplinaridade. Educação Biocêntrica.

RESUMEN

Referencia: SCHERRE, Paula Pereira. (Trans)formación del ser profesorinvestigador: reconstrucción de la matriz pedagógica-investigadora a la luz de la Complejidad y Transdisciplinariedad. 2015. 380 hojas. Tesis (Doctorado en Educación) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2015.

Este trabajo doctoral tiene como tema: (Trans)formación del profesor-investigador: reconstrucción de la matriz pedagógica-investigadora a la luz de la Complejidad y Transdisciplinariedad. He propuesto el problema de investigación: ¿Cómo es el proceso de reconstrucción de la matriz pedagógica-investigadora tradicional del ser profesor-investigador sea a través de estudios teóricos y experiencias desarrolladas a la luz de la Complejidad y Transdisciplinariedad? Desde el escenario epistemológico y metodológico abierto por estas teorías, que me invitó a reintroducir al sujeto en el proceso de conocimiento, la reconexión del sujeto y el objeto de investigación y de entender que el conocimiento se construye en la relación entre los dos. De este modo, me he dado cuenta de la fusión entre sujeto y objeto y entre la formación y la investigación, convirtiéndome en la investigadora y la persona investigada a la vez. He desarrollado una metodología narrativa autoformadora, cualitativa, que consta de 4 informes (Informe 1: Historia de la Vida de la formación y la identificación de la matriz vigente; Informe 2: sistematización de experiencia en la enseñanza y la investigación; Informe 3: Construcción la metodología de formación y de investigación; Informe 4: Síntesis de la matriz emergente y contribuciones para otros procesos formativos) y 11 dimensiones (vivencial-experiencial, dialógica, la escucha sensible y atenta, (auto)reflexiva y (auto)crítica; aprendizaje; implicación emocional; pasado-presente-futuro; escritura narrativa; múltiples "yoes"; estudios teóricos, análisis interpretativo-comprensivo). Aunque los informes y las dimensiones sean didácticamente separados, se entrelazan, son retroactivas y se retroalimentan. El contexto de formación y de investigación fue compuesto por la entrada en el grupo de investigación Ecotransd, por el doctorado, por la realización del doctorado sándwich y de la Formación para Educadores para la Ciudadanía en Horizonte, CE, llevada a cabo entre 2012 y 2013, en la que he participado como profesorainvestigadora. A través de la metodología construida, he identificado la matriz vigente, he investigado sus bases paradigmáticas tradicionales, he sistematizado la experiencia de enseñanza y investigación, he interpretado y comprendido los aprendizajes construidos y he propuesto una síntesis de la matriz pedagógicainvestigadora emergente. Esta metodología, denominada narrativa autoformadora, fue a la vez el camino de formación y de investigación para la construcción de conocimiento y el resultado de la propia investigación, siendo la respuesta al problema de investigación. En consideraciones finales abiertas y provisionales, entiendo que a pesar de este ser el final de un ciclo de formación y de investigación, este es también un nuevo comienzo de una espiral continua e incesante del

desarrollo humano. Llevo conmigo la importancia de las formaciones iniciales y continuas propiciaren movimientos tripolares de formación, integrando los tres polos: hetero-eco-auto. Llevo que, a lo largo de la vida, los profesionales, los profesores, los investigadores puedan reflexionar(se), preguntar(se) e investigar(s) sus carreras, procesos formativos y matrices. Llevo la esperanza de contribuir a los procesos de formación para que puedan considerar el ser humano que se forma con sus historias, sus orígenes, aprendizajes y experiencias; que puedan abrir tiempos y espacios para que los saberes teóricos y disciplinarios dialoguen con todos estos otros conocimientos que la persona en la formación trae consigo; que puedan ser escenarios de formación, de investigación y de autoría, de sentido, creatividad y de conocimiento de uno mismo y científico. También llevo que tengo mucho que aprender, investigar, conocer y seguir en otros encuentros y en otros caminos.

Palabras-llave: Matriz pedagógica-investigadora. Complejidad. Transdisciplinariedad. Educación biocéntrica.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14 PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................... 17 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA ............................................... 17 JUSTIFICATIVAS CIENTÍFICA, SOCIAL E PESSOAL....................................... 19 OBJETIVO GERAL E OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................ 26 OBJETO DE ESTUDO ........................................................................................ 27 VISÃO GERAL DA METODOLOGIA DE FORMAÇÃO E PESQUISA ................ 27 ORGANIZAÇÃO DA TESE ................................................................................. 28 1 PALAVRAS DOS OUTROS: VISÃO DE MUNDO E DE EDUCAÇÃO ................. 30 1.1 PARADIGMA EDUCACIONAL EMERGENTE............................................ 30 1.2 COMPLEXIDADE ....................................................................................... 34 1.3 TRANSDISCIPLINARIDADE ...................................................................... 39 1.4 FORMAÇÃO DOCENTE E DOCÊNCIA À LUZ DA COMPLEXIDADE E DA TRANSDISCIPLINARIDADE ............................... 45 1.5 MATRIZ PEDAGÓGICA E (TRANS)FORMAÇÃO DOCENTE ................... 61 1.6 FORMAÇÃO DE ADULTOS, HISTÓRIAS DE VIDA E MOVIMENTO TRIPOLAR DE FORMAÇÃO ...................................................................... 63 1.7 EDUCAÇÃO BIOCÊNTRICA E BIODANZA ............................................... 78 1.8 REFLEXÃO E CONHECIMENTO NA, SOBRE E PARA A AÇÃO.............. 92 1.9 PARA SER UM PROFESSOR-PESQUISADOR ........................................ 95 2 CONTEXTO DE FORMAÇÃO E PESQUISA ..................................................... 100 3 PALAVRAS DOS OUTROS: PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS .............. 121 3.1 PESQUISA BASEADA NA COMPLEXIDADE E NA TRANSDISCIPLINARIDADE .................................................................... 121 3.2 NARRATIVA E INVESTIGAÇÃO NARRATIVA ........................................ 143 3.3 PESQUISA-FORMAÇÃO ......................................................................... 155 4 NARRATIVA AUTOFORMADORA: METODOLOGIA DE FORMAÇÃO E PESQUISA.......................................................................................................... 170 5 MINHAS PALAVRAS: RECONSTRUÇÃO DA MATRIZ PEDAGÓGICAPESQUISADORA ............................................................................................... 177 5.1 RELATO 1: HISTÓRIA DE VIDA DE FORMAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DA MATRIZ VIGENTE ................................................. 177

5.2 RELATO 2: SISTEMATIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA DE DOCÊNCIA E PESQUISA ........................................................................ 212 5.3 RELATO 3: CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA DE FORMAÇÃO E PESQUISA ...................................................................... 268 5.4 RELATO 4: SÍNTESE DA MATRIZ EMERGENTE E CONTRIBUIÇÕES PARA OUTROS PROCESSOS FORMATIVOS ....................................... 331 6 UM FINAL RUMO A UM NOVO COMEÇO ........................................................ 351 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 356 APÊNDICES ........................................................................................................... 368

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INTRODUÇÃO Este trabalho tem como tema a (trans)formação do ser docente-pesquisador: reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Por que (trans)formação? Isso significa que foi um tempo e espaço de formação e de transformação como docente e como pesquisadora e de pesquisa sobre esse processo formativo. Aqui me inspiro em Furlanetto (2010a), quando propõe que a (trans)formação docente também é esse tempo e espaço para (a) revisão, ampliação e transformação da matriz pedagógica; (b) integração entre dimensões pessoais e profissionais; (c) a apropriação, pelos professores, de seus processos de formação; (d) atribuição de sentido desta formação em sua história de vida; (e) pensamento sobre a aprendizagem docente, ou seja, aprendizagem passa a ser fundamental na idade adulta, tanto para formação inicial quanto continuada. Por que do ser docente-pesquisador? Destacar o “ser” no título me remete à ênfase em minha dimensão humana e existencial, como ser humano que sou, envolvida e presente nesta formação e pesquisa. Abrem-me tempos e espaços para tornar esta formação e pesquisa significativas para mim, para transformá-las em experiências formadoras, para construir meus caminhos de pesquisa respeitando meus processos de aprendizagem. Também compreendo esta formação continuada (doutorado)

como

um

momento

de

(trans)formação,

de

crescimento,

de

autoconhecimento e de esperança em poder inspirar outras pessoas – sejam docentes, pesquisadores ou não –, a construírem seus próprios caminhos de aprendizagem e a continuarem aprendendo sempre. Remete-me à minha qualidade de presença e inteireza e que estou, por decisão própria e consciente, realizando esta formação. Remete-me ao ‘convite’ de reintrodução do sujeito que conhece nesse processo de conhecimento sobre si e de produção de conhecimento científico. Remete-me à importância de, ao dialogar com os saberes teóricos dos outros autores, eu também poder falar, escrever, reflexionar desde mim, desde minha essência, desde minha vida, desde minhas experiências, utilizando-me da narrativa e da primeira pessoa para me expressar e construir essa tese. Remete-me à minha multidimensionalidade humana (MORIN, 1997; MORAES, 2008; ARNT, 2010) que deve estar presente também na formação e na pesquisa.

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A partir de Hegel, os autores Ribeiro e Galvão (2015, p. 101) esclarecem que considerar a presença do ser professor na formação propõe que “como ser autodeterminado, o professor que participa de um processo de formação deve ser preservado em sua capacidade de se autoconstruir como sujeito de seu próprio conhecimento, rompe com a passividade e se põe com efetividade”. Além disso, complementam, com base em Heidegger, que o professor como ser imerso nesse mundo, que é a Educação, deve também ter tempo e espaço em seu “processo de transformação pela via do conhecimento” e ser “capaz de questionar a si mesmo e de compreender-se como ser”. Em diálogo com minhas buscas pessoais de formação e com a dimensão paradigmática da Complexidade (MORIN, 2007), com o Paradigma Educacional Emergente (MORAES, 1997) e docência transdisciplinar (ARNT, 2010; 2007), optei por aprofundar aqui em duas dimensões do meu ser: docente-pesquisador. Optar por inserir um hífen entre essas duas palavras adquire sentido ao evidenciar graficamente a união e a inseparabilidade dessas duas dimensões dentro do meu próprio ser. Remete-me à condição humana da Educação (MORIN, 2000), como uma forma de reflexão e de compreensão do meu papel e das minhas responsabilidades como docente e como pesquisadora (Quem sou? Onde estou? De onde eu vim? Para onde vou?). Mas também na compreensão de que me construo na relação com outras pessoas, com diferentes meios e contextos, para que, de alguma forma, eu possa propiciar, aos meus futuros estudantes, ambientes de aprendizagem – em sala de aula, em ambientes virtuais ou mesmo debaixo de um pé de manga (ROCHA, 2013) – amorosos, significativos, éticos, responsáveis, acolhedores, vivos, vinculados com a história de cada um, reflexivos, dialogantes, abertos, criativos, humanos. Além disso, ao estabelecer esta união entre minhas dimensões docente e pesquisadora, compreendo que estou de acordo com as ideias dos autores Isabel Alarcão, (2001), Pedro Demo (2011) e Maurice Tardif (2012) que reforçam a importância de práticas reflexivas e de pesquisa na e para a formação docente, e destacam a relevância dos saberes da experiência e da reflexão crítica e investigativa para o aprimoramento contínuo da própria prática cotidiana docente. Por que reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora? Retomo um convite de Furlanetto, quando compreende a (trans)formação docente como tempo e espaço para também realizar revisão, ampliação e transformação da matriz pedagógica, de reencontro com o professor interno multifacetado, ambíguo e

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complexo que levamos conosco quando nos exercemos docentes. A matriz pedagógica é compreendida, por essa autora, como “arquivos existenciais que guardam registros sensoriais, emocionais, cognitivos, acessados nos espaços pedagógicos quando o professor se exerce” (FURLANETTO, 2010b, p. 4). A partir do trabalho com a história de vida de formação e da identificação da matriz pedagógica vigente, me percebi também identificando a minha matriz pesquisadora e como designer gráfico. Ao compreender que somos seres multidimensionais, de acordo com a ontologia complexa (MORIN, 2007), também compreendo a minha matriz humana como multidimensional, então ela comporta várias dimensões, das quais a (trans)formação será focada na reconstrução da minha matriz nas suas dimensões pedagógica-pesquisadora. Aqui o hífen tem a mesma função de evidenciar graficamente a união e a inseparabilidade dessas duas dimensões dentro da minha matriz. Sendo assim, inspirada no conceito de matriz pedagógica de Furlanetto (2010b), compreendo a minha matriz pedagógica-pesquisadora como meus arquivos existenciais que guardam registros sensoriais, emocionais, cognitivos, acessados quando me exerço docente e pesquisadora. Por que à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade? Porque foram essas teorias e seus estudiosos que me fizeram vários convites e me propiciaram aberturas epistemológicas e metodológicas (SCHERRE, 2015) para que eu pudesse realizar o tipo de formação e de pesquisa ao qual me propus nesta tese, por exemplo. Por meio da abertura para a reintrodução do sujeito cognoscente no conhecimento (MORIN, CIURANA, MOTTA, 2009) – princípio do Pensamento Complexo –, me senti convidada a me reinserir na pesquisa, no conhecimento, na formação. Nesse movimento de reinserção me propus a ser, ao mesmo tempo, a pessoa que pesquisa (sujeito) e a pessoa pesquisada (objeto), chegando a propor a fusão entre sujeito e objeto e a fusão entre formação e pesquisa. Por meio da abertura para o conhecimento ser construído na interação entre sujeito

transdisciplinar,

objeto

transdisciplinar

e

zona

de

não

resistência

(NICOLESCU, 1999), me senti convidada a exercitar esse construir conhecimento, sobre

a

formação

e

pesquisa

desenvolvidas,

cuidando

dessa

interação,

empreendendo metodologias de formação e de pesquisa, como escrita narrativa dos

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relatos, meditações reflexivas intensivas, diário de campo para sistematização de experiência. Por meio da abertura para realizar um movimento tripolar de formação (GALVANI, 2002; GALVANI; PINEAU, 2012; PAUL, 2013; PINEAU, 2001; 2006; SOMMERMAN, 2003), me senti convidada a integrar hetero-eco-autoformação, por meio de um percurso narrativo autoformador que abarcou estudos teóricos, história de vida de formação e relatos de experiência sistematizada de formação e pesquisa. Por meio da abertura para a investigação narrativa (CLANDININ, 2013; CONNELLY; CLANDININ, 2008; CLANDININ; CONNELLY, 2000), também fui convidada a compreender, de maneira narrativa, a experiência docente e de pesquisa vividas, abarcando relações, motivações, inquietações, indagações, matriz, percursos, histórias, contexto, entre outros. Esses e outros encontros e convites teóricos foram se construindo como uma maneira de, principalmente, atender a um “chamado” interno, pessoal, em busca desse tipo de formação e de pesquisa. No ir e vir das decisões metodológicas, das mudanças de problema de pesquisa até a qualificação, ao refletir sobre o que eu “realmente” queria dessa formação, em diálogo com as orientadoras Dra. Maria Cândida Moraes e Dra. Rosamaria Arnt, além da definição do próprio título, criamos o problema de pesquisa, o objetivo geral e os objetivos específicos que materializassem em palavras essa busca, esse desejo de investigar esse processo de (trans)formação, de reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora. PROBLEMA DE PESQUISA Sendo assim, o problema de pesquisa definido foi: como ocorre o processo de reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora tradicional do ser docentepesquisador por meio de estudos teóricos e de vivências desenvolvidos à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade? DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA O problema de pesquisa foi delimitado pelo desejo pessoal de fazer a minha formação docente e como pesquisadora à luz das teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Foi delimitada também pela entrada no Doutorado em Educação, pela participação na Formação de Educadores para a Cidadania e pelo

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doutorado-sanduíche em Barcelona, por meio dos quais pude continuar o aprofundamento teórico, elaborar o problema de pesquisa e os relatos que compõem a narrativa autoformadora, além de empreender a construção da metodologia de formação e de pesquisa. Não foi uma formação somente teórica, sendo assim, a Formação de Educadores para a Cidadania foi muito importante na vivência da prática docente e de pesquisa. Esta Formação de Educadores para a Cidadania foi integrante do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania, vinculado à Universidade Estadual do Ceará (UECE), desenvolvido no município de Horizonte, CE, iniciado em junho de 2012 com atividades previstas a partir de 2015. Detalhes deste projeto serão apresentados no capítulo Contexto de formação e pesquisa. Em linhas gerais, esse projeto foi composto pelas seguintes etapas: (1) 1ª fase da Formação de Educadores para Cidadania, que ocorreu entre os meses de junho a dezembro de 2012, em um curso vivencial, dialógico e reflexivo de 120horas/aula; (2) 2ª fase da Formação de Educadores: metodologia e planejamento do Curso de formação dos Agentes de Cidadania, que ocorreu entre os meses de março a dezembro de 2013, com carga horária de 60horas/aula; (3) 3ª etapa – Formação prática (2014) – 100h, curso dos Agentes de Cidadania e formação da rede, entre outubro de 2013 e 2014; (4) a partir de 2015, criação da rede de agentes de cidadania e do Conselho de cidadania para manutenção do diálogo constante sobre as questões ligadas aos Direitos Humanos e à Cultura de Paz no município. Esta tese foi centrada nas etapas de Formação de Educadores para a Cidadania, sendo que o período de geração de dados mais intenso, sobre este curso, ocorreu entre os meses de junho de 2012 a dezembro de 2013. Esse recorte da pesquisa se justificou por: 1. Justificativas temporal e técnica. Neste período de tempo eu, como pesquisadora, tive a possibilidade de participar ativamente de todas as atividades presenciais e a distância, bem como das atividades de planejamento e de docência, podendo, assim, realizar as observações e registros necessários; 2. Justificativa acadêmica. Além do período de geração de dados, houve tempo hábil no doutorado para as reflexões, pesquisas e análises a respeito da docência e da pesquisa, além da escrita e defesa da tese até o final do período de doutorado em 2015. Também, participei do doutorado-

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sanduíche, de abril de 2014 a março de 2015, na Universidade de Barcelona, vinculado ao Grupo de Investigación y Asesoramiento Didáctico da Universidade de Barcelona (GIAD/UB), com reconhecida atuação

e

pesquisa

nas

áreas

de

Formação

Docente,

Transdisciplinaridade e Ecoformação. JUSTIFICATIVAS CIENTÍFICA, SOCIAL E PESSOAL A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), desde 1996, define Educação como aquela que “abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Em consonância com a Constituição Federal2, a LDB compreende que a Educação tem por finalidade o “[...] pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da Cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 2015, p. 9). Nessa mesma época, em 1996, foi elaborada a publicação Educação um tesouro a descobrir, que é o relatório para a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO) da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI (DELORS, 1998). Nesse documento, a Educação é destacada como fundamental à humanidade para a construção dos ideais de paz, de liberdade e de justiça social e como uma via para o desenvolvimento humano mais harmonioso e autêntico. Para tanto, propõe que ela necessita ser trabalhada em torno de 4 pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, ou seja: [...] a Educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta. (DELORS, 1998, p. 90 – grifo dos autores)

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Constituição Federal disponível em < http://www2.camara.leg.br/documentos-epesquisa/publicacoes/edicoes/paginas-individuais-dos-livros/constituicao-da-republica-federativa-dobrasil-2>. Acesso em: 21.jun.2015.

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O Centro de Educação Transdisciplinar da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (CETRANS), no livro Educação e Transdisciplinaridade II, propõe que estes quatro pilares, acrescidos dos dois pilares complementares: aprender a antecipar – “uma vez que não podemos mais nos permitir aprender pela destruição“ – e aprender a participar através de envolvimento – uma vez que soluções para os problemas não podem ser encontradas em ‘torres de marfim do aprender’ sem envolver a massa crítica da sociedade” – também se constituem em elementos norteadores para o exercício efetivo da Transdisciplinaridade (MELLO; BARROS; SOMMERMAN, 2002, p. 201). Nicolescu (1997) comenta que a abordagem transdisciplinar pode contribuir para este tipo de Educação proposto pelo relatório Delors e que uma Educação viável deve ser uma Educação integral do ser humano, ou seja, ser “dirigida para a totalidade aberta do ser humano e não apenas para um de seus componentes”. Compreende que a Educação atual privilegia o intelecto e relativiza a sensibilidade e o corpo e que: Isso foi certamente necessário em determinada época para permitir a explosão do conhecimento. Mas se esse privilégio continuar nos arrastará para a lógica louca da eficiência pela eficiência, que só pode desembocar em nossa autodestruição. (NICOLESCU, 2000, p. 141-142).

O autor propõe ainda que a universidade é um lugar propício para este tipo de Educação, que atenda às exigências de nosso tempo, sendo este tipo de Educação direcionada a crianças, adolescentes e também a adultos. Com o objetivo de aprofundar a visão transdisciplinar da Educação, em 2000, Edgar Morin foi solicitado a expressar suas ideias sobre a Educação do século XXI, que deu origem a seu livro Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro (MORIN, 2000). Nesta publicação, o autor propôs um conjunto de caminhos para todos os que pensam e fazem Educação, que deveria ser tratado em todas as sociedades, em todas as culturas, segundo seus próprios modelos e regras, a saber: as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; e a ética do gênero humano. Integrado a esses ensinares, Morin (2015), recentemente, em seu manifesto para mudar a Educação, propõe como sua missão ensinar a viver, promovendo o conhecer a si mesmo e ao próximo, o bem viver, a autonomia e a liberdade de espírito.

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Autores como Moraes (2008; 2010a), Morin (2011), Nicolescu (1999) comentam e criticam o excesso de fragmentação disciplinar existente na ciência e na Educação que impedem de ver, entender e enfrentar “os problemas mais importantes da vida, os problemas fundamentais da humanidade, os problemas cotidianos, normais, corriqueiros” (MORIN, 2011, p. 33). Isso não significa que devemos negar ou eliminar disciplinas, mas significa que devemos nos nutrir e integrá-las para produzir conhecimento. Para tanto, destacam a necessidade de contextualizar e religar os saberes. Significa o oferecimento de uma Educação voltada para a formação integral do indivíduo, para o desenvolvimento da inteligência, do seu pensamento, da sua consciência, do seu espírito, capacitando-o para viver numa sociedade pluralista em permanente processo de transformação. Isso implica, além das dimensões cognitivas e instrumental, o trabalho também, da intuição, da criatividade, da responsabilidade social, juntamente com os componentes éticos, afetivos, físicos e espirituais. Para tanto, a Educação deverá oferecer instrumentos e condições para o aluno aprender a aprender, aprender a pensar, a conviver e a amar. Uma Educação que o ajude a formular hipóteses, construir caminhos, tomar decisões, tanto no plano individual, quanto no plano coletivo. (MORAES, 1997, p. 211)

A Educação Biocêntrica, proposta por Ruth Cavalcante e Cézar Wagner Góis, concebe que os processos educativos devem ser permeados pelo diálogo, pelo movimento e pela vivência, trazendo a vida para o centro (Princípio Biocêntrico). Além disso, devem propiciar o desenvolvimento de uma vida mais saudável e a construção do conhecimento crítico e integrado com a realidade. De acordo com Cavalcante (2006, p. 24), esta proposta educativa também “incorpora dimensões éticas e dialógicas, em uma visão na qual a pessoa é considerada como um ser inteiro, que pensa, sente, fala e age em cooperação com os outros”. Tendo em vista essas concepções de Educação, autores e autoras como Maria Cândida Moraes (2008), Edgar Morin (2007; 2010a; 2010b; 2010c), Juan Miguel Batalloso Navas (2010), Basarab Nicolescu (1999), Ubiratan D'Ambrósio (2001), Rosamaria Arnt (2007; 2010), Pascal Galvani e Gaston Pineau (2012), Patrick Paul (2013) apontam para a necessidade de desenvolver a Educação, a formação docente e a construção de conhecimento científico a partir de outro paradigma diferente do paradigma tradicional. Estes autores e autoras propõem um paradigma baseado na Complexidade e na Transdisciplinaridade, que promova, em linhas gerais, a religação entre os saberes, a religação entre sujeito e objeto, entre educador e educando, entre o local e o global, o desenvolvimento de um Pensamento Complexo, de atitude transdisciplinar

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e conhecimentos multidimensionais. Além disso, destacam a necessidade de contextualização do que é aprendido, ou seja, que o que é aprendido deve fazer sentido para quem ensina e para quem aprende. Sendo assim, uma pesquisa sobre o processo de (trans)formação do ser docente-pesquisador à luz das teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade se mostra atual e relevante no sentido de contribuir com elementos teóricos para a formação de professores e de pesquisadores. Além disso, as temáticas da Formação Docente, da Complexidade e da Transdisciplinaridade estão presentes no cenário nacional, em eventos como: II Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado em Vila Velha e Vitória, em 2005; 3º Congresso Internacional de Transdisciplinaridade, Complexidade e Ecoformação, realizado pela Universidade Católica de Brasília, em Brasília, no ano de 20083; Conferência Internacional sobre os Sete Saberes4, promovida pela UNESCO, realizada pela Universidade Católica de Brasília e Universidade Estadual do Ceará, com a participação da Secretaria de Educação do Estado do Ceará, em setembro de 2010, em Fortaleza, Ceará; XI Congresso Nacional de Educação – Educere5, promovido pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), com o tema Formação docente e sustentabilidade: um olhar transdisciplinar, realizado no mês de setembro de 2013. No ano de 2015, foi realizado o XII Congresso Nacional de Educação – Educere6, com a temática Formação de Professores, Complexidade e Trabalho Docente. Em

especial,

destaco

o

Encontro

Acadêmico

Internacional:

Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade no Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação, Ambiente e Saúde7, organizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ocorrido em novembro de 2012, em Brasília.

3

Site com informações sobre o 3º Congresso Internacional de Transdisciplinaridade, Complexidade e Ecoformação, disponível em: . Acesso em: 8 ago.2013. 4

Site da Conferência Internacional sobre os Sete Saberes, disponível em: . Acesso em: 8 ago.2013. 5

Site do XI Congresso Nacional de Educação – Educere, disponível em: < http://educere.bruc.com.br/ANAIS2013/>. Acesso em: 20 jun.2015. 6

Site do XII Congresso Nacional de Educação – Educere, disponível em: < http://educere.pucpr.br//>. Acesso em: 20 jun.2015. 7

Site do Encontro Acadêmico Internacional: Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade no Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação, Ambiente e Saúde, disponível em: . Acesso em: 8 ago.2013.

23

Este evento teve como um de seus objetivos “fomentar a inter e Transdisciplinaridade como concepção fundamental para o estudo dos fenômenos complexos em todas as áreas do conhecimento, institucionalizando-a nas práticas de ensino, pesquisa e extensão na graduação e na pós-graduação brasileiras” (CAPES, 2012, p. 1). Além disso, um dos questionamentos orientadores dos diálogos realizados revela a preocupação em como desenvolver perfis e práticas inter e transdisciplinares nos diversos níveis de formação, preparando indivíduos aptos para enfrentar os principais desafios contemporâneos. No relatório síntese deste evento, podemos perceber necessidades de integração disciplinar e integração dos saberes, acadêmicos e não acadêmicos, por meio da interdisciplinaridade, do movimento de modificação da estrutura, da organização das disciplinas, porém ficaram pouco evidentes definições e experiências baseadas na Transdisciplinaridade. Um dos expositores comentou que a Transdisciplinaridade “se trata de um conceito ainda muito ambíguo, com diversos problemas a serem enfrentados teoricamente, sob o risco de ser identificado com esoterismos, por falta de elementos para defini-lo” (CAPES, 2012, p. 6). Mas, ao mesmo tempo, o documento apresentou a necessidade de “contínua reflexão epistemológica, conceitual e metodológica para promover maior clareza a respeito das características de diferentes abordagens e de sua aplicabilidade em diferentes campos de investigação” (CAPES, 2012, p. 4). Sendo assim, percebo que esta tese vem a contribuir com estes diálogos sobre a Transdisciplinaridade, esclarecendo conceitos e categorias que podem servir de referência para pesquisas acadêmicas, construção de conhecimento e compreensão

dos

processos

formativos

fundamentados

nas

teorias

da

Complexidade e da Transdisciplinaridade. Além dos eventos já citados no Brasil, também ocorreram eventos em outros países. Em Barcelona, Espanha foram realizados os eventos: Seminários y Jornadas sobre Transdisciplinaridad y Ecoformación8, em 2004, 2005 e 2006, I Congreso Internacional de Inovación Docente: Trandisciplinariedad y Ecoformación 9, 8

Site com informações sobre Seminários y Jornadas sobre Transdisciplinaridad y Ecoformación (Barcelona, Espanha), disponível em: Acesso em: 13 ago.2013. 9

Documento com informações sobre o Forum Internacional y IV Jornadas sobre Transdisciplinariedad y ecoformación en la práctica (Barcelona, Espanha), disponível em:

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em 2007, e Forum Internacional y IV Jornadas sobre Transdisciplinariedad y Ecoformación en la práctica: Buscando la Innovación y Creatividad docente 10, em 2009. Em La Paz (Bolívia), ocorreu o Congreso Internacional Sobre Educación, Complejidad Y Transdisciplinariedad11, em 2010. Em São José (Costa Rica), foi realizado o IV Congreso Internacional de Transdisciplinariedad, Complejidad y Ecoformación, em 201012. Em Barraquilla (Colombia), ocorreu o V Congreso Internacional de Transdisciplinariedad, Complejidad y Ecoformación13, em 2012. Sendo assim, esta tese de doutorado evidencia sua justificativa científica por buscar ser um retorno aos chamados feitos pelos documentos produzidos em alguns dos referidos congressos e eventos internacionais sobre Complexidade, Transdisciplinaridade e Ecoformação (TORRE; PUJOL; MORAES, 2011), para desenvolvermos uma Educação transformadora sob essas bases, olhares e perspectivas complexas, transdisciplinares e ecoformadoras. Todos eles nos convidam, a partir do Pensamento Complexo, do diálogo transdisciplinar e da Ecoformação, a seguir estudando, investigando e gerando propostas de formação, de modelos pedagógicos e de didáticas. Em relação à justificativa social desta pesquisa, acredito que seus resultados possam contribuir para instituições educacionais repensarem a graduação, a pós-graduação e o estágio (docente) supervisionado, como tempos e espaços de pesquisa e de aprofundamento humano da formação de docentes, de pesquisadores e de discentes, tendo a possibilidade de atribuir sentido ao que é

Acesso em: 13 ago.2013. 10

Documento com informações sobre o I Congreso Internacional de Inovación Docente: Trandisciplinariedad y Ecoformación (Barcelona, Espanha), disponível em: Acesso em: 13 ago.2013. 11

Site com informações sobre o Congreso Internacional Sobre Educación, Complejidad Y Transdisciplinariedad (La Paz, Bolívia), disponível em: . Acesso em: 13 ago.2013. 12

Site com informações sobre o IV Congreso Internacional de Transdisciplinariedad, Complejidad y Ecoformación (São José, Costa Rica), disponível em: Acesso em: 13 ago.2013. 13

Site com informações sobre o V Congreso Internacional de Transdisciplinariedad, Complejidad y Ecoformación (Barranquilla, Colombia), disponível em: . Acesso em: 13 ago.2013.

25

aprendido e vivenciado, de refletir e de tomar consciência sobre o ser e o fazer profissionais, além de suas origens e fundamentos. Pensando na Educação em geral, compreendo que a formação docente com aberturas à auto-hetero-ecoformação, e com o trabalho com histórias de vida de formação e matrizes pedagógicas, sob as bases teóricas da Complexidade e da Transdisciplinaridade, possam promover uma formação com um movimento mais profundo de busca e de aproximação (e, quem sabe, transformação) de nossas matrizes, de nossas crenças mais profundas, que historicamente são baseadas em uma

Educação

disciplinar,

fragmentada,

que

privilegia

o

desenvolvimento

cognitivo/intelectual e a transmissão de informações. Nesse sentido, vários autores e documentos apontam para a necessidade de transformação e de mudança paradigmática (ver item Formação docente e docência à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade). No meu caso, essa necessidade de transformação emergiu, inicialmente, de uma experiência pessoal ao dialogar com as palavras desses autores. Mas, para essas mudanças terem mais chances de acontecer, não bastava, para mim, que essas palavras fossem apenas lidas ou ouvidas. Tinham que ser vivenciadas, refletidas e trazidas à consciência, com envolvimento e qualidade de presença do sujeito em formação. Sendo assim, acredito que esse mergulho na história de vida de formação, que traz o sujeito à tona, me permitiu iniciar a resignificação da minha matriz pedagógica-pesquisadora, encontrar com o meu próprio projeto de vida, me renovar conceitualmente, e (trans)formar meu ser e meu fazer docente-pesquisadora para, daí, enraizar em mim, a docência e a pesquisa baseadas na Complexidade e na Transdisciplinaridade (ver itens Formação docente e docência à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade; Matriz pedagógica e (trans)formação docente; e Formação de adultos, histórias de vida e movimento tripolar de formação). Com

isso,

acredito

poderemos

formar

docentes-pesquisadores

mais

conscientes em relação a si e às outras pessoas e áreas de conhecimento; mais reflexivos e críticos a respeito do seu papel na formação do outro e do papel dos outros na sua própria formação; mais abertos aos diálogos com os outros e com outras áreas de conhecimentos; mais abertos à escuta sensível das histórias, das experiências e vivências dos outros; mais abertos ao trabalho em equipe e à convivência em harmonia para a construção de Educação e ciência mais solidárias e humanas.

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Especificamente

em

relação

aos

discentes,

eles

são

intimamente

influenciados por essa (trans)formação docente, pois poderão encontrar ambientes de aprendizagem harmoniosos, saudáveis e que levem em conta suas experiências e suas próprias histórias e projetos de vida. Ambientes estes que abram espaço para o diálogo, para a escuta sensível e atenta, para que eles tenham qualidade de presença em sua própria aprendizagem e para que possam atribuir sentido ao que é vivido e aprendido, contribuindo, assim, para a formação de pessoas mais conscientes do seu papel cidadão na sociedade em que vivem e convivem. Em relação à justificativa pessoal desta tese, posso dizer que, desde seu início, ela nasceu de uma motivação interna muito forte em me aprofundar nas teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade, em vivenciar e aprender a como materializá-las em estratégias de formação em sala de aula, a como transformá-las em uma pesquisa científica e a me reconstruir como ser docentepesquisador e, consequentemente, a minha matriz. A formação e a pesquisa aqui desenvolvidas emergem de minha história de vida formativa, de minhas buscas por me formar e transformar com base nessas teorias, como serão detalhados nos relatos que compõem a narrativa autoformadora. OBJETIVO GERAL E OBJETIVOS ESPECÍFICOS Tendo em vista o problema de pesquisa e sua delimitação, o objetivo geral desta pesquisa foi: compreender o processo de (trans)formação do ser docentepesquisador embasado nos pressupostos teóricos da Complexidade e da Transdisciplinaridade, a partir da tomada de consciência da matriz pedagógicapesquisadora vigente. Sendo assim, os objetivos específicos foram: 

Identificar os elementos constituintes da matriz pedagógica-pesquisadora vigente, a partir da história de vida de formação.



Compreender

a

dimensão

paradigmática

da

matriz

pedagógica-

pesquisadora identificada. 

Analisar os pressupostos teóricos que embasam a docência, a formação docente e a pesquisa transdisciplinares.



Sistematizar os processos de experiência docente e de pesquisa acadêmica vivenciados a partir da formação de educadores do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania.

27



Descrever o processo autoformativo desenvolvido para a reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora emergente.



Identificar elementos teóricos que contribuam para o desenvolvimento de processos formativos fundamentados nas teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade.

OBJETO DE ESTUDO O objeto de estudo desta tese foi o processo de formação e pesquisa desenvolvido para a reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Para tanto, foi realizado um percurso autoformativo, que abarcou estudos teóricos, relato da minha história de vida de formação e o relato sistematizado das experiências de docência e de pesquisa vivenciadas na Formação de Educadores do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania: caminhos para a vivência dos Direitos Humanos e Geração da Paz. VISÃO GERAL DA METODOLOGIA DE FORMAÇÃO E PESQUISA Em linhas gerais, a metodologia de formação e pesquisa foi caracterizada como narrativa autoformadora, composta por: estudos teóricos e elaboração de quatro relatos: Relato 1: História de vida de formação e identificação da matriz vigente; Relato 2: Sistematização da experiência de docência e pesquisa; Relato 3: Construção da metodologia de formação e pesquisa; Relato 4: Síntese da matriz emergente e contribuições para outros processos formativos. Os relatos que compõem a narrativa autoformadora foram os meios para realizar as análises interpretativo-compreensivas, as discussões e teorizações e foram a síntese dos resultados obtidos nesta formação e pesquisa e para promover a reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora. Os procedimentos metodológicos utilizados para a geração de dados e construção dos relatos foram: diário de campo; registros em vídeos e fotos dos encontros presenciais da Formação de Educadores para a Cidadania; análise documental (projeto de curso, planos dos encontros presenciais, materiais orientadores de atividades no ambiente virtual Moodle); relato da história de vida de formação; e meditações reflexivas intensivas.

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Foi uma metodologia de abordagem qualitativa, construída na fusão entre formação e pesquisa e sujeito e objeto, nutrida pelas dimensões: vivencialexperiencial; dialógica; escuta sensível e atenta; (auto)reflexiva e (auto)crítica; aprendizagens; envolvimento emocional; passado-presente-futuro; escrita narrativa; múltiplos "eus"; estudos teóricos; análise interpretativo-compreensiva. No quarto capítulo deste trabalho, foi realizada uma síntese dessa metodologia de formação e pesquisa. Seu caminho de construção foi detalhado no Relato 3: Construção da metodologia de formação e pesquisa, do capítulo Minhas palavras: reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora. ORGANIZAÇÃO DA TESE Além da introdução, esta tese está organizada nas seguintes partes: 1. Palavras dos outros14: visão de mundo e de educação – este capítulo traz ideias, teorias de autores e autoras que embasam a visão de mundo, de educação e a perspectiva paradigmática que propiciaram as aberturas epistemológicas e metodológicas da formação e da pesquisa realizadas. Perpassa as seguintes temáticas: Paradigma Educacional Emergente, Complexidade, Transdisciplinaridade, formação docente na perspectiva dessas duas teorias; matriz pedagógica e (trans)formação docente; formação de adulto e o movimento tripolar de formação; Educação Biocêntrica e Biodanza; reflexão e conhecimento na, sobre e para a ação; para ser um professor-pesquisador. 2. Contexto de formação e pesquisa – este capítulo é dedicado ao detalhamento do contexto de formação e de pesquisa, no qual apresento a relação entre a entrada no grupo Ecotransd, a entrada no Doutorado em Educação, a participação no Doutorado-sanduíche em Barcelona/Espanha e na Formação de Educadores para a Cidadania. Devido à importância na vivência da prática docente e de pesquisa, relato uma visão geral do Projeto de 14

Ao utilizar o termo “outros” no titulo dos referenciais teóricos, não há a intenção de desvalorizá-los ou depreciá-los. Mas sim de enfatizar a “aceitação do outro como legítimo outro na convivência” (MATURANA, 2002, p. 8) e o reconhecimento do vínculo com os outros, como aquelas pessoas (e suas palavras) que escolho para fazerem parte da minha vida (CAVALCANTE, 2011a). Destaco que esses “outros” são várias pessoas “comuns”, autores(as), pesquisadores(as), estudiosos(as), documentos que me acompanharam nos estudos teóricos e influenciaram o caminho construído. Além disso, trago a consciência de que faço, em todo o trabalho, a distinção entre as palavras dos outros e as minhas palavras, como dois tipos de palavras distintas e presentes na tese, e, ao mesmo tempo, complementares; cada uma com seus espaços e tempos de expressão.

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Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania, do qual a Formação de Educadores para a Cidadania foi parte. O contexto de formação e pesquisa influenciou a escolha dos pressupostos metodológicos que deram a base para a construção da metodologia de formação e pesquisa. 3. Palavras dos outros: pressupostos metodológicos – esta parte abarca as ideias e teorias de autores e autoras que deram suporte e inspiraram a construção da metodologia de formação e pesquisa. Apresento as temáticas: pesquisa baseada na Complexidade e na Transdisciplinaridade; pesquisa-formação; narrativa e investigação narrativa. 4. Narrativa autoformadora: metodologia de formação e de pesquisa – este capítulo tem como foco apresentar a síntese da metodologia de formação e pesquisa. Dedicar este capítulo ao caminho percorrido se deve ao fato de sua função central e estruturante para a construção da tese, para a definição da investigação narrativa e da forma de escrita dos relatos que são os meios de formação e pesquisa para empreender a reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora. 5. Minhas palavras: reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora – esta parte é dedicada aos relatos que possibilitaram a (trans)formação, a pesquisa, as reflexões, os diálogos e encontros das minhas palavras com as palavras dos outros (teorias), a identificação da matriz pedagógicapesquisadora vigente, a construção da matriz emergente e da metodologia de formação e pesquisa. É composto por quarto relatos – Relato 1: História de vida de formação e identificação da matriz vigente; Relato 2: Sistematização da experiência de docência e pesquisa; Relato 3: Construção da metodologia de formação e pesquisa; Relato 4: Síntese da matriz emergente e contribuições para outros processos formativos. 6. Um final rumo a um novo começo – neste capítulo apresento as considerações finais e provisórias da formação e da pesquisa. Para mim, representa o recomeço em relação ao meu ser e fazer como docente e como pesquisadora. 7. Referências – aqui trago a lista das referências bibliográficas completas das citações feitas na tese. 8. Apêndices – nesta parte apresento a íntegra de documentos da Formação de Educadores para a Cidadania citados ao longo da tese.

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1 PALAVRAS DOS OUTROS: VISÃO DE MUNDO E DE EDUCAÇÃO As palavras dos outros São tuas e ressoam em mim Me inspiram a criar, a voar Me convidam a sonhar, construir e me incluir Me apresentam novas ideias para ser e fazer Em fluxo, (se) transformam (n)as minhas e, assim, sigo... (em)sendo e me (trans)formando.

A palavra dos outros se constituiu no encontro com vários(as) autores(as), por meio de seus livros e artigos, e com documentos que compuseram os referenciais teóricos desta tese, tanto em termos de conceitos e de visão de mundo e de educação, quanto em termos da metodologia de formação e pesquisa. Nesta primeira parte dedicada à visão de mundo e de educação, os autores e autoras estudados dizem das bases paradigmáticas, visão de mundo e de educação que estão no alicerce da minha jornada de formação e de pesquisa. Para tanto, apresento ideias e autores que abarcam as seguintes temáticas: Paradigma Educacional Emergente, Complexidade, Transdisciplinaridade, formação docente na perspectiva dessas duas teorias; matriz pedagógica e (trans)formação docente; formação de adulto e o movimento tripolar de formação; Educação Biocêntrica e Biodanza; reflexão e conhecimento na, sobre e para a ação; e para ser um professor-pesquisador. 1.1 PARADIGMA EDUCACIONAL EMERGENTE A forma como a Educação é desenvolvida traduz a percepção e o conhecimento de teorias de aprendizagem implícitas e subjacentes às propostas utilizadas com sérias consequências no desencadeamento da prática pedagógica, independentemente do tipo de tecnologia intelectual utilizado. Em nosso cotidiano aprendemos que não se muda um paradigma educacional apenas colocando uma nova roupagem, camuflando velhas teorias, pintando a fachada da escola, colocando telas e telões nas salas de aula, se o aluno continua na posição de mero espectador, de simples receptor, presenciador e copiador, e se os recursos tecnológicos pouco fazem para ampliar a cognição humana. (MORAES, 1997, p. 17)

A autora Moraes apresenta novos referenciais teóricos norteadores para a construção de um novo paradigma para a Educação, assim nos propõe o Paradigma Educacional Emergente (MORAES, 1997), como forma de construir “um modelo educacional capaz de gerar novos ambientes de aprendizagem, em que o ser humano fosse compreendido em sua multidimensionalidade como ser indiviso em

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uma totalidade, com seus diferentes estilos de aprendizagem e suas distintas formas de resolver problemas” (MORAES, 1997, p. 17). Destaca ser importante que este ambiente leve em consideração as várias dimensões do fenômeno educativo, como os aspectos físico, biológico, mental, psicológico, cultural, social e espiritual. Moraes argumenta que esse paradigma deve reconhecer a interdependência entre os processos de pensamento e de construção de conhecimento e que, para tanto, criar o ambiente de aprendizagem que auxilie no resgate da visão de contexto; que não separe o indivíduo do mundo em que vive e se relaciona; que reconheça a vida humana entrelaçada com o mundo natural; que traga a percepção de mundo holística, global e sistêmica; que deixe de ver o conhecimento desde uma perspectiva fragmentada e estática; que perceba o conhecimento como construído em um contexto dinâmico. (MORAES, 1997) A autora compreende que “o grande problema da Educação está no modelo de ciência que prevalece num certo momento histórico nas teorias de aprendizagem e que influencia a prática pedagógica” (MORAES, 1997, p. 18) e acredita na existência de uma relação, “de um diálogo interativo entre o modelo científico, as teorias de aprendizagem e a prática pedagógica desenvolvida” (MORAES, 1997, p. 18). Para a construção de um novo paradigma educacional, Moraes investiga os princípios, critérios e as noções decorrentes do paradigma científico gerado com base “na teoria da relatividade, na teoria da física quântica e em suas implicações na filosofia da ciência e nas implicações na área educacional” (MORAES, 1997, p. 19). Para a autora, essas teorias, até o presente momento, “constituem as tentativas mais completas de desenvolvimento de uma abordagem global do funcionamento das leis do universo relacionadas à matéria e ao seu movimento” (MORAES, 1997, p. 20-21). A partir do paradigma científico, a autora identifica as teorias do conhecimento e da aprendizagem que tenham correspondência com esses princípios, para tanto, destaca as teorias propostas por autores como Jean Piaget, Paulo Freire, Seymour Papert e Howard Gardner e compreende que este último, “com sua teoria das inteligências múltiplas, enfoca a multidimensionalidade da mente” (MORAES, 1997, p. 24). Compreende que todas essas teorias, apesar de suas especificidades, têm uma visão de totalidade, descrevem a multidimensionalidade do processo de construção do conhecimento, demonstram a não-separabilidade dos aspectos físico, biológico, mental, psicológico, cultural, social, espiritual, reconhecem a subjetividade

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na construção do conhecimento, confirmam a inter-relação entre o indivíduo e seu ambiente, reconhecem o conhecimento como algo que está em processo e que pressupõe a existência de “flexibilidade, plasticidade, interatividade, adaptação, cooperação, parcerias, apoio mútuo como características importantes do processo” (MORAES, 1997, p. 24). Além disso, a autora comenta que estas teorias a auxiliaram a estabelecer novas pautas para a Educação e a definir o Paradigma Educacional Emergente. Moraes defende que parte da problemática educacional atual decorre da “visão de mundo cartesiana, do sistema de valores que lhes está subjacente, de correntes psicológicas que muito influenciaram e que continuam influenciando a Educação” (MORAES, 1997, p. 23). Essa visão de mundo orienta a um processo de fragmentação do pensamento, a uma percepção do mundo como partes desconectadas. Já a física quântica propõe uma “visão de totalidade, esclarece a multidimensionalidade dos processos educativos” (MORAES, 1997, p. 23) e mostra que o conhecimento decorre de aspectos inseparáveis e simultâneos, como dito antes, aspectos físico, biológico, mental, psicológico, cultura, social, espiritual. “Enfatiza a consciência da inter-relação e a interdependência essencial entre todos os fenômenos da natureza” (MORAES, 1997, p. 23). De acordo com Moraes, esta visão de mundo, esta visão de totalidade nos orienta a reconhecer a conexão existente nos problemas educacionais, não podendo ser vistos isoladamente e “oferece também uma construção teórica de como ocorre a participação do sujeito na construção do conhecimento, compreendendo-o como algo que está sempre em processo de construção, uma abstração de um fluxo total e único” (MORAES, 1997, p. 23). Dessa maneira, resgata-se a visão de contexto, de interações e de relações entre os fenômenos educacionais e “traz as noções de inter e Transdisciplinaridade existentes no conhecimento humano” (MORAES, 1997, p. 23). O Paradigma Educacional Emergente, caracterizado como construtivista, interacionista, sociocultural e transcendente, reconhece que: 

Construtivista: o pensamento não tem fronteiras, constrói, reconstrói. O centro decisório do processo de aprendizagem está no educando, que organiza suas experiências de aprendizagem, que constrói seu conhecimento na ação no mundo, de acordo com suas necessidades e situações que ocorrem, e o faz de modo diferente. Valoriza os processos. Tudo está em interdependência, conectado, interligado, que

33 o processo é mais importante que o produto. Criamos o mundo com base em nossa experiência, em nossa forma de observar, olhamos, apreendemos a realidade. Alunos e professores são investigadores em busca de um conhecimento mais profundo e ampliado, nas quais aprimoram suas formas de aprender e de ensinar, baseados no interesse e no prazer na produção do conhecimento e também por exigir sistematização, construção e reconstrução desse conhecimento. Não existe saber pronto e acabado e que estamos envolvidos em um processo constante de construção de conhecimento. O conhecimento científico não pode alcançar a certeza absoluta e final, cada um pode aprimorar e ampliar os saberes existentes. A ciência e o conhecimento científico sempre serão constituídas de afirmações aproximadas e de teorias provisórias. 

Interacionista: sujeito e objeto são organismos vivos, abertos, naturais em interação e interdependência entre si e o meio. Os fenômenos são multidimensionais e sujeito e objeto estão em relação, em troca de energia, matéria e informação. A aprendizagem do aluno só ocorre na medida em que ele age sobre os conteúdos específicos e altera suas próprias estruturas. Percebe que ambos professores e alunos, ensinam e aprendem. Incentiva trabalhos em equipe, espontaneamente constituídas. As salas de aula são vistas como espaços de interação, de experimentação, de movimentação, de criação e de construção de suas próprias obras.



Sociocultural: o conhecimento é construído em interação também com o mundo físico, social e cultural, no contato com os símbolos, com os outros. O social é condição para que o sujeito desenvolva sua capacidade de individuação e seu papel como integrante de uma construção coletiva do social. Promova a integração com o seu contexto, com a sua realidade, que ele possa pensar, refletir, agir sobre essa realidade.



Transcendente: Transcender significa ir mais além, ultrapassar, superar. Realidade interna e externa do sujeito como integrantes de uma mesma unidade, que também tem uma dimensão humana, mas também uma dimensão espiritual e que o “espírito desempenha um papel ativo e organizador, essencial para o desenvolvimento da ação e para a construção do conhecimento” (MORAES, 1997, p. 205).

Este paradigma educacional “busca o desenvolvimento da capacidade de autoconstrução, de autoconsciência baseada na compreensão de sua própria natureza humana e espiritual, que está sempre em construção, mas em interação com o outro e com o mundo da natureza” (MORAES, 1997, p. 206). A partir desse paradigma educacional, Moraes (1997) compreende a Educação como “mediadora de um novo diálogo do homem consigo mesmo, com a sociedade e com a natureza”, que promove a criação de ambientes de aprendizagem que abram espaço de diálogo entre o mundo externo e interno de cada um, que promovam o desenvolvimento do equilíbrio pessoal, a realização de “práticas integradoras corpo-mente-cérebro-espírito” (MORAES, 1997, p. 206), a expressão da solidariedade, cooperação, compaixão entre os seres humanos, com respeito às diferenças, à diversidade de seres e culturas, “visando maior harmonia

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no mundo em que vivemos” (MORAES, 1997, p. 207). A Educação deve criar espaços e instrumentos que “ajudem o aluno a aprender a aprender, aprender a pensar, a conviver e a amar” (MORAES, 1997, p. 211), também a construir caminhos e tomar decisões que levem em conta as realidades individuais e coletivas. Em seu livro Pensamento Eco-sistêmico, Moraes (2004) acrescenta ao Paradigma Educacional Emergente a dimensão afetiva. A inclusão desta dimensão ocorreu a partir de seus estudos das teorias biológicas de Maturana e Varela, mais precisamente sobre o conceito de “mente incorporada” de Varela, em 1996. Esses estudos levaram-na a compreender que: o conhecimento depende de processos auto-organizacionais que acontecem em nossa corporeidade, sinalizando que a cognição não se restringe a apenas ao que acontece no cérebro humano, mas integra uma totalidade da qual participa todo o organismo humano. E, nesta integração, as emoções e sentimento têm um papel fundamental. (MORAES, 2004, p. 296)

1.2 COMPLEXIDADE As propostas de Edgar Morin, a respeito do paradigma, do pensamento e do conhecimento complexos são oriundas de várias teorias das quais o conceito de Complexidade é o mais expressivo. Surgiu na Ciência com o desenvolvimento da física quântica, da teoria da informação, da cibernética, da teoria dos sistemas, do conceito de auto-organização da biologia do século XX. Em termos gerais, Complexidade significa ‘aquilo que é tecido junto’ (MORIN, 2007).

Mas não se

resume a isto, pois este significado modifica toda a maneira de como se compreende o ser e a realidade na qual se vive, a maneira de como se pensa, constrói e organiza o conhecimento e a maneira como se age e desenvolve as atividades em geral. Além disso, as discussões propostas por estas novas ciências revelaram que o paradigma da simplificação – baseado nos princípios da disjunção, da fragmentação, da simplificação – não dava mais conta de resolver os novos desafios encontrados. Com base nessas mudanças, uma das questões que Morin apresenta são suas ideias acerca do paradigma que emerge, o Paradigma da Complexidade. Para iniciar a travessia por sua compreensão da palavra paradigma, apresento alguns conceitos, presentes em sua obra Introdução ao Pensamento Complexo:

35 Qualquer conhecimento opera por seleção de dados significativos e rejeição de dados não significativos; separa (distingue ou disjunta) e une (associa, identifica), hierarquiza (o principal e o secundário) e centraliza (em função de um núcleo de noções chaves). Estas operações, que se utilizam da lógica, são de fato comandadas por princípios ‘supralógicos’ de organização do pensamento ou paradigmas, princípios ocultos que governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos consciência disso. (MORIN, 2007, p. 10) A palavra paradigma é constituída por certo tipo de relação lógica extremamente forte entre noções-mestras, noções-chaves, princípioschaves. Esta relação e estes princípios vão comandar todos os propósitos que obedecem inconscientemente seu império. (MORIN, 2007, p. 59) Um paradigma é um tipo de relação lógica (indução, conjunção, disjunção, exclusão) entre certo número de noções ou categorias mestras. Um paradigma privilegia certas relações lógicas em detrimento de outras, e é por isto que um paradigma controla a lógica do discurso. O paradigma é uma maneira de controlar ao mesmo tempo o lógico e o semântico. (MORIN, 2007, p. 112)

Dessas

definições,

podemos

extrair

relações

com

outros

conceitos

importantes, (a) o paradigma desempenha, ao mesmo tempo, papel subterrâneo e soberano em qualquer teoria, doutrina e ideologia; (b) os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles; (c) é inconsciente, mas irriga o pensamento consciente, controla-o e, nesse sentido, é também superior à consciência. Podemos perceber que Morin estabelece forte ligação entre as noções de paradigma e de pensamento. Cabe ressaltar que “se o paradigma rege os usos metodológicos e lógicos, o pensamento deve vigiar o paradigma” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 38) e que o Pensamento Complexo não é uma nova lógica. Ele precisa da lógica aristotélica, mas necessita também transgredi-la, colocando em evidência outros modos de se usar a lógica. Para tanto, as operações lógicas que regem essas noções são: distinguir (diferenciar) sem disjungir (separar) e de associar sem reduzir. Então, para compreender que paradigma é esse, faz-se necessário compreender como esse pensamento é regido por estas lógicas e quais as características o compõem. Que pensamento é esse? Morin nos convida a refletir: há sempre a necessidade de se pensar assim, de forma complexa (tecida em conjunto), quando nós precisamos articular, relacionar, contextualizar (e isso ocorre quase sempre!). Para ele, pensar significa construir uma arquitetura de ideias em movimento. E por ser complexo, possui várias características, como: (1) está aberto ao

36

inesperado e é capaz de rever as teorias e ideias para ser capaz de recebê-lo; (2) não recusa de modo algum a clareza, a ordem, o determinismo. Mas considera-os insuficientes, pois sabe que não se pode programar a descoberta, o conhecimento nem a ação; (3) reconhece e examina os fenômenos como sendo multidimensionais; (4) reconhece e trata as realidades que são ao mesmo tempo solidárias e conflituosas; (5) respeita as diferenças e reconhece a unicidade; (6) distingue noções e as une, ao mesmo tempo; (7) é capaz de se desdobrar em uma ética da união e da solidariedade em humanos; (8) é capaz de não se fechar no local e no particular, mas de conceber conjuntos; (9) favorece o senso de responsabilidade e Cidadania; (10) pressupõe o reconhecimento dos princípios de incompletude e de incerteza; (11) é um pensamento que liga, que enfrenta a incerteza, que reata, articula, compreende e, que por sua vez, desenvolve sua própria autocrítica; (12) reconhece uma causalidade circular e multirreferencial; (13) reconhece a necessidade de integração do observador e do conceptor em sua observação e em sua concepção; (14) não resolve por si só os problemas, mas se constitui em uma estratégia para resolvê-los; (15) reconhece o estado transitório e quase esquemático de todo conceito; (16) não despreza o simples, mas critica a simplificação; (17) é rotativo, em espiral; (18) deve realizar a rotação da parte para o todo e do todo para a parte, do objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto; (19) supõe um duplo jogo: simplificar/complexificar; (20) é lógico, mas reconhece o movimento inevitável do pensar e da imaginação; (21) tem a ambição de dar conta das articulações entre os campos disciplinares; (22) é multidimensional e aspira um conhecimento também multidimensional, mas sabe que o conhecimento completo é impossível; (23) o pensamento deve ser feito por meio de macroconceitos, ou seja, por meio da associação de conceitos/noções até então separados, por vezes antagônicos; (24) tem como princípios lógicos necessariamente a disjunção (separação), a conjunção (união) e a implicação (encadeamento). Além disso, o pensamento deve enfrentar o emaranhado das retroações, a solidariedade dos fenômenos, a incerteza, a contradição. Para tanto, Morin (2010a) propõe alguns princípios que orientam esta aventura. Não são princípios simplesmente justapostos, são necessários uns aos outros, ou ainda, são distintos e complementares.

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Aponta sete operadores cognitivos ou princípios metodológicos para um pensamento que une, ou seja, um Pensamento Complexo, que resumidamente são: (1) princípio sistêmico ou organizacional – compreende que a soma das partes é maior e menor do que o todo; (2) princípio hologramático – compreende que a parte está representada no todo e o todo está representado na parte; (3) princípio da autonomia/dependência – compreende a relação de auto-eco-organização, evidencia que, para manter sua autonomia, qualquer organização precisa realizar trocas com o meio que a nutre e ao qual transforma; (4) princípio do circuito retroativo – compreende que a causa influencia no efeito que influencia novamente sobre a causa; (5) princípio do circuito recursivo – compreende que os produtos são necessários para a própria produção do processo, dinâmica autoprodutiva e auto-organizacional; (6) princípio dialógico – compreende que os opostos são indissociáveis, inseparáveis em uma mesma realidade; (7) princípio da reintrodução do sujeito cognoscente em todo o conhecimento – compreende que é necessário reintroduzir o papel do sujeito observador em todo o conhecimento. Estes princípios serão mais detalhados no item Pesquisa baseada na Complexidade e na Transdisciplinaridade. Dentro da noção de paradigma e de Pensamento Complexos, aparece clara uma outra concepção: conhecimento. A relação entre o pensamento e o conhecimento, ambos complexos, pressupõe que, para este pensamento, o caminho do conhecimento nunca termina; enfatiza-se a humanidade do conhecimento; compreende-se que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes; reconhece que o Pensamento Complexo deve ser capaz de unir e solidarizar conhecimentos separados. Destacando essa relação entre pensamento e conhecimento, Morin afirma: O Pensamento Complexo também é animado por uma tensão permanente entre a aspiração de um saber não fragmentado, não compartimentado, não redutor, e o conhecimento do inacabado e da incompletude de qualquer conhecimento. (MORIN, 2007, p. 7)

Que conhecimento é esse? O conhecimento, como fruto da atividade do pensamento, regido pelo paradigma, – todos complexos – reconhece como válido o princípio de Blaise Pascal: Como todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas e todas são sustentadas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero

38 impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes. (MORIN, 2010a, p. 88)

Esse princípio convida à compreensão de um conhecimento em movimento que: (1) progride indo das partes para o todo e do todo para as partes; (2) comporta o erro e a ilusão; (3) comporta a integração do conhecedor em seu conhecimento; (4) desenvolve teorias abertas, racionais, críticas, reflexivas, autocríticas e aptas a reformar-se; (5) da mesma forma que a organização viva, deve ser, ao mesmo tempo, aberto e fechado; (6) reconhecer as disciplinas e as ideias como tecidos em conjunto; (7) é, ao mesmo tempo, tradução e reconstrução do mundo exterior e comporta interpretação. Nesse sentido, ao analisar o conhecimento científico, reconhece que ele é um poderoso meio de detecção de erro e de luta contra as ilusões. Mesmo assim, os paradigmas, que controlam a Ciência e a produção do conhecimento, também podem desenvolver ilusões. Por isso, nenhuma teoria está imune ao erro. Além disso, Morin apresenta uma nova compreensão sobre a objetividade científica. Ele não a vê mais como um dado e, sim, como um produto, pois nós “somos produtores dos objetos que conhecemos; cooperamos com o mundo exterior e é esta coprodução que nos dá a objetividade do objeto” (MORIN, 2007, p. 111). Paradigma, pensamento e conhecimento nutridos pela Complexidade são três conceitos que não podem ser revelados um sem o outro, apesar de ser possível distingui-los individualmente. Além disso, estabelecer o adjetivo ‘complexo’ a todos eles agrega uma série de outras noções, de outros conceitos, como incerteza, abertura, reflexão, multidimensionalidade, articulação, ligação, entre outros, que interagem na construção de cada um dos conceitos referidos, qualificando-os particularmente. Sob a ótica da Complexidade, falar de paradigma implica em falar de pensamento, que implica em falar de conhecimento, que implica em falar de paradigma e assim segue em um movimento em espiral, estabelecendo uma causalidade circular e recursiva. O paradigma para que seja complexo, segundo Morin, é necessário que reconheça o pensamento, as realidades, os conhecimentos, as relações e os fenômenos como tecidos em conjunto, além de permitir distinguir (diferenciar) sem disjungir (separar) e de associar sem reduzir.

39

1.3 TRANSDISCIPLINARIDADE A Transdisciplinaridade, conforme apresentada por Basarab Nicolescu, é uma nova visão de mundo, com o objetivo de compreender o mundo presente (NICOLESCU, 1999). É também um novo tipo de conhecimento (NICOLESCU, 2000a), surgido a partir de um movimento indispensável de constituição de laços entre as disciplinas que emergiu na metade do século XX, representado pela Interdisciplinaridade e pela Transdisciplinaridade. A Interdisciplinaridade propõe a “transferência de métodos de uma disciplina para a outra” (NICOLESCU, 1999, p. 52), podendo ser em grau de aplicação, em grau epistemológico ou em grau de geração de novas disciplinas. Apesar de ultrapassar as disciplinas, ainda “[...] sua finalidade permanece inscrita na pesquisa disciplinar” (NICOLESCU, 1999, p. 53). Já a Transdisciplinaridade, por meio do prefixo “trans”, “diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina” (NICOLESCU, 1999, p. 53 – grifos do autor). Possui três eixos constituintes, a saber, Níveis de Realidade, Lógica do Terceiro Incluído e Complexidade. De acordo com Nicolescu, Realidade é “aquilo que resiste a nossas experiências, representações, descrições, imagens ou formalizações matemáticas” (NICOLESCU, 2000a, p. 17).

Compreende a estrutura da realidade como

multidimensional (várias dimensões, vários Níveis de Realidade) e multirreferencial (várias visões, vários pontos de vista, vários Níveis de Percepção), composta por uma

estrutura

ternária,

formada

pelo

sujeito

transdisciplinar,

pelo

objeto

transdisciplinar e pela zona de não-resistência ou terceiro oculto (ver figura 1). E o real simplesmente é, sempre velado e inacessível à racionalidade humana.

40 Figura 1 - Realidade Transdisciplinar

Fonte: NICOLESCU, 2007, p. 45.

Nicolescu compreende Nível de Realidade como sendo “um conjunto de sistemas invariável sob a ação de um número de leis gerais”. Então, “dois Níveis de Realidade são diferentes se, passando de um ao outro, houve ruptura das leis e ruptura dos conceitos fundamentais” (NICOLESCU, 2000a, p. 18), mas isso não impede os dois níveis de coexistirem. Todos os Níveis de Realidade, tanto do objeto, quanto do sujeito, são descontínuos e incompletos. A integração e continuidade é dada à zona de não-resistência (NICOLESCU, 2007). Por meio da ideia de Níveis de Realidade se depreende que a Realidade é formada por esses diferentes níveis, que são percebidos pelos sujeitos por seus diferentes Níveis de Percepção. Todos esses Níveis de Realidade e de Percepção são interligados (termo de interação X) por uma zona de não-resistência “de absoluta transparência às nossas experiências, representações, descrições, imagens e formulações matemáticas”, ou seja, é “àquilo que não se submete a nenhuma racionalização” (NICOLESCU, 2000b, p. 132), o que ele denomina de sagrado – (ver figura 2). Ainda argumenta que “se há um Nível de Realidade que elimina o sagrado, então sua auto-destruição é gerada” (NICOLESCU, 2007, p. 43).

41

Figura 2 - Níveis de Realidade, Níveis de Percepção e Termo de Interação X

Fonte: Nicolescu (2002, p. 47; 2008, p. 5).

Na parte da esquerda estão desenhados, simbolicamente, os Níveis de Realidade (NR) do objeto transdisciplinar. À direita, estão representados os Níveis de Percepção (NP) do sujeito transdisciplinar. No meio, se encontra o ponto de interação X, local da zona de não-resistência. O índice n pode ser finito ou infinito, exemplo: “NR ,..., NR , NR , NR , NR ; NR ,..., NR ” (NICOLESCU, 2002, p. 47), que, n

2

1

0

-1

-2

-n

um a um, tem correspondência com um Nível de Percepção,“NP ,..., NP , NP , NP , n

2

1

0

NP ; NP ,..., NP ” (NICOLESCU, 2008, p. 9). -1

-2

-n

Dois níveis próximos, NR e NR estão unidos pela Lógica do Terceiro 1

2,

incluído. Essa lógica considera que há uma terceira possibilidade integrada pela interação entre dois pares de opostos – “terceiro termo que é ao mesmo tempo A e Não-A” (NICOLESCU, 2002, p. 51) –, que, em outro Nível de Realidade, se complementam, sendo assim, uma terceira representação diferente das anteriores (ver figura 3). “A terceira dinâmica, aquela do estado-T, é exercida em um outro Nível de Realidade, onde aquilo que percebemos como desunido está de fato unido

42

e aquilo que parece contraditório é percebido como não contraditório” (NICOLESCU, 2002, p. 51), e assim por diante ao longo dos Níveis de Realidade, como exemplificado na figura 3. O autor acrescenta que “na lógica do terceiro incluído, os opostos são antes contraditórios: a tensão entre os contraditórios promove uma unidade que inclui e vai além da soma dos dois termos” (NICOLESCU, 2000a, p. 24) e deve ser aplicada em casos de natureza complexa, pois justamente promove a integração e não a exclusão. Figura 3 - Nível de Realidade (NR) e o Terceiro Incluído

Fonte: Baseada em Moraes (2008, p.122) e em Nicolescu (2002, p. 51; 2008, p. 7).

O princípio da relatividade diz que não há um nível mais importante do que o outro, nenhum tem lugar privilegiado a partir do qual se compreende os demais Níveis de Realidade. Temos a existência de pelo menos 3 Níveis de Realidade: nível macrofísico, nível microfísico e realidade virtual. Ele sugere a existência de um quarto: das supercordas, “que unifica as interações físicas” (NICOLESCU, 2007, p. 45) e afirma ainda que podem existir outros nos sistemas naturais: Baseado na definição dos Níveis de Realidade, nós podemos identificar outros níveis nos sistemas naturais. Por exemplo, nos sistemas sociais, nós podemos falar sobre o nível individual, o nível geográfico e histórico da comunidade, o nível tempo-espaço-ciber da comunidade e o nível planetário. (NICOLESCU, 2007, p. 45)

Levando em consideração a estrutura ternária da realidade (objeto transdisciplinar, sujeito

transdisciplinar e interação/terceiro oculto), Basarab

acrescenta que podemos deduzir “outros níveis ternários extremamente úteis na análise de situações concretas” (NICOLESCU, 2007, p. 46):

43

Tabela 1 - Níveis ternários distribuídos na estrutura ternária da Realidade

Objeto transdisciplinar Sujeito transdisciplinar

Interação

Níveis de organização

Níveis de estruturação

Níveis de integração

Níveis de confusão

Níveis de linguagem

Níveis de interpretação

Níveis físicos

Níveis biológicos

Níveis psicológicos

Níveis de ignorância

Níveis de inteligência

Níveis de contemplação

Níveis de objetividade

Níveis de subjetividade

Níveis de complexidade

Níveis de conhecimento

Níveis de entendimento

Níveis de ser

Níveis de materialidade

Níveis de espiritualidade

Níveis de não-dualidade

Fonte: Baseada em informações de Nicolescu (2007, p. 46-47)

Sobre as experiências religiosas e de criação artísticas, Basarab explica que elas “não podem ser equiparadas a Níveis de Realidade. Elas meramente correspondem a atravessar níveis na zona de não-resistência” (NICOLESCU, 2007, p. 48). Nesta visão ternária da Realidade, que engloba sujeito transdisciplinar, objeto transdisciplinar e o sagrado, sendo estas três facetas da Realidade, Nicolescu (1999, p. 82) comenta que sem uma delas, a Realidade deixa de ser real e se torna “fantasmagoria destrutiva”, ou seja: A Realidade reduzida ao Sujeito gerou as sociedades tradicionais, que foram varridas pela modernidade. A Realidade reduzida ao Objeto leva aos sistemas totalitários. A Realidade reduzida ao sagrado leva ao fanatismo e aos integralismos religiosos. Uma sociedade viável só pode ser aquela onde as três facetas são reunidas de maneira equilibrada. (NICOLESCU, 2007, p. 82).

A partir, também, dos Níveis de Realidade, compreendemos que o espaço entre as disciplinas e além delas está cheio de possibilidades, como o vazio quântico: “da partícula quântica às galáxias, do quark aos elementos pesados que condicionam o aparecimento da vida no universo” (NICOLESCU, 1999, p. 54). O autor também comenta que a Lógica do Terceiro Incluído cria uma estrutura aberta da unidade dos Níveis de Realidade, isso implica na “impossibilidade de uma teoria completa e auto-referente” (NICOLESCU, 2002, p. 51), e, sendo assim, concebe um conhecimento para sempre aberto.

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Levando em consideração os Níveis de Realidade, a Lógica do Terceiro Incluído e a Complexidade, Nicolescu formulou os três axiomas da metodologia transdisciplinar (NICOLESCU, 2010, p. 24): 1. Axioma ontológico: há, na natureza e sociedade e em nosso conhecimento da natureza e sociedade, diferentes Níveis de Realidade do objeto e, correspondentemente, diferentes Níveis de Realidade do sujeito. 2. Axioma lógico: A passagem de um Nível de Realidade para outro é garantida pela lógica do terceiro incluído. 3. Axioma epistemológico: a estrutura da totalidade dos Níveis de Realidade ou percepção é uma estrutura complexa: todo nível é o que é porque todos os outros existem ao mesmo tempo.

Nicolescu comenta que os axiomas não podem ser demonstrados, por não serem teoremas. Suas raízes são os resultados advindos de pesquisas experimentais e teóricas e “sua validade é julgada pelos resultados de duas aplicações. Se os resultados estão em contradições com fatos experimentais, então eles devem ser alterados ou substituídos” (NICOLESCU, 2007, p. 43). Em termos de pesquisa, a pesquisa disciplinar diz respeito, no máximo, a um Nível de Realidade. Já a Transdisciplinaridade se interessa pela “dinâmica gerada pela ação de vários Níveis de Realidade ao mesmo tempo” (NICOLESCU, 2000a, p. 12), que passa pelo conhecimento disciplinar e também se alimenta da pesquisa disciplinar, sendo complementar a ela. Não se constitui como uma nova disciplina, nem como uma hiperdisciplina, nem como a totalidade do conhecimento. Juntas a disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a Transdisciplinaridade se constituem como flechas de um único e mesmo arco do conhecimento. (NICOLESCU, 1999) A Complexidade é uma característica da realidade, da natureza, dos fenômenos, das relações sociais e naturais, ou seja, se encontra na própria natureza das coisas e dos seres, da vida, como do próprio Universo. É também “um tecido de elementos heterogêneos inseparavelmente associados” e, também, a “rede de eventos, ações, interações, retroações, determinações, acasos que constituem nosso mundo fenomênico” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 44). Ela é nutrida pela explosão da pesquisa disciplinar e, ao mesmo tempo, ela determina aceleração da multiplicação das disciplinas. Ela “se mostra por toda parte, em todas as ciências humanas ou exatas, rígidas ou flexíveis” (NICOLESCU, 1999, p. 47). Ao mesmo tempo, é um macroconceito, que envolve e se constitui na interação entre outros vários conceitos, e, também, é uma construção humana, por ser uma teoria da qual

45

emergem o paradigma da Complexidade, a epistemologia da Complexidade, o Pensamento Complexo, que todos juntos, influenciam como se pensa e se constrói um método de pesquisa (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009). Nicolescu (2007) comenta que há várias teorias da Complexidade que não incluem nem a noção de Níveis de Realidade e nem a zona de não-resistência. Mas ele identifica a compreensão de Complexidade de Edgar Morin como sendo compatível com essas noções. Orienta como sendo importante distinguir Complexidade

horizontal,

“refere-se

um

único

Nível

de

Realidade”,

e

a

Complexidade vertical, “refere-se a vários nívels de realidade” (NICOLESCU, 2007, p. 53). Completa dizendo que do ponto de vista da Transdisciplinaridade, “a Complexidade é a forma moderna do princípio muito antigo da interdependência universal” (NICOLESCU, 2007, p. 53), ou seja: O princípio da interdependência universal implica o máximo possível simplicidade que a mente humana possa imaginar, o da interação de todos os Níveis de Realidade. Esta simplicidade não pode ser capturada por linguagem matemática, mas apenas por uma linguagem simbólica. A linguagem matemática aborda exclusivamente à mente analítica, enquanto a linguagem simbólica dirige-se à totalidade do ser humano, com seus pensamentos, sentimentos e corpo . (NICOLESCU, 2007, p. 53).

Morin, Ciurana e Motta, na perspectiva da Complexidade, compreendem que uma teoria “não é o conhecimento, ela permite o conhecimento. Uma teoria não é uma chegada, é a uma possibilidade de uma partida. Uma teoria não é uma solução, é a possibilidade de tratar um problema” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 24). Além disso, percebem que a teoria só cumpre seu papel cognitivo, se o sujeito emprega plenamente sua atividade mental e, assim, percebem que essa intervenção do sujeito é que confere ao termo método seu papel indispensável para a teoria. Para que o método possa ser desenvolvido, ele precisa de “estratégia, iniciativa, invenção e arte” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 24), pois o sujeito que o cria é capaz de aprender, inventar e criar durante o caminho da pesquisa. Assim, se estabelece uma dinâmica recursiva entre método e teoria, a teoria gera o método que regenera a teoria. 1.4 FORMAÇÃO DOCENTE E DOCÊNCIA À LUZ DA COMPLEXIDADE E DA TRANSDISCIPLINARIDADE Neste tópico, apresento as palavras de autoras, autores e documentos que trazem inspirações para a compreensão de como a formação docente e a docência

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são caracterizadas e entendidas com base nas teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Inspirações decorrentes da Carta da Transdisciplinaridade e do autor Barasab Nicolescu Na Carta da Transdisciplinaridade, escrita em 1994, da qual Nicolescu é um dos redatores, o artigo 11 traz características de uma Educação autêntica e transdisciplinar, que considero relevante para esta pesquisa: Uma Educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Ela deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A Educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos. (NICOLESCU, 1999, p. 164)

Nicolescu (1999), em seu livro Manifesto da Transdisciplinaridade, além de publicar esta carta como anexo, ressalta outros elementos a respeito da evolução transdisciplinar da Educação, lançando um olhar com abordagem transdisciplinar sobre os quatro pilares de um novo tipo de Educação, presentes no Relatório Delors (1998), da UNESCO: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver em conjunto e aprender a ser. Ao falar sobre aprender a conhecer, Nicolescu destaca a aprendizagem de métodos que ajudem a distinguir o que é real do que é ilusório e vê o ingresso à ciência como indispensável, desde a mais tenra idade, pois “ela dá acesso, desde o início da vida humana, à inesgotável riqueza do espírito científico, baseado no questionamento, na recusa a qualquer resposta pré-fabricada e de toda certeza em contradição com os fatos” (NICOLESCU, 1999, p. 144). Isso não quer dizer que se deva ter o aumento desmedido das disciplinas científicas na formação escolar. Significa trabalhar a qualidade do que é ensinado, possibilitando que a pessoa, seja ela criança, jovem ou adulto “penetre no coração do procedimento científico, que é o questionamento permanente em relação à resistência dos fatos, das imagens, das representações, das formalizações” (NICOLESCU, 1999, p. 145). Significa também ser capaz de estabelecer pontes entre diferentes saberes, entre eles e seus significados para o dia a dia e entre eles, seus significados e nossas capacidades interiores. De maneira complementar ao procedimento disciplinar, a abordagem transdisciplinar “conduzirá a um ser incessantemente re-

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ligado, capaz de se adaptar às exigências em mutação da vida profissional e dotado de uma flexibilidade sempre orientada para a atualização de suas potencialidades interiores” (NICOLESCU, 1999, p. 145 – grifos do autor). Ao falar sobre o aprender a fazer, o autor o relaciona, sem dúvida, ao aprender uma profissão, seus conhecimentos e práticas, passando necessariamente por uma especialização. Ele ressalta a importância de não nos congelarmos em uma única e mesma profissão a vida toda e de banirmos a especialização excessiva e precoce. Recomenda que, para nosso mundo em rápida mutação, “toda profissão no futuro deveria ser uma verdadeira profissão a ser tecida, [...] que estaria ligada no interior do ser humano [...]. Não se trata [...] de admitir várias profissões ao mesmo tempo, mas de construir interiormente um núcleo flexível que rapidamente daria acesso a outra profissão” (NICOLESCU, 1999, p. 145-146 – grifos do autor). O autor acrescenta que nesse aprender a fazer também está presente o aprendizado da criatividade, desse fazer o novo e trazer suas potencialidades à tona. Isso significa assegurar às pessoas as condições para desenvolvimento de suas potencialidades criadoras. Propõe que “a abordagem transdisciplinar está baseada no equilíbrio entre o homem interior e o homem exterior” (NICOLESCU, 1999, p. 146). Nicolescu aborda o aprender a conviver, ou seja, a viver em conjunto, destacando a importância do “respeito às normas que regem as relações entre os seres que compõem uma coletividade” (NICOLESCU, 1999, p. 147). Mas comenta que essas normas devem ser compreendidas interiormente por cada ser humano, validadas pela experiência interior de cada ser. Para isso, é necessário “reconhecerse a si mesmo na face do Outro” (NICOLESCU, 1999, p. 147), desenvolvendo-se assim, desde a infância e ao longo da vida, de uma atitude transcultural, transnacional, transpolítica e transreligiosa. Em relação ao aprender a ser, Nicolescu sugere que comecemos pelo que a palavra "existir" quer dizer para cada um de nós e empreender escavações sobre nossas certezas, crenças e questionamentos. Lembra-nos de sempre questionar, vendo no espírito científico um "precioso guia" (NICOLESCU, 1999, p. 148). Diz-nos que é um aprendizado constante presente também na relação entre educadores e educandos. Significa "aprender a conhecer e respeitar aquilo que liga o Sujeito e o Objeto" (NICOLESCU, 1999, p. 148). O autor nos propõe duas perguntas que

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interligam os pilares desse sistema de Educação: "Como aprender a fazer aprendendo a conhecer? e Como aprender a ser aprendendo a viver em conjunto?" (NICOLESCU, 1999, p. 148-149). Ele continua nos instigando à compreensão de que uma Educação viável é aquela que se pretende ser uma Educação integral do homem, ou seja, "se dirige à totalidade aberta do homem e não apenas a um de seus componentes" (NICOLESCU, 1999, p. 149). No caso, a Educação atual privilegia a inteligência, o cognitivo em detrimento da sensibilidade e do corpo. Nicolescu comenta que a inteligência assimila os saberes mais rápido e melhor se eles também forem compreendidos com o corpo e com o sentimento. Reforça que devemos trabalhar o equilíbrio entre a inteligência analítica, os sentimentos e o corpo, de maneira a conciliar efetividade e afetividade. Ressalta que a Educação transdisciplinar é uma Educação permanente e deve ser exercida em instituições de ensino formal, do maternal à Universidade, mas "também ao longo da vida e em todos os lugares da vida” (NICOLESCU, 1999, p. 151). Em instituições de ensino, não há a necessidade de criar novos departamentos, ou novas cadeiras, pois "a Transdisciplinaridade não é uma nova disciplina e os pesquisadores transdisciplinares não são novos especialistas" (NICOLESCU, 1999, p. 151). Neste contexto da Educação formal, o autor sugere a criação de uma "oficina de pesquisa transdisciplinar" (NICOLESCU, 1999, p. 151 – grifos do autor), na qual seus membros devem mudar com o tempo e que deve promover a integração entre educadores e educandos. Mas, Nicolescu abre o contexto de atuação desta oficina ao dizer que ela "poderia ser experimentada nas empresas e em qualquer outra coletividade, nas instituições nacionais e internacionais" (NICOLESCU, 1999, p. 151). Corroborando com esta perspectiva, no Comunicado final elaborado, em 1991, no Congresso Ciência e Tradição: Perspectivas Transdisciplinares para o século XXI, do qual Nicolescu também é um dos redatores, aparecem algumas considerações a respeito da existência de especialistas transdisciplinares não ser condizente com a proposta da Transdisciplinaridade. Sendo assim, seria mais adequado

dizer

da

existência

de

pesquisadores

animados

pela

atitude

transdisciplinar. Então pesquisadores transdisciplinares imbuídos desse espírito: só podem se apoiar nas diversas atividades da arte, da poesia, da filosofia, do pensamento simbólico, da ciência e da tradição, elas próprias inseridas

49 em sua própria multiplicidade e diversidade. Eles podem desaguar em novas liberdades do espírito graças a estudos transhistóricos ou transreligiosos, graças a novos conceitos como transnacionalidade ou novas práticas transpolíticas, inaugurando uma Educação e uma ecologia transdisciplinares. (COMUNICADO FINAL DO CONGRESSO CIÊNCIA E TRADIÇÃO, 1991, p. 1-2)

Considerando esta proposta de uma evolução transdisciplinar da Educação e tendo como bases teóricas a Transdisciplinaridade e a Complexidade, autores, autoras e documentos referenciais nos apresentam inspirações a respeito da Educação transdisciplinar, da formação docente, da docência e da didática. Todas elas são caracterizadas como transdisciplinares, ou seja, que requerem do educador uma atitude; uma maneira de ver; um conhecimento e um compromisso com o mundo, com a vida e com a Educação; um espírito; uma prática; todos também transdisciplinares. Inspirações decorrentes do documento Declaração de Zurique A Declaração de Zurique, construída na Conferência Transdisciplinar Internacional realizada em Zurique, no ano 2000, apresenta declarações sobre o que uma formação docente transdisciplinar deve considerar: - abrir a Educação em direção a uma Educação integral do ser humano que transmita a busca pelo sentido; - fazer com que a Universidade evolua em direção ao estudo do Universal no contexto de uma aceleração sem precedentes do conhecimento fragmentado; - revalorizar o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo como profundamente enraizados na transmissão do conhecimento, conforme estabelecido na conclusão do 2º Congresso Internacional "Que Universidade para o Amanhã? Em direção à Evolução Transdisciplinar da Universidade" em Locarno, 1997. (DECLARAÇÃO DE ZURIQUE, 2000, p. 1)

Estas

declarações

fundamentais

veem

embebidas

pelos

princípios

fundamentais de Transdisciplinaridade também abordada na declaração como: abarcam tanto o desenvolvimento interior quanto exterior do indivíduo, a saber: - competência no campo da real vocação do indivíduo, - ética: compromisso, responsabilidade e respeito, - espiritualidade no sentido amplo: como conceituada na Carta da Transdisciplinaridade adotada no Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade em Arrábida, Portugal, 02 a 07 de novembro de 1994; (DECLARAÇÃO DE ZURIQUE, 2000, p. 1)

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Inspirações decorrentes do documento Mensagem de Vila Velha/Vitória A Mensagem de Vila Velha/Vitória, elaborada em 2005, no II Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, entre outros aspectos, destaca as características da atitude, da pesquisa e da ação transdisciplinares, a saber: a Atitude Transdisciplinar busca a compreensão da Complexidade do nosso universo, da Complexidade das relações entre sujeitos, dos sujeitos consigo mesmos e com os objetos que os circundam, a fim de recuperar os sentidos da relação enigmática do ser humano com a Realidade - aquilo que pode ser concebido pela consciência humana - e o Real - como referência absoluta e sempre velada. Para isso, propõe a articulação dos saberes das ciências, das artes, da filosofia, das tradições sapienciais e da experiência, que são diferentes modos de percepção e descrição da Realidade e da relação entre a Realidade e o Real. a Pesquisa Transdisciplinar pressupõe uma pluralidade epistemológica. Requer a integração de processos dialéticos e dialógicos que emergem da pesquisa e mantém o conhecimento como sistema aberto; a Ação Transdisciplinar propõe a articulação da formação do ser humano na sua relação com o mundo (ecoformação), com os outros (hetero e coformação), consigo mesmo (autoformação), com o ser (ontoformação), e, também, com o conhecimento formal e o não formal. Procura uma mediação dos conflitos que emergem no contexto local e global, visando à paz e à colaboração entre as pessoas e entre as culturas, mas sem desconsiderar os contraditórios e a valorização de sua expressão. (MENSAGEM DE VILA VELHA/VITÓRIA, 2005, p. 1-2)

Sendo assim, considera que esses três eixos devem permear todos os níveis de Educação formal e não formal, e consequentemente a formação docente, articulando diferentes saberes e diferentes níveis dos seres humanos. Além disso, comenta que, para uma avaliação transdisciplinar das ações, é importante que integremos parâmetros qualitativos e quantitativos. Inspirações decorrentes do documento Decálogo sobre Transdisciplinaridade e Ecoformação O Decálogo sobre Transdisciplinaridade e Ecoformação (TORRE; PUJOL; MORAES, 2011) foi constituído no I Congresso Internacional de Inovação Docente, realizado em Barcelona, em 2007, dentre suas 10 projeções, duas delas se referem à Educação. Os autores veem que a Educação pode dar pistas de como viver em um mundo planetário de humanidade e irmandade, ou seja, pode desenvolver essa nova cidadania planetária regida pela convivência, harmonia e paz. A Educação transdisciplinar evidencia a necessidade de se planejar, utilizar e avaliar os recursos que se têm disponíveis e buscar estratégias que permitam o diálogo disciplinar por meio de diferentes linguagens (arte, música, poesia, teatro

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etc) para conectar mente, corpo, emoção, que desenvolvam ações que promovam a expressão do processo e perguntas como porta de entrada para o pensamento crítico e para a curiosidade e que criem cenários que levem em consideração a tomada de consciência, o sentir, o vivenciar, o pensar, o aplicar, o integrar. Propõe que busquemos recursos didáticos que “permitam enfatizar as emoções, a presença do acaso, a causalidade circular e o dinamismo como forma de se aproximar do estudo da natureza, da sociedade e da pessoa” (TORRE; PUJOL; MORAES, 2011, p. 86). Essa Educação deve propiciar o desenvolvimento de valores, atitudes e habilidades, para que as pessoas aprendam a gerir as informações que lhes chegam todos os dias, aprendam a se relacionar, a se solidarizar, a crescer interiormente, a serem cidadãos éticos e felizes. Inspirações decorrentes do documento Declaração de Barcelona: Transdisciplinaridade e Educação A Declaração de Barcelona (SANZ; TORRE, 2011) é fruto de Jornadas de Inovação Universitária: Transdisciplinaridade e Ecoformação, em 2006, e submetido à discussão no grupo GIAD, a partir da Complexidade, da Transdisciplinaridade e da Ecoformação, enfatiza que uma visão de investigação e de formação deva ser baseada em valores, desenvolvimento da consciência, na criação de redes e campos de aprendizagem. Em relação à formação docente, o documento propõe que devemos: (1) promover entre os docentes uma atitude contínua de verificação e de contraste entre certezas e incertezas; (2) fomentar o diálogo e a tolerância perante posições e propostas diferentes das nossas; (3) propiciar uma visão interativa dos conhecimentos disciplinares e dos saberes de experiências pessoais ou coletivas, vivências e depoimentos; (4) trabalhar as crenças e as teorias implícitas entrando em motivações arraigadas que explicam muitos comportamentos; (5) criar situações e condições de aprendizagem que permitam conhecer os sujeitos, os conteúdos e os meios, conhecer os processos e suas estratégias de implicação, pois a aprendizagem não se ensina, não se compra, nem se vende, mas se promove, se encoraja, e se reconhece; (6) estimular que o docente creia em si e em suas capacidades para conseguir as metas que propõe, daí a importância de se ter projetos e sonhos por alcançar.

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Para tanto, este documento destaca também outras implicações pedagógicas e didáticas desta visão complexa e transdisciplinar: (a) a inter-relação entre todos os elementos de um sistema, seja ele educativo, dentro ou fora de aula, são determinantes para explicar qualquer feito concreto e sua relação com o contexto; (b) a presença de referências de valores normas e saberes são fundamentais em um espaço aberto no qual a formação não se atribui somente à organização dos conteúdos conceituais acadêmicos em uma aula, mas também ao meio social e culturalmente enriquecidos com recursos, procedimentos, estratégias, materiais e estímulos favorecedores de capacidades, competências e espírito criativo; (c) a incorporação de situações didáticas e cenários, nos quais os sujeitos em formação vivenciem a cultura, atitudes e valores. São espaços abertos ao diálogo conceituais e disciplinares entre pessoas; (d) a constituição de uma rede de aprendizagem nessa nova concepção dentro e fora de sala de aula, que pode ser estabelecida em torno de uma temática ou problemática de interesse individual e coletivo, com o fim de se enriquecer; (e) a aprendizagem fora de sala de aula pode ser promovida pelo cinema, teatro, ensaio, poesia, relatos, meios audiovisuais e musicais, pois são recursos que favorecem a implicação emocional e processos de sentipensar; (f) o planejamento segue seu papel de marcar a direção, mas quando colocado em prática, ele adota um sentido flexível, dado que os imprevistos podem se constituir ricos momentos de aprendizagem. Deve ser aberto ao imprevisto, ou seja, ser capaz de incorporar interesses, realidades, visões e pensamentos diferentes; (g) o desenvolvimento da consciência e a construção de significados são eixos da Educação, ou seja, os momentos formativos devem se propor a desenvolver a consciência pessoal e social, tendo sua ampliação como o melhor indicador de progresso interior e de aprendizagem; (h) os sistemas de avaliação devem valorizar o progresso, as mudanças, a ampliação de consciência, a utilidade e o uso que se faz do conhecimento, sem se esquecer da parte emocional e da satisfação e de ser uma avaliação de processo que permite ir redirecionando nossa ação docente. Devem facilitar o desenvolvimento de habilidades de auto-organização, tanto dos sujeitos quanto dos coletivos, e favorecer os processos auto-avaliativos, com ênfase na participação, colaboração e transformação. O documento finaliza destacando a importância das dimensões inclusivas e éticas das ações educativas, ou seja, uma ética da diversidade baseada na

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solidariedade, na diversidade, na sustentabilidade e na inclusão e aceitação do outro em sua alteridade15. Inspirações decorrentes do autor Cipriano Luckesi Cipriano Luckesi (2003) considera que os três elementos básicos do ser humano – sentimento, movimento e pensamento – devem estar presentes em todos os atos educativos. É por meio deles que o corpo se expressa em sua totalidade e de forma integrada, pois “enquanto se movimenta, ele sente e pensa; enquanto sente, se movimenta e sente. E, enquanto pensa, sente e age” (LUCKESI, 2003, p. 7). Sendo assim, para ele, a Educação Transdisciplinar é aquela que inclui o ser humano em sua integralidade (corpo, coração, cabeça) e que o olha a partir da Lógica do Terceiro Incluído, que diz que “entre e para além de A e não A existem muitas outras possibilidades” (LUCKESI, 2003, p. 7). Esta proposta necessita das disciplinas e de suas específicas abordagens baseadas na Lógica do Terceiro Incluído. Também está aberta a outras abordagens que possibilitam um olhar integral do ser humano, pois “existem experiências que não cabem dentro das disciplinas que conhecemos, mas nem por isso deixam de ser profundamente humanas” (LUCKESI, 2003, p. 8). O autor nos inspira dizendo que o(a) educador-formador(a) precisa estar permanentemente atento(a) a si mesmo, ao seu modo de ser, ao seu modo de entender, de conhecer, de se relacionar, para que ele(a) crie situações de aprendizagem que permitam aos(às) educandos(as) trabalharem e desenvolverem essas questões. É importante que ele(a) próprio(a) as tenha vivido, que ele(a) próprio(a) já tenha atingido esse nível de desenvolvimento humano. Para tanto, o autor nos indica que é importante que o(a) educadorformador(a) esteja atento(a) à epistemologia com a qual ele(a) compreende e vivencia o mundo todos os dias, ou seja, é necessário que as teorias, que orientam o seu conhecer, deem conta do que está além do conhecimento advindo da razão e dos cinco sentidos (audição, visão, tato, paladar, olfato). Exemplifica com um caso: ao recebermos uma rosa do(a) namorado(a), além do que percebemos dela por 15

De acordo com o dicionário Michaelis online, alteridade significa “Estado ou qualidade do que é outro, distinto, diferente”. Disponível em: < http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php? lingua=portugues-portugues&palavra=alteridade>. Acesso em: 13.dez.2015.

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meio dos nossos cinco sentidos (suas pétalas, caule, cheiro, cor etc), temos a percepção simbólica que nos permite compreender o mundo sutil da experiência amorosa, que vai além dos simples sentidos. Esse conhecimento simbólico se dá em paralelo ao conhecimento do nível material da flor. Apesar de não poder ser comprovado, por não ser material, sua existência pode ser sentida e compreendida. Luckesi nos indica outro exemplo, o dos rituais, como rituais religiosos. Contanos que, apesar de eles se expressarem no mundo material, eles se realizam mesmo é no mundo simbólico, em uma Realidade do nível sutil, paralela ao mundo material. Enquanto o mundo material é percebido pelos cinco sentidos, o mundo sutil, simbólico, é apreendido pela intuição, atenção e cuidado. Com isso, o autor nos chama a atenção para esses dois Níveis de Realidade e de conhecimentos: o material (sentidos) e o sutil (simbólico). Outro Nível de Realidade que o autor nos apresenta é o Nível de Realidade que acessamos no momento de sono, que é o nosso estado de consciência sem forma. Nesse estado nos desligamos da materialidade e do simbólico, estaríamos em contato com a totalidade absoluta, onde tudo se dá e a partir de onde tudo se origina. Ele comenta que só atingimos esse nível de consciência em “momentos de pico” (LUCKESI, 2003, p. 10), por exemplo, ao contemplarmos o sol e nos perdermos nele ou ao contemplarmos a lua e nos perdermos nela. Comenta também que “não conseguimos ficar muito tempo nesse estado de consciência, mas eventualmente chegamos lá; isso nos permite saber que ele existe” (LUCKESI, 2003, p. 10). Sendo assim, Luckesi, a partir desses diferentes exemplos, nos permite compreender a existência de diferentes Níveis de Realidade e nos apresenta que, para incorporarmos uma maneira de conhecer transdisciplinar, é necessário admitirmos e transitarmos por diferentes Níveis de Realidade e por nossa capacidade de compreendê-los pelo conhecimento; é necessário ultrapassarmos a lógica do terceiro excluído, desenvolvendo a Lógica do Terceiro Incluído, que nos permite vivenciar a existência dos diversos níveis paralelos de Realidade e de conhecimento. Retornando à reflexão sobre o(a) educador-formador(a), o autor nos fala que ele(a) deve se abrir para essa lógica transdisciplinar se assim deseja atuar na formação integral do ser humano. Isso implica que em sua formação devem estar presentes a corporeidade, a mente, a espiritualidade, ou seja, incluir “todas as linhas

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de desenvolvimento do ser humano: cognitiva, afetiva, emocional, espiritual, ética, social, criativa...” (LUCKESI, 2003, p. 11). Para desenvolver o Nível de Realidade material, as disciplinas e o conhecimento disciplinar dão conta. Para desenvolver a consciência para o nível sutil, necessitamos, nós educadores-formadores, sermos sensíveis às nossas experiências e às experiências dos(as) nossos(as) educandos(as) em relação ao mundo simbólico. Para tanto é necessário que criemos momentos para que nós e eles(as) possamos vivenciar rituais simbólicos. Para desenvolver a consciência do nível causal, sem forma, o autor propõe que trabalhemos o silêncio, a escuta de si mesmos, da quietude. Pode ser por meio do silêncio, da meditação, da auto-observação. Inspirações decorrentes da autora Maria Cândida Moraes A autora Moraes (2010a) nos instiga a repensar a formação docente a partir dos referenciais ontológicos, epistemológicos e metodológicos da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Sendo assim, inicia suas reflexões marcando a necessidade de trabalharmos de forma articulada e simultânea os fundamentos, os processos e as estratégias de formação e a importância de considerarmos o conhecimento e as experiências prévias, acumuladas ao longo da vida, dos profissionais da Educação e de estarmos atentos às “necessidades e peculiaridades dos diferentes tipos de professores envolvidos” (MORAES, 2010a, p. 177). Para tanto, as propostas formativas precisam considerar que cada um aprende de uma forma diferente, além do tempo e da disponibilidade das pessoas interessadas. Também desenvolver a autonomia profissional e o protagonismo docente. A partir de sua própria história de vida e da sua experiência com formação de professores e de pesquisadores da área de Educação, a autora reforça a união e o imbricamento do ser, do conhecer e o fazer e compreende que propostas de formação, com base nessas teorias, devem ser voltadas para: uma Educação da inteireza humana, reconhecendo, cada vez mais, que não podemos estancar o fluxo do pensamento, a curiosidade, a criatividade de nossos alunos, negando suas experiências docentes e suas histórias de vida pessoal. É preciso criar espaços reflexivos que mantenham esta chama sempre acesa como condição fundamental para que cada sujeito aprendente possa rever sua prática pedagógica, refletir sobre ela, aprender com ela, transformar-se a partir dela, reconstruindo-a, revitalizando-a e descobrindo dentro de si as razões pelas quais optou pela nobre profissão que é SER PROFESSOR. (MORAES, 2014, p. 58)

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Além disso, Moraes comenta que os conteúdos são estruturantes e relacionais nas dinâmicas desenvolvidas nas formações docentes, mas que também são fundamentais, para seu sucesso, “as experiências, a vivência dos processos, bem como as aprendizagens dela decorrentes, de maneira que a pessoa em formação assuma a “autoria da sua própria docência” e possa se reconhecer como educador, como profissional, consciente de seu papel e responsabilidade pela criação de “espaços significativos de convivência e transformação”. (MORAES, 2014, p. 59) Ao compreender que educar implica acolher as pessoas em formação, suas histórias, seus saberes, suas experiências individuais e coletivas, a autora sugere que uma aula deveria iniciar pelo resgate das histórias dos estudantes e a partir delas se discutiria paradigmas e outros conteúdos. Esse resgate permite ao professor “conhecer a essência de cada um, identificar sua origem, seus anseios mais profundos, as experiências pedagógicas que mais o impactaram, para depois abrir novos caminhos, ensinar novos conteúdos e discutir novos paradigmas”. (MORAES, 2014, p. 63) Em suas considerações sobre o perfil docente, a autora (MORAES, 2010a, p. 178-181) comenta as características docentes que, de certa forma, deveriam predominar, como: (a) ser capaz de elaborar um projeto coletivamente, significativo e relevante; ter uma prática reflexiva e crítica; ter uma escuta sensível; (b) estar mais atento aos processos auto-organizadores de seus alunos; (c) ser capaz de olhar para eles e identificar suas necessidades básicas, intuir suas angústias e converter tudo isso em atividades de ensino e de aprendizagem; (d) ser capaz de organizar ambientes agradáveis e efetivos de aprendizagem (presenciais e virtuais), que sejam prazerosos e implicativos, onde os estudantes se sintam acolhidos, compreendidos e nutridos; ser capaz de participar de trabalhos em grupo, de refletir criticamente sobre suas práticas e de levar seus alunos a refletirem sobre suas ações, sobre seus erros e acertos; (e) ser um docente sensível, capaz de perceber os momentos de bifurcação, de emergências, de mudanças, refletindo e reconstruindo a sua prática cotidiana; (f) ser um sujeito pesquisador e encontrar em sua prática as soluções para os problemas; reconhecer sua prática como uma atividade criadora e transformadora das novas gerações; (g) saber aprender bem e ser capaz de construir, desconstruir e reconstruir o conhecimento sempre que necessário; ser capaz de ajudar seus alunos a desenvolverem suas habilidades e competências e ajudá-los a olhar para dentro de si mesmos, para que possam se reconhecer como pessoa, descobrindo seus talentos, sua criatividade, sua

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sensibilidade; ser humanamente sábio e tecnologicamente fluente; (g) ser capaz de enfrentar um novo desafio ao ter de iniciar uma nova disciplina ou uma nova estratégia inspirada na Complexidade, na interdisciplinaridade e/ou na Transdisciplinaridade; (h) ser capaz de ensinar e de aprender a compartilhar com seus alunos; (i) ter o ético presente em todas as suas ações, atitudes e decisões tomadas. Ao termos a Complexidade como um princípio regulador do pensamento e da ação, a autora também chama a atenção que isso requer que pensemos a formação docente como um processo de formação integral – integrador em suas propostas, adaptado a diferentes contextos e apresentar variadas estratégias e sistemáticas de avaliação – e de natureza tripolar (auto-hetero-ecoformação). Esse princípio da Complexidade também nos faz perceber a teoria e a prática como elementos da prática docente, que se polinizam e se fertilizam mutuamente sempre. Ou seja, “[...] melhorando nossa prática, esta melhoria retroagirá informacionalmente sobre os conceitos trabalhados e iluminará a construção teórica desenvolvida” (MORAES, 2010a, p. 185). Ao estarmos em contato com novas teorias, como a Complexidade e a Transdisciplinaridade, por exemplo, estaremos mais enriquecidos de informações e “este corpo conceitual reconstruído retroagirá novamente sobre a prática, modificando-a” (MORAES, 2010a, p. 185). Segue dessa maneira, em um movimento circular sem fim. Além disso, Moraes comenta a importância de aprendermos, na formação docente, a lidar com as emergências e situações inesperadas, a reconhecê-las e a conviver com elas, tirando o melhor proveito dessas situações, por vezes, difíceis, caóticas e incertas. Para aprendermos a trabalhar com o erro, com as emergências, com a causalidade circular, é necessário “humildade intelectual e abertura de nossas gaiolas epistemológicas” (MORAES 2010a, p. 185). Ela ressalta que isso não significa improvisação e falta de planejamento, mas evidencia a necessidade de elaborarmos “estruturas de pensamento e de planejamento mais dinâmicas e flexíveis” (MORAES, 2010a, p. 186). Destacamos que, “a partir desse referencial, todo e qualquer processo de formação docente (...) deve ser algo sempre aberto, vivo, criativo, desenvolvido em um espaço contínuo de reflexão, de autoformação, de abertura e aprimoramento humano/profissional” (MORAES, 2010a, p. 197). Ainda com base nas propostas da Complexidade e da Transdisciplinaridade, da Física Quântica e da Biologia, em relação aos ambientes de aprendizagem

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criados, tanto para a formação de docentes quanto pelos próprios docentes para seus alunos, Moraes (2010b) apresenta esses ambientes, presenciais ou virtuais, como campos energéticos e vibracionais, nos quais as pessoas compartilham energia, matéria e informação. Sendo assim é importante que eles sejam trabalhados como cenários vivos, como redes de aprendizagem integrada, que envolvem diferentes dimensões humanas, onde fluem emoções, sentimentos, intuições, imaginações, desejos, linguagens de diferentes naturezas, onde pessoas vivem e convivem a partir das múltiplas Realidades existentes ali. Para isso, é necessário criarmos situações de ensino e de aprendizagem desafiadoras, permeadas por estratégias inovadoras, emocionalmente saudáveis e acolhedoras, que propiciem a reflexão, a aprendizagem, o desenvolvimento individual e coletivo. Esses ambientes prazerosos, criativos, ricos de informação e adequados aos objetivos pretendidos também devem ser “nutridos por sentimentos e emoções positivas que fluem naturalmente” (MORAES, 2010c, p. 56). Mas também é importante que estejamos atentos às energias que gerem tensões e desequilíbrios, no sentido de fazer mudanças sempre que necessário. Em relação às estratégias de ensino e de aprendizagem, a autora ressalta que elas devem envolver a corporeidade, por exemplo, exercícios de respiração, práticas de meditação, uso de imagens, sons, músicas, situações para sentipensar “que favoreçam a reflexão e os pensamentos interdisciplinares e transdisciplinar em relação ao conhecimento e a aprendizagem” (MORAES, 2010c, p. 56). Para Moraes (2010c), a sala de aula deve ser compreendida como um espaço de configuração de identidades e construção da cidadania, de reflexão e de autoconhecimento, que ajudem os estudantes a alimentar o seu saber interior, propiciar momentos de fruição, relaxamento, concentração, atenção e emoções e de integração do corpo, da mente e do espírito, que valorizem a escuta sensível e a responsabilidade social, sejam amorosos, não competitivos e libertadores dos diferentes talentos, ou seja, Sala de aula [...] é como um espaço conversacional dinâmico e fluido, um lugar para experimentação, para diálogo, para criação e descoberta. Um lugar agradável para se viver/conviver e para formar/transformar. Um local de abertura, de flexibilidade estrutural, de criatividade e dialogia, possibilitador de processos autoeco-organizadores, emergentes e transcendentes. (MORAES, 2010c, p. 48).

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Inspirações decorrentes da autora Rosamaria Arnt A partir de sua inquietação em como transformar em ação, em nosso cotidiano e em nossas salas de aula, as ideias trazidas pelas teorias e pelos teóricos da Complexidade e da Transdiscipinaridade, a autora Rosamaria Arnt concebeu alguns princípios para a docência transdisciplinar (ARNT, 2007). Como ela mesma comenta, esses princípios são interdependentes, sem ordem hierárquica, se relacionam de forma dinâmica, aberta e processual, permitindo sempre novos arranjos e que novas ideias e teorias se agreguem e se complementem (ARNT, 2010). São ao todo cinco princípios e cada um possui um gesto característico, que permite sua exteriorização e ação no mundo: (1) princípio: reconhecer o mundo em que vivemos – gesto: abertura; (2) princípio: reencontrar o tempo de ser – gesto: gesto de interrupção; (3) princípio: acolher as partes – gesto: escuta sensível; (4) princípio: criar circunstâncias de comunhão – gesto: diálogo; (5) princípio: criar juntos nossas próprias histórias – gesto: acolhimento e entrega (dança). O primeiro princípio - reconhecer o mundo em que vivemos - aponta para a necessidade do conhecimento disciplinar. Não podemos ser transdisciplinares sem o domínio da disciplina. Mas um domínio que busca algo além dos conhecimentos fragmentados, que busca sua autoorganização por meio do diálogo com outras instâncias do conhecer. Aqui destaca-se o gesto de abertura para o novo, para o desconhecido, considerando o inacabamento do conhecimento. O segundo princípio, como o primeiro, diz respeito ao sujeito-docente reencontrar o tempo de ser - propondo abertura ao cultivo do mundo interior, do cuidado conosco mesmos, buscando a clareza de propósitos de nosso próprio ser, do sentido de nossa vida. É por meio do cultivo do tempo de ser que visamos a ampliação da consciência, com a ampliação de nosso Nível de Percepção, É no reencontro conosco mesmos, intencionalmente, que podemos transitar pela zona de não-resistência, redimensionando nossa maneira de ser no mundo, agindo no respeito a nós mesmos, dialogando com o outro/sociedade e com o meio/natureza, na tentativa de equilibrar o triângulo da vida. Este diálogo interior é proposto por um gesto de interrupção, por meio da suspensão do automatismo da ação por meio da reflexão atenta, da consciência do ser, do cultivo da possibilidade de colocar-se por inteiro em tudo o que faz, em uma perspectiva de autoconhecimento e do entendimento de nossa maneira de ser no mundo. O terceiro princípio - acolher as partes - surge da compreensão de que é preciso conhecer as partes para conhecer o todo. Leva-nos a buscar estratégias para conhecer quem são nossos pares em sala de aula, como premissa para a criação de um cenário de aprendizagem no qual reconhecemos a interação entre os diferentes atores. Assim, “quem somos nós?” é o primeiro grande tema de qualquer curso que venhamos a organizar. O gesto é de escuta sensível, como manifestação do cuidado e do acolhimento.

60 O quarto princípio - criar circunstância de comunhão - emerge [...] do princípio do Pensamento Complexo segundo o qual é necessário conhecer o todo para conhecer as partes, bem como é necessário conhecer as partes para conhecer o todo. Aponta para a observação, na prática docente, das peculiaridades de cada grupo que se forma. As diferenças e as semelhanças configuram o todo com propriedades próprias que é preciso conhecer, fortalecer e explorar no sentido da aprendizagem, na atenção à intencionalidade do ato de educar. O gesto que o expressa é o diálogo, ou a interação e a integração entre a escuta sensível e a fala atenta. O quinto princípio - criar junto nossas próprias histórias - aponta para as possibilidades do diálogo na ação comum, na cocriação de cenários e roteiros, intercambiando-se nos papéis de autor e atores dos processos de aprendizagem. Criar juntos a história para que, na criação, tenhamos um processo vivo, impregnado de cada um e de todos, pressupondo a entrega para a experiência coletiva e individual, em um holomovimento, desdobrando-se ora para a preponderância do coletivo, ora para a preponderância no individual. O gesto é de acolhimento e entrega, traduzido na dança, por meio da qual temos um fazer comum que busca a harmonia de tempos e de movimentos por meio de uma coreografia concebida pelo grupo. (ARNT, 2010, p. 117-118)

E como esses princípios se expressam em uma didática transdisciplinar? Ao refletir sobre a didática transdisciplinar, a princípio não se descarta nenhuma prática, mas há o cuidado de ressignificá-la por meio de repetidas aproximações, da pesquisa, da experiência para “propor uma ação que permita a vivência dos cinco princípios citados, em congruência com a própria definição adotada de Transdisciplinaridade” (ARNT, 2010, p. 119). Para a autora, Transdisciplinaridade é: [...] uma postura do ser perante o conhecimento que vá além da disciplina, articulando ciência, artes, filosofia e tradições, reconhecendo a multidimensionalidade humana e os múltiplos Níveis de Realidade, permitindo a interconexão do ser com a natureza, com o outro, consigo mesmo, alicerçando a ética, conspirando e atuando, inclusive em Educação, pela comunhão a favor da vida. (ARNT, 2007, p. 12)

Sendo assim, compreende como didática transdisciplinar aquela que “possibilita ao ser o contato com a disciplina, transcendendo-a por meio de caminhos que contemplem a inteireza e a multidimensionalidade humana” (ARNT, 2010, p. 119). Para tanto, são necessários: a formação de um grupo de aprendizagem, que se constitua como um todo, e não desprezar nenhum pesquisador, pensador ou disciplina. Entre as aproximações didáticas experimentadas pela autora, estão a aprendizagem integrada, a importância e a compreensão do contexto, a dimensão simbólica, a sensibilização temática e a criação coletiva do cenário de formação (ARNT, 2007; 2010). Outro aspecto que Arnt (2010) chama a atenção para pensarmos essa didática é o triângulo percepção-expressão-conscientização (ver figura 4), ao dizer que, em ambientes de aprendizagem, o nível de consciência se constitui pela integração de

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nosso Nível de Percepção, pela reflexão, em consonância com nosso Nível de Expressão. Para que o Nível de Percepção se consolide é preciso se expressar com clareza. Compreende como Nível de Expressão como “nossa capacidade de comunicar o que apreendemos da Realidade, nossa compreensão” (ARNT, 2010, p. 132). Para tanto, podemos utilizar diferentes linguagens, inclusive a arte, para ampliar nossos recursos de comunicação. Ressalta que estamos em uma aprendizagem coletiva que aprendemos pela experiência do outro e, por isso, a importância de compartilharmos nossa compreensão, de ouvirmos atentamente a contribuição dos colegas, de exercitarmos o diálogo, a escuta sensível, a aceitação do outro como legítimo outro.

Figura 4 - Nível de Consciência, Nível de Percepção e Nível de Expressão

Fonte: Arnt, 2010, p. 132.

1.5 MATRIZ PEDAGÓGICA E (TRANS)FORMAÇÃO DOCENTE Para dialogar sobre estes aspectos importantes que compõem o problema de pesquisa e o objetivo geral apresentados neste trabalho, trago as propostas teóricas da autora Ecleide Furlanetto (2003; 2009; 2010a; 2010b). A partir de suas pesquisas, a autora observou que os professores, ao entrarem em contato com suas práticas pedagógicas e suas trajetórias formativas, se conectavam tanto com questões visíveis quanto com questões invisíveis e desconhecidas da formação. Além das aprendizagens da docência que aconteceram nos cursos de formação, elas ocorrem também a partir das maneiras de ensinar dos pais, professores, adultos significativos, colegas, das diversas relações nas quais

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estão em jogo o ensinar e o aprender, e das experiências com literatura, cinema, teatro, por exemplo. Dessas pesquisas, ela identificou a existência de um “‘professor interno’ multifacetado, ambíguo e complexo” (FURLANETTO, 2003, p. 26) que deu origem ao conceito de matriz pedagógica, definida como “arquivos existenciais que guardam registros sensoriais, emocionais, cognitivos, acessados nos espaços pedagógicos quando o professor se exerce” (FURLANETTO, 2010b, p. 4). Simbolicamente, a matriz pedagógica pode ser considerada como o espaço onde a prática dos professores é gestada, onde conteúdos internos se encontram com conteúdos externos e que “apresenta a possibilidade de retorno em busca da regeneração e da transformação” (FURLANETTO, 2003, p. 27). Ressalta que esse processo de retorno pode ser vivido desde que “o sujeito vivencie situações que o levem a investigar esses nichos para que ele possa retornar transformado dessa exploração” (FURLANETTO, 2003, p. 32). A partir desses estudos, Furlanetto (2010a) propõe algumas aproximações para se pensar a formação docente. A formação deve ser um espaço para: (a) revisão, ampliação e transformação dessas matrizes; (b) integração entre dimensões pessoais e profissionais; (c) a apropriação, pelos professores, de seus processos de formação; (d) atribuição de sentido desta formação em sua história de vida; (e) pensamento sobre a aprendizagem docente, ou seja, aprendizagem passa a ser fundamental na idade adulta, tanto para formação inicial quanto continuada. Além disso, a formação não deve se restringir a tempos e espaços definidos, ao que é trabalhado formalmente em sala de aula, mas deve se constituir em uma “uma rede complexa de trocas conscientes e inconscientes entre os sujeitos que a compõem” (FURLANETTO, 2009, p. 1116). Em relação à aprendizagem, Furlanetto acrescenta que “(...) a aprendizagem não significa somente a vivência do acrescentar. As aprendizagens mais profundas dizem respeito a (trans)formar e, para que seja possível, é necessário abrir mão do que pesa, aprisiona e impede que a vida siga seu curso” (FURLANETTO, 2010a, p. 97). Sendo assim, o processo de formação é um processo de trans(formação) que implica na expansão de consciência, pois articula dois movimentos: “o de (re)ligação a si mesmo e o de (re)ligação ao outro (pessoas, conhecimento, cultura e natureza)” (FURLANETTO, 2010a, p. 98). Nesse sentido, ela comenta que esse processo de (trans)formação pode ser vivido de diferentes maneiras como, por exemplo, no trabalho com histórias de vida,

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conforme propõe Marie-Christine Josso e Gaston Pineau, ou na reflexão sobre a prática, de acordo com Donald Schön, ou mesmo com a “utilização de técnicas expressivas, como desenhos, colagens, dramatizações e outras estratégias que venham ser criadas” (FURLANETTO, 2010a, p. 98). Por meio dessas propostas, a autora nos diz que o docente tem condições de assumir seu processo de desenvolvimento, sua aprendizagem e, assim, ele se torna “capaz de fazer escolhas e de selecionar os conhecimentos que respondem às suas necessidades.

Aproxima-se

dos

conteúdos

disciplinares

e

pedagógicos”

(FURLANETTO, 2010a, p. 98). Ressalta que o docente faz essas escolhas e seleções, não como um mero consumidor de novas tendências, mas como aquele que é ”capaz de dialogar com quem já explorou os territórios que necessita conhecer para dar conta dos desafios impostos pela docência” (FURLANETTO, 2010a, p. 98). 1.6 FORMAÇÃO DE ADULTOS, HISTÓRIAS DE VIDA E MOVIMENTO TRIPOLAR DE FORMAÇÃO Ao falar da formação de adultos, Gaston Pineau (2001) comenta que é necessário abordar a “bagagem experiencial de aprendizagens acumuladas” que cada um traz consigo. Segue colocando que a aprendizagem, em geral, e a aprendizagem do adulto, em específico, não ocorrem somente em espaços formais de formação, ocorrem também na história individual e coletiva das pessoas. Sendo assim, “os adultos chegam portanto com aprendizagens cognitivas ligadas à escola e outras ligadas à acção e à produção. Porém estas aprendizagens, em geral, não coexistem de forma clara e harmoniosa” (PINEAU, 2001, p. 330). Comenta que esta bagagem não está em ordem e nem reunida e, é por isso, por se apresentar em peças separadas, “que a vida adulta não é uma vida acabada, que está em formação permanente” (PINEAU, 2001, p. 330). Neste movimento de valorização do sujeito adulto que aprende, que está em formação permanente, Pineau destaca a importância do desenvolvimento das histórias de vida em formação, como uma arte formadora da existência, que promoveu a democratização do trabalho com histórias de vida, sendo “já não mais os sujeitos formados que fazem a história de vida. É a história de vida que forma os sujeitos” (PINEAU, 2001, p. 334).

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Moraes e Valente (2008, p. 24), a partir das suas experiências de pesquisa e orientação acadêmica, comentam “o quanto a história de vida influencia ou interfere na escolha do objeto de pesquisa, na motivação do pesquisador, como também na maneira de ele observar a realidade”. A partir da compreensão da Complexidade como fator constitutivo da matéria e da vida e por isso a existência de uma relação inviolável entre ser e conhecer, Moraes (2008, p. 191) complementa que um sujeito multidimensional e impregnado de sua história de vida “não separa o mental do físico, a razão da emoção, o fato da fantasia, o passado do presente e do futuro. Um sujeito que é autor de sua história e co-autor de histórias coletivas que acontecem em seu entorno”. Ao falar de Formação Docente, Moraes (2014, p. 59) também destaca a necessidade de resgatar as histórias de vida dos educadores para que nela a pessoa em formação possa encontrar sua “alma docente” que é “aquela que traz consigo a fé, a esperança, a utopia, a razão maior de seu protagonismo docente, condição fundamental para que a vida volte a pulsar no seio das organizações educacionais”. Nesse resgate da história de vida, durante os processos de autorreflexão e auto-organização, a autora (2014, p. 62) comenta que seus alunos transformavam suas lembranças em experiências formadoras relevantes e capazes de “tocar várias dimensões constitutivas do SER, do CONHECER e do FAZER”. Na construção das narrativas sobre essas lembranças, estas se transformam em experiências vivas e também transformadoras, regadas de “sentido, de emoção, sentimentos e valores, elementos constitutivos da dimensão interior do sujeito, catalisados a partir do diálogo com a dimensão exterior, concreta, visível, suscitada pelas recordações vividas e pelos conteúdos trabalhados.” Por meio do pensamento de Lainé, Patrick Paul define história de vida como “o relato subjetivo feito por um indivíduo sobre os elementos e os acontecimentos constitutivos de sua vida pregressa; esse relato é seguido do comentário e pela análise reflexiva [...]” (PAUL, 2013, p. 197). Comenta que esse relato é uma narração, oral e/ou escrita, que uma pessoa faz sobre eventos de sua vida. Para a elaboração desse relato, são realizadas seleções, reorganizações e reestruturações sucessivas, ou seja, “indicadores de um processo cognitivo aberto e em transformação permanente ao longo da vida” (PAUL, 2013, p. 197).

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Considera que as histórias de vida tanto podem se agregar a outros métodos qualitativos de pesquisa, quanto podem ser um processo de formação. Como processo formativo, o trabalho com histórias de vida busca “constituir sentido a partir da própria experiência a fim de envolver-se da melhor maneira na vida ao compreendê-la melhor” (PAUL, 2013, p. 198). Para tanto, não basta apenas fazer contar a própria vida, mas que é necessário interrogar, trabalhar e refletir sobre esse relato. Sobre esse processo de análise, o autor destaca: Essa análise, efetuada pelo próprio narrador, por um grupo de formação ou pelo pesquisador, tem por função explicitar a estrutura do relato, fazer com que apareçam os acontecimentos principais associados aos questionamentos, apreender a organização das lógicas, as coerências, as rupturas, as redundâncias, em suma, fazer brotar sentido. Ao selecionar os eventos, pelo relato ou pela analise, introduz-se uma ordem particular, uma estrutura que põe o relato “em intriga”, orientando-o para um sentido particular ditado pelo inconsciente. (PAUL, 2013, p, 198)

Pineau (2001) apresenta algumas diferenciações terminológicas entre biografia, autobiografia, relato de vida e história de vida. Por biografia, compreende o escrito da vida de outro, considerada como título de uma abordagem – a abordagem biográfica, e cita M. Legrand (1993) – e comenta que é mais de investigação do que de formação e de intervenção. A partir de P. Dominicé, comenta em biografia educativa que compreende a centralização sobre o percurso educativo. A partir de Ch. Leray, comenta o termo biografia formativa por meio da qual os professores podem trabalhar suas trajetórias educativas tomando consciência e confrontando-se com as lógicas de apropriação dos saberes e as lógicas de transmissão. A partir de J.-Y Robin, apresenta a terminologia biografia profissional. O termo autobiografia, que significa o escrito de sua própria vida, aparece nos trabalhos de Ph. Leheune. Constitui-se em um “modelo em que última análise actor e autor se sobrepõe sem um mediador explícito” (PINEAU, 2001, p. 343). Comenta também que Bonvalot e Courtois associaram este termo ao projeto na vida profissional; e que Deroche “denomina autobiografia raciocinada a sua aplicação à formação” (PINEAU, 2001, p. 343). Apesar de já ter usado o termo autobiografia em seus escritos (Produire la vie: autobiographie e autoformation, 1983), Pineau comenta que, devido ao peso etimológico, “que privilegia a escrita e um investimento pessoal que pode ser exclusivo” (PINEAU, 2001, p. 343), ele substituiu esse conceito, por um mais recente: história de vida, que se dirige à “construção de um sentido temporal sem privilegiar o meio social e material de construção” (PINEAU, 2001, p. 343).

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Sobre o termo relato de vida, a partir de G. De Villers, comenta que, sem privilegiar o escrito ou oral, este autor o desenvolve como abordagem de investigação-formação. Outros dois tipos de relatos também aparecem na literatura, relato coletivo, como investigação-intervenção, e relato de formação. Comenta que o relato de vida tem como teórico D. Bertaux, que foi a pessoa que introduziu essa abordagem nas ciências humanas na França. A respeito da história de vida, Pineau comenta que essa expressão tende a ser muito utilizada na formação de adultos e a concebe em um modelo interativo ou dialógico, ou seja, “que trabalha uma nova relação de lugar entre profissionais e sujeitos para uma co-construção de sentido.” (PINEAU, 2001, p. 344). Percebe que este é o modelo que mais desenvolve os “processos de envolvimento e de procura do sujeito emergente” (PINEAU, 2001, p. 344). No contexto de reflexões sobre as práticas realizadas por meio da “história” da expressão narrativa, oral ou escrita, a “história” ou narrativa é definida por Pineau (2014, p. 107) como “meio superior de reflexão da prática, o meio que maneja o ator para formular sua prática, transformá-la em objeto de reflexão, diferenciando-se dela como sujeito”. Esta história abre um “espaço-tempo” de expressão e de narração de um sujeito que, na relação com o objeto, o transforma em palavras em um duplo movimento de “desdobramento narrativo e de redobramento reflexivo”. Nesta escrita, o passado não é tão passado assim, está inscrito em nossa corporeidade, pois “nosso corpo é uma memória orgânica que registra tudo” (PINEAU, 2014, p. 109). Em relação à memória, baseada em Josso, Maria Helena Abrahão (2011) comenta que recordações-referências são elementos constitutivos das narrativas de formação e que pela rememoração é possível: repensar e ressignificar o vivido, referências das motivações de determinadas escolhas, das influências que atravessaram trajetórias de vida, dos modelos, dos momentos vivenciais que fazem dos sujeitos singulares/plurais individualidades dinâmicas, porque reflexivas, em constante vir a ser, sendo (ABRAHÃO, 2011, p. 168).

A autora Sandín (2003) comenta que o interesse pelo tipo de investigação narrativa-biográfica surgiu no início do século XX, tendo um desuso na década de 40/50 e um resurgimento a partir dos anos 70. Já em 1920, o termo história de vida (life history) começou a ser utilizado para:

67 [...] descrever a narrativa vital de uma pessoa, obtida por um investigador, por meio de sucessivas entrevistas, que inclui também um conjunto de registros documentais e entrevistas a sujeitos do entorno social da pessoa que permitem completar e validar o relato biográfico (SANDÍN, 2003, p. 146).

Mas Sandín também comenta da variedade de termos existentes em relação às técnicas e métodos biográficos, o que dificulta a definição e a classificação do material de caráter (auto)biográfico. A autobiografia é considerada um diálogo consigo mesmo no qual se faz o relato das experiências e do modo de ver da pessoa. Já a história de vida (life history) ou relato de vida (life story) se diferencia da autobiografia por ter a intervenção de um pesquisador que solicita ao entrevistado o relato e tem a história de vida como um produto. Com base nas ideias de Valles, a autora nos conta que se pode considerar a história de vida como uma técnica chave dentro da metodologia biográfica. Além disso, a partir de Ruiz e Ispizua, Sandín comenta que “de todos os métodos de investigação qualitativa talvez esse seja o que melhor permita a um investigador acessar como os indivíduos criam e refletem o mundo social que os rodeia” (SANDÍN, 2003, p. 150). Para Paul (2009), por meio de um trabalho com história de vida, podemos compreender os aspectos centrais a partir dos quais nos construímos como seres humanos, nos permite identificar os instantes de vida que explicam nossas motivações, vocações, escolhas e até mesmo nosso modo de ser. Comenta que a “autobiografia busca, no interior do sujeito, os traços do passado que o constituiu” (PAUL, 2009, p. 300) e, assim, estabelece uma relação com o tempo, passado e futuro que se encontram enraizados no presente da existência. Nesse momento de reflexão e de escrita para compor um relato autobiográfico, no caso da história de vida profissional, Paul (2009) relata que a memória é mobilizada e destaca momentos, pessoas, lugares, emoções, sentimentos, situações que marcaram (positiva ou negativamente), que foram significativos neste percurso. Essas lembranças não são uma restituição das informações vividas, “como um vídeo previamente gravado e sem modificação”, mas são sim uma “reconstrução do passado a partir do presente” (PAUL, 2009, p. 306). Pode acarretar apagamento de dados importantes, deslocamentos temporais e superposição de acontecimentos carregados emocionalmente. Para o relato da heteroformação, com referências temporais mais precisas, em seus diplomas e ensinamentos, Paul comenta sobre a necessidade de realizar

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uma trama temporal e episódica da formação, com uma lista inicial dos eventos e episódios marcantes da vida profissional, da experiência ou da história de vida que se pretende relatar. Neste primeiro momento, essa lista é “o menos interpretativa possível”. Em seguida, o autor realizou um segundo relato, mais reflexivo e interpretativo, no qual duplicou esse primeiro relato, e pode “manifestar a liberdade de nossa reflexão no momento da redação do relato de formação”. Nesse momento, “o passado e o presente se misturam mais estreitamente, oferecendo a instantaneidade do pensamento e do momento da escrita”. Mas comenta que para um relato que abarca o campo da autoformação, esse tipo de tratamento pode ser mais delicado devido à “possível falta de referências objetivas” (PAUL, 2009, p. 307). Ao colocar em forma de relato, quem conta deve organizá-lo em um todo coerente, dar uma certa linearidade para que tanto quem conta a história, quanto para a pessoa que a lê ou a ouve, possa compreender suas relações e o seu sentido. Aqui o autor ressalta que para que este relato tenha credibilidade, para que possa convencer outras pessoas que essa história contada é passível de realmente ter acontecido, “é preciso oferecer representações de maneira a facilitar a compreensão subjacente do sentido que se quer propor [...] é preciso construir, reconstruir estabelecendo uma relação entre o instante e o que foi experimentado” (PAUL, 2009, p. 302). No livro, “Histórias de vida em educação: biografias em contexto”16, autores como Cortés (2011) e Sierra Nieto (2011) colocam outra preocupação que é a de a investigação biográfica não ter um fim terapêutico ou histórico, ou até mesmo se tornar uma atividade terapêutica junto à pessoa pesquisada. Cortés (2011, p. 6) nos conta que “falar de investigação biográfica, não é tratar de construir uma história ou biografia pessoal com fim terapêutico ou histórico, senão reelaborar com uma nova vivência, alguns fragmentos da vida que nos ajudam a lhe dar um valor único, mas extrapolável à compreensão de uma realidade comum. Sierra Nieto (2011, p. 122) também comenta que este trabalho com o pessoal não significa terapêutico, ou seja, “ao falar aqui de autoconhecimento e exploração interior, temos que cuidar para não converter a prática da investigação em uma atividade terapêutica” e complementa que o pessoal significa “a vida, os encontros que compartimos; as relações que

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Título original em espanhol: Histórias de vida em educación: biografias en contexto.

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tecemos [...]. E é nessas relações onde vivemos, crescemos e também onde investigamos”. A partir das aprendizagens adquiridas da Pesquisa-formação, Pineau (2006) apresenta as condições maiores que estruturam a carta de ética da Associação Internacional das Histórias de Vida em Formação (Association Internacionale des Histories de Vie em Formation – ASIHVIF): (1) o pesquisador/formador deve ter feito sua própria história de vida antes de acompanhar outros nesta tarefa, ou seja, permite uma aprendizagem experiencial pessoal para começar a conduzir esse tipo de abordagem formativa e não somente uma aprendizagem formal e teórica; (2) o pesquisador/formador deve estabelecer um contrato com as pessoas, isto institui os participantes como parceiros na concepção e responsáveis, pois o trabalho deve ser proposto e não imposto; (3) a produção permanece propriedade do produtor, ou seja, pertencem à pessoa que o produz, mas não é exclusiva e pode ser partilhada, sendo de decisão do próprio autor; (4) a interpretação visa a ser mais instauradora do que redutora, ou seja, deve projetar e voltar-se para um futuro a construir e não apenas introjetar e querer explicar a vida por um passado. “Essa distinção de interpretação determina uma atitude e uma perspectiva maior para diferenciar a formação da terapia e o símbolo do sintoma” (PINEAU, 2006, p. 56). Em suas reflexões éticas a respeito do trabalho com histórias de vida, o autor Patrick Paul (2013) acrescenta que a interpretação dos dados deve gerar um diálogo entre o produtor e o intérprete, ser realizada sem juízos de valor e sem moralismos e ser um processo indutor de reajustamentos, de projetos, de sentido e de transformação. O que importa, e que pertence aos sujeitos, são “as relações que unificam a diversidade de elementos apresentados” (PAUL, 2013, p. 204), pois são orientadas por uma busca de sentido, mais precisamente, do sentido de si. Trabalhar com as histórias de vida permite, na visão de Pineau, três movimentos de base a aprender, evidenciando laços, relações, ligações e transações (PINEAU, 2001, p. 338): (a) aprendizagem de si na base do movimento de subjetivação; (b) aprendizagem dos outros como movimento de socialização; (c) aprendizagem das coisas como movimento de ecologização. Essas aprendizagens se misturam, como um diálogo entre si, os outros e o mundo, religando a subjetivação, a socialização e a ecologização (GALVANI; PINEAU, 2012).

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Ao compreendermos os espaços de formação como espaços de aprendizagem, Pineau e Galvani nos falam de um movimento tripolar de formação, que abarca a heteroformação (ação dos outros), a ecoformação (ação do meio) e a autoformação (a ação do eu). Esta última parece existir ligada e dependente das outras duas (PINEAU, s/d; GALVANI, 2002). Sommerman (2003) esclarece que Pineau não priorizou um dos polos em detrimento dos outros dois nos processos de formação, ao invés disso, ele enfatiza a necessidade de se colocar os três em ação nos processos de formação ao longo da vida, estudando a Complexidade da interação entre eles. Pineau (2003, p. 156) compreende que os prefixos utilizados em cada polo “inscreve-se em um movimento transdisciplinar de tentativa de tratamento da multicausalidade. [...] (o emprego dos prefixos) os coloca em ação e quer estudar a Complexidade de seu jogo no decurso de toda a vida”. Percebe cada um dos polos como “polaridades extremamente complexas, homogeneizantes e heterogeneizantes ao mesmo tempo, de colocar em relacionamento, de colocar em conjunto, em sentido, em forma”.

Figura 5 - Movimento tripolar de formação (auto-hetero-ecoformação)

Fonte: Baseada em Galvani e Pineau (2012, p. 219) e Galvani (2002, p. 96).

Galvani (2002) comenta que a heteroformação comporta o processo de formação que abarca a escola, as influências sociais da família, do meio social e da cultura, das ações de formação inicial e contínua e “(...) é definida e hierarquizada de maneira heterônima pelo meio ambiente cultural” (GALVANI, 2002, p. 96).

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Sommerman comenta que este polo de formação “designa o pólo social da formação, os outros que se apropriam da ação educativa/formativa da pessoa” (SOMMERMAN, 2003, p. 59). Pineau (2003, p. 157) compreende que a heteroformação com frequência vem em primeiro lugar “para designar o polo social em contraponto com o polo individual. [...] hetero é o prefixo grego que indica o grau mais forte de alteridade”, ou seja, formação realizada na relação com os outros. De acordo com Galvani (2002), a ecoformação é composta pelas influências físicas, climáticas, simbólicas e do imaginário, além das interações físicas e corporais que dão forma à pessoa. Este autor comenta que o imaginário pessoal “organiza o sentido dado à experiência vivida” (GALVANI, 2002, p. 97). Sommerman, a partir de Pineau, se refere a este polo de formação como sendo a “dimensão formativa do meio ambiente material, que é mais discreta e silenciosa do que as outras duas” (SOMMERMAN, 2003, p. 59) e o polo mais forte quando se pensa na relação entre formação e desenvolvimento sustentável. Pineau (2003, p. 158) considera este polo como o mais discreto, silencioso e esquecido “e, até mesmo, rejeitado pela interlocução tagarela dos outros dois”. O autor caracteriza a ecoformação como “base da decoração que permite as encenações pessoais e sociais” e relata este polo como difuso no meio material e ainda restrito à Educação para o meio ambiente. Além disso, reforça que “a ‘ecofomação’ pretende dar destaque à reciprocidade da formação do meio ambiente” que nos forma e nos põe em forma. A autoformação é constituída por três processos conduzidos pelo próprio sujeito: “tomadas de consciência e retroações da pessoa sobre as influências físicas e sociais recebidas” (GALVANI, 2002, p. 97), e “tomada de consciência do sujeito sobre seu próprio funcionamento” (GALVANI, 2002, p. 97). Sendo assim, ao se integrar com a hetero e a ecoformação e ao ser constituída pelas tomadas de consciência reflexivas e retroativas das influências dessas dimensões da formação, a autoformação vai além dos limites da Educação baseada na transmissão e na aquisição de conhecimentos e comportamentos. Sommerman relata que a autoformação “é fundamental para uma formação que se pretenda transdisciplinar, uma vez que sem ela não se pode pensar, de fato, na inclusão dos diferentes níveis do ser humano” (SOMMERMAN, 2003, p. 60).

72 [...] A autoformação aparece aqui como o surgimento de uma consciência original na interação com o meio ambiente. A autoformação se caracteriza pelo imbricamento da reflexividade e da interação entre a pessoa e o meio ambiente. (GALVANI, 2002, p. 97)

Para Pineau, a autoformação é abordada em uma perspectiva de autonomização educativa e é definida como “a apropriação de cada um do seu próprio poder de formação” (PINEAU, s/d, p. 1). Compreende ainda que esta autonomização provoca “movimento de personalização, de individualização, de subjetivação da formação” (PINEAU, 2003, p. 157) e que mais faz o protagonista da formação – a pessoa em formação – trabalhar. Destaca ainda a relação deste polo em relação aos outros polos: Mas este protagonista não está sozinho em uma ilha. Ele está, com outros, em múltiplas sociedades, maiores ou menores e instituídas, e o estudo deste polo auto o coloca habitualmente nesta situação social complexa, em tensão, tão diferente, mas tão ligado quanto a noite pode estar ao dia. (PINEAU, 2003, p. 157)

O autor apresenta o trabalho com histórias de vida como sendo um processo de autoformação, pois permite aos sujeitos “reunirem e ordenarem os seus diferentes momentos de vida espalhados e dispersos no decurso dos anos. A história de vida os faz construir um tempo próprio que lhes dá uma consistência temporal específica” (PINEAU, s/d, p. 7). Para Paul (2009, p. 31), a autoformação experiencial é compreendida como a apropriação pelo sujeito de sua vivência, permite a “gestação das diversas aprendizagens resultantes do campo da experiência”. Galvani (2014, p. 115-16) a define como “a consciência, a compreensão e a transformação pelo sujeito, da relação entre si, os outros e o mundo”. O processo de autoformação para a investigação sobre a experiência se caracteriza por “consciência reflexiva e diálogo entre as interpretações”. Também a caracteriza como um processo existencial complexo que exige, implica, requer uma postura transdisciplinar que articula as dimensões: prática, teórica e ética. Para Galvani (2014), a autoformação, como um dos polos do movimento tripolar de formação, não é independente dos demais polos, ou seja, é: [...] é um processo de retroação sobre os eventos e sobre si mesmo. A reflexividade dá forma e sentido a elementos temporais diferentes: história de vida e conhecimentos, práticas e saberes teóricos, experiência existencial e significações simbólicas... Esta articulação permanente da vida e do conhecimento caracteriza a autoformação como um processo bio-cognitivo. [...] A formação designa aqui um processo vital e permanente de emergência da forma através da interação entre o ser (auto), os outros (sócio, hetero, eco)

73 e o mundo (eco). A autoformação se define a si mesma como a tomada de consciência, a compreensão e a transformação pelo sujeito desta interação. É a transformação da relação entre o ser, os outros e o mundo. [...] A autoformação combina três dimensões: uma dimensão teórica de articulação da experiência de vida com os saberes formais, uma dimensão prática de conscientização dos padrões de fluxo da ação e uma dimensão ética de ressonâncias entre as formas do meio e as formas simbólicas pessoais. O movimento de consciência e de retroação toma assim formas diferentes segundo as dimensões da autoformação. (GALVANI, 2014, p. 117-118 – grifos do autor)

A esses polos de formação (auto-hetero-ecoformação), Gaston Pineau (2010) acrescenta dois termos (formal e informal ou experiencial) e denomina essa junção como antropoformação, que é a formação do ser humano. Sobre a criação deste conceito, o autor explica que: o conceito de antropoformação foi desenvolvido com o objectivo de dar conta dos movimentos centrípetos paradoxais que tentam unificar estes movimentos de socialização, ecológicos e de personalização de fortes tendências centrífugas. (PINEAU, 2010, s/p.)

Patrick Paul (2009, p. 33) comenta que a diferença entre o conhecimento científico e o conhecimento experiencial não é a busca de provas, mas a “orientação do sentido, a interpretação que é atribuída aos fatos, a iteração (fraca ou forte) que reúne/separa o objeto e o sujeito”. António Nóvoa (2004, p. 14) corrobora com essas ideias ao compreender que o processo de formar é sempre de “formar-se” e que “todo o conhecimento é autoconhecimento, toda formação é autoformação”. Destaca a importância de não desvalorizarmos as dimensões técnicas ou tecnológicas da formação, mas de “inscrevê-las numa experiência de vida, num percurso pessoal”, por meio de metodologias que permitam caminhar para si, integrando “referências pessoais e teóricas, experiências e encontros, metodologias e conceitos” (NOVOA, 2004, p. 16). Auto-conscientização fenomenológica e de auto-compreensão hermenêutica da autoformação Em seu texto “Um Método Transdisciplinar para a Autoformação”17, Pascal Galvani busca mostrar a “unidade epistemológica e metodológica de vários métodos reflexivos relacionados à autoformação” (GALVANI, 2014, p. 115). Destacarei desse texto elementos que me auxiliaram na compreensão do processo de exploração

17

Título original em espanhol: Un método transdisciplinar para la autoformación.

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fenomenológica e hermenêutica da autoformação para aprofundamento no processo de conscienciação18, ou seja, nos processos de tomada de consciência (consciência reflexiva) no decorrer da autoformação. O próprio processo de exploração da autoformação, por si só, já é uma experiência de autoformação, porque: [...] ela é um passo reflexivo de auto-concientização fenomenológica e de auto-compreensão hermenêutica. Trata-se literalmente de um processo de autoformação para a investigação (ou a reflexão) sobre a ação (ou a experiência). Dois elementos caracterizam a investigação-ação sobre a autoformação: a implicação do pesquisador e a subjetividade na construção da problemática. [...] a reflexividade da autoformação busca explorar a existencialidade interna. (GALVANI, 2014, p. 116)

Como sua proposta de autoformação, a partir da sua prática de acompanhamento de grupos de pesquisa-formação-ação, os momentos de exploração da reflexiva e dialógica autoformação articulam “a reflexividade e o diálogo das interpretações” (GALVANI, 2014, p. 116), buscam “a tomada de consciência e de poder sobre seu próprio processo de autoformação em suas diferentes dimensões” (GALVANI, 2014, p. 123) e requerem a articulação de dois movimentos (GALVANI, 2014, p. 118): 

A volta reflexiva pessoal sobre a experiência.



O colocar em diálogo as interpretações coletivas.

A volta reflexiva sobre a experiência pode tomar diferentes formas: “histórias de vida, relatos sobre as práticas, diários, análises de experiências etc. Pode envolver experiência profissional, social, pessoal e inclusive a experiência de formação”. Independente da forma utilizada, “a volta reflexiva permitirá transformar a experiência para a tomada de consciência e a problematização. Esta reflexão sobre a experiência é a que permite a cada um construir uma problemática de formação pessoal”. (GALVANI, 2014, p. 119) O segundo tempo-movimento fundamental desse processo é o colocar em diálogo as interpretações coletivas, ou seja, promover intercâmbios coletivos a partir das produções pessoais. É um dialogar “intersubjetivo das produções reflexivas 18

Termo original em espanhol: concienciación. De acordo com o dicionário da Real Academia Española, concienciación significa ação e efeito de “concienciar” ou “concienciarse” (1. acción y efecto de concienciar o concienciarse). Concienciar significa fazer alguém consciente de algo; adquirir consciência de algo (1. Hacer que alguien sea consciente de algo. 2. Adquirir conciencia de algo.). Disponível em: . Acesso em: 25.jun.2015.

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pessoais e de suas interpretações” (GALVANI, 2014, p. 119). Galvani exemplifica esse momento como uma mesa redonda que permite “pluralizar compreensões da experiência, favorece a tomada de consciência e a descentralização do ‘a priori’ e das ‘evidências’ subjetivas” e compreendê-la como um “processo de emancipação dos determinismos sociais herdados e incorporados” (GALVANI, 2014, p. 120). O autor destaca três dimensões da autoformação, indissociáveis e sempre presentes nas práticas de autoformação, mesmo que não igualmente, a presença em cada etapa pode se dar de maneira alternada (GALVANI, 2014, p. 121-22): 

A dimensão teórica de tomada de consciência crítica para a análise e a conceitualização da experiência.



A dimensão pragmática de tomada de consciência sensório-motora para a atenção consciente dos gestos oportunos em ação.



A dimensão existencial da tomada de consciência da ressonância existencial dentro da experiência.

Também são três os Níveis de Realidade trabalhados no movimento autoformativo: empírico, ético e epistêmico. Cada um desses níveis pode ser realizado de maneiras diferentes na exploração da autoformação. Galvani apresenta uma tabela detalhando cada nível, os passos, os objetivos dominantes e as práticas de exploração intersubjetivas da autoformação, adaptada a seguir (GALVANI, 2014, p. 122-23): Tabela 2 - Níveis, passos, objetivos dominantes e as práticas de exploração intersubjetivas da autoformação

Nível

Passos

Nível teórico (epistêmico) de conceituação cognitiva

Reflexão intelectual analítica aplicada à experiência

Objetivos dominantes Teorização da prática. Conscientização das conceituações implícitas. Produção de saberes críticos autorizando os sujeitos a participar no debate intelectual. Transformação da prática para a volta reflexiva teórica.

Nível prático

Exploração e conscientização das ações oportunas, de competências e

Conscientização de saberes da ação. Desenvolvimento da habilidade de interação.

Práticas de exploração intersubjetiva da autoformação Transformação da prática para a volta reflexiva teórica. Aprendizagem experiencial. Produção de saberes pela alternância e pela formação para a pesquisa-ação. Cruzamento de saberes. Análises das práticas. Oficina de praxiologia. Codesenvolvimento profissional.

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Nível

Nível ético (existencial)

Passos

Objetivos dominantes

Práticas de exploração intersubjetiva da autoformação

saberes na ação.

Transferência e transformação de modos de operação.

Entrevista de explicitação.

Hermenêutica instaurativa do sentido simbólico da experiência

Conscientização das simbolizações pessoais e culturais elaboradas na experiência.

Histórias de vida em formação. Oficina de exploração do imaginário da formação mediante o brasão. Oficina de Haikus em formação Explicitação biográfica.

Fonte: Adaptada de Galvani, 2014, p. 122-123.

O autor compreende a autoformação como um objeto transdisciplinar por ela se referir a essa pluralidade de Níveis de Realidade (teórico, prático e existencial). Compreende também que esses níveis estão em interação constante que se definem por “conjuntos de leis (finalidade, critérios de validade, modalidade, relação com o tempo, etc) irredutíveis uns aos outros” (GALVANI, 2002, p. 117). A autoformação também perpassa por uma dupla frente de emancipação exterior e interior. A emancipação exterior ocorre por meio do “diálogo exterior com a linguagem recebida e imposta pelo meio ambiente sócio-histórico” e das “tomadas de consciência dos condicionamentos sociais” e dos simbolismos e das representações ‘ditadas’ pela cultura que pertencemos. A emancipação interior ocorre pelo diálogo interior desenvolvido a partir do trabalho do sujeito para “descondicionar-se a si mesmo e se abrir ao surgimento de um sentido novo na experiência do mundo e das coisas” (GALVANI, 2014, p. 123 – grifos pelo autor). O autor destaca que a emancipação interior é amplamente esquecida na cultura ocidental moderna e que é difícil de ser realizada tendo em vista o paradigma tradicional cartesiano. Para realizar a emancipação exterior e interior, Galvani comenta que a fenomenologia hermenêutica pode propiciar essa religação. A fenomenologia é “compreendida como uma dimensão prática da conscientização” e a exploração fenomenológica é “a tomada de consciência entre si e um elemento do meio” (GALVANI, 2014, p. 124-25). Para tanto, a exploração implica vários movimentos, como: movimento de suspensão (epoché), consciência intencional ordinária, movimento de liberação, movimento de deixar que passe. “A

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tomada de consciência da experiência depende da capacidade de suspender a intencionalidade utilitária egocêntrica que domina nossas relações com os outros, com as coisas e conosco mesmo” (GALVANI, 2014, p. 125). Essa exploração fenomenológica da autoformação é caracterizada pela “tomada de consciência, a compreensão e a transformação da interação formadora entre a pessoa e o meio. Ela se traduz por uma atenção não intencional (não julgadora) dos fenômenos vividos e nas ressonâncias simbólicas que estes fazem emergir em nós” (GALVANI, 2014, p. 125). Nesta atenção/presença a pessoa se torna consciente do fenômeno e de suas próprias ressonâncias simbólicas sobre o fenômeno. Neste processo, “a revelação do fenômeno advém de uma compreensão do ser (eu)” (GALVANI, 2014, p. 125). Esse movimento de conscientização abarca o fenômeno, o objeto de estudo e também às relações entre sujeito e objeto. A hermenêutica é definida por Galvani (2014, p. 126) como “o trabalho de compreensão das ressonâncias simbólicas que o fenômeno instaura em nós”. A percepção do fenômeno não é única, sempre suscita “uma ideia, uma memória, uma emoção, uma intenção, que ressoam nela e instituem em nós novos diálogos entre o presente e o passado, entre o passado e o futuro, entre aquilo que pensamos e sentimos, entre o que sentimos e o que queremos”. O autor denomina como hermenêutica instaurativa essa atenção às ressonâncias simbólicas que a percepção de uma obra/experiência produzem em nosso espírito, é a contemplação receptiva do que a obra ou a experiência suscita em nós. Detalhando mais a hermenêutica instaurativa em obras de arte, em símbolos, Galvani (2002, p. 115-16) define que: A hermenêutica instaurativa é uma maneira de compreender e de interpretar o símbolo pelas associações e ressonâncias que remetem de uma imagem à outra. Não se trata de impor uma grade de leitura para o símbolo, mas de explorar a si mesmo pelas significações múltiplas que ele instaura em si. Podemos ilustrar essa abordagem hermenêutica através de qualquer obra de arte. Diante dessa obra, a hermenêutica instaurativa não consiste em buscar uma significação causalista que ‘explicaria’ a aparição da obra, mas, ao contrário, em expressar as significações necessariamente infinitas que ela instaura ou que ela produz naqueles que a contemplam. [...] Nessa perspectiva, não há análise interpretativa das produções de cada um por uma pessoa ou pelo grupo, que tentaria, do exterior, extrair o seu sentido. A hermenêutica instaurativa se propõe a explorar o leque de significações sugeridas pelos símbolos, conforme o método da convergência. Num círculo de palavra transcultural, a análise coletiva dos brasões ou das histórias de vida é uma partilha, uma exploração coletiva das significações, que cada participante descobre por si mesmo em suas produções ou nas dos outros.

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1.7 EDUCAÇÃO BIOCÊNTRICA E BIODANZA Apesar de a Educação Biocêntrica, inicialmente, não ter sido uma das referências teóricas desta tese, ela se fez presente como uma das referências teóricas da metodologia da Formação de Educadores para a Cidadania, do qual participei. Sendo assim, foi necessário o aprofundamento em seus princípios na busca pela compreensão da prática desenvolvida e como forma de complementar o relato da experiência vivida e sistematizada de docência e pesquisa. Seus criadores foram Ruth Cavalcante e Cézar Wagner Góis, a partir da experiência prática de integração da Educação Dialógica, de Paulo Freire, do Pensamento Complexo, de Edgar Morin, e da proposta de Biodanza e do diálogo com seu criador Rolando Toro (2005a). Para Toro, Biodanza é: Sistema de integração humana, de renovação orgânica, de reeducação afetiva e de reaprendizagem das funções originais da vida. A sua metodologia consiste em induzir vivências integradoras por meio da música, do canto, do movimento e de situações de encontro em grupo. (TORO, 2005a, p. 33)

Toro complementa sua definição sobre Biodanza ao dizer que a concebeu como “a poética do encontro humano, como um modo diferente de se relacionar em um mundo extremamente solitário [...] busca o encontro, a alegria de olharmos a olhos contentes de se encontrarem” (TORO, 2010). Tem o objetivo também de mudança da estrutura de estilo de vida, por meio de um despertar de uma nova sensibilidade frente a vida, “cada pessoa deve chegar a ‘dançar sua vida’”. (TORO, 1991, p. 12) e de mudança social, rumo a uma transmutação de valores, ou seja, “os valores antivida devem ser substituídos por valores pró-vida” (TORO, 1991, p. 13). De acordo com Cavalcante (2014), o princípio antropocêntrico da ciência que guiou grandes avanços, também permitiu ao ser humano se sentir poderoso o suficiente para destruir a natureza e o outro ser que considerava inferior. Ela cita o cientista chileno Rolando Toro Araneda, que fez outra proposta de um novo princípio: Princípio Biocêntrico, trazendo para o centro a vida como um todo, em todas as suas manifestações: a natureza como um todo, a água, o ar, os animais, o cosmos e o ser humano também, ou seja, tudo passa a ter um valor extremo e com a possibilidade extrema de celebrar a vida (CAVALCANTE, 2011a).

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A partir dessa mudança de postura, de atitudes, Cavalcante (2014) propõe uma pergunta, antes de realizarmos qualquer ação em nossas vidas: O que eu estou fazendo neste momento está gerando vida? Rolando Toro, por meio de trabalho com o Princípio Biocêntrico, propôs a metodologia da Biodanza, que hoje já tem mais de 40 anos. De acordo com Cavalcante (2014), a Biodanza é “um sistema de desenvolvimento humano que através de vivências ontológicas, ou seja, de desenvolvimento do ser, pode ocorrer essa transformação e, em geral, ocorre”. Para Toro (2005a), o Princípio Biocêntrico, sendo o elemento que estrutura a teoria da Biodanza, tem “referência imediata à vida” (TORO, 2005a, p. 50), “coloca seu interesse em um universo compreendido como um sistema vivo” e “é um ponto de partida para estruturar as novas percepções e as novas ciências do futuro relativas à existência: atribuição de prioridade ao ser vivo” (TORO, 2005a, p. 51). Cavalcante comenta que percebeu que era possível gerar outras formas de aplicação desse princípio, o concebe como um grande rio com várias vertentes (CAVALCANTE, 2011a, s/p). A partir da experiência na área de Educação no Ceará, nos mais diferentes níveis – Educação infantil, Educação inclusiva, Educação de adultos e Educação popular – agregou o Princípio Biocêntrico a essas experiências educacionais, desde 1986. Cavalcante apresenta a Educação Biocêntrica como: uma proposta pedagógica que busca, através do diálogo (Freire, Rogers) do movimento-dança e da Vivência Biocêntrica (Toro), facilitar um processo educativo voltado para uma vida mais saudável, assim como para a construção do conhecimento crítico e integrado com a realidade. Incorpora dimensões éticas e dialógicas, em uma visão na qual a pessoa é considerada como um ser inteiro, que pensa, sente, fala e age em cooperação com os outros (CAVALCANTE, 2006, p. 24).

A partir de suas experiências com a Educação Dialógica e Libertadora junto com Paulo Freire, propôs agregar metodologicamente e também conceitualmente a Educação Dialógica ao Princípio Biocêntrico, em busca de facilitar o diálogo entre as pessoas por meio dos círculos de cultura onde “a partir de um tema gerador as pessoas refletem sobre sua vida [...] sobre conteúdos teóricos, sobre possibilidades de ação” (CAVALCANTE, 2011a, s/p). Cavalcante também percebe os círculos de cultura como uma possibilidade para “fortalecimento dos vínculos e a conexão da teia de relações. É a vida sendo sacralizada através do diálogo amoroso” (CAVALCANTE, 2008, p. 99). Ao longo de sua experiência com este instrumento

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metodológico, a autora comenta que foi criando outras formas de aplicação, mas sem comprometer suas origens. Uma das dimensões sobre este instrumento metodológico, que Cavalcante destaca, é o diálogo vivo, ou seja, “o diálogo envolve a consciência, emergindo do pensamento, sentimentos e conclusões formuladas que dão suporte à cultura de um grupo ou forma de estar com cada um” (CAVALCANTE, 2008, p. 100), no qual as pessoas participantes “passam a atuar, sentir e pensar como sujeitos e permitir que outras pessoas que os rodeiam também sejam sujeitos críticos de sua própria história” (CAVALCANTE, 2008, p. 102). Tanto na Biodanza quanto na Educação Biocêntrica, também se desenvolve o diálogo profundo chamado de intimidade verbal que: exige o reconhecimento entre duas ou mais pessoas, exige uma postura de abertura para o mundo e para si mesmo, implicando troca, partilha, construção da relação mediada pela realidade. O diálogo também aparece como eixo central do processo de ensino-aprendizagem particularmente na Educação Biocêntrica que lida com a construção do conhecimento e o desenvolvimento da inteligência afetiva que segundo Toro ‘é a capacidade de resolver problemas da vida com a vida’. (CAVALCANTE, 2008, p. 101)

Abrindo-se à linguagem poética, a força da palavra tem o seu espaço de cuidado, de atenção ao outro, de valorização de cada um que participa, seja na consigna que precedem e preparam um movimento-dança (vivência), no momento de intimidade verbal, ou mesmo nos círculos de cultura, ou seja, “a linguagem poética surge espontaneamente gerada pela e gerando intimidade envolvendo as pessoas no mistério do outro, estabelecendo um pacto com palavras simples, autênticas, diretas como uma extensão de vida na vida” (CAVALCANTE, 2008, p. 102-103). Cavalcante conceitua a prática do círculo de cultura, baseada na proposta de Educação Libertadora de Paulo Freire, como o tempo e espaço onde ocorrem a conscientização da realidade e o processo de aprendizagem a partir “de uma novavelha palavra (palavra geradora) ou assunto (tema gerador). É, portanto, um espaço de interação pessoal para a aprendizagem individual e coletiva, construindo-se a realidade problematizada através de um princípio democrático de participação” (CAVALCANTE, 2008, p. 104). Ainda de acordo com Cavalcante (2008), o círculo é uma forma que não tem início nem fim, contribui para as ideias circularem, todos se veem, é um espaço para a expressão do ser de todos, de cada um que participa. É um espaço de fala qualificada e

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de escuta ativa, onde podem ocorrer mudanças, por ser reflexivo e participativo. Ali, “o ser é reconhecido como individualidade dentro do coletivo” (CAVALCANTE, 2008, p. 105). Para tanto, é necessário um clima de confiança, respeito mútuo e descontração, até mesmo do silêncio participativo do outro. A cultura faz referência à “realidade pessoal de cada indivíduo, é o resultado do trabalho do homem/mulher, do seu esforço criador e recriador” (CAVALCANTE, 2008, p. 124). No círculo de cultura, a palavra é um símbolo representativo do universo vocabular do grupo participante, elas são as sínteses do grupo sobre sua realidade. Para Cavalcante (2008, p. 106) são carregadas de “expressão sócio-político-cultural e emocional”. São geradoras de crescimento, de reflexão e de aprendizagem, trazem à tona situações significativas da vida coletiva, dão ênfase às emoções que estão contidas nelas, “traduzem o mundo vivido do educando. São palavras que multiplicam, porque estando plenas de sentido têm forte significação do ponto de vista da emocionalidade” (CAVALCANTE, 2008, p. 109). A partir de sua experiência com Educação Biocêntrica, Cavalcante (2008, p. 114-118) enumera as variadas formas de realização do círculo de cultura com diferentes objetivos, por exemplo: (1) Encontros temáticos; (2) Circulo de qualificação do relato; (3) Roda concêntrica de diálogo; (4) Figuras temáticas (fotolinguagem); (5) Grupos Interativos; (6) Círculo de afirmação da palavra; (7) Palavra geradora elaborada pelo(a) facilitador(a); (8) Roda de história de vida; e (9) Aquecimento para expressão verbal. Mais especificamente sobre o Pensamento Complexo de Edgar Morin, a autora Cavalcante comenta que esta perspectiva propõe uma reflexão mais aprofundada sobre a vida e a ideia da Transdisciplinaridade, ou seja, “nós não só juntamos todos os aspectos da vida e do pensamento humano, mas nós transitamos por esse pensamento, através do conceito de Transdisciplinaridade de Morin.” (CAVALCANTE, 2011a, s/p). A Transdisciplinaridade foi mencionada pela primeira vez por Piaget como uma dimensão interna da forma como o pensamento se expressa no mundo e nas pessoas tendo como referência não apenas o intelecto, mas passando pela percepção e sensação. Uma maneira de ver, sentir, estudar e construir ciências. Estar ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e principalmente além de qualquer disciplina. É o fim do pensamento que dividia as ciências (humanas, exatas, biológicas, e da informação) entre a objetividade e a subjetividade. É uma postura, uma

82 atitude do humano perante o conhecimento, o pensamento e o mundo. Abarca diversos âmbitos da aprendizagem e do desenvolvimento humano e social tanto na Educação formal, nos seus diversos níveis de escolaridade, quanto na Educação informal, nas organizações, comunidades e movimentos sociais. A Transdisciplinaridade, por não ser uma matéria nem um método, faz um casamento perfeito com a Educação Biocêntrica, que tem como objetivo primordial desenvolver a Inteligência Afetiva que levará a pessoa a uma nova consciência com profundas conseqüências éticas que só se fazem possíveis com o fortalecimento da identidade. (CAVALCANTE, 2006, p. 15)

Cavalcante (2014, s/p) explica que a Educação Biocêntrica não é uma novidade, mas é um “resgate da vida, como já deveria ter sido feita”. Sendo assim, sistematizaram o método da Educação Biocêntrica como: reflexivo, dialógico e vivencial. Complementa que: Reflexivo, através do Pensamento Complexo de Edgar Morin. Dialógico, nessa troca amorosa, de reconhecimento da presença do outro, de reconhecimento do saber de cada um. E o vivencial do Rolando Toro, que tudo tem que dar um sentido à vida. Então, para nós, é a síntese do desenvolvimento e da aprendizagem da Educação Biocêntrica, ela tem que ser a apreensão do significado daquilo que eu estou aprendendo, tem que ser a construção desse sentido também. E também a aplicação do que foi aprendido [...].

Detalha que os espaços de aprendizagem não são somente os espaços formais, como escolas e universidades, mas sim “qualquer espaço social é espaço de aprendizagem” (CAVALCANTE, 2014, s/p), por exemplo, como o meio organizacional, nas instituições, nas organizações não governamentais (ONGs), nos movimentos sociais e nas comunidades. Explica que o viés fundamental dessas propostas metodológicas é o desenvolvimento da inteligência afetiva, por meio dos vínculos (comigo mesmo, com o outro e com a totalidade) e da potencialização dos nossos sentimentos. Os vínculos são criados por meio dos rituais de vínculos e de aprendizagens, que são “momentos intensos, cheios de significados, profundos, que criamos através de uma ambiência de aprendizagem e de desenvolvimento” (CAVALCANTE, 2014, s/p). São maneiras de “voltar a ritualizar a vida, pois os vínculos se fortalecem através de vínculos”, que hoje se encontra tão mecanizada, na qual seguimos padrões que mecanizam a nossa forma de estar no mundo. E lança as seguintes reflexões: Como eu estou ritualizando a minha vida? Na minha relação a dois, o que é que eu faço para ritualizar a minha relação com os meus filhos? Com meu amado? Com a minha amada? Com o mundo que me envolve? Que rituais eu crio? Comenta que as tradições já tinham vários ritos, que as

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expressões religiosas possuem e nos convida a termos rituais no nosso dia a dia (CAVALCANTE, 2011a, s/p). A autora detalha que o estudo da inteligência vem sendo desenvolvido desde Pinet, Piaget, Goleman, Gardner, mas por meio da visão de Rolando Toro compreende que “se não temos uma base afetiva, nós nos tornamos ignorante de todos. Não adianta eu ter uma inteligência cognitiva privilegiada se eu não tenho uma base afetiva. [...] Então nós trabalhamos no desenvolvimento da inteligência afetiva, através do aprofundamento dos vínculos” (CAVALCANTE, 2011a, s/p). Segue explicando que não trabalhamos apenas com as emoções, mas sim com a relação afetiva, com o afeto, pois ele envolve compromisso com a própria vida, com a vida do outro, com a vida do planeta, com a vida do mundo como um todo. Cavalcante comenta sobre a diferença entre inteligência emocional, de Goleman, e inteligência afetiva, de Toro: [...] enquanto a primeira é um exercício para aprender a ter controle sobre as emoções e depende da percepção de cada um, a segunda vai na história vital, nas células, dando condições de perceber a relação com a vida [...] A nossa ação no mundo é impulsionada pela nossa necessidade de afeto, de carinho, de beleza, ligados à inteligência afetiva. [...] a Educação Biocêntrica pretende despertar a afetividade nas pessoas, ampliando sua percepção e expandindo sua consciência ética. [...] Desenvolver a inteligência afetiva vai no sentido do desdobramento de uma consciência afetiva. É o ponto de partida para a evolução integrada de todas as formas de inteligência. [...] Cria capacidade afetiva de estabelecer conexões com a vida, relaciona a identidade pessoal com a identidade do universo.” (CAVALCANTE, 2007, p. 59-63)

Cavalcante (2014) exemplifica os tipos de vínculo da seguinte maneira: (1) vínculo comigo mesmo: Por que eu faço essas escolhas na vida? Quem sou eu? Por que eu estou aqui?; (2) vínculo com o outro: desde aquele outro que eu escolho para fazer parte da minha vida, por exemplo, meu par, meus filhos, meus alunos, ou qualquer um outro; (3) vínculo com a totalidade: a totalidade pode ser representada pelo núcleo familiar, grupos de trabalho, sociedade com a qual nos comprometemos socialmente, o cosmos, o sagrado, o divino. Complementa com perguntas como: Em eue mundo eu estou? Que mundo é esse? Qual é o meu papel nesse mundo?, pois “eu sou um ser no mundo, que faço parte dele, mas eu sou um ser do mundo, que o transformo”, então, comenta que a Educação Biocêntrica tem um profundo compromisso com a transformação da realidade, que “hoje é tão antivida como a nossa” (CAVALCANTE, 2011a, s/p).

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Por meio desse trabalho com os vínculos, Cavalcante (2014) compreende que “a Educação Biocêntrica leva à transformação de si mesmo, através de uma vivência ontológica, mas agregamos uma vivência epistemológica” entendida como “construção do conhecimento na própria vivência”, partindo da vivência à consciência (CAVALCANTE, 2006). É uma forma de prática da inversão epistemológica proposta por Toro (2005a, p. 30), ou seja, na qual seguimos das vivências aos significados, “os exercícios são destinados primordialmente a induzir vivências e, somente depois, caberá à consciência registrar e denotar estados internos”, a partir da descrição das vivências pessoais. Em minha compreensão, na Educação Biocêntrica, a construção de conhecimento

parte

da

vivência

de

cada

um,

mas

não

termina

nela.

Necessariamente, abre espaços à reflexão e ao diálogo, em falas qualificadas e escutas ativas, também para a integração do conhecimento que cada um traz consigo e para o diálogo com as ideias de outros estudiosos, não no sentido de que eles estejam mais certos do que nós, participantes, mas no sentido de agregar outros saberes (científicos ou não), outras visões sobre os temas que estão sendo trabalhados. A diferença entre a vivência na Biodanza (ontológica) e a vivência na proposta da Educação Biocêntrica (epistemológica) é detalhada por Cavalcante (2011a, s/p) da seguinte forma: Na Biodanza eu não preciso saber porque eu estou dançando daquele jeito. A vivência, ela é em si [...] não precisa de explicações. Mas na Educação, não. Na Educação, eu preciso produzir conhecimento, eu preciso trabalhar com disciplinas determinadas. Como eu vou fazer isso só na vivência? Não tem condição. Então, eu me apoio na reflexão teórica de Edgar Morin para aprofundar esses aspectos da construção do conhecimento e da produção do conhecimento científico. [...] Por que Paulo Freire diz que não existem sábios absolutos e ignorantes absolutos. Existem saberes diferentes, então nós trocamos esses saberes. Todos nós.

Toro (2005b) defende que é muito importante o contexto teórico, o aporte da neurociência, por exemplo. Vê a teoria como “a chave mestra para entrar nos ambientes acadêmicos, porque esta linguagem é a que o sistema entende” (TORO, 2005b, p. 51). Além disso, percebe que há a abertura da ciência à dança, ao movimento, sempre que explicamos o que ocorre. Apesar de reconhecer a

85

importância da teoria como ‘infraestrutura’, ele enfatiza a prioridade à vivência corporal e emocional na Biodanza. Cavalcante enfatiza a necessidade de se ter clareza das convergências metodológicas e das diferenças de caminhos entre Biodanza e Educação Biocêntrica.

Explica

que

na

Biodanza

é

necessário

que

se

tenha,

metodologicamente, um grupo estruturado, embora se possa trabalhar também em organizações e em outros espaços. Mas a compreensão, via Educação Biocêntrica, é que “todos os espaços sociais são espaços de aprendizagem e desenvolvimento. Então, isso pressupõe uma metodologia para esses espaços [...] de aprendizagem mais

abertos”.

Ela

percebe

a

Biodanza

conceitualmente o seu modelo teórico

19

como

mediadora,

porque

usa

e parte de seus exercícios e músicas, mas

os integra com outras abordagens afins, como a Educação Dialógica e o Pensamento Complexo. Comenta que, inspirada na linha da Criatividade da Biodanza e da abertura de Paulo Freire de (re)criação a partir de sua proposta metodológica, a Educação Biocêntrica recria vivências, recria o círculo de cultura, não no sentido de adaptação, mas de “adequação às necessidades de cada grupo onde nós trabalhamos” (CAVALCANTE, 2011b, s/p). Como parte das estratégias metodológicas, além dos círculos de culturas e dos rituais de vínculos, também se trabalha com a história de vida das pessoas (CAVALCANTE, 2011a), ou seja, com o que a pessoa viveu, com o que ela traz. A proposta não é evidenciar particularmente a pessoa, mas “quando cada um de nós conta a sua própria história de vida, traz o contexto da história onde os fatos aconteceram, traz a visão de mundo daquela época, traz toda uma explicação temporal” (CAVALCANTE, 2011b, s/p). Além da proposta de vivência de Rolando Toro, a Educação Biocêntrica tem outras propostas de vivências, que se baseiam também na “dança, no encontro humano e na vivência em si que vem disso”, por exemplo, a meditação, a visualização criativa, a arte-identidade. (CAVALCANTE, 2011a, s/p). Ela percebe que a principal contribuição da Educação Biocêntrica para a Educação é o conceito da corporeidade, ou seja, “nós temos um corpo que é a nossa presença no mundo. A nossa identidade se expressa também pela nossa corporeidade. Então meu corpo expressa toda a minha história de vida.” (CAVALCANTE, 2011a, s/p). 19

Ver em Saberes teóricos da Biodanza - Modelo teórico da Biodanza.

86

 Saberes teóricos da Biodanza Em seguida, serão abordados alguns saberes teóricos da Biodanza, conforme sistematizados por Rolando Toro (1991; 2005a). Aqui não pretendo realizar um aprofundamento teórico exaustivo, apenas abordarei os pontos que me auxiliaram na compreensão de alguns elementos citados nos saberes teóricos da Educação Biocêntrica, conforme apresentados anteriormente. Modelo teórico da Biodanza A partir da compreensão de que, por meio de um modelo científico, ou seja, uma “imagem construída pelo investigador para operar sobre um sistema da realidade (TORO, 1991, p. 168), mantendo uma “firme coerência com ela” (TORO, 1991, p. 171), também “permite, portanto, descobrir relações novas e formular interrogações que jamais poderíamos fazer se só observássemos os fatos” (TORO, 1991, p. 168). A simples vista, então Toro propõe um modelo teórico da Biodanza. Para ele, é “um modelo do ‘homem cósmico’. Aborda o ser humano em sua dimensão biológica, psicológica e, justamente, cósmica. ‘A questão sobre o ser’ pode, assim, obter resposta apenas dentro de uma visão do homem como ‘ser no mundo’, ou seja, como criatura cósmica. O modelo teórico não considera o indivíduo isolado, mas, sim, em completa conexão com o ‘todo’” (TORO, 2005a, p. 72). Em entrevista, realizada em 2005, Toro (2005a) comenta que a Biodanza, seu modelo teórico, se apoia em ciências tradicionais acadêmicas como Psicologia, Antropologia, Fisiologia, Etologia, que são ciências do homem e “não são criações imaginárias e mágicas”, apesar de ele achar que as ciências, ditas, alternativas podem fazer bem. A Biodanza inclui o corpo nos processos de transformação e de conhecimento. Esse modelo “se articula ao longo de dois eixos colocados dentro de uma espiral”. Essa espiral “representa a abertura do modelo aos processos universais de gestação da vida” (TORO, 2005a, p. 74). O eixo vertical é o eixo estável, que parte do potencial genético, localizado no polo inferior vertical, em busca da integração. No eixo horizontal se encontra o continuum identidade-regressão, que é pulsante. Compreende que a integração e o desenvolvimento evolutivo ocorrem na “medida

87

em que os potenciais genéticos encontram opções para se expressar através da existência” (TORO, 1991a, p. 174). Sendo assim, ele reagrupou essas potencialidades em cinco grandes grupos que denominou “linhas de vivência”, ou seja, “se desenvolvem em uma espiral em torno do eixo vertical do modelo, e suas interações formam uma trama por meio da qual se expressa o potencial genético (2005a, p. 74)”, que são como “canais por onde fluem os potenciais humanos” (TORO, 1991, p. 173). As cinco linhas de vivência são: 

Vitalidade: potencial de equilíbrio, de homeostase (equilíbrio, estabilidade do sistema), de harmonia biológica, ímpeto vital, energia que o indivíduo dispõe para enfrentar o mundo.



Sexualidade: capacidade de sentir o desejo sexual e o prazer; capacidade de fecundação.



Criatividade: capacidade de renovação aplicada à própria vida, isto é, criar-se a si mesmo e empregar a criatividade em cada ato.



Afetividade: capacidade de dar proteção, de amor indiscriminado pelos seres humanos; aceitação da diversidade humana, sem discriminação; empatia. Útero afetivo que cada um tem, para dar continente aos demais.



Transcendência: capacidade de ir além do Eu (ego) e de identificar-se com a totalidade cósmica; capacidade de experimentar os estados de expansão da consciência e de integrar unidades cada vez maiores.

Metodologia da Biodanza A metodologia da Biodanza se constrói na articulação e integração entre os elementos inseparáveis da unidade (conjunto organizado) música-movimentovivência, pois requerem a participação simultânea de cada um deles (TORO, 2005a). Cada exercício é composto por uma música e um movimento corporal estimulado pela música e coerente com ela e também é “voltado para uma vivência específica, cujos efeitos correspondem a um objetivo metodológico inerente ao processo de integração humana” (TORO, 2005a, p. 121). Podem ser realizados sem qualquer dificuldade, “qualquer que seja a capacidade motora do indivíduo” (TORO, 2005a, p. 121). A vivência em Biodanza ocorre de forma diferente em cada participante, tem “ressonância e um grau de intensidade diferente para cada componente do grupo”, apesar de produzirem vivências semelhantes, ainda que de intensidade e matizes diferentes de acordo com o “nível de repressão e de sensibilidade pessoal” (TORO, 2005a, p. 122).

88

Música na Biodanza A Música é o primeiro dos elementos metodológicos da unidade ‘músicamovimento-vivência’ e tem o propósito de “induzir movimentos e vivências integradoras20”.

Comenta que a natureza da vivência depende dos “significados

emocionais da música utilizada e das categorias musicais que dela prevalecem” (TORO, 2005a, p. 122) e compreende que o “objetivo de cada exercício de Biodanza só pode ser atingido mediante o uso da música adequada” (TORO, 2005a, p. 122). Com a música se pretende “induzir estados, ativar processos psicossomáticos, estimular o contato interpessoal etc. Não são usados sons isolados nem ‘preparações sonoras’” (TORO, 1991, p. 10). A escolha da música permite que, por meio dela, se possa “integrar o movimento, a emoção e as vivências” (TORO, 1991, p. 298). Toro (2005a, p. 125) propõe a compreensão de música orgânica, ou seja, são “formas de músicas que apresentam atributos ‘biológicos’ como fluidez, harmonia, ritmo, tom e unidade de sentimento. [...] neste grupo colocarei todas aquelas músicas estruturadas a partir de um núcleo emocional ou de uma intenção fortemente expressiva. [...] Na música orgânica, a estrutura musical forma um todo único com a emoção que contém. [...] contém emoção e expressividade; pode provocar uma profunda estimulação visceral e pode suscitar vivências integradoras.” Para ele, “[...] a estrutura musical forma uma totalidade com a emoção que carrega” (TORO, 1991, p. 310). Para a escolha da música, Toro propõe a realização de uma semântica musical, ou seja, uma “pesquisa voltada para o estudo dos significados emocionais contidos na música” (TORO, 2005a, p. 128). Na análise da semântica musical, deveremos estar atentos aos elementos de unidade, tonalidade, ritmo, harmonia e melodia da música e se essas induzem a vivências integradoras. A seleção das músicas é um “processo sensível e cuidadoso” e segue também critérios específicos de acordo com as linhas de vivência (TORO, 1991, p. 312).

20

Vivências integradoras “favorecem uma elevação do grau de saúde e de vitalidade” (TORO, 2005a, p. 31), “promovem integração do organismo, o que se traduz em profunda sensação de harmonia”. (TORO, 1991, p. 14), “produzem bem-estar corporal, sensação de harmonia, doçura e plenitude” (TORO, 1991, p. 82).

89

Movimento na Biodanza Os exercícios em Biodanza se baseiam nos movimentos naturais do ser humano, como caminhar, saltar, espreguiçar etc, nos gestos ligados a costumes sociais, por exemplo, dar a mão, abraçar, embalar, acariciar, e os gestos arquetípicos. Há diversos tipos de exercícios, por exemplo (TORO, 2005a, p. 138): 

Individual, em pares, em grupos pequenos e que envolvem todo o grupo como unidade.



De integração, de sensibilização, de expressão dos potenciais genéticos.



Que têm simbolismo arquetípico.

A maior parte dos exercícios é realizada com música, mas algum deles são feitos com o canto ou com o silêncio, ou mesmo com os sons da natureza, quando a Biodanza é realizada em ambiente natural. Normalmente não são previstos exercícios verbais em uma sessão de Biodanza, exceto a “’narração da vivência’ e a possibilidade de expressão por meio de sons onomatopéicos, proto-linguagem e pelo uso da linguagem poética” (TORO, 2005a, p. 138). Outro tipo de movimento trabalhado em Biodanza são os movimentos “em câmera lenta”, que “consiste na desaceleração do movimento relativamente à velocidade natural dos gestos e dos movimentos humanos” (TORO, 2005, p. 142). Toro explica que esses movimentos são induzidos pela emoção e que se desenvolvem durante um período, um tempo apropriado para a integração afetivomotora e a sensitivo-motora. Vivência na Biodanza Na Biodanza, a vivência é compreendida como seu método, ou seja, a Biodanza objetiva a indução de vivências de integração, “de profunda e imediata conexão do indivíduo consigo mesmo” (TORO, 2005a, p. 30) e de desenvolvimento humano mediante a estimulação da função arcaica da conexão com a vida. Toro define vivência como “experiência vivida com grande intensidade por um indivíduo no momento presente, que envolve a cenestesia21, as funções viscerais22 e 21

Cenestesia: “Sensibilidade interna que nos informa sobre o estado de nossos órgãos”. Fonte: Dicionário de Português Online - Michaelis. Disponível em: . Acesso em: 22.dez.2014. 22

Viscerais: relativo às vísceras. Designação genérica de qualquer órgão alojado em uma das três cavidades: a craniana, a torácica e a abdominal. A parte mais íntima de qualquer coisa. Fonte:

90

emocionais. A vivência confere à experiência subjetiva a palpitante qualidade existencial de viver o ‘aqui e agora’” (TORO, 2005a, p. 30). Ela tem prioridade metodológica, ainda que não se exclua a função cognitiva, a consciência e o pensamento simbólico, mas os exercícios são realizados para induzir vivências e que sejam integradoras. Relaciona a vivência com a aprendizagem, ao nos dizer que a aprendizagem deve ocorrer envolvendo todo o organismo e não somente as funções corticais, cognitivas. Então, comenta que a na Biodanza, a aprendizagem ocorre em três níveis: o cognitivo, o vivencial e o visceral. Por meio de indução de vivências, cuja função primordial é de conexão com a vida, visa permitir que cada indivíduo se vincule, se integre a si mesmo (consigo mesmo), à espécie (com os outros) e ao universo (com a totalidade) (TORO, 2005a, p. 34): 

A integração a si mesmo consiste em resgatar a unidade psicofísica.



A integração à espécie, ao semelhante, consiste em restaurar o vínculo original com a espécie como totalidade biológica.



A integração ao universo consiste em resgatar o vínculo primordial que une o homem à natureza, reconhecendo-se como parte da totalidade maior que é o cosmo.

Toro comenta que, em Biodanza, devemos reforçar, em situações reais, “a produção de emoções saudáveis de plenitude, de afeto e respeitosa vinculação humana” e que emoções e vivências positivas nos trazem bem-estar e prazer e isso contribui para “estabilizar a aprendizagem afetiva” (TORO, 1991, p. 137). Emoções negativas como, angústia, ódio, medo, depressão tem seu lugar dentro de um contexto criativo, pois, de acordo com Toro (1991), somente a arte pode abarcar essas emoções e fazer com que elas se tornem algo valioso e pleno de sentido. Exemplifica que há exercícios que às vezes facilitam o choro. Este não deve ser nem abafado e nem estimulado, mas “se surge espontaneamente, [...] se abraça, ‘se lhe dá continente’, em silêncio. [...] é importante que no momento de tristeza [...] encontre amparo e proteção” (TORO, 1991, p. 137). Tendo em vista as 5 linhas de vivência, foram organizados exercícios para cada uma delas (TORO. 2005b, p. 47): 

Exercícios para o desenvolvimento da vitalidade e da saúde, para aumentar a homeostase, a autorregulação e a alegria de viver.

Dicionário de Português Online - Michaelis. Disponível em: . Acesso em: 22.dez.2014.

91

Entre

os



Exercícios para a sexualidade, a sedução, para aprender a acariciar, a olhar nos olhos e a saber a linguagem do encantamento.



Exercícios para a criatividade, a inovação e a transgressão de costumes bloqueadores da vida, para aprender a expor com inteira liberdade o que não gostamos do sistema em que estamos vivendo.



Exercícios para poder nos comunicar, ter ternura, que nos acariciem, que nos olhem, que nos abracem, para que possamos andar de mãos dadas pela rua.



Exercícios para a transcendência, para sermos capazes de sentir empatia, de saber nos colocar no lugar do outro, diminuindo o ego e perseguindo a unidade à qual pertencemos, a unidade cósmica.

princípios/noções

essenciais,

cujo

cumprimento

garante

a

operacionalidade do Sistema Biodanza, apresentados por TORO (1991, p. 7-11), destaco, resumidamente, o princípio da progressividade, que complementa os demais saberes teóricos apresentados até aqui sobre Educação Biocêntrica e Biodanza: Princípio da progressividade: Na estruturação de cada sessão, devemos cuidar do grau de intensidade e de duração dos exercícios de modo a produzir “um processo de mudança evolutivo” (TORO, 1991, p. 7). Destaca a necessidade do facilitador estar atento à sua própria ansiedade em querer produzir modificações rápidas e espetaculares e ao respeito à progressividade orgânica. Devemos dar tempo e espaço para que os próprios alunos assumirem suas próprias mudanças. “Ninguém pode violentar seu amadurecimento, só pode induzi-lo com delicadeza” (TORO, 1991, p. 13). Alerta que “transgredir o princípio de progressividade pode desencadear na pessoa um ‘stress’ emocional doloroso, elevar seus níveis de culpabilidade e provocar sentimentos de angústia incontroláveis” (TORO, 1991, p. 7). Regida por este princípio, uma sessão de Biodanza pode ser estruturada em forma de uma curva metodológica orgânica e progressiva, oscilando da ativação (identidade) à regressão e retornando à ativação. De acordo com o tipo de sessão, os movimentos de ativação e de regressão são mais ou menos acentuados, conforme mostra a figura 6 a seguir:

92 Figura 6 - Estrutura de uma sessão de Biodanza

Fonte: TORO, 1991, p. 402.

1.8 REFLEXÃO E CONHECIMENTO NA, SOBRE E PARA A AÇÃO Como fez parte da reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora, a partir da vivência em um projeto real transdisciplinar e do estudo aprofundado das teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade, compreendo que tanto a metodologia de formação e de pesquisa quanto as aprendizagens voltadas à docência e à pesquisa foram elaboradas a partir da reflexão e do conhecimento (SCHÖN, 1995; 2000) sobre as ações de docência e de pesquisa vividas. De acordo com o autor Donald Schön (1995; 2000), o processo de reflexãona-ação não exige palavras, pois ocorre enquanto realizamos a ação em si, ao estarmos atentos ao que fazemos, ou ao que o outro faz, ao refletirmos sobre esse fato e procurar entender o que aconteceu. A partir dessa reflexão, reformulamos o problema, suscitado pela situação, e depois realizamos novas ações e experiências para testarmos os resultados dessas novas ideias. Raramente os momentos reflexão-na-ação são tão claros, um em relação ao outro, como a descrição possa sugerir. Uma característica importante da reflexão-na-ação é a sua “imediata significação para a ação” (SCHÖN, 2000, p. 34), ou seja,

93 [...] podemos refletir no meio da ação, sem interrompê-la. Em um presenteda-ação, um período de tempo variável com o contexto durante o qual ainda se pode interferir na situação em desenvolvimento, nosso pensar serve para dar uma nova forma ao que estamos fazendo, enquanto ainda fazemos. Eu diria, em casos como este, que refletimos-na-ação. (SCHÖN, 2000, p. 32)

Apesar da distinção dos processos de reflexão-na-ação e conhecer-na-ação poder parecer sutil e os dois podem ser desenvolvidos sem que precisemos dizer o que estamos fazendo. O autor define como conhecer-na-ação os “tipos de conhecimento que revelamos em nossas ações inteligentes” (SCHÖN, 2000, p. 31) – nas quais são contínuas ações de ajustes, de detecção e correção de erros –, em situações de performances físicas, como andar de bicicleta, e de operações privadas, como a análise instantânea de uma folha de balanço. Revelamos o ato de conhecer na ação, na “execução capacitada e espontânea da performance” (SCHÖN, 2000, p. 31), mas somos incapazes de, neste tipo de atividade complexa, torná-la verbalmente explícita. Claro que podemos, por meio da observação e da reflexão sobre as nossas ações, fazer “uma descrição do saber tácito que está implícito nelas” (SCHÖN, 2000, p. 31). Mesmo assim, “nossas descrições do ato de conhecer-na-ação são sempre construções” (SCHÖN, 2000, p. 31 – grifos do autor), pois o processo de conhecerna-ação é dinâmico e nossas descrições, construções teóricas, fatos, procedimentos são estáticos. Sendo assim, “conhecer sugere a qualidade dinâmica de conhecerna-ação, a qual, quando descrevemos, convertemos em conhecimento-na-ação” (SCHÖN, 2000, p. 32 – grifos do autor). Já o processo de refletir sobre a ação ou sobre o processo de reflexão-na-ação já é uma ação, uma observação, uma descrição e, por isso, exige o uso de palavras (SCHÖN, 1995). Esse processo de refletir sobre a reflexão-na-ação anterior dá início a um diálogo de pensar e perceber como posso fazer para ser um profissional mais habilidoso, por exemplo (SCHÖN, 2000). No caso da relação de ensino e de aprendizagem, essa prática reflexiva implica um tipo de aprender que envolve diálogo de palavras e de desempenho entre professores e alunos (SCHÖN, 1995). O autor ressalta ainda que para o desenvolvimento dessa prática reflexiva é importante que haja espaço e seja integrado ao contexto institucional, no caso de uma escola, como o autor comenta (SCHÖN, 1995), e eu acrescento que esta abertura e integração devam acontecer na universidade também, seja na graduação

94

quanto na pós-graduação. Nesse sentido, percebo esse tipo de abertura na pósgraduação em nível de doutorado. Entretanto, autores como Selma Pimenta e Evandro Ghedin (2012) tecem considerações e alertas sobre às restrições em relação a esse conceito de professor reflexivo devido às limitadas condições de trabalho dos professores nas escolas. Comentam que o problema não é da perspectiva teórica em si e compreendem como positivo que se invista na formação de professores e profissionais que sejam capazes de produzir conhecimentos, de participar de decisões e de “compreender e analisar as práticas educativas, situadas em contextos, coloca os professores e as escolas em condições de apontar (sic) perspectivas de superação dos problemas” (PIMENTA; GHEDIN, 2012, p. 8). Além conforme conclui Pimenta (2012) devemos valorizar a profissão docente, os saberes dos professores e o trabalho coletivo e compreender que o professor pode ser pesquisador da própria prática. Porém, destacam a realidade dos professores e das escolas nas quais se tornam um exercício desumano exigir que professores e profissionais da Educação sejam obrigatoriamente profissionais reflexivos, atribuindo a eles a responsabilidade de criação de soluções para os problemas da Educação Brasileira. De maneira sintética, fruto das pesquisas realizadas pelos autores e seus grupos de pesquisa, descrevem a seguinte realidade: Sem dúvida a precariedade com que certos governos insistem em manter os professores e as escolas, com baixos salários, obrigando-os a exercer atividades em várias escolas, com turmas numerosas, premindo as escolas a realizar aprovações automáticas, com indicadores de ensino que falseiam a realidade para avaliadores externos, atrelando alguma promoção dos professores aos resultados dos seus alunos nessas avaliações, trabalham na contramão de qualquer valorização dos professores como intelectuais críticos e reflexivos e qualquer condição de trabalho coletivo. (PIMENTA; GHEDIN, 2012, p. 8)

Pimenta destaca algumas críticas quanto à perspectiva do profissional reflexivo, fruto de pesquisas empíricas realizadas, como por exemplo: “o individualismo da reflexão, a ausência de critérios externos potenciadores de uma reflexão crítica, a excessiva (e mesmo exclusiva) ênfase nas práticas, a inviabilidade da investigação nos espaços escolares e a restrição desta neste contexto” (PIMENTA, 2012, p. 51). Além das críticas, a autora aponta algumas possibilidades de superação desses limites identificados, das quais destaco: (1) passar da dimensão individual da reflexão para o seu caráter público e ético; (2) construção de conhecimento pelos

95

professores da análise crítica teórica das suas práticas e da ressignificação das teorias a partir das práticas; (3) a realização da pesquisa no espaço escolar, com o desenvolvimento de uma cultura escolar de problematização das práticas em diálogo com pesquisadores da universidade; (3) desenvolvimento profissional ser fruto da combinação entre formação inicial, exercício profissional e formação continuada. 1.9 PARA SER UM PROFESSOR-PESQUISADOR Se pensarmos nesta ideia de reflexão e conhecimento na, para e sobre a ação voltada para as ações e formações em docência e em pesquisa, no ofício de professor(a), autores como Isabel Alarcão, (2001), Pedro Demo (2011) e Maurice Tardif (2012) reforçam a importância dessas práticas reflexivas e de pesquisa na e para a formação docente, e da relevância dos saberes da experiência e da reflexão crítica e investigativa para o aprimoramento contínuo da própria prática cotidiana docente. Nesse sentido, a partir do conceito de professor-pesquisador23, como aquele que desenvolve pesquisas intencionalmente sobre sua própria prática atribuindo sentido às suas vivências e experiências docentes, Alarcão (2001, p. 6) propõe dois princípios: (1) “todo professor verdadeiramente merecedor deste nome é, no seu fundo, um investigador e a sua investigação tem íntima relação com a sua função de professor” e (2) “formar para ser professor investigador implica desenvolver competências para investigar na, sobre e para a acção educativa e para partilhar resultados e processos com os outros, nomeadamente com os colegas”. Sendo assim, ela destaca que ser professor-pesquisador é ter “uma atitude de estar na profissão como intelectual que criticamente questiona e se questiona” (ALARCÃO, 2001, p. 6). Ressalta que esse papel de pesquisador não é só para acadêmicos e não é só para quem tem formação acadêmica. Mas que esse papel pode ser realizado por qualquer professor e professora. A autora também comenta sobre a importância da investigação fazer parte da formação inicial de professores, seja em disciplinas específicas ou em atitude integrante das demais disciplinas, como ambientes de vivência da investigação,

23

Aqui tratei os termos pesquisador e investigador como sinônimos. Nas citações diretas de alguns autores, mantive o termo investigador, quando este foi utilizado. Nos demais parágrafos, optei pelo termo pesquisador, mais adequado ao português do Brasil e coerente com a dimensão pesquisadora presente em toda esta tese.

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como comunidades de aprendizagem do espírito investigativo, pois os futuros professores também aprendem a investigar com os investigadores. Ainda ressalta que a investigação, que se fundamenta no questionamento e na reflexão, não deve se restringir ao que está e se passa fora de nós, mas é bom que “desde o primeiro momento, habituemos os nossos alunos a reflectirem sobre o seu currículo pessoal, a sua aprendizagem, o seu projecto de alunos que querem vir a ser professores” (ALARCÃO, 2001, p. 12). No sentido da integração entre a pesquisa e a prática docente, o autor Pedro Demo nos convida também a fazer com que a pesquisa ultrapasse os muros da academia e seja capaz de fazer parte do processo de formação educativa, desde a pré-escola, se tornando uma “atividade humana processual pela vida afora” (DEMO, 2011, p. 9). Compreende que a pesquisa pode reintroduzir a adequação entre a teoria e a prática, desde que coincida com criar e emancipar, em uma construção de um “projeto de emancipação social” e em um diálogo crítico com a realidade que nos cerca. Chama também a atenção para que a pesquisa se torne um princípio científico e educativo, tanto na formação do professor, quanto dentro das escolas, sendo a pesquisa como questionamento cotidiano. No capítulo no qual Tardif (2012) propõe que os professores sejam considerados como sujeitos do próprio conhecimento, ou seja, que estejam no centro da construção dos saberes, do saber-fazer, das competências e das habilidades que servem de base para o seu trabalho. Compreende que os professores são sujeitos que “possuem, utilizam e produzem saberes específicos para o seu ofício, em seu trabalho” (TARDIF, 2012, p. 228). Como a missão educativa da escola repousa sobre os ombros dos professores, então “interessar-se pelos saberes e pela subjetividade deles é tentar penetrar no próprio cerne do processo concreto de escolarização” (TARDIF, 2012, p. 228). Para tanto, ele propõe que se recoloque a subjetividade dos professores no centro das pesquisas sobre o ensino e que se pare de considerá-los como “técnicos que aplicam conhecimentos produzidos por outros”, na visão tecnicista, ou como “agentes sociais cuja atividade é determinada exclusivamente por forças ou mecanismos sociológicos”, na visão sociologista (TARDIF, 2012, p. 229). Analisa que apesar de todas as diferenças entre essas correntes teóricas, um ponto em

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comum, que elas têm, é “despojar os atores sociais de seus saberes e [...] sujeitar os professores, por um lado, aos saberes dos peritos e, por outro, aos saberes dos especialistas das ciências sociais” (TARDIF, 2012, p. 230). Apresenta outras três correntes teóricas que têm estudado a prática, os saberes e as subjetividades dos professores. Apesar de suas diferenças, todas as três afirmam que “é imprescindível levar em consideração o ponto de vista dos práticos, pois são eles realmente o polo ativo do seu próprio trabalho” (TARDIF, 2012, p. 234) e que a partir de suas experiências constroem seus saberes e novos conhecimentos e desenvolvem novas práticas e estratégias de ação. A primeira corrente é a que trabalha sobre a cognição ou pensamento dos professores. São pesquisas de inspiração psicológica e fazem parte das ciências cognitivas. Essa perspectiva é “dominada pela visão cognitivista e psicologizante da subjetividade dos professores [...] propõe uma visão bastante racionalista do professor, reduzindo a subjetividade dele à sua cognição [...] concebida segundo uma visão intelectualista e instrumental” (TARDIF, 2012, p. 231). A segunda corrente trabalha sobre a vida dos professores, com base na fenomenologia existencial, ou nas histórias de vida pessoal ou profissional, ou nos estudos sobre as crenças dos professores etc. A subjetividade dos professores engloba “toda a história de vida dos professores, suas experiências familiares e escolares anteriores, sua afetividade e sua emoção e valores pessoais etc” (TARDIF, 2012, p. 232). Nessa corrente, o professor é considerado como “sujeito ativo sob sua própria prática. [...] Seus saberes estão enraizados em sua história de vida e em sua experiência do ofício de professor” (TARDIF, 2012, p. 232). Além da dimensão cognitiva, eles possuem dimensões afetivas, normativas e existenciais. A terceira corrente, desenvolvida de uns 30 anos para cá, é proposta no campo da sociologia dos atores e da sociologia da ação: “simbolismo interacionista, etnometodologia, estudo da linguagem comum ou cotidiana, estudo da comunicação e das interações comunicacionais, pesquisa sobre as competências sociais ou saberes sociais dos atores etc” (TARDIF, 2012, p. 233). A compreensão da subjetividade vai além da cognição e da vivência pessoal, abarca as “categorias, regras, linguagens sociais que estruturam a experiência dos atores nos processos de comunicação e de interação cotidiana” (TARDIF, 2012, p. 233). O pensamento,

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as competências e os saberes são vistos como sendo realidades subjetivas e socialmente construídos e partilhados. O autor comenta que essas três correntes não são impermeáveis, mas realizam trocas teóricas e metodológicas, que cada uma tem produzido resultados interessantes e utilizáveis na formação de professores e na pesquisa sobre o ensino e, por sua diversidade, mostram que a subjetividade “é rica e complexa, e pode ser estudada através de enfoques variados” (TARDIF, 2012, p. 234). Entre as consequências desse convite de ver os professores como sujeitos do próprio conhecimento e de trazer a subjetividade no centro das pesquisas sobre o ensino, destacarei três delas: repensar as relações entre teoria e prática, a pesquisa universitária e a formação docente. Ao repensar as relações entre a teoria e prática, o autor nos fala que se consideramos os professores como atores competentes e sujeitos ativos, a prática deve ser compreendida “não somente como um espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas também como um [...] espaço de prática específica de produção, de transformação e de mobilização de saberes e, portanto, de teorias, de conhecimentos, de saber-fazer específicos ao ofício de professor” (TARDIF, 2012, p. 234). Sendo assim, Tardif nos chama a atenção para a pesquisa universitária, a área de Educação deve compreender que ela é regida e produzida por um sistema de práticas e de atores e não na ilusão de que “podem ser produzidas teorias sem práticas, conhecimentos sem ações, saberes sem enraizamento em atores e em sua subjetividade” (TARDIF, 2012, p. 236). Para tanto, ele propõe que a relação entre a pesquisa universitária e o trabalho docente “nunca é uma relação entre uma teoria e uma prática, mas uma relação entre atores, entre sujeitos cujas práticas são portadoras de saberes” (TARDIF, 2012, p. 237). Isto leva a uma mudança na concepção e na prática de pesquisa que estão em vigor. O autor propõe que se pare de ver os professores como objetos de pesquisa, para serem vistos como sujeitos do conhecimento. Isso significa que “a produção de saberes sobre o ensino não pode ser mais o privilégio exclusivo dos pesquisadores, os quais devem reconhecer que os professores também possuem saberes [...]” (TARDIF, 2012, p. 238). Também que sejam considerados como colaboradores e até copesquisadores, dando-lhes espaço nos dispositivos de pesquisa. Sendo assim, se tornará “uma pesquisa não sobre ensino e sobre professores, mas para o

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ensino e com os professores” (TARDIF, 2012, p. 239). Corrobora aqui com a ideia do professor também ser pesquisador. Em relação à formação docente, Tardif recomenda que os professores em formação e os estudantes também tenham o “direito de dizer algo a respeito de sua própria formação profissional” (TARDIF, 2012, p. 240); que possam controlar, pelo menos em parte, conteúdos e formas a serem trabalhadas, com certo controle legal, político e prático sobre o currículo; que estimulem a integração entre aqueles que estão em formação e os professores em exercício para que possam aprender também com aqueles que efetuam o ofício da docência; que os currículos possam abrir mais espaço para os conhecimentos práticos; e que essas aprendizagens possam “proceder por meio de um enfoque reflexivo, levando em conta os condicionantes reais do trabalho docente e as estratégias utilizadas para eliminar esses condicionantes na ação” (TARDIF, 2012, p. 242). Ao convite da proposta de Alarcão (2001), Demo (2011) e Tardif (2012), me percebo como professora-pesquisadora e, também, como pesquisadora-professora neste processo do doutorado. Aqui reflito sobre o nome que atribuí ao meu papel e das minhas companheiras de PCRAC, formadoras-pesquisadoras, com este intuito de reforçar e de vincular a pesquisa com e sobre a prática docente, abrindo caminho para que teoria e prática, de pesquisa e de docência, se alimentem mutuamente.

100

2 CONTEXTO DE FORMAÇÃO E PESQUISA Para a visualização do contexto de formação e pesquisa, destaco alguns momentos do meu percurso formativo, a partir de 2009: entrada no grupo de pesquisa Ecotransd – Ecologia dos Saberes, Transdisciplinaridade e Educação (2009), a realização de disciplinas como aluna especial (2010-2012), o Doutorado em Educação (2012-2015), a participação na Formação de Educadores para a Cidadania (2012-2013) e o período do doutorado-sanduiche em Barcelona/Espanha (2014-2015), conforme ilustrado na figura 7, a seguir. Figura 7 - Linha do tempo do contexto de formação e pesquisa

A entrada no grupo de pesquisa Ecotransd, conforme será detalhada no relato 2, foi um importante momento de ruptura formativa, pois me impulsionou a revisitar meus questionamentos em relação à minha formação docente e aprofundamento teórico nas temáticas da Complexidade e da Transdisciplinaridade, a realizar disciplinas da professora Maria Cândida Moraes, como aluna especial no período de 2010 a 2012, e a entrar, em 2012, no Doutorado em Educação da Universidade Católica de Brasília sob orientação da professora. No final do ano de 2011, em uma reunião do grupo de pesquisa Ecotransd em Águas Belas (Ceará), eu e Rosamaria conversávamos sobre a minha possível entrada no doutorado e sobre a minha necessidade de vivenciar práticas docentes que transformassem, em estratégias pedagógicas, as teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Acompanhando as minhas inquietações, Rosamaria me convidou, em 2012, para participar do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania: caminhos para a vivência dos Direitos Humanos e Geração da

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Paz

(PCRAC),

que,

em

sua

essência,

tinha

como

bases

teóricas

a

Transdisciplinaridade, a Complexidade e a Educação Biocêntrica. Desse convite, surgiu a possibilidade de vivenciar uma experiência que trouxesse essas teorias para os campos da prática, da pesquisa e da construção do conhecimento. Deste projeto, me envolvi na Formação de Educadores para a Cidadania, como será detalhado mais adiante. Cabe destacar que Rosamaria, além de ser integrante do grupo de pesquisa Ecotransd, também foi orientanda da professora Maria Cândida Moraes, no mestrado e no doutorado, entre 2001 e 2007. Sendo assim, o PCRAC também é produto

do

grupo

de

pesquisa

e

das

teorias

da

Complexidade

e

da

Transdisciplinaridade e produtor de pesquisas, aprofundamentos e questionamentos sobre a prática docente transdisciplinar. Apesar da formação e pesquisa narrada nesta tese ter sido iniciada antes mesmo de 2012, compreendo que com a entrada no Doutorado em Educação, com a participação na Formação de Educadores para a Cidadania e com o doutoradosanduíche em Barcelona pude continuar o aprofundamento teórico, elaborar o problema de pesquisa e os relatos que compõem a narrativa autoformadora, além de empreender a construção da metodologia de formação e de pesquisa, como serão apresentados nos relatos 1 a 4. Sendo assim, o contexto de formação e pesquisa influenciou a escolha dos pressupostos metodológicos, por isso esta parte da tese se encontra como capítulo 2. Neste cenário, tendo em vista a importância do curso de Formação de Educadores para a Cidadania do PCRAC, na vivência da prática docente e de pesquisa, a seguir apresento informações sobre este projeto. QUAL ERA O CONTEXTO DE CRIAÇÃO E DE REALIZAÇÃO DO PCRAC? O PCRAC foi oferecido via Pró-reitoria de Extensão da Universidade Estadual do Ceará (UECE), em parceira com o Grupo de Pesquisa Ecotransd – Ecologia dos

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Saberes, Transdisciplinaridade e Educação24, com a prefeitura e secretarias do município de Horizonte, CE 25 e com o Projeto Beija-flor26. Na tabela 3, temos a visão geral das etapas que constituíram o Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania, entre os anos 2011 e 2014. Tabela 3 - Visão geral das etapas do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania

Período de realização Final de 2011 e início de 2012

Etapas realizadas Constituição do Núcleo Gestor, definição dos perfis de educadores e agentes de cidadania. Convite e seleção dos educadores para a cidadania. 1ª etapa – Formação teórica – 120h, em regime de imersão.

Junho a dezembro de 2012

 4 finais de semana, em regime de imersão, no Campus Experimental da UECE em Pacoti.  2 seminários de 8 horas cada.  40h de atividades a distância.

Março a dezembro de 2013

2ª etapa – Formação teórico-prática – 60h, planejamento do curso para os Agentes de Cidadania  Autoria do material didático.  60h, sendo 5 encontros presenciais de 8h cada e 20h de atividades a distância e ações nas comunidades dos territórios de cada grupo. 3ª etapa – Formação prática (2014) – 100h, curso dos Agentes de Cidadania e formação da rede

Outubro de 2013 a 2014

 Curso dos Agentes de Cidadania e formação da rede (8 turmas de 30 agentes, em 8 territórios).  60h de curso para os agentes de cidadania (projeto de atividades comunitárias orientadas e acompanhadas pelos educadores).  40h de encontros dos educadores com as formadoraspesquisadoras.

24

Mais informações sobre o grupo de pesquisa Ecotransd disponíveis em: . Acesso em: 26 fev.2015. 25

Mais informações sobre o município de Horizonte/Ceará disponíveis em: . Acesso em: 10.abr.2013. 26

Mais informações sobre o Projeto Beija-flor disponíveis em: . Acesso em: 10 abr.2013.

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Período de realização

A partir de 2015

Etapas realizadas Criação da rede de agentes de cidadania e do Conselho de Cidadania para manutenção do diálogo constante sobre as questões ligadas aos Direitos Humanos e à Cultura de Paz no município, servindo de interlocução entre as diferentes comunidades e a administração e demais lideranças sociais e comunitárias.

A seguir, detalho informações gerais sobre o PCRAC e informações específicas apenas das etapas 1 e 2 da Formação de Educadores, pois foram delas que participei intensamente e imersivamente, como docente e pesquisadora, sendo assim, foram a base para a construção do relato da experiência sistematizada de pesquisa e docência desta tese. PORQUE NÃO ABARCAR AS DEMAIS ETAPAS DO PCRAC? Minha decisão por esse recorte foi guiada pela redução da disponibilidade de recursos e de tempo para que eu, como

pesquisadora, pudesse participar

imersivamente das demais etapas, fazendo registros, participações, reflexões e diálogos. Isso porque, de abril de 2014 a março de 2015, além de entrar no momento de escrita mais intensa da tese, também fiz o doutorado-sanduíche na Universidade de Barcelona/Espanha27, onde pude me aprofundar nos materiais gerados a partir dessas duas etapas de curso de Formação de Educadores, ampliar as pesquisas teóricas, colaborar com o grupo de pesquisa GIAD e estabelecer interlocuções com outros professores sobre metodologias de investigação narrativa e de história de vida de formação. QUAIS FORAM OS OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS DO PCRAC? O PCRAC tinha como objetivo geral: Criar a rede de Agentes de Cidadania no município de Horizonte, CE, que contribua para a ampliação da consciência sobre o contexto e a vivência dos Direitos Humanos, reconheça, em seu nascedouro, situações comprometedoras destes direitos e contribua para ressignificá-las em espaços coletivos de diálogo, estimulando o exercício da responsabilidade e 27

Contei com apoio financeiro da CAPES/Brasil, nº 99999.001107/2014-03 para a realização deste doutorado-sanduiche na Universidade de Barcelona, Espanha, junto ao grupo de pesquisa GIAD (SGR 1389) e à professora Drª. Núria Lorenzo.

104 protagonismo social e o fortalecimento de uma cultura de paz no município. (ARNT, 2012a, p. 9)

Essa rede foi compreendida como “pessoas ligadas a ações comunitárias que poderão exercer suas funções pautadas nos Direitos Humanos, tendo por fim a Geração da Paz em seus aspectos mais amplos: paz individual, familiar, paz nas escolas, nas instituições etc” (ARNT, 2012a, p. 6). Portanto, tinha como objetivos específicos: 1. Iniciar uma reflexão comunitária sobre questões paradigmáticas envolvendo a Complexidade e a Transdisciplinaridade, em busca da cidadania planetária e da compreensão humana, fortalecendo os vínculos de cada um consigo mesmo, com o outro e com a totalidade, reverenciando a vida; 2. Ampliar o vínculo entre a Universidade e a sociedade, por meio de ações de extensão que permitam aos alunos de graduação uma imersão na realidade, criando um sentido mais abrangente para os temas estudados nas disciplinas e possibilitando a aprendizagem por meio da pesquisa-ação; 3. Fortalecer o vínculo entre a Prefeitura Municipal de Horizonte e sua base social através do envolvimento e comprometimento da sociedade em suas decisões e contrapartida dos resultados; 4. Produzir, tendo como referência documentos reconhecidos nacional e internacionalmente, materiais didáticos que, a partir da realidade global, propiciem a leitura da realidade local e a superação de situações de risco dos Direitos Humanos em Horizonte; 5. Realizar uma formação de 120h/a em Direitos Humanos e Geração da Paz para os conselheiros dos Conselhos de Educação, Saúde, da Juventude, Agentes Municipais de Saúde que irão compor a Rede de Agentes de Cidadania em Horizonte; 6. Criar espaço de ação intercursos, ampliando a aprendizagem pela vivência conjunta de alunos de diferentes graduações, numa proposta interdisciplinar e fortalecendo a continuidade entre as várias ações e etapas do Programa; 7. Instrumentalizar a criação do Conselho de Cidadania com o objetivo de se constituir em um espaço coletivo de diálogo e fomentação das diversas ações envolvendo Direitos Humanos no município de Horizonte; 8. Gerar subsídios, pelo diálogo entre as Escolas e o Conselho de Cidadania a ser criado, de temas geradores a serem trabalhado nas Escolas, garantindo o fluxo de informações e sintonia entre as necessidades das comunidades e as ações escolares, mantendo a Escola atenta e aberta, num processo cidadão; 9. Criar através de uma pesquisa-ação uma metodologia de formação na abordagem transdisciplinar, reflexiva, dialógica e vivencial que congregue por meio de formação diferentes Agentes Comunitários com diferentes níveis de escolaridade em torno da temática Direitos Humanos e Geração da Paz a fim de se fortalecer uma cultura de paz no município. (ARNT, 2012a, p. 9-10)

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QUANDO E POR QUE ESTE PCRAC SURGIU? Em 2012, o PCRAC surgiu como uma proposta ao edital nº 2 do Programa de Extensão Universitária – 2013 (Proext 2013), do Ministério da Educação (MEC), que é um instrumento que: abrange programas e projetos de extensão universitária, com ênfase na inclusão social nas suas mais diversas dimensões, visando aprofundar ações políticas que venham fortalecer a institucionalização da extensão no âmbito das Instituições Federais, Estaduais e Municipais de Ensino Superior [...]. (MEC, 2012, p. 2)

O Proext 2013 tinha, resumidamente, como objetivos: (a) apoiar instituições públicas de ensino superior no desenvolvimento de projetos e programas de extensão; (b) estimular o desenvolvimento social e espírito crítico dos estudantes, bem como atuação profissional pautada na cidadania e na função social; (c) contribuir com a qualidade da Educação brasileira ao propiciar o contato com realidades concretas; (d) dotar as instituições públicas de ensino superior de condições para a gestão de atividades acadêmicas de extensão. Todavia, fez várias solicitações aos programas ou projetos de extensão, dentre elas, (a) que contribua para a construção de uma sociedade mais justa, saudável e igualitária; (b) que cumpra com o preceito de indissiocialidade entre extensão, ensino e pesquisa; (c) que gere produtos ou processos como publicações, monografias, dissertações e teses; (d) que produza impacto social pela ação de superação de problemas sociais; (e) que integre o saber da academia com o saber popular. Dentre as linhas temáticas possíveis, este Projeto se vinculou à Educação e ao subtema Educação em Direitos Humanos, que tinha como possibilidades de temas para projetos (MEC, 2012, p. 6): a. Formação de agentes comunitários, educadores populares, gestores e demais profissionais que atuam na promoção e proteção de direitos nas temáticas de gênero; orientação sexual e identidade de gênero; diversidade étnico-racial; criança e adolescente; pessoa com deficiência; população em situação de rua; diversidade religiosa; enfrentamento ao tráfico de pessoas e a outras formas de violência. b. Pesquisa-ação com foco no acesso e permanência na escola de beneficiários de programas sociais e de transferência de renda. c.

Elaboração de materiais didáticos e paradidáticos que contemplem de maneira transversal as temáticas de gênero; orientação sexual e identidade de gênero; diversidade étnico-racial; criança e adolescente; pessoa com deficiência; população em situação de rua; diversidade religiosa; enfrentamento ao tráfico de pessoas e a outras formas de violência.

106 d. Elaboração de materiais didático-pedagógicos para o atendimento educacional de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. e. Pesquisa-ação para o desenvolvimento de metodologias participativas e interativas voltadas para a Educação em valores democráticos, atitudes e práticas coletivas que promovam os Direitos Humanos.

O PCRAC foi aprovado pelo MEC, mas, infelizmente, não alcançou a faixa de selecionados para receber recursos financeiros. Mesmo assim, todas as pessoas e instituições, que já estavam envolvidas, optaram por dar continuidade ao Projeto. As formadoras-pesquisadoras continuaram realizando suas atividades de gestão, planejamento, docência, orientação e pesquisa. O município de Horizonte também decidiu por continuar e contribuir com os custeios de alimentação e transporte dos encontros presenciais e com a cessão de seus servidores públicos para a participação nas várias etapas do Projeto. A Universidade Estadual do Ceará (UECE) também continuou apoiando e cedendo o Campus Experimental de Educação Ambiental e Ecologia, em Pacoti, para que os encontros presenciais imersivos fossem realizados. De acordo com o site da Pró-reitoria de Extensão da UECE28, este Campus Experimental tem como objetivo e missão: O Campus abriga o maior número possível de atividades, prioritariamente experimentais e de formação (educativas, culturais, científicas, criativas), gradativamente se integrando à vida do município de Pacoti e da Região do Maciço de Baturité. MISSÃO: Recompor harmoniosamente os espaços florestais da região do Maciço de Baturité, compartilhando trabalhos científicos e experiências inovadoras no âmbito do eco-formação, de descobertas e trocas de saberes, da pesquisa didático-científica e do desenvolvimento humano. OBJETIVO: Desenvolver atividades transdisciplinares que favoreçam o intercâmbio de experiências entre instituições, profissionais e comunidade e enquanto um laboratório vivo, aprofundar a compreensão dos seres humanos entre si, com outros seres e com a natureza, tendo como princípio norteador a ética nas relações com o universo, visando a sustentabilidade do planeta e a construção de uma consciência planetária.

28

Mais informações sobre o Campus Experimental da UECE, em Pacoti/Ceará, disponíveis em: . Acesso em: 26 fev.2015.

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QUAIS FORAM AS MOTIVAÇÕES PARA ALÉM DO EDITAL PROEXT 2013? Durante todo o desenvolvimento do PCRAC, estive em constante diálogo e parceria com as formadoras-pesquisadoras. Em relação a suas respectivas formações acadêmicas, Rosamaria Arnt era professora visitante da Universidade Estadual do Ceará e coordenadora do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania. É educadora e tem pós-doutorado em Docência Transdisciplinar e especialização em Educação Biocêntrica. Alba Cristina Nogueira é educadora do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e integrante da equipe da Universidade Estadual do Ceará envolvida no Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania. É bacharel em filosofia e também especialista em Educação Biocêntrica. Além de ser um projeto de extensão, construído a partir da abertura da coordenadora do projeto (Rosamaria Arnt) com a universidade por seu vínculo, houve outros fatores que também foram fortes motivadores do PCRAC. Por exemplo, motivadores como o diálogo e o desejo em poder levar a campo, para a comunidade, para um projeto de extensão, ações, estudos, reflexões, pesquisas, práticas

e

metodologias,

que

tivessem

como

base

a

Complexidade,

a

Transdisciplinaridade e a Educação Biocêntrica. A partir de seus estudos sobre essas temáticas, queriam colocá-las em prática para construir uma metodologia vivencial, dialógica e reflexiva visando trabalhar com os Direitos Humanos, com a Cidadania e a Geração da Paz em um projeto real, que envolvesse a comunidade, a universidade, a pesquisa e a construção de conhecimento. Agregado a isto, Alba Cristina também foi secretaria de Educação do município no qual as atividades poderiam ser realizadas. Ela possuía aberturas de diálogo, de proposta, de possibilidade de construção conjunta com as pessoas integrantes da Secretaria de Educação que lá trabalham. Cada uma de nós, com sua formação acadêmica e experiências profissionais e de vidas distintas e complementares, estivemos intensa e cuidadosamente envolvidas com a construção desta Rede, desta metodologia, dos cursos de formação e do conhecimento produzido, a partir da reflexão e da pesquisa sobre as práticas desenvolvidas. Trazendo aqui uma expressão cunhada por Alba Cristina, possuímos uma “identidade formativa”, que nos constitui, nos une, nos forma e

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transforma, nos abre espaços e caminhos para uma construção conjunta, dialogada, respeitosa, amorosa, responsável, ética, coletiva e colaborativa. Não sou só eu que pesquiso. Pelo fato de sermos produtoras e produto de um projeto de pesquisa maior – o PCRAC que se propunha a desenvolver uma pesquisa-ação acerca da metodologia de formação na abordagem transdisciplinar, reflexiva, dialógica e vivencial –, cada uma de nós, como éramos formadoras e pesquisadoras, também tivemos olhares diferentes e complementares a respeito das práticas realizadas. Rosamaria pesquisava sobre a dimensão das vivências e da metodologia de formação desenvolvidas (Redes Comunitárias na Geração da Paz – UECE/Funcap e Metodologia transdisciplinar na formação de agentes comunitários e professores para a consciência cidadã e solidária – ProEx/UECE). Alba pesquisava sobre a dimensão política presente no projeto e nas atividades de formação realizadas (Educação Biocêntrica como um ato político: experiência na formação de agentes comunitários no município de Horizonte – UECE). Enfim, o cuidado com a pesquisa e com a construção de conhecimento foi expresso por meio dessas ações, mas foi também evidenciado pelo processo reflexivo que acompanha cada etapa percorrida e pela atenção presente nos diálogos e nos planejamentos das atividades desenvolvidas, no sentido de revelar clareza dos conceitos e das estratégias escolhidas. Sendo assim, no decorrer desta tese, nos denominarei de formadoraspesquisadoras, pois é uma maneira de nos distinguir dos educadores e de enfatizar que somos, ao mesmo tempo, formadoras dos educadores, pessoas em formação e pesquisadoras de nossas próprias práticas. Este aspecto me remete ao que autores, como Isabel Alarcão, (2001), Pedro Demo (2011) e Maurice Tardif (2012), comentam a respeito da importância de práticas reflexivas e de pesquisa na e para a formação docente e da relevância dos saberes da experiência e da reflexão crítica e investigativa para o aprimoramento contínuo da própria prática cotidiana docente.

109 Figura 8 - (Da esquerda para direita) Alba Cristina, Rosamaria e Paula, no 5º encontro de Formação de Educadores para a Cidadania, em Horizonte, dia 28/11/2013.

QUAL ERA A RELAÇÃO DO PCRAC COM A UECE? O PCRAC foi uma das principais ações da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Estadual do Ceará (PROEX/UECE) relacionadas ao Programa Geração da Paz (PGP) que: [...] surgiu a partir da assinatura de uma carta de intenções entre UNESCO, Secretaria de Educação do Estado do Ceará e Universidade Estadual do Ceará por ocasião da Conferência Internacional sobre os Sete Saberes, promovida pela UNESCO e realizada pela UECE e UCB em setembro de 2010. (PROEX/UECE, 2013)

O PGP teve, entre seus objetivos, mobilizar a sociedade para o compromisso de promover ações educativas e sociais voltadas para a valorização da vida e Geração da Paz, partindo do significado e sentido dos Direitos Humanos e como este entendimento se desdobra em ações que possibilitem a paz consigo mesmo, com o outro/sociedade e com a natureza. O Comitê Geração da Paz foi formado por representantes da Universidade Estadual do Ceará – UECE, Secretaria de Educação do Ceará – SEDUC, Instituto Nordeste Cidadania – INEC, Centro de Desenvolvimento Humano – CDH, Escola Vila, CE. Entre suas ações estão a formação dos diretores das escolas públicas do estado, projeto-piloto em uma escola estadual de Fortaleza e a Agenda 22 – reuniões mensais com os parceiros visando a articulação das futuras ações. (PROEX/UECE, 2013) Esse PGP era visto, em 2013, como uma “política pública do sistema de ensino estadual, como afirma a Pró-reitora de Extensão, professora Lúcia Helena Granjeiro” (UECE, 2013).

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A UECE, em 2010, na organização e realização da Conferência Internacional sobre os Sete Saberes necessários à Educação do Presente, assinou, na abertura da Conferência, uma Declaração Conjunta entre a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC) (UECE, 2010), como forma de potencializar ações a favor da Geração da Paz, da compreensão humana, da solidariedade, da responsabilidade, da cidadania planetária, entre outros. QUAIS FORAM AS JUSTIFICATIVAS SOCIAIS, CIENTÍFICAS E POLÍTICAS DO PCRAC? De acordo com o texto base do PCRAC, suas justificativas sociais, científicas e políticas tinham como alicerces os seguintes aspectos: a. o contexto mundial que vivemos, de violação aos direitos de diferentes formas, na maioria dos países, exige ações com capilaridade suficiente para permitir a compreensão do significado dos Direitos Humanos e sua incorporação nas atividades e relações cotidianos das diversas camadas sociais; b. a necessidade de criar ações envolvendo o conhecimento e a vivência dos Direitos Humanos, para que os movimentos sociais, as autoridades e os agentes comunitários possam se transformar em agentes de Cidadania, dialogando com seus pares sobre esta temática; c.

a importância do fomento de atividades de extensão que envolvam os alunos da universidade, aliando a pesquisa e o ensino, colocando-os em contato com a realidade, tornando-os copartícipes de Cidadania e também protagonistas das mudanças sociais;

d. a oportunidade de criarmos cursos sobre Direitos Humanos e Geração da Paz, que possibilite a ação articulada entre a Universidade em suas dimensões de Ensino, Pesquisa e Extensão, o Estado com representações de todas as Secretarias Municipais e a Sociedade, garantindo a universalidade de abrangência dos diferentes agentes e movimentos sociais, compondo os saberes, pesquisas e configurando metodologias integradoras e transformadoras. (ARNT, 2012a, p. 4)

Além disso, o PCRAC vinculava o “desenvolvimento humano à questão dos Direitos Humanos e à Cultura de Paz, como temas interdependentes” (ARNT, 2012a, p. 6). Compreendia que “o conceito de Paz associa-se não só à ausência de conflito bélico, mas também à ausência de violência de qualquer tipo” (ARNT, 2012a, p. 6-7). Compreendia também que: Assim, para concebermos em cultura de paz é imprescindível mudarmos a maneira de pensar as relações humanas, ou refletir sobre a qualidade dos vínculos que mantemos conosco mesmos, com o outro/sociedade, com a natureza. Ou seja, considerar a Complexidade da vida e da realidade. (ARNT, 2012a, p. 7)

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QUAIS FORAM AS BASES TEÓRICAS E FILOSÓFICAS DO PCRAC? Ainda de acordo com seu texto base, a partir das propostas de Edgar Morin a respeito da reforma do pensamento, em busca de um Pensamento Complexo, o PCRAC compreendia a necessidade de desenvolvermos um “pensamento que agregue, que una, que veja a parte no todo e o todo nas partes”, que seja dialógico e “que nos faça ir além das contradições, compreendendo que entre ideias antagônicas há também complementaridade” (ARNT, 2012a, p. 7). Na busca de ultrapassar o pensamento redutor que divide o conhecimento em disciplinas, percebia a Transdisciplinaridade como uma: [...] postura diante do conhecimento e da vida, que vai além da disciplina, articulando ciência, artes, filosofia e tradições, reconhecendo a multidimensionalidade humana e os múltiplos Níveis de Realidade, permitindo a interconexão do ser com a natureza, com o outro, consigo mesmo, alicerçando a ética, conspirando e atuando, inclusive em Educação, pela comunhão a favor da vida (ARNT, 2007). (ARNT, 2012a, p. 7)

O PCRAC também buscava por uma cidadania planetária, com base nas ideias de Morin, Ciurana e Motta, ou seja: [...] o reconhecimento de que há profunda interrelação entre as nações e o planeta em sua totalidade, não sendo mais possível idealizarmos soluções locais, mas agir localmente, pensando globalmente. (ARNT, 2012a, p. 7)

Além disso, uma de suas principais referências era o Princípio Biocêntrico, conforme definição de Rolando Toro (2005a), que coloca a vida no centro da ação humana. Sendo assim, visa sair “[...] da visão antropocêntrica, para reverenciar a vida – qualquer forma de vida –, pois não é mais possível imaginar que há condições de a sobrevivência humana no planeta sem o respeito a todas as demais formas de vida” (ARNT, 2012a, p. 7). Baseado na Educação Biocêntrica (CAVALCANTE, 2006), em consonância com o Princípio Biocêntrico e respeitando o princípio da progressividade, o PCRAC tem como eixos de sua metodologia: a vivência, o diálogo e a reflexão. Sendo assim, compreendia que ela: Potencializa assim a cooperação, a solidariedade e a convivência amorosa, cultivando os rituais que nos fazem resgatar o sentido da aprendizagem e a sacralidade da vida e da convivência humana. A arte se articula aos processos reflexivos e dialógicos, contribuindo para a formação da identidade e por processos criativos. O diálogo inclui as trocas em sala de aula, entre alunos e alunos-professores. Mas amplia-se para o diálogo com os teóricos, com as manifestações artísticas e conosco mesmos. Desta forma, entramos em contato com o conhecimento já sistematizado em

112 nossa civilização, mas com a convicção de que é preciso incorporá-lo, vivenciá-lo, para que se torne vida em nós. A metodologia pretende-se transformadora, pois visa ultrapassar a inércia conceitual e existencial para vislumbrar outros arranjos fenomênicos e vivenciais (epistemologia e ontologia), assim fazendo avançar a Ciência, a Sociedade e a nossa própria vida particular e cotidiana. (ARNT, 2012a, p. 8)

Outra inspiração do PCRAC era a Educação Popular de Paulo Freire, da qual ressalta quatro categorias freireanas, que estiveram presentes em sua elaboração: [...] leitura da realidade social; consideração do saber popular como matéria prima da elaboração do conhecimento; utilização de metodologias integrativas e participativas, incentivadoras do protagonismo; e intervenção na realidade pautada em objetivos de liberdade, justiça, igualdade e felicidade. (ARNT, 2012a, p. 8)

Compreendia também que, para alterar uma realidade, é necessária uma intervenção que deve se compor de: [...] uma teia de penetrabilidade social. Para isso, entre outras coisas, há que incluir os diversos atores sociais (Estado, Universidade e Sociedade), contemplar os diversos níveis de formação, adotar uma metodologia que conduzisse também a uma ação política. (ARNT, 2012a, p. 9)

COMO FOI A CHEGADA E A REPERCUSSÃO DO PCRAC NO MUNICÍPIO DE HORIZONTE, CE? De acordo com o texto base do PCRAC, seu planejamento teve início em 2012, na parceria entre a Universidade Estadual do Ceará e a Secretaria Municipal de Educação de Horizonte, para possibilitarem uma formação para os Conselhos Escolares nas temáticas em Direitos Humanos, Cidadania e Geração da Paz, em busca de criar na cidade um movimento de Geração da Paz. Mas, devido à importância desses temas para o contexto atual da cidade, em conversa com a Secretaria de Educação, o Projeto já se expandiu, abarcando outras secretarias, se vinculando ao Projeto Beija-flor e buscando como foco a formação, ao final, de uma Rede de Agentes de Cidadania. A Rede de Agentes de Cidadania tinha o objetivo de congregar 240 agentes em torno dessas temáticas, envolvendo os diversos segmentos sociais nos processos dialógicos sobre questões vitais do município, como instrumento de ampliação da consciência cidadã e exercício de responsabilidade social.

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COMO ERA O MUNICÍPIO DE HORIZONTE? Em 2015, o município de Horizonte tinha uma população estimada de mais de 63 mil habitantes29. É localizado na região metropolitana de Fortaleza, no Estado do Ceará, a 40,1 km da capital cearense. Em 201230, completou 25 anos de existência. Apesar de ser um município jovem, já tem como parte constituinte de sua estrutura a integração e a intersetorialidade na gestão pública, desenvolvidas via Projeto Beija-flor. O Projeto Beija-flor, criado em 2009, tinha por objetivo “fortalecer a articulação, o planejamento, a coordenação e a implementação dos programas, projetos e serviços de cunho intersetorial desenvolvidos no município” (HORIZONTE, 2010). Em sua essência, já possuía o diálogo, a integração e a participação entre os diversos olhares e necessidades dessa sociedade. Em 2014, se fortaleceu e se transformou em Superintendência de Políticas Intersetoriais31 da Prefeitura de Horizonte. Uma questão importante do contexto foram as características de abertura e de intensa participação, via Núcleo Gestor, junto com as formadoras-pesquisadoras, de integrantes do Projeto Beija-flor e da Prefeitura com suas várias secretarias, como a de Educação; a de Desenvolvimento e Inclusão Social; a de Cultura; a da Saúde; a do Desenvolvimento Econômico; e a Institucional e Política. COMO OCORREU A CRIAÇÃO DO NÚCLEO GESTOR E A SELEÇÃO DOS EDUCADORES PARA A CIDADANIA? Em 2011-2012, foi constituído o Núcleo Gestor, integrado pelas formadoraspesquisadoras e pela Prefeitura de Horizonte, por meio do Projeto Beija-flor e de suas várias secretarias. O Núcleo Gestor foi responsável por planejar, em conjunto as diferentes ações do projeto, definir os perfis dos agentes e dos educadores para a cidadania e convidar/ selecionar pessoas para participar da Formação de Educadores. Além de convites pontuais a pessoas que poderiam ter interesse e sintonia com as propostas 29

Mais informações demográficas do município Horizonte, no IBGE (Instituto Brasileiro de geografia e Estatística), disponíveis em < http://cod.ibge.gov.br/23BBS >. Acesso em: 15 set.2015. 30

Mais informações sobre a História de Horizonte disponíveis em: < http://www.horizonte.ce.gov.br/?page_id=1897>. Acesso em: 26 fev.2015. 31

Mais informações sobre a Superintendência de Políticas Intersetoriais disponíveis em: . Acesso em: 26 fev.2015.

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do PCRAC, também foi feita a divulgação por meio de um programa de rádio. Porém, o que teve maior repercussão foram os convites orientados. Figura 9 - Reunião inicial do Núcleo Gestor, em 2012.

Como perfil desejado dos Educadores para a Cidadania de Horizonte, foram destacadas as seguintes características: (a) ser alfabetizado e ter conhecimentos básicos de informática e ter acesso à Internet; (b) desejar participar do processo de formação e dos desdobramentos, atuando junto à equipe de formadoras-pesquisadoras nos cursos para Agentes de Cidadania; (c) ter disponibilidade para frequentar o curso nos fins de semana agendados, bem como para participar das atividades a distância, no período acordado; (d) possuir experiência no trabalho em políticas sociais (movimentos sociais e comunitários); (e) apresentar características de liderança, proatividade e habilidade para organizar um cenário educativo; e (f) comprometer-se com a proposta do Projeto. Já o perfil desejado dos Agentes de Cidadania de Horizonte era que eles fossem integrantes de movimentos sociais e comunitários, a exemplo os agentes de saúde, dos participantes dos conselhos escolares, e das lideranças políticas, comunitárias, estudantis, sindicais ou religiosas. Durante a Formação de Educadores para a Cidadania, em reuniões mensais, o Núcleo Gestor também foi responsável por coordenar os processos de formação e de organização e execução do cronograma, com base nas necessidades e possibilidades do município, e por viabilizar as ações junto à prefeitura, como transporte, alimentação e liberação de educadores(as) que fossem, também, servidores públicos.

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Em junho de 2012, foi feito um encontro de apresentação da proposta geral do PCRAC, dos módulos, em regime de imersão, da etapa de Formação de Educadores para a Cidadania, para sanar dúvidas e para que as pessoas presentes pudessem confirmar a inscrição na formação. Foi dado um prazo para a entrega das fichas de inscrição. Após o Núcleo Gestor receber as fichas de inscrição, foi realizado um novo encontro para integração entre os futuros educadores para a cidadania. Foi feito um círculo de diálogos com palavras geradoras, a formação de uma teia com barbante e a apresentação e fala de cada participante, a partir das palavras escolhidas. Ao final, foi feito o fechamento sobre a rede, demonstrando-se a tensão e o movimento que ela fazia a qualquer movimento de algum dos integrantes (figura 10). Em seguida, por meio de uma exposição dialogada, as formadoras-pesquisadoras apresentaram a proposta do curso, informaram o local dos encontros presenciais, combinaram os horários, alertaram para as roupas etc. Para finalizar, os(as) educadores(as) efetivaram suas inscrições. Figura 10 - Teia com barbante e a apresentação e fala de cada participante - Encontro de apresentação - 18/6/2012.

POR QUE FORMAR EDUCADORES PARA A CIDADANIA? A proposta de formar educadores e educadoras do município – pessoas que vivem, trabalham e conhecem a realidade e o cotidiano locais – era uma forma de criar condições de autonomia do município para gerar suas próprias ações pela paz, Direitos Humanos e Cidadania. Também permitir que essas pessoas pudessem se tornar referência para novas ações e formações e para o fortalecimento, continuidade e expansão da rede de agentes de cidadania.

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QUAIS FORAM AS CARACTERÍSTICAS DOS PARTICIPANTES? Figura 11 - Grupo de participantes do 1º módulo do curso de Formação de Educadores para a Cidadania, em 2012.

Iniciaram o curso quarenta e sete pessoas (38 mulheres e 9 homens), com diferentes formações, entre ensino médio e ensino superior, e diversas profissões, entre as quais, a de professor, comerciante, artista plástico, enfermeiro, assistente social, educador físico. Ao final do curso, quarenta pessoas participaram da formação, sendo que trinta e cinco delas tiveram 75% ou mais de presença, e em dezembro de 2012, na cerimônia de formatura, receberam o certificado de educador(a) para a cidadania. Em 2013, essas 35 pessoas passaram para a etapa de formação metodológica e de construção do curso de formação dos agentes de cidadania. QUAL FOI A ESTRUTURA DAS 1ª E 2ª ETAPAS DA FORMAÇÃO DE EDUCADORES PARA A CIDADANIA? Visão geral da 1ª etapa de formação teórica dos educadores para a cidadania A 1ª etapa de formação teórica dos educadores para a cidadania, realizada de junho a dezembro de 2012, foi composta por 120h/a de formação, sendo 80h de atividades presenciais e 40h de atividades a distância, via ambiente virtual Moodle. Os encontros presenciais foram distribuídos em 4 finais de semana – quase todos em regime de imersão –, perfazendo a duração total de 64h. Foram também realizados dois seminários e, Horizonte, nos quais os grupos fizeram suas apresentações sobre o seu respectivo Direito Humano, perfazendo a duração total de 16h. As atividades a distância foram distribuídas ao longo de toda a formação, sendo 10h para cada módulo. Na tabela 4, faço uma apresentação geral sobre cada módulo desta 1ª etapa de formação teórica.

117 Tabela 4 - Visão geral dos módulos da 1ª etapa de formação teórica dos Educadores para a Cidadania

Módulo

Detalhamento Temas geradores: Suspendendo o automatismo da ação; Nova visão de mundo e de humanidade: Pensamento Complexo e Transdisciplinaridade; Civilização da Religação.

1º módulo presencial

Dias: 29 e 30 de junho e 1º de julho de 2012 Local: Campus Experimental da UECE, em Pacoti (imersivo) Duração: 20h (4h na sexta, 12h no sábado e 4h no domingo) Horários: Sexta-feira: 18:00 às 22:00; Sábado: 8:00 – 12:00, das 13:30 às 17:00, 18:30 às 22:00; Domingo: 8:00 às 13:00

Atividades a distância do 1º módulo

Atividade 1: Vivência com o projeto de vida

Temas geradores: Dignidade; Cuidado: um modo de ser; e Direitos Humanos Carga horária: 12h (4h na sexta e 8h no sábado) 2º módulo presencial

Dias: 3, 4 e 5 de agosto de 2012 Local: Campus Experimental da UECE, em Pacoti (imersivo) Duração: 12h (4h na sexta e 8h no sábado) Horários: Sexta-feira: 18:00 às 22:00; Sábado: 8:00 – 12:00, e das 13:30 às 17:30

Atividades a distância do 2º módulo

Atividade 2: Planejamento e reflexão sobre o seminário

Tema: Seminários sobre Direitos Humanos 1º seminário sobre Direitos Humanos

Dia: 25 de agosto de 2012 Local: Horizonte Duração: 8h Horários: Sábado: das 8:00 às 12:00 e das 13:00 às 17:00 Tema: Seminários sobre Direitos Humanos

2º seminário sobre Direitos Humanos

Dia: 15 de setembro de 2012 Local: Horizonte Duração: 8h Horários: Sábado: das 8:00 às 12:00 e das 13:00 às 17:00

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Módulo

Detalhamento Temas geradores: Necessidades humanas e fatores de satisfação; Composição da matriz de fatores negativa de Horizonte Dias: 19 e 20 de outubro de 2012

3º módulo presencial

Local: Campus Experimental da UECE, em Pacoti (imersivo) Duração: 12h (4h na sexta e 8h no sábado) Horários: Sexta-feira: 18:00 às 22:00; Sábado: 8:00h – 12:00, das 13:30 às 17:30.

Atividades a distância do 3º módulo

Atividade: Dialogando sobre o artigo (elaborado pelo grupo) Temas geradores: Necessidades humanas – composição da matriz positiva de Horizonte; Cultura de Paz Dias: 23 e 24 de novembro de 2012.

4º módulo presencial

Local: Chácara em Horizonte. (não imersivo) Carga horária: 16h (9h na sexta e 7h no sábado) Horários: Sexta-feira: 8:00 às 19:00; Sábado: 8:00 – 12:00 e das 13:00 às 16:00.

Atividades a distância do 4º módulo

Atividade: Consolidação da matriz positiva de Horizonte

Tema: Formatura dos educadores para a cidadania Dia: 5 de dezembro de 2012 Encerramento Local: Teatro Tasso Jereissati, na Secretaria de Cultura de Horizonte oficial Duração: 4h Horários: Quarta-feira 18:00 às 22:00

Visão geral da 2ª etapa de formação teórico-prática dos educadores para a cidadania A 2ª etapa de formação teórico-prática dos educadores para a cidadania foi realizada entre os meses de fevereiro e dezembro de 2013. Em uma formação com duração de 60h/a, divididos em 5 encontros de 8h cada, os educadores realizaram o planejamento conjunto do curso dos agentes de cidadania; identificaram os territórios existentes no município, onde poderiam atuar; se agruparam conforme disponibilidade de tempo e de ação em determinado território; e vivenciaram a prática-teoria de diferentes estratégias de formação baseadas na metodologia

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vivencial-dialógica-reflexiva do PCRAC. Na tabela 5, faço uma apresentação geral sobre cada encontro desta 2ª etapa de formação teórico-prática. Tabela 5 - Visão geral dos encontros da 2ª etapa de formação teórico-prática dos educadores para a cidadania

Encontro

1º Encontro de planejamento

Detalhamento Temas: Apresentação da nova configuração do Núcleo Gestor do projeto; fortalecimento dos vínculos entre o Núcleo Gestor e os educadores; e dos educadores, com a próxima etapa da formação; e escuta dos Educadores para a Cidadania em relação às ações para a próxima etapa. Dia: 24 de abril de 2013 Local: Auditório da Secretaria de Educação em Horizonte. Duração: 3h Horário: 14:00 às 17:00.

2º Encontro de planejamento

Temas: Identificação dos territórios existentes no município; primeira divisão dos grupos pelos territórios; e listagem das ações necessárias para contatar os possíveis agentes de cidadania dos territórios. Dia: 8 de junho de 2013 Local: Casa em Águas Belas. Duração: 8h Horário: 9:00 às 13:00 e 14:00 às 18:00.

Atividade a distância e ações na comunidade

3º Encontro de planejamento

Constituição dos grupos de educadores; realização de ações de primeiro contato com as lideranças locais e os possíveis agentes de cidadania do território; e estudo dos materiais dos Módulos 1 a 4 da formação teórica, refletindo sobre o que seria importante a ser abordado na formação dos agentes. Tema: Planejamento dos temas a serem trabalhados no Curso de Formação dos Agentes de Cidadania, a partir dos materiais-base da formação teórica (Módulos 1 e 4). Dia: 9 de outubro de 2013 Local: Chácara em Horizonte. Duração: 8h Horário: 8:00 às 13:00 e 14:00 às 17:00.

Atividade a distância e ações na comunidade

Reflexão sobre os temas a serem abordados e planejamento/distribuição dos módulos, temas, encontros, duração, disponibilidades dos grupos; e continuidade das ações para construção do grupo de agentes de cidadania dos territórios para início das formações.

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Encontro

Detalhamento Tema: Construção conjunta do planejamento dos módulos, dos temas e dos encontros.

4º Encontro de planejamento

Dia: 31 de outubro de 2013 Local: Chácara em Horizonte. Duração: 8h Horário: 8:00 às 13:00 e 14:00 às 17:00.

Atividade a distância e ações na comunidade

5º Encontro de planejamento

Revisão e continuidade do planejamento dos módulos, temas, encontros, duração, disponibilidade, dos grupos; e continuidade das ações para organização do grupo de agentes de cidadania dos territórios para início das formações. Tema: Continuação do planejamento dos módulos, dos temas e dos encontros de formação. Dia: 28 de novembro de 2013 Local: Buffet da Carminha, em Horizonte. Duração: 8h Horário: 9:00 às 13:00 e 14:00 às 18:00.

Atividade a distância e ações na comunidade

Continuidade das atividades dos grupos para contatos e inícios da formação com os agentes, mas, agora, sob a coordenação do Projeto Beija-flor e o acompanhamento, conforme necessidade, das formadoras-pesquisadoras ao longo do ano de 2014.

QUAL FOI O MEU PAPEL NESSE CURSO DE FORMAÇÃO? Ao mesmo tempo, fui formadora, pesquisadora e pessoa em formação. Participei do planejamento de cada módulo, cada atividade, cada mensagem; participei dos encontros presenciais, das orientações dos grupos para a realização de alguma atividade específica, das avaliações e dos replanejamentos necessários. Também, nos encontros presenciais, estive atenta à preparação da filmadora para gravação e do registro fotográfico e escrito de cada módulo realizado; e orientei sobre o funcionamento e manuseio do ambiente virtual de aprendizagem. Nas atividades virtuais, também organizava e disponibilizava os materiais, tutoriais e textos, abria e acompanhava os fóruns de diálogos, estava atenta também às atividades, às mensagens recebidas e às respostas enviadas.

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3 PALAVRAS DOS OUTROS: PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS As palavras dos outros Também inspiram caminhos Dão pistas, propostas, ideias Abertas, se misturam às minhas palavras, Ao meu jeito de ser, de aprender e de conhecer. Me ajudam a construir o meu caminho ao caminhar.

3.1 PESQUISA BASEADA NA COMPLEXIDADE E NA TRANSDISCIPLINARIDADE O desenvolvimento desta pesquisa foi guiado pelas dimensões ontológicas, epistemológicas

e

metodológicas

propostas

pela

Complexidade

e

pela

Transdisciplinaridade (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009; MORAES; VALENTE, 2008; MORAES, 2008; 2010b; NICOLESCU, 1999), conforme detalharemos a seguir. Transdisciplinaridade e pesquisa científica Considerar válidos os três fundamentos principais da Transdisciplinaridade influencia nossa visão a respeito da relação entre sujeito e a realidade (dimensão ontológica), considerada complexa e esta, consequentemente, influencia nossa visão a respeito do conhecimento, do que significa conhecer, das relações entre sujeito e objeto de estudo e de como compreendemos e explicamos as coisas que nos cercam (dimensão epistemológica). Além disso, essas duas dimensões, em conjunto e interagindo, influenciam os aspectos metodológicos da pesquisa (dimensão metodológica), ou seja, como construímos nossas estratégias de ação, instrumentos e técnicas de pesquisa, em direção a uma pesquisa transdisciplinar, baseada nos três fundamentos principais e no desenvolvimento de um Pensamento Complexo. Os autores Maria Cândida Moraes e José Armando Valente complementam esta ideia sugerindo que “as estratégias adotadas ou propostas pelos métodos de pesquisa precisam estar coerentes com os fundamentos explicativos das dimensões ontológicas e epistemológicas” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 20). Seguiremos detalhando cada uma dessas dimensões. Dimensão ontológica Na dimensão ontológica, explicitamos nossa visão a respeito de como entendemos e percebemos as relações do sujeito e a realidade, considerada

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complexa. A Transdisciplinaridade respalda sua dimensão ontológica a partir dos novos fundamentos teóricos da física quântica, da nova biologia, da cibernética, da teoria das estruturas dissipativas (NICOLESCU, 1999). De acordo com Moraes e Valente (2008), para a Transdisciplinaridade, que tem a Complexidade como um de seus fundamentos, a realidade é vista como dinâmica, mutável, multidimensional e multirreferencial, ao mesmo tempo contínua e descontínua, estável e instável. É também incerta e de natureza complexa. Sob essa ótica, multidimensionais também são o sujeito e os processos, em que se revelam a existência de uma causalidade circular, retroativa ou recursiva, conforme descreverei mais adiante. A realidade é constituída de “objetos interconectados por fluxos de energia, matéria e informação, por processo auto-ecoorganizadores, mutantes, emergentes, muitas vezes convergentes ou divergentes” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 20). Ela é composta por diferentes Níveis de Realidade, em que cada um “corresponde a um Nível de Percepção por parte do observador, o que nos leva a reconhecer a existência de múltiplas realidades e depende de cada observador qual delas será revelada” (MORAES, 2010b, p. 6). Dimensão epistemológica Na dimensão epistemológica, trabalhamos com nossa visão a respeito do conhecimento, do que significa conhecer, das relações entre sujeito e objeto de estudo e de como compreendemos e explicamos os elementos que nos cercam. No caso da Transdisciplinaridade, essa dimensão continua tendo como referência os novos fundamentos científicos e filosóficos que ajudaram a compreender a dimensão ontológica. Primeiramente, a autora Moraes nos informa que a objetividade é impregnada “pelo olhar e pelas emoções dos sujeitos envolvidos, pela trama tecida no aqui e no agora” (MORAES, 2010b, p. 8). A Complexidade, para Moraes e Valente, nos faz resgatar a “subjetividade, a intersubjetividade e o caráter ativo, afetivo e histórico do sujeito aprendente, bem como a dinâmica relacional que acontece entre ele e seu meio” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 24). Isso indica, na visão de Moraes, que a “[...] relação entre sujeito/objeto é algo sempre aberto, através do qual ambos se interpenetram, fazendo com que toda ação do sujeito só tenha sentido se for devidamente contextualizada [...]”. “Sem um contexto nada faz sentido” (MORAES; VALENTE, 2008,

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p. 8-9). Sendo assim, “sujeito e mundo emergem juntos a partir de processos auto-ecoorganizadores implicados e emergentes” (MORAES, 2010b, p. 9). Então: o importante é aprender a estabelecer o diálogo entre as partes e o todo, o diálogo entre todas as dimensões da vida, é aprender a reconhecer o jogo das inter-retroações, para que possamos compreender melhor nossa realidade educacional e encontrar soluções mais adequadas e compatíveis com a natureza complexa dos problemas. (MORAES, 2010b, p. 9)

Os autores Moraes e Valente ainda nos indicam que, sob essa ótica, durante o processo de conhecimento, a realidade se manifesta de acordo com o que somos “capazes de ver, de perceber, de interpretar, de construir, de desconstruir e de reconstruir tanto o conhecimento quanto a realidade” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 24). A consequência disso é que a realidade revelada pelo pesquisador não é o real propriamente dito, mas, sim, uma tentativa de aproximação do real. Dimensão metodológica A metodologia transdisciplinar é composta pelos três elementos constitutivos da Transdisciplinaridade: os Níveis de Realidade, a Lógica do Terceiro Incluído, a Complexidade (NICOLESCU, 1999). Realidades de natureza complexa, como a Educação, exigem um pensar complexo, orientado pelos operadores cognitivos do Pensamento Complexo, que serão detalhados a seguir, os quais nos ajudam a associar conceitos e categorias aparentemente excludentes, mas que, quando combinados, produzem outra realidade. (MORAES; VALENTE, 2008) De acordo com Moraes e Valente (2008, p. 61), “[...] a natureza do que é transdisciplinar, na pesquisa, pressupõe o desvelamento do que está subjacente, do que está presente em outro Nível de Realidade racionalmente não percebido [...]”, para que possa emergir o terceiro incluído a partir de uma dialógica que acontece entre os elementos envolvidos. Nesse sentido, a pesquisa transdisciplinar nos diz que, para acessar este nível, somente com a racionalidade não é possível. Para tanto, devemos utilizar a intuição, a imaginação, a sensibilidade, a emoção e a criatividade para justamente “desvelar o que habita as profundezas e que não se revela pela superfície” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 61). Sempre que possível, devemos combinar estratégias lineares com estratégias que “explicitem o movimento gerado pela

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intuição, pelas incertezas, pelas bifurcações, no sentido de compreender as emergências, as instabilidades, e as mudanças de trajetória, bem como algo diferente e inovador que surge no processo” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 61). Para acessar este outro lado dos fenômenos, os autores sugerem algumas técnicas de registro de informação como vídeos, filmes, imagens ou outros sistemas audiovisuais e questionários abertos, ou seja, sugerem estratégias que permitam escutas mais sensíveis, que promovam o encontro de diferentes Níveis de Percepção e de realidade, a partir desses diferentes níveis de representação. Como a quantidade de dados em uma pesquisa transdisciplinar é, geralmente, bem volumosa, os autores Moraes e Valente propõem o uso de softwares, desenvolvidos com a finalidade de explicitar as relações. Nesse sentido, sugerem softwares como Classification Hiérarchique Implicative et Cohésitive (CHIC). Sobre a relação entre teorias e práticas, Moraes e Valente (2008) relatam que essa relação evolui no processo e que ambas se nutrem mutuamente. Nenhuma é mais importante do que a outra. Ambas dialogam, se enriquecem, se reinventam. “Da prática, nasce uma nova teorização ou uma nova perspectiva enriquecedora de outras ações, dando ensejo a um processo evolutivo em constante renovação” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 65). A pesquisa transdisciplinar também nos indica que é necessário “adotar procedimentos abertos às bifurcações, às incertezas e às mudanças sempre que necessário” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 66). O planejamento tem que ter flexibilidade estrutural e, nesse sentido, o “projeto de pesquisa deve estar sempre em construção e reconstrução quando necessário” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 66). Ao refletir sobre a questão metodológica da Transdisciplinaridade, Patrick Paul comenta que uma metodologia transdisciplinar se faz pertinente quando “houver a exigência de ligar os saberes acadêmico-científicos aos saberes não acadêmicos, tradicionais, religiosos, experimentais, autoformativos, ecoformativos etc” (PAUL, 2013, p. 187) para que se permita “apreender melhor as ligações entre as disciplinas ou as relações entre objetividade científica e subjetividade das pessoas” (PAUL, 2013, p. 188). Ressalta que a Transdisciplinaridade “resulta principalmente da subjetividade, do qualitativo, da Complexidade. Do mesmo modo, existe em seu interior o imperativo de cruzamentos que esclarecem as relações sujeito/objeto” (PAUL, 2013, p. 188).

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Nicolescu, ao falar do mundo quântico, que apesar de não podermos explorálo, pois não somos entidades quânticas, podemos percebê-lo se “fizermos um esforço para integrar, em nós, a informação paradoxal que nos é fornecida pela teoria e pela experiência científica” (NICOLESCU, 1999, p. 79). Para tanto, ele propõe que exercitemos o silêncio interior, ou seja, “fazer calar o pensamento habitual, baseado na percepção e na escala macrofísicas” (NICOLESCU, 1999, p. 79). Isso significa: abolir a multidão de imagens macrofísicas que o acompanham. Neste momento de silêncio [...] descobrimos que existe, em nosso próprio funcionamento, um Nível de Percepção natural da unidade dos contraditórios. Assim como o mundo quântico está escondido no mundo macrofísico, este novo grau de percepção está escondido em nossa percepção habitual macrofísica. [...] A compreensão do mundo quântico passa, portanto, por uma experiência vivida, que integra o saber – baseado na teoria e na experiência científica – em nosso próprio ser, fazendo-nos descobrir em nós mesmos um novo Nível de Percepção. A palavra ‘teoria’ encontra seu sentido etimológico, o de contemplação. (NICOLESCU, 1999, p. 79-80)

Operadores cognitivos para um Pensamento Complexo A Complexidade, além de ser um dos pilares da Transdisciplinaridade, se constitui como um macroconceito base que proporciona ao sujeito, que segue suas diretrizes, uma maneira diferente de refletir, com novos processos de elaboração de ideias, de teorias e de formulação de conceitos, abertos, flexíveis e integradores, constituindo, assim, uma nova lógica de pensar, o Pensamento Complexo (MORAES, 2008). Para auxiliar essa nova lógica de pensar, a Complexidade possui ferramentas denominadas operadores cognitivos para um pensar complexo (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009; MORAES, 2008; MORIN, 2007). Para justamente tratar das complexidades do contexto desta pesquisa, do objeto de estudo e da própria pesquisa em si, utilizarei como guia os operadores cognitivos do Pensamento Complexo, propostos por Edgar Morin e colaboradores (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009), ampliados por Moraes e Valente (2008). De acordo com os últimos autores, esses operadores “colaboram para uma melhor compreensão dos fenômenos educativos” e “facilitam a compreensão dos processos de intervenção a partir do desenvolvimento da pesquisa” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 35), “ajudam-nos a pensar, a refletir, a considerar os múltiplos aspectos da realidade educacional” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 52). A seguir, descreverei cada um dos operadores cognitivos.

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Princípio sistêmico-organizacional: Esse princípio nos ajuda a ligar o conhecimento das partes ao conhecimento do todo. Não podemos conhecer o todo, sem conhecer as partes. Não podemos conhecer as partes sem conhecer o todo. O todo é maior e menor do que a soma das partes. O todo pode apresentar emergências decorrentes das interações e auto-organização das partes que não estão presentes originariamente nas partes. O todo pode não apresentar todas as qualidades das partes, pois estas “ficam inibidas por efeito da retroação organizacional dos todos sobre as partes” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 31). Por meio dele, compreendemos que o(a) pesquisador(a), objeto estudado e o método estão intimamente relacionados, são partes de um mesmo todo, que é a pesquisa. Pesquisador(a) e objeto pesquisado se influenciam mutuamente, influenciando também a construção do método, do caminho da pesquisa. Ele requer que observemos todo e qualquer objeto relacionalmente, no sentido de compreender as relações contextuais que o englobam e que, ao mesmo tempo, o restringem. Pensando em termos de pesquisa, Moraes e Valente (2008) nos indicam também que, para a compreensão adequada de um determinado fenômeno, devemos buscar a circularidade entre processos de análise das partes e processos de síntese. Princípio hologramático: O todo está virtualmente representado, presente nas partes. No mundo social, este princípio é representado em termos de linguagem, de regras de funcionamento, de cultura etc, que estão presentes na sociedade ou em uma organização (o todo), mas que regem as interações entre os indivíduos e entre os indivíduos e os objetos, com a natureza, além de influenciar suas falas, suas leituras da realidade, as observações que realizam, os valores professados (MORAES; VALENTE, 2008). Morin destaca que “não só a parte está no todo, mas o todo está na parte” (MORIN, 2007, p. 74). Essa ideia de holograma, no qual o menor ponto da imagem contém a quase totalidade do objeto representado, está presente tanto no mundo biológico (exemplo, células e DNA) quanto no mundo social (exemplo, indivíduo e sociedade) (MORIN, 2007). Princípio retroativo: Rompe com a causalidade linear ao nos elucidar que toda a causa age sobre o efeito e todo efeito retroage informacionalmente sobre a causa a partir de processos autorreguladores do sistema. Este princípio é compreendido como feedback quando faz parte de um ciclo fechado, não espiralado. Em termos de pesquisa, esse princípio nos alerta que “precisamos buscar as

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possíveis causas de determinados fenômenos de maneira mais ampla, observando o maior número de interações possíveis” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 39). Princípio recursivo: Vai além do princípio retroativo (autorregulação do sistema), favorecendo processos de auto-organização, caracterizados “por uma espiral evolutiva do sistema” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 39). Produtos e efeitos são eles produtores e causadores daquilo que os produziu (MORIN, 2007). “É uma dinâmica autoprodutiva e auto-organizacional” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 31). Esse princípio apresenta uma ruptura com a ideia linear de causa-efeito, de produtor/produto, de estrutura/superestrutura, “já que tudo o que é produzido voltase sobre o que produz num ciclo ele mesmo autoconstitutivo, auto-organizador, autoprodutor” (MORIN, 2007, p. 74). Os princípios retroativos e recursivos compõem a causalidade circular, não linear, que representa a causalidade dos sistemas complexos. “Essa causalidade circular constitui a base organizacional comum a todos os sistemas vivos, pois está presente nas interações sujeito/meio, sujeito/objeto, educador/educando. [...] Essa causalidade circular pode produzir novas emergências a partir dos processos autoeco-reguladores” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 40). Princípio da auto-eco-organização (autonomia/dependência): O sujeito só pode ser autônomo a partir de suas relações com determinado contexto no qual vive. Existe uma relação entre autonomia e dependência, na qual a autonomia é inseparável da dependência. Para manter a condição de ser vivo e autônomo (que se auto produz e que se auto regula), o indivíduo depende dos elementos que estão no meio, por exemplo, ar, água, informação etc. Morin exemplifica dizendo que “todo o processo biológico necessita de energia e da informação do meio. Não há possibilidade de autonomia sem múltiplas dependências” (MORIN, 2007, p. 36). São justamente essas múltiplas dependências que constituem uma organização autônoma. Princípio dialógico: É decorrente da causalidade circular e tem o objetivo de superar as dicotomias. Este princípio “une dois aspectos, fenômenos e eventos, noções, que, apesar de aparentemente antagônicas, são complementares e indissociáveis no seio da organização” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 41). De acordo com Morin, Ciurana e Motta (2009), este princípio ajuda a pensar em lógicas que se complementam e se excluem e pode ser definido como uma associação complexa, ou seja, complementar, concorrente e antagônica, de instâncias

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necessárias à existência, ao funcionamento e ao desenvolvimento de um fenômeno. Moraes (2008) nos lembra de que este princípio recupera as dicotomias do tipo ordem/desordem no interior das organizações, inclusive das organizações vivas. Para Morin (2007), este princípio permite manter a dualidade no seio da unidade. Sendo assim, ao pensar na ordem e na desordem, em termos dialógicos, compreende que, apesar de elas serem antagônicas, pois uma suprime a outra, em certos casos, elas colaboram e produzem organização e Complexidade. Princípio da reintrodução do sujeito cognoscente: Este princípio reintroduz o “sujeito epistemologicamente e metodologicamente, ou seja, o sujeito, como autor de sua própria história e co-autor de construções coletivas, é resgatado no processo de conhecimento” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 43). Os atos de pesquisar e de conhecer não estão isolados das crenças do sujeito, de sua história de vida. Sendo assim, todo o conhecimento é sempre a interpretação de uma realidade, que depende daquele que a interpreta, que depende da sua capacidade de ver, de reconhecer, de interpretar, de construir e reconstruir o conhecimento. Morin (2007) comenta que o sujeito não reflete a realidade, pois ele está inserido na realidade que deseja conhecer, então ele a constrói por meio dos princípios apresentados. Os três últimos princípios (princípio ecológico da ação, princípio da enação e princípio ético), a seguir explicitados, foram acrescentados por Moraes e Valente (2008), com base no estudo e observação das obras de Edgar Morin, de Francisco Varela e de Humberto Maturana. Princípio ecológico da ação: Baseado nas ideias de Morin e colaboradores, este princípio revela que “toda a ação escapa à vontade do sujeito ao entrar no jogo das interações”. Este princípio traz consigo a “imprevisibilidade, a incerteza, a nãolinearidade e o indeterminismo” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 48). A essa noção, Moraes (2008, p. 107) acrescenta que “toda a ação é uma ação ecologizada por causa dos processos de interação, retroação, cooperação existentes entre sujeitos, entre sujeito e objeto e objeto ou sujeito e o meio”. Princípio da enação: Baseado nas ideias de Varela e colaboradores, este princípio nos fala que “toda ação cognitiva é uma ação perceptivamente guiada” (VARELA et al, 1997 apud MORAES; VALENTE, 2008, p. 48). Percepção e ação são inseparáveis nos processos cognitivo-emocionais e evoluem juntos. Sujeito

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pesquisador e realidade pesquisada (objeto) emergem e evoluem juntos. São codependentes e compartilham fluxos energéticos e informacionais. Vale ressaltar que “o conhecimento não pré-existe em qualquer lugar ou sob alguma forma, mas é atuado ou ativado em situações específicas [...] locais, datadas e que mudam constantemente como resultado das atividades desenvolvidas pelo observador [...]” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 49). Princípio ético: Este princípio se relaciona, também, com todos os demais. “Deve estar presente em todo o ato educativo, constituindo-se também como essência da prática do pesquisador ou educador” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 49-50). Revela o respeito ao outro, e, apesar das diferenças, revela solidariedade ao outro. Os autores sugerem, como decorrência deste princípio, o uso de instrumentos como o termo de consentimento informado e a necessidade de se dar o retorno dos resultados da pesquisa, não só ao final, mas ao longo de todo o processo. Método e o Pensamento Complexo Morin, Ciurana e Motta (2009), ao falarem do Pensamento Complexo como método de aprendizagem pela incerteza e pelo erro, nos apresentam algumas diretrizes importantes a respeito do caminhar composto por estratégias, que formam o método de pesquisa. Em vez de um programa, com definição de etapas pré-definidas, “uma organização predeterminada de ação” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 29), eles nos orientam a usar a ideia de estratégias metodológicas, pois entende que a estratégia “encontra recursos, faz contornos, realiza investimentos e desvios”, “se desdobra em situações aleatórias, utiliza o risco, o obstáculo, a diversidade”, além de “tirar proveito de seus erros” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 29). A estratégia necessita de controle e vigilância, mas também necessita, “a todo o momento, de concorrência, iniciativa, decisão e reflexão” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 29). Sendo assim, o método é composto por estratégias que buscam responder às incertezas. O método, analisado sob esse ponto de vista, é ao mesmo tempo algo que serve para aprender e é aprendizagem. “É aquilo que permite conhecer o conhecimento”. “Não existe um método fora das condições em que o sujeito se encontra” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 29). O método também contém a

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reflexividade, ou seja, contém momentos em que se é capaz de “auto-considerar-se e meta-analisar-se” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 33). Os autores nos dizem que método e paradigma são inseparáveis, que o paradigma é o que dirige a práxis cognitiva. O Pensamento Complexo busca “reatar, articular, compreender e que, por sua vez, desenvolve sua própria autocrítica” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 37). Ao mesmo tempo, o Pensamento Complexo deve vigiar o paradigma, justamente para evitar a “fragmentação e a desarticulação dos conhecimentos adquiridos” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 38). Moraes e Valente (2008) também abordam a dimensão metodológica, a partir da Complexidade e da Transdisciplinaridade, e iluminam nossa prática com várias considerações importantes. Reconhecem também o método como um caminho que necessita de “estratégias de ação, de procedimentos adaptáveis à realidade, que ajudam a organizar o pensamento e as atividades para o alcance dos objetivos propostos” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 53). O método não deve desprezar a subjetividade, a afetividade, nem deve considerá-las como fontes de erro. É possível combinar métodos e estratégias para a solução de determinados problemas e combinar orientações qualitativas e quantitativas, mas desde que tenham compatibilidade teórica e metodológica, segundo Moraes e Valente (2008). Enfim, cabe aqui ressaltar que essas orientações, apresentadas pelos autores em relação ao método, guiarão todas as partes da prática de pesquisa, todas as relações estabelecidas com as situações, ambientes e pessoas participantes da pesquisa e todas as análises que serão realizadas. Relação sujeito-objeto A concepção do pesquisador sobre a relação sujeito-objeto orienta a sua interação com o seu objeto de pesquisa e, por consequência, orienta o método de sua investigação que representa como, quando e de que forma o pesquisador interagirá, se aproximará, ou melhor, pesquisará seu objeto. Nesse sentido, há diferenças importantes entre a forma que a ciência moderna compreende essa relação e como estudiosos(as) da física quântica, da biologia, das ciências sociais, da Complexidade e da Transdisciplinaridade a

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compreendem também. Além disso, essas diferenças apresentam implicações na metodologia de pesquisa, como veremos a seguir. Visão da Ciência Moderna A ciência moderna tem como base a razão como forma de conhecer a realidade e sua lógica é centrada na ideia de demonstração e prova. Um de seus fundamentos é a “distinção entre sujeito e objeto do conhecimento que permite estabelecer a ideia de objetividade, isto é de independência dos fenômenos em relação ao sujeito que conhece” (CHAUÍ, 2012, p. 292). O paradigma da ciência moderna foi construído com base na lógica da Física clássica que se caracteriza pela medida de espaço e de tempo, vê a realidade como objetiva, mensurável e, assim, considera o objeto distinto do sujeito (RANDOM, 2000). Estudiosos como Galileu, Kepler, Newton até Einstein contribuíram para este paradigma da simplicidade e que se tornou predominante nos séculos XVII a XIX (NICOLESCU, 1999). Para a ciência moderna, o método é visto como um conjunto de regras e normas a ser seguido como forma de definir ou construir o objeto e controlar o pensamento durante a investigação. “O método tem como pressuposto que o pensamento obedece universalmente a certos princípios internos – identidade, não contradição, terceiro excluído, razão suficiente” (CHAUÍ, 2012, p. 292). Chauí (2012) também nos chama a atenção que o objeto científico pode ser, de fato, compreendido a partir das propriedades e funções de seus elementos por meio das operações de análise e de síntese, na passagem do complexo para as suas partes (processo de simplificação). Além disso, esta mesma ciência vê os instrumentos tecnológicos de pesquisa como um prolongamento das capacidades do corpo humano para compreender o mundo, conferindo precisão e controle dos resultados. A autora ressalta que estes instrumentos se destinam a dominar e transformar o mundo e não apenas a facilitar a relação do homem com o mundo. Nesse sentido, Nicolescu (1999) ainda acrescenta que, para a ciência moderna, a natureza era algo para ser dominado, conquistado; e que o conhecimento para ser científico, tinha que ser objetivo e a única realidade digna de ser estudada era a realidade objetiva, regida por leis objetivas. Ele faz também sua crítica às consequências da ciência moderna ressaltando que “os dogmas e as

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ideologias que devastaram o século XX vieram do pensamento clássico, baseado nos conceitos da física clássica” (NICOLESCU, 1999, p. 25). De acordo com Morin (2010c), apesar de a ciência clássica eliminar o observador da observação, a microfísica, a teoria da informação e a teoria dos sistemas reintroduzem o sujeito que conhece no seu processo de conhecimento, ou seja, reintroduzem o observador na observação. Já em 1985, Boaventura de Souza Santos também indicava a crise desse paradigma dominante da ciência moderna, que além de profunda é irreversível. Encontrávamo-nos (e considero que ainda nos encontramos) em um período de revolução científica, iniciado por Einstein e a mecânica quântica, que não se sabe quando vai acabar. Segundo esse autor, havia condições sociais e teóricas que o permitiram especular sobre o paradigma que emergiria (SANTOS, 2010). Mais especificamente sobre as condições teóricas, ele nos diz que os “avanços do conhecimento nos domínios da microfísica, da química, da biologia” (SANTOS, 2010, p. 46) indicam, de maneira consistente, as mudanças que estão ocorrendo no interior das próprias ciências. Aponta que essas mudanças das ciências também evidenciam que a distinção entre sujeito-objeto é mais complexa do que pode parecer à primeira vista e que essa relação “perde os seus contornos dicotômicos e assume a forma de um continuum” (SANTOS, 2010, p. 45 – grifos do autor). Visão da Física Quântica/Microfísica Foi pela própria Física que, a partir de 1900, a visão e a compreensão desta relação sujeito-objeto foram se modificando (NICOLESCU, 1999; RANDOM, 2000). Essa ramificação da Física, chamada de Física Quântica, utiliza potentes instrumentos tecnológicos (aceleradores de partículas) para compreender a composição da matéria, o mundo microfísico (HAWKING, 2009). Para exemplificar algumas das mudanças ocorridas, por volta de 1900, Max Planck, físico quântico alemão, descobriu que uma partícula é ao mesmo tempo corpúsculo e onda. Em 1972, Werner Heisenberg, a partir de seus estudos de mecânica quântica, apresentou o Princípio da Incerteza que, além de corroborar as ideias de Planck, nos diz que não se pode determinar simultaneamente a posição e a velocidade da partícula.

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De acordo com Random (2000), essas teorias evidenciam que a consciência do observador influencia na medição e que a observação influencia na forma com a qual o elétron aparece, seja como um feixe de onda ou como um corpúsculo. Nesse momento, “o real ‘objetivo’ não mais existia” (RANDOM, 2000, p. 50), um novo conceito adentra na Física, a não-separabilidade (NICOLESCU, 1999; COSTA DE BEAUREGARD, 2000). Nicolescu explica este conceito, trazendo a comparação entre o mundo macrofísico e microfísico: Em nosso mundo habitual, macrofísico, se dois objetos interagem num momento dado e em seguida se afastam, eles interagem, evidentemente, cada vez menos. [...] No mundo quântico, as coisas acontecem de maneira diferente. As entidades quânticas continuam a interagir qualquer que seja seu afastamento. (NICOLESCU, 1999, p. 27)

Essa proposta de não-separabilidade, trazida pela Física Quântica, não coloca em dúvida a objetividade científica, mas sim uma de suas formas, a objetividade clássica, que é baseada na crença de que não existe qualquer conexão não local entre, por exemplo, sujeito e objeto. Nicolescu (1999) ainda nos lembra de que nossos corpos, que os objetos, ou seja, sujeitos e objetos possuem, ao mesmo tempo, uma estrutura macrofísica e uma estrutura quântica, microfísica. Visão da Biologia Os biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela, a partir de seus estudos das bases biológicas da percepção humana, nos chamam a atenção também para o fato de que temos que nos dar conta de que “não se pode tomar o fenômeno do conhecer como se houvesse ‘fatos’ ou objetos lá fora, que alguém capta e introduz na cabeça. A experiência de qualquer coisa lá fora é validada de uma maneira particular pela estrutura humana, que torna possível ‘a coisa’ que surge na descrição” (MATURANA; VARELA, 2010, p. 31). Além disso, nos dizem que o ato de conhecer faz surgir um mundo que “está associado às raízes mais fundas de nosso ser cognitivo, por mais sólida que seja a nossa experiência” (MATURANA; VARELA, 2010, p. 33). Alertam-nos ainda que não há descontinuidade entre o social, o humano e suas raízes biológicas e que o “fenômeno de conhecer é um todo integrado e fundamentado da mesma forma em todos os seus âmbitos” (MATURANA; VARELA, 2010, p. 33).

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Sendo assim, por meio das bases biológicas do conhecimento humano, podemos compreender que no ato de conhecer um objeto, a princípio, externo a nós, utilizamos todo o nosso aparato biológico, cognitivo, emocional, interpretativo, social. Então o que conhecemos e como conhecemos não está externo a nós e nem é somente interno, mas está na relação entre o externo (objeto) e o interno (sujeito). (MATURANA; VARELA, 2010) Em outra publicação, Maturana (1998), ao se questionar pelas origens das habilidades de observar, de conhecer, de fazer as observações e afirmações, nos diz que a biologia adquire presença, pois quando alteramos a biologia, a capacidade cognitiva também é alterada. Ao longo de seus questionamentos, ele nos convida a colocar a “objetividadeentre-parênteses” (MATURANA, 1998, p. 45) no processo de explicar, pois não podemos entender que tenhamos a capacidade de fazer referência a uma realidade independente de nós e que devemos ter consciência de nossa condição de seres que, durante uma experiência, não pode distinguir entre ilusão e percepção. Porém, isso não significa que não existam objetos e que estes não existam independentes de nós. Significa que o conhecer, o pesquisar, o explicar a realidade, ou melhor, essas ações e seus produtos dependem de nós, estão intimamente relacionados com nossa biologia, com nossa cognição, com nossas emoções, com as relações sociais que estabelecemos. (MATURANA, 1998) O autor denomina, ainda, de “objetividade-sem-parênteses”, o caminho explicativo que um observador trilha quando não se pergunta pelas origens de suas habilidades cognitivas, quando “atua como se aquilo que distingue preexistisse à sua distinção, na suposição implícita de poder fazer referência a essa existência para validar seu explicar” (MATURANA, 1998, p. 45). Ou seja, quando se enxerga o objeto a ser estudado como distinto do sujeito que o estuda, como se fosse possível compreender e explicar este objeto independente de quem busca a compreensão e a explicação. Como se essa explicação só fosse válida porque é objetiva. Como se a realidade fosse somente os dados e as medições. Como se fosse a realidade que determina se você está errado ou não. Como se essa realidade, externa a nós, validasse o conhecer e o explicar e, por esse caminho explicativo, apontasse para uma verdade objetiva e universal, ou seja, “válida para qualquer observador, porque

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é independente do que ele faz” (MATURANA, 1998, p. 47). É dessa maneira que a ciência moderna compreende a relação sujeito-objeto. Ao trazer suas reflexões para o campo das explicações científicas, Maturana declara que o conhecimento não nos leva ao controle de nada, nem da natureza. Leva-nos, sim, a uma compreensão, um entendimento e propõe que também nos leve a uma ação harmônica e ajustada com os outros e com o meio. Afirma, assim, que as explicações científicas têm validade porque “elas têm a ver com as coerências operacionais com as experiências no suceder do viver do observador” (MATURANA, 1998, p. 55). Baseados nas ideias de Morin, Maturana e Varela a respeito da objetividade na pesquisa, Moraes e Valente (2008) compreendem que não é possível isolar a objetividade de nossas crenças, emoções desejos e afetos e que o conhecimento produzido na pesquisa é pessoal, datado e dependente das relações que o sujeito estabelece com o objeto. Sendo assim, Moraes e Valente compreendem que “sujeito e objeto são co-construtores do outro, são parceiros e não adversários no ambiente de pesquisa” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 30). Esses autores, a partir dessa discussão sobre objetividade na pesquisa, entendem que há uma interdependência entre sujeito e objeto, em função do acoplamento estrutural que ocorre em termos de energia, matéria e informação. Dizem também que sujeito e objeto preservam sua autonomia e identidade, mas que em função dessa dinâmica que estabelecem durante a pesquisa, ambos integram “uma totalidade no momento da pesquisa” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 32). Além disso, propõem que, para que seja possível compreender o objeto de pesquisa, é necessário compreender as relações que o caracterizam, as interdependências, a complementaridade de processos, as interferências e acrescentam que “nunca conseguiremos compreender o todo, pois dele somos parte” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 34). Visão das ciências sociais Este tipo de reflexão a respeito da relação sujeito-objeto também aparece nas discussões sobre metodologia científica em ciências sociais, quando trata sobre a demarcação científica e sobre o objeto construído, na perspectiva do autor Pedro Demo (1995).

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Este estudioso inicia suas reflexões a partir da ideia de que um dos problemas da ciência moderna é a sua coincidência em relação à realidade pesquisada. Para ele, tanto a realidade quanto o objeto científico são construídos por aqueles que os elaboram como tal. Os conceitos ditos científicos também são construções sobre a realidade, são concebidos, não preexistem, “têm pai, e por consequência, marca hereditária. Não há conceito objetivo, porque seria elaborado sem sujeito” (DEMO, 1995, p. 28). A interpretação científica é somente mais uma forma de ver o mundo, não é única, nem final, nem a mais verdadeira, é apenas mais uma visão da realidade. O autor ainda ressalta que as disciplinas acadêmicas, portanto, “representam recortes parciais de uma realidade complexa” (DEMO, 1995, p. 28). Essa realidade nunca é somente sociológica, econômica, psicológica etc. Especificamente em relação ao objeto construído, Demo diz que entendê-lo desta maneira, significa entender que ele é construído na relação diversa entre sujeito e objeto, a começar pela própria problematização que o sujeito, no caso o pesquisador, faz de seu objeto ao iniciar seus estudos sobre ele. Não é possível que o sujeito apenas descreva e retrate este objeto como uma fotografia, pois o sujeito faz parte da realidade que estuda. Nesse sentido, Demo propõe substituir objetividade por objetivação porque “é preciso controlar a ideologia, mas sem camuflar o fato de que faz parte da cena intrinsecamente” (DEMO, 1995, p. 28). Para controlar a ideologia, sugere que este controle seja feito pelo “reconhecimento crítico e autocrítico de que somos inevitavelmente ideológicos” (DEMO, 1995, p. 29) e que é necessário que essa postura ideológica seja sempre possível de ser discutida criticamente, para que não se torne “fechada, fanática, ativista” (DEMO, 1995, p. 29). Continuando suas reflexões sobre o objeto construído, o autor afirma que o contexto desse objeto de pesquisa também pertence ao sujeito, pois “não é possível ver a realidade sem um ponto de vista, sem um ponto de partida, porque não há vista sem ponto, nem partida sem ponto. Este ponto é do sujeito, não da realidade” (DEMO, 1995, p. 30). Temos, sobretudo, uma pré-noção, um pré-conceito, pois não existe abordagem da realidade totalmente desarmada, sem juízos e concepções prévias. O que percebemos da realidade é aquilo que nos interessa, sendo assim não podemos conhecer tudo, nem qualquer coisa, mas “aquela parte da realidade

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que possui para nós [...] relevância política” (DEMO, 1995, p. 32). O autor finaliza esta discussão do objeto construído dizendo que, apesar da ciência ser necessária, pois sem ela não conseguiríamos pesquisar a realidade, “esta é sempre maior do que aquela” (DEMO, 1995, p. 32). Visão da Complexidade Ao trazer à tona a perspectiva da ciência com consciência, Edgar Morin (2007; 2010b; 2010c) faz suas críticas com relação à crise do princípio clássico de explicação da ciência moderna, que excluía a aleatoriedade, a organização, a contradição e excluía o observador da observação. O sujeito aqui é visto como fonte de ruído, de perturbação, deformação e deve ser eliminado para que se possa atingir o conhecimento objetivo. Nessa dualidade sujeito/objeto, se cada um for entregue a si próprio, tornam-se insuficientes para o conhecimento da realidade e permanecendo a concepção fechada em si mesmo. [...] a ciência ocidental fundamentou-se na eliminação positivista do sujeito a partir da ideia de que os objetivos, existindo independentemente do sujeito, podiam ser observados e explicados. [...] o sujeito é ou o “ruído”, isto é, a perturbação, a deformação, o erro que se deve eliminar a fim de atingir o conhecimento objetivo, ou o espelho, simples reflexo do universo objetivo. O sujeito é dispensado, como perturbação ou ruído, precisamente porque ele é indescritível segundo os critérios do objetivismo [...]. (MORIN, 2007, p. 39-40)

Por meio dos estudos da microfísica, biologia, sociologia, antropologia, cibernética, segundo Morin, percebe-se que “de toda parte surge a necessidade de um princípio

de

explicação

mais

rico

do

que

o

princípio

de

simplificação

(separação/redução)” (MORIN, 2010c, p. 30). Ele propõe, então, o princípio da Complexidade. Esse princípio, além de distinguir e analisar, como o princípio da simplificação faz, procura “estabelecer a comunicação entre aquilo que é distinguido: o objeto e o ambiente, a coisa observada e o seu observador” (MORIN, 2010c, p. 30). O autor ainda, a partir desses referenciais, destaca que o conhecimento é de fato produzido nesta relação de sujeito com o objeto, que o objeto só existe em relação com o sujeito que o observa, isola, define e pensa, sendo assim, são inseparáveis, ambos constitutivos um do outro. Para tanto, propõe a concepção aberta da relação sujeito-objeto e nos orienta que ela “nos indica que o objeto deve ser concebido em seu ecossistema e mais amplamente num mundo aberto (que o conhecimento não pode preencher) e num metassistema, uma teoria a elaborar onde sujeito e objeto podem integrar-se um ao outro” (MORIN, 2007, p. 47-48).

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Nessa linha de pensamento, Morin nos traz a necessidade de procurarmos a comunicação entre o objeto e o sujeito que o conhece, de estabelecermos relação entre as ciências naturais e as ciências humanas, sem reduzirmos umas às outras, de desenvolvermos um pensamento “capaz de enfrentar a Complexidade do real, permitindo ao mesmo tempo à ciência refletir sobre ela mesma” (MORIN, 2007, p. 31). O autor chama a atenção também para a necessidade do pesquisador estar atento às responsabilidades e questões éticas de seus estudos perante a sociedade e o homem. Destaca que o mesmo deve refletir sobre sua prática, dos porquês, limites e consequências do conhecimento que produz. Para isso, propõe a religação entre ciência e filosofia. (MORIN, 2010b) Visão da Transdisciplinaridade A Transdisciplinaridade, como uma reflexão sobre a natureza de nosso próprio saber, sobre os processos da Complexidade no seio das disciplinas e da sociedade e sobre os processos da própria mente (capacidades de lógica, de racionalidade e seus limites), traz essa tomada de consciência da unidade entre o homem e a natureza e serve para resistir às formas e forças de agressão da modernidade. É um retorno à ciência com consciência (RANDOM, 2000). Este filósofo ainda nos orienta que, a partir da perspectiva da Transdisciplinaridade, a ciência deve ser repensada, reinventada, com outros olhares, incluindo o imaginário, “nos quais a transcendência e a imanência, a parte e o todo, funcionem de forma diferente daquela que se acreditou até hoje” (RANDOM, 2000, p. 60). Ao falar sobre a Transdisciplinaridade, Nicolescu (2000b) afirma que a visão transdisciplinar revela que a Realidade é multidimensional e multirreferencial, estruturada

em

múltiplos

Níveis

de

Realidade,

substituindo

a

Realidade

unidimensional, objetiva, de um único nível, oriunda do pensamento clássico. Para este autor, a Realidade é aquilo que resiste às nossas interpretações, às nossas formalizações e instrumentos de observação. Ela escapa por nossos dedos, corroborando com Demo (1995), é sempre maior do que o que conseguimos ver dela. Então a ciência, apesar de necessária, é apenas uma perspectiva de visão a respeito dessa Realidade. Para tanto, Nicolescu apresenta também a proposta de uma metodologia da Transdisciplinaridade formulada em termos do terceiro incluído, dos Níveis de

139

Realidade e da Complexidade, conforme já detalhado no item Pesquisa baseada na Complexidade e na Transdisciplinaridade, deste capítulo. De acordo com o autor, “a metodologia define as leis gerais para inventar vários métodos. Decorre daí que um grande número de métodos são compatíveis com uma única metodologia [...]” (NICOLESCU, 2000b, p. 129), formulada a partir dos três pressupostos apresentados. Além disso, nos orienta que qualquer método criado, a partir desses pressupostos, deve estar de acordo com as noções de objeto transdisciplinar e de sujeito transdisciplinar que emergem dessa metodologia. Por objeto transdisciplinar, compreendemos “o conjunto dos Níveis de Realidade e sua zona complementar de não-resistência” (NICOLESCU, 2000b, p. 132) – (NR + ZnR). Esses Níveis de Realidade só estão disponíveis ao conhecimento humano pela existência de diferentes Níveis de Percepção correspondentes. Sendo assim, por sujeito transdisciplinar, compreendemos o conjunto dos Níveis de Percepção com a sua zona de não-resistência à percepção (NP + ZnR). Nicolescu também compreende que “um Nível de Realidade é uma dobra do conjunto de Níveis de Percepção e um Nível de Percepção é uma dobra do conjunto de Níveis de Realidade” (NICOLESCU, 1999, p. 81) e que o acordo entre o objeto e o sujeito transdisciplinares passa pelo acordo entre os Níveis de Realidade e os Níveis de Percepção. Sendo assim, ele comenta que a dicotomia clássica entre real-imaginário desaparece na visão transdisciplinar, pois o real se torna uma dobra do imaginário e vice-versa. Além disso, Nicolescu (2000b; 2002) nos alerta que as duas zonas de nãoresistência (do objeto e do sujeito) devem ser idênticas para que eles possam interagir, se comunicar e trocar informações. A área das zonas de não-resistência permite a unificação do sujeito e do objeto transdisciplinares sem que haja eliminação de suas diferenças. Desta maneira, o “conhecimento não é nem exterior nem interior: ele é simultaneamente exterior e interior” (NICOLESCU, 2000b, p. 132), é fruto da interação entre sujeito e objeto e não pode ser reduzido nem ao sujeito, nem ao objeto (NICOLESCU, 2002). Sendo assim, os diferentes níveis de compreensão “resultam da integração harmoniosa do conhecimento dos Níveis de Realidade e do conhecimento dos Níveis de Percepção. A Realidade sendo múltipla e complexa, os níveis de compreensão são múltiplos e complexos” (NICOLESCU, 1999, p. 81). Além disso, a Realidade, se considerada uma unidade aberta, abarca e

140

interliga os diferentes Níveis de Realidade, os diferentes Níveis de Percepção e de compreensão

e,

por

consequência,

o

sujeito

transdisciplinar

e

o

objeto

transdisciplinar. (NICOLESCU, 1999) De acordo com Moraes, com base em Nicolescu, se compreendemos que cada Nível de Realidade está associado a um Nível de Percepção, então “a passagem de um Nível de Realidade a outro acontece por meio da mudança de um Nível de Percepção a outro e esta percepção está relacionada às possibilidades de ampliação dos níveis de consciência de cada sujeito” (MORAES, 2008, p. 123) – (ver figura 11). Com base em Nicolescu (2008), há um fluxo de consciência que coerentemente

atravessa

os diferentes

Níveis de

Percepção

que

devem

corresponder ao fluxo de informações que coerentemente atravessa os diferentes Níveis de Realidade. “Os dois fluxos estão inter-relacionados porque eles dividem a mesma zona de não-resistência” (NICOLESCU, 2008, p. 9). Para que haja comunicação entre Sujeito e Objeto transdisciplinares, as suas respectivas zonas de não-resistência devem ser idênticas. Funciona com o papel de terceiro secretamente incluído entre sujeito e objeto, permitindo a unificação, mas preservando suas diferenças (NICOLESCU, 2010). Figura 12 - Níveis de Realidade, Níveis de Percepção, Níveis de Consciência e Fluxo de Informações

141 Legenda:

NR: Nível de Realidade NP: Nível de Percepção NR + ZnR: Nível de Realidade + Zona de Não-Resistência NP + ZnR: Nível de Percepção + Zona de Não-Resistência

Fonte: Baseada em Moraes (2008, p. 124).

Explicitando

as

diferenças

de

visão

da

relação

sujeito-objeto

da

Transdisciplinaridade e da ciência moderna, Nicolescu afirma que: Esta divisão ternária [sujeito, objeto, interação] difere radicalmente da divisão binária [sujeito, objeto] que define a metafísica moderna. A Transdisciplinaridade estabelece uma ruptura profunda com esta metafísica moderna. (NICOLESCU, 2002, p. 56)

Com base na perspectiva da Complexidade e da Transdisciplinaridade, Moraes e Valente (2008) apresentam também reflexões e orientações para a pesquisa em Educação. Ressaltam que, pela existência de uma dependência em termos de energia, matéria e informação entre sujeito e objeto de pesquisa, o “pesquisador participa da Realidade que pesquisa e do mundo do outro” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 31). Para que a evolução de qualquer pesquisa ocorra e para que os resultados sejam alcançados, devem ser realizados acordos mútuos entre pesquisador e objeto pesquisado. Além disso, destacam a necessidade de um princípio ético que deve estar sempre presente nessa relação, que “deve ser a essência da prática do pesquisador” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 32) e se revela no respeito, na solidariedade, na cooperação e na construção de uma cultura ética comum. Pelos desafios de se enfrentar a diversidade, a instabilidade, a incerteza, o indeterminismo presentes no conhecimento e na Realidade, o (a) pesquisador(a) deve ter flexibilidade para poder compreender as relações que caracterizam seu objeto de pesquisa, “perceber as interdependências, a complementaridade dos processos, bem como as interferências que acontecem” e “[...] problematizar sempre que necessário, ao religar o que precisa ser religado, pois tudo o que é complexo está sempre relacionado, interconectado com outros sistemas” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 35). Da mesma forma que Nicolescu, esses autores também ressaltam a possibilidade do uso de vários procedimentos e técnicas na construção da

142

metodologia transdisciplinar que será construída na pesquisa, a partir dos diálogos e das interações do pesquisador (sujeito transdisciplinar) com seu objeto de pesquisa (objeto transdisciplinar). Cabe lembrar aqui que essa dinâmica é uma via de mão dupla, tanto o(a) pesquisador(a) intervém no objeto, quanto o objeto intervém no(a) pesquisador(a) e, assim, a pesquisa é construída neste e a partir deste movimento. O rigor, a abertura e a tolerância na atitude e na pesquisa transdisciplinares Nicolescu ressalta que o rigor, a abertura e a tolerância são traços fundamentais da atitude transdisciplinar e devem estar presentes na pesquisa e na prática transdisciplinares. O rigor é o da "linguagem na argumentação baseada no conhecimento vivo, ao mesmo tempo interior e exterior da Transdisciplinaridade" (NICOLESCU, 1999, p. 131). Considera a Transdisciplinaridade, simultânea e inseparavelmente, como um "corpus de pensamento e uma experiência vivida" (NICOLESCU, 1999, p. 131). A linguagem transdisciplinar utilizada deve traduzir em palavras e em ação esses dois aspectos ao mesmo tempo. Deve estar baseada na "inclusão do terceiro incluído, em que se encontra sempre o 'porquê' e o 'como', e o 'Quem?' e o 'O que?'"(NICOLESCU, 1999, p. 131). É, ao mesmo tempo, uma inclusão teórica e experimental. "A tripla orientação da linguagem transdisciplinar – para o 'porquê', para o 'como' e para o Terceiro Incluído – assegura a qualidade de presença daquele ou daquela que emprega a linguagem transdisciplinar" (NICOLESCU, 1999, p. 131). Sendo assim, o rigor da Transdisciplinaridade é o "resultado de uma busca perpétua, alimentada incessantemente pelos novos saberes e pelas novas experiências" (NICOLESCU, 1999, p. 132). É da mesma natureza que o rigor científico, mas possuem linguagens diferentes, pois "leva em conta não apenas as coisas, mas também os seres e sua relação com os outros seres e as coisas" (NICOLESCU, 1999, p. 132), leva em conta todos os dados presentes em uma dada situação. Já a abertura "comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado, do imprevisível" (NICOLESCU, 1999, p. 131), que em algum tempo da História se transforma em conhecido, em esperado, em previsível, mas, ao mesmo tempo, nasce um novo desconhecido, um novo inesperado e um novo imprevisível. "A cultura transdisciplinar é a cultura do eterno questionamento acompanhado de respostas aceitas como temporárias" (NICOLESCU, 1999, p. 132).

143

A tolerância nasce do reconhecimento de que "existem ideias e verdades contrárias aos princípios da Transdisciplinaridade" (NICOLESCU, 1999, p. 133). Isso significa que, ao invés de lutarmos contra essa escolha contrária, podemos "trabalhar no sentido de sua escolha e mostrar em ato que a ultrapassagem das oposições binárias e dos antagonismos é efetivamente realizável" (NICOLESCU, 1999, p. 134). Em relação ao espírito transdisciplinar do pesquisador, o autor nos instiga a perceber que esse espírito pode fazer parte do pesquisador independente da disciplina e que todas elas podem ser “animadas pela atitude transdisciplinar” (NICOLESCU, 1999, p. 134). A metodologia transdisciplinar não substitui a metodologia de cada disciplina, ela fecunda essas metodologias e as disciplinas, "trazendo-lhes esclarecimentos novos e indispensáveis, que não podem ser proporcionados pela metodologia disciplinar" (NICOLESCU, 1999, p. 134). Um dos aspectos da pesquisa transdisciplinar é pesquisar aquilo que atravessa as disciplinas. A Transdisciplinaridade pode fecundar pesquisas pluri e interdisciplinares, "abrindo-as para o espaço comum do Sujeito e do Objeto" (NICOLESCU, 1999, p. 135). O autor ressalta que "na base de todas as disciplinas, há um olhar transdisciplinar que lhes dá sentido" (NICOLESCU, 1999, p. 135), pois nas profundezas de cada disciplina, encontra-se aquilo que liga o Sujeito e o Objeto transdisciplinares. 3.2 NARRATIVA E INVESTIGAÇÃO NARRATIVA A narrativa permite um discurso mais ligado à vida, às vivências, à experiência e, também, por sua vez, pode envolver com naturalidade a expressão dos pensamentos, dos sentimentos, dos desejos das pessoas implicadas na investigação... Isso supõe um desafio para os padrões acadêmicos. (Remei Arnaus, no Epí(dia)logo do livro Déjame que te cuente)

Após interlocuções com os professores da Universidade de Barcelona: José Contreras, Remei Arnaus, Montse Ventura e Jorge Larrosa32, sobre minhas dúvidas 32

Interlocuções presenciais realizadas no período do Doutorado-sanduíche na Universidade de Barcelona, sob a orientação da Professora Núria Lorenzo – de abril de 2014 a março de 2015. Tais encontros tiveram a intenção de dialogar sobre minhas dúvidas e inquietações metodológicas a respeito da construção da narrativa da minha tese. Os professores José Contreras e Jorge Larrosa e as professoras Remei Arnaus e Montse Ventura foram escolhidos por terem pesquisas e escritos sobre narrativa e experiência educativa disponíveis, também, nas publicações Investigar la experiência educativa (CONTRERAS; PÉREZ DE LARA, 2010) e Déjame que te cuente: ensayos sobre narrativa y educación (LARROSA, 2008).

144

e inquietações metodológicas a respeito da construção da narrativa da minha tese, me aproximei das ideias sobre narrativa e investigação narrativa da pesquisadora Jean Clandinin e do pesquisador Michael Connelly (CLANDININ, 2013; CONNELLY; CLANDININ, 2008; CLANDININ; CONNELLY, 2000), que me clarearam princípios e possibilidades para a construção do meu caminho narrativo autoformativo. Clandinin e Connelly compreendem a investigação narrativa como uma metodologia de pesquisa e uma forma de compreender uma experiência narrativamente.

Esta

proposta

metodológica

emergiu

dos

seus

estudos

desenvolvidos a respeito do ensino e do conhecimento do professor, com a vida na sala de aula, com a vida nas escolas e com a vida em outro panorama educacional (CLANDININ; CONNELLY, 2000). Foi a maneira que construíram para estudar o conhecimento

experiencial

dos

professores,

o

qual

concebem

como

um

“conhecimento pessoal, prático e conformado por e expressado na prática” (CLANDININ, 2013, p. 9). A razão principal para o uso da narrativa na investigação educativa é que nós, seres humanos, somos organismos contadores de histórias, organismos que, individual e socialmente, vivem vidas relatadas. O estudo da narrativa, portanto, é o estudo da forma pela qual nós, seres humanos, experimentamos o mundo. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 11)

Aqui, a experiência é um termo chave, pois entendem que “Educação e estudos educacionais são formas de experiência” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 18) e propõe que a melhor forma de representar e de entender a experiência é por meio da narrativa. Compreendem também que a experiência acontece narrativamente, então a investigação narrativa é a forma da experiência narrativa. Sendo assim, indicam que a experiência educacional pode ser estudada narrativamente. Experiência é o que nós estudamos e nós a estudamos narrativamente porque o pensamento narrativo é a forma chave da experiência e a forma chave de escrever e pensar sobre isso. Na realidade, o pensamento narrativo é parte do fenômeno da narrativa. Poderíamos dizer que o método narrativo é uma parte ou aspecto do fenômeno narrativo. Então, nós dizemos que narrativa é, ambos, o fenômeno e o método das ciências sociais (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 18).

Definem a natureza da experiência, a partir de John Dewey, como sendo: pessoal e social, ao mesmo tempo. Pessoas são indivíduos e precisam ser compreendidas como tal. Mas, estão sempre em relação e em interação, sempre em um

contexto

social.

Outra

característica

da

experiência

é

continuidade/

temporalidade, ou seja, “experiências crescem para além das outras experiências e

145

experiências levam a novas experiências”. Independente de onde nos posicionarmos nesse continuum, sempre teremos uma base de experiências no passado e seremos direcionados para uma experiência no futuro, portanto é situada no tempo e em um contexto individual e social. Dessa forma, eles pensam a Educação como sendo formada por uma história, “que está sempre mudando e que sempre está indo para algum lugar” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 2). Comentam que o trabalho de Dewey lhes forneceu um pensar sobre a experiência para “além da caixa-preta” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 50), que vai para além da noção de experiência como algo irredutível de tal modo que não se possa examiná-lo. Definem narrativa como o fenômeno que se investiga e como metodologia de investigação. Compreendem que narrativa é a “qualidade que estrutura a experiência que será estudada e é também o nome dos padrões de investigação que serão utilizados para o seu estudo”. Sendo assim, para preservar essa distinção, propõe chamar o fenômeno de a “história” ou “relato”, e a investigação de “narrativa”. Pelo fato de a narrativa ser a forma de caracterizar os fenômenos da experiência humana, consideram seu estudo “apropriado para muitos campos das ciências sociais” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 12). Em estudos nos quais pesquisadores e praticantes são pessoas diferentes, Connelly e Clandinin (2008), para iniciar um processo de investigação narrativa, ressaltam que as questões éticas e de negociação da entrada em situação de campo são muito importantes de serem garantidas e cuidadas pelo pesquisador, de maneira semelhante também nos indicam Gastón Pineau (2006), Marie-Christine Josso (2004; 2010) e Patrick Paul (2013), quando falam das questões éticas da pesquisa com história de vida. A investigação narrativa é um tipo de investigação colaborativa e se constitui em uma “relação”, ou seja, pela “interpenetração de duas ou mais esferas pessoais de experiências”. Nesta relação entre pesquisador e praticantes, a investigação se constitui também de “comunidade de atenção mútua”, que significa dizer “quando ambos, investigadores e praticantes, contam suas histórias sobre sua relação na investigação, é muito possível que sejam histórias que se refiram à melhora de suas próprias disposições e capacidades (empoderamento – empowerment)”. Os dois são membros dessa comunidade que tem valor para ambos e que considera o valor de ambos. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 19)

146

Com base em Hogan (1988), Connelly e Clandinin (2008, p. 19-20) apresentam como elementos importantes para a relação de investigação: “igualdade entre os participantes, a situação de atenção mútua e os sentimentos de conexão”. Ressaltam, particularmente para a investigação narrativa, a importância de “um certo sentido de igualdade entre os participantes” na qual todos – investigadores e praticantes – devem ter voz dentro dessa relação. Na investigação narrativa é importante que o investigador escute primeiro a história do praticante e o praticante quem primeiro conta sua história. Mas isto não quer dizer que o investigador permaneça em silêncio durante o processo da investigação. Quer dizer que, ao praticante, a quem durante muito tempo foi silenciado na relação de investigação, se está dando o tempo e o espaço para que conte sua história, e para que sua história ganhe autoridade e validade que tiveram sempre os relatos de investigação. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 21)

Os autores também compreendem a investigação narrativa como um processo de colaboração que permite e requer a mútua explicação e reexplicação de história ao longo do caminho da investigação, onde todos tenham voz para contar suas histórias. Neste processo de construção dessa história compartilhada da investigação narrativa, “o investigador tem que ser consciente de estar construindo uma relação em que ambas as vozes possam ser ouvidas” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 22). Por ser construída nessa relação entre sujeito pesquisador e sujeito pesquisado e por ambos terem sua voz considerada, respeitada e representada, em um contínuo processo de construção e reconstrução, em uma causalidade circular, percebo que a narrativa reintroduz ambos os sujeitos envolvidos no processo de conhecimento, conforme a Complexidade nos indica via operador cognitivo reintrodução do sujeito cognoscente (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009; MORAES;VALENTE, 2008), que enfatiza a necessidade de reintroduzir

o

papel

do

sujeito

observador

em

todo

o

conhecimento,

epistemologicamente e metodologicamente. Dessa maneira, a investigação narrativa tenta dar conta dos múltiplos níveis “temporalmente simultâneos e socialmente interativos” que estão em jogo durante a realização de uma investigação narrativa (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 22). [...] a pessoa está vivendo suas histórias em um contínuo contexto experiencial e, ao mesmo tempo, está contanto suas histórias com palavras enquanto refletem sobre suas vivências e as explicam para os demais. Para o investigador, isto é parte da Complexidade da narrativa, porque a vida é uma questão de crescimento rumo a um futuro imaginário e, por tanto, implica recontar histórias e tentar revivê-las. Uma mesma pessoa está

147 ocupada, ao mesmo tempo, em viver, em explicar, em re-explicar e em reviver histórias. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 22)

Em uma investigação narrativa, ao ser capaz de ver e de escrever relatos sobre experiências diárias dos praticantes (professores, alunos, administradores etc), os autores Clandinin e Connelly nos indagam com perguntas para serem refletidas durante o processo de pesquisa: “Até qual distância temos que ir em uma investigação do passado e do futuro dos participantes? Quais esferas da comunidade devem ser indagadas e até qual grau de profundidade social deve se desenrolar a investigação?” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 22). Nesse sentido, creio ser importante ao longo da narrativa, refletir e responder a estes questionamentos. Como nós, investigadores, fazemos parte do processo de investigação de uma investigação narrativa, o processo se torna mais complexo no qual, graças à própria investigação, as narrativas dos praticantes e do investigador se tornam “uma construção e re-construção de uma narrativa compartilhada” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 23). Compreendo, aqui, que elas se tornam um tecido conjunto (MORIN, 2007) de realidades, vozes e histórias, ou seja, uma narrativa compartilhada de natureza complexa. Semelhante à abertura, ao uso e à integração de multi-metodologias, sejam elas qualitativas ou quantitativas, da Complexidade e da Transdisciplinaridade (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009; MORAES; VALENTE, 2008), na construção imbricada entre participante e investigador, em uma investigação narrativa, várias formas de geração de dados podem ser utilizadas, como: [...] notas de campo da experiência compartilhada, anotações em diários, em transcrições de entrevistas, em observações de outras pessoas, em ações de contar relatos, de escrever cartas, de produzir textos autobiográficos, em documentos (como planos de aula e boletins), em materiais escritos como normas ou regulamentos, ou por meio de princípios, imagens, metáforas, filosofias pessoais. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 23)

E como escrever a narrativa? Connelly e Clandinin (2008) comentam que nem sempre é claro quando se começa a escrita do estudo. Às vezes, temos a impressão de começar a escrita na entrada em campo durante as discussões com os praticantes, ou até mesmo quando se formularam as primeiras ideias para o estudo. Inclusive os vários materiais produzidos ao longo da investigação podem aparecer, em detalhes, como partes importantes do documento final. Relatam que, até o rascunho final, a geração de

148

dados e a escrita vão se encontrando e se imbricando. “Não é absolutamente claro quando acaba a geração de dados e quando começa a escrita” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 31). Mas ressaltam que é importante que o investigador, desde o início, tenha consciência de onde se deseja chegar e dos seus objetivos, mesmo que estes se modifiquem no percurso. Estruturando a narrativa: o cenário e a trama Como forma de estruturar a narrativa, os autores propõem que se defina o tempo (trama) e o espaço (cenário) nos quais ela irá se desenrolar. “O tempo e o espaço, a trama e o cenário, trabalham juntos para criar qualidade experiencial da narrativa” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 35) Definem como cenário: “o lugar onde a ação ocorre, onde os personagens se formam, onde vivem suas histórias, e onde o contexto social e cultural tem o papel de constranger ou de permitir” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 36). Na escrita do relato, ambiente físico e humano devem estar em harmonia com o contexto, que pode estar composto pelos ambientes físicos e humanos diferentes da sala de aula, por exemplo. “Estabelecer o contexto do cenário pode ser mais problemático para o escritor que desenhar os outros dois componentes porque o contexto está ‘fora da vista’ e requer buscas ativas durante a geração de dados” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 37). Os autores comentam que cenários compostos por personagens, ambientes físicos e contextos são elementos essenciais para a narração. A trama é definida como o tempo no qual a narrativa acontece e tem como estrutura básica: passado, presente e futuro. Os autores explicam que “diferentes tipos de dados tendem a fortalecer estas diferentes localizações temporais” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 38), por exemplo, relatos e biografias tendem a estar situados no passado; fotografias e entrevistas tendem a estar situadas no presente; e cartas, diários e observação participativa tendem a estar situados no futuro. Sugerem, então, que no início da narrativa se apresente um esquema narrativo que ofereça uma ideia da investigação em sua globalidade, permitindo ao leitor fazer uma avaliação descritiva geral. Este esquema deve ser composto por “descrições gerais do cenário e da trama, alguns esboços dos personagens-chave, os espaços principais e os acontecimentos fundamentais que figuram na narrativa.

149

Um esquema narrativo pode ser chamado de um lingote de tempo e espaço” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 46). Uma consideração que os autores fazem em relação à narrativa é seu caráter de inacabamento. Apesar do documento escrito parecer definitivo e permanente, devido à qualidade de “criação contínua de novo significado” de uma narrativa (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 40), os autores comentam que, como a vida, a narrativa é sempre inacabada, é um contínuo desenrolar

no qual “as intuições

narrativas de hoje serão os acontecimentos cronológicos de amanhã”, pois as histórias podem sempre ser recontadas e as vidas sempre revividas, uma ou outra vez sempre de novas formas. Nesse sentido de inacabamento, Morin (2007) também situa a incompletude de qualquer conhecimento produzido e, junto com Ciurana e Motta (2009, p. 40), comentam que “[...] uma obra complexa não deve dissimular seu inacabamento, mas revelá-lo”. O espaço tridimensional da Investigação Narrativa A partir das noções de experiência de John Dewey – situação, continuidade e interação – Clandinin e Connelly (2000) definem um espaço tridimensional de pesquisa onde a investigação narrativa ocorre e que permite ao pesquisador caminhar em quatro direções – para dentro (inward), para fora (outward), para trás (backward) e para frente (forward) – de maneira situada neste espaço. Com este sentido deste espaço fundado por Dewey em nosso pensar sobre investigação narrativa, nossos termos são pessoal e social (interação); passado, presente e futuro (continuidade); combinado com a noção de local (situação). Este conjunto de termos cria um metafórico espaço tridimensional da investigação narrativa na qual a temporalidade é uma direção, o pessoal e o social é a segunda direção e o local é a terceira dimensão. [...] Por para dentro, nós entendemos em direção a condições internas, como os sentimentos, as expectativas, reações estéticas e disposições morais. Por para fora, nós entendemos as condições existenciais, que são o ambiente. Por para frente e para trás, nós nos referimos à temporalidade – que é passado, presente e futuro. [...] nós incluímos a dimensão local, dentro do ambiente. Agora nós acreditamos que é preferível ver o local como o terceiro termo, que tenta especificar de maneira concreta as fronteiras físicas e topológicas do cenário de pesquisa. (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 50-51 – grifos dos autores)

Tendo como referência este espaço tridimensional, os autores compreendem que os estudos têm uma dimensão temporal e estão endereçados a problemas situados e datados e devem focar no equilíbrio entre o pessoal e o social e que ocorrem em locais específicos ou sequências de locais específicos. Por tanto, os

150

investigadores devem situar seus estudos e a si mesmos neste espaço. Percebo aqui proximidade com as compreensões de Moraes e Valente (2008) quando nos dizem que o conhecimento produzido na pesquisa é pessoal, datado e dependente das relações que o sujeito estabelece com o objeto de estudo. Do campo de pesquisa para os textos de campo Clandinin e Connelly (2000) entendem que o termo dados “tende a carregar com ele a ideia de representação objetiva da experiência de pesquisa” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 93). Sendo assim, propõe o termo textos de campo, porque “eles são criados, e não encontrados ou descobertos, pelos participantes e pesquisadores para representar aspectos da experiência de campo” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 92). Por meio destes materiais, contamos as nossas e as histórias dos outros com propósitos de pesquisa. Destacam que os mesmos também podem registrar e dizer muito sobre o que não é dito, sobre aspectos poucos visíveis ou até invisíveis. Os textos de campo podem preencher espaços criados pela memória, então devem ser bem detalhados, trazendo informações temporal, espacial, pessoal e social do(s) momento(s) que representam. Entre alguns exemplos de textos de campo, citam: escritos autobiográficos, escritos de periódicos, notas de campo, cartas, conversas, entrevistas de pesquisa, histórias familiares, histórias de docência, documentos, fotografias, caixas de memórias e experiência de vida. Dos textos de campo para os textos de pesquisa Os textos de pesquisa são os textos finais narrativos da investigação que serão publicados, transformados em dissertações, teses e artigos. A transição de textos de campo para textos de pesquisa é vista como uma atividade complexa, por existirem muitos aspectos e dimensões a serem considerados. Não é considerada uma transição suave, onde uma pessoa simplesmente reúne os textos de campo, classifica-os, analisa-os e pronto. Textos de campo tem um vasto e rico potencial de pesquisa. Nós retornamos a eles várias e várias vezes, trazendo nossas próprias vidas recontadas como investigadores, trazendo novos quebra-cabeças de pesquisa, e re-pesquisamos os textos. (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 132)

151

Para fazer esta transição, os autores Clandinin e Connelly (2000) perguntam pelo significado, significância social e propósito da pesquisa. São questões importantes desde quando a pesquisa começa, mas quando fazem a transição de textos de campo para textos de pesquisa questões como “Quem se importa?” e “E daí?” retornam. Apresentam outras perguntas orientadoras: Como nós sabemos que o nosso interesse de pesquisa é mais do que pessoal e mais do que trivial? Como nós sabemos se alguém irá se interessar? Nossa pesquisa fará diferença? Após ter alertado sobre a necessidade do investigador narrativo explicitar em seu trabalho o significado, a significância e o propósito de seu estudo (Quem? Por quê? O quê? Como? Qual contexto? Para quem?), apresentam algumas considerações práticas sobre a transição dos textos de campo para os textos de pesquisa. Neste momento, destacam que deve haver certo distanciamento entre o pesquisador e os participantes para que o foco do pesquisador seja mais diretamente na leitura e releitura dos textos de campo para começar a compor os textos de pesquisa. Isso não significa que a relação com os participantes tenha terminado, mas muda de intensidade para que as histórias recontadas possam ser transformadas nos textos de pesquisa. Sobre a análise e a interpretação, comentam que é bastante comum que uma investigação narrativa seja composta por muitos textos de campo e que é necessário lê-los e organizá-los, pois para saber o que fazer com todos esses materiais, é importante saber o que há neles. Para tanto, sugerem que se codifiquem entradas dos periódicos, das notas de campo, dos documentos e todo o resto, como datas, contextos, pessoas envolvidas. “Um investigador narrativo gasta muitas e muitas horas lendo e relendo textos de campo com o objetivo de construir uma crônica ou um sumário do que está contido nos diferentes grupos de textos de campo” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 131). Podemos também mapear os nomes das pessoas que aparecem nos textos de campo, lugares onde as ações e eventos ocorreram, linhas de história que interconectam os materiais, tensões que emergem, continuidades e descontinuidades etc. No geral, textos de campo não tendem a ser reflexivos, tendem a ser mais descritivos, pois estão mais próximos da experiência. Esta característica deve ser contemplada nos textos de pesquisa. Comentam que, nesta transição, podem ser escritos vários textos intermediários, situados entre os textos de campo e o texto

152

final. Outro aspecto destacado é a importância do posicionamento do estudo e dos textos de pesquisa em seu contexto social e teórico e no espaço tridimensional da pesquisa, de maneira a compor “um texto que imediatamente olhe para trás e para frente, olhe para dentro e para fora e situe a experiência no local” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 140). A última consideração que os autores fazem é sobre o tipo de texto que se pretende escrever, pois há várias formas de se representar os textos de pesquisa. Para tanto, é importante que os pesquisadores, sem especificar demais ou se limitar, devem imaginar a forma final do texto dissertativo. Recomendam que se imaginem os possíveis capítulos ou partes. Mas, ressaltam que no processo de escrita a forma muda e cresce, em uma visão orgânica deste trabalho de redação. É importante que se tenha em mente um equilíbrio entre “tensões da escrita no espaço tridimensional da investigação narrativa, da escrita de maneira que capture narrativamente as experiências de campo, e de equilibrar isto tudo com a audiência” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 154). Os textos narrativos podem ter partes compostas por ricas descrições de pessoas, lugares e coisas. Podem ter outras partes que apresentam cuidadosamente os argumentos construídos que apresentem certo entendimento das relações entre pessoas, lugares e coisas. Podem também ter outras partes que contenham as narrativas detalhadas das pessoas situadas no local, no tempo, na cena, no contexto. Para definir a forma dos textos de pesquisa, Clandinin e Connelly recomendam a leitura de outras dissertações narrativas e livros, a busca por metáforas, a percepção das suas próprias referências de leitura, a experimentação com as formas e com a escrita e o diálogo com colegas ou grupo de estudo com quem se possam compartilhar inquietações, descobertas e a própria escrita. Compreendo que o próprio processo de escrita é recursivo e se retroalimenta: “um tipo de escrita que vai e volta, recebendo respostas, revisando, colocando de lado, escrevendo outro capítulo ou seção seguindo um processo similar, então colocando os capítulos um contra o outro, até finalmente existir um senso do todo [...]” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 167).

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Os múltiplos “eus” da investigação narrativa Conforme já foi comentado anteriormente, na construção de uma narrativa devemos respeitar e revelar as múltiplas vozes, do investigador e dos praticantes, para que todos sejam escutados. Connelly e Clandinin nos falam que parte da dificuldade da escrita de narrativas é justamente “encontrar formas de entender e de descrever a Complexidade das relações que existem entre as histórias que se contam continuamente, uma e outra vez, na investigação” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 40) e eles a compreendem como um problema dos múltiplos “eus”. Isso ocorre porque o “eu” pode ter as várias vozes, ou seja, pode falar como “investigador, como professor, como homem, como mulher, como comentarista, como participante da investigação, como crítico narrativo, ou como construtor de teorias” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 41). Como uma forma de amenizar este problema, eles recomendam que aquele que escreve a narrativa resolva e explicite qual das vozes é dominante quando escreve “eu”. Mas destacam que “uma de nossas tarefas ao escrever relatos consiste em transmitir uma ideia da Complexidade de todos nossos ‘eus’” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 42), pois em uma investigação narrativa estamos construindo relatos a vários níveis. Um nível importante que os autores ressaltam é o relato da investigação que consiste em fazer um relato da própria investigação, na qual a “nossa posição e a nossa voz como investigadores se convertem em centrais” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 43). Para tanto, requer que o investigador construa outra voz, um outro “eu”, onde possa escrever a história da investigação, fazer um exame da investigação. Compreendem que, em uma investigação narrativa, “é impossível (ou se não for impossível, é deliberadamente auto-enganoso) como investigador ficar em silêncio ou apresentar um tipo perfeito, idealizado, investigante, moralizante de si” (CONNELLY; CLANDININ, 2000, p. 62). Como forma de reconhecer um dos perigos da narrativa que é desenvolver uma trama onde tudo acaba bem no final, os autores recomendam que narrativista empírico, inclua, neste momento de exame da investigação, “uma discussão autoconsciente das seleções que se fez, das possibilidades de histórias alternativas, e das outras possíveis limitações, vistas todas elas da vantajosa posição do ‘eu crítico’” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 45).

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Percebo, nesta figura do “eu crítico”, uma forma de considerar, na narrativa, um alerta que Morin (2010b) nos faz, em seu livro “Ciência com Consciência”, enfatizando a importância de o pesquisador refletir sobre sua prática, seus porquês, sobre os limites e consequências do conhecimento que produz e explicitar isto em seus escritos e estudos. Para se falar dos múltiplos “eus” e dar espaço para as múltiplas vozes presentes na investigação narrativa, me pergunto: qual língua? qual linguagem? qual pessoa da língua portuguesa utilizo nesses textos narrativos de pesquisa? Jorge Larrosa (2006), em seu texto “Uma língua para a conversação”33, me aponta algumas pistas no sentido de estabelecer horizontalidade, oralidade e experiência para que eu possa falar contigo, te dizer algo, que eu e você possamos nos sentir do mesmo tamanho, da mesma altura. Em suas reflexões sobre os textos e materiais que circulam nas redes de comunicação e nos encontros de especialistas, dos científicos, ele expressa que a sua impressão é que “aí funciona uma espécie de língua de ninguém, uma língua neutra e neutralizada, da qual se apagou qualquer marca subjetiva”. É construído um leitor ou um ouvinte abstrato, impessoal, então sua impressão é de que “é uma língua que ninguém fala e que ninguém escuta, uma língua sem ninguém dentro. Compreende a língua como um dispositivo de acolhida e de pertencimento, mas também pode ser de rejeição e exclusão, caso a pessoa não domine ou não a use. (LARROSA, 2006, p. 47) Para tanto, sugere que eu utilize uma língua que me permita “viver no mundo, fazer a experiência do mundo e elaborar com os outros o sentido (e o sem sentido) do que nos passa” (LARROSA, 2006, p. 51), que me permita compartilhar minhas perplexidades, dúvidas, cautelas. Comenta que falar, escrever, escutar e ler somente são possíveis por cada um, feitas com os outros, mas cada um é que realiza a ação, em sua singularidade. Propõe que utilize a primeira pessoa, “em nome próprio, que sempre é alguém o que fala, o que escuta, o que lê e escreve, o que pensa” (LARROSA, 2006, p. 52). Reforça que “necessitamos de uma linguagem para a experiência, para podermos elaborar o sentido e o sem sentido de nossa própria experiência, a tua e a 33

Título original em espanhol: Una lengua para la conversación

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minha, a de cada um, a de qualquer pessoa” (LARROSA, 2006, p. 52), que atravessada de paixão seja capaz de “enunciar singularmente o singular, de incorporar a incerteza” (LARROSA, 2006, p. 54). Em sua compreensão, a experiência é “o que nos passa” e é sempre no singular, do singular. Para ele, a linguagem da experiência “elabora a reflexão de cada um sobre si mesmo desde o ponto de vista da paixão [...]. A paixão é sempre do singular, porque ela mesma não é outra coisa do que a afeição pelo singular. Na experiência, então, o real se apresenta para nós em sua singularidade”. Comenta que, sendo assim, a experiência nos singulariza, pois nela também somos singulares e únicos. Por fim, me convida a conversar, a desenvolver essa língua em que “falar e escutar, ler e escrever, seja uma experiência. Singular e singularizadora, plural e pluralizadora, ativa, mas também passional, na qual algo nos passe, incerta [...]”. (LARROSA, 2006, p. 53) 3.3 PESQUISA-FORMAÇÃO Por ser um processo de pesquisa e de formação ao mesmo tempo, orientado “por um projeto de conhecimento coletivo e individual, associado a um projeto de formação existencialmente individualizado (JOSSO, 2004, p. 85 – grifos da autora), é uma metodologia aberta à experiência que oferece um procedimento adequado a um processo de conhecimento que envolve os colaboradores na objetivação de seu projeto e de seus pressupostos. Compreende que “processo de conhecimento como um prolongamento e uma volta ao processo de formação” (JOSSO, 2010, p. 143). É também um “apoio a uma pedagogia de autoformação e do projeto que se baseia na experiência de vida dos aprendentes” (JOSSO, 2010, p. 133). Além disso, a autora a concebe como: uma espécie de interação centrada na gestão da intersubjetividade entre os pesquisadores e os atores-participantes, interações que permitem criar as condições necessárias à compreensão da formação dos aprendentes pela mediação de uma experiência formadora, isto é, reunindo as dimensões existencial (implicação direta) e intelectual (reflexão sobre essa implicação), sua realização implica o encaminhamento de um processo de aprendizagem nessa metodologia. (JOSSO, 2010, p. 145)

E destaca ainda um aspecto essencial desta proposta metodológica: Nosso processo utiliza a construção da narrativa de vida como uma mediação para uma reflexão formativa sobre os processos de formação, de conhecimento e de aprendizagem. Assim, a construção da narrativa e a sua

156 escrita, tendo a narrativa como produto, não é o que está em jogo na nossa metodologia, ainda que seja indissociável de um processo contínuo de produção de uma narrativa (JOSSO, 2004, p. 85).

Cabe ressaltar que a autora (2010), baseada em Freire e Rogers, entende a formação como uma pesquisa existencial e intelectual que propicia tomadas de consciência de si e de seu ambiente natural e humano, se tornando, assim, uma atividade transformadora do pesquisador e do sujeito que aprende. Ao falar sobre o que ela entende por consciência e tomada de consciência, Josso discorda de Morin, pois ela não compreende a consciência como um produto do cérebro, como produto e produtor de reflexividade, mas sim como “um atributo do meu ser no mundo e, talvez, um atributo especificamente humano” (JOSSO, 2010, p. 124). Sendo assim, ela considera a tomada de consciência (conscientização) das objetivações do pensar (os saberes) como algo que nem é transmissível e nem ensinável, mas que pode ser realizado por todo o ser humano que “se põe em contato com o que faz consigo mesmo, entre os outros, numa atividade mental, ou seja, ser consciente do lugar da consciência em toda atividade” (JOSSO, 2010, p. 124). A tomada de consciência também pode ser entendida como “a atenção voltada para qualquer coisa, como a entrada de um elemento até então não percepcionado no campo da consciência” (JOSSO, 2010, p. 132). Sob essa perspectiva da consciência, a autora compreende a Pesquisaformação como uma “metodologia de abordagem do sujeito consciencial, de suas dinâmicas de ser no mundo, de suas aprendizagens, das objetivações e valorizações que ele elaborou em diferentes contextos que são/foram os seus” (JOSSO, 2010, p. 125), com os quais cada um esculpe sua existência. A proposta da Pesquisa-formação é fruto das oficinas realizadas sobre História de Vida, ao longo da sua trajetória formativa, na qual ela desenvolveu suas próprias narrativas de formação, e também de experiências profissionais em que ela e sua equipe de pesquisadores-formadores trabalharam com histórias de vida em formação em seminários universitários ou em sessões de formação contínua de profissionais da Educação, do campo social e da saúde, fora do contexto universitário. (JOSSO, 2004) Então a metodologia proposta, que será detalhada a seguir, reflete os caminhos construídos e os momentos de trabalho individual e em grupo que as

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atividades formativas com turmas propiciavam. Cada turma contava com um grupo de pessoas que estavam todos ali, em um mesmo período de tempo, desenvolvendo a pesquisa, a formação e os diálogos sobre suas narrativas de formação. Metodologia da Pesquisa-formação: a espiral formativa do caminhar para si Três níveis de profundidade permitem caracterizar as grandes etapas do trabalho biográfico, da construção da narrativa da história de formação (JOSSO, 2004, p. 61-86): 

Nível 1 – evidência do processo de formação



Nível 2 – evidência do processo de conhecimento



Nível 3 – evidência do processo de aprendizagem

Esses níveis podem ser trabalhados como etapas sucessivas, uma depois da outra, ou podem ser, ao mesmo tempo, trabalhadas em “circuitos abertos e retroativos, permitindo o aprofundamento progressivo no momento de uma nova apropriação do questionamento” (JOSSO, 2004, p. 61). A construção da narrativa biográfica requer a capacidade de análise das próprias práticas e experiências, tanto profissionais quanto pessoais, pois exige que se ponha em evidência, simultaneamente “as componentes de suas experiências ou práticas e as ‘lições’ que foram tiradas na própria ocasião ou que surgem no momento do trabalho biográfico” (JOSSO, 2004, p. 62). Essa espiral evolutiva da construção da narrativa, associada ao próprio processo de construção, explicita o caráter transformador potencial do trabalho intersubjetivo sobre as narrativas, tanto nos trabalhos em grupo realizados, quanto nos momentos individuais, pois as pessoas em formação “são progressivamente levadas a uma peregrinação que gera vários efeitos de sentido e tomadas de consciência” (JOSSO, 2004, p. 62). Para que seja uma Pesquisa-formação propriamente dita, a construção do objeto de reflexão, a narrativa da história de formação, que representa a formação do ponto de vista do aprendente, não deve ser um simples relato de fatos e eventos formativos da vida da pessoa. Ela deve “passar pelo desenvolvimento de uma capacidade de apropriação deste objeto” (JOSSO, 2004, p. 63). Para que isso aconteça e a pesquisa progrida, é necessário que os sujeitos discutam suas opiniões momentâneas e também classifiquem “as experiências que subentendem

158

os seus pontos de vista e que sejam capazes de dar conta do seu processo reflexivo, aqui e agora, sobre estas experiências” (JOSSO, 2004, p. 63). Em seguida, detalharemos cada um dos níveis dessa espiral retroativa de construção da narrativa (JOSSO, 2004, p. 63-86): Nível 1 – evidência do processo de formação Objetivo: explicitar a formação pela construção da narrativa da história de vida do sujeito, da organização do sentido para si e o trabalho de intercompreensão do processo de formação. Caracterização: atividade de (re)construção das experiências de vida que parecem significativas para compreender como e porque o “eu” se tornou no que ele pensa caracterizá-lo no momento da abordagem. É a primeira etapa do trabalho biográfico, pode ser considerada “uma nova forma de apropriação da narração, tendo em vista a construção e a compreensão da narrativa, associada ao percurso da formação e [...] ao processo de formação atualizado pelo autor” (JOSSO, 2004, p. 64). Propicia ao sujeito a situar-se em sua história e na sua continuidade temporal e também a “questionar-se sobre sua visão de mundo em sua dimensão terrestre [...] e em sua dimensão cósmica [...]. [...] tem o efeito de clarear a atitude do sujeito a respeito da aprendizagem e das atividades educativas” (JOSSO, 2010, p. 189). Fases/circuitos: São ao todo quatro fases ou circuitos. As duas primeiras fases são dedicadas à narrativa oral e, nas duas fases seguintes, os sujeitos desenvolvem a narrativa escrita. 

Fase 1: preparação individual, onde cada um desbrava e seleciona os períodos significativos do seu percurso de vida e da listagem das experiências significativas de cada período.



Fase 2: socialização oral, ao longo da qual emerge uma primeira narrativa, embora inspirada na seleção inicial, “toma liberdades, suscita novas recordações, tenta oferecer uma primeira interpretação do que foi formador” (JOSSO, 2004, p. 64). Pode-se perceber um primeiro levantamento dos fios condutores que atravessaram os diferentes períodos. Evidencia práticas formativas do percurso escolar profissional e outras aprendizagens organizadas, como oficinas de formação, além de “experiências de vida que o autor considera terem deixado uma marca

159

formadora” (JOSSO, 2004, p. 64). Começa a aparecer um autorretrato com “fragmentos de uma busca de si e da sua projeção, colocando em cena um sujeito que, ainda não se reconheça sempre como tal, age sobre situações, reage a outras, ou ainda, deixa-se levar pelas circunstâncias” (JOSSO, 2004, p. 64). A elaboração desse relato impõe algumas fases “de triagem,

de

estruturação,

de

balizamento

das

continuidades

e

descontinuidades que constitui, apesar de seu caráter não sistemático, uma primeira abordagem da narrativa” (JOSSO, 2010, p. 190). Para estimular uma reflexão do que está em jogo nestas duas primeiras fases a autora destaca algumas perguntas (JOSSO, 2004, p. 65): Terei mesmo uma história? Vale a pena contá-la? O que é que os outros vão pensar de mim a partir do que vou contar? O que foi significativo na minha vida? O que contar de mim entre tudo o que é possível contar? O que desejo partilhar ou guardar para mim? O que vou fazer com as questões e com o olhar dos outros? Como vou dar conta do caminho interior que acompanha os “fatos” da minha vida? Como podemos falar de nós de forma que isso possa ser interessante para todo o grupo? A minha vida é como a de todos os outros?, O que há de especial para ser contado? 

Fase 3: escrita da narrativa a ser realizada individualmente por cada participante. Com a posse da gravação da socialização oral realizada, cada um colocará a sua narrativa no papel e, para isso, pode realizar um amplo diálogo com as narrativas ouvidas e com as partilhas feitas nas duas primeiras fases. O tempo para esta parte varia de um a dois meses.



Fase 4: leitura interpretativa de cada narrativa escrita visando o delicado trabalho de compreensão e de evidenciação do processo do parceiro. O que está em jogo nesta fase é “precisamente o jogo das subjetividades em presença para, por um lado, mostrar o potencial da polissemia das experiências e, por outro, começar a por em evidência o que caracteriza uma subjetividade” (JOSSO, 2004, p. 67).

Nas fases 3 e 4 temos um conjunto de atividades reflexivas, ora individuais, ora coletivas que alimenta a tomada de consciência daquilo que foi formador e em que nível foi, mas também “das dinâmicas as quais o sujeito se entregou ou se deixou levar” (JOSSO, 2010, p. 189), das significações que ele cria, das continuidades e descontinuidades. A autora chama a atenção sobre “o que é

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projetado a partir da situação aqui e agora” (JOSSO, 2010, p. 189). Este também pode ser considerado um processo de conhecimento que busca a compreensão da formação do sujeito e do seu lugar neste percurso. Neste nível 1, o processo de conhecimento do sujeito que está em jogo diz respeito aos seguintes aspectos (JOSSO, 2004, p. 68-69): 

Apresentar o conhecimento da formação de si por meio de recordações relativas a atividades, contextos e situações, encontros, pessoas significativas, acontecimentos pessoais, sociais, culturais ou políticos; recordar-se de si para si mesmo, numa partilha com os outros, bem como na diferenciação e na identificação com as recordações dos outros.



Revisitar o conhecimento de “si” por meio do que diz dele a narrativa considerada no seu movimento geral e nas suas dinâmicas, nas suas 34 periodizações, nos seus momentos-charneira (processo de formação), a fim de extrair, a partir daí, as características identitárias e as projeções de si, as valorizações que orientam as opções, os elementos de autoretrato, que dão os contornos da personalidade.



Reinterrogar o conhecimento de si no jogo das semelhanças/ diferenças provocada pela comparação com as outras narrativas.

Nível 2 – evidência do processo de conhecimento Objetivo: levantar, por meio dos confrontos intersubjetivos, os argumentos, as palavras-chave, as expressões estandardizadas que evidenciam os registros das ciências do humano nos quais se exprime a tomada de consciência sobre si e sobre o seu meio humano e natural, as auto-interpretações e as intercompreensões do seu processo de formação. Levantar um itinerário de conhecimentos e dos referenciais que o acompanharam em relação à formação em curso, interrogando-se sobre a evolução do conhecimento de si e de seu ambiente humano “por meio das ideias, dos sistemas de pensamento das representações que a narrativa põe em ação” (JOSSO, 2010, p. 189). Buscar compreender o “lugar das significações atribuídas às experiências relatadas na narrativa” (JOSSO, 2010, p. 189), que faz parte da dimensão consciencial. Observação 1: os conceitos de processo de formação, de conhecimento e de aprendizagem são usados em dois níveis lógicos: o das histórias de vida e o do trabalho sobre essas histórias. “[...] os três processos observáveis [...] encaixam-se e articulam-se nos três processos referenciáveis à escala de uma vida; e isto porque

34

“Momentos ou acontecimentos charneira são aqueles que representam uma passagem entre duas etapas da vida, um “divisor de águas” [...] (N.R).” (JOSSO, 2004, p. 64)

161

se trata da mesma pessoa” (JOSSO, 2004, p. 69). A autora destaca o efeito de retroação que a vivência de um seminário ou sessão tem na vida da pessoa em seu movimento existencial e vice-versa. Observação 2: é importante que cada participante mostre seu ponto de vista, explicite seus fundamentos, que “podem ser livrescos ou experienciais” (JOSSO, 2004, p. 71). Isto permite “uma leitura mais sistemática dos horizontes teóricos de que cada um se serve para se pensar, pensar o outro e as suas relações com o meio humano (em que está inserido este próprio processo) e natural” (JOSSO, 2004, p. 71). Caracterização: é neste movimento reflexivo que a espiral se torna mais aparente. O questionamento sobre os referenciais que surgiu das trocas entre os participantes e nas narrativas escritas “permite considerar as experiências relatadas e reintroduzir dimensões, por vezes esquecidas, no itinerário de vida associado ao itinerário de conhecimento” (JOSSO, 2004, p. 71). Este movimento retrospectivo pode provocar tomadas de consciência, tanto pela pluralidade de leituras de uma experiência, quanto pela evolução da visão de mundo. É neste segundo nível que o conceito de experiência pode ser retrabalhado no sentido de reforçar aquilo que forma uma experiência e aquilo que faz dela significativa do ponto de vista do itinerário de formação. O conceito será detalhado em seguida. Observação 3: a natureza dos conhecimentos que estão em análise, neste nível, são de três gêneros: psicossomáticos (relativo ao organismo, ao corpo aos movimentos, às sensibilidades estéticas, à vida emocional e pulsional, à dimensão existencial etc), instrumentais/pragmáticos (relativo ao uso e manutenção dos objetos de qualquer complexidade e aos processos e procedimentos técnicos) e reflexivos/explicativos/compreensivos (relativos à reflexão pragmática ou crítica, ao campo da solução de problemas criados pela adaptação do saber-fazer e de saberes de condições concretas). Observação 4: a autora estabelece uma diferenciação entre o termo ‘conhecimento’, vinculando-o à fonte experiencial, e o termo ‘saber’, vinculando-o à fonte teórica ou à experiência de outros. Ou seja, “o conhecimento implica a presença de um sujeito individual que experimenta um saber já constituído ou tira reflexões de uma vivência, ou ainda que alimenta uma reflexão sistemática por uma experiência” (JOSSO, 2010, p. 270).

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Sobre a relação entre o conhecimento para si e o conhecimento científico produzido, a autora comenta que por meio da Pesquisa-formação “a produção de conhecimentos pelos participantes para si mesmo prevalece sobre a produção de um saber científico” e que “as condições de produção desses conhecimentos e desse saber enfatizam o trabalho individual articulado a um trabalho em grupo” (JOSSO, 2010, p. 133). Neste nível 2, o processo de conhecimento do sujeito que está em jogo diz respeito aos seguintes aspectos (JOSSO, 2004, p. 76-77): 

Tomada de consciência dos referenciais (saberes, ideologias, crenças) aos quais aderimos.



Tomada de consciência da cosmogonia na qual nos inscrevemos, do seu caráter cultural, e das concepções da causalidade que caracterizam a nossa relação com a mudança.



Tomada de consciência da nossa maior ou menor disponibilidade para com os referenciais novos que se ajustam mais ou menos bem aos nossos antigos referenciais, e/ou põem em questão a coerência da nossa hierarquia conceptual.



Tomada de consciência das situações, dos acontecimentos, dos encontros que se colocaram em questão ou fizeram evoluir nossos referenciais, da crise epistemológica que eles provocaram, assim como os reajustamentos que tiveram que ser feitos.

35

Para transformar uma vivência em experiência Josso comenta que os termos vivência e experiência são utilizados como sinônimos

na

linguagem

corrente

para

“designar

atividades,

situações,

acontecimento nos quais a pessoa foi implementada em um nível ou outro” (JOSSO, 2010, p. 266). Mas ela as compreende como termos diferentes. A vivência é “o conjunto dessas implicações ou interações semeadas diariamente ao longo de nossas vidas” (JOSSO, 2010, p. 266). Já o termo experiência, ela o compreende como “a atividade específica que consiste em analisar um ou várias vivências para delas extrair conhecimentos e/ou informações” (JOSSO, 2010, p. 266). Ela concebe este movimento de análise como uma “elaboração de significações que permite nomear um interesse ou uma utilidade que uma vivência nos ofereceu” (JOSSO, 2010, p. 266). 35

Significado de cosmogonia: Criação ou origem do universo, especialmente como objeto de estudo ou de especulação; cosmogênese, cosmogenia. (Dicionário Michaelis, 2009, disponível em: . Acesso em: 3 jan.2014). Para a autora, a introdução desse conceito, sugerida aqui e ali, evoca a dimensão espiritual que pode também fazer parte desse processo formativo (JOSSO, 2004, p. 86).

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Na perspectiva de transformação de uma vivência em uma experiência, a autora comenta: O primeiro momento de transformação de uma vivência em experiência iniciase quando prestamos atenção no que se passa em nós e/ou na situação na qual estamos implicados, pela nossa simples presença. A nossa atenção consciente é de algum modo solicitada, quer por nos apercebermos de uma diferença que julgávamos já ser do domínio do conhecido [...], quer porque uma emoção emerge com suficiente intensidade para que sejamos afetados por ela. Este primeiro momento de tomada de consciência encaixa-se quase imediatamente, salvo nos estados de choque, numa atividade mental de tipo intelectual que tenta rotular e percepção e que, ao fazê-lo, procura também dar sentido ao que se passou. (JOSSO, 2004, p. 73)

É justamente nesse momento de conceituação e de atribuição de sentido que a experiência se constitui. As vivências “atingem o status de experiências a partir do momento que fazemos um certo trabalho reflexivo sobre o que se passou e sobre o que foi observado, percebido e sentido” (JOSSO, 2004, p. 48). De acordo com Pillar e Pontes (2014, p. 417), o contar histórias é uma das formas de atribuir sentido a uma experiência vivida e de “construir explicações ou previsões que projetem novas experiências”. Abrahão (2011, p. 166) também comenta que a elaboração de memoriais de formação – uma maneira de contar histórias sobre a formação – propicia a “rememoração com reflexão sobre fatos relatados”, sejam eles orais ou escritos, mediante uma narrativa de vida. Compreendo que a atribuição de sentido ao vivido seja possível a partir do momento que se faz esse relato com uma trama (enredo) que faça sentido ao sujeito que narra, com intenção, com ressignificação de aspectos, dimensões e momentos da formação, propiciando a compreensão da própria formação. A autora descreve este processo da seguinte forma: Este é, para nós, o processo e a resultante da rememoração com reflexão sobre fatos relatados, oralmente e/ou por escrito, mediante uma narrativa de vida, cuja trama (enredo) faça sentido para o sujeito da narração, com a intenção, desde que haja sempre uma intencionalidade, de clarificar e ressignificar aspectos, dimensões e momentos da própria formação. No que respeita ao processo, trata-se de experienciar o momento da narrativa reflexionada também como um componente formativo essencial. Trata-se de o narrador, elaborador do próprio memorial, ser realmente o sujeito da narração (embora dela também seja objeto), consciente de que a reflexão empreendida é elemento sine qua non para a compreensão da própria formação e, ainda, de que o momento da narração, nos moldes aqui entendidos, é, também ele, momento formativo. (ABRAHÃO, 2011, p. 166)

A experiência, como “associação da componente factual e circunstancial à componente compreensiva” (JOSSO, 2004, p. 73), pode ser utilizada no trabalho biográfico para articular “o processo de formação e de conhecimento em um retroativo”

164

(JOSSO, 2004, p. 74). Cada um deles pode se tornar referencial do outro e “trazer complementos e precisões à narrativa, favorecendo, assim, uma compreensão mais aprofundada da dinâmica da existencialidade” (JOSSO, 2004, p. 74). Mas para que uma experiência seja considerada formadora é necessário falarmos sob o ângulo da aprendizagem, que define experiência formadora como: uma aprendizagem que articula hierarquicamente: saber-fazer e conhecimentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade de registros. (JOSSO, 2004, p. 39)

Justamente o estudo sobre os processos de formação, de conhecimento e de aprendizagem, ou seja, realizar uma Pesquisa-formação “permite-nos estabelecer marcos importantes sobre o que são as experiências formadoras” (JOSSO, 2004, p. 49). Nas narrativas de vida, as vivências são relatadas e, nesse processo de contar sobre, desenvolvemos uma significação, implicando a pessoa em sua globalidade,

pois

“comporta

sempre

as

dimensões

sensíveis,

afetivas

e

conscienciais” (JOSSO, 2004, p. 49). As narrativas, sejam orais ou escritas, são inscritas em um contexto de interpretação dessas vivências, salientando as experiências

que

consideramos

significativas.

Estas

experiências



são

significativas “em relação ao questionamento que orienta a construção da narrativa” (JOSSO, 2004, p. 47). Por meio da Pesquisa-formação, no movimento que a autora denomina de Caminhar para si, ela o descreve poeticamente como: [...] atividade de um sujeito que empreende uma viagem ao longo da vida da qual ela vai explorar o viajante, começando por reconstituir o itinerário e os diferentes cruzamentos com os caminhos de outrem, as paragens mais ou menos longas no decurso do caminho, os encontros, os acontecimentos, as explorações, as atividades que permitem ao viajante não apenas localizarse no espaço tempo do aqui e agora, mas, ainda, compreender o que o orientou, fazer o inventário da sua bagagem, recordar os seus sonhos, contar as cicatrizes dos incidentes de percurso, descrever as suas atitudes interiores e os seus comportamentos. Em outras palavras, ir ao encontro de si visa a descoberta e a compreensão de que a viagem e viajante são apenas um. (JOSSO, 2004, p. 58)

Em relação ao movimento de prestar atenção ao que se passa, o autor Jorge Larrosa compreende experiência por aquilo que nos passa, que nos acontece, que nos toca, e que, “ao nos passar, nos forma e nos transforma” (LARROSA, 2002, p. 26).

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Ela é “a passagem da existência, a passagem de um ser [...] que ‘ex-iste’ de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente” (LARROSA, 2002, p. 25 – grifos do autor). Então, ele concebe esse ser, como o sujeito da experiência que é “algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos” (LARROSA, 2002, p. 24). Além disso, o sujeito da experiência se define por sua receptividade, disponibilidade e abertura à sua própria transformação. Para Josso, essa transformação é um processo que ocorre “em razão de um caminhar interior mais ou menos consciente antes de se tornar visível para o outro” (JOSSO, 2004, p. 145). A autora Josso também nos chama a atenção para a necessidade de responsabilização do sujeito e põe em evidência a “autonomização potencial como escolha existencial” (JOSSO, 2004, p. 60), pois o sujeito se torna autor ao pensar na sua vida, na sua existencialidade, compreendendo suas linhas de força, seus saberes adquiridos ou suas marcas do passado, um processo auto-reflexivo, que “obriga um olhar introspectivo e prospectivo” (JOSSO, 2004, p. 60), uma atividade de auto-interpretação crítica e de tomada de consciência dos referenciais interiorizados pelo sujeito. Neste processo de conhecimento de si mesmo (JOSSO, 2004), que se inicia pelas nossas pré-concepções (das quais fazem parte as matrizes pedagógicas de cada participante), é que, de etapa em etapa, de elaboração em elaboração, vamos atualizando as nossas pré-concepções e, no meu caso, buscarei atualizar minha matriz pedagógica-pesquisadora, concebendo, assim, uma matriz emergente. Nível 3 – evidência do processo de aprendizagem Objetivo: levantar os processos de aprendizagem segundo seus gêneros. Evidenciar a questão do tempo, dos níveis de mestria, das competências genéricas transversais e identificar as posturas de aprendente. Caracterização: trata-se de “reconstituir os traços relativos ao ‘como é que nos arranjamos’ para integrar os saber-fazer, conhecimentos e tomadas de consciência” (JOSSO, 2004, p. 77). Exige capacidade de auto-observação apoiadas nas experiências da narrativa para explicitar “os gêneros e as modalidades de

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aprendizagens experimentados em cada percurso de vida, de evidenciar o caráter processual e identificar suas etapas” (JOSSO, 2004, p. 77). Observação 1: o desenvolvimento do nível 3 varia de acordo com a natureza das aprendizagens que influenciam diretamente nas modalidades, “por meio das mediações que são específicas a cada gênero. [...] A especificidade dos processos de aprendizagem incide pois na ponderação das três grandes componentes de toda e qualquer aprendizagem: afetivo-emocional, psicossomática e cognitiva” (JOSSO, 2004, p. 77). É possível “descrever etapas transversais, quaisquer que sejam os gêneros de aprendizagem que caracterizam o processo de integração de uma aprendizagem nova na dinâmica do processo de formação e do processo de conhecimento” (JOSSO, 2004, p. 78). As 4 etapas que caracterizam o processo de integração são: iniciação, exercícios regulares para atingir a competência desejada, manutenção e capacidade de transferência. “Este movimento geral permite descrever os níveis de maestria atingidos nas aprendizagens apresentadas por meio das experiências de vida, da capacidade de transferência que indica o nível mais elevado de integração e da maestria” (JOSSO, 2004, p. 78). Os gêneros de aprendizagem identificados correspondem aos três gêneros de conhecimento: “o saber-fazer consigo mesmo (psicossomático), saber-fazer com outrem ou com objetos mais ou menos complexos (pragmático) e o saber pensar (explicativo e/ou compreensivo)” (JOSSO, 2004, p. 78). O tempo necessário para realizar este nível 3 varia muito a depender “das condições psicossomáticas requeridas, dos recursos que estão em jogo e, finalmente, dos tipos de resistências ou problemas encontrados” (JOSSO, 2004, p. 78). Tem uma relação direta com o tamanho dos reajustes necessários à “integração de um novo saber-fazer ou saber pensar. Quanto mais a aprendizagem desarrumar uma coerência interior e comportamental, mais tempo levará para que a integração aconteça” (JOSSO, 2004, p. 81). No trabalho sobre os processos de aprendizagem, há o momento decisivo da tomada de consciência no qual compreendemos que “em toda a experiência, englobando as experiências educativas formais, só é formativa quando o ‘eu’ se

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empenha conscientemente com suas qualidades de ser psicossomático, em geral, e com as qualidades de aprendente em particular” (JOSSO, 2004, p. 82). Neste nível 3, o processo de conhecimento de si que está em jogo diz respeito aos seguintes aspectos (JOSSO, 2004, p. 82): 

Tomada de consciência de suas estratégias nos três gêneros de aprendizagem.



Tomada de consciência de suas posturas de ‘aprendente’.



Tomada de consciência dos recursos afetivos, motivacionais e cognitivos que devemos mobilizar para efetuar uma aprendizagem, e das competências genéricas transversais a mobilizar.



Tomada de consciência das escolhas dos níveis de maestria visados e das etapas do processo de aprendizagem que lhes correspondem.

Sabemos que a finalidade formativa do processo foi alcançada quando há a consciência de que esse detalhamento e aprofundamento a respeito do processo de formação “pode levar a modificar a direção tanto de um itinerário de vida como do olhar que incide sobre ele, assim como das orientações determinadas pelo seu autor” (JOSSO, 2004, p. 83). Esta modificação pode ser considerada como “um ato deliberado de auto-formação e, por isso, de auto-orientação refletida” (JOSSO, 2004, p. 83). Para que as dimensões de pesquisa e de formação se concretizem, é importante que haja a intencionalidade e a tomada de responsabilidades das pessoas em formação, pois o investimento afetivo e intelectual nesse projeto de conhecimento é uma condição indispensável para a sua viabilidade. (JOSSO, 2004) Em relação ao conhecimento produzido, há duas formas de apresentação: “cada pessoa em formação elabora um conhecimento de si nas diferentes componentes do seu saber-viver, do seu saber pensar-se e do seu saber aprender consigo [...]” (JOSSO, 2004, p. 83-84); e elaboram também “conhecimentos sobre os processos de aprendizagem, de conhecimento e formação induzidos pelas atividades propostas [...], pelas modalidades de trabalho e pelos papéis desempenhados ao longo do processo” (JOSSO, 2004, p. 84). Além de todas as aprendizagens comentadas e dos conhecimentos produzidos, Josso destaca que o trabalho com histórias de vida convoca o sujeito a “colocar-se numa relação renovada consigo, com os outros, com o meio humano e

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com o universo, na sua vida em geral e no nosso grupo em particular” (JOSSO, 2004, p. 84). Um aspecto que eu gostaria de destacar, constantemente presente nas orientações e cuidados nos textos de Marie-Christine Josso, é a necessidade de distanciamento para que se possa realizar a reflexão crítica sobre seu objeto de estudo e seu método. Esse distanciamento não significa uma separação do observador do seu objeto de estudo, mas se realiza no próprio seio da prática de pesquisa do processo de conhecimento. (JOSSO, 2010). Ela tem como referência o princípio da não-separação que significa o “cuidado em não reduzir o desafio de pesquisa e de ação a uma ou algumas dimensões e de não isolá-lo de seu contexto sociocultural” (JOSSO, 2010, p. 122). Destaca ainda que: Para ser produtor desse distanciamento, esse trabalho introspectivo não pode desenvolver-se senão no confronto com o olhar de outrem, jogando com os efeitos de contraste que essa confrontação gera. Foi assim que introduzi o conceito do processo de objetivação. (JOSSO, 2004, p. 61)

Sobre a objetivação, ela a percebe como produtora de um saber desenvolvido por meio de uma prática teórica como prática da intersubjetividade e da interexperiência, ou seja, é fruto de: um saber de múltiplas dimensões, cujo valor ‘generalizável’ está em correlação com as tomadas de consciência que os outros terão ou poderão fazer num contexto semelhante. Saber teórico é elaborado relativamente a uma prática local e a práticas específicas, mas principalmente este saber, porque elabora tomadas de consciência sobre si, sobre os outros, sobre os ‘nós’, sobre a situação, sobre o conjunto das interações constitutivas do contexto experiencial, torna-se conhecimento experiencial. (JOSSO, 2010, p. 122-123)

Lugar da Pesquisa-formação na universidade De acordo com Josso (2010), esta metodologia incentiva a explicitação dos referenciais de ação dos participantes e a explicitação de um projeto de formação e parece “oferecer uma das aprendizagens de base para uma formação supostamente completa, ampla e profunda em um curso de formação continuada” (JOSSO, 2010, p. 317). Sendo assim, a autora arrisca indicar um lugar para essa experiência da Pesquisa-formação

nos

processos

de

formação,

de

conhecimento

e

de

aprendizagem dos cursos de uma universidade: seja como uma atividade ao lado das demais disciplinas, ou como uma forma de acompanhamento do processo de

169

formação e de conhecimento dos estudantes das áreas da Educação, ou mesmo como uma atividade formativa em tantos “outros contextos e modalidades de integração social desse tipo de experiência formadora” (JOSSO, 2010, p. 317). Dentro do contexto universitário ou fora dele, a autora ressalta que o importante é que, a partir do reconhecimento do interesse formador desse acompanhamento, seria oferecida aos estudantes uma “possibilidade de uma formação fundada, ao mesmo tempo, em uma experiência intelectual e uma experiência existencial” (JOSSO, 2010, p. 317). Sendo a primeira referente ao campo mais cognitivo, ao teórico, à compreensão. Já a segunda diz respeito “ao todo da pessoa, diz respeito à identidade profunda, à maneira como ela (pessoa) vive como ser” (JOSSO, 2004, p. 317).

170

4 NARRATIVA AUTOFORMADORA: METODOLOGIA DE FORMAÇÃO E PESQUISA Neste capítulo, trago a síntese da metodologia de formação e pesquisa desenvolvida nesta tese: narrativa autoformadora. O detalhamento completo de sua construção está disponível no relato 3 da narrativa. Aqui abordarei a sua definição, os procedimentos metodológicos utilizados para a geração de dados,

a

apresentação de suas partes (relatos), que propiciaram a análise, discussão e síntese dos resultados construídos, e a descrição resumidas de suas dimensões. A metodologia de formação e de pesquisa desta tese foi constituída como uma narrativa autoformadora. É narrativa, pois possui dupla função: é uma investigação narrativa, ou seja, é um caminho de pesquisa, de tomada de consciência, de estudo sobre as experiências vividas e de apropriação do meu percurso de formação e de pesquisa, das minhas próprias aprendizagens, do que levo comigo a partir de todo esse estudo. É também a forma de escrita e de apresentação das análises de dados, teorizações, discussões e sínteses dos resultados, frutos da formação e da pesquisa. Essa metodologia se constituiu como o meio de pesquisa, mas também como o resultado da própria pesquisa, sendo a resposta ao problema de pesquisa. Para tanto, foram construídos os seguintes relatos: 

Relato 1: História de vida de formação e identificação da matriz vigente.



Relato 2: Sistematização da experiência de docência e pesquisa.



Relato 3: Construção da metodologia de formação e pesquisa.



Relato 4: Síntese da matriz emergente e contribuições para outros processos formativos.

A escolha desta metodologia e deste formato se deve ao fato de a narrativa ser a “qualidade que estrutura a experiência que será estudada” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 12), e assim compreendo a docência e a pesquisa, como experiências vividas a serem estudadas e compreendidas, como parte da própria (trans)formação. Caracterizei essa narrativa como autoformadora, porque ela materializou o caminho construído para me autoformar, para (trans)formar minha matriz pedagógica-pesquisadora. Respeitou e permitiu que eu me apropriasse de minhas próprias formas de aprender, de conhecer, de compreender o mundo ao meu redor e a mim mesma. Abriu tempos e espaços para a tomada de consciência sobre as

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minhas aprendizagens prévias construídas ao longo da vida e as aprendizagens realizadas ao longo do percurso na Formação de Educadores para a Cidadania. Também me permitiu aprender a partir do diálogo entre externo – teorias, ambientes, pessoas, meios, relações, vínculos com os outros e com a totalidade – e o interno – pensamentos, emoções, vivências, aprendizagens, história de vida, sentimentos, reflexões, dimensões pessoais e profissionais. Tendo em vista o movimento tripolar de formação (GALVANI; PINEAU, 2012; GALVANI, 2002; PINEAU, 2003), compreendo que o caminho autoformador desta tese também está intimamente vinculado aos demais polos do movimento de (trans)formação, como a heteroformação e a ecoformação. Isso significa dizer que para que a autoformação (ação do eu) possa ocorrer, as pessoas (hetero) e os ambientes (eco) envolvidos na formação e na pesquisa devem apresentar condições de abertura, tempos e espaços para a realização deste tipo de estudo, além de disponibilizarem energia, matéria e informações (MORAES, 2008) que sustentem a própria autoformação. A abordagem dessa metodologia foi de natureza qualitativa, ou seja, “evita números, lida com interpretações das realidades sociais” (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2012, p. 23). Isso significa que abarco elementos subjetivos, quais sejam: aprendizagens, reflexões, argumentação, memórias, histórias, textos, falas, imagens, sentidos e significados, motivações, inquietações, relações – que são objetivados por meio da palavra escrita e da elaboração de imagens, esquemas, figuras e traduzidos em forma de relatos. Para compor a tese e a metodologia de formação e pesquisa, utilizei os procedimentos metodológicos apresentados, resumidamente, na figura 13.

172 Figura 13 - Resumo dos procedimentos metodológicos da metodologia de formação e de pesquisa

Estudos teóricos • Visão de mundo e de Educação • Pressupostos metodológicos Geração de dados a partir da vivência de docência e de pesquisa • Diário de campo • Registros em vídeos e fotos dos encontros presenciais da Formação de Educadores para a Cidadania • Análise documental (projeto de curso, planos dos encontros presenciais, materiais orientadores de atividades no ambiente virtual Moodle). • História de vida de formação • Meditações reflexivas intensivas Análises, discussões, teorizações e sínteses • • • •

Relato 1: História de vida de formação e identificação da matriz vigente Relato 2: Sistematização da experiência de docência e pesquisa Relato 3: Construção da metodologia de formação e pesquisa Relato 4: Síntese da matriz emergente e contribuições para outros processos formativos

Por meio dos estudos teóricos, pude compor a visão de mundo e de Educação e os pressupostos metodológicos, que correspondem a dois capítulos desta tese, mais focados na palavra dos outros. Isso significa dizer que neles trago os dizeres dos autores e autoras que deram sustentação à tese e propiciaram as aberturas epistemológicas e metodológicas da formação e da pesquisa realizadas. São capítulos mais expositivos, escritos em terceira pessoa, com muitas citações diretas e indiretas. Representam uma parte do meu processo de estudo e de aprendizagem, relacionada ao estudo teórico, que passa pelas sínteses dos textos e livros lidos. Os referenciais teóricos se encontram em dois capítulos da tese, como maneira de poder apresentar as palavras dos(as) autores(as) com mais detalhes, sem interferir com minhas reflexões, e também de preservar, ao máximo, suas ideias e conceitos originais e facilitar a referência e o diálogo das minhas palavras com as palavras deles ao longo da escrita dos relatos.

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Para a geração de dados a partir da vivência de docência e de pesquisa, utilizei os seguintes instrumentos: 

Diário de campo.



Registros em vídeos e fotos dos encontros presenciais da Formação de Educadores para a Cidadania.



Análise documental (projeto de curso, planos dos encontros presenciais, materiais orientadores de atividades no ambiente virtual Moodle).



História de vida de formação.



Meditações reflexivas intensivas.

O diário de campo foi um instrumento que me acompanhou durante toda a tese. Nele, eu fiz sistematização dos encontros presenciais, anotações a respeito de leituras, da relação com as formadoras-pesquisadoras, inquietações sobre a formação e a pesquisa, sobre o seu próprio papel, entre outras (ver Notas sobre o diário de campo, no relato 3). Dos encontros presenciais da Formação de Educadores para a Cidadania, foram feitos registros em vídeo e em fotos. Esses registros foram importantes na construção do relato 2, no detalhamento de cada aprendizagem construída relacionada à docência. As informações oriundas da análise de documentos referenciais da Formação de Educadores para a Cidadania (análise documental) foram relevantes para compor o contexto de estudo e pesquisa desta tese e também para integrar e enriquecer o detalhamento das aprendizagens no relato 2. A história de vida de formação foi outro instrumento de geração de dados que integrou várias partes da tese. Entrelaçou-se com o contexto da formação e pesquisa, com a origem do problema de pesquisa e, principalmente, foi a base para fazer emergir a matriz pedagógica-pesquisadora vigente, no relato 1. Isto permitiu o reconhecimento de suas bases paradigmáticas tradicionais e a abertura para as propostas teóricas e paradigmáticas a partir da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Conforme detalhado no relato 3, as meditações reflexivas intensivas foram instrumentos metodológicos fundamentais para a escuta sensível e atenta das aprendizagens construídas a partir dos estudos teóricos e das experiências vividas. Foram o meio que me permitiu objetivar o subjetivo, o caos interno, no qual teorias,

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práticas, vivências, histórias e emoções coexistem, estão impregnados e incorporados em mim. Tanto as meditações, quanto o diário de campo, me propiciaram a expressão e transformação das “minhas escutas” em “minhas palavras” em formato de texto e imagens. Os relatos, que compõem a narrativa autoformadora, foram os meios para realizar as análises interpretativo-compreensivas, as discussões e teorizações e a síntese dos resultados obtidos nesta formação e pesquisa, visando promover a reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora. Cada relato possui características muito particulares que dependem do objetivo de cada um. No relato 1 – que perpassou pela história de vida de formação e pela matriz pedagógica-pesquisadora vigente – o foco foi na identificação, interpretação e compreensão da matriz vigente, analisando a perspectiva paradigmática tradicional subjacente e abrindo para as outras possibilidades paradigmáticas de reconstrução à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade. No relato 2 – que abarcou as aprendizagens ao longo da Formação de Educadores para a Cidadania – o foco foi na identificação, interpretação e compreensão do que foi marcante e significativo no percurso formativo e investigativo para a reconstrução da matriz emergente. No relato 3 – onde trabalhei a metodologia de formação e de pesquisa – o foco foi na interpretação e compreensão do caminho de formação e de pesquisa empreendido na tese, buscando identificar suas dimensões, compreender suas idas e vindas, as inquietações, explicações e aprendizagens em relação à pesquisa. O relato 4 – composto pela síntese da matriz pedagógica-pesquisadora emergente – teve como foco a interpretação e a compreensão da matriz que se constituiu a partir do percurso de formação e pesquisa, agregando o que levo das aprendizagens construídas e a síntese poética das minhas expressões poéticas inseridas nos relatos e nas palavras dos outros. Vejo nestas expressões poéticas um momento de síntese, de organizar e mostrar a essência de cada uma dessas partes. No início de cada relato, há a apresentação de um esquema narrativo, que oferece uma ideia do relato em sua globalidade, permitindo ao leitor fazer uma avaliação descritiva geral. Este esquema é composto por “descrições gerais do cenário, e da trama, alguns esboços dos personagens-chave, os espaços principais e os acontecimentos fundamentais que figuram na narrativa. Um esquema narrativo

175

pode ser chamado de um lingote de tempo e espaço” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 46). A narrativa autoformadora proposta foi nutrida por várias dimensões. Cada uma dessas dimensões é apresentada em separado, de forma didática, mas elas interagem, se retroalimentam e fazem parte de um único todo que é a metodologia de formação e de pesquisa, detalhada no relato 3. Apresento-as resumidamente: Ser vivencial-experiencial compreende uma atividade consciente e presente de transformar o vivido no cotidiano (experiências vividas/vivências) em experiências formadoras. Ser dialógica compreende o fazer dialogar antagônicos complementares, como o interno e o externo, a subjetivação e a objetivação, o sujeito e o objeto e integrar saberes, experiências, disciplinas, formação e pesquisa. Abarcar a escuta sensível e atenta é estar atento, presente, comprometido, consciente e aberto, sem pré-julgamentos, à escuta do que é interno e externo. A maneira que como isso foi por meio de meditações reflexivas intensivas, como estratégia para transformar, em palavras escritas, as aprendizagens, ideias e argumentos mais internos, mais profundos. Ser (auto)reflexiva e (auto)crítica significa explicitar o cuidado e rigor conceitual e paradigmático nas escritas, além de expressar reflexões, motivações, questionamentos, limitações e inacabamento do estudo e da obra e também expressar a coerência existencial da formação e da pesquisa. Abarcar as aprendizagens significa tomar consciência e compreender os elementos que integram, em nós, o algo “novo” que levamos conosco, que acoplamos a nossos conhecimentos e aprendizagens prévios, depois de realizar atividades conscientes e deliberadas de reflexões a partir de leituras, experiências, pensamentos, encontros etc. Ter envolvimento emocional significa dizer da necessidade de nos darmos conta de que os atos de conhecer, de pesquisar e de aprender são intimamente relacionados com as emoções, que se elas forem positivas e motivadoras podem criar um ambiente propício para o desenvolvimento deste tipo de metodologia. É também dizer que ao estar emocionalmente envolvida, o querer, o estar encantado reforça o compromisso, o engajamento, a implicação e responsabilidade com o

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trabalho autoformativo. Para tentar evitar as cegueiras do conhecimento que as emoções podem trazer, é necessário que desenvolvamos uma atitude (auto)reflexiva e (auto)crítica de abertura dialógica. Estar entrelaçada com passado-presente-futuro significa dizer que nos relatos, as dimensões temporais passado, presente e futuro se encontram e dialogam e permitem que a pessoa em formação se mova dentro deste espaço tridimensional. O tempo presente propicia uma reaproximação com o passado rumo a um projeto de vida, de futuro. Desenvolver uma escrita narrativa significa contar histórias, entrelaçar saberes teóricos com saberes experienciais, onde as partes (relatos) se retroalimentam e são recursivas, dando coesão e coerência para formarem um todo harmônico. É uma escrita onde pesquisador e pesquisado aparecem, têm voz e espaços de expressão. A escrita narrativa aqui proposta também dá espaço e tem pausas (tempos de reflexão, leitura, escuta e meditação) e escritas em fluxo, para integração dos múltiplos “eus”, além da linguagem poética e da linguagem científica. Abarcar os múltiplos “eus” significa dar tempo e espaço para que todos possam se manifestar e se expressar, independente se esses “eus” representam pessoas diferentes ou diferentes dimensões da mesma pessoa. Como nesta proposta metodológica, pesquisador e pesquisado são a mesma pessoa, então na escrita narrativa há espaço de expressão para os vários “eus”, por exemplo, eu em formação, pesquisador, docente, crítico, imaginário, poético etc. Até mesmo o eu transcendente, que integra todos os demais, e não conseguimos mais dizer exatamente qual o “eu” está falando/escrevendo. Realizar estudos teóricos nos remete ao aprofundamento nos escritos e obras de outros autores. Isto nos permite conhecer por onde as pesquisas científicas andam e podem nos inspirar a construir outras maneiras de sermos e estarmos no mundo. É a abertura a entrelaçarmos nossos conhecimentos (nossas próprias palavras) com saberes construídos por outras pessoas (palavras dos outros). Os estudos teóricos foram encontros com as palavras dos outros que deram sustentação à escuta, à escrita, à análise, às reflexões, à formação e à pesquisa. Desenvolver uma análise interpretativo-compreensiva significa estar atento ao que cada relato requer que seja interpretado e compreendido.

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5 MINHAS PALAVRAS: RECONSTRUÇÃO DA MATRIZ PEDAGÓGICAPESQUISADORA Esse entrelaçado da minha história de vida de formação e dos relatos de experiência é composto por quatro partes: ´ 

Relato 1: História de vida de formação e identificação da matriz vigente



Relato 2: Sistematização da experiência de docência e pesquisa



Relato 3: Construção da metodologia de formação e pesquisa



Relato 4: Síntese da matriz emergente e contribuições para outros processos formativos

Cada um tem sua estrutura, seu propósito dentro da formação e pesquisa, mas todos se complementam. Representam a organização linear dada à construção da tese. 5.1 RELATO 1: HISTÓRIA DE VIDA DE FORMAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DA MATRIZ VIGENTE Quem sou? Qual é minha história? O que aprendo com ela? Recordo meu passado, (re)integrando ao meu presente. (Re)conheço minha matriz. Revelo seus paradigmas e suas bases. Início meu caminho de (trans)formação.

Assim, inicio este primeiro relato da narrativa autoformadora. Olhando, investigando, esmiuçando a minha história de vida de formação com o objetivo de compreender meu percurso formativo e de identificar a matriz vigente. […] uma evolução tão importante como ir de uma lógica disciplinar a uma transdisciplinar na universidade não pode se desenvolver brusca e totalmente sem a participação dos atores e com base em um esquema de somente transmissão e não de ação-investigação, pois querer compreender as novas perspectivas sem experimentá-las, desde a visão transdisciplinar, é uma contradição epistemológica. (ESPINOZA MARTÍNEZ, 2011, p. 41)

As palavras de Espinoza Martínez ressoam em minha trajetória acadêmica, profissional e pessoal na qual, hoje, busco fazer essa transição de uma lógica disciplinar para uma lógica transdisciplinar, ao religar teoria e prática de maneira a estabelecer coerência epistemológica (maneira como se busca, constrói e organiza o conhecimento), ontológica (maneira como se compreende o ser humano e a

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realidade na qual vive) e metodológica (maneira como se age e desenvolve as atividades em geral e, neste caso em específico, as atividades de docência e de pesquisa). Esquema narrativo: a busca pela transição para uma lógica transdisciplinar foi se construindo e se constituindo junto com os caminhos percorridos em minha história de vida de formação, da qual, nesta parte, farei um resgate abarcando um pouco da infância no Rio de Janeiro e da adolescência e fase adulta, em Brasília, onde cursei parte do ensino fundamental, o ensino médio, a graduação, o mestrado, a especialização em Educação a Distância, e doutorado. O “eu” que está em mais evidência aqui é o “eu em formação” que está escrevendo e refletindo sobre o percurso formativo. Claro que ele não está sozinho, vem acompanhado, dialogando e embricado com meus outros “eus”, como nos lembra Morin (2000), o sapiens (racionalidade), é também afetividade, mito e delírio (demens); é empírico e imaginário (imaginarius); é do trabalho e do jogo (ludens); é da economia e também do consumo (comsumans); é ao mesmo tempo prosaico e o poético, fervor, participação, amor e êxtase. Pois “(...) no ser humano o desenvolvimento do conhecimento racionalempírico-técnico jamais anulou o conhecimento simbólico, mítico, mágico ou poético” (MORIN, 2000, p. 58). Junto com todos esses “eus”, ao longo deste relato, busco refletir sobre minhas motivações, os conhecimentos e aprendizagens realizados nesses caminhos formativos e sobre as minhas percepções a respeito da minha matriz vigente, em suas dimensões profissionais, pedagógicas e pesquisadora. Ao final do relato, também teço reflexões do “eu pesquisadora” a respeito do relato e da matriz em suas dimensões pedagógica e pesquisadora. Na tabela 6, apresento uma visão geral dos períodos e dos eventos formativos que compõem a minha história de vida da formação, de 1980 a 2015. Uma primeira versão desse quadro foi desenvolvida como primeira etapa da escrita da breve história de vida de formação, presente no projeto de qualificação e que tinha a função de explicitar a justificativa pessoal do problema de pesquisa. Para esta versão final apresentada na tese, houve ampliações, como a inserção dos eventos anteriores à graduação e às aulas particulares de dança e música. Esta tabela 6 foi a base para a elaboração do relato da história de vida de formação.

179 Tabela 6 - Principais períodos e eventos formativos da história de vida de formação de 1980 a 2015

Período 1980-1991

Eventos formativos  Nascimento em 1980.  Educação infantil e ensino fundamental (até 4ª série) no Rio de Janeiro na escola EDEM (Escola Dinâmica do Ensino Moderno).  Aulas particulares de dança e música.

1992

 Em fevereiro de 1992, mudança para Brasília com a família.

1992-1998

 Ensino fundamental (5ª a 8ª série) e ensino médio no INEI (Instituto de Educação Integral).  Aulas particulares da dança e música.  Vestibular para Fisioterapia, na Universidade Católica de Brasília (UCB/DF), e para Desenho Industrial na Universidade de Brasília (UnB).

1999-2004

 Graduação em Desenho Industrial, habilitação em programação visual na UnB. Diplomação: Projeto gráfico de um “kit” para campanha de conscientização sobre saúde.  Realização da disciplina Ergonomia 1.  Apresentação de artigo no evento P&D Design, em 2002, na UnB.  Participação como ouvinte no evento Congresso sobre Ergodesign na PUC-RIO.  Encontro com o amigo Tiago Barros.  2º semestre/2004: início da participação no Grupo de Estudos em Ergonomia Cognitiva Aplicada a Ambientes e Interfaces (EAI).

2005-2007

 Mestrado em Psicologia Social e do Trabalho, com ênfase em Ergonomia voltada ao desenvolvimento e avaliação de interfaces. gráficas, na Universidade de Brasília. Dissertação: Avaliação ergonômica da navegação dos usuários em um livro-texto digital.  Em 2º semestre/2006, realização da disciplina obrigatória do mestrado: Estágio Supervisionado em Prática Docente.

2007-2009 2009-2010

 Trabalho como designer gráfico editorial e coordenação de equipe na Editora da Câmara dos Deputados.  Curso de Especialização Lato Sensu em Educação a Distância, na UCB/DF. Trabalho final: Docentes e discentes: percepções e atribuições sobre o processo de mediação pedagógica em curso de graduação virtual.  Encontro e conversas com Profª Patrícia Limaverde.  Docência na UCB/DF, lecionando as disciplinas “Introdução aos Estudos a Distância” e “Tópicos Especiais em Matemática” (Introdução à Educação a Distância).  Participação como facilitadora de uma turma de Laboratório de relações humanas (psicodrama pedagógico).  Entrada no grupo de pesquisa Ecotransd – Ecologia dos saberes, Transdisciplinaridade e Educação.

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Período 2010-2011

Eventos formativos  Decisão por me aprofundar nos estudos sobre Complexidade, Transdisciplinaridade e Educação e realização de disciplinas como aluna especial na UCB/DF com a professora Maria Cândida Moraes.  2º semestre/2011: decisão por fazer a seleção do Doutorado em Educação na UCB/DF, sob a orientação de Maria Cândida Moraes.  Reunião anual do grupo de pesquisa Ecotransd e convite de Rosamaria Arnt para participar de cursos de docência transdisciplinar ministrados por ela no ano de 2012.

2012

 Entrada no doutorado na UCB/DF, sob a orientação de Maria Cândida Moraes e coorientação de Rosamaria Arnt.

2012-2013

 Participação do curso de Docência Transdisciplinar, na Escola Vila, em Fortaleza, em março de 2012, com Rosamaria Arnt.  Participação como docente e pesquisadora no Curso de Formação de Educadores para a Cidadania, vinculado à Pró-reitoria de Extensão da Universidade Estadual do Ceará (UECE), com o Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania, desenvolvido no município de Horizonte. Coordenação Rosamaria Arnt.  Artigos publicados em parceria com Cibele Galvão Santos.  Artigo publicado no congresso Educere.  Participação como aluna do curso Introdução à Educação Biocêntrica, no Ceará.  Mudanças de problema de pesquisa, redirecionamentos da pesquisa de doutorado, entre 2012 e 2014.

2014-2015

 Em março de 2014, qualificação do projeto de doutorado.  De março de 2014 a abril de 2015, realização do doutorado-sanduiche na Universidade de Barcelona (UB), sob a orientação da Profa. Núria Lorenzo.  Publicação de artigo e capítulo de livro com Rosamaria Arnt.  Atividades na UB: Membro da comissão organizadora e apresentação de artigo no evento internacional VI Fórum INCREA; participação no evento “XX Setmana de Cinema Formatiu: La Música i el Cinema Formatiu”.  Atividades fora da UB: grupo regular de Biodanza e início da formação para facilitador de Biodanza, na Escola de Biodanza de Barcelona.  Atividade junto ao grupo de pesquisa Ecotransd, elaboração de artigo para publicação coletiva na Revista Terceiro Incluído, da Universidade Federal de Goiás (UFG).  A partir de abril de 2015, retorno ao Brasil, finalização da tese e inserção em um grupo regular de Biodanza, em Brasília.

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O relato No Rio de Janeiro, nasci (setembro de 1980) e vivi até os 11 anos de idade. Lá estudei na Escola Dinâmica do Ensino Moderno (EDEM 36), onde na Educação Infantil cursei até a quarta série do ensino fundamental. Pouco me lembro, mas guardo com muito carinho os tempos que lá estive. Lembro das aulas de redação na qual gostava de escolher um cartão, elaborado pela professora, com uma figura, na frente, e com perguntas, no verso, para escrever folhas e folhas de histórias inventadas no formato de narrativa. Elas instigavam minha imaginação, a minha forma de ver o mundo. As perguntas geravam, em mim, várias outras perguntas, várias histórias que movimentavam minha criatividade e minha criação. Lembro das aulas de artes, que eu gostava de manusear argila e tinta, pois me permitiam trabalhar com as mãos, me expressar, colorir e criar usando outros materiais. Lembro das olimpíadas de esportes que envolviam famílias e turmas e a escola ficava cheia, era uma grande festa. Recordo das aulas de música na qual eu me divertia muito aprendendo músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso e construindo os próprios instrumentos. As aulas de música preenchiam nossos dias de poesia, de ritmos, de sons, de percepção do mundo usando os outros sentidos e de criação também. Lembro que as turmas eram pequenas, no máximo 20 alunos, e que não tínhamos provas, até a quarta série. Os professores nos avaliavam durante as atividades realizadas em sala e trazidas de casa. As sensações que trago são de harmonia, de cuidado, de progressividade, de alegria, de respeito e de atenção. No Rio de Janeiro, também estive envolvida com aulas de dança (jazz, ballet) e, aos 10 anos, iniciei aulas particulares de piano, ao me inspirar em uma amiga, Valéria, que eu achava que tocava piano lindamente. Sempre fui eu que solicitei a participação nestas atividades artísticas, pois eram coisas que eu gostava de fazer e me divertiam, me encantavam, me faziam bem, me traziam tranquilidade e possibilidade de me expressar e de aprender com outros sentidos. Ao mudar para Brasília, em 1992, junto com minha família (mãe, pai e irmão), cursei da quinta série do ensino fundamental até o terceiro ano do segundo grau no 36

Mais informações sobre a escola EDEM disponíveis em: . Acesso em 10.set.2014.

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colégio Instituto de Educação Integral (INEI), que hoje não existe mais. Lembro que assim que chegamos, eu e meu irmão fizemos provas de português e matemática para entrar no colégio. Passamos as férias todas estudando para fazer essa avaliação. No dia marcado, cheguei completamente resfriada e tensa, então eu nem conseguia pensar direito, não entendia o formato dos enunciados, não consegui fazer todas os exames. De acordo com o que minha mãe contava, eu não passei nessas provas, mas em diálogo com a diretora do colégio e com a apresentação do meu histórico escolar do Rio de Janeiro, foi feito meu ingresso nessa instituição educacional. Das poucas lembranças que tenho, eu sei que gostava de participar das feiras de ciências, eram criativas, estávamos em contato com alunos de outras séries, desenvolvíamos projetos; das aulas de Educação Física, pois eram momentos que trabalhavam com o corpo, com movimento, com esporte; dos momentos de recreio, era nosso espaço de comer, de brincar, de correr, de conversar com os colegas sobre qualquer assunto; e das aulas de teatro, único momento no qual podíamos sair andando descalços na escola. Era uma sensação de liberdade sem igual. Em sala de aula, tínhamos que manter a ordem, tentar não fazer bagunça demais. Eu não gostava de sentar enfileirada, olhando para a cabeça do colega da frente. Também não via sentido naquela infinidade de provas das semanas de prova. E quando chegavam as provas de física e química? Era uma quantidade enorme de fórmulas sem sentido, que tínhamos que decorar. Já que não podíamos “colar” (e eu não conseguia colar, dava pânico), eu decorava as fórmulas, repetia-as como mantras na minha cabeça. Assim que recebia a prova, eu anotava todas elas no verso da última folha, para esvaziar a cabeça, e começar a pensar nas questões e ir consultando as fórmulas sempre que precisasse. Dessa maneira, ninguém podia dizer que eu estava colando. Hoje em dia, pouco me lembro daquele tanto de matérias que estudamos para fazer as provas e o vestibular. Nesse colégio, a maior parte das aulas também eram expositivas, onde professor falava e aluno escutava e anotava, com exercícios de fixação feitos em sala ou em casa, e fazíamos provas sobre os conteúdos de cada uma das disciplinas. As aulas que tínhamos em laboratório eram de ciências, no ensino fundamental, e de biologia e química, no ensino médio. No ensino fundamental,

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também tive aulas de linguagem de programação Logo37 no laboratório de informática. Mesmo com a existência de computadores neste laboratório, este recurso pouco foi utilizado para estudo e realização de atividades das disciplinas. Principalmente no ensino médio, como eu fiz parte do primeiro grupo de alunos que fez o PAS (Programa de Avaliação Seriada)38, da Universidade de Brasília, desde o primeiro ano todo o esforço de estudo era focado nas provas desta avaliação e para o vestibular. Às vezes, um ou outro(a) professor(a) utilizava vídeos, músicas, cartazes, imagens para compor sua aula, como um recurso didático para trabalhar algum conceito. Em Brasília, eu sempre fiz aula particular de dança, dos mais variados tipos: jazz, dança de salão, frevo, sapateado, maracatu, forró. Antes de entrar na graduação, eu também fazia aula particular de piano e de flauta doce. Sempre tive essas atividades como momentos de lazer e de prazer. Apesar da insistência da minha professora de piano e flauta doce, na época, para que eu fizesse vestibular para a graduação em música, sabia que não queria seguir a carreira de musicista, pois não enxergava a música como sendo a minha profissão para toda a vida e também não queria ser professora. Considero que a dança e a música tiveram um papel importante em minha formação, mesmo que, em sua maioria, tenham sido realizadas em aulas particulares, fora das disciplinas comuns da escola e das formações superiores. Considero a dança, o ritmo, o movimento do corpo e a música como formas de expressão do ser humano em que trabalhamos outros sentidos e outras formas de nos relacionar conosco mesmos, com as outras pessoas pela audição, tato, olhar, espaço, movimento, sentimento, energia. Sei que tanto a música quanto a dança têm sua dimensão teórica e de estudo formal de passos, notas, partituras, coreografias, estruturas formais e rítmicas. Vivenciei esse tipo de estudo em várias aulas que fiz ao longo da vida. Mas o que sempre essas experiências com a música e com a dança me trouxeram foi a alegria,

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Para saber mais sobre a linguagem de programação Logo, consulte o artigo “Logo – linguagem de programação e implicações pedagógicas”, disponível em: < http://www.nied.unicamp.br/oea/mat/ LOGO_IMPLICACOES_bette_nied.pdf>. Acesso em: 14.dez.2015. 38

Informações sobre o PAS (Programação de Avaliação Seriada) disponível em: < http://www.cespe. unb.br/pas/PAS_oque.aspx.>. Acesso em: 27.set.2014.

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o bem-estar, a possibilidade de expressão que não fosse pela fala, o lazer, a diversão, o espaço para não pensar (muito) e de ser eu mesma. Antes de fazer o vestibular, já que eu não queria estudar nenhuma área específica, então escolhi o curso de Desenho Industrial (DI) por perceber, em sua descrição no Guia do Estudante consultado, sua interdisciplinaridade, pois abarcava várias disciplinas com as quais eu tinha afinidade: artes, geografia, matemática, história, português, física. Cursei esta graduação, com habilitação em Programação Visual, na Universidade de Brasília (UnB), entre os anos 1999 e 2004. De acordo com o site da Universidade de Brasília, a definição de Desenho Industrial39 apresentada era: O termo Design significa, em inglês, projetar. No entanto, o trabalho dos designers vai muito além disso. O profissional da área tem a habilidade de aliar a criatividade à funcionalidade de produtos e programas visuais. Nesse sentido, o curso de Desenho Industrial aproxima-se do curso de Artes, mas também como arquitetura, publicidade e engenharia. Perfil: Apesar do nome, ninguém precisa ser desenhista para ingressar no curso. Mas é fundamental que o interessado tenha gosto estético apurado e facilidade para lidar com ferramentas gráficas. Mercado de Trabalho: O estudante pode optar por duas vertentes que a UnB oferece. A habilitação em Projeto de Produtos prepara o aluno para criar objetos do cotidiano, como móveis, joias, roupas, carros e até instrumentos musicais. Quem escolher se aprofundar em Programação Visual, estará apto a trabalhar a imagem impressa por meio de elaboração de logotipos e projetos gráficos para publicações. Outro ramo em expansão dentro da Programação Visual é o webdesign – que constrói páginas na internet. O curso na UnB: O ensino de Desenho Industrial é dividido em três fases. No início da graduação, os alunos aprendem conceitos teóricos de Design e metodologia. Os semestres seguintes são dedicados à pratica do desenho gráfico e ao conhecimento de softwares que permitem a realização das criações. A partir da metade do curso, os estudantes passam por cinco disciplinas que incentivam a elaboração de projetos. Além disso, todos devem fazer, no mínimo, um semestre de estágio para cada uma das habilitações.

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Informações sobre o curso de graduação de Desenho Industrial disponíveis em: . Acesso em: 25.ago.2014.

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No próprio site do curso de Desenho Industrial40, era apresentada a seguinte definição: Onde arte e mercado se encontram Desde 1989, quando foi criado, o curso de Desenho Industrial da UnB esteve subordinado ao Departamento de Artes Visuais, no Instituto de Artes. Em abril de 2004, no entanto, desvinculou-se e ganhou o status de departamento. “Ainda somos filhos das Artes, mas não podíamos continuar na barra da saia da mãe para sempre”, afirma Nayara Moreno, coordenadora de graduação do curso entre 2002 e 2004. Ela explica que natureza da profissão, de fato, aproxima-a da subjetividade artística pela importância essencial da criatividade, da estética e da originalidade nos projetos. Mas outros aspectos como a necessidade de se realizar estudos detalhados de custos de execução das ideias, do mercado, dos materiais envolvidos, inclinam a carreira em direção a áreas como a engenharia, a arquitetura e a publicidade. “No fim das contas, somos um funil para todas essas atividades”, resume Nayara. Há dois caminhos básicos para o estudante de Desenho Industrial na UnB. O mais antigo e historicamente mais popular é o da Programação Visual. Nela, o designer trabalha a imagem impressa por meio de elaboração de logotipos e projetos gráficos para publicações até o desenho de fontes a serem utilizadas em computadores. Outra área compreendida pelo curso é o Projeto de Produto. Com essa formação, o estudante se habilita a projetar móveis, joias, roupas e todo o tipo de objetos utilizados no cotidiano, como computadores, luminárias e até instrumentos musicais. Esse foi o caso de Rafael Lobo, graduado em 2004, cujo projeto final foi construir uma guitarra. O estudante pesquisou madeiras brasileiras ideais para a confecção do instrumento, o formato próprio para extrair o tipo de som que procurava, investigou as instalações elétricas necessárias e, claro, caprichou na pintura de acabamento. Lobo é exemplo de uma terceira possibilidade oferecida aos alunos na UnB: fez dupla habilitação. Concluiu programação visual e, depois, projeto de produto. Depois da graduação, o profissional poderá também seguir a carreira acadêmica. A pós-graduação em Desenho Industrial é rara em todo o país. As carreiras acadêmicas são geralmente direcionadas para suas especificidades relacionadas às áreas próximas. Em geral, procura-se mestrado e doutorado em Artes, Arquitetura ou Engenharia. No entanto, a graduação na UnB busca atuar de forma cada vez mais abrangente na formação do estudante.

Recordo-me que neste momento de escolha e de decisão de um curso para iniciar minha formação profissional, desde início já descartei os cursos de Medicina, de Direito, Engenharias, Pedagogia e Licenciaturas. Medicina, eu sabia que eu não tinha “estômago” para cirurgias, feridos, sangue. Direito, eu achava uma área muito burocrática, não me agradava estudar leis e não queria trabalhar em tribunais e nem com defesa de pessoas que você não sabia se estavam falando a verdade. Engenharias, eu sabia que se estudava muito cálculo e física e não era algo que o 40

Informações sobre o curso de graduação de Desenho Industrial do site do curso estão disponíveis em: . Acesso em: 22.mai.2015.

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estudo em profundidade me chamava a atenção. Pedagogia, eu sabia que não queria ser professora, não achava que tinha jeito para trabalhar com crianças, não gostava de falar em público e também pensava ser uma área monótona, na qual se criava pouco, que não tinha muita novidade, que somente se seguia um planejamento já feito, que se repetia o que os livros diziam e pronto! O pensamento era válido também para as demais licenciaturas, além disso, eu não tinha interesse em nenhuma das áreas específicas de licenciatura, como História, Física, Matemática, Inglês, Português, Geografia etc. Em relação a esse processo de escolha profissional, meus pais sempre nos deixaram, a mim e ao meu irmão, totalmente livres para essa decisão. Sei que eles tinham vontade que um de nós tivesse feito agronomia ou veterinária para poder cuidar do sítio que temos em Minas Gerais. Mas, isso não aconteceu. Eu escolhi fazer graduação em Desenho industrial e meu irmão, em Economia. Eles sempre nos incentivaram, incondicionalmente, a estudar, a fazermos o que gostávamos. Isso também é válido para todas as nossas escolhas formativas e profissionais ao longo da vida. O gosto e o hábito pelo estudo sempre esteve presente em casa, principalmente porque minha mãe, como professora e pesquisadora universitária, sempre realizou parte de suas atividades de escrita e de pesquisa em casa. Para mim, ela sempre foi exemplo de compromisso com o que faz, de muito estudo, leitura, escrita e dedicação. Meu pai também, como economista que trabalhou muitos anos em um banco, sempre foi exemplo de cuidado, de atenção, de companheirismo, de dedicação e de gosto pelo que faz. Tenho os dois como importantes referências para a minha formação também. Ao mesmo tempo que prestei o vestibular para a UnB, também fiz vestibular para a Universidade Católica de Brasília (UCB/DF), para o curso de Fisioterapia. Mesmo sendo um curso da área de saúde, eu fui motivada pela experiência que vivi com meu avô paterno, que morou em minha casa durante 1 ano. Pude acompanhar o seu processo de recuperação a partir do tratamento com uma fisioterapeuta, após ter os seus movimentos limitados e a coordenação motora afetada por causa de um derrame. Eu passei nos dois vestibulares, mas optei por cursar a graduação na UnB, que era o que eu mais queria, além de ser em uma universidade pública. Na graduação em DI, tive oportunidade de fazer disciplinas, entre obrigatórias, optativas e módulos livres, em vários outros cursos, como psicologia,

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música, engenharia mecânica, administração, artes visuais. Grande parte dos meus módulos livres, eu realizei na graduação em música: canto coral, introdução a música 1, música popular brasileira, introdução a flauta doce 1, apreciação musical. Foram dois semestres bem intensos. Apesar de eu não ter feito oficialmente o curso de música e de não fazer mais aulas particulares, foi uma forma de eu continuar ligada com o estudo da música. Especificamente, dentro da psicologia, fiz a disciplina de Ergonomia 1, voltada para adaptação do trabalho ao homem, adaptação dos postos de trabalho ao homem. Era mais relacionada com a Ergonomia Física. Neste momento, ela me introduziu a perspectiva de considerar o ser humano como parte integrante e importante dos projetos de design. De acordo com o site da Associação Brasileira de Ergonomia (Abergo) 41: Em agosto de 2000, a IEA – Associação Internacional de Ergonomia adotou a definição oficial apresentada a seguir. A Ergonomia (ou Fatores Humanos) é uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas, e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos a projetos a fim de otimizar o bem estar humano e o desempenho global do sistema. Os ergonomistas contribuem para o planejamento, projeto e a avaliação de tarefas, postos de trabalho, produtos, ambientes e sistemas de modo a torná-los compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas.

Indica que os domínios de especialização da Ergonomia são: Ergonomia física: está relacionada com as características da anatomia humana, antropometria, fisiologia e biomecânica em sua relação a atividade física. Os tópicos relevantes incluem o estudo da postura no trabalho, manuseio de materiais, movimentos repetitivos, distúrbios músculoesqueletais relacionados ao trabalho, projeto de posto de trabalho, segurança e saúde. Ergonomia cognitiva: refere-se aos processos mentais, tais como percepção, memória, raciocínio e resposta motora conforme afetem as interações entre seres humanos e outros elementos de um sistema. Os tópicos relevantes incluem o estudo da carga mental de trabalho, tomada de decisão, desempenho especializado, interação homem computador, stress e treinamento conforme esses se relacionem a projetos envolvendo seres humanos e sistemas. Ergonomia organizacional: concerne à otimização dos sistemas sociotécnicos, incluindo suas estruturas organizacionais, políticas e de processos. Os tópicos relevantes incluem comunicações, gerenciamento de recursos de tripulações (CRM - domínio aeronáutico), projeto de trabalho, organização temporal do trabalho, trabalho em grupo, projeto participativo,

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Informações sobre O que é ergonomia e seus domínios de especialização estão disponíveis em: . Acesso em: 25.ago.2014.

188 novos paradigmas do trabalho, trabalho cooperativo, cultura organizacional, organizações em rede, teletrabalho e gestão da qualidade.

Neste bacharelado, na época, tínhamos formação em metodologia de projeto de design, materiais e processos gráficos, história da arte e da tecnologia, oficina de modelos e maquetes, introdução ao Design, desenvolvimento de projetos de design aplicados, Design regional, para citar algumas. Eram disciplinas mais voltadas para a formação profissional em Design, do fazer design. Mas não tive nenhuma disciplina voltada à pesquisa acadêmica ou à investigação científica. A única disciplina de metodologia que tive foi a de metodologia de projeto, no ano de 2001, focada na prática do projeto de design de produto e nas estratégias de pesquisa para concepção de um produto como, por exemplo, identificação das oportunidades e das características dos usuários, análise de concorrentes e de produtos concorrentes, construção de mapa preço-valor. A fonte principal foi o livro “Metodologia de projeto de produto: guia prático para o Design de novos produtos”, de Mike Baxter (2005). A partir do projeto de um porta fita adesiva, desenvolvido junto com Suzana Curi e Tereza Pires, nesta disciplina, fizemos o artigo Praticidade e Facilidade no uso de Fita Adesiva (SCHERRE et al, 2002), em co-autoria com o Professor Itiro Iida, que foi apresentado no P&D Design42 de 2002, realizado em Brasília. Um momento que considerei muito importante, para a minha formação como designer gráfico, foi o estágio profissional. No meu caso, realizei a disciplina estágio em programação visual, na equipe de Educação e Eventos de um tribunal. Nesta oportunidade, desempenhei atividades de

Design gráfico, elaborei folders,

identidades visuais, cartazes, publicações internas junto com uma equipe de diferentes profissionais: das áreas de comunicação, letras e jurídica. Também tive a possibilidade de aprender sobre relações interpessoais no trabalho, de realizar minhas atividades com prazo e demandas reais, com clientes/demandantes reais. Um professor do curso de graduação fez o acompanhamento dos alunos, com reuniões mensais onde cada um contava o que estava sendo desenvolvido em seus contextos de estágio.

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P&D Design significa Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Mais informações disponíveis em < http://www.puc-rio.br/parcerias/edesign/>. Acesso em 24.ago.2014.

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De acordo com o site da disciplina Estágio Supervisionado em Programação 43

Visual , a ementa, objetivos e programa são: Ementa: Aplicação do conhecimento adquirido durante o curso, diretamente no mercado de trabalho, por meio da participação em projetos de design tanto de produto, quanto gráfico e de atuações pertinentes às duas habilitações. Objetivo: Acompanhamento e orientação da atuação do(a) aluno(a) no estágio, para o vínculo efetivo entre a formação na academia e a experiência no mercado. Programa: Encontros mensais com apresentações e debates sobre os projetos e experiências em que cada aluno(a) está envolvido(a). Entrega de relatórios parciais e um final, juntamente com um texto que discorra a respeito da reflexão sobre a academia e o mercado (análise, crítica, sugestões para o curso etc.).

A partir das disciplinas de desenvolvimento de projeto em Design (Programação visual 1 a 3), especificamente em Programação Visual 3, comecei a me envolver com a área de projeto de interfaces gráficas, por exemplo, interfaces de sites, de celular, de materiais digitais a serem acessados e navegados por computador ou dispositivos móveis. Na graduação, eu tive vários tipos de aulas. Nas disciplinas mais teóricas, com aulas mais expositivas, nas quais mais ouvíamos o professor expor as teorias e fazíamos exercícios de fixação e provas. Também tive aulas de projeto, onde o foco era a prática de Design, o desenvolvimento de um objeto ou peça gráfica no qual tínhamos que aplicar uma metodologia de projeto, fazer o relato e a justificativa escrita do projeto elaborado além de realizar a apresentação para toda a turma do que foi criado. Nestas disciplinas, contávamos com o acompanhamento contínuo e próximo do(a) professor(a) que orientava cada projeto individualmente também. No caso da disciplina de Ergonomia 1, além de aulas teóricas, também tivemos atividades de intervenção ergonômica, de observação de uma situação de trabalho que deveria ser analisada de acordo com a metodologia de Análise Ergonômica do Trabalho (AET). Também tive aulas de laboratório com testes de materiais, na Engenharia, em laboratório de informática, na elaboração de modelos tridimensionais e desenhos 43

Mais informações sobre a disciplina estágio supervisionado em programação visual, disponível em: . Acesso em: 29.set.2014.

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técnicos de peças, ou também para o uso de programas gráficos para desenho vetorial e imagens bitmap. Tive aulas de desenho, de observação de modelos vivos e de objetos, pesquisas de materiais e marcas de produtos e empresas. Também tive as aulas na graduação em música, que eram compostas por muitas aulas teóricas sobre história e teórico-práticas de leitura de partituras e de solfejo e também aulas de canto coral, de apreciação musical, de introdução à flauta doce. A maioria delas foram mais voltadas para o estudo teórico e prático da música, em suas histórias, estrutura, teorias, onde a música, em si, era o conteúdo. Em relação à orientação de alunos e seus projetos de pesquisa, também tenho como referência importante a minha mãe que é professora e pesquisadora da área de Sociolinguística. Em casa, pude acompanhar seu envolvimento, leituras, dedicação, cuidado, atenção e orientação a seus estudantes de mestrado e doutorado. Ela passava muitas horas com cada um, ora ouvindo, ora falando, sempre cuidadosa. Isso sempre me inspirou. O projeto para a diplomação na graduação foi Projeto gráfico de um “kit” para campanha de conscientização sobre saúde (SCHERRE; SILVA, 2004), realizado em parceria com uma amiga e companheira de estudos em todo período da graduação. Um aspecto importante deste projeto é que fosse real e de cunho social. Estivemos em constante diálogo com profissionais do Hospital de Apoio de Brasília (médicos, nutricionistas, dentistas e assistentes sociais), que promoviam o tratamento de crianças com câncer e atenção às famílias dos pacientes. Desenvolvemos um material gráfico para uso dos profissionais de saúde do hospital na orientação de pais sobre higiene, alimentação, cuidados odontológicos, limpeza, doença falciforme e câncer; e o jogo Escute, Pegue e Conte, para que esses assuntos também pudessem ser trabalhados de maneira lúdica com as crianças. Para a criação destes materiais realizamos entrevistas, observações do uso, análise de materiais do hospital e de projetos similares. Baseada na proposta de matrizes pedagógicas de Furlanetto (2003; 2009; 2010a; 2010b), percebo que o momento da graduação foi importante para que eu pudesse construir minha matriz profissional em design gráfico. Algumas compreensões que trago comigo são: um designer deve estar aberto a outras áreas

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de conhecimento e aberto ao diálogo com profissionais de diferentes áreas (Comunicação, Arquitetura, Engenharia, Administração, Psicologia etc); deve estar aberto a considerar a perspectiva do usuário em seus projetos, realizando pesquisas, observações de uso e entrevistas; deve estar atento à metodologia de projeto, na qualidade dos dados que serão a base do Design, como o briefing e as pesquisas com usuários e de concorrentes; o Design está presente em tudo o que utilizamos em nosso dia a dia; tem que saber lidar com a barganha do cliente, pois sempre irá comparar o seu trabalho com o de outras pessoas e sempre tentará um preço mais baixo; projetos em design podem ser utilizados para otimizar a venda de produtos e serviços, mas também podem tornar a vida dos seres humanos mais fácil, como por exemplo, pela elaboração de uma sinalização que ajude na localização dos usuários, pela elaboração de uma interface de um site que seja fácil de usar e seja acessível ou pela elaboração de produtos, como órteses e próteses, para facilitar a vida de pessoas com mobilidade reduzida. Além disso, o designer pode fazer seus projetos vinculados à sustentabilidade, recursos renováveis, economia dos processos de produção. Em 2003, eu recebi um convite de um Congresso sobre Ergodesign, realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) no final do ano. Participei desse congresso e lá conheci uma das áreas da Ergonomia que realmente me mobilizou: a Ergonomia Cognitiva. Isso porque ela me permitia realizar pesquisas com os usuários das interfaces gráficas, contemplando-os nos processos de (re)concepção das mesmas. Ou seja, essa área de pesquisa e de conhecimento me permitia considerar a perspectiva humana nas interfaces gráficas, fazer com que meus designs e projetos fossem mais adequados às pessoas que iriam, de fato, utilizá-los. A Ergonomia também é uma área interdisciplinar, pois, além de utilizar conceitos e teorias de outras áreas como, por exemplo: psicologia, fisiologia, engenharia, saúde, também, no desenvolvimento de projetos e estudos ergonômicos se relaciona com a Engenharia, o Design, a Administração, a Arquitetura, entre outros. Voltando à Brasília, em uma festa de aniversário, encontrei um amigo dos tempos de graduação. Ele me falou que, aqui em Brasília, havia um grupo de pesquisa que estudava Ergonomia aplicada ao desenvolvimento de interfaces gráficas e que havia mestrado para esta área, do Instituto de Psicologia, da própria UnB. Fiquei tão animada que, por indicação dele, entrei, no segundo semestre de

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2004, no Grupo de Estudos em Ergonomia Cognitiva Aplicada a Ambientes e Interfaces (EAI). Fiz a seleção para o mestrado, no final do ano, e passei. Iniciei meus estudos do mestrado em 2005. Foi bem impactante e difícil, pois tive que começar a fazer muitas leituras bastante teóricas, várias delas em língua inglesa, para as disciplinas de Processos cognitivos e Planejamento de pesquisa. Tive que adentrar à linguagem e à forma de pesquisas acadêmicas e das pesquisas específicas da área de Ergonomia, com a disciplina Métodos e Pesquisa em Ergonomia. Nesta disciplina, discutimos muitos textos teóricos que traziam as bases epistemológicas e metodológicas da Ergonomia. Os livros-texto básicos eram: A Ergonomia em busca de seus princípios: debates epistemológicos (DANIELOU, 2004) e Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da Ergonomia (GUÉRIN et al, 2001). Também foi um momento de aprender a participar de discussões de textos e teorias em sala de aula, a utilizar métodos estatísticos para compreender, representar e fazer inferências a partir dos dados de pesquisa, na disciplina Métodos Inferenciais em Psicologia. No mestrado, todas as aulas foram bastante teóricas e expositivas, muitas leituras e discussão de textos em sala, com a elaboração de artigos e resenhas críticas. Baseada na proposta de matrizes pedagógicas de Furlanetto (2003; 2009; 2010a; 2010b), percebo que o momento do mestrado também foi importante para que eu pudesse construir a minha matriz como pesquisadora acadêmica em Ergonomia. Algumas das compreensões que trago comigo são: a pesquisa deve ser realizada a partir de um método definido, por exemplo, para uma intervenção ergonômica em contexto de trabalho, utilizamos o método de Análise Ergonômica do Trabalho (AET); para o estudo do uso e da navegação em interfaces gráficas, utilizamos a Tecnologia de Avaliação e (Re)Concepção de Interfaces Gráficas (TAI); a pesquisa é algo externo ao pesquisador e deve primar pela clareza de conceitos e referencial teórico, de problemas de pesquisa e objetivos; deve primar pelo detalhamento da metodologia, das técnicas e instrumentos utilizados; deve ser clara, explícita e ética com os participantes; pode integrar dados qualitativos e quantitativos; deve ter flexibilidade em se adequar ao contexto de pesquisa, de acordo com a demanda, mas, no momento de comparar usos e desempenhos de navegação e

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elaboração das recomendações de melhoria para a interface gráfica analisada, por exemplo, os procedimentos e instrumentos devem se manter os mesmos. Trago também comigo, a importância de se considerar, em estudos e projetos, a lógica do usuário na (re)concepção de interfaces gráficas, pois a lógica do designer e do cliente/demandante são diferentes da lógica daquele(a) que irá realmente utilizar este produto; e que, por meio da análise ergonômica da navegação, dos estudos da usabilidade e da acessibilidade, eu posso inserir os usuários no processo de (re)concepção de interfaces gráficas. Em relação à participação em grupo de pesquisa, outras compreensões que trago comigo são que ele pode ser um espaço de diálogo, de aprendizagem a respeito do trabalho dos outros colegas e de outras áreas de atuação da Ergonomia; também me mostrou a importância da integração entre os colegas de pós-graduação que participavam do mesmo grupo, o quanto isso é enriquecedor e fortalecedor das aprendizagens, da pesquisa, das relações humanas. Minha pesquisa de mestrado foi a “Avaliação Ergonômica da Navegação dos Usuários em um Livro-texto Digital” (SCHERRE, 2007). Era um livro-texto de química geral utilizado, também, em um curso a distância sobre Química Geral, oferecido via Centro de Educação a Distância (CEAD) da UnB. Foi meu primeiro contato com a Educação a Distância (EaD), junto com a Ergonomia e com as questões de usabilidade, acessibilidade e navegabilidade. O objeto de pesquisa emergiu a partir da interlocução com a orientadora sobre a minha vontade de fazer a análise ergonômica de alguma interface gráfica. Ela me sugeriu o livro texto digital de química geral (MUNDIM; SUAREZ, 2004), pois foi desenvolvido por professores da própria UnB e eu teria facilidade de diálogo com eles, para compreender o contexto de criação e de utilização do livro na graduação e no curso de extensão a distância, e abertura para a realização da pesquisa em si. No momento da análise dos dados e de escrita da dissertação, meus colegas de pós-graduação e minha mãe foram fundamentais neste percurso. Meus colegas me auxiliaram no diálogo sobre conceitos, nas análises dos dados e dos estudos estatísticos realizados. Minha mãe foi imprescindível: foi mãe, amiga, orientadora, cuidadora, educadora, apoio emocional, leitora e revisora de textos, da metodologia e dos resultados da pesquisa.

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Apesar da temática da acessibilidade na web não ter sido abordada diretamente em minha pesquisa de mestrado, estava presente nos diálogos junto ao Grupo de Estudos em Ergonomia Cognitiva Aplicada a Ambientes e Interfaces (EAI) e originou uma oficina sobre acessibilidade, no 16º NDesign 44 realizado na Universidade de Brasília, da qual também participei como “oficineira”. De acordo com a Cartilha de Acessibilidade na Web, da W3C Brasil (World Wide Web Consortium Escritório Brasil) – Fascículo 1 – Introdução, acessibilidade na web é: Acessibilidade na web significa que pessoas com deficiência podem usar a web. Mais especificamente, a acessibilidade na web significa que pessoas com deficiência podem perceber, entender, navegar, interagir e contribuir para a web. E mais. Ela também beneficia outras pessoas, incluindo 45 pessoas idosas com capacidades em mudança devido ao envelhecimento” Se for aplicada a definição geral de acessibilidade ao ambiente específico da web, pode-se dizer que se trata da possibilidade e da condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização, em igualdade de oportunidades, com segurança e autonomia, dos sítios e serviços disponíveis na web. Porém, para abarcar a Complexidade do conceito de acessibilidade na web, existem alguns aspectos específicos que precisam ser considerados. (W3C BRASIL, 2013, p. 21)

No mestrado, em 2006, eu também cumpri a disciplina obrigatória “Estágio Supervisionado em Prática Docente”46, lecionando sobre Ergonomia 1. Essa disciplina de estágio tinha como ementa, programa e bibliografia: Ementa: Desenvolvimento de atividades de ensino de graduação na área de psicologia sob orientação do professor responsável. Há também a mesma Disciplina com cargo horária de 90 horas e 6 créditos. O número de créditos varia conforme o número de créditos da disciplina em nível de Graduação junto a qual estas atividades são desenvolvidas. Programa: Conteúdo variável, a depender da disciplina de graduação a ser ministrada pelo aluno, sob a supervisão do Professor Orientador. Bibliografia: 44

De acordo com o site do 21º NDesign, realizado na PUC-RIO, NDesign é: “O NDesign é um encontro nacional de estudantes e profissionais de Design que não possui fins lucrativos. Ele acontece anualmente, e é um evento itinerante de cunho acadêmico, político, cultural e social. É capaz de promover a confraternização entre os participantes vindos de diferentes estados (e até países), bem como trazer mais conhecimento sobre a profissão através de palestras, oficinas, debates, exposições, entre outras atividades em que os encontristas atuam/interagem com o Design. Atualmente é o maior evento dessa área no Brasil, e um dos maiores da América Latina, além de ser um dos poucos encontros em que os participantes compartilham experiências vividas acerca da profissão. Cada NDesign é diferente devido aos variados temas e propostas apresentados pelas comissões organizadoras, sempre formadas por estudantes de uma determinada cidade do país”. Disponível em: . Acesso em: 25.ago.2014. 45

Tradução, presente na cartilha, na página 21, do conceito apresentado em W3C. Acessibilidade para o WAI (Web Accessibility Iniciative). Disponível em: . Acesso em: 8.set.2014. 46

Ementa disponível em . Acesso em: 8 set. 2014.

195 Conteúdo variável, a depender da disciplina de graduação a ser ministrada pelo aluno, sob a supervisão do Professor Orientador.

A disciplina ministrada, Ergonomia 1, tinha como ementa e objetivos: Ementa: Conceitos, características e desenvolvimento da Ergonomia. Principais componentes do trabalho. Os sistemas homem-máquina. Os métodos e técnicas para o estudo posturográfico. Duração, ritmo e carga de trabalho. Ambiente físico de trabalho. Objetivos: Ao final da disciplina o aluno deverá ser capaz de: (1) Descrever as noções teóricas básicas da inter-relação homem-trabalho; (2) Identificar as principais técnicas de análise do trabalho; (3) Associar as principais técnicas de análise do trabalho ao referencial teórico norteador.

Apesar da obrigatoriedade da realização desta disciplina, ao longo do mestrado não tive formação específica voltada para a docência. Além disso, em nenhum outro momento da minha trajetória formativa, até então, eu tive qualquer tipo de formação docente. O plano de ensino da disciplina, os textos trabalhados, os temas e slides das aulas ministradas e as atividades avaliativas realizadas foram todos construídos com base em um conjunto de materiais fornecidos pela orientadora e pelos colegas de pós-graduação. Materiais estes que também foram utilizados em edições anteriores da disciplina “Ergonomia 1”. Ao longo da disciplina ministrada, alguns colegas do grupo de pesquisa também participaram das aulas, apresentando seus trabalhos de mestrado ou doutorado, para que os(as) estudantes também pudessem conhecer outras pesquisas e áreas de atuação da própria Ergonomia e das metodologias de pesquisa/intervenção ergonômica que estavam sendo estudadas na disciplina (Análise Ergonômica do Trabalho – AET e Tecnologia de Avaliação e (Re)Concepção de Interfaces Gráficas – TAI). Esta experiência docente foi um momento importante e marcante de minha vida formativa. Foi uma das experiências que, apesar da grande dificuldade vivida, me impulsionaram na busca por aprofundar minha formação docente e de pesquisadora sob novas bases teóricas e práticas e que, por consequência, me impulsionaram a fazer o doutorado. Faziam parte da minha matriz pedagógica, compreensões como: eu, sendo docente, tinha que saber de tudo, ter resposta para tudo. Meu planejamento, bem detalhado, tinha que ser seguido à risca, porque senão eu não estaria sendo uma boa professora e se percebessem a minha insegurança, isso seria o “fim” perante

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os(as) estudantes. E se eu não soubesse responder alguma pergunta de algum(a) aluno(a)? Só de pensar me dava frio na barriga. Em uma disciplina bastante teórica, como esta, eu tinha que me ater sempre aos livros, aos textos, aos autores cientistas de referência. Eu não podia fugir do prescrito, do planejado, dos conhecimentos já indicados pelos especialistas, pois aquilo é que era o certo, o válido. Considerar outros tipos de conhecimentos? Isso nem me passava pela cabeça. Eu tinha que ser criativa, tinha que tornar minhas aulas interessantes, tinha que levar tudo pronto para ser trabalhado com os(as) estudantes. Neste período, mesmo tendo outras experiências pessoais com música, dança e artes, não percebia espaços, não sabia como eu poderia integrá-las em uma disciplina tão teórica, técnica e tão “longe” dessas outras áreas de conhecimento artístico. Uma questão que acho que conta bastante aqui é o fato de eu não gostar de falar em público, de ter dificuldade em me expressar pela voz. Isso já foi assunto de muitos anos de terapia. Para compensar essa dificuldade, nesse período eu estudei muito, escrevia todas as minhas aulas. Eu achava também que uma boa aula era a que eu falasse a maior parte do tempo, mostrando que eu sabia do que estava falando. Apesar de não estar satisfeita com toda essa situação, na época, eu não sabia como fazer diferente, nem se existia outro caminho pelo qual eu poderia ir. Eu sabia que era importante integrar toda aquela teoria da Ergonomia com a prática de um projeto ergonômico e dialogar com os estudantes sobre isso. Mas para mim, as aulas se resumiam a aulas expositivas, resenhas de textos, provas, elaboração de projeto, apresentação e avaliação. Na orientação dos projetos dos alunos, eu tentava fazer de maneira detalhada, individual, atenciosa, tanto no material que eu entregava por escrito, quanto nas orientações presenciais com cada grupo separadamente. Eu gostava muito disso e sempre me recordava dos professores da graduação que fizeram isso comigo nos projetos que desenvolvi e nas orientações que presenciei em casa entre minha mãe e seus orientandos. Eu não sabia, nem conseguia pensar fora disso ou mesmo em outras possibilidades, ou até mesmo saber por que eu fazia assim e por que isso me trazia tanta insatisfação. Mas eu tinha certeza de que não estava me sentindo bem, que essa maneira de ser docente não me agradava e que me trazia sofrimento. Tive muitas dificuldades nesse processo e terminei o mestrado decidida a não dar mais

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aulas, a não emendar meus estudos com o doutorado e que continuaria trabalhando em equipes e atuando nas áreas de Ergonomia e design. Após terminar o mestrado, em 2007, comecei a trabalhar somente com design gráfico e editoração de livros, na editora da Câmara dos Deputados. Passei dois anos somente trabalhando, sem estudar. Foi um momento muito importante para definições profissionais, até mesmo para eu sentir e decidir que gosto muito de estudar e de pesquisar e que me faz bem me sentir aprendendo, conhecendo e construindo conhecimento. Mas, afinal, o que estudar? Doutorado, não queria fazer. Era muita responsabilidade, muito tempo de dedicação, e, para mim, só faria sentido, se eu tivesse um projeto em mente. O que não era o caso naquele momento. Então, eu me recordei que gostei muito da área de Educação a Distância. Quando eu tive contato no mestrado, percebia, nessa área de estudo, conhecimento e prática, um “local” onde eu poderia integrar o design de interfaces, a usabilidade, a acessibilidade, a navegabilidade, a Ergonomia e a Educação. Neste momento, eu também queria me sentir sendo mais útil socialmente, a partir do meu trabalho, e percebia, na Educação em geral e na Educação a Distância em específico, maneiras de contribuir de forma mais relevante. Então, em 2009, resolvi fazer o Curso de Especialização Lato Sensu em Educação a Distância, na Universidade Católica de Brasília (UCB/DF). Era um curso mais “leve” que um doutorado e por meio do qual eu poderia retomar os estudos e a pesquisa. Este também não foi um curso voltado para a formação docente, e sim, para a área de planejamento e de gestão da Educação a Distância (EaD). De acordo com o site47, o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação a Distância, possuía: Ênfase em Planejamento e Gestão da EAD nos diferentes níveis de ensino e aprendizagem e em âmbito corporativo. Objetivo geral: desenvolver competências, do ponto de vista científicometodológico, relacionadas ao processo de planejamento e gestão de cursos a distância. Objetivos específicos: Ao final do curso, o aluno será capaz de: (1) compreender as diferentes concepções, características, tendências e desafios 47

Informações sobre o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação a Distância disponíveis em: . Acesso em: 8.set.2014.

198 da modalidade educacional a distância, tanto no âmbito acadêmico quanto corporativo; (2) utilizar conceitos adequados e instrumentos administrativos e didático-pedagógicos no planejamento e gerenciamento de programas em EAD; (3) planejar e desenvolver um trabalho teórico e/ou de aplicação em EAD, utilizando-se de uma ou mais mídias interativas estudadas no curso (Internet, material impresso, teleconferência, webconferência, entre outras), bem como de instrumentos administrativos e didático-pedagógicos no planejamento e gerenciamento de programas em EAD.

Esta especialização também foi bastante teórica, as aulas que seriam expositivas foram convertidas em leituras de textos básicos e complementares, já integrantes do material didático elaborado para cada disciplina. Às vezes, assistimos a alguns vídeos sobre as temáticas trabalhadas. Desenvolvemos também um projeto de um curso a distância em grupo, interagindo pelos diferentes recursos de comunicação virtual. Algo que sempre achei muito interessante é que toda disciplina sempre tinha um fórum de discussão, no qual todos(as) alunos(as) tinham o espaço para se expressar, para participar da discussão, algo que nem sempre acontece na discussão de um texto em sala de aula, e sempre contamos com a participação do(a) professor(a). Além disso, tínhamos como manter contato com o(a) professor(a), em sua maioria, sempre muito(a) atencioso(a) e solícito(a). Gostava muito da flexibilidade de horário e de local para realizar as leituras e participações nas atividades que a Educação a Distância possibilita. Mas sentia falta de conhecer as pessoas mais pessoalmente, presencialmente. Como fiz a especialização depois de ter cursado o mestrado, a carga de leitura e as atividades avaliativas, para mim, sempre foram muito tranquilas de serem realizadas. Nesse meio tempo, conheci uma pessoa muito importante neste percurso, era minha professora, na época, e hoje, é uma amiga e companheira do grupo de pesquisa. Ela me fez dois convites: participar do processo de seleção de docentes para a Universidade Católica de Brasília Virtual (UCB Virtual) e do Grupo de Pesquisa Ecotransd – Ecologia dos Saberes Transdisciplinaridade e Educação (grupo Ecotransd). Nesse momento, resolvi aceitar os convites e “encarar” os dois desafios. O primeiro deles era a docência virtual. Eu pensei que, apesar das minhas dificuldades com a docência presencial, eu gostava tanto de trabalhar e de estudar via ambiente virtual de aprendizagem (AVA), que essa seria uma oportunidade de vencer obstáculos e de abrir novas possibilidades profissionais na área de EaD. Eu já tinha experiência como discente e, agora, eu teria experiência como docente.

199

Em relação à docência virtual, eu gostei muito da experiência e considero que tenho mais facilidade neste meio. Avalio que, via AVA, tenho como me preparar ao responder para um(a) estudante, posso refletir sobre a minha “fala”, antes mesmo de torná-la pública para a turma. Mesmo assim, continuo, sempre em mente, com a busca pessoal em resolver minhas dificuldades com a docência presencial. Nesta experiência docente, eu fiz algumas formações dentro da UCB Virtual tanto sobre uso do ambiente Moodle, quanto o fazer pedagógico. Uma das que me recordo com muito carinho, foi a Formação para o “Laboratório de Relações Humanas”. Essa formação foi realizada, no decorrer do semestre, para que os próprios professores da universidade pudessem ser facilitadores dos encontros presenciais de uma turma de 30 pessoas, da disciplina virtual “Laboratório de Relações Humanas”. Para cada encontro com os estudantes, era realizado um encontro formativo antes, no qual dialogávamos sobre o conteúdo que seria trabalhado e vivenciávamos a metodologia que seria desenvolvida; e um encontro depois, para fazermos a avaliação do que foi realizado e a formação vivencial para o encontro seguinte com os alunos. Fui facilitadora de uma turma de Laboratório de Relações Humanas, por um semestre. A base da proposta pedagógica era o psicodrama pedagógico, definido pela autora Romaña como: Na modalidade de psicodrama, que chamamos de psicodrama pedagógico, esta mesma tríade grupo-jogo-teatro sustenta a elaboração de conceitos, a partir de experiências cotidianas significativas, da mesma forma que permite o desenvolvimento da expressividade e uma pesquisa mais ampla sobre os papéis profissionais e seus complementares, para sua melhor estruturação. (ROMAÑA, 1987, p. 14 – grifos da autora).

Nesta formação, todo o referencial teórico foi disponibilizado para os professores via AVA. Mas a proposta metodológica presencial, para mim, é que foi o diferencial, foi a primeira formação que participei em que a música, o movimento, a realização de vivências, antes do diálogo mais conceitual, era realizada na formação dos alunos e na formação dos professores. Além disso, o tipo de acompanhamento feito com os professores, a vivência prática da metodologia antes de realizar as atividades com os alunos e, depois, o espaço para dialogarmos sobre o vivido, para tirarmos dúvidas, repensarmos e replanejarmos os próximos encontros, foram os aspectos que me chamaram a atenção, me impactaram e me impulsionaram

200

também em minhas buscas formativas seguintes. A metodologia e os planejamentos foram, inicialmente, pensados por uma equipe formadora, mas nós, facilitadores, podíamos, em diálogo com os nossos formadores, fazer propostas, modificar os planejamentos conforme a realidade com os alunos nos solicitava. O segundo desafio era entrar em um grupo de pesquisa do qual eu nada entendia

sobre

os

assuntos

trabalhados

na

época:

Complexidade,

Transdisciplinaridade e Educação. Em relação ao grupo Ecotransd, no primeiro momento, tive forte vontade de desistir. Eu pouco entendia as reuniões. Havia muitos termos que eu não compreendia seus significados. Era muita coisa a ser estudada e, às vezes, me sentia completamente perdida. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que ali havia algo muito especial e diferente que me dava esperança em aprender a ser uma docente melhor e, por meio da pesquisa, poder aprender mais sobre essas teorias e suas práticas. Eram sentimentos fortes e contraditórios. Mas, depois de muitas reflexões, decidi por continuar, estudar mais e desvendar esse mundo novo que para mim se apresentava. Como forma de iniciar o aprofundamento dos estudos acerca dessas teorias, em 2010, comecei a fazer disciplinas como aluna especial do Doutorado em Educação da UCB/DF. Todas as três disciplinas cursadas foram com a professora Maria Cândida Moraes: Complexidade, Transdisciplinaridade e Educação, no 2º semestre de 2010; Complexidade, Aprendizagem e Conhecimento, no 1º semestre de 2011; e Docência Transdisciplinar, no 2º semestre de 2011. Aos poucos, fui adentrando nessas áreas de conhecimento e desejando ir para além da teoria. Nesse momento, também contei com um encontro muito especial com Cibele Galvão Santos, que é, até hoje, amiga e parceira de estudos, pesquisas, escritas e sonhos. Dessa parceria, foram produzidos dois artigos já publicados – O que é Complexidade? Um primeiro encontro (SCHERRE; GALVÃO-SANTOS, 2012) e (b) Educação a Distância e Complexidade: uma relação possível? (GALVÃO-SANTOS, SCHERRE, 2012) – e um livro, que está no prelo (Um Primeiro Encontro: o que é Complexidade?). Os integrantes do grupo de pesquisa, as conversas, os e-mails, as reuniões presenciais e as webconferências foram contribuindo nesta caminhada. A partir desses estudos mais intensos, sistemáticos e teóricos, eu me perguntava: como concretizar essas encantadoras teorias na minha prática docente e de pesquisa? Como transformar minhas próprias práticas a partir delas? Como é e o

201

que

significa

realizar

uma

pesquisa

a

partir

da

Complexidade

e

da

Transdisciplinaridade? O que é ser um docente e um pesquisador transdisciplinares? Ou que é ser docente-pesquisador transdisciplinar? Nesse momento, eu sentia condições internas e externas de fazer um doutorado para responder a essas perguntas. No primeiro semestre de 2012, iniciei o Doutorado em Educação, sob orientação de Maria Cândida Moraes. De acordo com o site do Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação da UCB/DF48, este programa visa: à formação de pesquisadores e de profissionais da Educação. Os mestres e doutores formados podem seguir as carreiras de cientista pesquisador e/ou carreiras de magistério nos diferentes níveis, atuar em instituições sociais ou empresariais, na elaboração e desenvolvimento de projetos de pesquisa em Educação, na gestão educacional e na formulação e análise de políticas públicas, em nível executivo, de assessoramento ou de consultoria.

Além disso, já no final de 2011, eu recebi o especial e grato convite da amiga e pesquisadora Rosamaria Arnt – também integrante do grupo Ecotransd e coorientadora desta tese –, primeiramente para participar de um curso com ela, sobre Docência Transdisciplinar, na Escola Vila, em Fortaleza, em março de 2012. Participei com ela desde o planejamento até a realização do curso. Depois desse primeiro curso, ela me convidou para participar do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania, que tem como proposta o desenvolvimento de uma metodologia transdisciplinar, vivencial, dialógica e reflexiva, para a realização de um curso de extensão para a formação de agentes de cidadania em Direitos Humanos, Cidadania e Geração da paz. Convite aceito! Naquele momento, fez muito sentido, em meu processo de formação docente e de pesquisa, ser parte de um projeto constituído sob as bases da Transdisciplinaridade, Complexidade e Educação Biocêntrica e poder participar de algo que estava em pleno processo de desenvolvimento e vivenciar sua realização. Esta experiência vivida, com a Formação de Educadores para a Cidadania, foram um dos focos importantes das reflexões e da pesquisa desta tese. Já como fruto das pesquisas acerca deste Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania, em 2013, foram realizadas: apresentação 48

Informações sobre o Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília disponíveis no . Acesso em: 8.set.2014.

202

de um artigo (SCHERRE, 2013), no XI Congresso Nacional de Educação – Educere49, promovido pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR); mesa redonda “Educação para a Cidadania: vivência em Direitos Humanos e Geração da Paz”, no Fórum Mundial de Direitos Humanos50, em Brasília, promovido pela Secretaria de Direitos Humanos; apresentação de um artigo (SCHERRE; ARNT, 2014) no VI Forum Internacional de Innovación y Creatividad: Escuelas y aulas creativas51, promovido pela Universidade de Barcelona/Espanha; e publicação de um capítulo de livro (ARNT, SCHERRE, 2014) do Ciclo de Investigación y Difusión sobre Desafíos de la Educación Escolar en un Mundo Complejo52, editado por Universitas Nueva Civilización, do Chile. Antes de entrar no doutorado, eu cursei três disciplinas como aluna especial. Ao entrar, aproveitei essas três disciplinas e outras duas do mestrado. Além disso, tive que fazer mais três disciplinas para completar os créditos necessários (Metodologia de Pesquisa 1 e 2 e Avaliação de Políticas Públicas). Além dessas disciplinas teóricas, em todo semestre também fiz as disciplinas de orientação, com a minha orientadora, mais voltadas para o desenvolvimento da tese. Em conjunto com as orientações de Maria Cândida, também fizeram parte da orientação, preciosos diálogos virtuais e presenciais com Rosamaria, que aceitou meu convite para ser minha coorientadora. As disciplinas cursadas me auxiliaram a avançar, principalmente, nos estudos teóricos sobre metodologias de pesquisa, Complexidade, Transdisciplinaridade, Docência Transdisciplinar, na reflexão sobre a própria prática docente e na necessidade de reinserção do sujeito no processo de conhecimento, por exemplo. Aqui não vou me ater às disciplinas em si, suas contribuições aparecerão na medida em que, ao longo do relato, também estiveram presentes palavras de autores e autoras que me inspiraram em meu caminho de formação e pesquisa.

49

Site do XI Congresso Nacional de Educação – Educere, disponível em: < http://educere.bruc. com.br/ANAIS2013/>. Acesso em: 25.jun.2015. 50

Site do Fórum Mundial de Direitos Humanos, disponível em: . Acesso em: 12 jan.2014. 51

Site do VI Fórum INCREA, disponível em:. Acesso em 24.ago.2014. 52

Site do Ciclo de Investigación y Difusión sobre Desafíos de la Educación Escolar en un Mundo Complejo, disponível em:. Acesso em: 24.ago.2014.

203

Durante ainda o ano de 2013, enquanto cursava as disciplinas obrigatórias do doutorado, também fiz como formação complementar o Curso Intensivo de Educação Biocêntrica: Tecendo a vida com arte, mística e ciência, no Portal Vida Taíba, Ceará. Esse curso também foi uma forma de começar a me aprofundar na teoria, metodologia, prática e vivência da Educação Biocêntrica. Foi muito importante para eu conhecer mais sobre um dos pilares da Formação de Educadores para a Cidadania, que eu participei desde abril de 2012, e também na elaboração da tese. A defesa de qualificação do projeto de doutorado foi realizada em março de 2014. Para mim, esta etapa, além de ser um requisito para a obtenção do título de doutorado (UCB, 2010), representou um importante e valioso momento de escuta das contribuições, de aprendizagem e de aprofundamento do próprio processo de pesquisa baseado na Complexidade e na Transdisciplinaridade. O doutorado-sanduíche foi feito na Universidade de Barcelona, Espanha, sob orientação da Professora Núria Lorenzo, no período de abril de 2014 a março de 2015. Contei com bolsa de estudos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)53. Foi um período importante sob vários aspectos para esta pesquisa. Além das possibilidades de acesso a novas culturas e novos lugares, representou um momento de intensa dedicação aos escritos do doutorado. Clandinin e Connelly (2000) comentam da importância do distanciamento do campo de estudo para que o pesquisador possa se dedicar à transição dos textos de campo para os textos de pesquisa. Para mim, o doutorado-sanduíche permitiu esse distanciamento temporal e geográfico e imersão nos textos de campo e nos referenciais teóricos. Neste

período

do

doutorado-sanduíche

também

pude

estabelecer

interlocuções com outros professores da Universidade de Barcelona: José Contreras, Remei Arnaus, Montse Ventura e Jorge Larrosa54 para dialogar sobre minhas dúvidas e inquietações metodológicas a respeito da construção da narrativa 53

Bolsa de estudos de estágio doutoral sanduiche no estrangeiro (PSDE/CAPES/Brasil) nº 99999.001107/2014-03. 54

Os professores José Contreras e Jorge Larrosa e as professoras Remei Arnaus e Montse Ventura foram escolhidos por terem pesquisas e escritos sobre narrativa e experiência educativa disponíveis, também, nas publicações Investigar la experiência educativa (CONTRERAS; PÉREZ DE LARA, 2010) e Déjame que te cuente: ensayos sobre narrativa y educación (LARROSA, 2008).

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da minha tese. Eles me indicaram leituras e referências bibliográficas, como os livros da pesquisadora Jean Clandinin e do pesquisador Michael Connelly sobre narrativa e de investigação narrativa (CLANDININ, 2013; CONNELLY; CLANDININ, 2008; CLANDININ; CONNELLY, 2000). Também tive a oportunidade de participar de outras atividades dentro e fora da Universidade de Barcelona (UB), das quais cito: na UB, participei como membro da comissão organizadora do evento internacional VI Fórum INCREA, organizado pelo grupo GIAD (Grupo de Investigación y Assessoramiento Didáctico), e apresentei o artigo “Aprender a ser: repercussões da metodologia transdisciplinar na formação de educadores” (SCHERRE; ARNT, 2014). Participei do evento “XX Setmana de Cinema Formatiu: La Música i el Cinema Formatiu”, com elaboração do modelo O.R.A55 e apresentação do filme “El milagro de candeal”, também organizado pelo grupo GIAD. Fora da universidade, participei de um grupo regular de Biodanza e na formação para facilitador em Biodanza, na Escola de Biodanza de Barcelona. Estas atividades externas ao contexto da universidade também me propiciaram a escrita das referências teóricas sobre a Educação Biocêntrica e Biodanza, que compõem a tese, e também a propor a realização de uma sessão de Biodanza (com a facilitadora Virgínia Saura) e de apresentação sobre as temáticas em reunião do grupo de pesquisa GIAD, da Universidade de Barcelona. Entre dezembro de 2014 e março de 2015, uma das atividades realizadas em conjunto com o grupo de pesquisa Ecotransd foi a elaboração do artigo “E quando pesquisador

e

pesquisado

são

a

mesma

pessoa?

Reflexões

epistemo-

metodológicas a luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade” (SCHERRE, 2015), para publicação coletiva na Revista Terceiro Incluído da UFG (Universidade Federal de Goiás), publicada no primeiro semestre de 2015. Em abril de 2015, retornei ao Brasil e, até outubro de 2015, me dediquei à escrita e finalização da tese, cujas aprendizagens e reflexões serão aprofundadas no relato 3 desta narrativa. Como continuidade às vivências e formação na

55

Modelo O.R.A. sobre o filme “El milagro de candeal” está disponível em: . Acesso em 22.mai.2015. O Modelo O.R.A é um modelo para trabalhar, discutir e avaliar filmes desenvolvido pelo GIAD (Grupo de Investigación y Assessoramiento Didáctico), da Universidade de Barcelona.

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Biodanza, assim que cheguei a Brasília, iniciei minha participação em um grupo regular de Biodanza. Reflexões acerca do relato e da matriz vigente Como forma de organizar o pensamento e a apresentação dos relatos e das reflexões, optei, nesta parte da narrativa, por escrever primeiramente o relato, com a visão do “eu em formação” e, em seguida, tecer as reflexões do “eu pesquisadora”, a partir do relato, com base nas teorias que sustentam este estudo. Escrever as reflexões do “eu pesquisadora” representa um ir além do senso comum, representa um desafio e um importante aprendizado, a partir da escrita, em poder revisitar e um ressignificar minha matriz em suas dimensões profissional, pedagógica e pesquisadora, e reconsiderá-las com base nas teorias científicas estudadas. Digo um desafio, pois este caminho de olhar para si, de objetivação da matriz interna, por meio da escrita, e depois realizar este diálogo com a teoria e também teorizar a partir dessa experiência, para contribuir com as áreas de conhecimento e novas pesquisas, têm se mostrado processos difíceis e trabalhosos, mas condizentes com os objetivos propostos para este estudo e com o propósito pessoal de formação. É um tomar consciência das suas próprias limitações, das suas próprias crenças, das suas próprias dificuldades e incoerências, mas também perceber e valorizar as aprendizagens, os conhecimentos construídos, os caminhos de vida percorridos, as motivações para as escolhas realizadas e, poder revisitá-los e refletir, conscientemente, sobre esses temas à luz das teorias escolhidas. Considero que tem sido um importante caminho de autoconhecimento e de formação e, concordando com Furnaletto (2003), este tem sido um espaço de contato com as questões visíveis bem como com as invisíveis e desconhecidas das formações pelas quais eu passei e, também, de integração entre dimensões pessoais e profissionais. Ao refletir sobre o conceito de matriz pedagógica definida como “arquivos existenciais que guardam registros sensoriais, emocionais, cognitivos, acessados nos espaços pedagógicos quando o professor se exerce” (FURLANETTO, 2010b, p. 4) e que, simbolicamente, pode ser considerada como o espaço onde a prática dos professores é gestada, onde conteúdos internos se encontram com conteúdos externos e que “apresenta a possibilidade de retorno em busca da regeneração e da transformação” (FURLANETTO, 2003, p. 27), e, também, ao

206

fazer o exercício de identificação da minha matriz pedagógica ao longo da escrita desta parte da história de vida de formação, me percebi identificando mais do que a matriz pedagógica, me percebi também identificando outras dimensões da minha matriz: a profissional e a pesquisadora. Trazendo para esta reflexão a ideia da multidimensionalidade humana, via ontologia complexa (ARNT, 2010; MORAES, 2008; MORIN, 2000), que me diz que somos seres humanos ao mesmo tempo, culturais, sociais, espirituais, físicos, biológicos, políticos, cognitivos, emocionais etc, percebo que, em cada um dos ambientes profissionais e acadêmicos nos quais convivo e me exerço, eu aciono, pelo menos, uma dimensão da minha matriz, eu aciono os arquivos existenciais, ou seja, os registros sensoriais, cognitivos e emocionais condizentes com cada uma dessas atividades. Sendo assim, além da dimensão pedagógica da matriz, também identifico outras duas dimensões citadas. Seguindo este pensamento, acredito que acionamos outras dimensões de nossa matriz em cada meio que vivemos e convivemos, ou seja, acessamos outras multidimensões de nossa matriz humana, em cada contexto onde nós nos exercemos como seres humanos que somos. Ao identificar minha matriz, em sua dimensão pedagógica, percebo-a como sendo constituída, principalmente, a partir das experiências discentes e influências maternas e, além disso, como sou bacharel em Desenho Industrial e mestre em Psicologia, não tive em minha formação profissional/acadêmica nenhum estudo ou reflexão sobre a docência em si. Compreendo também que apresenta características de uma prática docente tradicional, ou seja, de acordo com Behrens (2011), Luckesi (2003), Furlanetto (2010b), Moraes (1997), centrada no uso da razão como forma de conhecimento, voltada para a reprodução do conhecimento científico, organizado pela lógica das disciplinas, fragmentado, ordenado e classificado. O professor considera o conhecimento como uma verdade preestabelecida, apresenta o conteúdo para os estudantes de maneira pronta e acabada, de forma linear, e busca repassar esses conhecimentos para eles repetirem e reproduzirem ao realizarem as tarefas propostas. Neste tipo de abordagem tradicional, a ênfase está mais no ensinar, com base na linguagem da certeza e da verdade, negando a ambiguidade e a complexidade, e metodologicamente se caracteriza por aulas expositivas e por demonstrações que o professor realiza em sala.

207

Behrens (2011) e Luckesi (2003) nos chamam a atenção que toda a prática docente é influenciada por algum tipo de paradigma científico. De acordo com Morin (2007): Qualquer conhecimento opera por seleção de dados significativos e rejeição de dados não significativos; separa (distingue ou disjunta) e une (associa, identifica), hierarquiza (o principal e o secundário) e centraliza (em função de um núcleo de noções chaves). Estas operações, que se utilizam da lógica, são de fato comandadas por princípios ‘supralógicos’ de organização do pensamento ou paradigmas, princípios ocultos que governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos consciência disso. (MORIN, 2007, p. 10) A palavra paradigma é constituída por certo tipo de relação lógica extremamente forte entre noções-mestras, noções-chaves, princípioschaves. Esta relação e estes princípios vão comandar todos os propósitos que obedecem inconscientemente seu império. (MORIN, 2007, p. 59) Um paradigma é um tipo de relação lógica (indução, conjunção, disjunção, exclusão) entre certo número de noções ou categorias mestras. Um paradigma privilegia certas relações lógicas em detrimento de outras, e é por isto que um paradigma controla a lógica do discurso. O paradigma é uma maneira de controlar ao mesmo tempo o lógico e o semântico. (MORIN, 2007, p. 112)

Para Morin, o paradigma desempenha, ao mesmo tempo, um papel subterrâneo e soberano em qualquer teoria, doutrina e ideologia, então, a ciência, o conhecimento científico também é governado por um paradigma. Ele está inscrito culturalmente em como os indivíduos conhecem, pensam e agem, sendo assim, nossa prática profissional e pedagógica também são regidas por um paradigma. É inconsciente, mas irriga o pensamento consciente, controla-o e, nesse sentido, é também superior à consciência, apesar disso, autores como Morin (2007; 2010c) e Moraes (1997; 2008) nos convidam a fazer esse exercício formativo de trazer à consciência qual(is) é(são) o(s) paradigma(s) que orienta(m) nosso ser, fazer, estar e conhecer no mundo. Sobre a proposta de paradigma de Morin, Moraes (1997) comenta também sobre esta compreensão do conceito de paradigma que tem como base um enfoque relacional, onde conceitos e teorias soberanos também convivem com teorias rivais, e que reconhece que “as mudanças paradigmáticas convivem, simultaneamente, com outras experiências, teorias, outros conceitos ou fenômenos recalcitrantes que não se ajustam facilmente ao paradigma vigente” (MORAES, 1997, p. 32). Sendo assim, uma prática docente tradicional é influenciada pelo paradigma newtoniano-cartesiano. Este paradigma trouxe importantes desenvolvimentos para a ciência moderna e para o conhecimento humano nos séculos XIX e XX. Moraes

208

(1997) complementa ao destacar, também, os avanços empreendidos na democratização do conhecimento, no surgimento de técnicas eficazes para a construção de novos conhecimentos e no espírito científico aberto à validação pública desses conhecimentos. Morin e Moraes entendem que este mesmo paradigma desenvolveu uma visão fragmentada da realidade, do pensamento, do conhecimento e do ser humano, com enaltecimento da razão e da experimentação como únicas formas de obtenção de um conhecimento completo e válido, sendo ele objetivo, unidimensional, disciplinar. Moraes (1997) acrescenta ao dizer que esta visão cartesiana focaliza as partes e as unidades constitutivas, valorizando os externos das experiências e ignorando vivências internas do sujeito, fundamentando-se na razão, principalmente, e nas sensações dos cinco sentidos. Para tanto, como forma de encontrarmos soluções para a maioria dos problemas educacionais de natureza complexa, Moraes (1997) destaca a importância, na formação de alunos e professores, da compreensão das “relações lógicas existentes entre as dimensões ontológicas, epistemológicas e metodológicas que caracterizam os diversos paradigmas de ciência” (MORAES, 1997, p. 87). Ressalta ainda que a falta de clareza entre essas três dimensões “prejudica a qualidade da prática educacional de maneira mais adequada e congruente com os avanços da ciência” (MORAES, 1997, p. 87). Nesse sentido, a segunda parte desta narrativa tem o propósito de desvelar a formação, a pesquisa e a prática a partir desse diálogo entre essas três dimensões com outras teorias pertinentes à pesquisa narrativa e ao contexto de prática vivenciado. Este mesmo paradigma, como inspirador da ciência moderna, também foi influenciador da minha matriz em sua dimensão pesquisadora, pois está presente em minha matriz, até então, o conceber a pesquisa como separada da vida do pesquisador; o ver sujeito (pesquisador) e objeto de estudo também separados e isolando o sujeito do processo de pesquisa e conhecimento; o encaixar a realidade e o objeto de estudo em um método definido previamente. Apesar de estar presente neste tipo de pesquisa, na área de Ergonomia, a abertura a dados quantitativos e qualitativos, a adaptação da pesquisa às demandas e aos meios de investigação, a busca por melhorar a qualidade de vida, de trabalho e de interações do ser humano com o seu meio de trabalho, há que se ter cuidado para não enxergar o ser humano

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desmembrado em suas partes ou só físico, ou só cognitivo ou só organizacional, de acordo com os seus domínios de especialização da Ergonomia. Como no mestrado o enfoque foi na formação em Ergonomia e na realização da pesquisa nesta área de conhecimento, apesar de haver a obrigatoriedade na realização do estágio docente supervisionado, não tive espaços de reflexão e estudo sobre a prática docente, sobre o fazer docente. Nesta disciplina, o mestrando deve dar aula na graduação. Sendo assim, me questiono: será que só ter aprofundamento teórico e conceitual de uma determinada área de conhecimento basta para que uma pessoa seja docente? Basta apenas seguir materiais, textos e conceitos já trabalhados anteriormente por outras pessoas? É isso que é ser docente? Nóvoa (1995) apresenta uma reflexão sobre a mudança da identidade docente ao longo da história da Educação. Relata que, durante muito tempo, os professores se limitaram a mobilizar o saber disciplinar e se assumiram como transmissores de conhecimentos científicos. Depois dos anos 60, com a expansão da escola e da profissionalização do ensino, era visto como essencial o domínio das técnicas e processos pedagógicos, ou seja, “saber planificar, saber organizar os trabalhos dos alunos, ter uma boa relação, possuir competências de comunicação, ser capaz de avaliar com rigor etc” (NÓVOA, 1995, p. 35). Com base nas ideias de Shulman, Nóvoa comenta que, em seguida, o foco passou a ser a necessidade de o professor conhecer profundamente a matéria que ensina. A partir de outros autores, como Postman e Laborit, Nóvoa destaca a compreensão de os professores possuírem “capacidades de reestruturação e de contextualização dos conhecimentos” (NÓVOA, 1995, p. 35). Por fim, propõe que a evolução para o entendimento de que professores e formação docente precisam abrir espaço para que os docentes “se apropriem dos saberes de que são portadores e os trabalhem do ponto de vista teórico e conceitual” (NÓVOA, 1995, p. 36). Moraes

(2010a,

p.

178-181),

com

base

na

Complexidade

e

na

Transdisciplinaridade, nos apresenta algumas considerações acerca do perfil docente, ou seja, de características docentes que, de certa forma, deveriam predominar, como: (a) ser capaz de elaborar um projeto coletivamente, significativo e relevante; ter uma prática reflexiva e crítica; ter uma escuta sensível; (b) estar mais atento aos processos auto-organizadores de seus alunos; (c) ser capaz de olhar para eles e identificar suas necessidades básicas, intuir suas angústias e converter tudo isso em atividades de

210

ensino e de aprendizagem; (d) ser capaz de organizar ambientes agradáveis e efetivos de aprendizagem (presenciais e virtuais), que sejam prazerosos e implicativos, onde os estudantes se sintam acolhidos, compreendidos e nutridos; ser capaz de participar de trabalhos em grupo, de refletir criticamente sobre suas práticas e de levar seus alunos a refletirem sobre suas ações, sobre seus erros e acertos; (e) ser um docente sensível, capaz de perceber os momentos de bifurcação, de emergências, de mudanças, refletindo e reconstruindo a sua prática cotidiana; (f) ser um sujeito pesquisador e encontrar em sua prática as soluções para os problemas; reconhecer sua prática como uma atividade criadora e transformadora das novas gerações; (g) saber aprender bem e ser capaz de construir, desconstruir e reconstruir o conhecimento sempre que necessário; ser capaz de ajudar seus alunos a desenvolverem suas habilidades e competências e ajudá-los a olhar para dentro de si mesmos, para que possam se reconhecer como pessoa, descobrindo seus talentos, sua criatividade, sua sensibilidade; ser humanamente sábio e tecnologicamente fluente; (g) ser capaz de enfrentar um novo desafio ao ter de iniciar uma nova disciplina ou uma nova estratégia inspirada na Complexidade, na Interdisciplinaridade e/ou na Transdisciplinaridade; (h) ser capaz de ensinar e de aprender a compartilhar com seus alunos; e (i) ter o ético presente em todas as suas ações, atitudes e decisões tomadas. Com base em Nóvoa e Moraes, não digo aqui que um(a) professor(a) não deva ter domínio da sua área disciplinar, do conteúdo que irá trabalhar na disciplina. Sim, deve ter e muito. Mas, no meu caso, a resposta para essa pergunta é: não basta ter conhecimento em uma área específica e não ter formação pedagógica para ser professor. Hoje eu tenho condições de dizer que ser docente não se reduz a reproduzir o que é dito em teorias, materiais e textos e tenho condições de abrir caminhos para a reflexão sobre outra possibilidade de ser docente, sob outros referenciais teóricos e práticos, que foi realizada a partir da prática docente e de pesquisa vivenciada na Formação de Educadores para a Cidadania e é detalhada e analisada no relato 2. Pelas experiências de estágio profissional e docentes vividas, creio sim que ambos os estágios, seja na graduação ou na pós-graduação, sim, são muito importantes para a formação do profissional e do professor, pois é uma oportunidade de refletir, conhecer, aprender e pesquisar a partir da prática vivenciada, pode ser um espaço de religar e atribuir sentido ao estudado na teoria e ao vivido em uma situação

211

prática. Mas de que jeito é feita? Somente com base na observação de um docente ou de um profissional? No caso do estágio docente, significa ser inserido em uma turma como docente, tendo apenas a formação de conteúdo? Na segunda parte desta narrativa eu também trarei reflexões a respeito destas perguntas. Além disso, o que o repensar da minha matriz, em sua dimensão pedagógica e de pesquisa, reflete na minha matriz em sua dimensão profissional de design gráfico? Conforme nos explica Moraes (1997), o paradigma tradicional, que traz o dualismo entre matéria e mente, entre corpo e alma, não influencia somente no caminhar da ciência e da formação docente, mas tem várias implicações em nossas vidas. Tem “profundas repercussões no pensamento ocidental, com desdobramentos nas mais diferentes áreas do conhecimento, como na biologia, na medicina, na psicologia, na Educação, para citar algumas delas” (MORAES, 1997, p. 44). Então, repensar o paradigma, reconstruir minha visão de mundo, também influenciará na maneira com que vejo e me relaciono profissionalmente, com que realizo pesquisa, que construo conhecimento, que me exerço enquanto docente. Isso me faz pensar que um profissional de design gráfico, um bacharel, é formado na relação com vários(as) docentes. Esses(as) professores(as) podem, não necessariamente, ter passado por formações docentes específicas, por uma formação que propiciasse uma discussão mais aprofundada sobre ciência, sobre construção de conhecimento, sobre a relação entre epistemologia, ontologia e metodologia e que, assim, podem continuar a ter o paradigma tradicional newtoniano-cartesiano como referência de sua prática docente, mesmo que de forma inconsciente, e referência da sua visão de mundo, da sua visão sobre o papel, da função e da formação de um profissional na área de Desenho Industrial, por exemplo. Sendo assim, futuros designers podem continuar tendo sua formação baseada neste paradigma da disjunção, da simplificação, da fragmentação (MORIN, 2007). Eu mesma, somente com o mestrado, poderia ministrar aulas de design e, as continuaria fazendo com base neste paradigma, mesmo sem saber. Além disso, participei de uma seleção para professor substituto na qual foram escolhidos, para a docência, profissionais somente com a formação de graduação em design e com experiência profissional na área desejada pelo curso de bacharelado que efetuou a seleção. Nesse sentido, concordo com a proposta de Moraes (2008) ao dizer que este tipo de formação e reflexão acerca de ciência,

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de paradigma e de visão de mundo seja também trabalhados na formação inicial de docentes, integrado com todos os demais conteúdos necessários para a formação de cada profissional. Mas acrescento a importância que também façam parte da formação inicial e continuada de outras áreas de conhecimento e profissionais, como, por exemplo, o Desenho Industrial e a Ergonomia. Em seguida, apresento relatos e reflexões, a respeito do percurso (trans)formativo empreendido ao longo do doutorado, com base em outra proposta paradigmática, a do Paradigma Educacional Emergente, e em uma visão de mundo e da metodologia baseadas na Complexidade e na Transdisciplinaridade, no movimento tripolar de formação, na investigação narrativa, entre outros referenciais teóricos. No relato 1, abordo a sistematização da experiência de docência e pesquisa a partir da Formação de Educadores para a Cidadania, com mais ênfase nas aprendizagens relacionadas à docência. 5.2 RELATO 2: SISTEMATIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA DE DOCÊNCIA E PESQUISA De vivências a experiências formadoras Entrelaçando meus pensamentos, minhas palavras e as dos outros. Não há diferença. Não há mais distinção. Formação e pesquisa são, agora, uma coisa só. Sigo fazendo a fusão do meu ser, fazer e conhecer

Esquema narrativo: continuando o movimento de reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora, com base em uma lógica transdisciplinar, nesta parte, o “eu em formação” e o “eu pesquisador” se entrelaçam ao sistematizarem a experiência de docência e de pesquisa, a partir do vivido na Formação de Educadores para a Cidadania. Inicio refletindo e comentando sobre importantes momentos de ruptura, de mudança de percurso formativo que ocorreram, especialmente, com a minha entrada no grupo de pesquisa Ecotransd, com os encontros teóricos sobre a Complexidade e a Transdisciplinaridade e com a construção do problema de pesquisa e a definição da metodologia de pesquisa. Em seguida, analiso as aprendizagens construídas

mais

relacionadas

à

docência,

entrelaçando

minhas

reflexões,

213

percepções, questionamentos, com as falas dos participantes, com descrição de atividades, das relações, dos contextos e também com contribuições das teorias. O relato O que falar sobre este período tão importante em minha vida? Tantas coisas acontecendo, tantos movimentos e aprendizagens empolgantes, tanto profissionais quanto pessoais. Não contarei tudo, mas relatarei e reflexionarei sobre o que foi relevante para tornar essas experiências de docência e de pesquisa em “experiências formadoras” (JOSSO, 2004) neste processo de (trans)formação da matriz pedagógica-pesquisadora.

Busco

permitir,

assim,

a

interpretação

e

elaboração das mesmas e possibilitar novas significações, como “o alargamento da consciência, a mudança, a criatividade, a autonomização, a responsabilização” (JOSSO, 2004, p. 51). Começo esta parte do relato, refletindo e comentando sobre importantes momentos de ruptura, de mudança de percurso formativo que ocorreram, especialmente, com a minha entrada no grupo de pesquisa Ecotransd e com os encontros teóricos com a Complexidade e a Transdisciplinaridade, que culminaram na decisão pela entrada no doutorado em Educação e pela construção do problema de pesquisa e da metodologia da formação e pesquisa. A entrada no grupo de pesquisa Ecotransd, a convite da amiga Patrícia Limaverde, foi um momento “divisor de águas” na minha formação. Ao iniciar minha participação no grupo de pesquisa, passei por um momento de conflito interno muito grande ao decidir se iria ou não me dedicar ao estudo dessas novas áreas de conhecimento. Logo nas primeiras reuniões, eu não entendia nada do vocabulário que

era

utilizado,

como

por

exemplo:

autopoiese,

Complexidade,

Transdisciplinaridade, auto-organização, princípios cognitivos do Pensamento Complexo, paradigma, epistemologia, ontologia. Compreender o que o grupo conversava e conseguir efetivamente participar, requeria de mim uma decisão por aprofundar (ou não) nos estudos dessas teorias, pois não era um vocabulário trivial ou comum no meu dia a dia, e isso significaria fazer disciplinas como aluna especial, providenciar a entrada no doutorado, dedicação e tempo para fazer leituras teóricas, agregar novas áreas de conhecimento à minha formação. Por um breve momento de intensas dúvidas, eu

214

me vi desistindo de participar do grupo e comunicando à Patrícia sobre minha saída. Porém, parte de mim me dizia para continuar, me percebia encantada com a possibilidade de aprofundamento na minha própria formação docente, de construir outras experiências pedagógicas que pudessem mudar em mim aquela “sensação” ruim que ficou da experiência docente presencial do estágio supervisionado no mestrado e me dar condições teóricas e práticas de construir outros ambientes de aprendizagem, outras estratégias pedagógicas, outro papel como docente, outras relações com os estudantes, diferentes daquelas que eu tinha vivido. Nesse diálogo interno intenso, mudei de ideia e decidi por continuar e seguir com as necessárias mudanças de percurso formativo. Devido ao intenso poder de desorganização interna e abertura ao movimento de reorganização com as buscas por aprofundamentos teóricos e pela entrada no doutorado, considero este como um dos momentos de ruptura e de mudança de percurso formativo (ruptura 1). Ao iniciar as leituras dos livros e artigos de Edgar Morin, Gaston Pineau, Pascal Galvani, Maria Cândida Moraes, Basarab Nicolescu, os documentos dos eventos que abarcavam a Transdisciplinaridade, a Complexidade e a Educação, alguns convites e desafios teóricos muito me chamaram a atenção, ressoavam em mim, com minhas buscas formativas, e me impulsionaram para fazer o projeto para entrar no doutorado em Educação. Conforme detalhei no artigo “E quando pesquisador e pesquisado são a mesma pessoa? Reflexões epistemo-metodológicas à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade” (SCHERRE, 2015, p. 267), publicado na Revista Terceiro Incluído, os encontros teóricos me propiciaram: [...] a partir da mudança de visão sobre a relação sujeito-objeto, antes, totalmente desvinculados e separados, deu-se também a transformação gradativa dos pressupostos da ciência moderna. Tais mudanças de visão passaram a constituir uma relação de integração, interdependência e inseparabilidade entre sujeito e objeto. Esta relação se dá com base na Complexidade e na Transdisciplinaridade, perspectivas que seguiram abrindo caminho para o desenvolvimento do Pensamento complexo na pesquisa e na formação. Esse pensamento possui, como um de seus princípios, a reintrodução do sujeito cognoscente em todo processo que envolve construção de conhecimento. Da abertura para a religação entre sujeito e objeto e a visão complexa e transdisciplinar da ciência, do conhecimento e da formação, abremse também possibilidades de compreensão da formação docente como espaço de (trans)formação e de integração entre hetero, eco e autoformação (movimento tripolar de formação).

215

Inicialmente alguns convites me chamaram muito a atenção. Convidaram-me a desenvolver um Pensamento Complexo – integrador, re-ligador, que abarca o tecido conjunto de ações, relações, conceitos – a respeito do meu objeto de estudo e na pesquisa em Educação (MORAES; VALENTE, 2008). Nesse movimento de religação, fui desafiada a religar sujeito que pesquisa e objeto pesquisado, compreendendo-os como interdependentes e inseparáveis. Além disso, também ampliaram meu Nível de Percepção de maneira a perceber o conhecimento como sendo construído justamente na interação entre sujeito e objeto. As teorias citadas também me solicitaram a reintroduzir o sujeito no processo de conhecimento (MORIN, CIURANA; MOTTA, 2009), ou seja, a compreender que eu construo e que estou inserida na realidade que pretendo conhecer. Além disso, a autora Moraes (1997), a partir de sua proposta de um Paradigma Educacional Emergente, também recomenda que os espaços de formação docente devam ser abertos ao diálogo e reencontro interativo entre o modelo científico, as teorias de aprendizagem e a prática pedagógica que cada pessoa em formação desenvolve. Esses convites me instigaram a entrar no doutorado, a me questionar sobre meus paradigmas, a querer aprender e materializar essas teorias em estratégias didáticas e de pesquisa (ruptura 2). Com essas buscas em mente, aceitei o convite de Rosamaria Arnt para participar como formadora-pesquisadora do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania (PCRAC), do qual estive intensamente envolvida no período de Formação de Educadores para a Cidadania, que ocorreu em Horizonte, CE, entre 2012 e 2013. O detalhamento do contexto de formação e pesquisa está no primeiro capítulo desta tese. Participei ativamente das etapas referentes à Formação de Educadores para a Cidadania, devido à possibilidade de estar junto e presente tanto nos momentos presenciais quanto nos virtuais. Participei do planejamento de cada módulo, cada atividade, cada mensagem; participei dos encontros presenciais, das orientações dos grupos para a realização de atividades, das avaliações e dos replanejamentos necessários. Também, nos encontros presenciais, estive atenta à preparação da filmadora para gravação e organização dos registros fotográficos e escritos de cada módulo realizado; e orientei sobre o funcionamento e manuseio do ambiente virtual de aprendizagem. Nas atividades virtuais, também organizava e disponibilizava os materiais, tutoriais e textos, abria e acompanhava os fóruns de diálogos, estava atenta

216

também às atividades, às mensagens recebidas e às respostas enviadas. Ao mesmo tempo, fui formadora, pesquisadora e pessoa em formação. Iniciei minha participação nessa formação sem uma definição exata do problema de pesquisa, de qual seria de fato meu objeto de estudo, ou mesmo a metodologia de pesquisa que utilizaria. Passei, ao todo, por quatro mudanças de problema de pesquisa, até chegar ao que apresentei na qualificação. Este se manteve, com pequenos ajustes, até o final da tese. Nesse percurso de decisões, de descobertas, de leitura, de escuta, o diário de campo foi uma “figura” fundamental no ir e vir, no movimento de escuta interna e externa no qual fui construindo a minha formação, pesquisa, minha atuação no projeto e relação com elas. A terceira ruptura foi a definição do atual problema de pesquisa, pois este foi um importante momento onde consegui expressar as minhas buscas formativas em palavras, transformá-las em minha pergunta principal da investigação. Sendo assim, também me permitiu redirecionar meus estudos teóricos e metodológicos rumo à história de vida de formação, ao movimento tripolar de formação (auto-hetero-eco formação), à investigação narrativa e, assim, conseguir construir minha metodologia de formação e pesquisa – a narrativa autoformadora. Percebo este relato 2 da narrativa como um instrumento de tomada de consciência, sistematização e apropriação do vivido e do aprendido ao longo da Formação de Educadores para a Cidadania. Aqui darei mais ênfase às aprendizagens docentes, que geraram significados internos, mudanças de rumo, que foram situações ou aspectos marcantes que considero relevantes para a reconstrução da minha matriz pedagógica-pesquisadora. Conforme defini na dimensão da metodologia chamada aprendizagens, as compreendo como os elementos que integram, em mim, o algo “novo” que levo comigo, que acoplo aos meus conhecimentos e aprendizagens prévios, depois de realizar atividades conscientes e deliberadas de reflexões a partir de leituras, experiências, pensamentos, encontros etc, e que emergem rumo a um projeto de futuro de desenvolver minha docência e pesquisa de forma integradora, aberta, humana, responsável, consciente e viva. Com base na hermenêutica instauradora proposta por Galvani (2014), as compreendo também como as ressonâncias que emergiram, a partir das vivências e estudos teóricos, por meio da escuta atenta e sensível nas meditações reflexivas intensivas.

217

Esta parte do relato não tem o objetivo de descrever como ocorreu cada encontro presencial e de cada atividade realizada na Formação de Educadores para a Cidadania. O foco aqui são as reflexões, interpretações e compreensões a respeito de cada uma das aprendizagens apresentadas, que construí ao longo da minha participação nessa formação, que se instauraram em mim (GALVANI, 2014). Assim, entremeados no relato, sobre cada aprendizagem, abarcarei: (1) descrição do que compreendo pela aprendizagem identificada (significado/conceito); (2) reflexão e argumentação sobre o que levo dessa aprendizagem em minha matriz pedagógica-pesquisadora.

 Aprendizagem: trabalho em equipe integrado(r) Começo pela aprendizagem em relação ao trabalho em equipe integrado(r), a qual defino como sendo a relação, o vínculo e as atividades de criação, de (re)planejamento, de estudo, de pesquisa e de (auto)avaliação que construímos coletivamente, colaborativamente, amorosamente juntas. Sua expressão ocorreu em diferentes momentos de (1) reuniões de planejamento e avaliação dos módulos e atividades, de (2) encontros de preparação meditativa matinal em cada dia dos módulos de formação presencial e de (3) conversas de replanejamento das atividades presenciais sempre que necessário, seja durante os encontros presenciais entre uma atividade e outra, ou à noite entre os dias dos encontros. Por que o defino como integrado(r)? Porque foi pautado na escuta das diferentes opiniões, no diálogo sobre as ideias e propostas, na escrita conjunta dos planejamentos e documentos onde cada uma pode contribuir à sua maneira, na realização respeitosa das qualidades e contribuições sugeridas A descrição que fiz, no artigo “Curso de Formação de Educadores para a Cidadania: Tecendo uma Metodologia Transdisciplinar”, expressa as características dessa integração e continua se fortalecendo nos trabalhos que desenvolvemos para além dessa primeira experiência conjunta: Em relação às (2) construções colaborativas das pesquisadorasformadoras, foram processos vivenciados em conjunto – gestão do curso, planejamento, docência, reflexão e pesquisa – nas quais temos, presentes e imbricadas, algumas categorias que identificamos como: diálogos a respeito de diferentes temáticas a todo momento compartilhadas entre as pesquisadoras, seja por e-mail (com mensagens coloridas com a contribuição de cada uma em uma cor diferente), telefone ou

218 presencialmente; afinidade de ideias e propósitos; companheirismo nas decisões e ações realizadas em comum acordo; confiança mútua de que decisões e ações foram feitas de forma ética e respeitosa; carinho expresso por palavras sensíveis, sorrisos, abraços e um “ombro amigo” em momentos difíceis; amizade presente nas trocas, para além do projeto, na qual compartilhamos momentos de vida, sonhos e criações; respeito às diferentes opiniões e visões sobre um determinado assunto; atenção à fundamentação teórica de nossas ações e a busca de coerência entre a teoria que temos como base e a prática que desenvolvemos; transparência e clareza das ações, por meio da comunicação, de forma que todas pudessem saber sobre as decisões a respeito do caminho que estava sendo percorrido pelo Projeto; flexibilidade na reorganização do projeto, das reuniões, dos planejamentos das atividades presenciais e virtuais, de acordo com as emergências (SCHERRE, 2013, p. 9294-9295).

Reforço aqui a presença dos Princípios Transdisciplinares do Programa Geração da Paz (ARNT; SCHERRE, 2014), que sistematizamos e publicamos no livro “A Escola e Os Ambientes e Contextos de Ensino-aprendizagem56. Conforme comentamos no capítulo, esses princípios orientaram as diversas instâncias dos projetos desenvolvidos neste Programa, como, por exemplo, na gestão, na docência, no trabalho conjunto das formadoras. Compreendemos que estes princípios como pontos de partida que devem se relacionar "de forma dinâmica, aberta e processual, caracterizados pelo movimento e pelo fluxo, permitindo e acreditando na existência e pertinência de novos arranjos, incorporando ideias que se agreguem e complementem o que já foi vivenciado” (ARNT;

SCHERRE,

2014,

p.

121).

Baseados

na

Complexidade

e

na

Transdisciplinaridade, resumidamente, os princípios são:

56



Abertura: o primeiro princípio das ações do programa Geração da Paz é a abertura. Abertura à nova configuração, baseada no que já implementamos, pelo acolhimento de novos parceiros. Abertura necessária para a compreensão da realidade e dos cenários locais que encontramos e não conhecemos. Abertura ao novo, ao que precisamos apreender para que uma ação proposta possa ser ressignificada no contexto que adentramos. Abertura ao emergente, ao inusitado que somente poderá surgir nesta postura.



Escuta: A escuta, como princípio, é para nós caracterizada como atenta e sensível. Consideramos que esta é uma importante maneira de compreendermos a realidade que nos cerca, nova e inovadora, inesperada e dificilmente concebida, mesmo que já tenhamos lido ou participado de alguma outra ação semelhante. Ouvir sobre o cenário que se abre a partir das pessoas nele envolvidas é, acreditamos, fundamental para a composição de qualquer proposta. [...] A escuta atenta e sensível é o meio pelo qual podemos sair de nosso ponto de vista, sempre parcial, incompleto, fragmentado e fragmentador, reducionista e redutor. É o meio de compreendermos onde estamos, articulando o contexto, o global, o multidimensional e o complexo.

Título original em espanhol: La escuela y los ambientes y contextos de la enseñanza-aprendizaje.

219 

Diálogo: O diálogo não é uma discussão que visa fechar questões ou convencer interlocutores ou defender ideias. Pelo contrário, visa a compreensão e a emergência de ideias novas, só possível pelo estabelecimento de novas relações que surgem na interação, na troca de ideias similares, na escuta atenta ao que é novo, no ir além do que aparentemente é antagônico. [...] O silêncio também faz parte do diálogo. Para dialogar, antes de tudo é preciso aprender a ouvir, permanecer atentos às nossas reações ao que ouvimos.



Flexibilidade: A flexibilidade, como princípio, nos leva a reconfigurar as propostas, buscando novas alternativas, sem nos ater a modelos ou padrões pré-formados, por melhores que tenham sido as experiências vivenciadas. Integrar o novo contexto é sempre um desafio. [...] Compreender a flexibilidade é também viver o paradoxo de ser maleável sem perder a identidade, os princípios adotados.



Partilha: Partilhar uma proposta, mais que isso, partilhar um planejamento e as ações dele decorrentes nos dão algumas certezas. Certeza de que os passos serão sempre os mais adequados, passando pelo diálogo capaz de reajustar cada passo. Certeza de que não nos afastaremos da realidade local, na tentação de retomar o conhecido, reviver (como se fosse possível) o já vivido, deixando de lado os desafios dos novos contextos e da nova situação que se consubstancia. Partilhar a operacionalização é uma maneira de buscarmos a coerência entre nossa crença de que aprendemos com o outro, e da importância, mais uma vez, dos diferentes olhares para a configuração da realidade.



Auto-organização: Um novo projeto, a concepção de alternativas mediante uma proposta e a junção de novos parceiros podem representar um momento de desordem. Acolhida a desordem, é necessário entrar em processo de auto-organização, mediante interações dialógicas, mudando/criando para que uma nova ordem possa surgir, adequada à realidade complexa, aos objetivos, às demandas dos ciclos recursivos e retroativos em que estamos imersos e às emergências. O momento de auto-organização permite a aprendizagem com os processos vividos, com o novo, com o inesperado e com as incertezas decorrentes de projetos que não são fechados. (ARNT; SCHERRE, 2014, p. 122-135).

O que levo da aprendizagem trabalho em equipe integrado(r) para a minha matriz pedagógica-pesquisadora? Levo-a para as minhas relações com pessoas e ambientes onde vivo, convivo e trabalho, para a vida, para a relação com os alunos ou mesmo com equipe de professores e profissionais da Educação da qual eu venha a fazer parte. Levo a escuta sensível e atenta, o diálogo, o cuidado e o respeito e a atitude integradora de diferentes opiniões, experiências e histórias de vida. Levo a experiência de construção de ideias, planejamentos, documentos, de maneira dialogada e compartilhada onde todos contribuem, no qual o resultado final é uma produção coletiva e não de uma das pessoas somente. O princípio sistêmicoorganizacional do Pensamento Complexo (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009; MORAES, 2008) me auxilia a compreender que os “produtos” (todo), que emergiam de nosso trabalho conjunto, eram construídos das interações e integração entre as

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partes (nós, os educadores, o Núcleo Gestor e os meios), não eram nem maiores e nem menores do que as somas das partes, e nem se limitavam ao trabalho de uma parte específica. Levo a intensa utilização das tecnologias digitais para estas construções coletivas e colaborativas, que elas propiciam ricas possibilidades de comunicação e de interação quando as pessoas envolvidas têm, além das disponibilidades tecnológicas necessárias, também tem disposição pessoal e objetivos comuns, onde o uso dessas tecnologias faça sentido e seja necessário (em nosso caso, as três pessoas moravam em locais diferentes do Brasil). Levo a experiência de um trabalho conjunto, compartilhado, colegiado e democrático. Levo a necessidade de que as informações, documentos e produções estejam disponíveis e de fácil acesso a todos que participam. Com base no princípio hologramático do Pensamento Complexo (MORIN, CIURANA, MOTTA, 2009; MORAES, 2008) – que nos diz que a parte está no todo e o todo está na parte –, compreendo que esse compartilhar de construção e de acesso a informações, documentos e produções permite esse diálogo e interação entre todo-parte. Levo também uma experiência de construção coletiva e colaborativa de toda a formação, com momentos de escuta e diálogo nas reuniões com integrantes do Núcleo Gestor e também de compartilha, de escuta e de diálogo com os educadores, nos momentos de acordo de convivência nas formações presenciais, nas quais colocávamos para o diálogo essas informações e decisões geradas nestas reuniões. Levo a construção de uma identidade formativa entre as três participantes, que nos

propiciava

dialogar

e

criar

considerando

diferentes visões,

opiniões,

conhecimentos e orientada por objetivos formativos compartilhados e nos permitia ser flexíveis às demandas do Núcleo Gestor, dos educadores e nossas mesmo. O termo identidade formativa, foi cunhado por Alba Cristina, em uma de nossas reuniões para expressar “algo” que tínhamos que nos unia, que permitia que construíssemos juntas cada encontro, cada atividade de maneira harmoniosa, em sintonia, em busca de propiciar ambientes formativos e atividades integradores, amorosos, criativos, instigantes, vivenciais, dialogados, flexíveis, abertos. Esse “algo” pode ser descrito pela “pegajosidade biológica”, de Maturana (2009, p. 12), como “o prazer da companhia, ou como o amor em qualquer de suas formas”. O autor comenta que, sem essa pegajosidade biológica, “não há socialização humana e toda sociedade que perde o amor, se desintegra”. De acordo

221

com Rosamaria, em mensagens que trocamos por e-mail (agosto de 2015): “é um jeito de conviver no respeito e no cuidado, na aceitação do outro como legítimo outro.” A partir de Maturana (2009, p. 40), complemento que a emoção do amor está justamente presente nesse tipo de ações em que “o outro surge como legítimo outro em coexistência conosco mesmos”. É assim que sinto! Rosamaria também me perguntou: como seria sem esta 'conjunção'... que tipo de trabalho individualmente teríamos condições de realizar? Até onde chegaríamos? Pensando em outras situações de trabalho que já vivi, sem esta ‘conjunção’, os trabalhos individuais aconteceriam, cada um fazendo sua parte, mas desagregadas, sem integração entre si e com o todo, sem ver sentido no que fazia, sem saber o que os outros faziam, ou mesmo sem saber quem as outras pessoas eram. Até onde chegaríamos? Provavelmente com uma proposta pronta de formação, sem considerar os contextos e realidades do município e mesmo dos próprios educadores. Entre nós, provavelmente, cada uma faria a sua “parte” e só saberia o que a outra estava fazendo, quanto o produto estivesse pronto. Mas isso tudo são elucubrações, com base em outras experiências vividas, pois não foi isso que vivi aqui. Aprendizagem: escuta-diálogo-flexibilidade A escuta-diálogo-flexibilidade foi uma das aprendizagens que me chamou muito a atenção, pois uma das minhas grandes dificuldades, na docência, era ser flexível, sem perder o rumo. Era estar aberta à escuta e ao diálogo com o que acontecia nos ambientes de aprendizagem e a considerar isso no (re)planejamento, como ocorrências naturais e inerentes às relações e aos ambientes. Isso ocorria pela compreensão de que eu deveria seguir estritamente o planejado, que devia dar conta de todo o conteúdo previamente escolhido. Por acreditar que na docência, apesar de ter como foco a aprendizagem dos alunos, a atuação em sala deveria estar baseada, não exclusivamente, mas com bastante ênfase, na minha exposição de conteúdos a serem trabalhados. Quando algo saía do controle ou não estava dentro do planejado, era motivo de tensão, de preocupação e de não saber o que fazer nestas situações que me exigiam escuta às pessoas e ao ambiente, diálogo e flexibilidade. A respeito da flexibilidade, autores como Moraes e Valente comentam que o planejamento de uma pesquisa deve ter flexibilidade estrutural para adotar procedimentos abertos a bifurcações, a incertezas, a mudanças e estar sempre em

222

(re)construção quando necessário e compreender as relações que caracterizam seu objeto de pesquisa, “perceber as interdependências, a complementaridade dos processos, bem como as interferências que acontecem” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 35). Pensando na sala de aula, a autora Moraes (2010c) destaca a necessidade de este espaço ser conversacional, dinâmico e fluido, de abertura, de flexibilidade estrutural, de criatividade, de possibilitar processos auto-eco-organizadores, emergentes e transcendentes, de configuração de identidades e de construção de cidadania, de reflexão e de autoconhecimento, de integração do corpo, mente, espírito, de escuta sensível e de responsabilidade social. Para isso, deve ser também amoroso, não competitivo e libertadores dos diferentes talentos. Essa flexibilidade estrutural também estava presente no PCRAC desde os seus princípios (pontos de partida), a saber: Flexibilidade: A flexibilidade, como princípio, nos leva a reconfigurar as propostas, buscando novas alternativas, sem nos ater a modelos ou padrões pré-formados, por melhores que tenham sido as experiências vivenciadas. Integrar o novo contexto é sempre um desafio. [...] Compreender a flexibilidade é também viver o paradoxo de ser maleável sem perder a identidade, os princípios adotados. (ARNT; SCHERRE, 2014, p. 129).

Mas o que me chamou a atenção foi como fazer com que essa escuta-diálogoflexibilidade também fizesse parte da metodologia de formação, seja na retirada ou remanejamento de atividades entre os momentos presenciais de um mesmo módulo ou no alargamento de outras, também na conciliação dos tempos (cronológico, do grupo e individuais), na decisão da transferência de algumas atividades, previstas para o presencial, para serem trabalhadas no ambiente virtual de aprendizagem, na atenção aos horários e demandas das cozinheiras nos tempos de servir o almoço ou o lanche da tarde e, também, pela abertura explícita da possibilidade dos educadores se expressarem quando algo os incomodava, quando não concordavam ou quando tinham alguma outra demanda em relação a algo que foi proposto. Um exemplo dessa última abertura está na fala da Formadora-pesquisadora 1, logo no primeiro módulo: Formadora-pesquisadora 1: Vocês vão ver que a maneira de nós lidarmos com o tempo vai sempre na direção de qualidade da experiência que estamos tendo. Se nós começarmos a atropelar vocês em qualquer momento, por favor, sinalizem: [...] olha o atropelo... estou me sentindo sufocada. Não está dando, é muita coisa, não estou conseguindo refletir. Vocês não têm só o dever, mas o direito de a qualquer momento.... tem algo que não está compreensível... alguma coisa está causando desconforto,

223 irritação profunda... seja o que for... no momento que algo desse teor emerja, vamos achar um caminho de diálogo. Se vocês não querem interromper uma atividade, pode ser no encerramento. Se vocês não querem se manifestar, pode ser em um bilhetinho. [...] Essa manifestação, esse diálogo deve ser aberto e permanecer aberto, senão essa qualidade do tempo se perde. (1º dia do Módulo 1 – 29/6/2012)

A maior parte dos módulos de formação teórico-prática (120h) foram realizados no Campus Experimental da UECE, em Pacoti. A maior parte dos encontros foram feitos em sistema de imersão. Chegávamos na sexta-feira ou no sábado e tínhamos atividades até o domingo. A maioria dos educadores, inclusive nós formadoraspesquisadoras, dormíamos e fazíamos todas as refeições lá também. Fazia parte de nosso planejamento, os momentos de pausa para lanche, almoço e descanso após o almoço. A todo momento de atividades em grupo, de intervalo, como o almoço ou o lanche da tarde, nós três estávamos sempre conversando sobre o que tínhamos planejado inicialmente, sobre o que ainda tínhamos a fazer e sobre o que seria possível fazer. Foi um realizar de uma escuta sensível e atenta ao que se passava ao nosso redor – diferentes demandas externas (educadores, funcionários, ambiente) – e de nós mesmas (demandas internas), realizando intensos diálogos entre as formadoras, tendo em vista os objetivos do módulo de formação. Isso exigia de nós escuta, atenção, diálogo e partilha. Para nós, foi sempre necessário também partilhar as alterações realizadas com os educadores e/ou com funcionários. Trago outros exemplos que, para mim foram marcantes, da presença da flexibilidade, da escuta, da atenção, do diálogo e da partilha. Exemplo 1: De acordo com o planejamento para o Módulo 1 (Apêndice B), realizado no Campus Experimental da UECE em Pacoti, o tema a ser trabalhado era Transdisciplinaridade: uma nova visão de mundo e a dignidade humana, com atividades para serem realizadas: Sexta-feira à noite: das18:00 às 22:00; Sábado, o dia todo: das 8:00 às 12:00h, das 13:30 às 17:00 e das 18:30 às 22:00; Domingo, pela manhã: das 8:00 às 13:00. No Módulo 1, no segundo dia de formação (Sábado – período da manhã), o café da manhã foi um pouco mais demorado do que o previsto, então iniciamos as atividades às 8:30, em vez de 8:00. No período da manhã até bem próximo do horário de almoço, realizamos somente as atividades do primeiro e segundo vínculo: comigo e com o outro (ver apêndice B), compostas pelo diálogo em grupos menores sobre a experiência vivida

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na sexta à noite (construção da imagem e do crachá e construção poética do eusou), a leitura do texto “Homo Complexus”, de Isabel Petraglia, com produção de imagem e síntese-poética e a apresentação das produções para o grupo todo. A síntese-poética materializou a expressão da reflexão poética individual e do grupo. Outros imprevistos que aconteceram foi a falta de cópias do texto “Homo Complexus”, então tivemos que ir à cidade tirar as cópias necessárias, atrasando a atividade de diálogo em grupos em 20 minutos; o lanche previsto para 15 minutos, durou 30 minutos. Nesse mesmo Módulo 1, além dos imprevistos e alterações já citados, em um movimento de escuta atenta dos elementos externos à sala de aula, estávamos cuidando do horário e das demandas das cozinheiras do Campus. As cozinheiras nos informaram que o almoço, em vez de ser realizado das 12:00 às 13:30, foi realizado às 13:00 (até às 14:30). Então, antes do almoço, a formadora-pesquisadora 1 compartilhou o rearranjo de horários e propôs a atividade, em grupo menores (5 ou 6 pessoas), da leitura inicial de todo o texto “Civilização da Religação”, de Leonardo Boff. Nesse momento, comentamos: Formadora-pesquisadora 1: Bom, minha gente... segundo o rearranjo de horários, nós já estamos 40 minutos atrasados (risos de várias pessoas). Essa atividade da manhã era para ser de 2 horas (risos de várias pessoas) [inaudível]. Mas nós vamos ter que equilibrar os tempos. Vamos sentindo como a gente vai na próxima etapa. A ideia, agora, é... nós entrarmos em contato exatamente com a Terra, o nosso planeta. Essa vai ser a totalidade no momento. Lançarmos um olhar pra isso, [...] para qualificar o nosso olhar um pouquinho mais... a gente vai utilizar o texto do Leonardo Boff que tá no material de vocês. Então, [...] para facilitar a organização, vocês vão manter os grupos que vocês estavam trabalhando agora. O primeiro momento é de leitura do texto inteiro. É um texto longo... aí cada grupo se organiza. Às vezes as pessoas gostam de ler o texto silenciosamente... Então, vocês vão se juntar nos grupos. Podem de novo se esparramar pelo Campus e vão fazer a leitura do texto inteiro. Nós imaginamos que essa leitura do texto dá mais ou menos uns 20 minutos. [...] Aí a gente vai circulando nos grupos [...] (dar) as orientações nos [...] (sobre a) maneira que a gente vai recolher as ideias do texto. [...] (2º dia do Módulo 1 – 30/6/2012)

No retorno das atividades da tarde, logo após o alongamento, a formadorapesquisadora 1 também retoma as modificações no planejamento que nós formadoras fizemos no horário de almoço: Formadora-pesquisadora 1: Vocês receberam aquele programa que tá completamente obsoleto, certo? (risos de várias pessoas). Fora a atividade especial da noite, que [...] é mantida. (Escuta-se ao fundo uma voz masculina: hummm... o que será?). Por enquanto domingo está igual [...]? Nós não mexemos no domingo. Mas a atividade que a gente ia fazer

225 agora... nós vamos colocar no ambiente digital [...] ao longo do mês... para poder equacionar a questão do tempo [...] para não atropelar... porque realmente a leitura do texto a gente achou que era (importante). Vocês estavam em um tipo de leitura que não dava para simplesmente a gente dizer: agora termina a leitura... porque não é esse o objetivo. [...] Agora nós vamos fazer a apresentação dos grupos e [...] começar a exercitar a qualificação da escrita. A gente precisa acreditar que a nossa escrita comunica. [...] Essa apresentação, nesse momento, ela vai ser a leitura dos tópicos que vocês colocaram. Porque nós temos [...], dependendo do tópico, três grupos, que sintetizaram o mesmo capítulo. Depois nós vamos aprofundar a leitura do texto e os comentários do texto. [...] O nosso objetivo agora à tarde é juntar aquilo que vocês fizeram, com a vivência e a leitura da manhã sobre o “Homo Complexus” e com uma leitura de um texto curto que [...] (faremos), mais especificamente, sobre a Transdisciplinaridade. Até o final da tarde, [...] (vamos) fazer uma costura, de todas essas ideias que a gente, de alguma maneira, entrou em contato. [...] (2º dia do Módulo 1 – 30/6/2012)

No final do Módulo 1 (domingo), as formadoras-pesquisadoras fizeram uma bela síntese das nossas atividades de replanejamento do módulo: Formadora-pesquisadora 1: [...] Ontem no final da noite, enquanto alguns foram pra lá (apontando para trás em direção à cidade) e outros ficaram aqui... Nós estávamos rearrajando todo o planejamento. Esse planejamento que foi refeito ontem e hoje de manhã, [...] já foi (re)feito três vezes. (Escuta-se uma voz feminina: minha nossa!). E, agora, enquanto vocês estavam ali no café, nós já mudamos tudo o que vai acontecer amanhã [...]? Por quê? Por que tem algo acontecendo. Eu poderia simplesmente sentar com [elas]... nós fizemos esse plano, é isso aqui e tá acabado. [...] (mas compreendemos que) a expressão de vocês (é) que tem que manifestar porque... isso tudo está dentro de mim, está pulsando e eu preciso falar. [...] A gente podia ir por esse viés, que muitas vezes é o que acontece, para não dizer, grande parte das vezes. A gente chegar e reformular enquanto estamos caminhando, o planejamento significa, em primeiro lugar: desapego. Foi pensado com tanto carinho... (risos de algumas pessoas). Aquela vivência que a gente ia fazer... Ah! mas ela é tão bonitinha. Não... então corta... Manda o povo ficar quieto porque nós pensamos tudo isso, nós trouxemos todo o material pra fazer isso. A gente tem muito carinho e muito amor nisso. Mas é a cegueira, é a fantasia, é a ilusão de o que está acontecendo aqui, do jeito que está, é menos importante, menos criativo, do que aquilo que nós pensamos antes na ausência de vocês, há dez dias [...]. O que nós pensamos antes não considerava vocês, quando nós estamos com vocês, o planejamento ficou velho e obsoleto. Formadora-pesquisadora 2: É o ritmo, a contribuição e a energia própria do grupo que vai alterando o planejamento... Formadora-pesquisadora 1: E nós alteramos tudo... Formadora-pesquisadora 2: Agora... fazer essa mudança, sem se perder nos objetivos, nos conteúdos [...] no propósito maior. Formadora-pesquisadora 1: Não significa largar mão de tudo e qualquer coisa... Não. Existe uma diretriz que nos orienta e nós vamos repensando sempre com essa diretriz, com os princípios que movem a nossa ação. Eu acho que isso é para tudo. Na verdade, eu acho que isso é uma postura perante a vida. Nós temos que ter coerência com essas propostas que a gente está trazendo. E, a todo o momento, a gente chega aqui e diz: olha... rearranjamos o horário. [...] (3º dia do Módulo 1 – 1/7/2012)

226

Para dar uma visão geral das diferenças entre o planejado e o realizado, com base nas informações do Apêndice B: Planejamento do Módulo 1, elaborei a tabela 7, com o resumo das atividades previstas, a informação do dia no qual elas foram planejadas e quando foram realizadas.

Tabela 7 - Entre o planejado e o realizado - Módulo 1

Resumo das atividades previstas

Planejada para:

Realizada em:

Apresentação do Objetivo, Roteiro do Módulo 1 e metodologia

Sexta (noite)

Sexta (noite)

Acordo de convivência

Sexta (noite)

Sexta (noite)

Roda de bênçãos

Sexta (noite)

Sexta (noite)

Quem sou eu?

Sexta (noite)

Sexta (noite)

Sou um ser complexo, sou multidimensional

Sexta (noite)

Sexta (noite)

Roda de embalo

Sexta (noite)

Sexta (noite)

Sábado (manhã)

Sábado (manhã)

Sábado (manhã)

Sábado (manhã e tarde)

Sábado (tarde)

Domingo (manhã) Adaptada para o ambiente virtual de aprendizagem

Primeiro e segundo vínculo: comigo e com o outro Terceiro vínculo: a totalidade – o grupo e a realidade Carta da Transdisciplinaridade Vínculo com o Projeto de Vida Gincana Colaborativa: o Arraial da Cidadania Alongamento e meditação para iniciar o dia Dignidade Humana – a essência da Rede de Agentes da Cidadania Apresentação do ambiente virtual de aprendizagem Avaliação e metodologia

Sábado (tarde) Sábado (noite)

Sábado (noite)

Domingo (manhã)

Domingo (manhã)

Domingo (manhã)

Remanejada para o Módulo 2

Domingo (manhã)

Domingo (manhã)

Domingo (manhã)

Domingo (manhã)

Exemplo 2: A atividade relacionada com o projeto de vida (ver apêndice C) passou para o ambiente virtual de aprendizagem Moodle. A apresentação das sínteses dos tópicos do texto “Civilização da Religação” de Leonardo Boff57, foram realizadas na parte da tarde. No final da tarde, antes da atividade especial, reservamos 1 hora para o descanso, já que no período da noite planejamos uma 57

Texto integrante do livro: BOFF, Leonardo. O despertar da águia: O dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade. Petrópolis: Vozes. pg.25-43.

227

atividade especial. Nos 30 minutos, antes do descanso, Formadora-pesquisadora 1 aproveitou para introduzir um pouco do conceito da Transdisciplinaridade. Todas essas adequações nos horários exigiram que o diálogo sobre a Carta da Transdisciplinaridade fosse feito no domingo e o tema Dignidade Humana fosse transferido para o Módulo 2. Especificamente para a atividade projeto de vida, inicialmente prevista para, presencialmente, para ter um momento de introspecção de escolha da imagem, de reflexão individual sobre o projeto de vida, com as perguntas: Que vida vale viver? O que eu quero viver? E depois, primeiro diálogo em duplas e em seguida unindo três duplas pela proximidade, culminando em um último momento de apresentação de uma síntese (ver planejamento no apêndice B). Esta atividade foi transformada em uma atividade com momentos individuais e coletivos de interação com outros dois colegas no ambiente virtual Moodle (ver apêndice C): 1. Breve texto com a introdução da atividade e apresentação dos objetivos e conceitos de história de vida e projeto de vida. 2. Preliminares: preparação do ambiente para que cada um(a) pudesse iniciar a atividade proposta. 3. Momento 1: Conexão consigo mesmo. Reflexão e registro sobre sua vida e com os principais marcos em seu contexto atual. Em seguida, deveriam refletir e anotar aspectos sobre o projeto de vida em si. 4. Momento 2: Compartilhar seus registros em um fórum no ambiente virtual e depois refletir e dialogar com alguns colegas sobre os projetos de vida elaborados. Exemplo 3: Um exemplo de uma alteração feita na hora, sem muito tempo para pensar, mas a partir da escuta dos grupos, foi a atividade de apresentação dos relatórios dos grupos a partir da leitura da “Carta da Transdisciplinaridade”, no Módulo 1. Inicialmente tinha sido pensado que todos os grupos teriam feito uma parte do relatório sobre o preâmbulo da carta, – lida por todos os grupos – e outra parte do relatório seria referente aos artigos lidos – cada grupo leu dois artigos da carta (por exemplo, um grupo leu os artigos 2 e 5, outro grupo leu os artigos 8 e 14). Porém a maior parte dos grupos fez um relatório único com as reflexões a partir de todas as partes lidas juntas. Então, a atividade que era para acontecer, iniciando pela leitura do relatório do pré-ambulo por todos os grupos, foi imediatamente

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alterada. Agora cada grupo faria a leitura completa, ao seu tempo, do seu relatório completo. E, assim, a atividade de leitura e escuta atenta dos relatórios prosseguiu tranquilamente. Os momentos de intervalos e de pausas, em todos os módulos e encontros de formação, foram situações de negociação, de replanejamento, seja para adequação às demandas das cozinheiras ou mesmo dos educadores, que necessitavam de tempos de descanso, principalmente depois do almoço, ou de mais tempo para fazer alguma atividade ou da necessidade do grupo em assistir o último capítulo da novela que estavam acompanhando. Eram todas situações de renegociação de tempos e atividades. Exemplo 4: No Módulo 3, na sexta-feira, antes do lanche da tarde, às 17:00, eles nos informaram que desejavam assistir o último capítulo da novela Avenida Brasil que passaria às 21:00 e nossas atividades estavam planejadas para serem trabalhadas até às 22:00. Nessa situação, acordamos com os educadores em fazermos um intervalo menor para o lanche, de 20 minutos, e retornamos às atividades em grupos de diálogo (5 a 6 educadores) sobre a matriz negativa de Horizonte – dos fatores que impedem a satisfação das necessidades humanas (com base na proposta de matriz positiva e negativa em relação às necessidades humanas de Manfred Max-Neef). Seguimos com essa atividade até às 20:00. Nesse horário, encerramos o dia de formação e iniciamos o horário do jantar e, assim, eles puderam se alimentar e se organizar para assistir a novela. Exemplo 5: Outro importante momento de diálogo, escuta e flexibilidade foram os acordos de convivência realizados no início de cada dia de atividades, no qual compartilhávamos com todos os educadores o planejamento do encontro, os temas gerais que seriam trabalhados. Por exemplo, no 2º encontro de planejamento com os educadores, no dia 8 de junho de 2013, em Águas Belas, CE, no momento de acordo de convivência, conversamos sobre o propósito do próprio acordo de convivência: Formadora-pesquisadora 1: O tema de hoje a gente colocou como a ‘Construção do nosso caminho, criando nossas próprias receitas’. [...] Nosso acordo de convivência, a primeira coisa é o horário de trabalho. A gente percebeu [...] que aquela esticadinha que a gente deu, (em vez de) sair daqui 17:00, e sair daqui às 18:00, com o contato com a natureza e com o por do sol... a gente acha que faz a diferença. [...] Então a gente estica a nossa jornada um pouquinho mais, mas é para esse momento de integração, de uma vivência com a natureza. [...] Acordo de convivência – ele sempre está presente, vocês devem observar. Tem um momento que a

229 gente apresenta para vocês tudo o que nós pensamos, só pelo prazer de depois repensar e refazer, porque essa também é a prática. Ontem a gente foi até tarde fazendo o planejamento, para vocês rasgarem em pedacinhos e nós reconstruirmos. Mas esse é o processo. [...] (aqui detalhamos os demais temas que serão trabalhados nesse encontro – Lembretes: atualizando a realidade dos grupos e territórios e artigos; Novas alternativas de comunicação via Facebook; Plano de Curso - Primeiro princípio metodológico: juntos; Vivência da Semente; Construindo nosso caminho). Aliás, vocês com a palavra. (Escuta-se uma voz masculina ao fundo: sim, senhora) Sim senhora? Ai ai ai... (risos de várias pessoas). Vocês acham que contempla a expectativa? Vocês tinham alguma expectativa forte, pulsante que a gente não pensou? [...] Educador Marq.: De definir o nosso plano de curso, de dar um norte, uma pista, começar a pensar junto como a gente vai desenvolver esse trabalho. (celular começa a tocar...) Educadora Fl.: Agora que nós estamos formados [...] eu vim na cabeça, como é que eu vou fazer? Então aqui já deu uma luz de como é que nós vamos começar. Educador Marq.: só relembrando o nosso acordo de convivência em Pacoti, o celular deveria estar desligado (risos de várias pessoas). Formadora-pesquisadora 1: Tudo bem, então, nós podemos seguir nesse rumo? Vocês sabem que a qualquer momento o rumo pode ser revirado. Educadora F.: Isso dá uma tranquilidade ímpar, saber que nós podemos mudar. Vai, vai em frente e qualquer coisa... a gente muda. (2º encontro de planejamento com os educadores – 8/6/2013)

A flexibilidade e as alterações dos planejamentos também foram tema de algumas falas dos educadores, ao longo dos módulos 2 e 3. Trago também duas falas como exemplo: No momento de avaliação do Módulo 3: Educadora Fl.: [...] Eu vi aqui... eu vejo isso aqui, eu estou aprendendo aqui com vocês, não tem nada pronto. Você está aqui, você monta um método todinho, tá tudo aqui (n)o roteiro. De repente esse roteiro foi pro espaço. Mudou tudo. Vocês se veem na possibilidade de mudar... aí, não era bem aquilo... pro grupo foi melhor assim, entendeu? Eu acho isso muito bom. A gente evolui, enriquece, melhora enquanto ser humano, e contribui, quando você vê que passou aquela coisa mínima... Às vezes aos seus olhos não é tão importante, mas você passa pro outro, foi uma grandiosidade. É muito legal, isso aqui é uma riqueza... (2º dia do Módulo 3 – 20/10/2012)

No Módulo 4, no momento de relembrar o que foi vivido na formação: Educador Marq.: [...] você planeja, planeja, planeja e chega aqui... eu tenho uma outra realidade. E aí? É ter essa flexibilidade, essa maleabilidade, para que a condução desse processo de ensino-aprendizagem, ela se dê também com essa fragilidade que é essa mudança de percurso. Mas que, com certeza foi fundamental, mudou a rota, mas chegou lá. (2º dia do Módulo 4 – 24/11/2012)

230

No 2º encontro de planejamento com os educadores, no momento final de avaliação do encontro, uma das educadoras destacou a relação entre flexibilidade e movimento, vivenciada ao longo da formação: Educadora 1: a gente comentou sobre a flexibilidade, do sobe e desce comentado aqui hoje, [...] quando a gente fala de flexibilidade, você chega com uma ideia, como lá no movimento. Você até vai com uma ideia e ao tocar no outro, ao sentir o olhar, o movimento, você acaba entrando na onda do movimento do outro e a partir dali já surge um novo movimento. Assim como com as ideias, você tinha uma ideia inicialmente, acho que todo mundo tinha alguma. Quando você escuta o outro, você cria novas ideias a partir da escuta do outro. Esse é o grande mote do Freire, comentado hoje, do estar juntos. A grande reflexão de hoje: construir juntos, estar juntos. (2º encontro de planejamento com os educadores – 16/7/2013)

Resgato aqui o Princípio da Auto-eco-organização do Pensamento Complexo, que me auxilia na compreensão da relação autonomia/dependência entre as flexibilizações no planejamento de cada encontro e as informações, demandas e emergências oriundas dos educadores e dos outros funcionários do Campus. Percebo os movimentos de retroação e de retroalimentação entre planejamento e emergências: chegávamos com um planejamento, que logo era refeito. Ao ser compartilhado e posto em ação, novamente devia ser refeito para acolher as novas demandas, a partir da interação com os educadores e com o ambiente. Novamente replanejávamos, apresentávamos, colocávamos em ação e voltávamos a replanejar. Sempre que necessário. O que levo comigo da aprendizagem escuta-diálogo-flexibilidade para a minha matriz pedagógica-pesquisadora? Levo a escuta atenta e sensível aos tempos individuais, coletivos e do ambiente. Levo o compartilhar, o dialogar sobre o planejamento, sobre os imprevistos, sobre o que foi modificado em relação ao que tinha sido planejado. Levo a necessidade de criação de momentos de acordo de convivência e de escuta das expectativas, não somente no início do curso. Levo o diálogo para que cheguemos a soluções conjuntas de imprevistos. Levo a necessidade de adaptação do planejado ao que emerge na relação com os estudantes. Levo a abertura à escuta de mim, dos outros e da totalidade e ao diálogo e à flexibilidade e desapego ao que foi planejado, sem perder os objetivos de formação pretendidos.

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Aprendizagem: vínculos, rituais e vivências pedagógicas Ao longo de toda a “Formação de Educadores para a Cidadania” foram trabalhados intencionalmente – pois estava presente nos planejamentos e nas falas das formadoras e nas vivências realizadas – os vínculos que os educadores estabeleciam consigo mesmos, com os outros – colegas de formação, nós formadoras, familiares, colegas de trabalho – e com a totalidade – seja ela representada pelo grupo de educadores, ambiente familiar, ambiente de trabalho, comunidade onde vivem e convivem, município, estado, país, mundo, natureza, cosmos. Esses vínculos foram trabalhados a partir da integração de rituais de abertura e de encerramento, de vivências pedagógicas com diálogos e estudos sobre

temas

teóricos

como,

por

exemplo,

Complexidade

(Edgar

Morin),

Transdisciplinaridade (Basarab Nicolescu; Maria Cândida Moraes), Civilização da Religação (Leonardo Boff), e as Necessidades Humanas e Matrizes Positivas e Negativas de Manfred Max-Neef. No acordo de convivência do Módulo 1, a formadora-pesquisadora 1 comentou sobre os vínculos a partir da perspectiva da Educação Biocêntrica e da Transdisciplinaridade: Formadora-pesquisadora 1: Nós vamos trabalhar nesse final de semana com uma diretriz da Educação Biocêntrica, que a Transdisciplinaridade também se utiliza, que é em cima dos vínculos. Nós vivemos em um mundo de relações, nós não vivemos sozinhos. [...] Estamos todos interligados. Aprofundar um pouco esse conceito de vínculo. Então, fortalecer o vínculo de nós conosco mesmo, que esse é um vínculo primordial. Fortalecer o vínculo com o outro e com a totalidade. A totalidade é um conceito que muda. A gente pode pensar a totalidade como esse grupo que está aqui. [...] Nós podemos pensar como totalidade, o município de Horizonte. Nós podemos pensar em totalidade como o Estado do Ceará. [...] (1º dia do Módulo 1 – 26/6/2012).

O detalhamento desta aprendizagem não tem o objetivo de ser exaustivo na listagem de todos os rituais e vivências pedagógicas realizadas na Formação de Educadores. Especifico apenas algumas vivências no sentido de exemplificar o que está sendo comentado ao longo das aprendizagens. Por rituais de abertura, compreendo as vivências integradoras realizadas no início de um encontro formativo, para abertura, criação do clima de comunhão do grupo. Por rituais de encerramento, compreendo as vivências integradoras realizadas para encerramento, fechamento de um encontro em um clima de harmonia, acolhimento, despedida, abraço. Por vivências pedagógicas, compreendo

232

os exercícios de meditação, de observação, de escutas, de leituras e de círculos de diálogo, realizados ao longo dos encontros formativos e estão entre os rituais de início e de encerramento. Vivências integradoras, na proposta de Rolando Toro, são exercícios com música, movimento e vivência que “favorecem uma elevação do grau de saúde e de vitalidade” (TORO, 2005a, p. 31), “promovem integração do organismo, o que se traduz em profunda sensação de harmonia”. (TORO, 1991, p. 14), “produzem bemestar corporal, sensação de harmonia, doçura e plenitude” (TORO, 1991, p. 82). É uma “experiência vivida com grande intensidade por um indivíduo no momento presente [aqui e agora], que envolve a cenestesia, as funções viscerais e emocionais” (TORO, 2005a, p. 30). As vivências pedagógicas, na proposta de Ruth Cavalcante (2013, p. 1), são o meio pelo qual é desenvolvida a metodologia da Educação Biocêntrica, caracterizada como reflexiva-dialógica-vivencial, “gerando outra atitude para conhecer, aprender e se desenvolver. Parte do pré-reflexivo, através do diálogo, e inclui a corporeidade, trazendo o corpo para o processo de aprendizagem e desenvolvimento, algo concreto, físico, material”. Caracterizando a dimensão ritualística da Educação Biocêntrica, a autora Florencia Furlotti a compreende como: [...] um aspecto da Educação pouco reconhecido na Educação tradicional, mas não por isso ausente dentro das práticas educativas, e que na Educação Biocêntrica tem um papel importante: a dimensão ritualística. Esta dimensão é central no processo de ensino-aprendizagem que a Educação Biocêntrica desenvolve tanto nas escolas, quanto nas organizações e nas comunidades porque é nestes rituais que se produzem modificações, transformações existenciais na nossa identidade, conectando com a dimensão do sagrado da nossa história de vida, o mais sagrado que 58 há nos outros e o sentimento de maior hierofania de nos sentirmos natureza, unidos e fundidos na natureza. (FURLOTTI, 2012, p. 11)

A autora também destaca alguns requisitos necessários para que o educador biocêntrico realize rituais nos ambientes de aprendizagem, além de estar aberto a descobrir os rituais e as dimensões da aprendizagem que se deseja trabalhar: É assim que para fazer um ritual na Educação Biocêntrica se devem ter presentes: o sentido; o valor; quais são os conteúdos que se deseja apresentar e como; o educador biocêntrico, que deve incorporar o papel de mestre/sacerdotisa. O ambiente de aprendizagem tem que estar coerentemente preparado para o ritual, para isso deve prever os recursos e 58

Definição: aparecimento ou manifestação reveladora do sagrado. (Dicionário Houaiss)

233 materiais que farão parte do ritual e do ambiente de aprendizagem. (FURLOTTI, 2012, p. 21)

A partir de entrevista com a facilitadora Betânia Moura, a autora Furlotti destaca a seguinte definição de ritual apresentada pela entrevistada: O ritual é um momento de comunhão entre as pessoas, de muita sintonia. As pessoas se voltam para um desejo em comum, de crescimento, desenvolvimento, vinculação com a totalidade, de reverenciar a natureza, de se reconhecer como ser único no universo e ao mesmo tempo de se sentir parte do coletivo, dessa totalidade. [...] vejo também o lado mágico, místico, do encantamento e do mistério que o ritual traz. Todo ritual tem isso. Quando você fala: nós vamos trabalhar o ritual de determinado aspecto, fica aquela expectativa, que mistério é esse, o que é que esse ritual vai me trazer? E à medida que vai vivenciando o ritual vai se encantando, vai se envolvendo de uma maneira tal que você sabe que saiu 59 da dimensão imanente e que se vinculou com o transcendente. Algo que você não consegue explicar, por mais simples que seja o ritual, se é um ritual de vínculo, um ritual voltado para a vida, essa manifestação do sagrado aparece (FURLOTTI, 2012, p. 22)

A formadora-pesquisadora 1, no Módulo 1, também comenta do papel dos rituais dentro do Pensamento Transdisciplinar na relação com o sagrado: Formadora-pesquisadora 1: Dentro do Pensamento Transdisciplinar, existe um lugar para que nós cultivemos aquilo que os autores chamam de “o sagrado”. Não existe aqui nenhuma conotação religiosa, embora as religiões, de alguma maneira, nos colocam maneiras de como nós temos a experiência do divino, do sagrado e da espiritualidade. Nós vamos entender aqui o sagrado como sendo a essência de vida que existe em nós. É o momento que nós cultivamos os valores que estão ligados à nossa reverência à vida. [...] Em todo o processo educativo existe os rituais do grupo que compõem esse projeto. O ritual tem a função, dentro da maneira que nós entendemos a Educação, exatamente de criar um pertencimento, de nós termos uma maneira de proceder que diga desse grupo que se forma [...] (1º dia do Módulo 1 – 29/6/2012).

De acordo com Nicolescu (2000b, p. 132), na Transdisciplinaridade, o sagrado é definido como a zona de não resistência que une sujeito e objeto, que liga os Níveis de Percepção do sujeito e os Níveis de Realidade do objeto e que “não se submete a nenhuma racionalização”. Como exemplo de um ritual de abertura do 2º encontro de planejamento com os educadores (8/6/2013), fizemos um cortejo de recepção, iniciando no térreo da casa em Águas Belas, cantando a música: Sejam bem-vindos à praia Águas Belas. Sejam bem-vindos à praia Águas Belas. Vieram de Horizonte pra conosco trabalhar. Vieram de Horizonte pra conosco trabalhar. Quando vem traz alegria, quando vai deixa saudade. 59

Que está inseparavelmente contido ou implicado na natureza de um ser, ou de um conjunto de seres, de uma experiência ou de um conceito. (Dicionário Houaiss)

234 Sejam bem-vindos à praia Águas Belas. Sejam bem-vindos à praia Águas Belas (Música do cortejo – 2º encontro de planejamento com os educadores – 8/6/2013)

Em cortejo, cantando, subimos as escadas até o terraço da casa. Chegando ao terraço, fizemos uma roda para iniciarmos o dia fazendo uma consagração ao sol (mesmo rapidamente, pois o sol já estava alto e forte). Figura 14 - Ritual de abertura - Roda de boas-vindas e de consagração ao sol

Nesta roda, a formadora-pesquisadora 1 fez a seguinte fala de introdução (consigna): Nós, para pensarmos no dia de hoje, a gente fazer uma consagração em primeiro lugar ao sol, simbolizando a luz, simbolizando o calor e a fonte de vida que ele representa. Mas é claro que o sol para a vida não é suficiente. Então nós temos a água, nós temos o ar, nós temos a terra. E essa confluência que permite o surgimento da vida. Meu pai era juiz, ele faleceu cedo e um dia a gente achou uns escritos dele. Ele escrevia as coisas e colocava no meio dos papéis de rascunho. Ele dizia que o escritório de um homem não podia ser fechado entre quatro paredes, onde ele se sentisse onipotente. Mas que tinha que ser em meio à natureza. Junto à natureza, o homem se coloca na sua verdadeira dimensão e pode servir à vida. Então essa casa, o meu escritório ali é inspiração disso que um dia eu encontrei na lição póstuma do meu pai. A gente gostaria de começar com vocês pegando o sol, como fonte de vida, fonte de inspiração e de luz. Nós vamos fazer diversas referências a isso durante o dia. Mas também nos colocar, nós, educadores para a cidadania, como servidores à vida. Então a cada vez que a gente se encontra, a gente vai agregando algo. Hoje a gente gostaria de agregar com vocês, como servidores à vida. [...] O objetivo maior é a vida. E, nós colocamos em nosso projeto que a vida seja dignificada, reverenciada e consagrada. (2º encontro de planejamento com os educadores – 8/6/2013)

A formadora-pesquisadora 1 abriu um espaço para que alguém fizesse uma fala ou uma oração. Alguns educadores e educadores comentaram: Educador Marq.: o local foi pensado estrategicamente, [...] porque além da benção do pai sol, nós temos o horizonte presente através do rio

235 malcozinhado que deságua aqui, que desemboca aqui. Um pedacinho de nós veio por essas águas, para estar aqui conosco. Educadora 1: Nossa tão poético! Formadora-pesquisadora 1: Mais alguém quer fazer alguma (fala)... Educadora 2: Tem também um mantra. Antes dos artistas entrarem no palco, eles costumam orar. É mais ou menos assim... Eu vou dizendo e vocês vão repetindo: Eu junto a minha mão na sua (todos repetem). Eu junto meu coração ao seu (todos repetem). Para que juntos possamos fazer. (todos repetem). Aquilo que não conseguimos fazer sozinhos (todos repetem). (2º encontro de planejamento com os educadores – 8/6/2013)

Chamou-me muito a atenção o clima que se criou, de harmonia, de paz, de comunhão, de benção entre os integrantes do grupo e que, agora, estávamos preparados e integrados enquanto grupo para podermos iniciar as atividades desse dia de encontro de planejamento. Outro exemplo de ritual de abertura, no Módulo 1, fizemos uma roda de bênçãos a alguma pessoa que propiciou a presença de cada um(a), neste dia de formação. Cada participante, com um cajado na mão (cedro de madeira com fitas coloridas), reverenciou uma pessoa/mestre. Essa foi uma forma de trabalhar o vínculo com o outro e também com os mestres (sejam eles professores, deuses, pais, mães, estudiosos etc) que fizeram parte da constituição de cada pessoa ali presente. Foi um momento de muita serenidade e emoção e de valorização da história de cada um. Essa vivência foi realizada antes da atividade de elaboração criativa do crachá de identificação de cada participante. Figura 15 - Ritual de abertura - benção aos mestres

236

Refletindo sobre a relação entre a capacidade de escuta, de fala, a importância dos momentos de benção na metodologia do curso e o vínculo trabalhados, as formadoras-pesquisadoras comentaram no Módulo 1, logo após essa vivência: Formadora-pesquisadora 1: em alguns momentos nós vamos exercitar tanto a capacidade de ouvir, [...] a capacidade de exercer a nossa fala, exercitar a responsabilidade da fala, em outros momentos, a gente vai articular isso de uma maneira diferente, porque lidar com um grupo grande como esse é sempre desafiador. [...] o cajado vai ficar aqui no cantinho, [...], que mesmo que a gente não peça a benção nem amanhã [...] e nem depois, o cajado fica aqui no cantinho para nos lembrar que esse movimento de pedir a benção é uma constante no nosso grupo. Formadora-pesquisadora 2: Emanados com esse clima e essa energia com a nossa ancestralidade, a gente começa a penetrar no vínculo com a gente mesmo. Toda essa recordação que a gente expressa individualmente, mas que quando ouve o outro traz [...] a gente se coloca naquela situação de ter vivido coisa parecida [..], então quem sou eu? A gente vai convidar vocês para que confeccionem o próprio crachá [...] cada um elabore o seu próprio crachá de maneira que achar mais bonito, [...] vocês podem dar a forma que quiserem. A gente vai colocar aqui no centro da sala o material que a gente dispõe: lápis de cera, lápis de cor, tesoura, cola e os papéis [...]. (1º dia do Módulo 1 – 29/6/2012)

Sendo assim, para compreender essa aprendizagem, concebo o vínculo como sendo o “algo” que liga, que constrói uma relação de proximidade, um elo afetivo das pessoas consigo mesmas, entre pessoas, entre pessoas e os meios onde vivem e convivem. A autora Cavalcante (2014) exemplifica os três tipos de vínculos trabalhados na Educação Biocêntrica: (1) vínculo comigo mesmo: Por que eu faço essas escolhas na vida? Quem sou eu? Porque eu estou aqui?; (2) vínculo com o outro: desde aquele outro que eu escolho para fazer parte da minha vida, por exemplo, meu par, meus filhos, meus alunos, ou qualquer um outro; (3) vínculo com a totalidade: a totalidade pode ser representada pelo núcleo familiar, grupos de trabalho, sociedade com a qual nos comprometemos socialmente, o cosmos, o sagrado, o divino. Complementa com perguntas como: Em que mundo eu estou? Que mundo é esse? Qual é o meu papel nesse mundo?, pois “eu sou um ser no mundo, que faço parte dele, mas eu sou um ser do mundo, que o transformo”. Nesse trabalhar os vínculos, a autora concebe os rituais de vínculos e de aprendizagem como “momentos intensos, cheios de significados, profundos, que criamos através de uma ambiência de aprendizagem e de desenvolvimento” (CAVALCANTE, 2014). São maneiras de “voltar a ritualizar a vida, pois os vínculos se fortalecem através de vínculos”, que hoje se encontra tão mecanizada, na qual

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seguimos padrões que mecanizam a nossa forma de estar no mundo. E lança as seguintes reflexões: Como eu estou ritualizando a minha vida? Na minha relação a dois? O que é que eu faço para ritualizar a minha relação com os meus filhos? Com meu amado? Com a minha amada? Com o mundo que me envolve? Que rituais eu crio? Comenta que os antigos, que as tradições já tinham vários ritos, que as expressões religiosas possuem e nos convida a termos rituais no nosso dia a dia (CAVALCANTE, 2011a). Um exemplo de vivência pedagógica para a leitura de um texto (que entrelaça rituais e vivências pedagógicas), composta pela contextualização histórica do texto, pelo ritual de preparação, pela leitura propriamente dita em grupos menores e depois por um ritual de leitura dos relatórios elaborados pelos grupos. No Módulo 1, antes da leitura da Carta da Transdisciplinaridade, primeiro foi feita uma contextualização da carta – em uma fala expositiva em relação ao momento e evento nos quais foi elaborada e referência aos autores dessa carta. Em seguida, foi feito um ritual de preparação para a leitura. Com luzes apagadas (apenas com a iluminação indireta das janelas), cada grupo de 3 a 4 pessoas, se sentou no chão em pequenas rodas, foram colocadas velas acesas no centro dos grupos, com um momento breve de quietude e abertura. Foi preparado todo o clima de leitura, de abertura de um espaço interno para entrar em contato com os saberes que esse documento de referência da Transdisciplinaridade traz. Figura 16 - Momento de quietude anterior à leitura da Carta da Transdisciplinaridade

238

Para a condução desse ritual de preparação, com uma música instrumental de fundo, a formadora-pesquisadora 1 fez a seguinte orientação da vivência: Formadora-pesquisadora 1: Antes de fazer a leitura de um texto, pensamos em uma outra maneira de ler. Nós já sabemos quem escreveu, o contexto em que essa carta foi escrita. Nós já vimos o local em que essa carta foi escrita. Antes de iniciar a leitura, nós vamos fazer um momento de quietude. É como se nós quiséssemos abrir um espaço dentro de nós, para o diálogo com o que o texto vai nos trazer, nós vamos acender a vela que está na frente de vocês [...] Agora eu vou pedir para vocês se controlarem no silêncio [...] a gente está trabalhando a nossa sensibilidade como um todo. O visual nos chama muito. Mas quando o visual se acalma, a gente diminui a luz. A gente cria um ambiente em que o apelo visual é mais sereno. O próximo apelo que nos chama muito é o ouvido. [...] Então a gente vai fazer o exercício, e se no momento que nós estamos nos aquietando, [...] vier um som que venha de qualquer lugar, eu vou perceber o som e vou deixar o som ir embora. Eu não vou colocar a minha atenção naquele som. Porque senão em qualquer momento que eu precise de uma concentração, a qualquer som que venha externo, eu perco a concentração. E essa é uma das dificuldades que na atualidade a gente tem (enquanto as velas vão sendo acesas...), enquanto isso a gente vai se aquietando, baixando os olhos... vamos nos concentrando um pouco na música, considerando que essa vela que está no meio dos grupos, é como se fosse o conhecimento produzido pela humanidade, desde tempos imemoriais até hoje. E nós nos reunimos como antigamente, como outros povos, em volta do fogo, com toda a simbologia que o fogo tem, de aquecer, de proteger, de iluminar, de transmutar. [...] (3º dia do Módulo 1 – 1/7/2012).

Figura 17 - Exemplo de um grupo com vela acesa ao centro em seu momento de quietude

Em seguida, os grupos se espalharam pelo Campus para fazerem a leitura da carta. Após os diálogos em grupos menores sobre o preâmbulo e dois artigos da carta e elaboração do relatório do grupo, foi feito um ritual de leitura dos relatórios elaborados por cada grupo, com o desenvolvimento da escuta amorosa, do vínculo com o outro, em respeito e cuidado com os que estão compartilhando a síntese do

239

seu grupo a respeito da Carta da Transdisciplinaridade. No centro da sala foram colocadas 7 cadeiras em círculo, com a carta no centro e velas ao redor da carta, nas quais se sentaram os representantes dos grupos. Os demais educadores ficaram sentados nas cadeiras em volta do círculo central. Como

introdução

desta

parte

da

vivência

pedagógica,

Formadora-

pesquisadora 2 apresentou a seguinte consigna: Formadora-pesquisadora 2: Cada um nesse momento tem um papel diferenciado, [..]. como ontem naquele exercício que a gente fez na quadrilha, no jogo cooperativo. Nesse momento é outra experiência que a gente vai ter disso. As outras pessoas que estão nas cadeiras geraram sua contribuição no grupo na formulação desse relatório. E agora nós vamos dar a nossa contribuição na escuta amorosa da produção que vai ser apresentada aqui. Certo? Cada grupo trabalhou com muita energia, com muita seriedade. Alguns grupos nem queriam se levantar para ir lanchar. [...] A preocupação em produzir alguma coisa bem elaborada, então a resposta nossa agora vai ser com respeito a esse produto do trabalho, à escuta e ao processamento que vai ficar gravado na gente, na nossa memória afetiva desse trabalho. [...] no tempo de cada um aqui, vocês fazem a leitura (do relatório feito pelo grupo das partes lidas da carta da Transdisciplinaridade) A gente vai ouvir quem se dispuser a ler primeiro, dentro dessa roda no tempo de cada um. [3º dia do Módulo 1 – 1/7/2012). Figura 18 - Ritual para leitura e escuta dos relatórios sobre a Carta da Transdisciplinaridade

A respeito da relação entre vivências e vínculos, a autora Ruth Cavalcante (2006, p. 18) compreende que: A vivência propicia a formação de vínculos intensos, consigo mesmo, com o outro e com a totalidade que geram a base para o desenvolvimento da Inteligência Afetiva. Esses vínculos têm muita importância na construção do conhecimento, porque mexem também com as estruturas cognitivas e aumentam a capacidade de se ouvir e ouvir o outro e a realidade. Ressignifica e revaloriza o aprendizado, desenvolvendo novas posturas de aprender através das emoções e sentimentos. Amplia o processo pedagógico para um processo de vida. Nós ouvimos, com muita frequência,

240 depoimentos de participantes dos nossos cursos falando das transformações existenciais ocorridas a partir deles. Isso comprova que há uma ressignificação da aprendizagem para transformar-se a si mesmo e ao mundo e não para estabelecer mecanismos de controle.

Outra vivência pedagógica que trago é o trabalho com a expressão e linguagem poética no momento de apresentação da síntese poética a partir do diálogo sobre as atividades de elaboração do crachá (feita no dia anterior) e de leitura do trecho do texto “Homo Complexus”, de Isabel Petraglia, realizada no Módulo 1. Teve como objetivo trabalhar o vínculo com os outros, fortalecendo os laços entre os integrantes dos grupos menores e de todo o grupo, ao propiciar que as pessoas se agrupassem e se conhecessem a partir de elementos que não fossem somente o nome, idade e a profissão. Cada grupo foi convidado a apresentar sua síntese poética, por meio de desenho e elaboração de poesia, a partir do encontro do grupo, do diálogo sobre a vivência do “eu sou” (feita no dia anterior) e da leitura do texto.

Figura 19 - Vivência pedagógica - apresentação de síntese poética (desenho e poesia)

Como exemplo, no grupo ilustrado na figura 19, o desenho apresentado foi uma flor e, de acordo com o grupo: A gente escolheu a flor por essa capacidade de absorver todos os nutrientes essenciais para a vida. E também por sua capacidade de soltar, através de suas pétalas, com o pólen.

A síntese, em forma de poesia, feita por esse grupo: O homo sapiens é ser alicerce e atitudes. Ser diferente em tudo e igual nas diferenças. Ser construtor de conhecimento e de relações afetivas.

241 Ser criação e destruição. Ser ação-reflexão-ação. Ser capaz de transformar o ambiente, o meio, a vida, o mundo. Ser homo complexus. Ser como a chuva que molha o chão e brota a vida.

Percebo as sínteses poéticas (imagens, poesias, encenações, músicas etc) como uma maneira interessante para compreendermos a essência do que ficou para o grupo a partir da leitura de um texto e/ou da realização de uma vivência/ritual. São expressões do conhecimento do grupo complementares à escrita dissertativa conceitual, também trabalhada em outras atividades. A seguir, apresento alguns exemplos de rituais de encerramento de módulos e encontros. No 3º encontro de planejamento com os educadores, o ritual de encerramento, de confraternização, foi feito com a música “Andança”. Como estávamos nesse encontro fortalecendo as parcerias, em duplas, vamos fazendo uma caminhada, e cada dupla faz um “passinho” de acordo com o ritmo e som da música. Cada vez que aparecer o refrão da música “por onde for quero ser seu par”, escolhemos outra dupla e trocamos de par. Figura 20 - Ritual de encerramento - "Por onde for quero ser seu par"

No 5º encontro de planejamento, como ritual de encerramento, fizemos uma ciranda com a música “Vida”, de Gilberto Gil, para celebrar a vida, que depois virou um caracol e em seguida se tornou um túnel.

242

Figura 21 - Ritual de encerramento - Celebrar a vida - Ciranda

A ciranda virou um caracol...

Figura 22 - Ritual de encerramento - Celebrar a vida - Caracol

E depois virou um túnel...

243 Figura 23 - Ritual de encerramento - Celebrar a vida - Túnel

No Módulo 2, fechamos com uma roda de embalo, onde fortalecemos o vínculo com a totalidade do grupo, onde formamos uma roda no meio da sala, com os braços envolvendo a cintura do colega ao lado, encostamos os quadris, embalados (para um lado e para o outro) ao som da música “Sementes do Amanhã”. Figura 24 - Roda de embalo

Destacarei os seguintes elementos metodológicos presentes em rituais e vivências pedagógicas: música, silêncio/contemplação, movimento do corpo e consignas. A música se fez presente em vários rituais e vivências pedagógicas. Além de criar uma ambientação (“clima”) para a realização da vivência, ela tem a função de organizar o tempo e o ritmo da atividade. Foram utilizadas tanto em vivências de

244

mais quietude, de meditação e também nas vivências que exigiram movimento, interação e contato entre as pessoas. No segundo dia do Módulo 1, a Formadora-pesquisadora 1 fez um comentário metodológico a respeito do papel da música na metodologia da formação: Formadora-pesquisadora 1: Vocês perceberam como a música [...] nos ajuda a encontrar o tempo coletivo? [...] a música [...] naturalmente, já serve de regulação do tempo. [...] tem diferentes finalidades. [...] atua no nosso cérebro, até com mudança de frequência. Às vezes, eu estou agitada e uma música tranquila pode fazer que meu cérebro mude o padrão vibratório e que a coisa se asserene. [...] ela serve, dependendo do ritmo e da melodia, pra essa harmonização de acordo com os objetivos, mas também na organização de tempo. Muitas vezes, a gente faz esse ajuste de maneira harmoniosa, sem precisar cortar a atividade, mas a gente faz o acerto: olha... enquanto durar a música. Claro que a gente fica atenta, dependendo da proposta [...] pode ser que a música seja muito curta e a gente vai lá e repete. Mas continua valendo a organização do tempo. (2º dia do Módulo 1 – 30/06/2012).

Na Educação Biocêntrica e na Biodanza, a música também tem um importante

papel

metodológico

de

“induzir

estados,

ativar

processos

psicossomáticos, estimular o contato interpessoal etc. Não são usados sons isolados nem ‘preparações sonoras’” (TORO, 1991, p. 10). A escolha da música busca que, por meio dela, se possa “integrar o movimento, a emoção e as vivências” (TORO, 1991, p. 298). Para tanto, é importante estar atento ao ritmo, à letra, aos significados emocionais que prevalecem na música utilizada – por exemplo, alegre, vital, euforizante, tranquilizador, energizante, sensual, apaixonado, profundo, estranho, intenso, grandioso, diverso, terno, solidário, amável, caloroso, harmônico, sublime, oceânico, eterno, sem limites, misterioso, ilimitado. Ao mesmo tempo que encontramos a música como elemento importante de algumas vivências na Formação de Educadores para a Cidadania, houve outras vivências onde são trabalhados o silêncio, a quietude e a contemplação. As vivências foram meditativas, de atenção e/ou de contemplação ao que se estava ouvindo, sentindo, saboreando ou tocando. No Módulo 3, trabalhamos um texto que abarcava a contemplação como um direito humano e, assim, o definia: A contemplação é o que nos permite ver o que é, tanto dentro quanto fora. É o que nos dá condição de ver o mundo. Até por que o mundo, mais que ser transformado, precisa ser visto. Desenvolver as faculdades contemplativas nos leva a recordar que a missão do ser humano não é tanto fazer, mas ser. Ser com e na natureza. Desenvolver as faculdades contemplativas é o que pode nos auxiliar a ir além dos conceitos, transcendendo-os, ultrapassando-os, encontrando o seu sentido, indo além das ambiguidades, das contradições.

245 O direito à contemplação nos faz perceber que além de saber a realidade é preciso vê-la em sua essência. E é esta visão que nos dá o discernimento, essencial para o respeito também aos direitos de todos os seres que cohabitam conosco o Planeta Terra. (ARNT, 2012b, p. 1)

Um exemplo de vivência pedagógica para vínculo com a totalidade – natureza – e de contemplação, foi a vivência da pedra, no Módulo 3. Primeiramente, saímos para a área externa do Campus Experimental da UECE em busca de uma pedra que piscasse para cada um, que mais nos chamasse a atenção. Essa foi uma vivência pedagógica para abertura ao tema da contemplação, que depois foi dialogado a partir do texto “Direito à Contemplação” (ARNT, 2012b). Figura 25 - Vivência pedagógica - vínculo com a totalidade - busca da pedra

Ao retornarmos para a sala, reunimos os educadores em grupos menores (5 ou 6 pessoas). Foi uma atividade de atenção profunda e de concentração. Foi orientado que a pedra fosse colocada em frente à pessoa e depois, ao som de uma música instrumental e tranquila, fizemos um momento de meditação e relaxamento. Em seguida, de olhos fechados, eles pegaram a pedra escolhida e manusearam a pedra para conhecê-la sem o olhar (textura, formato, cheiro, tato/toque) e entrar em contato profundo com a pedra. Nas palavras da Formadora-pesquisadora 1: “tentar ser um/a com a pedra, como se vocês quisessem se fundir à pedra”. Depois, a pedra foi deixada novamente no chão/cadeira e misturamos as pedras do grupo junto com outras pedras “desconhecidas”. Em seguida, sem abrir os olhos, cada um tentou encontrar sua pedra em meio às demais.

246 Figura 26 - Vivência pedagógica - vínculo com a totalidade - contato profundo com a pedra

Ao serem perguntados como foi a vivência, surgiram os seguintes comentários: Educadora Fl. (grupo 1).: Trazer o antigo para o novo, o passado no presente. Com a música também, deve existir um lugar, um bom lugar para nós cheio de paz, de esperança. Foi um encontro com coisas maravilhosas. E, o melhor, nós encontramos nossas pedras. Educador Ed. (grupo 2): Rolei a pedra nas mãos e disse para as meninas, eu vou acertar. Só que na hora que eu comecei, deu branco aqui (risos) e eu ativei outro sentido, o olfato, então eu consegui localizar, porque eu tinha cheirado antes a pedra. A dinâmica desperta isso, você ter que ativar outras percepções, [...] para atingir o objetivo, você tem que abrir, se permitir se jogar para outras direções. Educador Marq. (grupo 3): eu tenho uma boa relação com pedras, eu tenho uma coleção de pedras. A gente procura detalhes, [...] daquilo que é só seu, que é particular, nenhuma outra vai ser igual. Educadora Neu. (grupo 4): a gente quando fez a procura, estava com o olhar mais aguçado, onde é que está aquela pedra que vai piscar para mim. E eu trouxe. Como ele disse, a gente se agarra a detalhes, no tato, no jeito, no pegar. Quando colocamos as pedras aqui e era momento de voltar para pegar a sua, eu não encontrei a minha na primeira vez. Não encontrei na segunda, não encontrei na terceira, foi me dando, assim, uma angústia. (risos) Eu pegava nas outras e sabia que não era a minha. Até que em outro momento eu consegui pegar e na pegada eu disse: essa é a minha. Educador Ser. (grupo 1): o tempo que eu fiquei de olhos fechados e a energia que passou para essa pedra, me deu uma sensação tão grande que eu queria encontrá-la. Nós criamos um vínculo, que só me interessava ela. Outra pedra qualquer não estava certo. A energia que você transfere para aquele simples objeto, é como se fosse sua alma ali. [...] Foi muito interessante. (1º dia do Módulo 3 – 19/10/2012).

No Módulo 4, por exemplo, uma das vivências pedagógicas realizadas foi o degustar

o

alimento,

vinculado

ao

direito

à

alimentação.

Primeiramente,

247

asserenamos a mente, em um momento meditativo, contando e acalmando a respiração. Figura 27 - Vivência pedagógica - Direito à alimentação - momento meditativo

Em seguida, entregamos um pedaço de melão para todos. Com esse pedaço de melão na boca, cada um deveria mastigá-lo devagar, prestando atenção na temperatura, na textura, no gosto, aproveitando cada movimento. Figura 28 - Vivência pedagógica - Direito à alimentação - momento saborear a fruta

Outro elemento presente nos rituais e vivências pedagógicas era o movimento do corpo. Era um movimento natural, sem passos marcados ou coreografias preestabelecidas. Eram caminhares (deslocamento pela sala) rápidos ou, às vezes, lentos, rodas, brincadeiras – onde um colega guiava o outro, por

248

exemplo. Movimentos orgânicos que respeitam os movimentos naturais do corpo, que todos os participantes sabem fazê-los. Podem não estar mais acostumados, ou mesmo nunca terem feito em uma situação de aprendizagem em um curso de formação, mas todos tinham plenas condições de realizá-los. No 1º dia de encontro do Módulo 2, fizemos uma vivência que chamamos de “A complexidade do outro”. Com a luz apagada, iniciamos por uma caminhada lenta, individual, regada à música “De volta pro meu aconchego”, cantada por Elba Ramalho, soltando o corpo, olhando para as pessoas que passavam por nós. Sem falar. Figura 29 - Início da vivência pedagógica: A Complexidade do outro - caminhada individual (parte 1)

Em seguida, embalados pela mesma música, cada um pegou na mão de alguém que estava próximo, e fizeram uma caminhada conjunta.

249 Figura 30 - Caminhada conjunta em duplas (parte 2)

Ao longo da caminhada, orientamos que as pessoas, que estavam juntas, se olhassem e se despedissem, continuassem caminhando individualmente. Depois de um tempo, novamente os orientamos a dar as mãos à outra pessoa para caminharem juntos. Esse movimento de caminhada individual, caminhada em dupla e despedida foi feito cinco vezes ao longo da música. Figura 31 - Trocas de duplas para continuar a caminhada conjunta (parte 3)

Por fim, nas duas últimas trocas, no momento de dar as mãos a outra pessoa, alguns já passavam o braço pela cintura, ou mesmo andavam já abraçados. Após essa vivência, ao terminar a música, as duplas se sentaram, um(a) de frente para o(a) outro(a), nas cadeiras em algum local da sala.

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Em seguida, com outra música instrumental, já com a luz acesa, em duplas, orientamos para que as pessoas olhassem nos olhos da outra pessoa e dissesse o que vê no outro: “eu te vejo e reconheço em ti que és”... Para finalizar esse momento de compartilhamento, levantamos e demos um abraço de corpo inteiro. Figura 32 - Olhar nos olhos do outro e dizer o que vê (parte 4)

Depois formamos uma roda grande, com todos sentados em cadeiras, e pedimos que duas pessoas comentassem a vivência. No planejamento estava previsto o comentário sobre a vivência por quatro pessoas. Mas tivemos que reduzir para duas pessoas para poder seguir e reorganizar o planejamento em relação ao horário e às atividades previstas ainda para o dia. Essa foi uma vivência de introdução para o diálogo sobre dignidade humana.

Figura 33 - Diálogo com todo o grupo para comentar a vivência (parte 5)

251

A Educadora Lur. comentou que essa tinha sido a melhor experiência que ela já viveu na vida, em relação à dinâmica. Ela disse que não conhecia o colega com quem fez a vivência, que só o tinha visto nas formações. E, ao olhar nos olhos dela, e ele a descreveu. Assim ela comentou: “ele me descreveu toda, completa. Eu não tiraria nada, eu não acrescentaria nada porque ele foi perfeito nas colocações dele. Acho que as pessoas que me conhecem, não teriam falado tão bem.” (1º dia do Módulo 2 – 2/8/2012) Então, a Formadora-pesquisadora 1 comentou: “Aí tem um detalhe [...] os olhos dizem muito, mas para isso, em primeiro lugar, a gente tem que permitir que nos olhem e quem está nos olhando tem que ter a seriedade e essa profundidade no olhar”. E pergunta ao grupo: “Tem alguém que ouviu coisas de si que não tem nada a ver?” (1º dia do Módulo 2 – 2/8/2012). A Educadora Al. comentou sobre seus medos e inseguranças ao realizar a vivência: Em primeiro lugar, eu tive medo que alguém me olhasse no olho, porque ao me olhar e ter a oportunidade de olhar para alguém, eu vou ter a oportunidade de perceber muitas coisas, que muitas vezes eu desejo que ninguém saiba sobre mim. Essa outra pessoa vai me descobrir por inteira. Eu nunca gostei de olhar no olho de ninguém. E quando alguém tenta me olhar no olho eu desvio. Mas hoje [...] nós queríamos olhar. Por isso é tão difícil ver o outro, porque ao vê-lo pode ser que eu perceba coisas que me agradam ou coisas que eu tenho certeza que não vão me agradar. [...] E pode ser que o outro diga verdades muito duras que eu conheço, mas que eu não quero que ninguém me diga. Para mim, foi difícil tanto escutar quanto ter que dizer quem é o outro e como eu vejo o outro verdadeiramente. Por que massagear o ego é moleza, né? E a minha preocupação: e se eu ver algo que não é positivo, né? (1º dia do Módulo 2 – 2/8/2012)

Como a necessidade de falar era grande, a outra educadora Luz. comentou: Essa questão que a Al. disse é uma questão séria. Mas tem uma coisa muito importante, às vezes você não diz, mas a pessoa está tão envolvida que ela mesma diz e não precisa dizer, porque o olhar dela te diz isso. Ao olhar e ao ver isso, não precisa você falar pra ela. Porque se você não falar, ela mesma vai falar, porque ela se sentiu tocada. Eu acho essa experiência desse não falar é muito importante, porque quando eu estou olhando para você, eu estou vendo, eu estou querendo dizer alguma coisa. [...] Como é importante esse olhar [...] aquele é um momento verdadeiro. (1º dia do Módulo 2 – 2/8/2012)

De acordo com um comentário sobre a metodologia, a Formadorapesquisadora 1 esclareceu que: Estamos tentando diferenciar com vocês a dinâmica da vivência. [...] a vivência, ela traz em si uma proposta de inteireza humana, de nós realmente naquele momento nos entregarmos para viver algo, no caso, com

252 o outro. [...] foi um momento de estreitamente do vínculo com o outro, que não se restringe àquele outro que está na minha frente. Mas, por eu ter vivido intensamente essa experiência, me abre a possibilidade de fortalecer os vínculos com outras pessoas por meio do olhar. A diferença de uma vivência para uma dinâmica, é a profunda conexão que tem que ter uma vivência com o contexto que nós estamos estudando, com nosso tema, porque nós estamos entrando na dignidade humana. Talvez a maneira mais intensa de nós entrarmos em contato com a dignidade humana, seja pelo olhar. Então, a nossa expectativa é que nesse momento, nessa vivência, (vocês) tenham sentido nas células do corpo, o que é a dignidade humana para agora a gente ver que conceito de dignidade humana existe por aí, o que os filósofos dizem [...] (1º dia do Módulo 2 – 2/8/2012)

Outro exemplo de vivência com o movimento do corpo foi o ritual de abertura do 2º encontro de planejamento, em Águas Belas, CE, no dia 16/7/2013. Marcou o início de uma nova etapa de trabalho, pois naquele dia iniciamos o processo de criação que nos remete a algo que é a fecundidade, nas palavras da Formadorapesquisadora 1: “o fecundar o mundo de ideias, de sonhos, de inspirações e de ações”. O símbolo escolhido foi a concha. As Formadoras-pesquisadoras entregaram uma concha para cada um. Os educadores trocaram as conchas entre si para que cada uma ficasse impregnada com a energia de todos nós. Figura 34 - Ritual de abertura do 2º encontro de planejamento - dar e receber conchas

Após as trocas de conchas, cada educador(a) ficou com uma concha que o(a) acompanhou pelas atividades de todo o dia. No final do dia, fomos à praia, para devolvermos as conchas e contemplarmos o sol, fazendo, assim, nosso ritual de encerramento desse dia de formação.

253 Figura 35 - Ritual de encerramento: contemplar o sol

Você pode se perguntar: mas uma pessoa com limitações de movimentos ou em cadeiras de rodas não poderia participar? Sim, claro que elas podem participar, mas cada uma participa desfrutando do momento e respeitando suas próprias possibilidades de movimento, mesmo que esse movimento seja feito com a ajuda de outra pessoa. O movimento aqui representa uma maneira de inserirmos o corpo dentro dos ambientes de aprendizagem. Outro exemplo que muito me chamou a atenção foi o relembrar com o corpo. No Módulo 4, no segundo dia, numa Chácara em Horizonte, fizemos uma vivência pedagógica de recordação, de olhos fechados, lentamente, ao dar passos para trás, recordávamos dos módulos anteriores, até chegarmos em Pacoti no primeiro encontro. A cada passo, paramos um pouco, relembramos o que aconteceu, o que nos chamou a atenção, o que a gente aprendeu. Após a consigna da vivência, colocamos uma música instrumental suave e iniciamos a vivência para recordar o vivido. Iniciamos essa vivência de olhos fechados, em pé, em roda, respirando conscientemente e de mãos dadas, estabelecendo contato com as pessoas que estavam ao nosso lado. O objetivo era começar a relembrar, sentindo as mãos dos outros, para, nas palavras da Formadora-pesquisadora 1: “a gente ter presente que essa trajetória foi uma trajetória feita com pessoas [...] respirando e sentindo conscientemente o toque da mão do colega [...] e incorporando que essa foi uma trajetória coletiva, de um grupo de pessoas que chegou até aqui.”.

254 Figura 36 - Vivência pedagógica de recordação: roda de integração pelas mãos (parte 1)

Assim que cada um se sentisse pronto para reviver o já vivido, poderia soltar as mãos e iniciar o movimento, começando no dia de hoje, dando um passo para trás, e depois outro... até chegar ao primeiro encontro em Pacoti. Nas palavras da Formadora-pesquisadora 1, “tudo aquilo que a gente faz integrando o corpo acaba tendo mais vida. É mais fácil porque a gente se integra. Então nós vamos usar o corpo para voltar no tempo”. Figura 37 - Vivência pedagógica de recordação: movimento para trás (parte 2)

Após essa vivência (ao final da música), distribuímos folhas e canetas coloridas para os educadores para que cada um, individualmente, escrevesse palavras (temas geradores) que dissessem dessa trajetória.

255 Figura 38 - Vivência pedagógica de recordação: escrita individual das palavras geradoras (parte 3)

Após essa escrita, caminhamos pelo espaço, lendo, encontrando e entrando em contato com as palavras dos colegas. Até o momento em que cada um se encontrasse com as palavras de alguém que se harmonizam com as suas, seja pela semelhança ou pela diferença. Nas palavras da Formadora-pesquisadora 1: “desde ontem estamos vivendo a lentidão para que a memória se alivie. Sem pressa de procurar um par ou de procurar a pessoa mais próxima e eu me engancho. Vamos fluir este momento”. Ao encontrar a dupla, “dou um abraço e pego pela mão”.

Figura 39 - Leitura das palavras e encontros (parte 4)

Cada dupla se sentou em algum local do espaço da chácara, explicaram o porquê dessas palavras, anotaram as outras palavras que surgiram e dialogaram

256

sobre como foi a experiência. Depois, duas duplas se juntaram e sintetizaram as suas palavras. Figura 40 - Diálogos em duplas (parte 5)

Em seguida, juntamos todo o grupo e montamos uma teia das palavras geradoras de todo o grupo que nos contaram sobre a trajetória até aquele dia. Figura 41 - Apresentação das palavras geradoras por um representante de cada quarteto (parte 6)

Outro elemento que comentei anteriormente presente, nos rituais e nas vivências pedagógicas são as consignas, ou seja, as falas de introdução da vivência. Ao longo do exemplo de algumas vivências, inseri essas falas iniciais de introdução (consignas). Nessa consigna, explicitamos os motivos, a dinâmica da atividade, algo que devemos estar atentos, por exemplo, seja para mantermos

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silêncio respeitoso, para desenvolvermos a escuta atenta e sensível qualificando a palavra da outra pessoa, para observarmos algum detalhe do objeto que manuseamos ou mesmo para prestarmos atenção na nossa respiração e asserenarmos a mente. Na Educação Biocêntrica, a consigna precede e prepara um movimentodança (vivência), se abre à linguagem poética. A força da palavra tem o seu espaço de cuidado, de atenção ao outro, de valorização de cada um que participa, “gerando intimidade envolvendo as pessoas no mistério do outro, estabelecendo um pacto com palavras simples, autênticas, diretas como uma extensão de vida na vida” (CAVALCANTE, 2008, p. 102-103). Retomando os operadores cognitivos do Pensamento Complexo, o trabalho com os vínculos, rituais e vivências pedagógicas me recordam o princípio da reintrodução do sujeito no processo de conhecimento, por meio da introdução do corpo, da palavra a partir do vivido, das emoções, dos momentos de criação, de autoria. Nesse conhecer, envolvo a mim mesma, o outro e o todo. Trago minhas experiências, histórias, me abro para a escuta do outro, para o conhecimento do outro. Tenho tempo e espaço para por em diálogo teorias e o vivido. Também me remete ao cuidado de criar um cenário de aprendizagem no qual os estudantes saiam da posição de meros expectadores, simples receptores, presenciadores e copiadores, como Moraes (1997) nos alerta. Passam a ser convidados a ler, a dialogar, a vivenciar de corpo inteiro e a integrar suas várias dimensões como, por exemplo, física, biológica, mental, cultural, social, espiritual. Da aprendizagem vínculos, rituais e vivências pedagógicas, o que levo comigo para a minha matriz pedagógica-pesquisadora? Um profundo respeito ao outro: ao outro que fala, que se expressa prosaica e poeticamente, que cria, que compartilha, que possui história, experiências e sonhos. Uma profunda escuta a mim mesma, às minhas aprendizagens, ao me expressar também poeticamente, o aprender a ritualizar a vida, o meu cotidiano, as salas de aula que eu fizer parte, a desenvolver minha sensibilidade. Uma profunda ligação com a vida, em seu sentido mais amplo, e a necessidade de ampliação de consciência de maneira a acolher e preservar a vida. Levo a necessidade de inserir o corpo, as emoções, a criatividade, a poesia e a arte, a natureza nas formações. Levo também a possibilidade de por meio de vivências, do movimento, da música, do silêncio, da fala, fazer com que sejam

258

pontos de partida para o diálogo, para a leitura, para o sentir, para o pensar, para o criar individual e coletivamente. Levo a necessidade de escutar mais músicas, de senti-las e de estudá-las para inseri-las em alguma atividade formativa a ser realizada, de acordo com intenções e objetivos e com o tipo de vínculo que desejo trabalhar com os estudantes. Levo a necessidade de propiciar espaços e tempos formativos para a escuta: das vivências, das leituras, dos estudos, das produções. A possibilidade de fazer o movimento de trabalho individual, em duplas, em trios ou em grupos, e depois voltar ao grupo maior para compartilhar o que foi produzido por cada grupo. Levo a possibilidade de construir um fluxo do encontro formativo entrelaçando temas mais teóricos com rituais, vivências pedagógicas, leituras, falas expositivas, diálogo a partir da produção e elaboração individual ou de grupos menores. Levo a possibilidade de trabalhar temas relacionados ao desenvolvimento humano – como cuidado, olhar, escutar, vínculos, poético, brincar – poderem ser trabalhados em conjunto com outros temas mais teóricos como Direitos Humanos, Complexidade,

Transdisciplinaridade,

metodologia

e

planejamento

de

uma

formação. Levo a necessidade de não ter que centrar todo o momento formativo em minha fala, expositiva. Ela pode acontecer, com suavidade, em momentos pontuais, integrados a momentos de falas dos estudantes, de síntese dos grupos. Respeitam esse ir e vir entre rituais, vivências, falas expositivas, apresentações de sínteses; em uma “dança” atenta aos horários, flexível, atenta às emergências e demandas do grupo e do ambiente. Levo a necessidade de inclusão de momentos de pausa, de contemplação, de lentidão, de silêncio. Mas não um silêncio tipo “cala a boca, menino, e me escuta”, desse silêncio castrador da expressão. Vivenciei um cultivar o silêncio nutridor, asserenador, para aguçar os outros sentidos (tato, olfato, paladar, audição), a sensibilidade e as outras percepções para além da visão e da razão. Um silêncio de escuta e de abertura de um espaço interno em cada um para o que será trabalhado em seguida. Levo o encantamento e a necessidade de olhar. Olhar nos olhos, olhar detalhes. Um olhar junto com um sentir, com um perceber e quem (pessoas) e o que

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(ambiente) está junto conosco. Levo também a alegria, o sorriso, a brincadeira para os meus ambientes formativos e também para a minha vida. Levo também o desafio de continuar aprendendo mais sobre as vivências, com a participação em outras vivências, de me aprofundar na escolha das músicas e na elaboração das consignas que introduzem essas atividades. Além disso, levo a necessidade de aprender a distribuí-las, saber quando e como inseri-las, e achar meu jeito de fazer, com calma, tempo e estudo (a continuação da formação em Biodanza também tem esse propósito). Levo o desafio de pensar em como levar as vivências e os rituais para dentro do ambiente virtual. É possível? Ou será possível se intercalarmos momentos presenciais, de encontro, do estar junto presencial, com atividades e encontros virtuais. Em nosso ambiente virtual, sugerimos momentos de quietude, antes da elaboração de uma atividade escrita. Mas não sabemos se as pessoas fizeram. Percebo que o contato do grupo é fundamental em uma vivência, até mesmo para que você como professor possa sentir e perceber as relações criadas. Além disso, também o abraçar, o contato de mãos, de pele é imprescindível para algumas vivências. Será possível realizar alguma vivência via skype? Mas e se a conexão cair, todo o clima desmorona junto? São perguntas ainda sem resposta e abertas a criar soluções para este desafio. Levo também a necessidade de cuidar dos ambientes de aprendizagem. No caso do ambiente físico, cuidar da disposição das cadeiras em roda, cadeiras soltas, com possibilidade de formar U ou círculos com todo o grupo, reorganizar em grupos menores. Se possível, poder utilizar outros ambientes fora de sala de aula. Ter projetor, computador, caixas de som ou autofalantes, cabos para ligar os aparelhos, extensão para ligar na energia. Também ter disponíveis papéis, lápis de cor, canetas coloridas, cola, fita crepe, tesouras para serem usados em qualquer momento de síntese e de expressão dos grupos. No caso do ambiente relacional, levo: cuidado, atenção, escuta, diálogo, acordo de convivência, compartilha, expressão, prosa e poesia, confiança, alegria, saberes experienciais, teóricos, existenciais, teóricos e disciplinares. Isso tudo foi construído progressivamente ao longo dos encontros e também das atividades realizadas no ambiente virtual (Moodle). Levo as liberdades de fala e de expressão de cada um, da necessidade de respeito, de escuta, de qualificação da escrita coletiva ou individual e da fala do outro.

260

Em relação ao ambiente virtual de aprendizagem (AVA), além da atenção e do cuidado constante em acompanhar os estudantes nas atividades realizadas, nas dúvidas, nas dificuldades de acesso, tínhamos o cuidado com a elaboração com as orientações/consignas a serem realizadas via ambiente virtual e das mensagens a serem enviadas como lembretes dos encontros e dos materiais que tínhamos compartilhado via AVA. Ao longo dos encontros de formação, as participações no AVA foram cada vez mais diminuindo. No 1º encontro de planejamento com os educadores, ao conversarmos com os educadores sobre diminuição de participação no Moodle, ouvimos o seguinte depoimento de uma das educadoras: Educadora Mar.: Eu tenho um sentimento pra colocar aí [...]. Eu penso que no aspecto da Educação a Distância é cultural. Não é uma dificuldade de uma ou duas pessoas especificamente. Eu tenho essa dificuldade de interagir com a (plataforma) e adoro mexer com a internet e tal. Mas quando se trata do processo de formação em si, não me é muito atrativo (não é muito atrativo – outra educadora comenta). Eu tenho dificuldade de fazer curso a distância. Eu acho que o desvinculamento da gente a partir do último encontro (do Módulo 4), acho que isso favoreceu mais ainda no desvinculamento do ambiente. A gente sabia que o projeto não estava parado, que ainda teria outras coisas, mas é como se a gente tivesse estancado ali no encontro do sítio da Cássia. Eu pessoalmente recebo os emails, mas nem respondo e nem vou lá no ambiente. E ainda tem o que o (Educador) Ja. colocou. O próprio ritmo de vida, de trabalho que a gente vai levando, vai envolvendo a gente em determinadas prioridades. Penso que uma coisa está ligada a outra. Como a gente não está mais nos encontros presenciais, o Moodle passou a não ser uma prioridade, acho que seja isso, Paula. Pelo menos para mim, passou a não ser. [...] Para estudar a distância precisa ter um interesse específico e se isso não tiver vinculado a uma relação presencial, não ocorre. O distanciamento das pessoas promoveu um distanciamento do Moodle. A gente ia lá para cumprir uma avaliação, para dar um retorno de um processo, em função de tudo o que a gente tinha vivenciado em Pacoti, de tudo o que a gente tinha vivenciado em todos os encontros. (1º encontro de planejamento dos educadores – 8/6/2013).

Mas, ao mesmo tempo, neste mesmo encontro, os educadores e educadoras presentes também comentaram da importância do encontro presencial para a continuidade das atividades do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania e de que essas atividades deveriam entrar como prioridade dos afazeres cotidianos do trabalho para que o projeto pudesse caminhar. Educadora Cas.: Eu acho que acúmulo de atribuição que cada dia a gente recebe, incorpora para tomar conta, nos deixa em uma condição muito difícil, quando a gente pensa em um projeto gigantesco como esse é. Então, eu compartilho com o Ja. esse pensamento, que a gente tem que colocar esse projeto como atribuição do nosso fazer cotidiano. E [...] colocar dentro

261 da ordem de prioridade, a execução desse projeto, porque senão a gente não vai conseguir fazer. Porque a gente está em um ritmo horroroso, sabe... Educadora Jac.: E se a gente for deixar para fazer só quando sobrar tempo, com certeza não faz. [...] Tem que entrar na rotina de trabalho. Educadora Cas.: Tem que fazer parte da rotina do trabalho. Se a gente (se) pensar [...] fazendo isso aqui como algo voluntariado, não vai funcionar. Educadora Mar.: Os momentos de encontro dos educadores são essenciais para manter o vínculo, para fazer com que a gente tenha também o apoio, para estar resgatando as coisas importantes. Educador Ja.: Eu quero até fortalecer uma coisa. Eu percebo que esses momentos não são motivantes só para esse projeto. Eles também energizam a gente para outros projetos. (Outros comentários: Ah! Sim. Sem dúvida./A gente precisa disso.) A gente precisa pensar mais em nós no nosso dia a dia. [...] Fortalece outros fazeres do dia a dia lá. [...] é a relação, é a afetividade, é olhar para os outros [...] (1º encontro de planejamento dos educadores – 8/6/2013).

Então, levo comigo que os ambientes presenciais e virtuais devem ser complementares, estarem interligados; que o ambiente virtual deva também ser espaço para diálogo, para construção coletiva, para acompanhamento de atividades a serem realizadas fora do tempo e espaço dos encontros presenciais. Sinto a necessidade de, em projetos futuros, repensar estratégias para promover a participação e o envolvimento com o AVA, sem sobrecarregar os estudantes. Lanço-me questionamentos para futuras formações e pesquisas: como fazer para que a participação no ambiente faça sentido para os participantes? De que maneira promover a participação e que ela não fique atrelada a uma nota, ou a uma punição (diminuição de nota), caso eles não participem? Como o AVA pode ser utilizado sem sobrecarregar os participantes? Aprendizagem: planejamento conjunto e autoria A segunda fase da Formação de Educadores (teórico-prática) teve como objetivos fazer o aprofundamento na metodologia de formação vivencial-dialógicareflexiva, utilizada ao longo de toda a formação deles, o planejamento da formação dos agentes de cidadania, com a intensa participação e envolvimento dos próprios educadores, e a continuação da escrita do material didático sobre os Direitos Humanos trabalhados nos seminários na primeira etapa da Formação de Educadores. A proposta não era chegar com um planejamento fechado (pacote pronto) para eles simplesmente executarem. Mas sim, abrirmos tempo e espaço para que, de maneira dialogada-reflexiva-vivencial, eles elaborassem o planejamento da formação

262

que seria realizada, prevendo temas a serem trabalhados, a quantidade dos encontros, os tempos e planejamento detalhado de um encontro de apresentação. Com relação à elaboração do material didático pelos educadores, tínhamos a intenção de continuar a trabalhar a autoria dos educadores e que pudessem elaborar textos base para a Formação dos Agentes de Cidadania, adequando a linguagem ao perfil dos agentes e à realidade do município de Horizonte. O perfil previsto dos Agentes de Cidadania era que eles fossem integrantes de movimentos sociais e comunitários, a exemplo dos agentes de saúde, dos participantes dos conselhos escolares e de lideranças políticas, comunitárias, estudantis, sindicais e religiosas. Poderia ser que não tivessem o ensino fundamental completo, ou que não tivessem o hábito de leitura. A respeito do planejamento conjunto com os educadores, iniciamos com a criação de grupos de educadores (4 a 6 pessoas), de acordo com a proximidade de cada um com a região, e identificamos os territórios com os quais eles poderiam trabalhar. Em diálogo, os grupos fizeram a listagem das ações necessárias para iniciar as atividades, que em linhas gerais foram: (1) Mapeamento das instituições governamentais e não governamentais e das lideranças que respondem pelas mesmas no território no qual o Grupo de Educadores vai atuar. (2) Formação de um Grupo de Articulação – GA – do Projeto na comunidade, a partir da mobilização das lideranças institucionais. (3) Sensibilização das lideranças para participação na Formação de Agentes da Cidadania. (4) Apresentar o projeto à comunidade. (5) Definir espaço, equipamentos, multimídia, material de divulgação, transporte. (6) Acolher a demanda de participação da comunidade. (8) Definir a estratégia de atuação do projeto/programa na comunidade (pensada pelos parceiros e formadores). (8) Definir periodicidade, cronograma, atividades (presenciais, a distância e complementares), processo avaliativo, responsabilidades, estratégias de permanência, estímulo e motivação. Depois das definições dessas ações, os grupos ficaram de iniciar o contato com as lideranças locais e com os possíveis agentes de cidadania. A partir do estudo dos materiais dos Módulos 1 a 4 da formação teórico-prática, os educadores selecionaram os temas a serem trabalhados na Formação dos Agentes de Cidadania. Em seguida, fizeram o planejamento e distribuição dos módulos, temas, encontros, duração, disponibilidades dos grupos.

263

De maneira geral, os eixos temáticos escolhidos pelos grupos a serem trabalhados com os agentes foram: Visão de mundo; Direitos Humanos (concepção e organização social, cidadania); Vínculo, afeto, respeito, compreender o outro (valores, ética, dignidade humana); Práticas (ações dos agentes de cidadania junto à comunidade). Algumas vivências também foram destacadas pelos educadores: Roda de bênçãos; Gincana colaborativa; Teia – momento inicial; Dinâmica da vela; Confiar – guiar o outro com os olhos vendados; Desenvolvimento do tato e da audição; Eu sou a figura da natureza; Rodas de embalo; Ciranda; Músicas coerentes com a temática; Complexidade no outro; a dignidade no outro (duplas sentadas frente a frente); Círculo de diálogo; Caderno de memória – registro e resgate; Dança do jaboti; Teia – fazer a rede pelo encontro das mãos; Recordando e caminhando para trás; Caminhar devagar; Formatura – a luz do conhecimento; Eu sou; Vivências relacionadas ao olhar e ao cuidar. Dialogamos com os educadores sobre os planejamentos de alguns encontros presenciais que elaboramos, sobre como dividimos os tempos, como organizamos e intercalamos rituais, vivências pedagógicas e diálogos e leituras teóricas. Comentamos sobre o cuidado com a quantidade de texto, com a linguagem dos materiais a serem utilizados. Apresentamos também outras estratégias de formação, como: contar histórias para aguçar a imaginação, a criatividade; utilizar imagens (como o livro Zoom60) ou vídeos artísticos para trabalhar/exemplificar conceitos (por exemplo, vídeos de coreografias, trechos de filmes); dar mimos para que os participantes levem consigo como recordação com intencionalidade do encontro realizado.

60

BANYAI, Istvan. Zoom. México: FCE, 1995.

264 Figura 42 - Exemplo do contar histórias utilizando uma mala, objetos variados e um tapete mágico

Nestes momentos de planejamento conjunto, alguns elementos me chamaram a atenção. A relação entre certa insegurança de planejar algo novo, com uma metodologia que eles estavam começando a aprofundar, e, ao mesmo tempo, a felicidade pela construção progressiva e coletiva do que seria feito na formação dos agentes. Isso me remete à necessidade do vínculo com a prática, com o diálogo sobre essa prática, agregando reflexões teóricas também. Maior rotatividade na participação dos educadores nesses encontros, já que não eram imersivos, foram realizados em locais mais próximos a Horizonte e alguns ocorreram em dias de semana (apesar de ter sido uma solicitação dos próprios educadores). Isso me remete à importância dos encontros imersivos e do cuidado com os dias, horários e locais das atividades. Apesar de estarmos sempre em diálogo com eles e com o Núcleo Gestor sobre a escolha dos dias, horários e locais, os encontros não imersivos, em dias de semana, davam mais margens a essa flutuação na participação. A dificuldade de alguns grupos em trabalhar junto fora dos momentos presenciais, por não conseguirem se reunir presencialmente no período entre os encontros. Isso me remete à ampliação das possibilidades de uso das tecnologias digitais para promover este contato, mesmo com a existência do ambiente virtual Moodle, ele não foi muito utilizado para isso. Penso que em outras formações, há a necessidade de um momento formativo mais específico e mais presente para este uso de outras tecnologias de informação e de comunicação.

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A participação de alguns grupos nos nossos encontros presenciais, tanto no aceite em realizar alguma vivência de abertura ou de encerramento, quanto no compartilhar de suas ações de contato com as lideranças, de apresentação do projeto para o grupo de agentes. Isso me remete à importância de trazer para as situações de aprendizagem práticas com reflexão sobre as atividades que estão sendo feitas, de propiciar momentos de reflexão conjunta sobre algo que foi realizado por um ou mais grupos. Chamou-me a atenção também o trabalhar a Paz a partir da Educação, da celebração e valorização da vida, de valores mais ligados à vida, do convite ao diálogo sobre “Que vida vale a pena viver?” e do planejamento de ações decorrentes desse diálogo e não a partir do enfrentamento direto com gangs, traficantes ou grupos violentos. A respeito da produção do material didático sobre os Direitos Humanos, essa foi uma atividade iniciada no final de 2012, no Módulo 3. A ideia inicial era que cada grupo desenvolvesse um artigo científico sobre o direito humano que o grupo havia trabalhado no seminário, durante a primeira fase da formação. A ideia era que, nesse texto, além da conceituação do direito humano, eles pudessem trazer a realidade do referido direito no município de Horizonte, com história e indicação de contato de instituições e ações presentes no município. Porém, poucos grupos desenvolveram o artigo. Houve dificuldades com uma escrita mais acadêmica, com referências, citações, criação de exemplos, apresentação de conceitos e também com problemas com citação de outros materiais sem a devida referência. Além da orientação individual de cada grupo em relação à sua produção textual, abrimos outra possibilidade de escrita, a partir de três perguntas: O que é o direito? Qual a abrangência? Quais fontes de pesquisa sobre o direito temos (sites, cartilhas)?. Além disso, contamos com o auxílio de duas professoras da UECE nesse acompanhamento mais próximo e presencial da escrita dos grupos. Porém, a produção do material didático não se desenvolveu conforme o esperado, então essa atividade foi encerrada. Em relação à aprendizagem autoria, ao longo da Formação de Educadores para a Cidadania, faço algumas reflexões. Ao longo da formação presencial, várias produções autorais foram elaboradas pelos educadores, sejam os relatórios com as reflexões do grupo e/ou sínteses poéticas, a partir da leitura de um texto ou de uma vivência; ou seja na criação dos planejamentos e dos roteiros para a Formação dos

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Agentes de Cidadania. Todas essas autorias foram feitas, lidas e dialogadas, em grande parte, presencialmente. As potencialidades de criação, de síntese, de elaboração, de leitura para a autoria de textos e materiais, existem e conseguimos desenvolvê-las em vários momentos ao longo da formação. Mas quando entramos com termos como científico, metodologia, citação, referências, rigor conceitual, o movimento criativo e autoral “travou”. Partimos do princípio que esse tipo de escrita mais acadêmica seria feita com tranquilidade, mas exigiu mais tempo do que inicialmente tínhamos previsto (1 mês), e mais orientações presenciais individualizadas com os grupos. Mesmo assim, com todos os esforços e ampliação de prazo para a elaboração, essa atividade foi cancelada. Refletindo sobre estratégias para o desenvolvimento da autoria textual em futuras formações, penso que podem ser realizadas oficinas de elaboração de texto paralelas aos módulos de formação ou mesmo incluir essa atividade de escrita do material didático dentro do planejamento de cada módulo. Em conjunto com essas formações, podem ser desenvolvidas pesquisas específicas no sentido de compreender possíveis bloqueios e dificuldades para esta autoria para a escrita acadêmica e de material didático. Isso me leva a outros questionamentos: Quais são os motivos do bloqueio e das dificuldades em relação à escrita acadêmica? Será que as escolas e os cursos de formação superior estão trabalhando a autoria dos estudantes? Essa autoria é trabalhada na formação de profissionais e de professores? Em relação aos professores, Tardif adverte que se pare de considerá-los como “técnicos que aplicam conhecimentos produzidos por outros”, na visão tecnicista, ou como “agentes sociais cuja atividade é determinada exclusivamente por forças ou mecanismos sociológicos”, na visão sociologista (TARDIF, 2012, p. 229). Alerta-nos que, nas pesquisas, se pare de ver os professores como objetos de pesquisa, para serem vistos como sujeitos do conhecimento. Na formação docente, Tardif recomenda que os professores em formação e os estudantes também tenham o “direito de dizer algo a respeito de sua própria formação profissional” (TARDIF, 2012, p. 240); e que essas aprendizagens possam “proceder por meio de um enfoque reflexivo, levando em conta os condicionantes reais do trabalho docente e as estratégias utilizadas para eliminar esses condicionantes na ação” (TARDIF, 2012, p. 242). A autora Furlanetto (2010a) propõe que a (trans)formação docente também deve se constituir como um tempo e espaço para (a) revisão, ampliação e

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transformação da matriz pedagógica; (b) integração entre dimensões pessoais e profissionais; (c) a apropriação, pelos professores, de seus processos de formação; (d) atribuição de sentido desta formação em sua história de vida; (e) pensamento sobre a aprendizagem docente, ou seja, aprendizagem passa a ser fundamental na idade adulta, tanto para formação inicial quanto continuada. Inspirada pelas ideias de Tardif e Furlanetto, ampliando as reflexões para formação de educadores e de profissionais, me sinto convidada a considerar a formação como um tempo e espaço para que as pessoas em formação possam ser sujeitos do conhecimento e do seu próprio conhecimento, refletindo e teorizando sobre suas práticas. Possam ter o direito de dizer, de escolher, de criar, de construir a autoria da sua formação, do seu conhecimento, das suas produções em conjunto com a reflexão e o diálogo com as ideias e teorias de outros autores, entrelaçando com suas histórias, experiências e sonhos. O que eu levo da aprendizagem planejamento conjunto com os educadores e autoria para a minha matriz pedagógica-pesquisadora? Levo o desafio e a riqueza da construção coletiva e colaborativa de um planejamento em conjunto com vários grupos de pessoas. Levo o cuidado com os retornos aos trabalhos de cada grupo. Levo o empoderamento e a atribuição de sentido pelas pessoas que planejam e de não somente a execução de algo entregue pronto e elaborado por outras pessoas. Levo a possibilidade de outras estratégias de formação, como: o detalhamento de planejamentos, o contar histórias, a utilização de imagens ou vídeos artísticos para trabalhar/exemplificar conceitos, o dar mimos de recordação do encontro. Levo com muita intensidade a escuta, o diálogo e o compartilhar as ideias, criações e dificuldades do caminho. Levo a reflexão sobre o que foi elaborado por cada grupo. Levo a importância de trabalhar a autoria das pessoas que estão em formação, não somente em relação à qualidade conceitual, teórica e metodológica do material produzido, mas também no desenvolvimento dessa produção integrando as suas próprias palavras, as suas próprias reflexões e criações, entrelaçadas com as palavras dos outros, a partir de estudos teóricos das obras, pensamentos e produções de outros autores e autoras. Ainda nessa reflexão sobre as aprendizagens, no relato 3, em seguida, abarco aquelas referentes à pesquisa que deram corpo ao meu caminho, que constituíram a metodologia de formação e pesquisa desenvolvida. Elas me permitiram construir uma resposta para meu problema de pesquisa: como ocorre o processo de

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reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora tradicional do ser docentepesquisador por meio de estudos teóricos e de vivências desenvolvidos à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade? Veremos a seguir... 5.3 RELATO 3: CONSTRUÇÃO DA METODOLOGIA DE FORMAÇÃO E PESQUISA Aprender fazendo sentirpensando tecendo o percurso ao caminhar cruzando saberes meus e teus indo e vindo escutando e meditando, criando, narrando, (des)(re)construindo e me (auto)(des)organizando.

Esquema narrativo: esta metodologia, em sua forma narrativa, é tecida em três níveis que se retroalimentam. O nível 1 relata os caminhos percorridos para a construção da metodologia desenvolvida: narrativa autoformadora. O nível 2 traz a definição da metodologia em si e as dimensões que a nutrem e perpassam seus níveis. O nível 3 detalha os caminhos percorridos para a escrita de cada um dos relatos da narrativa. Os “eus” que estão em mais evidência aqui são o “eu pesquisadora” e também o “eu crítico”, pois são esses meus “eus” que relatam e sistematizam sobre a metodologia da tese. De maneira esquemática, você encontrará as seguintes partes: 

Nível 1: caminhos percorridos para a construção da metodologia desenvolvida o Notas sobre as mudanças do problema de pesquisa o Notas sobre a compreensão do “caminho se faz ao caminhar” o Notas sobre o diário de campo



Nível 2: definição da metodologia e suas dimensões – narrativa autoformadora o Definição da metodologia o Dimensões



Nível 3: escrita dos relatos da narrativa o Construção do relato 1 o Construção do relato 2

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Notas sobre as outras estratégias de reflexão e escrita utilizadas



Notas sobre as idas e vindas na construção do relato 2

o Construção do relato 3 o Construção do relato 4 Nível 1: caminhos percorridos para a construção da metodologia desenvolvida Conforme comentei no relato 2 da narrativa, iniciei minha participação na Formação de Educadores para a Cidadania, sem uma definição exata do problema de pesquisa, de qual seria de fato meu objeto de estudo, ou mesmo a metodologia que iria utilizar. Passei, ao todo, por quatro mudanças de problema de pesquisa, até chegar ao que apresentei na qualificação. Este se manteve, com pequenos ajustes, até o final da tese. Nesse percurso de decisões, de descobertas, de leitura, de escuta, o diário de campo foi uma “figura” fundamental no ir e vir, no movimento de escuta interna e externa. Fui construindo a minha formação, pesquisa, minha atuação no PCRAC e relação com as duas formadoras-pesquisadoras ao longo da Formação de Educadores para a Cidadania.

 Notas sobre as mudanças do problema de pesquisa Por que falar das mudanças de problema de pesquisa? Porque essas mudanças corresponderam aos caminhos percorridos para que a formação e a pesquisa

empreendidas

respondessem

às

minhas

buscas

formativas,

se

vinculassem à minha história de vida e ao meu projeto de vida como pessoa, como profissional, como docente e como pesquisadora. Em 2012, entrei no doutorado, com um pré-projeto que continha o seguinte problema de pesquisa: Como as teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade são colocadas em prática nos cursos livres de formação docente do Grupo de Pesquisa Ecotransd? Com este problema, buscava compreender como os integrantes do grupo de pesquisa, do qual eu fazia parte desde 2009, e que já tinham formação de mestrado e/ou doutorado com a Professora Maria Cândida, materializavam as teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade em suas práticas docentes. Aqui o foco era a influencia das teorias na prática de outras pessoas, que já as tinham estudado e as utilizavam como bases de suas metodologias e estratégias de formação de professores, de educadores, de

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profissionais. Ao estudar as práticas de outras pessoas, eu poderia ter inspirações para mudar as minhas próprias práticas. Porém, em 2012, ao decidir por participar da Formação de Educadores para a Cidadania, o foco mudou. Nesta experiência, eu poderia aprender fazendo, dialogando e participando – do planejamento, desenvolvimento e avaliação – sobre como materializar as teorias estudadas em estratégias pedagógicas e práticas docentes. Entrei neste projeto sem um problema de pesquisa já definido anteriormente. Ele foi sendo construído – e reconstruído – ao longo de toda a experiência. Você pode me perguntar: mas, então, o que observar, anotar, registrar desta experiência? Como realizar um estudo científico sem ter um problema de pesquisa definido? Entre as certezas que eu tinha, era que eu gostaria de compreender como construir estratégias pedagógicas e práticas docentes a partir das teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade e de participar desta experiência com envolvimento e inteireza. Para tanto, meu ser pesquisador me dizia que era importante registrar em vídeo os momentos presenciais, ter um diário de campo aberto aos mais diversos tipos de registros, armazenar os planos de cada encontro presencial, anotar minhas reflexões a partir de cada reunião, de cada encontro presencial, de cada atividade a distância realizada. Com 8 meses de participação no projeto, no início de 2013, elaborei o seguinte problema de pesquisa – sempre em diálogo com minhas orientadoras –, sintetizado em duas perguntas básicas: Quais são os elementos pedagógicos constitutivos da metodologia transdisciplinar aplicada em cursos de formação, a partir dos resultados vivenciados no contexto do curso de formação em Direitos Humanos e Geração da paz, desenvolvido no Programa de Formação de Agentes de Cidadania? Os resultados da experiência realizada atenderam os objetivos pretendidos pelos diversos atores envolvidos no processo? Com este problema de pesquisa, eu tinha o intuito de contribuir com um dos objetivos específicos, voltado para a pesquisa-ação e construção da metodologia de formação do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania: caminhos para a vivência dos Direitos Humanos e Geração da Paz (PCRAC), do qual eu estava participando, a saber: Criar, através de uma pesquisa-ação, uma metodologia de formação na abordagem transdisciplinar, reflexiva, dialógica e vivencial que congregue por meio de formação diferentes Agentes Comunitários com diferentes níveis de escolaridade em torno da temática Direitos Humanos e Geração da Paz a fim de se fortalecer uma cultura de paz no município. (ARNT, 2012, p. 9-10)

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Mesmo com essa vinculação ao PCRAC, além de ser muito próximo de um dos objetivos do projeto, ainda não representava, para mim, algo que me movimentava, quais eram as repercussões dessa metodologia em quem participava da formação. Sendo assim, em meados de agosto de 2013, elaborei, como problema de pesquisa, as seguintes questões: (A) Como se constitui a metodologia de Formação de Educadores desenvolvida no Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania? (B) Essa metodologia gerou algum tipo de mudança no ser, no fazer e no conhecer dos(as) educadores(as) participantes? Ao continuar minhas reflexões sobre o problema de pesquisa, percebia que todos os problemas de pesquisa até agora eram focados muito nos “outros”, eram externos a mim. Eu não me via representada “de verdade” nos problemas de pesquisa anteriores, não me via como “sujeito-objeto da pesquisa”, apesar de ter consciência de que todos emergiram de minhas buscas formativas. Mas, até então, a compreensão que eu tinha era que para ser um estudo científico, a realidade a ser pesquisada deveria ser a que foi vivenciada pelos outros, pelos participantes envolvidos ao longo de toda a formação, sejam eles integrantes do Núcleo Gestor ou os educadores em formação. Todas essas tomadas de consciência não foram fáceis, nem tranquilas. Não conseguia até então transformar em palavras e em metodologia de pesquisa o que eu de fato queria. Passei, em torno de 1 ano e meio, pelo estudo das metodologias de pesquisa participativa, que abriam espaço para o pesquisador participar do ambiente pesquisado e os participantes também participarem ativamente da pesquisa, como por exemplo: pesquisa-ação (THIOLLENT, 2007; BARBIER, 2007), pesquisa participante (BRANDÃO, 2003), cartografia (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2010), e pesquisa-ação-formação transdisciplinar (GALVANI, 2011; GALVANI; PINEAU, 2012). De maneira geral, elas focavam: no estudo e na intervenção social em uma realidade externa ao pesquisador; nos participantes – mesmos eles estando em processo de formação; e na situação pesquisada, apesar de considerarem a existência de relações do pesquisador e do objeto pesquisado e de dar voz aos participantes de empoderá-los das informações, da pesquisa e da possibilidade de mudanças no contexto pesquisado. Mas o pesquisador, mesmo participando, continua sendo pesquisador e os participantes da pesquisa continuam sendo participantes, mesmo participando ativamente da pesquisa, de seus resultados e das

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ações decorrentes. Aqui não desmereço nenhuma dessas metodologias. Todas elas têm seu valor, importância, local e situação a serem desenvolvidas. Porém, não correspondiam às minhas inquietações, pois elas apontavam para o estudo de algo externo a mim. Não era isso que eu queria. Em um domingo inquieto (12/10/2013), fruto de um período de intensas reflexões, de angústias e indecisões, sem conseguir traduzir em palavras o que eu queria, marquei uma conversa com Rosamaria sobre o que eu tinha até agora, em termos de problema de pesquisa e objetivos, e as ideias do que eu gostaria de fazer (e tinha dificuldades de traduzir em palavras). Consegui esboçar a seguinte frase: uma pesquisa sobre uma ação de formação transdisciplinar pela qual busco fazer minha formação como docente e pesquisadora transdisciplinares. Neste momento de escuta atenta e sensível, Rosamaria me sugeriu algumas ações: ler a autora Marie-Christine Josso e sua proposta de pesquisa-formação, começar a escrever em forma de carta o meu percurso formativo e a meditar para continuar este movimento de escuta e conhecimento de mim mesma. A partir desta conversa, tive um novo encontro de orientação com Maria Cândida, no qual conversamos sobre essa nova mudança de problema de pesquisa, como forma de materializar os meus anseios formativos. Também, em um movimento de escuta sensível e atenta, ela me orientou a me aprofundar nas ideias sobre matrizes pedagógicas de Ecleide Furlanetto. Assim, continuei com os estudos teóricos. Em seguida, em diálogo entre Maria Cândida, Rosamaria e eu – inspiradas pelas águas e ventos de Águas Belas/CE – definimos como problema de pesquisa do projeto de qualificação – realizada em 12 de março de 2014: como ocorre o processo de reconstrução da matriz pedagógica tradicional do ser docentepesquisador por meio de estudos teóricos e de vivências desenvolvidos à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade?. Agora sim, meu problema de pesquisa passou a representar a minha busca pessoal formativa presente desde a minha decisão por fazer o doutorado. Com o desenvolvimento do relato que abarcou a minha história de vida de formação, houve uma pequena alteração no problema de pesquisa, no qual eu acrescentei a dimensão pesquisadora em minha matriz, já que neste processo de formação e de pesquisa me percebi estudando e reconstruindo duas dimensões do meu ser e da minha matriz: a dimensão pedagógica e a dimensão pesquisadora. Sendo assim, o problema de pesquisa final desta tese ficou sendo: como ocorre o processo de

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reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora tradicional do ser docentepesquisador por meio de estudos teóricos e de vivências desenvolvidos à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade? Considero este como o terceiro momento de ruptura e de mudança de percurso formativo (ruptura 3), pois me permitiu me orientar para o estudo teórico e metodológico sobre a história de vida de formação, o movimento tripolar de formação (auto-hetero-eco formação), a investigação narrativa e, assim, conseguir construir os relatos que compõem esta narrativa autoformadora, com base em autores como Gaston Pineau, Pascal Galvani, Jean Clandinin e Michael Connelly. Notas sobre a compreensão do “caminho se faz ao caminhar” Em maio de 2014, já em Barcelona, fiz a transcrição de uns depoimentos dos educadores para compor o artigo apresentado no VI Fórum INCREA, Aprender a ser: repercussões da metodologia transdisciplinar na Formação de Educadores (SCHERRE; ARNT, 2014). Junto com esta escuta das falas dos educadores, fazia anotações sobre as minhas reflexões e minha tese, minhas aprendizagens, sentimentos, sobre o que me passava – como construir a minha tese? Como seguir a metodologia da Marie-Christine Josso, conforme tinha me proposto no projeto de qualificação, sendo que meu percurso é diferente?. Ressoavam em mim reflexões e momentos vividos com algumas pessoas, como: Rosamaria – de sua sensibilidade, do seu gosto pela poesia, de sua escuta sensível e atenta –, Jorge Larrosa – que em suas aulas na disciplina Experiência, linguagem e Educação me instigaram a realizar leituras silenciosas e em voz alta, dando emoção, sentido, cor e voz à escuta e à leitura realizadas –, José Contreras – com suas sugestões a respeito da escrita narrativa –, Célio da Cunha – na qualificação, com suas falas a respeito de ousadia, da Complexidade e dos limites da realização de uma pesquisa onde eu sou ao mesmo tempo pesquisadora e pessoa em formação. Além disso, também começava a ler algumas poesias. Neste momento, especialmente, li a poesia Primer Poema, do livro “Lecciones de ausencia”, de Teresa Martín Taffarel (2005, p. 17-18). O trecho da poesia Primer Poema que ressoou em mim e me inspirou, neste momento, em reconhecer, respeitar e escrever meu processo de aprendizagem:

274 escucha cómo te llaman los caminos escucha las voces que pronuncian tu nombre escucha el mensaje de la lejanía recupera los signos para escribir la lluvia el amor 61 el silencio

Inspirada por este entrelace de reflexões, interlocuções, experiências, transcrições, poesias, compreendi, em mim, a liberdade que tenho em construir meu caminho de formação e de pesquisa e que não devemos tentar encaixar a realidade, a experiência em um caminho específico, pré-definido, como tanto Morin (2010b) nos chama a atenção. Compreendi também que a metodologia da tese tinha que representar meu caminho de aprendizagem, o caminho que percorri para aprender, para compreender e para reconstruir a mim mesma e a minha matriz pedagógicapesquisadora. Compreendi também que a própria metodologia é um dos resultados da pesquisa sobre o percurso formativo, porque ela foi um meio de conhecer, mas também sua sistematização e teorização representam o conhecimento que foi gerado sobre ela e a partir dela, na busca por responder o problema de pesquisa. Sendo assim, minha metodologia já nascia diferente dos caminhos propostos por Josso (2004; 2010), na pesquisa-formação, por exemplo: eu não estaria lidando somente com história de vida, também abarcaria o relato de experiência sobre o vivido na Formação de Educadores para a Cidadania; eu não estava trabalhando com a história de vida de outras pessoas; eu era pessoa em formação e pesquisadora ao mesmo tempo.

Mas também nasceu aberta a se inspirar em

caminhos que Josso e outros autores também trilharam, como, por exemplo, Galvani e Pineau (2012) com suas propostas de volta reflexiva e de pesquisa-açãoformação. Neste processo de construção metodológica, continuei com as reflexões e indagações metodológicas: Qual a forma que terá a minha tese? Como escrevê-la? Que formato? Que linguagem utilizar? Como escrever a metodologia? Segui com as anotações, pesquisas e as interlocuções com outros professores da Universidade de Barcelona: José Contreras, Remei Arnaus, Montse 61

Tradução livre: escuta como te chamam os caminhos/escuta as vozes que pronunciam teu nome/ escuta a mensagem da distância / recupera os signos para escrever/a chuva/o amor/o silêncio.

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Ventura e Jorge Larrosa. Encontrei-me com leituras e referências bibliográficas, como os livros da pesquisadora Jean Clandinin e do pesquisador Michael Connelly sobre narrativa e de investigação narrativa (CLANDININ, 2013; CONNELLY; CLANDININ, 2008; CLANDININ; CONNELLY, 2000). Uma coisa foi verdade, mesmo buscando compreender como escrever a narrativa da tese, mesmo com os pontos de partida indicados pelos autores pesquisados, a sugestão da Professora Montse Ventura62, continuava a ressoar em mim: “Neste momento, pare de ler e escreva. Inicie a sua escrita. Ela será original por representar seu caminho. Depois, você retorna às leituras. Escreva, coloque no papel o que você pensa, o que você viveu”. Eu perguntei: “Escrevo em qual formato? Posso escrever no modelo de uma carta?”. Ela me respondeu: “Você pode escrever no formato que você desejar, que se sentir mais confortável. Mas no formato carta você estará contando para outra pessoa sobre seu caminho. Recomendo que você escreva de uma maneira que você possa conversar, refletir com você mesma, expressar o que te passa, talvez o formato carta não seja o mais recomendado”. Continuei a perguntar: “E como faço a integração com as teorias que tenho lido?”. Ela me respondeu: “Escreva e depois você vai perceber a melhor forma de integrar as teorias em sua narrativa. É possível também que as análises da narrativa, conclusões, teorizações já apareçam ao longo da própria narrativa. Não há problema. Depois você pode levá-las para outras partes do seu texto, da sua tese”. Desde esse lugar de respeitar meu caminho de aprendizagem e escrever o que eu havia vivido e o que havia me passado, me acontecido, iniciei a escrita pela primeira parte da narrativa, sobre a minha história de vida, conforme detalhado no relato 1 desta tese. As escritas dos relatos e da metodologia, tanto da primeira parte quanto da segunda, foram feitas concomitantes. Na metodologia, eu tentei registrar e refletir sobre os caminhos trilhados para compor cada uma das partes. Representa a maneira que

62

Quero deixar registrado que as perguntas e conversas com os professores e orientadores que trago em minha narrativa, representam o meu relato sobre os assuntos tratados nas interlocuções, pois não foram gravados. Eles foram reconstruídos a partir das minhas anotações em meu diário de campo. Não havia a possibilidade de gravar tudo, gravar todas as interlocuções com professores, com orientadores. O que foi possível e que foi feito: realizei anotações sobre as interlocuções em meu diário de campo, registrando o que as interlocuções me traziam, me acrescentavam, me questionavam, me impactavam. Além disso, ao longo dos meus registros, anotei os diferentes momentos em que algumas dessas ideias ressoavam novamente em mim e as reflexões e questionamentos que elas me traziam e, com isso, pude transformá-las em parte da narrativa.

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consegui organizar e linearizar o caos e a não-linearidade que vivencio nestes processos de sistematização, de escrita, de aprofundamento e reflexão. Ter essa liberdade de construção, de respeitar os caminhos percorridos para a minha aprendizagem foi libertador, pois não tinha que encaixar o vivido, estudado, sentido e aprendido em um método definido previamente. Mas ao mesmo tempo, me chamava à responsabilidade de criação, de mostrar clareza das opções tomadas, de justificar tudo o que fazia, de como concebia o estudo e a tese, e minhas escolhas metodológicas e práticas. Compreender e vivenciar essa flexibilidade de escrita e ter o compromisso de relatar e representar o meu processo de aprendizagem, o meu caminho percorrido foi libertador e tranquilizador, simultaneamente traz uma certa insegurança do desconhecido, da incerteza da forma que este texto escrito terá. Será que está certo? Será que abarca tudo o que deve ser abarcado? Mas ao mesmo tempo pensava, se representa o que vivi, o que aprendi, o conhecimento que construí, o meu processo de aprendizagem, então, sim... está certo... abarcava o que foi feito. Isso requer responsabilidade de construir esse todo coerente com o que vivi e aprendi. Requer organização e disciplina em anotar, registrar e justificar tudo o que foi feito metodologicamente. Nesse exercício de justificar, de tornar claro os caminhos percorridos e seus porquês, era um dos momentos onde eu percebia a teoria se encontrando com a prática. Pois, além de ela me solicitar o rigor científico, o rigor conceitual e da pesquisa, me solicitar clareza de pensamento e de argumentação, – como Nicolescu (1999) e Moraes (2008) falam a respeito da pesquisa transdisciplinar –, a teoria justamente me ajudou nessa construção da justificativa e da argumentação, me embasou, me deu forças. Nesse sentido, percebia o conhecimento construído a partir da história de vida e do relato de experiência, ou seja, conhecimentos existenciais e experienciais poderem se tornar conhecimentos, ditos, científicos, justamente por estes processos de reflexão, de justificação, de clareza conceitual, da busca de explicitar as decisões tomadas e as escolhas feitas. Também por meio desse processo de sistematização do que foi vivido e se olhar este vivido a partir de uma pergunta de pesquisa e de poder abrir esse diálogo do vivido com as teorias que sustentam a tese. Por isso, creio que o conhecimento aqui

277

produzido, sim é científico, válido e pertinente, apesar de ter sido elaborado a partir de uma só história de vida e um só relato de experiência. Em uma das conversas com a professora Núria Lorenzo, em Barcelona, ela me questionou sobre os critérios de confiabilidade e de credibilidade da minha metodologia. Estes questionamentos me levaram a conceber o artigo “E Quando o Pesquisador e o Pesquisado são a mesma pessoa?” (SCHERRE, 2015). Refleti sobre

o

cenário

epistemo-metodológico

que

a

Complexidade

e

a

Transdisciplinaridade me abriram para eu poder realizar essa formação e pesquisa da maneira que estou fazendo. Abriram perspectivas de ciência e de produção de conhecimento científico por meio dos quais eu posso integrar a história de vida, estudos teóricos e saberes experienciais e me fizeram convites a reintroduzir o sujeito no conhecer, a religar sujeito que pesquisa e objeto pesquisado e a compreender que o conhecimento é produzido na interação entre os dois.

 Antes de entrar no detalhamento da metodologia de formação e pesquisa – concebida como narrativa autoformadora –, tecerei algumas considerações a respeito do diário de campo, que foi um importante instrumento que me acompanhou durante as idas e vindas para construção da formação e da pesquisa. Notas sobre o diário de campo Um primeiro movimento e instrumento dessa escuta sensível e atenta foi o diário de campo. Foi meu companheiro de todas as horas, de todos os encontros, de todas as viagens. Aqui no avião, esperando o momento de embarque e decolagem para o encontro presencial em Pacoti, que acontecerá nos dias 19 e 20/10. Este será o 3º módulo [...], A expectativa é grande de ser um prazeroso momento de muitas aprendizagens (Anotações do dia 18/10/2012).

Acompanhou-me nas leituras, nos pensamentos, nos sonhos. Eu anotei as ideias a partir das leituras que fazia. Por exemplo, ao longo da leitura do livro “Diálogo” do autor David Bohm (2008, p 38), na passagem “o propósito do diálogo é percorrer todo o processo do pensamento e mudar o modo como ele acontece coletivamente. Não temos dado atenção ao pensamento como processo. Temos dado mais atenção ao conteúdo do pensamento e não ao processo”. Além da citação acima, registrei a seguinte reflexão:

278 No caso do diálogo com os resultados, compreendo que é importante explicitar na metodologia a reflexão sobre o processo de pensar e de dialogar com a teoria, com as escolhas das estratégias, do próprio diálogo com os resultados e cia (Anotações do dia 29/5/2012).

Estava sempre ao meu lado para que eu pudesse anotar tudo o que me passava pela cabeça, pela emoção e pelo corpo. O que me passa no 1º dia de encontro do Módulo 1 (29/6/2012)? Sentimento de dever cumprido. Muita coisa a aprender. Como trazer esse nível de vivência e de expressão individual e coletiva para o AVA? Importância da flexibilidade para atender aos objetivos traçados mesmo com as adaptações inerentes aos imprevistos [...] Abertura, flexibilidade, cuidado, carinho. Ouvir a palavra, a expressão do sentimento. [...] Coerência entre todas as propostas do dia, de trabalhar com o contato consigo mesmo, com o se olhar, se escutar, com base na Transdisciplinaridade, essa teoria tem essa abertura de trabalhar com os vínculos humanos (Anotações do dia 29/6/2012 – Módulo 1). Importância da ordem das vivências. Agora se tem confiança e entrega de um para o outro. Partilha. [...] Avaliaram que foi mais fácil ser cuidado, do que cuidar (medo). O abraço espontâneo.[...] Interessante: observar que todos estavam cuidando bem cuidado como se fosse uma jóia. [...] (Anotações do dia 3/8/2012 – Módulo 2). Uma outra questão que tem me incomodado comigo mesma é que minhas anotações tem sido difíceis de ser feitas, necessárias, mas demoradas. Estou aqui, agora, há quase 1 hora, fazendo registro e mesmo assim muita coisa, informação, detalhes se perdem por eu não poder anotar na hora que as coisas acontecem, mas anoto o que ficou para mim de mais importante e o que ficou de aprendizado. (Anotações do dia 13/11/2012). Nesse processo de escrita diária do artigo, amplia a visão, aguça os sentidos, faz todo o corpo funcionar em prol dessa escrita. Revisitar o vivido por meio dos vídeos é impressionante. Muito bom! Continua reforçando meu encantamento pelo trabalho, pela parceria, pela acolhida, pelas aprendizagens (Anotações do dia 17/4/2013).

Esteve ao meu lado mesmo quando eu ainda não sabia qual seria ao certo o rumo desta formação e pesquisa. O que me move para esta pesquisa? Poder refletir, teorizar, a partir da teoria vivenciada na prática, para que eu possa, a partir da minha reflexãoação, poder realizar outras ações em Educação presencial e/ou a distância, que tenham como base a Complexidade e a Transdisciplinaridade. [...] Não pretendo comparar ou dizer o que é melhor ou pior. O que quero é aprender como de fato fazer (errar, acertar, refletir) para poder modificar minha própria prática, com base em teorias que, para mim, tem sentido e significado prático-teórico significativos (Anotações do dia 18/6/2012). Mas e se deixar informações importantes ou momentos importantes que não podem ou poderiam ser deixados para trás, se (eu tivesse) um planejamento/pergunta de pesquisa antes da vivência. Nesse sentido, estou fazendo o máximo de registros que eu posso. [...] Preocupação: só pude anotar no caderno. Senti falta de ter meu formulário impresso/colado/escrito no meu caderno, para eu poder fazer todos os meus registros na mão, com base no modelo de fato. Mas anotei logo após a experiência, o que ficou

279 para mim, pois desejo aprender com todas elas (Anotações do dia 29/5/2012).

Foi um espaço de liberdade, onde eu podia anotar tudo o que bem entendia, da forma que desejava, que melhor representasse a ideia que emergia. Isso me permitiu o movimento de descoberta, em mim mesma, do meu projeto de pesquisa. Ok! Só quero fazer minha formação de pesquisadora e de docente transdisciplinar, até mesmo para poder e saber desenvolver na prática [...] Quero isso, porque desde o início dos meus estudos, em 2009, quero poder me tornar uma docente diferente do que já fui, do que já vivi, mas que sempre me incomodou e por esse incômodo vim buscar outras bases teóricas que pudessem fundamentar minha prática e minha outra forma de me relacionar com o conhecimento, com os conteúdos e com a sala de aula presencial e virtual (Anotações do dia 22/11/2012). A lentidão [...] é algo que acho que tenho que comentar na minha tese, ela faz questão de trabalhar bem um determinado conteúdo do que sair entupindo todos de leituras e atividades (Anotações do dia 24/11/2012). Tenho a sensação de dever cumprido, mas sem a confiança de ter cumprido direito a atividade, nem de ter ficado segura em relação à vivência que conduzi. [...] Minha tendência é planejar tudo, todos os meus passos, fala, tempos... tudo. Mas estou tentando largar o papel e deixar a coisa fluir mais dentro do planejado. [...] No caminho, conversando [...] sobre a minha parte, descobri que eu tinha que fazer uma “meditação”, momento de reflexão caminhante. Definitivamente eu não estava preparada para isso, para coordenar assim uma vivência (Anotações do dia 26/4/2013 – encontro de início das atividades do ano de 2013). O Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede é uma pesquisaação. OK! Meu projeto de doutorado faz parte desse projeto maior, visa contribuir mas ele é menor e maior do que ele, do que essa pesquisa-ação. Está dentro dessa pesquisa-ação que tem como um dos objetivos a consolidação de uma metodologia transdisciplinar de formação de agentes de cidadania [...]. Mas meu projeto vai muito além disso, pois eu também tenho a clareza que para refletir sobre se quero fazer um relato-reflexão sobre o meu processo de formação como docente e como pesquisadora [...] Esse é o “E aí?” O que é que ficou em mim disso, de fato, nessa história toda? [...] Mas como faço isso e faço com que isso seja metodologicamente, cientificamente aceitável sem ser piegas? Sem ser algo chato, que seja útil para mim e para os outros também? (Anotações do dia 7/5/2013).

Nos encontros presenciais da Formação de Educadores para a Cidadania, sim, ele teve um papel na sistematização de experiência, ao registrar dia, local, horário de cada encontro, ao fazer anotações sobre o que transcorria de acordo com o planejado, mas também sobre o que ocorria de diferente, momentos que nos exigiam flexibilidade no planejamento, diálogo, replanejamento, mas sem perder de vista os nossos objetivos formativos, para aquele encontro. Imprevistos e resoluções - café da manhã mais demorado (15 minutos de atraso). (Início das atividades 8:30).

280 - falta cópia do texto “Homo Complexus” (atraso na atividade: 20 minutos) [...] - Como o almoço começará só às 13:00 (estava previsto para 12:00 às 13:30) então faremos toda a atividade prevista para a parte da manhã e teremos que rever (modificar os tempos e/ou as atividades) da parte da tarde. Início do lanche: 10:10 Retorno do lanche da manhã (10:40) [...] Reflexão do texto do Leonardo Boff, até 13h (hora do almoço). Não será feito o fechamento. Almoço até 14:20 (horário real: 14:35) Alongamento das14:20 às14:30. Qualificação da escrita. Apresentação [...] da reprogramação. Leitura da síntese do que fez (foi até às 16:00). [...] (Anotações do dia 30/6/2012 – Módulo 1)

Chegamos em Pacoti às 12:00 Com calorosa recepção de todos. A mudança de horário (sexta-tarde/noite e sábado-manhã) foi bem aceita por ser menos dias fora de casa e achamos que será essa a organização dos demais encontros. Almoço pronto às 12:30 (1h de atraso) Já arrumamos a sala para começar os trabalhos logo após o almoço. Já está sendo ótimo. [...] Apresentação do roteiro provisório Negociação do horário dos próximos encontros. Cronograma de novembro [...] (Anotações do dia 3/8/2012 – Módulo 2)

Mas ele foi um instrumento utilizado para além da sistematização. Por exemplo, nele, eu tinha a liberdade de anotar as minhas aprendizagens relacionadas à relação estabelecida com a equipe de formadoras-pesquisadoras do Projeto de Extensão e Pesquisa – Criação da Rede de Agentes de Cidadania e também sobre as meditações que fazíamos. Logo no dia 7/8, [formadora-pesquisadora 1] me enviou as sugestões dela na maneira dela de encaminhar. Que suavidade e interligação com os princípios dos 4 pilares da Educação! Me impressiono e aprendo muito com a forma que ela faz essa aplicação, essa religação de diversos tipos de conhecimento e transforma isso em uma linguagem clara, suave, tranquila, harmoniosa, profunda e altamente ligada com a proposta, metodologia do

281 curso. Inspirada nas sugestões dela e sempre atenta à linguagem e a reatar o vínculo individual e coletivo com o que está sendo proposto, ontem, 12/8/2012, desenvolvi em Powerpoint (ppt), as orientações da atividade 2 a distância, que fará parte do Módulo 2 e será ligada ao seminário (Anotações do dia 13/8/2012). É muito bom poder contar com elas para dialogarmos sobre todas as dúvidas, encaminhamentos e acontecimentos. O diálogo assíncrono por email é de uma importância ENORME no nosso processo de construção e no meu processo de aprendizagem e de crescimento. Essa sensação de liberdade, confiança, companheirismo, de me sentir à vontade de falar o que penso, de poder dialogarmos sobre problemas e soluções conjuntamente. É muito bom! (Anotações do dia 12/5/2013) [formadora-pesquisadora 1] se sentou no espaço de meditação [...] e colocou uma música instrumental tranquila e foi guiando a meditação. [...] fechamos os olhos e fomos nos sintonizando, hamonizando, paz. [...]foi um momento mágico, especial e único. É sim possível fazermos meditações a distância, via hangout/Skype. Uma coisa importante: áudio e conexão têm que estar bom e funcionando (Anotações do dia 23/4/2013).

Além disso, fazia anotações sobre as reflexões metodológicas de formação que emergiam: Ideias que ficam: em uma disciplina ou em um curso com outro conteúdo, trazer esse trabalho primeiro do

(trabalho com vínculos) para entrar com o conteúdo quando começar a falar da totalidade, entrar com o conhecimento disciplinar, para dialogar com essa totalidade, mas sem descuidar e refletir e integrar/inserir o grupo e o eu como parte integrante da totalidade (Anotações do dia 30/6/2012). Como é pensar uma vivência em ambiente virtual? Fazer uma vivência sozinho? Sem contato com as pessoas? Nesse caso será uma vivência individual em um primeiro momento e coletiva, com trocas de experiência, ideias, sentimentos com alguns colegas. Inicialmente, pensei na atividade ter um terceiro momento, em levar a discussão, o diálogo para o grupo todo. Mas como o “projeto de vida” será ligado com os Direitos Humanos e com a dignidade humana, no 2º módulo presencial, então esse 3º momento da atividade a distância foi excluído (Anotações do dia 12/7/2012). Um querido feedback da educadora G., no dia 21/7/2012, no fórum de dúvidas, técnicas, sugestões e descobertas: “Quero compartilhar e parabenizar a equipe pela atividade sobre o projeto de vida! Foi um momento rico e uma experiência que deve ser repetida em nossas vidas. Precisamos parar e avaliar nossa vida, traçarmos planos para concretizarmos nossos sonhos. Para mim, um momento de catarse... embora alguns sentimentos e emoções estejam nas entrelinhas (Anotações do dia 27/7/2012). Uma questão importante é a participação da gente nas vivências, junto com eles e do cuidado em acompanhar as discussões em grupos menores. [formadora-pesquisadora 2] comentou e eu concordo que participando das vivências junto com eles nos permite integração e experimentar esse

282 momento da vivência. E, na minha opinião, também horizontaliza relações entre “professor e aluno” (Anotações 26/11/2012).

Anotei as minhas aprendizagens e reflexões acerca das orientações recebidas e sobre o papel do doutorado-sanduíche para a investigação. Também registrei as angústias, as indecisões e as decisões e aprendizagens no processo de definição da metodologia e dos rumos da formação e da pesquisa. Estou aqui no avião, às 21:40 da noite, aguardando a decolagem e me deliciando com o texto do pascal Galvani e do Gaston Pineau do livro “Os Sete Saberes”, no qual eles falam da metodologia reflexiva e dialógica. Encontrar com esses autores, suas ideias, seus textos me alegram e ressoam em mim de uma forma positiva, empolgante, desafiante e tem cada vez mais sentido que estou no caminho certo. [...] de aprender vivenciando, de poder fazer essa pesquisa sobre uma prática reflexiva, mas fazer uma prática de pesquisa reflexiva, uma prática de docência reflexiva e uma prática pessoal reflexiva. Não estou aqui só para me fazer doutora em alguma coisa, mas para fazer a minha formação docente transdisciplinar, complexa, dialógica, vivenciada e reflexiva (Anotações do dia 22/11/2012).

Eu anotei até minhas reflexões e sentimentos sobre o próprio papel do diário de campo nesta pesquisa, que serviram de base para compor este texto aqui. Meu caderno me acompanha, anoto tudo o que acho importante, que será complementado, ou melhor, complementará as filmagens (Anotações do dia 26/11/2012). Os momentos no avião foram momentos importantes de leitura, reflexão e anotações minhas sobre meu projeto e metodologia (anotações do dia 26/11/2012). Sempre me pergunto o porquê de um caderno e não fazer anotações no computador direto. Já estaria tudo digitado? (1) o processo de escrever a mão em um papel faz parte da fixação, da expressão e aprendizado. (2) liberdade para anotar o que eu quiser, na hora que eu quiser, da forma que eu quiser escrever, desenhar, rabiscar, anotar, sublinhar [...] (Anotações do dia 16/1/2013).

Ele também foi palco das várias outras anotações e reflexões que deram origem, também, às dimensões presentes nesta parte da metodologia da pesquisa. Para mim, a palavra que resume o diário de campo é LIBERDADE. Mas por que ele foi feito em caderno, em papel, e não no computador? Ao todo foram três cadernos de anotações variadas. O caderno e o papel não dependiam de energia para funcionar e nem acabam a bateria igual a um computador. Então, eu podia escrever neles à vontade enquanto estava no avião (que não tinha nem tomada e tinha restrições de uso de aparelhos eletrônicos), ou em horários e lugares que a energia não era de tão fácil acesso, como em parques, bibliotecas e aeroportos.

283

Além disso, o caderno, como tem as espirais que prendem as folhas, as mantém juntas, sendo mais difícil de perdê-las, e isso também mantém a sequência das anotações. Como não era facilmente “apagável”, sempre poderei acessar meu original de pensamento e de escrita. No papel, mesmo ele sendo pautado, eu me sentia totalmente livre para escrever, desenhar, fazer esquemas, enfim, anotar as ideias da forma que elas vinham à cabeça, da forma que foram sentidas e vividas, sendo estruturadas ou não. O passar pela mão e o materializar-se no papel, ver ideias, experiências e sentimentos se tornando algo concreto por meio da palavra, do desenho, me trazia segurança de que eu não iria esquecê-los e que eu poderia retomar esses registros quando necessário para a formação e a pesquisa. Foi uma forma de registrar e poder organizar o caos que vive dentro de mim, dos vários “eus” presentes. Vejo como um importante processo de autoconhecimento. Para mim, o escrever no computador representou uma escrita um pouco mais linear, mais estruturada e acabada, mesmo que fossem necessárias várias alterações e versões. Os recursos informáticos, que eu tinha disponíveis, não me davam a liberdade de anotações que o papel e a caneta/lápis me permitiam. A desvantagem do caderno era não ter sistema de busca para auxiliar no rastreio das informações nele contidas. Então, a leitura do diário de campo foi feita várias vezes no sentido de compreender seu conteúdo e de selecionar o que iria compor os textos de pesquisa – aqui são os relatos da narrativa autoformadora –, conforme os autores Clandinin e Connelly (2000) recomendam quando falam do processo de transição dos textos de campo para os textos de pesquisa. Essas várias leituras e consultas ao diário de campo me permitiram compreender suas partes, o papel deste instrumento em minha formação e pesquisa, a entender mais sobre o meu percurso formativo e investigativo e a recorrência de algumas ideias e questionamentos, como, por exemplo, as modificações do problema de pesquisa. Foi importante ter as anotações em sua ordem cronológica e poder revisitá-las quando senti necessidade, com um distanciamento temporal, lançando um olhar de interpretação e compreensão do que tinha se passado comigo.



284

Depois de todas as idas e vindas para a definição do problema de pesquisa me aprofundei nos estudos teóricos sobre a história de vida de formação, o movimento tripolar de formação (auto-hetero-ecoformação), a investigação narrativa, que me trouxeram várias inspirações para que eu pudesse construir a narrativa autoformadora. Por meio dos estudos teóricos sobre o movimento tripolar de formação (GALVANI; PINEAU, 2012), compreendi que, tanto na formação inicial quanto na formação continuada, eu poderia transitar pelos diferentes polos desse movimento formador. Tomei consciência de que isso foi possível por eu estar fazendo parte de meios (eco) – Pós-Graduação em Educação e Formação de Educadores para a Cidadania – e me relacionando com pessoas (hetero) – orientadoras, integrantes da Formação de Educadores e família – que me apoiaram e incentivaram a minha construção do percurso formativo e me deixaram livre e à vontade para fazer minhas escolhas. Nesse sentido, pude caminhar rumo à construção de uma metodologia mais voltada para o polo autoformador. Quero deixar aqui bem claro que, apesar do foco na autoformação e de ter proposto uma metodologia narrativa autoformadora, este polo está intimamente relacionado com e se retroalimenta dos demais polos da formação (hétero e eco). Mas por que da opção por realizar um processo autoformativo? Foi uma resposta à minha busca de atribuir sentido às experiências vividas de formação e pesquisa, de atribuir sentido às teorias que estavam sendo estudadas, de conseguir concretizá-las em estratégias didáticas, de conseguir transformá-las e trazê-las para o meu ser e fazer como docente e como pesquisadora, de me (trans)formar a partir dessas teorias e das experiências vividas. E como tomar consciência de todos esses assuntos? Gaston Pineau, Pascal Galvani, Marie-Christine Josso, Maria Cândida Moraes, Michael Connely e Jean Clandinin, Ecleide Furnaletto, entre outros autores, me deram algumas pistas. Indicaram-me que eu poderia trabalhar com minha história de vida para compreender minha matriz pedagógica e o paradigma científico subjacentes ao meu ser e fazer docente e pesquisador. Orientaram-me também que eu poderia construir uma metodologia narrativa, escrevendo relatos como meio de compreender experiências vividas, que são narrativas por natureza como toda e qualquer atividade humana, inclusive a docente. Convidaram-me a transformar

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essas vivências em experiências formadoras. Sendo assim, no nível 2, a seguir, detalho a definição da metodologia e suas dimensões. Nível 2: definição da metodologia e suas dimensões A metodologia de formação e de pesquisa desta tese foi constituída como uma narrativa autoformadora. É narrativa, pois possui dupla função: é uma investigação narrativa, ou seja, é um caminho de pesquisa, de tomada de consciência, de estudo sobre as experiências vividas e de apropriação do meu percurso de formação e de pesquisa, das minhas próprias aprendizagens, do que levo comigo a partir de todo esse estudo. É também a forma de escrita e de apresentação das análises de dados, teorizações e sínteses dos resultados e discussões frutos da formação e da pesquisa, que se constituiu nos diversos relatos construídos: 

Relato 1: História de vida de formação e identificação da matriz vigente



Relato 2: Sistematização da experiência de docência e pesquisa



Relato 3: Construção da metodologia de formação e pesquisa



Relato 4: Síntese da matriz emergente e contribuições para outros processos formativos

A escolha desta metodologia e deste formato se deve ao fato de a narrativa ser a “qualidade que estrutura a experiência que será estudada” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 12), e assim compreendo a docência e a pesquisa como experiências vividas a serem estudadas e compreendidas, como parte da própria (trans)formação. Caracterizei essa narrativa como autoformadora, porque ela materializou o caminho construído para me autoformar, para (trans) formar minha matriz pedagógica-pesquisadora. Respeitou e permitiu que eu me apropriasse de minhas próprias formas de aprender, de conhecer, de compreender o mundo ao meu redor e a mim mesma. Abriu tempos e espaços para a tomada de consciência sobre as minhas aprendizagens prévias construídas ao longo da vida e as aprendizagens realizadas ao longo do percurso na Formação de Educadores para a Cidadania. Também me permitiu aprender a partir do diálogo entre externo – teorias, ambientes, pessoas, meios, relações, vínculos com os outros e com a totalidade – e

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o interno – pensamentos, emoções, vivências, aprendizagens, história de vida, sentimentos, reflexões, dimensões pessoais e profissionais. A abordagem dessa metodologia foi de natureza qualitativa, ou seja, “evita números, lida com interpretações das realidades sociais” (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2012, p. 23). Isso significa que abarco elementos subjetivos, quais sejam: aprendizagens, reflexões, argumentação, memórias, histórias, textos, falas, imagens, sentidos e significados, motivações, inquietações, relações – que são objetivados por meio da palavra escrita e da elaboração de imagens, esquemas, figuras e traduzidos em forma de relatos. Refletindo sobre o movimento tripolar de formação, ao qual Pineau nos convida a fazer (GALVANI; PINEAU, 2012; GALVANI, 2002; PINEAU, 2003), percebi que o caminho autoformador nesta tese – “a apropriação de cada um do seu próprio poder de formação” (PINEAU, s/d, p. 1) e “se define como a consciência, a compreensão e a transformação pelo sujeito, da relação entre o si, os outros e o mundo” (GALVANI, 2014, p. 115) – também está intimamente vinculado aos demais polos do movimento de (trans)formação, como a heteroformação e a ecoformação. Digo isto porque a autoformação se construiu em uma relação de autonomiadependência (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009) com o que era externo a mim. Isso quer dizer que para que a autoformação (ação do eu) possa ocorrer, as pessoas (hetero) e os ambientes (eco) envolvidos na formação e na pesquisa devem apresentar condições de abertura, tempos e espaços para a realização deste tipo de estudo, além de disponibilizarem energia, matéria e informações (MORAES, 2008) que sustentem a própria autoformação. Por exemplo, tive a abertura das teorias estudadas, além do incentivo, do acolhimento, do acompanhamento e da validação das minhas orientadoras e da banca de qualificação – ações e palavras dos outros (heteroformação). Também pude contar com a existência de ambientes propícios e abertos à realização da formação e da pesquisa, como o Programa de Pósgraduação em Educação da UCB/DF e a Formação de Educadores para a Cidadania, UECE/CE e Horizonte, CE – ação do meio (ecoformação). Encontro consonância com Galvani quando comenta da autoformação como a consciência em retroação, ou seja, o duplo movimento de tomada de consciência, propiciados pela autoformação, em relação à ação de si sobre si mesmo e em relação à retroação entre os elementos do meio social e cultural ou natural. “[...] é

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uma conscientização transformadora de transações auto/auto, auto/socio63 e auto/eco formadoras” (GALVANI, 2014, p. 121). A partir de suas práticas no acompanhamento com grupos de pesquisaformação-ação – centrados na exploração dos momentos de autoformação que articulam a reflexão e o diálogo das interpretações, o autor Pascal Galvani (2014, p. 119) comenta que podem ser utilizadas várias metodologias, como: histórias de vida, relatos sobre as práticas, diários, análises de experiências, análises críticas, desenho de brasões, simbolização etc. Além disso, destaca que pode envolver experiência profissional, social, pessoal, ou, inclusive, experiência de formação. De acordo com o autor, via autoformação, podemos trabalhar com três Níveis de Realidade: nível teórico (epistêmico) de conceituação cognitiva, nível prático e nível ético. O nível teórico propicia a “tomada de consciência crítica para a análise e a conceitualização da experiência”. O nível prático propicia a “tomada de consciência sensório-motora para a atenção consciente dos gestos oportunos em ação”. E o nível ético/existencial propicia “tomada de consciência da ressonância existencial dentro da experiência” (GALVANI, 2014, p. 121-22). Compreendo que por meio da narrativa autoformadora aqui proposta, passo por esses três níveis, ao desenvolver: 

No nível teórico, a transformação da prática para a volta reflexiva teórica, por meio do relato de experiência da docência e da pesquisa, no qual teorizo sobre as práticas formativa e de pesquisa desenvolvidas, fazendo a análise e as conceituações a partir da experiência vivida;



No nível prático, a tomada de consciência dos saberes da ação e a transferência e transformação dos modos de operação, ao me aprofundar na minha

matriz

pedagógica-pesquisadora

e

ao

considerar

minhas

aprendizagens construídas no relato de experiência de docência e pesquisa. 

No nível ético/existencial, tomada de consciência das simbolizações pessoais e culturais e das ressonâncias existenciais, que compõem a minha matriz pedagógica-pesquisadora, por meio da história de vida de formação.

63

Pascal Galvani (2014, p. 117) utiliza os prefixos “socio”, “hetero” e “co” como sinônimos, quando estes estão ligados à palavra formação. Então, os termos socioformação, heteroformação e coformação representam o mesmo polo do movimento tripolar de formação. Nesta tese, este polo foi denominado de heteroformação, devido à maior presença desta expressão nas referências teóricas utilizadas.

288

Essa narrativa autoformadora foi nutrida por várias dimensões que destaco na figura 43 a seguir. Cada uma dessas dimensões é apresentada em separado, de forma didática, mas elas interagem, se retroalimentam e fazem parte de um único todo que é a metodologia de formação e de pesquisa. Figura 43 - Dimensões nutridoras da narrativa autoformadora

Análise interpretativocompreensiva

Vivencialexperiencial Dialógica

Escuta sensível e atenta

Estudos teóricos

Narrativa autoformadora Multiplos "eus"

Escrita narrativa

(Auto)reflexiva e (auto)crítica

Aprendizagens Passadopresentefuturo

Envolvimento emocional

Dimensão: vivencial-experiencial Ser vivencial-experiencial significa dizer que a metodologia foi construída para revelar-se como uma atividade consciente, presente, atenta às práticas que podem transformar as experiências de vida, de formação e de pesquisa em experiências formadoras. Com base em Josso (2010), compreendo as vivências como os conjuntos de implicações e interações que ocorrem diariamente em nossas vidas e que nos provocam a todo o momento. Também compreendo que, nesse sentido, podemos nos envolver em diferentes vivências sem nos darmos conta delas, como por exemplo, as

289

vivências cotidianas de formação. Porém, a partir de Toro (2005a, p. 30), me sinto convidada a compreender essas vivências cotidianas em sua qualidade de poderem ser vividas com grande intensidade no momento presente, no “aqui e agora”. Toro (2005a) também comenta que a vivência é anterior à consciência e à elaboração cognitiva, tornando-se um meio de acesso privilegiado à consciência de mim e do mundo. Mesmo assim, também percebo que posso desenvolver outra forma de vivê-las, ao compreender cada momento de vida, em geral, e cada momento de formação e de pesquisa, em particular, como momentos de aprendizagem que envolvem todo o organismo e não só funções corticais e cognitivas. Essa visão de totalidade intimamente relacionada à vivência e que abrange o ser-aprendiz pode se explicar na concepção de Góis (2002), quando o autor afirma que a identidade enquanto totalidade transcende o conceitual e se constitui no vivencial. Isso me abre a outras formas de estar presente no meu dia a dia e em minhas formações. Exige de mim uma atitude diferenciada frente às minhas próprias vivências cotidianas: de envolvimento, de responsabilidade, de ação, de aguçar a percepção, de abrir espaço para momentos de escuta e silêncio interior, por exemplo. Toro também comenta que as vivências podem ser integradoras, ou seja, “favorecem uma elevação do grau de saúde e de vitalidade” (TORO, 2005a, p. 31), “promovem integração do organismo, o que se traduz em profunda sensação de harmonia”. (TORO, 1991, p. 14), “produzem bem-estar corporal, sensação de harmonia, doçura e plenitude” (TORO, 1991, p. 82). Inspirada também em Josso (2004), compreendo experiências formadoras como aprendizagens que articulam saber-fazer, conhecimentos, significações, técnicas e valores, que implicam minha participação em minha inteireza, abarcando dimensões sensíveis, afetivas e conscienciais. No movimento de transformação de vivências em experiências formadoras, também podemos compreender os conhecimentos, informações, significações envolvidas e conseguir “nomear um interesse ou uma utilidade que uma vivência nos ofereceu” (JOSSO, 2010, p. 266). Sendo assim, nesta metodologia, todos os meus caminhos foram elaborados no sentido de me permitir: viver a formação e a pesquisa como vivências integradoras, que envolvem e integrem todo o organismo e produzam harmonia; integrar passado-presente-futuro, teorias, práticas, experiências e vida, interno e

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externo; transformá-las em experiências formadoras; e realizar atividades de (auto)reflexão e de (auto) crítica de modo consciente, presente, metodologicamente justificado e detalhado. Dimensão: dialógica Para dizer que esta metodologia foi dialógica, me inspirei no princípio dialógico do Pensamento Complexo, de acordo com Morin, Ciurana e Motta (2009, p. 36), significa que, “num mesmo espaço mental”, posso integrar lógicas aparentemente excludentes pensando-as de modo que elas se complementam. Para esses autores: O princípio dialógico pode ser definido como a associação complexa (complementar/concorrente/antagônica) de instâncias necessárias, conjuntamente necessárias à existência, ao funcionamento e ao desenvolvimento de um fenômeno organizado (MORIN, CIURANA, MOTTA, 2009, p. 36).

Nesse movimento de complementação dos opostos antagônicos, no Nível de Percepção (do sujeito que se pesquisa), compreendo que essa metodologia foi construída no diálogo complementar entre pares antagônicos: interno-externo, subjetivação-objetivação, sujeito-objeto, formação-pesquisa, por exemplo. Em outras palavras, foi na tensão entre o eu interior e o meio externo que pude afirmar a legitimidade do que emerge da relação subjetivação-objetivação, aspecto tão questionado no âmbito das ciências. Percebi exatamente na relação inseparável sujeito-objeto, neste caso, ambos sendo uma única pessoa, os benefícios da tensão entre as contradições geradas da “associação complexa de instâncias necessárias”, mencionadas por Morin, Ciurana e Motta (2009). Quando me refiro ao interno-externo, portanto, estou considerando construir o conhecimento a partir do diálogo entre as aprendizagens internas, as teorias, os meios formativos externos e as orientadoras desta tese. Com relação à subjetivação-objetivação, me refiro à atividade de transformar e de objetivar o caos interno subjetivo – espaço interno repleto de subjetivação – onde, por exemplo, teorias, práticas, experiências, história e projeto de vida (passado-presente-futuro), vivências, emoções, sonhos, desejos se encontram misturados, coexistindo, se retroalimentando e se produzindo.

291

Minha motivação principal para a entrada no doutorado nasceu de uma necessidade pessoal em fazer minha formação como docente e como pesquisadora com base nas teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade e com base em uma experiência prática concreta a partir da participação no Curso de Formação de Educadores. Mas, pelo fato de eu estar fazendo uma formação em nível de doutorado, a pesquisa científica e a construção de conhecimento também passaram a constituir pré-requisitos fundamentais para a formação de um doutor, seja um pesquisador e/ou um profissional da Educação, conforme detalhado no site do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da UCB/DF64. A formação e a pesquisa emergiram juntas nesta tese, se constituíram integradas, imbricadas. A formação abarcou as dimensões docente e pesquisadora. Para tanto, a pesquisa abordou a formação docente e a própria construção da pesquisa, servindo também como meio de formação, por propiciar tempos e espaços para a (auto)reflexão e a (auto)crítica sobre a formação e a pesquisa, sendo estas dimensões nutridoras da própria metodologia. Quando abordo a relação sujeito-objeto me refiro ao fato de essa metodologia ser construída, em sua essência, dessa fusão do sujeito com o objeto de pesquisa (SCHERRE, 2015). Além disso, assumi o desafio de representar o Nível de Percepção do sujeito (eu mesma) que conhece e que permite realizar essa integração com o seu objeto de estudo (meu próprio processo de formação, de reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora). Sendo assim, nesta pesquisa o pesquisar sobre o próprio processo de formação exige também a fusão entre formação e pesquisa, onde ambas se complementam, coexistem e são produto e produtoras uma da outra. A metodologia de formação e de pesquisa se fundem, pois respeitam e representam meus processos de aprendizagem, de estudo, de conhecimento, de formação e de pesquisa. Dimensão: escuta sensível e atenta Toda a construção da formação e da pesquisa foi imersa em um movimento de escuta interna sensível e atenta como uma maneira de compreender, de refletir, de sentir, de traduzir, de objetivar o caos interno em forma de palavras e 64

Informações sobre o Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília disponíveis no . Acesso em: 8.set.2014.

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imagens. Assim, por meio dessa tradução, pretendi tornar compreensivas, para mim e para as demais pessoas, a matriz pedagógica-pesquisadora vigente, as aprendizagens construídas ao longo do percurso de formação e pesquisa e a reconstrução da minha matriz emergente. Inspirada na proposta de escuta sensível e atenta de Arnt e Scherre (2014), apesar de a escuta aqui ser voltada para a compreensão interna da matriz e das aprendizagens, ela também é sensível, por reconhecer a aceitação incondicional da matriz e das aprendizagens que emergem, sem julgá-las, medi-las ou compará-las, buscando compreendê-las e expressá-las. É atenta por requerer um estado de presença, de comprometimento, de um ouvir devagar para perceber os sons e também o inaudível que me cerca, para acostumar a sentir e pensar os detalhes sutis dessa expressão interna-externa (ARNT, 2007). Ao fazer essa transformação, de objetivação da subjetividade implícita e também própria da narrativa, a matriz e as aprendizagens também emergiram mescladas, mantendo presentes tanto teorias quanto o vivencial/experiencial. Não foi possível dizer se elas somente eram frutos de uma teoria, se eram advindas de um estudo teórico, ou se emergiram somente como resultado da prática docente, por exemplo. Elas trouxeram em si o interno e o externo ao mesmo tempo, portanto, foram construídas da interação desses fatores. Busquei abrir tempo e espaço para escutar e materializar o que minhas células, meu corpo, minha inteireza tinham a expressar sobre essas aprendizagens. A intenção foi me dispor à escuta sensível e atenta do que estava impregnado e incorporado em mim. Assim, o que inicialmente era um caos interno (subjetivo) foi se materializando externamente e, aos poucos, emergia por meio de reflexões direcionadas pelas perguntas que davam forma às palavras/imagens. Estas foram sendo traduzidas por mim em um processo gradativo e legítimo de objetivação desses elementos que emergiram. Para isso, segui devagar, indagando, escrevendo, silenciando, pausando, sempre que necessário:

293

Viver (me)... [pausa] Ser (me)... [pausa] Estar (me)... [pausa] Sentir (me)... [pausa] Silenciar (me)... [pausa] Escutar (me)... [pausa] Refletir (me)... [pausa] Expressar (me)... [pausa] Agir (me)... [pausa]

Um primeiro movimento e instrumento dessa escuta sensível e atenta foi o diário de campo. Foi meu companheiro de todas as horas, de todos os encontros, de todas as viagens. Acompanhou-me nas leituras, nos pensamentos, nos sonhos. Estava sempre ao meu lado para que eu pudesse anotar tudo o que me passava pela cabeça, pela emoção e pelo corpo, aprendizagens, reflexões, decisões, indecisões, mudanças... tudo!. O papel do diário de campo foi detalhado no nível 1 desta metodologia. Para a construção do relato 2 e da construção dessa própria metodologia narrativa autoformadora, as escutas sensíveis e atentas foram realizadas também por meio de meditações reflexivas intensivas. Essas meditações foram feitas da seguinte maneira, com duração de 20 minutos cada: 1. Escolher

uma

música

instrumental

e

tranquila

para

auxiliar

na

concentração. 2. Configurar o cronômetro do celular para auxiliar no controle do tempo para cada etapa. 3. Pensar na pergunta sobre a qual a reflexão será realizada. 4. Fechar os olhos para concentrar. 5. Nos 10 minutos iniciais, buscar argumentos para responder à questão escolhida. 6. Nos 5 minutos seguintes, colocar mentalmente os argumentos pensados em minha frente e contemplá-los. Aqui o objetivo é de contemplação das ideias que emergiram e de escuta interna dessas ideias, sem forçar a reflexão ou realizar julgamentos. Novas ideias podem surgir. Caso aconteça, são acolhidas e inseridas na contemplação. 7. Nos últimos 5 minutos, silenciar a mente e finalizar a meditação.

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8. Anotar, em arquivo do Word, todas as ideias e argumentações que emergiram. Neste momento de escrita, novas ideias também podem surgir. Elas são escutadas, acolhidas e também anotadas. O papel da música: apesar de buscar encontrar um momento e espaço mais tranquilo para realizar a meditação, o silêncio total não foi possível. Então, a música instrumental, voltada para meditação, teve o papel de me isolar momentaneamente dos ruídos e interferências externas e de auxiliar na concentração e na realização da escuta interna. O papel do cronômetro: ao ajustar o cronômetro para os tempos de cada etapa, me dava a segurança de poder me organizar e realizar todas as etapas; reduzia a ansiedade em saber se eu estava ou não dedicada a uma só etapa, ou em saber quanto tempo já havia se passado. Pois, ao longo da meditação, perco a noção do tempo cronológico, do relógio e entro no tempo das ideias e da imaginação. O papel da escrita ao final: apesar de sofrer da tentação de querer fazer anotações logo após os primeiros 10 minutos de meditação, para evitar esquecer as ideias preciosas que emergiram, eu obedeci à ordem proposta para que as ideias tivessem seu tempo de amadurecimento ao longo da meditação. Além disso, como em cada nova etapa poderiam surgir novas ideias, a realização da escrita somente ao final me permitiu organizar e contemplar todas as emergências nas mais diversas etapas. Por ser tratar de uma tese e consequentemente de construção de conhecimento, o registro escrito das ideias e argumentos também me permitiu revisitá-los, analisá-los, organizá-los com o objetivo de selecionar o que seria transformado em texto para a tese. Nesta fase de anotações, também houve liberdade absoluta em escrever tudo o que emergia em mim, em colocar sentimentos, emoções, conceitos, dúvidas, ou seja, tudo o que surgia. Aqui eram escritas as minhas palavras, o que havia de mais interno, de profundo e sincero. Para mim, realizar anotações no diário de campo e as meditações reflexivas, antes da escrita dos relatos, me permitiu expressar e transformar as “minhas escutas” em “minhas palavras” em formato de texto e imagens. Também me permitiu momentos de escrita em fluxo (CSIKSZENTMIHALYI, 1998), inicialmente, sem repreensões, sem limites, um expressar de tudo o que vinha e que estava dentro. Mas para transformar as “minhas palavras” em tese, em texto científico e acadêmico,

295

estas foram lapidadas, transformadas, integradas também às “palavras dos outros” – autores, autoras e teorias – que me auxiliaram nas reflexões, ampliações, justificativas. Poder fazer esse diálogo entre as “minhas palavras” e as “palavras dos outros” foi uma importante aprendizagem e uma experiência formadora, libertadora e integradora. É libertadora, pois tive a oportunidade de também me expressar a partir de “minhas palavras”, não somente ficando presa às “palavras dos outros”, como se essas fossem as verdades absolutas. Sempre me senti à sombra dos autores no trabalho acadêmico, dando somente importância a citações e referências, aos pensamentos e palavras dos outros. Tinha dificuldade de me escutar, de me expressar, de achar que essa expressão seria cientificamente válida. Mas, ao ser convidada a me reintroduzir nos processos de conhecimento e de formação, ao ser convidada a me expressar enquanto “eu crítico” na narrativa, ao ser convidada a expressar o que me passa na formação e na pesquisa, pude abrir tempo e espaço na escrita da tese para fazer a integração entre as minhas palavras e as palavras dos outros. Inspirada em Galvani (2014), compreendo que esses dois instrumentos de reflexão e de escrita (diário de campo e meditações reflexivas intensivas) me permitiram realizar movimentos de suspensão da consciência intencional e de exercício de uma atenção e presença não julgadora aos fenômenos vividos e às ressonâncias que emergiram ao longo da formação e da pesquisa. A partir dessa atenção/presença, abriu-se espaço-tempo para a revelação do fenômeno por meio da compreensão do meu ser (eu). Dimensão: (auto)reflexiva e (auto)crítica Como forma de fortalecer as aprendizagens, a formação e a pesquisa, acompanhada pelas orientadoras desta tese, busquei realizar ações e escritas (auto)reflexivas e (auto)críticas ao longo da construção dos relatos da narrativa autoformadora e da metodologia. Por exemplo, busquei explicitar o cuidado com o rigor conceitual e o paradigma sob o qual eu tenho trabalhado, além de expressar motivações, questionamentos e justificar as escolhas metodológicas realizadas. Nesta parte inicial da metodologia, contendo reflexões sobre a investigação, sobre a própria metodologia e suas dimensões, busquei fazer o que Connelly e Clandinin recomendam: “uma discussão autoconsciente das seleções que se fez, das possibilidades de histórias alternativas, e das outras possíveis limitações, vistas

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todas elas da vantajosa posição do ‘eu crítico’” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 45). Morin (2010c), em seu livro “Ciência com Consciência”, também enfatiza a importância de o pesquisador refletir sobre sua prática, seus porquês, sobre os limites e consequências do conhecimento que produz e explicitar isto em seus escritos e estudos. Convidaram-me a refletir e escrever sobre as limitações da metodologia de pesquisa e de formação presentes ao longo desta narrativa e nas conclusões desta tese. Tais movimentos de (auto) reflexão e de (auto) crítica foram realizados em busca de demonstrar a qualidade e o rigor científico – necessidade que Nicolescu (1999)

e

Moraes

(2008)

destacam

dentro

da

metodologia

de

pesquisa

transdisciplinar –, bem como a coerência existencial da formação e da pesquisa. Ao mesmo tempo em que foram necessárias reflexões sobre se essa formação e essa pesquisa eram válidas e científicas, com base nas teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade, também foram necessárias as reflexões sobre se essa formação e essa pesquisa tiveram sentido para quem as fez, se foram válidas e coerentes com quem as fez, com as necessidades formativas de quem as fez. Todas essas reflexões também estão presentes ao longo dos relatos. Dimensão: aprendizagens Ao refletir sobre o que eu deveria trazer na narrativa relacionada ao período da Formação de Educadores para a Cidadania, para responder ao problema de pesquisa, eu sabia que deveria expressar o caminho percorrido para a reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora, mas a dúvida era: de que maneira eu trilhei essa reconstrução a partir da integração entre os estudos teóricos realizados, a experiência de docência e de pesquisa vividas e a própria construção da metodologia de formação e de pesquisa? O que era integrador nesse movimento de transformação de vivências formativas em experiências formadoras? Entre angústias, indecisões, meditações e reflexões, retomei algumas perguntas

apresentadas

por

Josso

(2004,

p.

123)

neste

movimento

de

transformação de vivências em experiências formadoras: “Em que a experiência realizada foi formadora para mim? O que eu aprendi com esta experiência?”. Para mim, conseguir ter essa clareza de que nesta parte da narrativa eu deveria também refletir, analisar, integrar, expressar as minhas aprendizagens construídas neste percurso da Formação de Educadores para a Cidadania foi integrador, libertador e desafiador.

297

Foi integrador, pois compreendi que as aprendizagens são os elementos que integram, em mim, o algo “novo” que levo comigo – seja ele teórico, experiencial, existencial ou misturado –, que acoplo aos meus conhecimentos e aprendizagens prévios, depois de realizar atividades conscientes e deliberadas de reflexões a partir de leituras, experiências, pensamentos, encontros etc, e que emergem rumo a um projeto de futuro de desenvolver minha docência e pesquisa de forma integradora, aberta, humana, responsável, consciente e viva. Na análise das aprendizagens, tive condições de compreender, com toda a minha inteireza, o que foi (trans)formador das experiências vividas e, assim, também integrá-las à minha matriz pedagógicapesquisadora. Foi libertador, pois eu não precisaria separar “coisas” que estavam em mim integradas, ou seja, dizer o quê da teoria ou da prática eu poderia utilizar para reconstruir a minha matriz. Eu também poderia falar de “algo” que efetivamente estava acontecendo em mim, me apropriar e tomar consciência disso e, ainda, poderia construir conhecimento a partir disso. Claro que, para este movimento ser libertador, foram fundamentais a validação, o reconhecimento e o acompanhamento das minhas orientadoras a respeito do desenrolar dessas propostas, pois me proporcionaram apoio e confiança humana e científica para construir este caminho. Foi desafiador, pois exige muita participação, compromisso, reflexão, escrita, e, além disso, sempre me rodearam várias dúvidas: será que o que eu estou fazendo está correto? É suficiente, profundo e original para compor uma tese de doutorado? Além disso, as aprendizagens construídas, que eu consegui expressar, são relevantes? Há um número de aprendizagens sobre as quais eu deveria falar sobre? E se eu só tivesse identificado apenas “uma” aprendizagem ou “nenhuma” aprendizagem? Isso poderia ser considerado uma tese de doutorado? Como

base

nas

teorias

que

orientam

essa

pesquisa,

como

a

Transdisciplinaridade, a Complexidade, o movimento tripolar de formação, a pesquisa-formação e a investigação narrativa, percebo a originalidade do estudo de acordo com os seguintes aspectos: 

Por incorporar o sujeito cognoscente no processo de conhecimento (MORIN;

CIURANA;

MOTTA,

2009;

MORAES;

VALENTE,

2008;

MORAES, 2008). 

Por levar a cabo a união do sujeito transdisciplinar e objeto transdisciplinar (NICOLESCU, 1999) na própria metodologia da pesquisa, por meio da

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narrativa autoformadora, onde eu mesma sou a pesquisadora e o “objeto” pesquisado. 

Por ser uma pesquisa que, além de ter suas justificativas científicas e sociais, também explicita sua origem e justificativa pessoal, embasada em minha história de vida e percurso formativo (JOSSO, 2004; 2010; GALVANI;

PINEAU,

2012;

PAUL,

2013;

PINEAU,

2001;

2006;

SOMMERMAN, 2003; MORAES; VALENTE, 2008). 

Por ser um projeto de formação e de conhecimento que busca a constituição de um sujeito (eu) que trabalha para a consciência de si e de seu meio, bem como a qualidade de sua presença no mundo, além de ter a intencionalidade de criar valorizações, pelas escolhas que operará, e de criar sentido para si e para os outros (JOSSO, 2010).



Por respeitar e representar os meus processos de aprendizagem/pesquisa e de atribuição de sentido ao estudado, via teoria, e ao vivido, via prática, por meio de uma metodologia autoformativa, mas sem ignorar a heteroformação e a ecoformação (GALVANI, 2002; GALVANI; PINEAU, 2012; PAUL, 2013; PINEAU, 2001; 2006; SOMMERMAN, 2003).



Por expressar e dar voz aos múltiplos “eus” que compõem a investigação narrativa (CLANDININ; CONNELLY, 2000; 2008), como por exemplo nesta tese, eu-em-formação, eu-pesquisador, eu-docente, eu-crítico. Apesar de identificar alguns “eus” que predominam em cada parte do relato, tenho a consciência de que esta separação é artificial e de que todos os meus “eus” estão ali presentes, que naturalmente fazem parte de mim e representam MORAES,

minha 2008;

multidimensionalidade MORIN,

2000).

A

humana

(ARNT,

Complexidade

2010; e

a

Transdisciplinaridade também me convidam a assumir a presença de todos eles, a não excluí-los ou tentar eliminá-los, mas a dar voz e espaço para que eles estejam todos presentes em minha pesquisa, na minha formação e em meu texto. Quando penso na relevância das aprendizagens expressas na tese, também, me pergunto: são relevantes para quem? Respondo-me: primeiramente para mim, porque sou eu que tenho o interesse em materializá-las, em compreendê-las, para poder tomar consciência delas e de realizar a reconstrução da matriz pedagógicapesquisadora.

299

Mas, essas aprendizagens têm que ser relevantes para outras pessoas? Tendo em vista a justificativa social da tese, creio que elas também podem ser relevantes para outras pessoas, na medida em que as inspirem a construírem e se apropriarem de seus próprios percursos autoformativos, integrados aos hetero e ecoformativos, e a reconhecerem e a valorizarem suas próprias aprendizagens. Além disso, pensando em projeto de futuro, também me percebo com possibilidades de propiciar que os meus futuros estudantes – nos ambientes de aprendizagem virtuais, presenciais ou híbridos de suas formações iniciais ou continuadas – tenham tempos e espaços para se (auto)formarem, se apropriarem de suas histórias, matrizes, aprendizagens, projetos de vida, integrados com outros temas, teorias e disciplinas a serem trabalhadas e também construírem conhecimento a partir desse olhar. Continuando as reflexões, me pergunto: há um número ideal sobre quantas aprendizagens eu deveria abordar? Quantas seriam consideradas suficientes? Não tenho resposta a essas perguntas. Creio que o número e o gênero (psicossomáticos, instrumentais/pragmáticos, reflexivos/explicativos/compreensivos – JOSSO, 2004) irão variar de acordo com o percurso e necessidades formativas de cada pessoa, com o que foi marcante, formador, significativo para ela, quando reflete e pesquisa sobre suas próprias aprendizagens. Mas e se eu tivesse identificado apenas “uma” aprendizagem ou “nenhuma” aprendizagem? Isso poderia ser considerado um trabalho acadêmico e, mesmo, uma tese de doutorado? Penso que mesmo se eu tivesse identificado “nenhuma” aprendizagem, ao ser fruto de questionamentos, de reflexões sobre o fato de um processo formativo, a princípio, não ter tido nada de relevante para mim, isso já seria uma aprendizagem. Pois também poderia me abrir tempos e espaços para refletir o que poderia ter sido feito de diferente para que essa experiência pudesse ser significativa e formadora, por exemplo. Se pensarmos em minhas futuras experiências de docência e se, para meus alunos, nada for significativo e formador, se nada for motivo de alguma aprendizagem importante para eles, isso significa um alerta. Reforça ainda mais a necessidade de eu mesma – enquanto ser que aprende, que ensina e que pesquisa – buscar compreender o que está acontecendo, em diálogo com os alunos, e buscar (re)visitar e (re)pensar meus saberes, práticas e aprendizagens. Neste movimento

300

de relação entre quem ensina e quem aprende, me ressoam dizeres de Paulo Freire (1996, p. 12-13): Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo-relativo. Verbo que pede um objeto direto - alguma coisa - e um objeto indireto - a alguém. Do ponto de vista democrático em que me situo, mas também do ponto de vista da radicalidade metafísica em que me coloco e de que decorre minha compreensão do homem e da mulher como seres históricos e inacabados e sobre que se funda a minha inteligência do processo de conhecer, ensinar é algo mais que um verbo transitivo-relativo. Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível - depois, preciso - trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender. Não temo dizer que inexiste validade do ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado, em que o ensinado que não foi apreendido não pode realmente ser aprendido pelo aprendiz.

Se eu tivesse expressado apenas “uma” aprendizagem, creio que ela poderia ser considerada válida para uma tese de doutorado, desde que fossem tecidas reflexões, críticas, questionamentos, rigor conceitual e científico que essa aprendizagem me instigou. Isso é um aspecto que considero importante independente da quantidade de aprendizagens que apresento em meu estudo, pois essas ações, perante a aprendizagem desenvolvida, me permitem tomar consciência dela e de suas consequências, lançar um olhar crítico e reflexivo e construir conhecimento científico. Retomo, aqui, a ideia e a importância do acompanhamento e da validação das minhas orientadoras nesta construção científica, além da banca de defesa de tese que contribui e avalia a qualidade científica e acadêmica da tese. Trago para esta reflexão a proposta da hermenêutica instaurativa de Galvani (2002, p. 115-116): A hermenêutica instaurativa é uma maneira de compreender e de interpretar o símbolo pelas associações e ressonâncias que remetem de uma imagem à outra. Não se trata de impor uma grade de leitura para o símbolo, mas de explorar a si mesmo pelas significações múltiplas que ele instaura em si. Podemos ilustrar essa abordagem hermenêutica através de qualquer obra de arte. Diante dessa obra, a hermenêutica instaurativa não consiste em buscar uma significação causalista que ‘explicaria’ a aparição da obra, mas, ao contrário, em expressar as significações necessariamente infinitas que ela instaura ou que ela produz naqueles que a contemplam. [...] Nessa perspectiva, não há análise interpretativa das produções de cada um por uma pessoa ou pelo grupo, que tentaria, do exterior, extrair o seu sentido. A hermenêutica instaurativa se propõe a explorar o leque de significações sugeridas pelos símbolos, conforme o método da

301 convergência. Num círculo de palavra transcultural, a análise coletiva dos brasões ou das histórias de vida é uma partilha, uma exploração coletiva das significações, que cada participante descobre por si mesmo em suas produções ou nas dos outros.

A partir desta proposta compreendo que aqui nesta tese fiz justamente o movimento de compreensão e de interpretação das aprendizagens construídas por mim ao longo do percurso vivido de experiências docente e de pesquisa e de estudos teóricos. Essas aprendizagens representam as significações múltiplas que se instauraram em mim e que, por meio das escritas dos relatos, das meditações e das orientações com Maria Cândida e Rosamaria, pude contemplá-las, tomar consciência delas, interpretá-las e compreendê-las. Sendo assim, como não há uma grade de leitura previamente definida do que eu deveria ou não construir como aprendizagem a partir do que foi vivido, então a “quantidade” de aprendizagens a serem compreendidas e interpretadas é composta por aquelas que se instauraram em mim. Dimensão: envolvimento emocional Ao me dar conta de que o ato de conhecer, a pesquisa em si e o aprender são intimamente relacionados com as emoções (MATURANA, 1998), compreendo que ser emocionalmente envolvida com a minha pesquisa, com a minha formação, ao mesmo tempo, com o projeto de Formação de Educadores para a Cidadania, intensificou o meu desejo de participar, o meu envolvimento, compromisso e encantamento com tudo o que aconteceu. O fato de eu me encantar com algo, me moveu e me fez ir à busca do que fazia sentido para mim, rumo ao meu processo de aprendizagem e de (trans)formação. Tomei consciência também de que esta metodologia, que ora descrevo, nada mais é do que os caminhos construídos ao longo desse período vivencial-experiencial. Ao refletir sobre isso, me ressoam perguntas feitas pela minha orientadora, Maria Cândida, em um dos nossos encontros, quando resolvi redirecionar o problema de pesquisa anterior: “Isso faz sentido para você? É isso o que você quer? Isso te faz feliz?”. Com esse mesmo sentido de indagação é que, em seu livro “Ecologia dos Saberes” (MORAES, 2008), sob as bases científicas da Complexidade e da Transdisciplinaridade, ela também nos convida a “iluminar” novas práticas educacionais, a reinventar a escola e a “reencantar” a Educação. Atribuindo esse mesmo sentido, Morin (2000) nos fala das cegueiras do conhecimento, do erro e da ilusão, aspectos que resgato, aqui, porque, muitas vezes, vistos numa perspectiva mais positivista, podem ser relacionados a esta

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dimensão emocional da narrativa, no sentido de fragilizar sua viabilidade enquanto dado científico. Ao contrário disso, trata-se de uma visão que me inspira a compreender que todo conhecimento, seja de que modo for gerado, porta em si mesmo o risco do erro e da ilusão, pois, se constitui, por sua natureza, em um processo de tradução, de interpretação e de construção por meio da palavra, da linguagem. Além disso, está sempre sujeito às percepções e às reconstruções cerebrais, à visão de mundo. O autor comenta que a subjetividade, as emoções e o amor podem causar cegueiras, sim, mas que não podemos perder de vista que “o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica. A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo” (MORIN, 2000, p. 20). Em outras palavras, Morin corrobora a importância da dimensão emocional da narrativa como parte constitutiva, integrante dos processos de construção do conhecimento em toda a sua cientificidade. Afinal, afirma Piaget (1973, p. 266), a afetividade, a emoção e o sentimento são concebidos como o cerne do processo de desenvolvimento cognitivo, pois “toda conduta, qualquer que seja, contém sempre um aspecto energético ou afetivo e um aspecto estrutural ou cognitivo”. Morin (2000) segue propondo que o conhecimento científico pode tornar-se uma poderosa maneira de detectar esses erros e ilusões e que a Educação deve trabalhar na identificação da origem dos erros, das ilusões e das cegueiras, não somente atribuindo-os, equivocadamente, aos aspectos emocionais, mas assumindo-os como parte essencial da aprendizagem em sua perspectiva humana. A emoção, aqui, desprende-se da visão comum do sentimentalismo para tornar-se uma dimensão inseparável da razão, desempenhando um papel central no armazenamento de informações e no processo de tomada de decisões (DAMÁSIO, 1996). Para Damásio, concepção que reforça a minha percepção da dimensão emocional da narrativa, enquanto a emoção emerge daquilo que vem de dentro do corpo, envolvendo músculos, coração, pulmões e as reações das mais diversas, o sentimento reflete-se como a experiência mental de tudo isso que está acontecendo com o nosso corpo, ou seja, ele é resultado da emoção. Sendo assim, e à luz de Damásio (2013), explico a dimensão emocional envolvida na narrativa como aquele algo que pode ser expresso materialmente, isto é, traduz-se a partir do meu próprio rosto, dos meus gestos, dos movimentos do meu

303

corpo, para expressar todo o sentimento que a minha própria história me provoca e me faz seguir rumo às ações que me transformaram. Tudo emerge, portanto, como as reações externas do que me acontece internamente. Por tudo isso, eu considero que o estar “encantada” pelo que faço me abre espaço e tempo para o diálogo das emoções com a razão, com os saberes construídos também por meio da palavra, dos gestos, do não dito, do corpo, do movimento, das relações. É um “estar apaixonada” que também me permite reconhecer os limites do estudo enquanto obra inacabada, que é por natureza; que me permite reconhecer os meus próprios limites, como pesquisadora, pessoa em formação e ser humano, dimensões de um único ser, também inacabado por natureza, que estão em constante movimento, (re) construção e aprendizado. Concebi a dimensão (auto)reflexiva e (auto)crítica na ideia de dialogar com a dimensão envolvimento emocional de maneira a refletir sobre as cegueiras do conhecimento, do erro e da ilusão, buscando compreender as limitações, o inacabamento, a provisoriedade e o estar em constante transformação do conhecimento construído. Dimensão: passado-presente-futuro A memória não é algo inerte e, sim, dinâmico, na medida em que conecta três dimensões do tempo: presente, passado e futuro. E o nosso corpo é uma “memória orgânica que registra tudo” (PINEAU, 2014, p, 109). A narrativa vincula-se de forma inseparável a esta perspectiva temporal, cenário sobre o qual se inscreve a nossa história de vida. Ricoeur (1994), em sua fala sobre o tempo, estabelece uma relação que ele chama de ‘humana’ entre tempo e narrativa, já que, na visão dele, a narrativa expressa uma experiência temporal: O mundo exibido por qualquer obra narrativa é sempre um mundo temporal [...] o tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo; em compreensão, a narrativa significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal (RICOEUR, 1994, p.15).

A partir da compreensão da Complexidade como fator constitutivo da matéria e da vida e por isso a existência de uma relação inviolável entre ser e conhecer, Moraes (2008, p. 191) entende que um sujeito multidimensional e impregnado de sua história de vida “não separa o mental do físico, a razão da emoção, o fato da fantasia, o passado do presente e do futuro. Um sujeito que é autor de sua história e co-autor de histórias coletivas que acontecem em seu entorno”.

304

Patrick Paul (2009, p. 300) propõe que a “autobiografia busca, no interior do sujeito, os traços do passado que o constituiu” e é uma “reconstrução do passado a partir do presente” (PAUL, 2009, p. 306). Assim, estabelece uma relação com o tempo, passado e futuro que se encontram enraizados no presente da existência. Pineau (2006), ao apresentar as condições maiores que estruturam a carta de ética da Associação Internacional das Histórias de Vida em Formação (Association Internacionale des Histories de Vie em Formation – ASIHVIF), nos diz que a interpretação de uma história de vida visa a ser mais instauradora do que redutora, ou seja, deve projetar e voltar-se para um futuro a construir e não apenas introjetar e querer explicar a vida por um passado. No trabalho com história de vida profissional, Pineau (2014, p. 109) complementa que “o passado não é forçosamente passado, se inscreve corporalmente em nós; nosso corpo é uma memória orgânica que registra tudo”. Para Galvani (2014, p. 126), por meio de uma fenomenologia hermenêutica dos momentos de autoformação, é possível estudarmos as percepções sobre fenômeno, sobre objeto de estudo e sobre as relações entre sujeito e objeto. Essas percepções não são únicas, elas suscitam ideias, memórias, emoções, intenções e instituem em nós tanto novos diálogos entre o presente e o passado, entre o passado e o futuro, entre aquilo que pensamos e sentimos, entre o que sentimos e o que queremos”. Conforme Clandinin e Connelly (2000), a investigação narrativa (IN) também cria um espaço tridimensional de pesquisa que permite o pesquisador caminhar em quatro direções: para dentro (inward – condições internas, como os sentimentos, as expectativas, reações estéticas e disposições morais); para fora (outward – condições existenciais, que são o ambiente); para trás (backward) e para frente (forward), onde se referem à temporalidade – que é passado, presente e futuro. A partir de autores como Ricoeur (1994), Paul (2009), Moraes (2008), Pineau (2006; 2014), Galvani (2014) e Clandinin e Connelly (2000) compreendo que por meio da narrativa autoformadora é possível abrir tempo e espaço para que passado, presente e futuro estejam em diálogo. Percebo que o tempo e ação no presente me permitem uma reaproximação do meu passado, daquilo que está em minha corporeidade, de tudo que constitui minhas memórias, do que está, por fim, inscrito em minha matriz pedagógica-pesquisadora. A partir dessa tomada de consciência, posso reconstruir minha matriz tendo, ao mesmo tempo, traços e

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elementos do passado e traços e elementos do presente, sejam eles teóricos, existenciais e experienciais. Além disso, abarcou as possibilidades e anseios de um projeto de vida, de um projeto de futuro, de como pretendo ou desejo me constituir ser docente e pesquisadora, dimensões de um mesmo ser que também se encontravam integradas em minhas aprendizagens. A Formação de Educadores para a Cidadania se caracterizou justamente por essa oportunidade de tomada de consciência teórico-existencial-experiencial, reforçando em mim a necessidade de mudanças dos modos de conhecer, de ser e de fazer. Respectivamente, a tese emergiu no resgate de um tempo passado e se desenvolveu em um tempo presente, materializando-se na elaboração e sistematização do caminho percorrido. Nesse movimento em espiral, o final do doutorado e de elaboração da tese, ao mesmo tempo, se tornam novamente passado, pois já aconteceram, e um novo início de um presente e de um futuro nos quais poderei continuar minha formação e minhas pesquisas, desenvolver práticas a partir de outra perspectiva de docência e de investigação e prosseguir me desenvolvendo como aprendiz, profissional e ser humano. Se você me perguntar: apesar de toda a reconstrução pretendida de matriz pedagógica-pesquisadora, elementos do passado, da matriz anterior podem continuar presentes na matriz reconstruída? Te responderei: sim! O antigo e o novo coexistem em minha matriz, pois coexistem em mim. Por meio de todo o processo autoformador e reflexivo empreendido nessa tese, por tomar consciência de elementos que quero que sejam modificados e por tomar consciência das aprendizagens construídas, que me fornecem ferramentas para poder ser e fazer de maneira diferente, creio que assim se abrem caminhos para uma mudança gradativa, pois elas nasceram da integração entre o interno e o externo. Conforme comenta Josso (2004, p. 123), neste movimento de aprendizagem também estão presentes três dimensões do tempo: o passado, o presente e o futuro. Dimensão: escrita narrativa Ao longo da escrita dos relatos, os documentos criados foram compartilhados com minhas orientadoras, Maria Cândida e Rosamaria. Por meio de observações escritas, das indicações de leituras e pesquisas e de conversas presenciais e virtuais, elas me auxiliaram a expandir e aprofundar os relatos elaborados, a ampliar os diálogos e os estudos teóricos.

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O processo de escrita da narrativa, e de suas partes (relatos), foi um processo recursivo e retroativo (MORIN, 2007; MORIN, CIURANA, MOTTA, 2009; MORAES; VALENTE, 2008). A cada nova parte escrita, foi realizada a leitura da parte anterior para que elas tivessem coesão e coerência, abrindo a possibilidade de reescritas da parte anterior para que elas formassem um todo harmônico. Os autores Clandinin e Connely (2000) nos falam sobre isso no processo de escrita dos textos de pesquisa. Cabe ressaltar que em relação ao todo da tese, sua escrita também ocorreu de maneira recursiva e retroativa, pois a composição da introdução, das conclusões, das referências e dos apêndices influenciaram e foram influenciadas pela escrita da parte central da tese, de maneira a conceber um todo coeso e coerente. De acordo com Morin (2007), Morin, Ciurana, Motta (2009) e Moraes e Valente (2008), os princípios retroativo e recursivo são dois operadores cognitivos da Complexidade, a saber: Princípio retroativo: Rompe com a causalidade linear ao nos elucidar que toda a causa age sobre o efeito e todo efeito retroage informacionalmente sobre a causa a partir de processos autorreguladores do sistema. Este princípio é compreendido como feedback quando faz parte de um ciclo fechado, não espiralado. Em termos de pesquisa, esse princípio nos alerta que “precisamos buscar as possíveis causas de determinados fenômenos de maneira mais ampla, observando o maior número de interações possíveis” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 39). Princípio recursivo: Vai além do princípio retroativo (autorregulação do sistema), favorecendo processos de auto-organização, caracterizados “por uma espiral evolutiva do sistema” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 39). Produtos e efeitos são eles produtores e causadores daquilo que os produziu (MORIN, 2007). “É uma dinâmica autoprodutiva e autoorganizacional” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 31). Esse princípio apresenta uma ruptura com a ideia linear de causa-efeito, de produtor/produto, de estrutura/superestrutura, “já que tudo o que é produzido volta-se sobre o que produz num ciclo ele mesmo autoconstitutivo, auto-organizador, autoprodutor” (MORIN, 2007, p. 74). Os princípios retroativos e recursivos compõem a causalidade circular, não linear, que representa a causalidade dos sistemas complexos. “Essa causalidade circular constitui a base organizacional comum a todos os sistemas vivos, pois está presente nas interações sujeito/meio, sujeito/objeto, educador/educando. [...] Essa causalidade circular pode produzir novas emergências a partir dos processos auto-eco-reguladores” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 40).

Outro aspecto da escrita narrativa que me chamou a atenção foi o ir e vir entre momentos de “empacamento” e de escrita em fluxo. Houve momentos de “empacamento”, de não saber para onde ir, o que ler, o que fazer, de não conseguir escrever uma linha sequer. O dar-me tempo para escutar(me), para refletir(me) sobre o que foi lido e vivido, com lentidão, em uma preparação para a escrita, propiciava, não

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mais que de repente, um movimento de escrita em fluxo (CSIKSZENTMIHALYI, 1998), no qual ela fluía, assim, de uma forma inexplicável, onde tudo o que foi lido e vivido toma forma, se tornam palavras, esquemas, desenhos. Nos dizeres de Milan Kundera, compreendo a relação entre lentidão e memória: Há um vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento. Imaginemos uma situação das mais comuns: um homem andando na rua. De repente, ele quer se lembrar de alguma coisa, mas a lembrança lhe escapa. Nesse momento, maquinalmente, seus passos ficam mais lentos. Ao contrário, quem está tentando esquecer um incidente penoso que acabou de viver sem querer acelera o passo, como se quisesse rapidamente se afastar daquilo que, no tempo, ainda está muito próximo de si. Na matemática existencial, essa experiência toma a forma de duas equações elementares: o grau de lentidão é diretamente proporcional à intensidade da memória; o grau de velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento (KUNDERA, 1995, p. 41-42).

Claro, que em um primeiro momento, pelo menos para mim, as ideias todas saem meio desorganizadas, até mesmo se repetem no texto. Aqui adquire importância ter tempo e espaço para a revisão, para colocar cada coisa em seu lugar, dando linearidade e coerência, para que o leitor possa também compreender o que foi escrito. Por vezes pareciam devaneios e davam certa insegurança em saber se isso tudo estava compreensível, mas com as orientações cuidadosas e atentas das orientadoras, esse texto foi sendo lapidado e reconstruído ao longo do percurso. Os momentos de escrita em fluxo foram momentos incríveis e nos quais a criação e a inovação aconteciam, pois elaborei e me expressei desde dentro. Até podia não ser uma novidade teórica, mas fazer essa escrita que vem de dentro, a partir de leitura e da experiência, para mim, foi uma forma, um caminho de atribuir sentido ao vivido, a ir para o além do cognitivo, a ser experienciado com o corpo, com as emoções, com a afetividade, mas também com o cognitivo. Ok! Mas neste momento agora, neste exato momento, eu transcendo o que foi escrito pelo outro, eu entro em processo de criação e de autoria. Claro que em alguns momentos fiz a devida referência ao trabalho dos outros, tentando buscar também a clareza conceitual, em diálogo com a teoria. Mas, a maior parte foi expressa a partir de mim, a partir da minha compreensão do que foi lido e o que foi vivido, e é isso que levarei para a minha matriz pedagógica-pesquisadora. É esse tipo de aprendizagem que nunca mais esquecerei, que já faz parte de mim. Posso me esquecer de conceitos exatos, posso me esquecer até de como eu aprendi, mas essa aprendizagem sensível e integrada com o meu ser, é o que levo

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para a minha matriz, que levo para os ambientes onde eu me exercerei como docente, como pesquisadora, como profissional, enfim, como ser humano. De acordo com Csikszentmihalyi (1998, p. 41-42), são momentos conhecidos como “estados de fluidez”, situações cotidianas onde sentimentos, pensamentos e desejos estão em harmonia e a “consciência está cheia de experiências e essas experiências estão presentes em harmonia entre si”. “A metáfora fluir é a que muitas pessoas têm utilizado para descrever a sensação de ação sem esforço, que sentem os momentos que sobressaem como os melhores momentos de sua vida”. As atividades que induzem a estes estados de fluidez podem ser chamadas de “atividades de fluxo”, pois é possível que se produza esta experiência de fluxo ao permitir que a pessoa se concentre nos objetivos que são claros e compatíveis entre si e proporcionam uma retroalimentação imediata, ou seja, “deixam claro quando a pessoa está agindo perfeitamente” (CSIKSZENTMIHALYI, p. 42). Além disso, a pessoa se sente aprendendo, evoluindo, crescendo e geralmente ocorrem quando as pessoas estão praticando sua atividade favorita. Assim, o autor explica: O estado de fluidez tem a se produzir quando as capacidades de uma pessoa estão plenamente envolvidas em superar um objetivo que é possível enfrentar. As experiências ótimas habitualmente implicam um delicado equilíbrio entre as capacidades que temos para agir e as possibilidades disponíveis para a ação. [...] Quando as metas são claras, a retroalimentação relevante e os desafios e capacidades se encontram em equilíbrio, se ordena e se investe plenamente a atenção. Uma pessoa que flui está completamente centrada devido à demanda total de energia psíquica. Na consciência não fica espaço para pensamentos que distraiam nem para sentimentos irrelevantes. Neste caso, desaparece a consciência de si, mas a pessoa se sente mais forte que o normal. A sensação de tempo fica distorcida, já que as horas parecem passar com se fossem minutos. Quando todo o ser, uma pessoa se amplia em um funcionamento pleno de corpo e mente, qualquer coisa que faça, vale a pena ser feita por si mesma, viver se converte em sua própria justificativa. Neste centrar-se harmoniosamente da energia física e psíquica, a vida adquire finalmente seu próprio sentido. (CSIKSZENTMIHALYI, 1998, p. 43 e 45)

Como quase todas as classes de atividades podem produzir estados de fluidez, desde que tenham os elementos relevantes destacados acima, o autor sugere que essas condições dos estados de fluidez “formem constantemente e o mais possível parte da vida cotidiana” (CSIKSZENTMIHALYI, 1998, p. 47). Por meio destas definições, percebo o quanto a tese, as orientações, as leituras, as experiências vividas, as reflexões, a escrita da narrativa constituem-se, para mim, atividades de fluxo, pois possuem objetivos claros, me movem, me instigam, me desafiam e respeitam meus processos de aprendizagem e minhas necessidades como aprendiz. Nesse sentido, as perguntas que Maria Cândida me

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fez, várias vezes, nos momentos de orientação ao longo da definição do projeto de pesquisa foram cuidadosas e fundamentais para que se tornassem atividades de fluxo: “Você tem certeza que é este o projeto que você quer desenvolver? Está feliz com ele? Faz sentido para você?”.

O que significou, para mim, atribuir sentido ao vivido? É, justamente, esse poder organizar o vivido em texto, refletir e dialogar sobre o que me passou, o que me aconteceu, o que aprendi, em termos de docência e de pesquisa, junto com as teorias utilizadas como base para esse estudo, é que, para mim, significa atribuir sentido ao vivido. E, a partir do que foi escrito, do que consegui organizar, sistematizar, teorizar, dialogar, refletir é que consigo extrair elementos que levarei para toda a minha vida daqui em diante, docente, profissional, pesquisadora e acadêmica, enfim, que farão parte da minha matriz. É ter esse tempo e espaço no meu percurso formativo, aqui representado pelo doutorado, para essa “ruminação”, para esse organizar de ideias, de experiências, de teorias, de leituras, de reflexões, de sentimentos... é juntar e organizar tudo isso e permitir que isso ressoe em mim e que passe a fazer parte do meu texto, assim de forma natural, que me permita entrar em momentos de fluxo (CSIKSZENTMIHALYI, 1998, p. 47) de escrita sem ter a distinção exata do que é meu e do que é do outro (autor). Claro que para textos científicos devemos ter esse rigor conceitual, ou seja, de explicitar conceitos e ideias de outras pessoas e mesmo de conceituar, refletir e explicitar minhas próprias ideias e teorizações. Ok, isso é importante e exigido e, tentei, da melhor forma, atender a esses requisitos. Mas, para mim, atribuir sentido ao vivido permite que eu consiga traduzir de forma que eu compreenda e tome consciência do que se passa ou passou em mim e, consiga, enfim, levar “coisas” comigo que possam me tornar um ser humano melhor, que possam me tornar uma profissional, docente, pesquisadora, designer melhor, mais consciente de si, dos outros e do mundo/universo. Sim, é isso que, para mim, significa atribuir sentido ao vivido.

O que a poesia tem a ver com essa escrita narrativa? Os “eus” poético, imaginário, lúdico aqui eram acionados para tentar expressar e dizer o que me passava, o que era mais íntimo de mim e que tinha dificuldades de transformar em palavras. Tentar expressar o que era ambíguo, o que

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era por vezes nebuloso, mas que com a ajuda da arte, da poesia, pode ser expressado de alguma forma. Pode parecer um tanto estranho, pois na escrita científica tem que se ter clareza conceitual, que se justificar, tem que se ter rigor científico. Mas houve momentos que só a poesia dava conta de expressar o que senti e o que vivi, a sua essência. Por meio da integração entre arte, ciência, filosofia e tradições aberta pela Transdisciplinaridade (NICOLESCU, 1999), pude trazer a escrita poética para dentro do estudo acadêmico e científico. Não somente a poesia de outras pessoas, que por vezes são muito inspiradoras e importantes, mas as poesias que nascem de dentro, que nascem de mim, que nascem da minha experiência, que nascem desses movimentos de reflexão, diálogo e autoria. Para Bontempo de Lima, a poesia tem reflexos no autoconhecimento humano e na sociedade e permite que as palavras percam seu sentido real para dar lugar a outro sentido, “levando o leitor a alcançar o encantamento”. Tem vocabulário espontâneo, sendo que o poeta ou poetiza pode inventar novas palavras ou até mesmo fazer ressurgir outras esquecidas. a essência da linguagem da poesia está na palavra, na imaginação criadora, e no seu isolamento da linguagem falada. O mundo nem percebe o valor da poesia que encanta e que somente é encontrada no ato da leitura. Assim, a poesia é uma criação sublime, é antes de toda criação literária (sic). Ela está antes do homem porque está na essência da criação e depois do seu fim porque a poesia não morre. O poeta cria o mundo e os seus significados, ouve vozes secretas e faz o encanto invadir os pensamentos dos leitores e transportá-los ao paraíso dos sonhos e do inexprimível, suas palavras são mágicas, puras e nos leva ao além, nos fazendo descobrir os segredos do mundo. (BONTEMPO DE LIMA, 2012, p. 38),

Percebo assim, tanto pela minha prática, quanto pela experiência na Formação de Educadores para a Cidadania, que a elaboração de poesia escrita, depois compartilhada com o grupo, propicia o desenvolvimento da sensibilidade, do poder de síntese, da possibilidade de brincar e se divertir com as palavras na expressão da essência de um sentimento, de uma ideia, de um conceito, de uma ação. Autores como Moraes, Nicolescu, Luckesi nos convidam a trabalhar da dimensão poética do ser humano integrado aos saberes disciplinares, experienciais e existenciais nos ambientes formativos. Corroborando com esta ideia, a Transdisciplinaridade, em si, também propõe a religação da ciência, da arte, da filosofia e das tradições.

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Aqui você pode se perguntar: basta estar inspirado para se escrever uma tese? É fácil assim? Digo que não é fácil assim. A inspiração não vem sozinha, o movimento de fluxo não vem sozinho, não acontece a partir do nada. Em minha experiência aqui expressa, é fruto de muita leitura teórica, de muita reflexão, de muito diálogo, de muita “ruminação” a respeito do lido e vivido, aí sim conseguir escrever em fluxo, para construir essa autoria. É fruto de muito exercício cognitivo, mas aberto à escuta do restante do corpo, escuta do ambiente, escuta dos sentimentos, escuta do que me passa e, claro, da necessidade de precisar dar forma a esse emaranhado de “coisas” que estavam aqui dentro, de dar coerência e formato de uma tese. Também não foi algo premeditado ou uma decisão consciente do tipo “Ah! Hoje eu vou escrever em fluxo”. Comigo não foi assim, simplesmente quando eu me dava conta, essa escrita estava acontecendo. Essas reflexões também têm muita influencia do movimento vivido com Rosamaria, de uma fala e de uma escrita cuidadosa, poética, amorosa, atenciosa, da proposta de realizar leituras de poesias, de estar atenta a letras de músicas, ou até mesmo aos ritmos, melodia e harmonia de músicas instrumentais e de poder integrar isso tudo ao contexto de sala de aula. Fazem parte das minhas aprendizagens sensíveis, do desenvolvimento da inteligência afetiva, que Ruth Cavalcante também destaca na Educação Biocêntrica. Ao poder integrar a poesia, a música, as artes não só na metodologia de sala de aula, mas também na metodologia de formação e de pesquisa e à escrita acadêmica e científica, à minha tese de doutorado, propiciaram também assim que essas teorias e essas propostas se integram ao meu fazer pesquisa, ao meu ser docente-pesquisador. Dimensão: os múltiplos “eus” Os autores Clandinin e Connelly (2000; 2008) recomendam quando falam a respeito dos múltiplos “eus” presentes nas investigações narrativas e na importância de explicitá-los e dar espaço de expressão para todos eles. Nesse sentido, como eu sou pesquisadora e sujeito da pesquisa ao mesmo tempo, em cada parte da narrativa, há um “eu” predominante que foi explicitado no “esquema narrativo” logo no início de cada relato. Na história de vida e nos relatos de experiência se fez mais presente o meu “eu em formação”, pois foi ele quem relatou os acontecimentos e que explicitou suas motivações e compreensões. Na metodologia e na análise das aprendizagens, o meu “eu pesquisador” se fez mais presente, pois foi ele quem conta o caminho

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percorrido, olha os relatos com o olhar de pesquisador, identificando e teorizando as aprendizagens. Especificamente, aqui neste relato narrativa autoformadora, o meu “eu pesquisador”, assumiu também o papel de “eu crítico” (CONNELLY; CLANDININ, 2008) no sentido de explicitar as limitações da pesquisa, de refletir sobre o caminho percorrido, sobre a prática empreendida, sobre seus porquês e as consequências do conhecimento construído, como nos orienta Morin (2010b), ao apontar a necessidade de refletir e de explicitar o inacabamento e provisoriedade da obra. Como comentado no esquema narrativo do relato 1, imbricados, integrados aos “eu em formação”, “eu pesquisador” e “eu crítico”, também o sapiens (racionalidade), o eu da afetividade, o eu do delírio (demens), o eu empírico, o eu imaginário (imaginarius), o eu prosaico e o eu poético. Pois somos homo complexus (MORIN, 2000; PETRAGLIA, 2008). Confome explica Petraglia, o ser humano traz em si: um conjunto de características antagônicas e bipolares. Ao mesmo tempo em que é sábio, é louco; é prosaico e é poético; é trabalhador e lúdico; é simultaneamente empírico e imaginário. É unidade e diversidade; é multiplicidade, pluralidade e indissociabilidade; é corpo, idéias e afetividade. É homo complexus. (PETRAGLIA, 2008, p. 19)

Mesmo tendo consciência da Complexidade humana e do entrelaçamento existente de suas dimensões, compreendo a importância de dar espaço e voz aos vários “eus”. Alguns deles, como o “eu em formação”, o “eu pesquisador” e o “eu crítico” tenho condições de explicitar sua presença em cada parte do texto, mesmo sabendo que isso não elimina (e nem é essa a intenção) a presença de outros “eus” que naturalmente fazem parte de mim. A Complexidade e a Transdisciplinaridade me convidam, também, a assumir a presença de todos eles, a não excluí-los ou tentar eliminá-los, mas a dar voz e espaço para que eles estejam todos presentes em minha pesquisa, na minha formação e em meu texto. Em uma das suas orientações sobre esta nota sobre os múltiplos “eus”, Rosamaria me perguntou: “e o eu transcendente? será que é ele que integra os diferentes eus, permitindo ir além?”. Fiquei “ruminando” sobre isso bastante tempo. Então, me abri a outras leituras a respeito de transcendência, me encontrei com Toro (2005) e Boff (2002), a partir da formação em Biodanza, da qual participei em novembro de 2014, cujo módulo foi sobre transcendência, “por coincidência”. Eles trouxeram a ideia de que transcendência − “dimensão de abertura, de romper barreiras, de superar proibições, de ir mais além de todos os limites” (BOFF, 2002, p.

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32) −, é algo inerente ao ser humano, que está presente no cotidiano, não está somente vinculado ao religioso. Por meio do filósofo Michel Random compreendo que, a partir da perspectiva da Transdisciplinaridade, a ciência deve ser repensada, reinventada, com outros olhares, incluindo o imaginário, “nos quais a transcendência e a imanência, a parte e o todo, funcionem de forma diferente daquela que se acreditou até hoje” (RANDOM, 2000, p. 60). Nesse sentido, o artigo 6 da “Carta da Transdisciplinaridade” também abre as ciências exatas e humanas ao diálogo e sua reconciliação com “a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior” (NICOLESCU, 1999, p. 163) e, no seu artigo 11, a Educação Transdisciplinar também deve estar aberta a reavaliar “o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos” (NICOLESCU, 1999, p. 164). Então pensei: “Eu posso ser transcendente também? Ir além do que está já dito? O que significa isso em termos de pesquisa?”. Apesar de ter a noção da importância, a partir de Clandinin e Connelly (2000; 2008), dos “múltiplos eus”, de identificar quem está falando em determinados momentos da escrita acadêmica, essa separação é artificial, mas creio ser necessária para que possamos escrever, compreender, categorizar, possa tomar consciência dessas múltiplas dimensões do meu eu, dessa multidimensionalidade humana, via ontologia complexa (ARNT, 2010; MORAES, 2008; MORIN, 2000). Mas há um momento em que todos esses “eus” se fundem e que não consigo mais dizer qual o “eu” está falando neste momento aqui. Na experiência de fluxo (CSIKSZENTMIHALYI, 1998) de escrita, que comentei também nesta escrita narrativa, todos os “eus” estão aqui, juntos, escrevendo, tentando expressar o que me passa, o que me acontece (LARROSA, 2002). Claro que para uma escrita acadêmica e de formação, o “eu” em formação e o “eu” pesquisador estão aí, fortes, marcantes e presentes, pois requisitam os processos de reflexão, leitura, escrita, estudo e pesquisa, mas ter consciência que os outros “eus” também estão aqui e que eles podem ter voz, como o eu poético, imaginário e lúdico (MORIN, 2000; PETRAGLIA, 2008), por exemplo, é por demais libertador. Não preciso reprimi-los, ou omiti-los, posso reconhecê-los e expressá-los e, assim, creio eu permitir que meu “eu transcendente” também tenha seu lugar, vez, e voz e me permita entrar em fluxo e escrever desde mim, desde minha corporeidade e fazer esse movimento de incorporação, à minha matriz pedagógicapesquisadora do que foi lido, vivido e aprendido.

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Dimensão: estudos teóricos Conforme comentei no artigo “E Quando Pesquisador e Pesquisado são a Mesma Pessoa? Reflexões Epistemo-metodológicas à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade” (SCHERRE, 2015, p. 281), os estudos teóricos realizados, a partir de escritos e produções de outros autores, me ajudaram a conhecer: realizar estudos teóricos sobre os escritos de outros autores me ajudaram a conhecer: por onde as pesquisas científicas caminham e o que os formadores de formadores dizem sobre a (trans)formação. Também me inspiraram a construir outras maneiras de estar e ser no mundo. Isso não significa que as ideias que os autores trazem sejam mais ou menos corretas ou verdadeiras do que o que trago nas histórias que narro. Isso quer dizer que posso entrelaçar conhecimentos próprios aos saberes construídos por outras pessoas. Significa que posso trazê-los como convites à reflexão por outros caminhos diferentes daqueles que, até então, faziam parte de minhas histórias e formações. Os autores e suas ideias me incentivaram a refletir sobre a minha própria prática, sobre o paradigma que a sustenta, a pesquisar sobre essa prática e, mesmo, a construir novas teorias nesse diálogo entre teorias e experiências vividas.

Os estudos teóricos foram encontros com as palavras dos outros que deram sustentação à escuta, à escrita, à análise, às reflexões, à formação e à pesquisa. Nesta tese, os estudos teóricos apareceram de duas maneiras: em uma parte específica na qual trouxe as palavras dos outros, e ao longo dos relatos. Ao expressar minha forma de estudar e aprender, a parte específica da tese teve como característica a apresentação de uma síntese das ideias apresentadas por outras pessoas que foram inspirações para esta formação e pesquisa, então é recheada de muitas citações, diretas e indiretas, sem minhas reflexões ao longo desta escrita. Com esta parte específica em mãos, tive condições de tecer os relatos entrelaçados com as palavras dos autores lidos, expressando, justamente, as reflexões, inquietações e aprendizagens que esses estudos teóricos me geraram e me movimentaram para a reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora. Galvani (2014, p 117) comenta também sobre as três dimensões da autoformação: teórica, prática e simbólica. Em relação à teórica é constituída pela “articulação da experiência de vida com os saberes formais”, como parte do processo de reflexividade propiciado pela autoformação. Notas sobre o diálogo entre teorias e práticas Para mim, as teorias representaram inspirações para caminhar, para instigar, para questionar, como aberturas que, de alguma forma, me autorizaram a fazer algo

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de diferente em termos de docência, de pesquisa, de construção de conhecimento científico e de formação. Digo diferente do que eu já havia feito, vivido, conhecido até então. Abriram-me possibilidades de questionamento de meus paradigmas, de estudar e de me aprofundar no que havia em mim, em minha matriz, e de reconsiderá-las, repensá-las e reconstruí-las a partir de outro pensamento, outra visão de mundo, de ver a mim mesma, de ver as relações e os meios onde estou. Não foi feito em um movimento de exclusão, de eliminação do meu passado e das minhas experiências, mas em um movimento de ressignificação e de aprendizagem de outras possibilidades de ser e de fazer como docente, como pesquisadora e, também, como ser humano. Então, neste tempo e espaço que as teorias me propiciaram, pude vivenciar uma prática, ou melhor, práticas entrelaçadas de docência e de pesquisa, que tinham como base muitas dessas referências teóricas sobre as quais falei anteriormente, por exemplo, Transdisciplinaridade e Complexidade. As práticas desenvolvidas em um fazer conjunto, com outras pessoas que me acompanharam, que abriram seus momentos de (re)planejamento de uma situação didática, para um fazer dialogado, conversado, onde havia a busca pela coerência da prática com a teoria que a sustentava... tudo isso esteve presente também nesse fazer conjunto. Além dessa prática conjunta, também houve práticas individuais, mas também acompanhadas pelas orientadoras. Foram práticas de construção da pesquisa, de busca pelo rigor teórico e conceitual, de reconstrução da matriz pedagógicapesquisadora. Compreendo que me permitiram um nível de aprendizagem, do fazer, do pensar nos mínimos detalhes, do compreender a partir da ação, como organizar as estratégias didáticas, o ambiente, as músicas, a intenção, os conteúdos explícitos e implícitos do meu fazer pedagógico... e também do fazer da construção da tese, na elaboração dos relatos, da busca de explicitar os porquês das escolhas metodológicas e de seu embasamento teórico. Percebo como um conhecer na e para a ação (SCHÖN, 1995; 2000), que o processo reflexivo ajuda a tomar consciência dele e abre a possibilidade de aprimoramento, mas que nenhuma descrição ou detalhamento somente teóricos darão conta de me ensinar e explicar. Ao envolver todo o meu organismo, meu corpo, minha mente, meus sentimentos, minha criatividade... enfim todo o meu ser nesse aprender e fazer, nessa criação, aprendo “coisas” que só a palavra, fotos, vídeos também não dão conta de expressar.

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Compreendi que o diálogo se aprende dialogando, a escuta se aprende escutando, o silenciar se aprende silenciando, o planejar se aprende planejando, o relacionar-se se aprende relacionando, o expressar-se se aprende se expressando... Claro que aqui não excluo as teorias sobre o diálogo, sobre a escuta, sobre o silêncio etc... As palavras que os outros dizem (o que chamo de teorias) me inspiraram a olhar/refletir sobre esses nossos fazeres cotidianos, profissionais e, se necessário, a empreender (trans)formações a partir desse diálogo entre os que os outros dizem (teoria) e o que experimentamos e refletimos (prática). Para mim, essa consciência do aprender fazendo, de conseguir olhar para uma nova situação de pesquisa e de docência e começar a imaginar/planejar o que pode ser feito, a criar, é uma sensação muito boa, que me dá confiança e segurança provisórias para um fazer pedagógico diferente daquele que estava centrado em mim, na explanação e no cumprimento exato do que eu havia planejado. Dimensão: análise interpretativo-compreensiva No relato 1 – que abarcou a história de vida e a matriz vigente –, me percebi analisando a matriz identificada e dialogando com teorias estudadas, em busca da compreensão da perspectiva paradigmática tradicional subjacente a essa matriz e sobre as outras possibilidades paradigmáticas de reconstrução à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Nos relatos 2, 3 e 4 – que abarcaram as aprendizagens ao longo da Formação de Educadores para a Cidadania e a reconstrução da matriz emergente –, a partir dos movimentos de escuta sensível e atenta e de meditação reflexiva e intensiva, me percebi identificando e refletindo sobre o que foi marcante e significativo no percurso formativo e investigativo empreendido e buscando integrar e reconstruir minha matriz pedagógica-pesquisadora. De acordo com Paul (2013, p. 315-16), a interpretação é “uma tradução que se efetua por intermédio de um intérprete que transpõe a mensagem escrita para torná-la compreensível àquele que a recebe” e a compreensão “remete a uma atividade mais interiorizada do espírito. Supõe uma abordagem bem mais qualitativa ligada ao sentir, à percepção vivida, permitindo outro tipo de comportamento quando algo é experimentado pelo sujeito” (PAUL, 2009, p.89). Sendo assim, compreendo a análise das aprendizagens identificadas como sendo interpretativo-compreensiva, pois permitiu a tradução, em forma de palavras/imagens, do que é subjetivo, que emergiu do diálogo interno-externo, sujeito-objeto, de maneira a torná-las

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compreensíveis para mim e para o leitor. A partir dessa interpretação, foi possível ampliar e aprofundar a compreensão sobre cada uma delas, por meio da escrita, e integrá-las à minha matriz pedagógica-pesquisadora. A construção e a escrita dos relatos me propiciaram realizar uma hermenêutica instaurativa desse momento de autoformação que, conforme definida por Galvani (2014, p. 126): “é uma atenção às ressonâncias simbólicas que a percepção de uma obra ou de uma experiência produz em nosso espírito”. Essa atenção, ou melhor, trabalho de compreensão das ressonâncias simbólicas, por meio dos relatos autoformativos realizados, foram expressas nas dimensões da matriz pedagógica-pesquisadora e nas aprendizagens construídas. O início da análise das aprendizagens foi realizado antes da escrita do relato, durante as meditações reflexivas intensivas, pois elas permitiram a escuta interna de cada uma das aprendizagens e uma primeira reflexão e escrita, de maneira, por vezes, caótica e desordenada para o registro de ideias que emergiam. Após essa primeira escrita, ocorreu a redação dos relatos como instrumento para materialização, objetivação, tomada de consciência, de reflexão e de integração dessas aprendizagens à matriz emergente. Nível 3: escrita dos relatos da narrativa Neste nível, relato os caminhos para a construção de cada parte da narrativa autoformadora. Cada relato teve caminhos próprios de construção devido aos objetivos particulares e complementares. O relato 1 da narrativa teve o objetivo de aprofundar a história de vida de formação, como meio de investigar a matriz pedagógica-pesquisadora vigente, até a entrada no doutorado, e compreender suas bases paradigmáticas em diálogo com os estudos teóricos. O relato 2 teve o propósito de, a partir das vivências na Formação de Educadores para a Cidadania e dos estudos teóricos, sistematizar a experiência de docência e pesquisa e possibilitar análise, interpretação e compreensão das aprendizagens mais relacionadas à docência. O relato 3 é esta parte aqui e teve como objetivo tomar consciência das aprendizagens relacionadas à pesquisa e aprofundar o caminho percorrido para a caracterização da construção da metodologia narrativa autoformadora. O relato 4 da narrativa teve como objetivo sintetizar e sistematizar a matriz pedagógica-pesquisadora emergente.

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Construção do relato 1 Para iniciar a escrita da narrativa, abri dois documentos do editor de texto. Um deles com o texto da breve história de vida, que eu já havia escrito para o projeto de qualificação, a partir do qual ampliei e construí o relato 1 da narrativa (História de vida de formação e identificação da matriz vigente). Inspirada na proposta de Josso (2004), no Nível 1 – evidência do processo de formação do trabalho autobiográfico, para compor a breve história de vida de formação e depois ampliá-lo, para compor a primeira parte do relato, iniciei-o pela listagem das principais experiências, eventos e assuntos significativos de minha vida formativa. Para o projeto de qualificação, listei os períodos de formação acadêmica, como graduação, mestrado, especialização e participação em grupos de pesquisa. Em seguida detalhei as motivações e indagações que me movimentaram neste percurso e me impulsionaram na entrada no doutorado e construção do problema de pesquisa. Na ampliação do relato 1, busquei listar os períodos, eventos e acontecimentos presentes em minha formação e vida discente antes mesmo da entrada na graduação, como, por exemplo: ensino básico, realizado no Rio de Janeiro (1980-1991), ensino fundamental e médio, em Brasília (1992-1998), meu envolvimento com a música e a dança e do papel fundamental dos meus pais neste percurso formativo. Após realizar a organização destes eventos, iniciei a escrita do relato propriamente dito, desvelando motivações, indagações, minha compreensão a respeito da minha matriz pedagógica-pesquisadora e também profissional vigentes. Além disso, pude entrelaçar com informações teóricas que me auxiliaram a compreender a minha matriz pedagógica-pesquisadora vigente como sendo integrante de um paradigma de Educação tradicional e construída a partir de experiências como discente. No segundo arquivo, fui tecendo, pouco a pouco, os caminhos percorridos na pesquisa, que também era um relato sobre a construção da narrativa. Foi um exercício de escrever duas partes da narrativa ao mesmo tempo, dois relatos. Um deles representou a história de vida e o relato das experiências docentes e de pesquisa e outro que representou o relato da metodologia de construção desses relatos. No decorrer da escrita, em busca do aprofundamento dos conhecimentos sobre cada curso e área de formação (JOSSO, 2004; 2010), também senti a necessidade de retomar as definições dos cursos e áreas de formação das quais eu participei da graduação até o doutorado. Então, integrei à narrativa, as definições

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encontradas nos sites que são referências dessas formações e áreas, como forma de revisitar e explicitar os objetivos formativos de cada uma delas. Em relação ao aprofundamento das aprendizagens (JOSSO, 2004, 2010), busquei explicitar em cada importante momento formativo, as aprendizagens realizadas, sejam elas de cunho profissional, docente e/ou pesquisador que culminam no que trago explicitamente nas dimensões relatadas da matriz. Ao começar a pensar no relato 2, me vi relembrando de aspectos que eu não tinha, inicialmente, relatado na primeira parte, como, por exemplo, todo o meu envolvimento com a música e com a dança. Hoje, depois de participar do curso de Formação de Educadores para a Cidadania e do encontro com a Educação Biocêntrica, me percebi como tendo condições de integrar a música e a dança em sala de aula, sem perder a seriedade, sem perder o rigor conceitual e acadêmico, sem que, para isso, eu tenha que ser, necessariamente, dançarina ou musicista profissional. Enfim, a Complexidade, a Transdisciplinaridade e a Educação Biocêntrica me abrem esse espaço no ambiente educacional, para que eu possa também integrar essas outras linguagens dentro de sala de aula (MORAES, 2008). Isso me deixa muito feliz! Sendo assim, eu acrescentei no relato da primeira parte, o percurso formativo antes da graduação e inseri comentários a respeito dos momentos e papéis que a música e a dança tiveram em minha vida. Nessa construção recursiva e retroativa, ao avançar em uma parte do relato, pude retornar em outra parte já feita e realizar as complementações necessárias para a harmonia das partes relatadas e das reflexões realizadas (CLANDININ; CONNELLY, 2008). Ao longo da escrita do relato 1, a partir do retorno das orientadoras, também fui realizando ampliações no texto, explicitando conceitos e as minhas reflexões sobre o porquê de determinada experiência ter sido positiva ou negativa em minha formação discente. Por exemplo, no nível de conhecimento, quando me pergunto o que é ser docente? A partir de orientações, fiz o acréscimo do que alguns autores falam sobre esse tema, que me ajudaram a compreender o que tanto me “incomodava” com o tipo de docência que eu desenvolvi a partir das minhas experiências discentes. Quando falo dos “eus” presentes na pesquisa, também pude explicitar suas relações com a visão do homo complexus, da multidimensionalidade humana compreendida via autores que trabalham com a Complexidade. No nível das aprendizagens, também pude aprofundar em minhas reflexões sobre o porquê da experiência do cartão com figuras e perguntas tanto ter me encantado na escrita

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de narrativas, durante a Educação infantil, ou mesmo o porquê do excesso de aulas expositivas, nas quais o professor somente falava e os alunos escutavam e copiavam o que estava no quadro, me deixavam tão incomodada. Construção do relato 2 Para construir esta parte, também abri dois documentos no editor de texto. Um deles eu dediquei ao relato em si, com o diálogo com as teorias, com as informações geradas a partir das práticas e do diário de campo. No outro fui tecendo minhas considerações em relação ao caminho de pesquisa e reflexões metodológicas realizadas ao longo do percurso, que refletem, em um formato linear, o meu processo de aprendizagem na busca por construção de sentido do que foi vivido e de reconstrução de minha matriz pedagógica-pesquisadora. Um questionamento que me passou pela cabeça foi: como escrever a metodologia de uma construção de uma narrativa? Por vezes, fiquei sem saber o que registrar, pois esse contar as histórias, construir a narrativa foi bastante caótico, não-linear. Até o momento em que, depois de muitas das minhas próprias idas e vindas, construíam uma escrita mais linear, buscando dar uma ordem a meu caos mental momentâneo. A construção do relato 2 teve seus momentos de estruturação, de planejamento dos tópicos de escrita inicial (aspectos teóricos, aspectos práticos, metodologia). Depois foi realizada a escrita caótica e não linear do conteúdo de cada tópico, entremeado de leituras, releituras e reescritas. Em seguida, organizava o texto escrito para enviar às orientadoras. Em geral, fiz isso por partes, conforme fui escrevendo. Depois de receber as considerações delas, cada uma ao seu tempo e ao seu modo, eu retomava os textos escritos, novos e antigos, fazia as alterações necessárias e novas leituras, novas escritas e assim construindo o texto de forma recursiva e retroativa, conforme comentei na dimensão escrita narrativa da metodologia desta tese. 1. Planejamento da escrita. 2. Leituras e escritas caóticas e não-lineares. 3. Organização de partes do texto escrito para envio às orientadoras. 4. Recebimento das considerações das orientadoras 5. Reescritas e releituras das partes enviadas e das anteriores. 6. E, assim, sucessivamente, conforme as escritas iam sendo finalizadas.

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Notas sobre as estratégias de reflexão e escrita utilizadas A partir de uma sugestão da co-orientadora Rosamaria, a partir de abril de 2015, comecei a desenvolver um caminho de meditação reflexiva sobre as aprendizagens que emergiram. A ideia aqui foi realizar uma escuta interna das aprendizagens realizadas, a partir dos estudos teóricos e das experiências vividas, e auxiliar na escrita da própria tese. Em relação às estratégias de ensino e de aprendizagem, Moraes ressalta que elas devem envolver a corporeidade, por exemplo, exercícios de respiração, práticas de meditação, uso de imagens, sons, músicas, situações para sentipensar “que favoreçam a reflexão e os pensamentos interdisciplinares e transdisciplinar em relação ao conhecimento e a aprendizagem” (MORAES, 2010c, p. 56). Aqui a meditação não está sendo usada como estratégia de ensino, mas como estratégia de aprendizagem, de conhecimento e de pesquisa. Varela, Thompson e Rosch (1992, p. 48) trazem a meditação para dentro das ciências cognitivas como forma de estudar a experiência humana, como método “para investigar e saber o que é essa experiência”. Eles se utilizam da meditação atenta budista para este estudo, cujo objetivo é “levar a pessoa a tornar-se atenta, experienciar o que a mente está fazendo enquanto ela o faz, estar junto com a própria mente”. Para mim, estes momentos de meditação, de escuta interna e de reflexão concentradas e intensivas me permitiram transformar em palavras escritas, as aprendizagens, ideias e argumentos mais internos, mais profundos. Foi um abrir tempo e espaço para escutar e sentir o que as minhas células tinham a me contar, o que elas tinham a me dizer sobre a pergunta escolhida. Aos poucos, essas histórias e aprendizagens refletidas e contempladas se transformavam em palavras que outras pessoas poderiam compreender e dialogar sobre. Transformaram-se em textos da tese, no detalhamento da metodologia de pesquisa e das aprendizagens abordadas nos relatos da narrativa autoformativa, por exemplo. Os temas dessas reflexões concentradas foram bem variados. Fizeram parte, perguntas e inquietações minhas ao longo da pesquisa ou sugeridas pelas orientadoras, por exemplo: o que significou habitar a fusão sujeito-objeto? O que é e o que senti ao habitar essa fusão? Nesse caminho de reconstrução de matriz pedagógica-pesquisadora, que tipo de análise tem que ser feita? Análise de quê? Quais foram as aprendizagens realizadas em relação à pesquisa? E as que foram

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realizadas em relação à docência? Qual a melhor maneira de narrar o entrelaçado de aprendizagens realizadas ao longo da Formação de Educadores para a Cidadania? Notas sobre idas e vindas na construção do relato 2 Durante dias e mais dias, segui pensando e refletindo sobre como fazer o relato dessa experiência sistematizada de docência e de pesquisa. Neste momento, para mim, a formação e a pesquisa se fundiram, pois estava tentando olhar essa experiência de maneira a (trans)formar e (re)construir minha matriz pedagógicapesquisadora, mas ao mesmo tempo, construir conhecimento científico sobre isso e realizar minha investigação e contribuição científica desta tese. Inicialmente, me percebi querendo descrever exaustivamente o que ocorreu, como ocorreu, porque ocorreu na Formação de Educadores para a Cidadania. Mas, ao mesmo tempo pensava: de que maneira isso me ajuda? O que realmente é necessário, para mim, para que eu tenha “ferramentas” para (re)trabalhar minha matriz pedagógica-pesquisadora? Como, de fato, essa experiência vivida me influenciou? Percebi-me também recorrendo aos estudos teóricos sobre docência e formação docente transdisciplinares e a transformá-los em “categorias” e a fazer um “cheklist” dos elementos que os autores dizem que são importantes e a querer “verificar” se, nessa experiência vivida, todos esses aspectos estavam presentes. Algo, em mim, me dizia que também não era esse o caminho e que isso não responderia ao meu problema de pesquisa. Até mesmo para tentar clarear para mim e para o(a) leitor(a) as etapas da reconstrução da minha matriz pedagógica-pesquisadora, outra tendência minha era pensar as partes do relato separadas, abarcando os aspectos teóricos, os aspectos da prática na Formação de Educadores, e os aspectos da metodologia. Por diversos momentos, comecei a escrever, mas não havia fluidez de pensamento e de escrita. Minha intuição também me dizia que não era por aí que eu deveria seguir. Mas também não enxergava com clareza como fazer, pois sempre tinha certo receio de parecer confusa a escrita, de não ter profundidade científica e de não parecer crível os relatos que eu estava construindo. Em busca de definir metodologicamente os caminhos para compor este relato, sistematizar a experiência vivida e transformá-la em uma experiência

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formadora (JOSSO, 2004), também pesquisei sobre outros tipos de análises já disponíveis na literatura científica das ciências sociais, conforme as apresento resumidamente a seguir. Porém, ao estudá-las, compreendi que a realização desses tipos específicos de análise – que buscam compreender os materiais e os relatos em seus componentes constitutivos como formas, ideologias, temáticas, gêneros, discursos, conteúdos, argumentos, estruturas semânticas etc –, também não me auxiliariam a alcançar meu objetivo geral e meu problema de pesquisa. Elas me permitiriam lançar diversos olhares sobre os textos produzidos, mas não me permitiriam tecer o caminho de reconstrução da minha matriz pedagógica-pesquisadora ou mesmo a fazer uma análise de “algo”, anterior aos relatos, que me ajudasse a construir os próprios relatos. 

Análise de discurso compreende que a linguagem não é um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo e que o discurso tem uma importância central na construção social, “é uma leitura cuidadosa, próxima, que caminha entre o texto e o contexto, para examinar o conteúdo, a organização e a função do discurso” (GILL, 2012, p. 266).



Análise retórica é uma análise discursiva que produz argumentações de argumentações, é uma arte interpretativa, na qual se busca identificar os tipos de discurso persuasivos empregando a teoria da estase, aplicando os cinco cânones retóricos e revisando, aprimorando a análise ao empregar as orientações reflexivas (LEACH, 2012).



Análise temática examina o conteúdo temático dos relatos, identificando conteúdos e temas comuns, suas relações (GIBBS, 2012).



Análise de gênero ou estrutura da narração examina a estrutura narrativa dos relatos, como é constituído o início, meio e fim da história, qual é sua lógica. Podemos analisar sua trama e classificá-la como romance, comédia, tragédia ou sátira. Podemos identificar se possuem tramas secundárias ou mini-histórias ou mesmo se possuem uma “estrutura que ressalte os aspectos afetivos e avaliativos da narração” (GIBBS, 2012, p. 101).



Análise compreensiva explicita informações e significados pertinentes contidos em uma entrevista

biográfica, explicita

seus conteúdos

semânticos, busca compreender os níveis de significado e as “relações e

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processos que deram origem aos fenômenos dos quais falam os relatos” (BERTAUX, 2005, p. 91). 

Análise de conteúdo: um conjunto de instrumentos metodológicos (...) que se aplicam a ‹‹discursos›› “conteúdos e continentes” extremamente diversificados. (...) é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre dois pólos do rigor da objectividade e da fecundidade da subjectividade. (BARDIN, 2010, p. 11).



Análise argumentativa: traz o argumento para o primeiro plano da pesquisa social sobre debates públicos. Tem como objetivo oferecer uma visão

metodológica

compreensiva

da

análise

das

estruturas

da

argumentação, com o propósito de compreender melhor os parâmetros que influenciam os debates públicos. (LIAKOPOULOS, 2012, p. 218). Ao entrar nesse turbilhão de indecisões metodológicas, compartilhei com Rosamaria minhas inquietações e uma lista de “características” sobre docência e formação baseadas na Complexidade e na Transdisciplinaridade que eu poderia utilizar como categorias para analisar os materiais referentes ao curso de Formação de Educadores para a Cidadania. Entre várias considerações, ela me disse: “responder a perguntas como estas: O que tem a ver com teu objetivo de pesquisa? Como estes itens se articulam com tua questão?”. Além disso, a respeito de uma das perguntas que apresentei: “o que aprendi em cada módulo de Formação de Educadores?”, ela comentou “acho que nesta última pergunta terás as respostas, mais superficiais e/ou mais profundas sobre as questões da tua matriz... este aprendizado, de que maneira se incorporou, ao ponto de criar significados que levas contigo?”. Então, retomei o problema de pesquisa: “como ocorre o processo de reconstrução da matriz pedagógica tradicional do ser docente-pesquisador por meio de estudos teóricos e de vivências desenvolvidos à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade?”

e

o

objetivo

geral:

“compreender

o

processo

de

transformação do ser docente-pesquisador embasado nos pressupostos teóricos da Complexidade e da Transdisciplinaridade, a partir da tomada de consciência da matriz pedagógica vigente”. Essa volta ao problema e ao objetivo geral também me permitiram retomar outras perguntas, sugeridas por Josso (2004, p. 123): “Em que a experiência

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realizada foi formadora para mim? O que eu aprendi com esta experiência?”, ou ainda, outras perguntas que trago comigo deste o início: o que aprendi? O que levo como conhecimentos e como saber-fazer, do conjunto dessas experiências, para minha matriz pedagógica-pesquisadora?”. Em relação a estas várias dúvidas, também me influenciava a preocupação sobre como fazer a análise de todo o material que tinha disponível da prática docente (vídeos, textos, planejamentos etc) e do meu percurso de pesquisa, por meio do meu diário de campo? No final das contas, uma pesquisa científica que se preze, tem como etapas a análise dos dados gerados e a discussão dos resultados (GIL, 2012). Mas no meu caso, quais são esses dados a serem analisados? Nesse caminho de reconstrução de matriz pedagógica-pesquisadora, que tipo de análise tem que ser feita? Análise de quê? O que significava, em meu trabalho, essa análise de dados? Quais são os meus dados a serem analisados? Refletindo e meditando sobre essas perguntas, compreendi que os relatos que compõem a narrativa autoformadora têm dupla função: (1) em relação ao leitor, foi uma forma de expressar o vivido, buscando mostrar os percursos, os resultados e minhas análises e reflexões sobre minha formação e pesquisa; (2) e também foi o meu caminho de aprendizagem, minha ferramenta utilizada para dar sentido ao vivido, para expressar e fazer a reconstrução da minha matriz pedagógicapesquisadora, contendo suas etapas entrelaçadas: estudos teóricos, história de vida de formação e relato de experiência de docência e de pesquisa. Ter a clareza dessa dupla função também me permitiu compreender que era necessário tecer suas partes em conjunto, onde formação, teorias, práticas, pesquisa apareçam entrelaçadas, onde as palavras dos outros (autores e autoras) e as minhas próprias palavras fossem representadas, em forma de texto e imagens, respeitando também a maneira que emergiram em mim, misturadas mesmo. Isso foi feito assim para que eu pudesse refletir e ressignificar o que foi estudado, o que foi vivido e como todas essas reflexões me fazem reconsiderar minha matriz pedagógica-pesquisadora e minha prática docente e pesquisadora também. Pode parecer meio óbvio fazer esse relato entrelaçado, já que tenho como referência, em minha tese, a Complexidade que significa “o que é tecido junto” (MORIN, 2007, p. 13), mas minha dificuldade era conseguir efetivá-lo e ter a clareza que eu necessitava evidenciar esse tecido conjunto nesse terceiro relato. No relato 1, no qual abordei minha história de vida, eu precisei fazer separado, primeiro o

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relato e depois as minhas reflexões a partir das teorias estudadas. Mas para os relatos 2 e 3, necessitava que fosse diferente, pois suas partes foram vividas de maneira entrelaçada. Compreendi também que deveria construí-lo com base em minhas aprendizagens realizadas nesse caminho formativo e investigativo, que considero marcantes para meu ser e fazer e, assim, também considero importantes a serem incorporadas à minha matriz emergente. Parte do grupo das aprendizagens ocorreu no reconhecimento dos momentos de rupturas que originaram mudanças de percurso formativo e metodológico. Identifiquei três rupturas que geraram movimentos de ordem-desordem intensos e mudanças. As rupturas 1 e 2 estão presentes no relato 2. A ruptura 3 está detalhada no relato 3. 

Ruptura 1: a entrada no grupo de pesquisa Ecotransd.



Ruptura 2; o aprofundamento nos estudos teóricos sobre Complexidade e Transdisciplinaridade.



Ruptura 3: a construção do problema de pesquisa e a definição da metodologia de pesquisa.

No relato 2 da narrativa, voltado para a sistematização da experiência, identifiquei e busquei interpretar e compreender as aprendizagens mais relacionadas à docência, que geraram significados, mudanças de rumo, que foram situações ou aspectos marcantes que considero relevantes para a reconstrução da minha matriz pedagógica-pesquisadora. Esta parte da narrativa também foi um instrumento de tomada de consciência, sistematização e apropriação do vivido ao longo da Formação de Educadores para a Cidadania. Relatar, cada uma das aprendizagens, entrelaçando minhas reflexões, percepções, questionamentos, com falas dos participantes, com descrição de atividades, das relações, dos contextos, das mudanças, e também elementos das teorias, que auxiliaram também na análise interpretativo-compreensiva dessas aprendizagens foi em si uma grande aprendizagem. Foi a maneira que organizei para tomar consciência e atribuir sentido ao que foi vivido e aprendido, buscando compreender o que levo de cada uma delas e integrá-las à minha matriz pedagogiapesquisadora no relato 4.

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Sobre cada aprendizagem abarquei: (1) descrição do que compreendo pela aprendizagem identificada (significado/conceito); (2) reflexão e argumentação sobre o quê levo dessa aprendizagem em minha matriz pedagógica-pesquisadora. Uma grande dúvida, que tive ao escrever sobre as minhas aprendizagens, foi decidir sobre quais eu iria escrever e o tempo para término da tese e finalização do doutorado. Das meditações reflexivas intensivas, emergiram aprendizagens sobre a pesquisa, que integrei ao relato da metodologia (relato 3), por exemplo: emergência e (re)construção do problema de pesquisa; definição da metodologia de formação e de pesquisa: narrativa autoformativa; escrita da narrativa: o que entra, como entra, em que ordem entra, entre os travamentos e os fluxos de escrita, a escrita científica e poética; diálogo entre os meus “eus” (eu em formação, eu formadora e eu pesquisadora); os tempos na narrativa (presente, passado e futuro); a presença da emoção da formação e da pesquisa. Essas e outras aprendizagens se transformaram em dimensões da metodologia de formação e de pesquisa ou estiveram presentes no relato em si. Emergiram aprendizagens relacionadas à docência, as quais incorporei no relato 2. Essas aprendizagens, que compuseram esse relato, foram as que considerei mais marcantes e que influenciam sobremaneira em meu ser e meu fazer docente e, por isso, optei por aprofundá-las e detalhá-las: trabalho em equipe integrado(r); escuta-diálogo-flexibilidade; vínculos, rituais e vivências pedagógicas; planejamento conjunto com os educadores e autoria. Além dessas aprendizagens que compuseram meu relato, tive outras aprendizagens que no texto final aparecem integradas em aprendizagens que foram comentadas, por exemplo, a realização de acordos de convivência e a atenção aos diferentes tempos – cronológico, do ambiente e do grupo – pois aparecem integrados à aprendizagem: escuta-diálogo-flexibilidade; também aprendizagens relacionadas ao uso de outras linguagens em sala de aula e dos cuidados com os ambientes de aprendizagem, que apareceram integradas aos vínculos, rituais e vivências pedagógicas. Fruto

de

todas

essas

aprendizagens,

também

emergiram

outras

aprendizagens que levo para o meu cotidiano, para a minha vida, mas que, nesta tese, não irei me aprofundar nelas. Por exemplo, em meu dia a dia, tenho aberto mais tempos e espaços para desenvolver a escuta e escrita sensível e poética da vida, das relações, do que me acontece; a escutar mais músicas e ler mais poesias; a me abrir para a literatura não acadêmica e a assistir mais filmes; a me expressar

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(fala e escrita) a partir de mim, construção de conhecimento a partir do que vivenciei; a incluir a Biodanza como atividade semanal e como parte do meu percurso formativo; a meditar (quase) diariamente, buscando silenciar a mente e me dando tempo para lentidão, para (me) sentir e (me) escutar; a buscar o diálogo interno entre as coerências e as incoerências existenciais, formativas e profissionais. Essa é uma das limitações deste estudo, não ter dado tempo nem espaço para a reflexão mais aprofundada sobre essas aprendizagens cotidianas. Mesmo assim, o tomar consciência de que elas seguem comigo, para além dessa tese, já se constitui um bom início para continuar aprendendo e as desenvolvendo. Outra limitação desta tese é não ter aberto condições, nem tempo e nem espaço para a minha dimensão profissional como designer gráfico, que esse percurso (trans)formador com certeza gerou, pois movimentou minha matriz humana. Mas devido ao foco da formação, optei por fazer o recorte para as dimensões docente e pesquisadora, apesar de ter identificado essa dimensão profissional em minha história de vida de formação. Deixo-a para futuros projetos e processos de formação e de pesquisa. Mas gostaria de deixar aberta e explícita a possibilidade de construirmos metodologias narrativas autoformadoras também integradas na formação de profissionais independente da área de conhecimento, tanto na formação inicial quanto na formação continuada, sejam elas presenciais, virtuais ou híbridas. Há aquele momento em que devo colocar um ponto final na tese, pois como eu estou em constante (trans)formação, a cada leitura, a cada revisita aos vídeos, aos materiais gerados e elaborados a partir da experiência vivida, a cada leitura das referências teóricas, novas ideias emergem, sempre encontro onde aprimorar, o que escrever a mais, sempre aprendo algo novo. Mas há o momento em que devo finalizar, pois o tempo acaba e também porque preciso finalizar este percurso formativo para poder dar andamento a outros caminhos da vida, para poder abrir caminhos para novos começos e novas aprendizagens. Claro que aqui tenho o cuidado, junto com as orientadoras, com a qualidade deste trabalho acadêmico, com o aprofundamento das reflexões e análises. Muitas outras aprendizagens poderiam ser trabalhadas e detalhadas? Sim, poderiam, pois a cada momento mudo minha percepção e compreensão do mundo e também aprendo algo novo. Mas para não ficar um trabalho sem fim, em uma espiral eterna, foi importante definir os recortes da tese e das aprendizagens que abordei nos relatos, sendo estas as mais marcantes, até o momento de finalização deste trabalho.

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Uma coisa interessante que tenho observado ao escrever sobre as aprendizagens é que, por mais que eu descreva e exemplifique, o texto não dá conta de expressar tudo o que foi aprendido com a experiência. Há uma dimensão do corpóreo, do olhar, do gesto, do sentir que não tem palavras que consigam expressar esse conhecimento não racional que a experiência propicia. Sinto minhas descrições, minhas explicações sobre como as teorias que eu li me inspiram, mas não trazem tudo o que as minhas aprendizagens de fato significam, o que elas de fato me permitem levar para futuros ambientes de aprendizagem presenciais e virtuais e futuras pesquisas. Claro que aqui não desmereço os fundamentais papéis dessa escrita e da teorização. Aqui, eles têm uma importante função de tomada de consciência e de transformar em teoria o que foi estudado e vivido para que possam inspirar outras pessoas em suas formações e pesquisas. Mas percebo cada vez mais forte e presente a necessidade do diálogo e da integração entre os conhecimentos teóricos-experienciais-existenciais em qualquer ambiente formativo e de pesquisa. Construção do relato 3 A partir dos arquivos escritos em conjunto com a construção de cada relato, fiz a fusão desses escritos e fui tecendo e criando novas partes para dar coerência e coesão ao relato sobre a metodologia. Claro que, ao longo da escrita dos demais relatos, a parte da metodologia foi sofrendo acréscimos e mudanças. Por exemplo, a lista das aprendizagens docentes foi sendo elaborada e reelaborada conforme o relato 2 da narrativa foi sendo elaborado e as aprendizagens foram sendo (re)agrupadas. Então, o relato 3 da metodologia também foi sendo modificado, conforme a necessidade. Narrar a construção da metodologia de formação e pesquisa, por si só, já foi uma aprendizagem sobre a pesquisa. Defini-la, caracterizá-la, compreender e explicitar suas dimensões e níveis, contar a história sobre como foi construída, os diferentes passos realizados, justificar as decisões, argumentar sobre as escolhas, também me permitiu refletir e expressar a legitimidade do que se passou comigo, o que me aconteceu em cada um desses passos, enquanto sujeito dessa experiência (LARROSA, 2002). O relato apresentado nesta parte da tese também expressa, em palavras e imagens, as aprendizagens que fizeram parte da (trans) formação do ser docente-pesquisador, dentre aquelas mais voltadas para a dimensão da pesquisa. Permitiu-me aprender sobre o fazer pesquisa considerando o sujeito que conhece, dando voz ao eu-crítico pesquisador que aprende, que reflete sobre seu

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pesquisar, que pensa e busca reconhecer sobre as consequências e limitações de seu estudo. Aprender sobre um fazer pesquisa buscando construir conhecimento na relação entre sujeito e objeto pesquisado. Aprender sobre um fazer pesquisa unindo diferentes linguagens, como a narração, a teorização, a meditação, a poesia, o diálogo com os saberes dos teóricos, da experiência e da história de vida. É um tomar consciência e um aprender sobre e com o percurso realizado. Mas é mais do que um aprendizado só teórico ou só prático, é um aprendizado enraizado, refletido criticamente, vivido intensamente. Todo este relato da metodologia se constitui como uma volta reflexiva sobre a própria ação de formação e de pesquisa. Para esta compreensão, me inspira a proposta de Galvani (2014, p. 119); “a volta reflexiva permitirá transformar a experiência para a tomada de consciência e a problematização. Esta reflexão sobre a experiência é a que permite a cada um construir uma problemática de formação pessoal”. Levo essas aprendizagens sobre esse fazer pesquisa para a minha matriz pedagógica-pesquisadora. Elas fazem parte de mim, pois agora me sinto mais à vontade, por exemplo, para criar ambientes de aprendizagem onde estudantes possam se apropriar de seus próprios processos formativos, em conjunto com outros saberes teóricos disciplinares; nos quais posso acompanhá-los(as) a que se aprofundem em suas práticas, saberes e estudos teóricos relacionando-os com suas histórias e projetos de vida, seja tanto em momentos de formação inicial quanto continuada. Construção do relato 4 O relato 4 foi uma emergência da própria escrita, do próprio processo reflexivo. Surgiu como forma de sintetizar e sistematizar a reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora emergente. Sua escrita ocorreu em conjunto com os relatos 2 e 3 da narrativa e a metodologia de escrita utilizada ocorreu também em arquivo separado que, em seguida, foi agregado a esta parte deste relato da metodologia. Foi uma maneira de organizar e de fazer uma síntese das “coisas” que levo comigo para a matriz, em busca também de compreender que matriz pedagógicapesquisadora era essa, que emergiu de todo esse caminho de (trans)formação e de pesquisa. Foi inevitável a integração de “algo” que está em mim, meu passado, que se fez e se faz presente, mas que também permito e busco (trans)formá-lo e integrar o vivido e o aprendido nas experiências formadoras de docência e de pesquisa, tendo em vista um projeto de futuro pessoal e profissional. Para tanto, coloquei em

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diálogo a matriz pedagógica-pesquisadora vigente, detalhada por meio da história de vida de formação, e as aprendizagens de docência e de pesquisa construídas ao longo do percurso formativo. Neste relato também teci minhas contribuições teóricas para que sirvam de inspiração para outros processos formativos à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Como parte dessa elaboração, também reuni todas as minhas expressões poéticas que inseri no início de cada relato, para compor uma síntese poética dessa reconstrução empreendida. Em seguida, apresento o relato 4, com as sínteses elaboradas a respeito da matriz pedagógica-pesquisadora e das contribuições para outros processos formativos que tenham como referência a Complexidade, a Transdisciplinaridade e que busquem desenvolver formações com sentido, integradoras, abertas e vinculadas à vida. 5.4 RELATO 4: SÍNTESE DA MATRIZ EMERGENTE E CONTRIBUIÇÕES PARA OUTROS PROCESSOS FORMATIVOS O que levo leve? O que leve levo? religo partes, incorporo, agrego, levo leve integro minhas aprendizagens ao todo da minha matriz dialogando com o passado presente recriando, aprendendo, docente-pesquisadora... humana me (trans)formando no aqui e agora rumo a um presente futuro.

Esquema narrativo: o princípio sistêmico-organizacional do Pensamento Complexo (MORIN; CIURANA; MOTTA, 200) me instiga fazer o exercício de ligação do conhecimento das partes ao conhecimento do todo. As reflexões de Moraes e Valente (2008) me indicam que para a compreensão adequada de um determinado fenômeno, devemos buscar a circularidade entre processos de análise das partes e processos de síntese. Josso também me convida a realizar um processo de integração das aprendizagens e compreende o seu último nível como a capacidade de transferência, que “indica o nível mais elevado de integração e da maestria” (JOSSO, 2004, p. 78). Sendo assim, neste relato 4, busco fazer a síntese da matriz

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pedagógica-pesquisadora emergente construída, a partir do percurso formativo e de pesquisa via os relatos, que compõem a metodologia narrativa autoformadora. Além disso, destaco minhas contribuições teóricas para outros processos formativos à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Aqui todos os meus “eus” estão juntos e podem ser expressos pelo “eu transcendente”. Este “eu” integra todos os demais, contempla a realidade interna e externa e me permite fazer a síntese da matriz unindo o que foi estudado, vivido e aprendido. Para tanto, resgato a matriz pedagógica-pesquisadora identificada no relato 1 e, a partir de uma situação de docência universitária (meio imaginária, meio real), vou tecendo a síntese da minha matriz pedagógica-pesquisadora emergente e as contribuições. Para iniciar, com base no conceito de matriz pedagógica de Furlanetto (2010b), eu compreendi minha matriz pedagógica-pesquisadora como sendo os meus arquivos existenciais que guardam registros sensoriais, emocionais, cognitivos, acessados quando me exerço docente e pesquisadora. Por meio da história de vida de formação (relato 1), me reencontrei com as dimensões pedagógica e pesquisadora da minha matriz humana vigente até a entrada no doutorado e as sintetizo conforme detalho a seguir. Matriz em sua dimensão pedagógica vigente: Abarca compreensões como: eu, sendo docente, tinha que saber de tudo, ter resposta para tudo. Meu planejamento, bem detalhado, tinha que ser seguido à risca, porque senão eu não estaria sendo uma boa professora e se percebessem a minha insegurança, isso seria o “fim” perante os(as) estudantes. E se eu não soubesse responder alguma pergunta de algum(a) aluno(a)? Só de pensar me dava frio na barriga. Em uma disciplina bastante teórica, como a disciplina de Ergonomia 1, eu tinha que me ater sempre aos livros, aos textos, aos autores cientistas de referência. Eu não podia fugir do prescrito, do planejado, dos conhecimentos já indicados pelos especialistas, pois aquilo é que era o certo, o válido. Considerar outros tipos de conhecimentos? Isso nem me passava pela cabeça. Eu tinha que ser criativa, tinha que tornar minhas aulas interessantes, tinha que levar tudo pronto para ser trabalhado com os(as) estudantes. Neste período, mesmo tendo outras experiências pessoais com música, dança e artes, não percebia espaços, não sabia como eu poderia integrá-las em uma disciplina tão teórica, técnica e tão “longe” dessas outras áreas de conhecimento artístico. [...] Eu achava também que uma boa aula era a que eu falasse a maior parte do tempo, mostrando que eu sabia do que estava falando. Apesar de não estar satisfeita com toda essa situação, na época, eu não sabia como fazer diferente, nem se existia outro caminho pelo qual eu poderia ir. Eu sabia que era importante integrar toda aquela teoria da Ergonomia com a prática de um projeto ergonômico e dialogar com os estudantes sobre isso. Mas para mim, as aulas se resumiam a aulas expositivas, resenhas de textos, provas, elaboração de projeto, apresentação e avaliação. Na orientação dos projetos dos alunos, eu tentava fazer de maneira detalhada, individual, atenciosa, tanto no material que eu entregava por escrito, quanto nas orientações presenciais com cada

333 grupo separadamente. Eu gostava muito disso e sempre me recordava dos professores da graduação que fizeram isso comigo nos projetos que desenvolvi e nas orientações que presenciei em casa entre minha mãe e seus orientandos. Eu não sabia, nem conseguia pensar fora disso ou mesmo em outras possibilidades, ou até mesmo saber o porquê que eu fazia assim e o porquê que isso me trazia tanta insatisfação. Mas eu tinha certeza de que eu não estava me sentindo bem, que essa maneira de ser docente não me agradava e que me trazia sofrimento. Tive muitas dificuldades nesse processo e terminei o mestrado decidida a não dar mais aulas, a não emendar meus estudos com o doutorado e que continuaria trabalhando em equipes e atuando nas áreas de Ergonomia e design.

Matriz em sua dimensão pesquisadora (em Ergonomia) vigente: Algumas das compreensões que trago comigo são: a pesquisa deve ser realizada a partir de um método definido, por exemplo, para uma intervenção ergonômica em contexto de trabalho, utilizamos o método de Análise Ergonômica do Trabalho (AET); para o estudo do uso e da navegação em interfaces gráficas, utilizamos a Tecnologia de Avaliação e (Re)Concepção de Interfaces Gráficas (TAI); a pesquisa é algo externo ao pesquisador e deve primar pela clareza de conceitos e referencial teórico, de problemas de pesquisa e objetivos; deve primar pelo detalhamento da metodologia, das técnicas e instrumentos utilizados; deve ser clara, explícita e ética com os participantes; pode integrar dados qualitativos e quantitativos; deve ter flexibilidade em se adequar ao contexto de pesquisa, de acordo com a demanda, mas, no momento de comparar usos e desempenhos de navegação e elaboração das recomendações de melhoria para a interface gráfica analisada, por exemplo, os procedimentos e instrumentos devem se manter os mesmos. Trago também comigo, importância de se considerar, em estudos e projetos, a lógica do usuário na (re)concepção de interfaces gráficas, pois a lógica do designer e do cliente/demandante são diferentes da lógica daquele(a) que irá realmente utilizar este produto; e que, por meio da análise ergonômica da navegação, dos estudos da usabilidade e da acessibilidade, eu posso inserir os usuários no processo de (re)concepção de interfaces gráficas.

Conforme, comentado no relato 1, essa matriz em suas dimensões pedagógica e pesquisadora tinham em suas bases o paradigma tradicional newtoniano-cartesiano. Com base em Behrens (2011), Luckesi (2003), Furlanetto (2010b), Moraes (1997), compreendo este paradigma como sendo centrado no uso da razão e da experimentação como únicas formas de conhecimento completas e válidas, voltada para a reprodução do conhecimento científico, organizado pela lógica das disciplinas, fragmentado, ordenado e classificado. Nessa perspectiva, o professor considera o conhecimento como uma verdade pré-estabelecida, apresenta o conteúdo para os estudantes de maneira pronta e acabada, de forma linear, e busca repassar esses conhecimentos para eles repetirem e reproduzirem ao realizarem as tarefas propostas. Neste tipo de abordagem tradicional, a ênfase está predominantemente no ensinar, com base na linguagem da certeza e da verdade, negando a ambiguidade e a complexidade, e metodologicamente se caracteriza, em

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geral, por aulas expositivas e por demonstrações que o professor realiza em sala. Este mesmo paradigma, como inspirador da ciência moderna, também foi influenciador da minha matriz em sua dimensão pesquisadora, pois está presente em minha matriz, até então, o conceber a pesquisa como separada da vida do pesquisador; o ver sujeito (pesquisador) e objeto de estudo também separados e isolando o sujeito do processo de pesquisa e conhecimento; o encaixar a realidade e o objeto de estudo em um método definido previamente. De acordo com os relatos 1 e 2, meus encontros teóricos com a Complexidade e a Transdisciplinaridade abriram tempos e espaços para minha formação e pesquisa com base em diferentes referenciais teóricos. Apresento-os detalhadamente nos capítulos destinados às palavras dos outros (“Palavras dos outros: visão de mundo e de Educação” e “Palavras dos outros: pressupostos metodológicos”). Os referenciais teóricos estudados me fizeram muitos convites, que se entrelaçaram em minhas aprendizagens e matriz. Pretendo que esses convites se encontrem, daqui em diante, em minhas bases paradigmáticas e me inspirem em meu ser e fazer docentes, pesquisadores, profissionais e humanos. Convidam-me a me reinserir como sujeito que conhece... a religar sujeito e objeto... a compreender a formação em seu movimento tripolar (auto-heteroecoformação) e que também é espaço para (trans)formação e de resgate/reflexão de matriz ... Convidam-me a criar ambientes de aprendizagem nos quais o ser humano pode ser compreendido e considerado em sua multidimensionalidade e o contexto seja resgatado... a compreender a construção do conhecimento como um processo dinâmico, construído na relação entre sujeito e objeto, não fragmentado e estático e a trabalhar nas noções de Inter e Transdisciplinaridade. Convidam-me a religar ciência, arte, filosofia e tradições, além de incluir a sensibilidade, o corpo, o imaginário, a intuição, a música, a vivência, a zona de nãoresistência, a meditação, a criatividade, as diferentes linguagens de expressão nos processos de pesquisa e nos ambientes de aprendizagem. Convidam-me a compreender o tecido conjunto existente entre pessoas, ações, dimensões, fenômenos, natureza, universo e vida... Convidam-me a compreender que o processo é mais importante que o produto... ao diálogo complementar entre o interno e o externo, entre razão e emoção, entre objetividade e subjetividade, entre ser humano-sociedade-natureza.

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Convidam-me a desenvolver um Pensamento Complexo que articula, relaciona, contextualiza e religa. Convidam-me a colocar a vida no centro das ações pedagógicas... a estabelecer pontes entre diferentes saberes: disciplinares, experienciais, existenciais. Convidam-me sempre a aprender. Convidam-me a fazer pesquisa, docência e formação com sentido para todos os envolvidos, com ética, compromisso, cuidado e respeito... Convidam-me à escuta, ao diálogo, à flexibilidade, à compartilha, a atenção às emergências. Convidam-me a criar situações de ensino e de aprendizagem desafiadoras, permeadas por estratégias inovadoras, emocionalmente saudáveis e acolhedoras, que propiciem a reflexão, a aprendizagem, o desenvolvimento individual e coletivo. Convidam-me a que a minha docência reconheça o mundo em que vivemos, por meio do gesto de abertura; reencontre o tempo de ser, com o gesto de interrupção; acolha as partes por meio da escuta sensível; crie circunstâncias de comunhão, no gesto diálogo; e crie junto com o estudantes as nossas próprias histórias, por meio do gesto de acolhimento e entrega (dança). Convidam-me a trabalhar os vínculos comigo mesma, com os outros e com a totalidade e desenvolver metodologias de formação que propiciem a integração entre vivência-diálogo-reflexão-ação-autoria. Em meio a todos esses convites, ao meu envolvimento com as experiências de docência e de pesquisa a partir da Formação de Educadores para a Cidadania, e à elaboração dos relatos 2 e 3 da narrativa, faz sentido, agora, tecer e refletir sobre a minha matriz pedagógica-pesquisadora emergente. Para tanto, faço isso a partir de uma situação (meio imaginária, meio real) na qual me torno docente de uma universidade pública, do curso graduação em Pedagogia, na área de Tecnologias da Informação e da Comunicação. O tema da disciplina presencial, com o uso de tecnologias digitais, é: Legislação Nacional e Estadual aplicada à Educação a Distância65. Pensar inicialmente nesse tema, é pensar em uma disciplina bastante teórica, com grande quantidade de leitura de textos como, por exemplo: Dados Censo EaD.Br da Associação Brasileira de Educação a Distância, de 2013, Legislação nacional (LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996); Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005; Portaria nº 4.059, de 10 de dezembro de 65

No mês de agosto de 2015, participei de uma seleção para professor em uma universidade pública e este foi o tema da prova didática. Por isso, o resgatei para refletir sobre a docência e sobre a matriz pedagógica-pesquisadora emergente.

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2004; Plano nacional de Educação 2014-2024; Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006]; Referenciais de qualidade para Educação superior a distância, elaborado pelo Ministério da Educação em 2007; Legislação estadual (Resolução nº 360/2000); Estatuto da pessoa com deficiência - Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015; Acessibilidade para materiais didáticos e Moodle (UnB, 2014). Para que serve estudar a legislação? Na minha compreensão é para que uma pessoa que trabalhe na área de Educação, com o foco na Educação a Distância, tenha consciência das normas nacionais e estaduais que regem a sua prática profissional – seja como docente, tutor, gestor, conteudista, designer instrucional, entre outros –, saiba consultá-las e utilizá-las em seu dia a dia profissional. Até mesmo porque se em um curso (que não seja um curso livre), sua estrutura acadêmico-administrativa e infraestrutura físico-tecnológica, equipes, disciplinas não estiverem de acordo com as legislações, o curso pode ter nota reduzida ou não ser autorizado a funcionar ou até ser desautorizado em um momento de avaliação do Ministério da Educação. Além disso, no final de 2014 e início de 2015, foram feitas audiências públicas para iniciar os diálogos sobre um novo marco legal da Educação a Distância no Brasil66. Novos eventos sobre a temática foram feitos no mês de outubro de 2015: uma audiência pública no Senado Federal67, no dia 15 de outubro, e um seminário na Câmara dos Deputados68, no dia 20 de outubro. Sendo assim, compreendo que ao estudarmos sobre a legislação, podemos nos tornar sujeitos participantes dessas interlocuções referentes a este novo marco. Retornando à reflexão sobre a disciplina e a universidade... primeiramente, eu faria todo um movimento meu de (re)conhecimento dos professores, coordenação, funcionários, estrutura, normas, projeto político pedagógico do curso etc. Mesmo em

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Em 7/11/2014, foi feita uma audiência pública pelo Conselho Nacional de Educação, visando a elaboração de diretrizes ao processo de regulação e avaliação da Educação a Distância. (Disponível em: . Acesso em: 24.set.2015). Em 23/06/2015, foi feita outra Audiência Pública sobre EAD e os 20 anos da ABED, na Câmara dos Deputados, sobre Educação a Distância (EAD): os impactos nos setores educacional e produtivos. (disponível em: < http://www.abed.org.br/site/pt/midiateca/videos_ead/16/2015/06/ audiencia_publica_sobre_ead_e_os_20_anos_da_abed_>. Acesso em: 24.set.2015). 67

Informações sobre a audiência pública no Senado Federal em 15 de outubro de 2015, disponíveis em; < http://www.abed.org.br/site/pt/midiateca/noticias_ead/1340/2015/10/audiencia_publica_senado_ federal_-_o_marco_regulatorio_da_educacao_a_distancia_-_ead>. Acesso em: 12.out.2015. 68

Informações sobre o seminário na Câmara dos Deputados em 20 de outubro de 2015 disponíveis em: < http://www.abed.org.br/site/pt/midiateca/noticias_ead/1339/2015/10/seminario_camara_dos_ deputados_-_o_marco_regulatorio_da_educacao_a_distancia>. Acesso em: 12.out.2015.

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uma situação hipotética, posso fazer algumas considerações sobre o meu fazer docente e pesquisador. Sobre o ambiente, é importante que o espaço físico da sala de aula tenha, minimamente, cadeiras móveis com espaço para que possam ser (re)agrupadas, quando necessário. Como organização básica, percebo o círculo/roda como uma forma que facilita todos se olharem, se escutarem, dialogarem. Minimamente, devo me preparar com projetor, computador e caixas de som, músicas e outros materiais, como papel, lápis, canetas, para ter liberdade didática em poder propor diferentes estratégias que se utilizem desses recursos e outras linguagens de expressão. Além disso, integrar e introduzir o ambiente virtual de aprendizagem Moodle como uma extensão de nossos tempos e espaços de interação, de estudo e trocas. Destaco a importância de conhecer os estudantes, suas experiências, suas histórias, suas expectativas em relação ao curso, à disciplina. Mas como conhecer para além da descrição clássica: nome, semestre, expectativas? Iniciar trabalhando o vínculo consigo mesmo e o vínculo entre o grupo, resgatando quem cada um é, suas experiências vividas em relação à Educação e tecnologias digitais, ou mesmo suas experiências com tecnologias digitais no dia a dia, relacionando os temas com a vida. E as questões paradigmáticas? De visão de mundo? O que é conhecer? Complexidade e Transdisciplinaridade? Acho importante trabalhar esses temas, explicitamente, com leituras de textos, círculos de diálogos a respeito das leituras, pois, por meio deles, além de resgatarmos o ser aprendiz, sua multidimensionalidade, a compreensão da realidade e do que é conhecer, podemos abrir espaço para diálogo sobre outras visões de Educação, de sala de aula, da relação professor-aluno, em ambientes presenciais e virtuais. Assim, podemos resgatar os vínculos consigo mesmo, com os outros (integrantes do grupo ou pessoas com quem trabalhamos) e também com a totalidade – considerando-a como uma equipe, um curso, os alunos, a Educação no estado e no Brasil. Compreendo a importância de estudarmos a legislação no diálogo com as experiências e concepções de cada um a respeito de Educação (Que Educação temos? Que Educação queremos? Qual é a relação da Educação na minha vida, em minha história de vida?), e do papel e função das tecnologias (o que são tecnologias digitais? Quais experiências já tive como docente ou como discente em disciplinas e/ou cursos com o uso de tecnologias digitais? E o que as tecnologias digitais tem a ver com a Educação que temos e que queremos?)

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Se estamos trabalhando sobre Educação a Distância, vejo como importante que os estudantes possam experimentar a construção, por exemplo, de uma disciplina utilizando tecnologias digitais (desde o planejamento, no diálogo com as legislações, integrando a Educação que queremos) seja presencial, híbrida ou a distância. Cada grupo faz suas escolhas de acordo com os seus interesses sobre o tema da disciplina, seus conteúdos, a escolha do tipo e do nível/modalidade educacional que irá abarcar, das tecnologias digitais a serem utilizadas. Vejo também a possibilidade de estabelecer diálogo com as equipes da Universidade que apoiam a Educação a Distância e/ou sejam integrantes da Universidade Aberta do Brasil. Considero também importante o diálogo com outros profissionais que trabalham na área (da própria universidade e de fora dela), que tenham suas atividades profissionais em interação com as legislações pertinentes, como por exemplo professores do ensino fundamental e médio que utilizem as tecnologias digitais vinculadas à Educação a Distância. Ao longo das aulas, teremos presentes círculos de diálogo sobre o contexto da Educação a Distância no Brasil com exemplos, as legislações em si e documentos norteadores, como os referenciais de qualidade da Educação a Distância e as diretrizes de acessibilidade. Também devem estar presentes, em meu fazer, o cuidado com os vínculos que vão sendo construídos no grupo, os tempos para os acordos de convivência, vivências pedagógicas, os rituais de abertura e de encerramento a serem planejados de acordo com os temas e os objetivos de cada aula. Por meio dos acordos de convivência e dos círculos de diálogo, tenho como estar mais metodologicamente aberta às demandas emergentes da turma. E o lugar do corpo, da música e dos momentos de contemplação? Por exemplo, o corpo pode estar presente em uma caminhada para relembrar, uma meditação para pensar e para se escutar. A música está aí para embalar e inspirar vivências e rituais. A poesia também pode estar presente para inspirar um início ou o término de uma aula, ou mesmo como uma maneira para que cada um fale de si ou da essência do que estudou e aprendeu por meio dessa linguagem também. Percebo-me docente como alguém que está junto, que acompanha, que orienta, estimulando a reflexão, criando tempos e espaços de diálogo, de reflexão, de autoria, de aprendizagem.

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Também, como docente-pesquisadora, me percebo aberta a continuar em diálogo e refletindo sobre minha própria prática e também instigando os estudantes a se tornarem aprendizes-questionadores-autores-pesquisadores: de si – de suas histórias, conhecimentos, experiências e práticas –, dos meios onde vivem e convivem e das palavras dos outros (autores). Creio também que uma atividade de portifólio, via ambiente virtual, pode ser elaborada pelos estudantes, transversalmente à aula, para que eles tenham tempo e espaço para refletirem sobre suas matrizes, sobre o vivido e o aprendido. Com isso, posso ir acompanhando suas reflexões, elaborações, autoria e escrita, visando uma avaliação processual. Na relação com os outros professores e funcionários, buscarei estabelecer diálogos, escutas, construções conjuntas. Conhecer seus fazeres, suas experiências e histórias. Desenvolver atividades/pesquisas inter e transdisciplinares e, quem sabe, chegar a desenvolver um trabalho em equipe integrado(r). Se possível, gostaria de trabalhar por projetos que envolvam formação, pesquisa, extensão, diferentes

disciplinas,

professores,

estudantes,

áreas

de

conhecimento

e

comunidades. Para cada tipo de atividade a ser desenvolvida nessa universidade, levo minha matriz e minhas aprendizagens comigo, sempre abertas a conhecer e aprender “coisas” novas na interação com os outros, a desenvolver a escuta do outro e da realidade em suas multidimensionalidades; o diálogo com diferentes visões e pessoas; o compartilhar construções, projeto, caminhos; a flexibilidade para acolher as emergências e estimular a autoria das pessoas envolvidas. Mas para falar sobre o “como” e sobre o percurso, só será possível depois que o fizer. Em síntese, como concebo minha matriz em suas dimensões pedagógica e pesquisadora emergente? Matriz em sua dimensão pedagógica emergente: abarca compreensões como: eu, sendo docente, sou eterna aprendiz, não tenho que saber tudo, mas tenho que saber bem o que quero falar e abordar em sala de aula presencial/virtual. Sim, continuo achando necessário o planejamento de aula e o domínio do conteúdo, mas o percebo com abertura ao diálogo, à escuta, à flexibilidade, às emergências. Por meio do acordo de convivência no início da aula, parte dessa escuta e adaptações podem ser feitas. Vejo também a oportunidade das avaliações contínuas serem oportunidade de

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aprendizagem para mim e para os estudantes e também de readequação do que foi planejado. Continuo considerando o estudo da palavra dos autores, dos documentos de referência, como algo importante, mas desde que sejam integrados e dialogados com as palavras de cada um(a), com suas experiências, conhecimentos, expectativas e histórias de vida. Compreendo que isso deva ser feito de maneira que os temas a serem estudados e os projetos a serem elaborados, façam sentido para os estudantes e tenham relação com suas buscas formativas e existenciais. Percebo-me com mais condições de escutar e de dialogar, caminhando para além do “tagarelar” e do reproduzir as ideias dos outros. Matriz em sua dimensão pesquisadora emergente: abarca compreensões como: eu, sendo pesquisadora, que busca o rigor conceitual e metodológico das pesquisas que desenvolvo, mas aberta a integrá-los com as histórias de vida, conhecimentos experienciais, tradições, arte, filosofia. Pesquisa com tempo para contemplar, para meditar, para fazer a escuta do que é externo e interno. Pesquisa que respeite, escute, reflita e expresse os caminhos construídos e não tentando encaixar a realidade e objeto pesquisados dentro de uma metodologia predefinida e imutável; e que reflita e reconheça sua provisoriedade e seu inacabamento. Sintome aberta a realizar e acompanhar pesquisas sobre as experiências e conhecimentos dos outros, mas também a orientar formações e pesquisas sobre conhecimento e aprendizagens do sujeito que aprende, que está em formação; a acompanhar e orientar outras pesquisas onde pesquisador e pesquisado sejam a mesma pessoa. Vejo-me aberta ao diálogo e ao tecido conjunto das áreas de conhecimento, ao que está para além, através e entre as disciplinas, entrelaçando a vida, a natureza, as pessoas. Trago, em minha matriz, as reflexões que as aprendizagens mais relacionadas à docência me suscitaram no relato 2: O que levo da aprendizagem trabalho em equipe integrado(r) para a minha matriz pedagógica-pesquisadora? Levo-a para as minhas relações com pessoas e ambientes onde vivo, convivo e trabalho, para a vida, para a relação com os alunos ou mesmo com equipe de professores e profissionais da Educação da qual eu venha a fazer parte. Levo a escuta sensível e atenta, o diálogo, o cuidado e o respeito e a atitude integradora de diferentes opiniões, experiências e histórias de vida. Levo a experiência de construção de ideias, planejamentos, documentos, de maneira dialogada e compartilhada onde todos contribuem, no qual o resultado final é uma produção coletiva e não de uma das pessoas somente. O princípio sistêmico-organizacional do Pensamento Complexo (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009; MORAES, 2008) me auxilia a

341 compreender que os “produtos” (todo), que emergiam de nosso trabalho conjunto, eram construídos das interações e integração entre as partes (nós, os educadores, o Núcleo Gestor e os meios), não eram nem maiores e nem menores do que as somas das partes, e nem se limitavam ao trabalho de uma parte específica. Levo a intensa utilização das tecnologias digitais para estas construções coletivas e colaborativas, que elas propiciam ricas possibilidades de comunicação e de interação quando as pessoas envolvidas têm, além das disponibilidades tecnológicas necessárias, também tem disposição pessoal e objetivos comuns, onde o uso dessas tecnologias faça sentido e seja necessário (em nosso caso, as três pessoas moravam em locais diferentes do Brasil). Levo a experiência de um trabalho conjunto, compartilhado, colegiado e democrático. Levo a necessidade de que as informações, documentos e produções estejam disponíveis e de fácil acesso a todos que participam. Com base no princípio hologramático do Pensamento Complexo (MORIN, CIURANA, MOTTA, 2009; MORAES, 2008) – que nos diz que a parte está no todo e o todo está na parte –, compreendo que esse compartilhar de construção e de acesso a informações, documentos e produções permitam esse diálogo e interação entre todo-parte. Levo também uma experiência de construção coletiva e colaborativa de toda a formação, com momentos de escuta e diálogo nas reuniões com integrantes do Núcleo Gestor e também de compartilha, de escuta e de diálogo com os educadores, nos momentos de acordo de convivência nas formações presenciais, nas quais colocávamos para o diálogo essas informações e decisões geradas nestas reuniões. Levo a construção de uma identidade formativa entre as três participantes, que nos propiciava dialogar e criar considerando diferentes visões, opiniões, conhecimentos e orientada por objetivos formativos compartilhados e nos permitia ser flexíveis às demandas do Núcleo Gestor, dos educadores e nossas mesmo. O termo identidade formativa, foi cunhado por Alba Cristina, em uma de nossas reuniões para expressar “algo” que tínhamos, que nos unia, que permitia que construíssemos juntas cada encontro, cada atividade de maneira harmoniosa, em sintonia, em busca de propiciar ambientes formativos e atividades integradores, amorosos, criativos, instigantes, vivenciais, dialogados, flexíveis, abertos. Esse “algo” pode ser descrito pela “pegajosidade biológica”, de Maturana (2009, p. 12), como “o prazer da companhia, ou como o amor em qualquer de suas formas”. O autor comenta que, sem essa pegajosidade biológica, “não há socialização humana e toda sociedade que perde o amor, se desintegra”. De acordo com Rosamaria, em mensagens que trocamos por e-mail (agosto de 2015): “é um jeito de conviver no respeito e no cuidado, na aceitação do outro como legítimo outro.” A partir de Maturana (2009, p. 40), complemento que a emoção do amor está justamente presente nesse tipo de ações em que “o outro surge como legítimo outro em coexistência conosco mesmos”. É assim que sinto! O que levo comigo da aprendizagem escuta-diálogo-flexibilidade para a minha matriz pedagógica-pesquisadora? Levo a escuta atenta e sensível aos tempos individuais, coletivos e do ambiente. Levo o compartilhar, o dialogar sobre o planejamento, sobre os imprevistos, sobre o que foi modificado em relação ao que tinha sido planejado. Levo a necessidade de criação de momentos de acordo de convivência e de escuta das expectativas, não somente no início do curso. Levo o diálogo para que cheguemos a soluções conjuntas a imprevistos. Levo a necessidade de adaptação do planejado ao que emerge na relação com os estudantes. Levo a abertura à escuta de mim, dos outros e da totalidade e ao diálogo e à flexibilidade e desapego ao que foi planejado, sem perder os objetivos de formação pretendidos.

342 Da aprendizagem vínculos, rituais e vivências pedagógicas, o que levo comigo para a minha matriz pedagógica-pesquisadora? Um profundo respeito ao outro: ao outro que fala, que se expressa prosaica e poeticamente, que cria, que compartilha, que possui história, experiências e sonhos. Uma profunda escuta a mim mesma, às minhas aprendizagens, ao me expressar também poeticamente, o aprender a ritualizar a vida, o meu cotidiano, as salas de aula que eu fizer parte, a desenvolver minha sensibilidade. Uma profunda ligação com a vida, em seu sentido mais amplo, e a necessidade de ampliação de consciência de maneira a acolher e preservar a vida. Levo a necessidade de inserir o corpo, as emoções, a criatividade, a poesia e a arte, a natureza nas formações. Levo também a possibilidade de, por meio de vivências, do movimento, da música, do silêncio, da fala, fazer com que sejam pontos de partida para o diálogo, para a leitura, para o sentir, para o pensar, para o criar individual e coletivamente. Levo a necessidade de escutar mais músicas, de senti-las e de estudá-las para inseri-las em alguma atividade formativa a ser realizada, de acordo com intenções e objetivos e com o tipo de vínculo que desejo trabalhar com os estudantes. Levo a necessidade de propiciar espaços e tempos formativos para a escuta: das vivências, das leituras, dos estudos, das produções. A possibilidade de fazer o movimento de trabalho individual, em duplas, em trios ou em grupos, e depois voltar ao grupo maior para compartilhar o que foi produzido por cada grupo. Levo a possibilidade de construir um fluxo do encontro formativo entrelaçando temas mais teóricos com rituais, vivências pedagógicas, leituras, falas expositivas, diálogo a partir da produção e elaboração individual ou de grupos menores. Levo a possibilidade de trabalhar temas relacionados ao desenvolvimento humano – como cuidado, olhar, escutar, vínculos, poético, brincar – poderem ser trabalhados em conjunto com outros temas mais teóricos como Direitos Humanos, Complexidade, Transdisciplinaridade, metodologia e planejamento de uma formação. Levo a necessidade de não ter que centrar todo o momento formativo em minha fala, expositiva. Ela pode acontecer, com suavidade, em momentos pontuais, integrados a momentos de falas dos estudantes, de síntese dos grupos. Respeitam esse ir e vir entre rituais, vivências, falas expositivas, apresentações de sínteses; em uma “dança” atenta aos horários, flexível, atenta às emergências e demandas do grupo e do ambiente. Levo a necessidade de inclusão de momentos de pausa, de contemplação, de lentidão, de silêncio. Mas não um silêncio tipo “cala a boca, menino, e me escuta”, desse silêncio castrador da expressão. Ao invés disso, é um cultivar o silêncio nutridor, asserenador, para aguçar os outros sentidos (tato, olfato, paladar, audição), a sensibilidade e as outras percepções para além da visão e da razão. Um silêncio de escuta e de abertura de um espaço interno em cada um para o que será trabalhado em seguida. Levo o encantamento e a necessidade de olhar. Olhar nos olhos, olhar detalhes. Um olhar junto com um sentir, com um perceber e quem (pessoas) e o que (ambiente) está junto conosco. Levo também a alegria, o sorriso, a brincadeira para os meus ambientes formativos e também para a minha vida. Levo também o desafio de continuar aprendendo mais sobre as vivências, com a participação em outras vivências, de me aprofundar na escolha das músicas e na elaboração das consignas que introduzem essas atividades. Além disso, levo a necessidade de aprender a distribuí-las, saber quando e como inseri-las, e achar meu jeito de fazer, com calma, tempo e estudo (a continuação da formação em Biodanza também tem esse propósito).

343 Levo o desafio de pensar em como levar as vivências e os rituais para dentro do ambiente virtual. É possível? Ou será possível se intercalarmos momentos presenciais, de encontro, do estar junto presencial, com atividades e encontros virtuais. Em nosso ambiente virtual, sugerimos momentos de quietude, antes da elaboração de uma atividade escrita. Mas não sabemos se as pessoas fizeram. Percebo que o contato do grupo é fundamental em uma vivência, até mesmo para que você como professor possa sentir e perceber as relações criadas. Além disso, também o abraçar, o contato de mãos, de pele é imprescindível para algumas vivências. Será possível realizar alguma vivência via skype? Mas e se a conexão cair, todo o clima desmorona junto? São perguntas ainda sem resposta e abertas a criar soluções para este desafio. Levo também a necessidade de cuidar dos ambientes de aprendizagem. No caso do ambiente físico, cuidar da disposição das cadeiras em roda, cadeiras soltas, com possibilidade de formar U ou círculos com todo o grupo, reorganizar em grupos menores. Se possível, poder utilizar outros ambientes fora de sala de aula. Ter projetor, computador, caixas de som ou autofalantes, cabos para ligar os aparelhos, extensão para ligar na energia. Também ter disponíveis papéis, lápis de cor, canetas coloridas, cola, fita crepe, tesouras para serem usados em qualquer momento de síntese e de expressão dos grupos. No caso do ambiente relacional, levo: cuidado, atenção, escuta, diálogo, acordo de convivência, compartilha, expressão, prosa e poesia, confiança, alegria, saberes experienciais, teóricos, existenciais, teóricos e disciplinares. Isso tudo foi construído progressivamente ao longo dos encontros e também das atividades realizadas no ambiente virtual (Moodle). Levo as liberdades de fala e de expressão de cada um, da necessidade de respeito, de escuta, de qualificação da escrita coletiva ou individual e da fala do outro. Levo comigo que os ambientes presenciais e virtuais devem ser complementares, estarem interligados; que o ambiente virtual deva também ser espaço para diálogo, para construção coletiva, para acompanhamento de atividades a serem realizadas fora do tempo e espaço dos encontros presenciais. Sinto a necessidade de, em projetos futuros, repensar estratégias para promover a participação e o envolvimento com o AVA, sem sobrecarregar os estudantes. Lanço-me questionamentos para futuras formações e pesquisas: como fazer para que a participação no ambiente faça sentido para os participantes? De que maneira promover a participação e que ela não fique atrelada a uma nota, ou a uma punição (diminuição de nota), caso eles não participem? Como o AVA pode ser utilizado sem sobrecarregar os participantes? O que eu levo da aprendizagem planejamento conjunto com os educadores e autoria para a minha matriz pedagógica-pesquisadora? Levo o desafio e a riqueza da construção coletiva e colaborativa de um planejamento em conjunto com vários grupos de pessoas. Levo o cuidado com os retornos aos trabalhos de cada grupo. Levo o empoderamento e a atribuição de sentido pelas pessoas que planejam e de não somente a execução de algo entregue pronto e elaborado por outras pessoas. Levo a possibilidade de outras estratégias de formação, como: o detalhamento de planejamentos, o contar histórias, a utilização de imagens ou vídeos artísticos para trabalhar/exemplificar conceitos, o dar mimos de recordação do encontro. Levo com muita intensidade a escuta, o diálogo e o compartilhar as ideias, criações e dificuldades do caminho. Levo a reflexão sobre o que foi elaborado por cada grupo. Levo a importância de trabalhar a autoria das pessoas que estão em formação, não somente em relação à qualidade conceitual, teórica e metodológica do material produzido, mas também no desenvolvimento dessa produção integrando as suas próprias

344 palavras, as suas próprias reflexões e criações, entrelaçadas com as palavras dos outros, a partir de estudos teóricos das obras, pensamentos e produções de outros autores e autoras.

Também levo muitas compreensões que as aprendizagens em relação à pesquisa me suscitaram. Compreendo que a narrativa autoformadora foi desenvolvida no profundo respeito ao meu caminho de aprendizagem, representou o percurso e as ferramentas metodológicas que utilizei para conhecer e reconstruir minha matriz pedagógica-pesquisadora. Isso não significa que tenha sido fácil e simples, mas significa que foi muito prazeroso, marcante e que me envolveu por inteiro. Compreendo que a própria metodologia é um dos resultados da pesquisa sobre o percurso formativo, porque ela foi um meio para conhecer. Além disso, compreendi que sua sistematização e teorização representa o conhecimento que foi gerado sobre ela e a partir dela, na busca por responder o problema de pesquisa. Não considero essa metodologia como sendo restritiva a uma pessoa específica, a uma profissão ou nível de formação. A meu ver, pode ser desenvolvida por qualquer pessoa, durante a formação em qualquer profissão, em qualquer nível de formação (inicial e continuada). Arriscar-me-ia a dizer que poderia ser desenvolvida na Educação fundamental, no ensino médio e também na Educação não formal. Da maneira que foi feita aqui, há a necessidade da alfabetização e do desenvolvimento da escrita. Mas acredito que seja possível, trabalhar com história oral, com a gravação de áudios, e assim desenvolvê-la com pessoas que não sejam alfabetizadas ou que estejam em processo de alfabetização. Mas todas essas possibilidades são ideias a serem vividas e pesquisadas em projetos futuros. Compreendo que todas as pessoas em formação podem construir suas próprias narrativas autoformadoras, para que estas integrem estudos teóricos, história de vida de formação e relatos de experiência. Considero esta metodologia essencialmente aberta a considerar outras dimensões que não foram citadas no relato 3, por não terem feito parte do meu caminho, mas que podem fazer parte dos caminhos de outras e outros aprendizes. Também foi possível perceber que eu, ao mesmo tempo, como sujeito e objeto, ambos transdisciplinares, – mediante a transformação das vivências docentes e de pesquisa em experiências formadoras, a partir da escrita dos relatos e das reflexões sobre a matriz pedagógica-pesquisadora –, pude ampliar meus Níveis de Percepção

345

(enquanto sujeito que conhece) a respeito dos meus Níveis de Realidade (enquanto sujeito/objeto pesquisado), na medida em que eles se encontraram. Para tanto, foi necessário tomar consciência do conhecimento construído na união das zonas de não resistência do sujeito transdisciplinar (eu) e do objeto transdisciplinar (eu), – onde Níveis de Percepção e Níveis de Realidade se interagiram – por meio das meditações reflexivas intensivas, diário de campo, materializados pela metodologia, pelas aprendizagens e pela matriz pedagógicapesquisadora vigente, para, assim, poder transformá-la. Compreendo a existência de potenciais humanos de se (auto)(trans)formar, de autoria e de transformação de sua própria matriz humana – mesmo que de suas múltiplas dimensões se escolha algumas para aprofundar ao longo de um processo formativo –, sendo feitas no necessário movimento e diálogo consigo mesmo (auto), com os outros (pessoas e teorias – hetero) e com os ambientes onde se vive e convive (eco). Proponho que esses potenciais humanos sejam considerados e valorizados em todos os processos formativos que se pretendam integradores, humanos, abertos, transformadores, complexos e transdisciplinares. Sei que para empreender um processo formativo com esse aprofundamento e objetivo de mudança é fundamental implicação, responsabilidade, atitude, prédisposição, envolvimento da pessoa em formação, exige bastante trabalho, reflexão, estudo, escrita, teorização. Além disso, percebo como muito importante que professores/orientadores e ambientes formativos permitam, provoquem e abram tempos e espaços para que este tipo de processo (auto)formativo possa acontecer, integrado aos saberes disciplinares e profissionais, para que a pessoa em formação tenha a possibilidade de olhar para si, de conhecer o seu percurso, de atribuir sentido ao estudado, ao vivido e de desenvolver os seus potenciais de se (auto)(trans)formar, de autoria e de transformação de sua própria matriz humana, no diálogo e interação com os outros e com os ambientes. Você pode se perguntar: mas você levou 4 anos para fazer tudo isso, para desenvolver sua tese, para construir sua metodologia, sua narrativa autoformadora. Como levar isso para a formação de outra pessoa? Como podemos desenvolvê-la em situações de formação em menos tempo? Compreendo que com a sistematização feita nesta tese, é possível tê-la como inspiração, como ponto de partida para que cada pessoa crie a sua própria metodologia de formação e de pesquisa, de acordo com o seu tempo, seu espaço,

346

suas necessidades. As dimensões sistematizadas no relato 3 são abertas e cada nova experiência de (auto)formação e de (auto)pesquisa podem gerar novas dimensões e modificar as já existentes. No caso de professores que estão em situações de trabalho precárias, que trabalham os três turnos em diferentes turmas, com centenas de alunos, como Pimenta e Ghedin (2012) comentam, é possível? Também acredito que em momentos de formação, tanto inicial quanto continuada, seja possível fazer este tipo de trabalho autoformativo, dimensionado à realidade de cada formação e das pessoas participantes, desde que este tipo de trabalho seja parte da metodologia de formação. Acredito que as dimensões detalhadas no relato 3 da metodologia possam servir de pontos de partida para se pensar metodologias de formação e de pesquisa para a (trans)formação de professores, de profissionais... enfim, de pessoas, que desejam empreender um processo (auto)formativo e (auto)pesquisador integrados com saberes de suas matrizes, teóricos, experienciais, existenciais e disciplinares. Cabe ressaltar que este polo (auto)formativo deve estar sempre integrado e interagindo com os demais polos do movimento tripolar de formação (hetero e eco). A realização de experiências de autoformação em seminários, estágios supervisionados e aulas já foram desenvolvidas por outros autores, como Josso (2004), Abrahão (2011), Galvani e Pineau (2012), Souza (2006). Além dessas situações formativas citadas, vejo a possibilidade de que essa metodologia desenvolvida – narrativa autoformadora – também servir de inspiração para outras metodologias de trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações e teses, onde as pessoas em formação possam fazer a fusão entre formação e pesquisa, onde pesquisador e pesquisado sejam a mesma pessoa, e possam construir conhecimento de si e conhecimento científico a partir disso, revisitando suas matrizes, sejam elas pedagógicas, pesquisadoras, profissionais, humanas. Em relação à contribuição teórica desta tese para processos formativos fundamentados nas teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade, tenho algumas considerações a fazer. Desejo que este trabalho sirva de inspiração para que as pessoas em formação – sejam professores, pesquisadores ou profissionais das mais diversas áreas de conhecimento – possam construir seus próprios caminhos de formação e de pesquisa e também:

347



Sintam-se à vontade para assumir a autoria de seu pensamento, de sua formação, de suas escritas, da produção de conhecimento. Possam integrar suas palavras e as palavras dos outros (autores).



Possam abrir tempos e espaços em suas formações para refletirem, dialogarem, teorizarem sobre suas práticas em integração com as ideias, teorias e práticas de outras pessoas, de outros pesquisadores.



Possam desenvolver a escuta, diálogo e reflexão sobre essas vivências e que os permitam transformá-las em experiências formadoras.



Possam construir conhecimento científico na integração e interação de prosa e poesia, de suas histórias e narrativas, dos múltiplos “eus” e dimensões – sejam de si mesmo ou de outras pessoas –, de saberes existenciais, experienciais, teóricos e disciplinares.



Possam tomar consciência, valorizar e se empoderar de sua história de vida, de seu projeto de vida, de seu passado-presente-futuro e de suas aprendizagens construídas. Possam se ver, se sentir, se integrar e se encarnar em sua formação e em sua pesquisa de maneira que façam sentido para si. Possam (auto)refletir e (auto)criticar seus próprios processos formativos e de aprendizagem e, com isso, (re)conhecê-los e aprender sobre e com eles.



Possam dialogar e integrar antagônicos complementares. Por meio de meditações reflexivas intensivas, de escutas sensíveis e atentas e de (auto)crítica e de (auto)reflexão do que há interno a nós, de nossas aprendizagens, dos conhecimentos que construímos, de nossas histórias, possam religá-los, no diálogo, ao que está externo a nós, aos saberes e palavras dos outros, de outras pessoas, de outras teorias, disciplinas, áreas de conhecimento. Assim, conectar movimentos de subjetivação e de objetivação desse subjetivo, religando interno e externo, abrindo possibilidades de fazer a fusão entre formação e pesquisa, entre sujeito e objeto.



Possam se compromissar, se engajar, se implicar e se responsabilizar por seus processos formativos, permitindo que a pessoa em formação assuma também as rédeas e caminhos de sua formação, conforme o que lhe move, com o que lhe apetece, com o que lhe faz sentido.

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Por exemplo, em um projeto de pesquisa, o objeto de estudo, a metodologia, o problema de pesquisa devem ser escolhidos e decididos pelos próprios estudantes, em diálogo com seu orientador, e não simplesmente serem uma “indicação” do orientador, além de ter vínculo explicitado com sua história de vida.



No caso da formação ao longo de uma disciplina, os projetos de ação, os objetos de reflexão e de aprendizagem podem também ser escolhidos pelos estudantes. Refletindo sobre o contexto de graduação ou pósgraduação, vejo como importante que as pessoas em formação terem mais opções de escolher áreas de conhecimento, disciplinas, projetos que farão parte de seus currículos.



Possam explicitar, tomar consciência e compreender seus paradigmas e matrizes subjacentes aos seus fazeres profissionais e, assim, promover abertura para mudanças. Abrir tempo e espaço para que cada pessoa em formação

interprete

e

compreenda,

a

partir

das

situações

de

aprendizagem vividas, o que ressoa em si mesmo e não apenas “preencher” as expectativas do professor, de um exame. Possam ser eternos aprendizes. Em meu fazer docente, mesmo que toda a metodologia autoformadora não seja “aplicada” em sua íntegra, percebo que posso incluir elementos dela nas disciplinas que eu vier a lecionar, mesmo que o tema não seja exclusivamente paradigma, nem formação de professores, nem Complexidade e Transdisciplinaridade. Por exemplo, posso incluir como parte da metodologia de formação a ser proposta, esse tempo e espaço para que cada estudante possa integrar os conteúdos teóricos e disciplinares com sua história e projeto de vida, revisitar seus paradigmas e matrizes, refletir e meditar sobre e expressar suas aprendizagens construídas, atribuir sentido ao que foi estudado e vivido. Além disso, posso criar tempos e espaços para construir conhecimento e desenvolver sua autoria. Percebo que posso estimular pessoas em formação a desenvolvê-la em trabalhos finais de curso ou mesmo em estágios supervisionado. Ou até mesmo como Josso sugere, no caso da Pesquisa-formação, realizá-la em formato de oficinas, seminários, minimamente. Vejo como ideias gerais do que poderia ser feito. Mas dizer exatamente “como” eu faria, contar o processo, construir conhecimento... eu só poderei dizer no

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dia que eu o fizer, pois será construído na relação e na interação com os estudantes... E mesmo assim, não será “receita de bolo”, mas sim caminhos relatados que podem servir de inspiração para outras pessoas construírem seus próprios caminhos e metodologias... Percebo que esses são temas para próximas formações e pesquisas, por isso vejo esta tese, como fim para um novo começo. Para finalizar, reúno minhas expressões poéticas emergentes em algumas partes da tese, que representam a essência do que esse percurso (trans)formativo e pesquisador significou para mim. As palavras dos outros São tuas e ressoam em mim Me inspiram a criar, a voar Me convidam a sonhar, construir e me incluir Me apresentam novas ideias para ser e fazer Em fluxo, (se) transformam (n)as minhas e, assim, sigo... (em)sendo e me (trans)formando.

As palavras dos outros Também inspiram caminhos Dão pistas, propostas, ideias Abertas, se misturam às minhas palavras, Ao meu jeito de ser, de aprender e de conhecer. Me ajudam a construir o meu caminho ao caminhar.

Quem sou? Qual é minha história? O que aprendo com ela? Recordo meu passado, (re)integrando ao meu presente. (Re)conheço minha matriz. Revelo seus paradigmas e suas bases. Início meu caminho de (trans)formação.

De vivências a experiências formadoras Entrelaçando meus pensamentos, minhas palavras e as dos outros. Não há diferença. Não há mais distinção. Formação e pesquisa são, agora, uma coisa só. Sigo fazendo a fusão do meu ser, fazer e conhecer.

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Aprender fazendo Sentirpensando tecendo o percurso ao caminhar cruzando saberes meus e teus indo e vindo escutando e meditando, criando, narrando, (des)(re)construindo e me (auto)(des)organizando.

O que levo leve? O que leve levo? religo partes, incorporo, agrego, levo leve integro minhas aprendizagens ao todo da minha matriz dialogando com o passado presente recriando, aprendendo, docente-pesquisadora... humana me (trans)formando no aqui e agora rumo a um presente futuro.

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6 UM FINAL RUMO A UM NOVO COMEÇO O título desta parte da tese indica que apesar de este ser o final de um ciclo de formação e pesquisa é também um recomeço de uma contínua e incessante espiral de desenvolvimento humano. Sendo assim, as conclusões aqui apresentadas são datadas, provisórias e decorrentes do caminho percorrido. São também conscientes de que se um novo processo de formação e de pesquisa fosse iniciado hoje, ele seria com certeza distinto, pois eu já não me sinto a mesma pessoa que começou a tese. As perguntas e objetivos já seriam outros, pois meus anseios formativos seriam diferentes. Também sei que se outra pessoa for “replicar” a metodologia

narrativa

autoformadora

poderá

encontrar

outras

dimensões

constituintes de sua narrativa, emergentes de seu percurso, de suas necessidades formativas e investigadoras. O processo de formação e de pesquisa abordado neste trabalho se originou a partir da minha busca pessoal de formação docente, de reconhecer e de transformar minha prática pedagógica e de materializar as teorias da Complexidade e da Transdisciplinaridade em termos de estratégias didáticas e de pesquisa. Fui envolvida por autores e autoras estudados que me fizeram vários convites. Convidaram-me a me reintroduzir como sujeito que conhece e a religar sujeito e objeto. Compreendi que o conhecimento é gerado na interação entre sujeito transdisciplinar e objeto transdisciplinar e da necessidade de reforma do pensamento rumo a um pensar complexo. Confirmei com esses autores que para (trans)formar meu fazer docente são necessárias transformações internas do ser. Esses chamados me impactaram tanto que, pouco a pouco, consegui expressar, em palavras, o problema de pesquisa e a metodologia que me permitiram fazer a fusão entre sujeito e objeto e entre formação e pesquisa. Mas a tomada de consciência de toda essa abertura só veio à tona quando eu comecei a tecer os relatos que compõem a metodologia narrativa construída. Para tanto, foi necessária a criação de um caminho próprio que respondesse o problema de pesquisa. Percurso esse que respeitou minha maneira de aprender, de estudar, pesquisar e conhecer. O problema de pesquisa proposto foi: como ocorre o processo de reconstrução da matriz pedagógica-pesquisadora tradicional do ser docente-pesquisador por meio de estudos teóricos e de vivências desenvolvidos à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade?

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Em resposta ao problema de pesquisa, o meu processo de reconstrução se materializou na metodologia de formação e pesquisa, denominada narrativa autoformadora. Esta metodologia foi, ao mesmo tempo, o meio para realizar o estudo e o resultado do próprio estudo. A partir dela, pude tomar consciência, refletir, compreender e fazer a transição de uma matriz pedagógica-pesquisadora tradicional vigente para uma matriz emergente construída à luz da Complexidade e da Transdisciplinaridade. Acrescento também que a minha matriz também foi reconstruída à luz da Educação Biocêntrica, um elemento teórico-metodológico tão forte e estruturante da Formação de Educadores para a Cidadania, que influenciou também minhas aprendizagens construídas. Percebi que a narrativa autofomadora possuiu dupla função: foi uma investigação narrativa, ou seja, foi um caminho de pesquisa, de tomada de consciência, de estudo sobre as experiências vividas e de apropriação do meu percurso de formação e de pesquisa, das minhas próprias aprendizagens, do que levo comigo a partir de todo esse estudo. Ao mesmo tempo, foi a própria forma de escrita e de apresentação das análises e sínteses dos resultados e discussões frutos da formação e da pesquisa. Por meio da escrita dos relatos, eu me autoformei e pude realizar a pesquisa propriamente dita. Os seguintes relatos foram construídos: 

Relato 1: História de vida de formação e identificação da matriz vigente.



Relato 2: Sistematização da experiência de docência e pesquisa.



Relato 3: Construção da metodologia de formação e pesquisa.



Relato 4: Síntese da matriz emergente e contribuições para outros processos formativos.

O relato 1 passou pela tomada de consciência da matriz pedagógicapesquisadora vigente, a partir da história de vida de formação, pela compreensão de suas dimensões paradigmáticas tradicionais cartesianas e pelos encontros teóricos e aberturas a partir das propostas paradigmáticas, epistemológicas e metodológicas da Complexidade, da Transdisciplinaridade, do Paradigma Educacional Emergente e do movimento tripolar de formação. O relato 2 foi constituído pela sistematização da experiência de docência e pesquisa vividas ao longo da Formação de Educadores para a Cidadania, realizado entre os anos de 2012 e 2013. Por meio deste relato, foi possível interpretar e compreender as aprendizagens construídas mais relacionadas à docência, a saber:

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trabalho em equipe integrado(r); escuta-diálogo-flexibilidade; vínculos, rituais e vivências pedagógicas; e planejamento conjunto e autoria. No relato 3, foi detalhado o processo de formação e pesquisa, no diálogo com as teorias, explicitando suas dimensões, seus instrumentos de registro, reflexão e geração de dados, tomando consciência de suas mudanças e bifurcações até a compreensão de sua forma final, como narrativa autoformadora. 

Definição: narrativa autoformadora, de natureza qualitativa.



Dimensões: vivencial-experiencial; dialógica; escuta sensível e atenta; (auto)reflexiva e (auto)crítica; aprendizagens; envolvimento emocional; passado-presente-futuro;

escrita

narrativa;

múltiplos

“eus”;

estudos

teóricos; análise interpretativo-compreensiva. 

Instrumentos de geração de dados: diário de campo, vídeos, documentos, meditações reflexivas intensivas.

Ao longo da elaboração dos relatos 1 a 3, foi possível interpretar e compreender os momentos de ruptura e de mudança de caminhos formativos e metodológicos: 

Ruptura 1: a entrada no grupo de pesquisa Ecotransd.



Ruptura 2: o aprofundamento nos estudos teóricos sobre Complexidade e Transdisciplinaridade.



Ruptura 3: a construção do problema de pesquisa e a definição da metodologia de pesquisa.

Para

encerrar

o

processo

de

reconstrução

da

matriz

pedagógica-

pesquisadora, o relato 4 foi construído para interpretar, compreender e explicitar a matriz emergente e as contribuições teóricas para outros processos formativos. Neste momento de conclusão da tese, fruto das reflexões empreendidas ao longo deste trabalho, trago algumas questões como propostas de estudos futuros... Sobre a matriz em sua dimensão profissional: como seria a construção de narrativas autoformadoras para a reconstrução de matriz em outras áreas de conhecimento e de formação? Que características e dimensões essas metodologias de formação e de pesquisa teriam que assumir ao longo da formação de outros profissionais que não sejam nem docentes e nem pesquisadores? Sobre as aprendizagens cotidianas: de que maneira essa transformação paradigmática influencia no cotidiano pessoal das pessoas que estão em formação? Deve sempre influenciar? As transformações internas como docente e como

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pesquisador geram transformações no ser e fazer cotidianos e pessoais de professores e de pesquisadores? Sobre o estágio supervisionado: de que maneira narrativas autoformadoras podem ser utilizadas junto à prática do estágio supervisionado? Quais seriam suas contribuições para o estágio supervisionado nas mais diversas áreas de conhecimento? Sobre a formação pedagógica e paradigmática nas formações iniciais e continuadas: já que graduados, mestres e doutores nas mais diversas áreas de conhecimento podem se tornar docentes da educação tecnológica e superior, será que, desde a graduação, mesmo em cursos de bacharelado, a formação pedagógica e paradigmática já deveria estar incluída na formação profissional? Sobre a autoria e a escrita acadêmica: quais fatores geram bloqueios de autoria e de escrita acadêmica em profissionais que já passaram por cursos de graduação? Como podemos trabalhar e estimular a autoria e a escrita acadêmica para além do “copiar e colar”? Será que as escolas e os cursos de formação superior estão trabalhando a autoria dos estudantes? Essa autoria é trabalhada nas formações iniciais e continuadas de profissionais e de professores? Sobre o ambiente virtual de aprendizagem (AVA): é possível trabalhar com vivências e rituais em AVA? Como poderia ser feito? Como fazer para que a participação no ambiente faça sentido para os participantes? De que maneira promover a participação e que ela não fique atrelada a uma nota, ou a uma punição (diminuição de nota), caso eles não participem? Como o AVA pode ser utilizado sem sobrecarregar os participantes? Dessa tese, levo comigo a importância das formações iniciais e continuadas propiciarem movimentos tripolares de formação, nas quais as pessoas em formação possam integrar os três polos: hetero-eco-auto. Levo que, ao longo da vida, profissionais, professores, pesquisadores devam poder (se) refletir, (se) questionar, (se) pesquisar sobre suas trajetórias, processos formativos e matrizes. Acredito que isso pode ser feito como uma maneira de não ficarmos estagnados em nossas profissões e desenvolvermos a criatividade e a curiosidade na formação e na pesquisa. Compreendo que para que um profissional possa ser docente deveria fazer parte de sua formação, em nível de graduação e de pós-graduação, momentos e espaços de diálogos e reflexões abarcando de maneira integrada estudos teóricos

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sobre questões paradigmáticas, pedagógicas e conceituais-disciplinares e suas experiências de vida, de formação, de docência e profissionais. A narrativa autoformadora me inspira um olhar diferente sobre formação e metodologias de formação, ao trazer a própria história de vida, o relato de experiências como meios de refletir, indagar e dialogar sobre os saberes disciplinares e teóricos trabalhados e propiciar também a revisita e reconstrução de matrizes. Não a vejo como sendo mais um “pacote de conteúdo” simplesmente a ser acrescentado na formação profissional ou docente, abarrotando ainda mais as formações já existentes ou sobrecarregando ainda mais o dia a dia dos professores. Levo a esperança de contribuir com processos formativos de modo que possam considerar o ser humano que se forma com suas histórias, origens, aprendizagens e experiências; possam abrir tempos e espaços para que saberes disciplinares e teóricos dialoguem com todos esses outros conhecimentos que a pessoa em formação traz consigo; possam ser ambientes de formação, de pesquisa e de construção de autoria, de sentido, de criatividade e de conhecimento de si e científico. Levo também a certeza de que tenho muito a aprender, a pesquisar, a conhecer, a continuar em outros encontros, em outros caminhos. Percebo essa tese como um início de uma nova trajetória como docente, como pesquisadora, como profissional e como ser humano. Nesse caminho, o velho e o novo estarão sempre coexistindo e em diálogo, se pensando, se olhando, se imbricando e se co-criando e o passado, o presente, o futuro, como temporalidades inscritas em mim, também se transformam retroativamente em meu constante vir a ser.

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APÊNDICES APÊNDICE A: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DE PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA DE DOUTORADO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Pelo presente instrumento, eu, ___________________________________________, RG __________________, na qualidade de participante voluntário(a) da pesquisa-ação para o projeto Formação da Rede de Agentes da Cidadania em Horizonte/CE: caminhos para a vivência em Direitos Humanos e a Geração da Paz, cedo, permanente às pesquisadoras Paula Pereira Scherre e Rosamaria de Medeiros Arnt, os direitos patrimoniais relativos às filmagens, às fotos e aos textos coletados presencialmente nos dias de curso e/ou virtualmente pelo ambiente virtual de aprendizagem. Informo que estou ciente que os dados gerados, no todo ou em parte, editado ou integral, serão utilizados para fins de estudos científicos, publicações de artigos, seminários e outros eventos acadêmicos no Brasil e/ou no exterior. Estou ciente também de que minha identidade será mantida em sigilo. Autorizo a revisão gramatical e ortográfica dos textos, desde que não acarrete alteração do conteúdo e das opiniões ali contidas. Estou informado(a), também, de que, a qualquer momento, posso esclarecer dúvidas que tiver em relação à pesquisa, assim como ter a liberdade de deixar de participar do estudo, sem que isso traga qualquer prejuízo para mim, respeitando às publicações desenvolvidas até a data da solicitação, por escrito, assinado e enviado para a pesquisadora. Declaro que recebi uma cópia do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA Título do projeto: Formação da Rede de Agentes da Cidadania em Horizonte/CE: caminhos para a vivência em Direitos Humanos e a Geração da Paz Pesquisadora responsável: Paula Pereira Scherre Telefone: (61) 8575-0509 Email: [email protected] Pesquisadora responsável: Rosamaria de Medeiros Arnt Telefone: (85) 9662-8032 Email: [email protected] ________________,________de__________________ de 2012.

___________________________________________ Assinatura do(a) participante voluntário(a)

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APÊNDICE B: PLANEJAMENTO DO MÓDULO 1

1º Módulo Transdisciplinaridade: uma nova visão de mundo e a dignidade humana

Horários   

Sexta-feira: 18:00 às 22:00h – 19:00h Sábado: 8:00h – 12:00h, das 13:30 às 17:00h, 18:30h às 22:00h Domingo: 8:00 às 13:00h

1. SEXTA 1) Apresentação do Objetivo, Roteiro do Módulo 1 e metodologia – 18:00 – 18:30h – Formadora-pesquisadora 1 2) Acordo de convivência – 18:30 às 19:00h – Apresentação formadorapesquisadora 3 e Termo de Consentimento a) Apresentação dos registros do dia 18 b) Organização do acordo de convivência a partir do proposto em 18 de junho Intervalo para sopa – 19:00 – 19:40 3) Formando a rede a partir de vínculos a) Para iniciar – o vínculo com o sagrado e os ancestrais – Roda de Bênçãos o Roda de bênçãos: como precisaremos ter especial atenção ao tempo de cada atividade, pelo número grande de educadores, o iniciador da roda de bênçãos fará menção a Deus e aos grandes mestres da humanidade e após destacará uma única pessoa para pedir a bênção b) Primeiro vínculo – comigo mesmo – sexta-feira  Quem sou eu? 19:50h – [formadora-pesquisadora 2] o Escolher uma figura da natureza para designar-se – fazer o crachá – nome e figura – 10min – 20:00h o Suspendendo o automatismo da ação – qualidade de ser e estar (apresentação dos slides sobre o sujeito da experiência) – um convite a estar em sua inteireza – 20 min – 20:20h  Sou um ser complexo, sou multidimensional o Vivência: suspendendo o automatismo da ação – caminhar lentamente pela sala, em busca de si – 10 min – 20:30 o Registro: Eu sou..., sou ... (figura da natureza) – 5 min – 20:35 o Leitura do poema – 40 min – 21:15h – na rua dependendo do clima  Roda de Embalo nos e o Cosmos -15 min – música???

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2. SÁBADO c) Primeiro e segundo vínculo: comigo e com o outro – Sábado manhã o Caminhar dando Bom dia – vínculo com o outro – saudação e celebração do encontro o Atividade em grupo: compartilhando as sensações sobre a vivência e o texto Eu Sou... o Diálogo com o texto Homo Complexus o Fazer uma reflexão poética sistematizando a vivência e o diálogo o Apresentação do poema e uma figura do grupo (fotos) o Que figura diz de nós neste momento? (formação com os corpos de uma figura, que represente o momento de formação do grupo de Educadores para a Cidadania) Intervalo para café – 9:45 – 10:00h d) Terceiro vínculo: a totalidade – o grupo e a realidade – o Leitura do texto de Leonardo Boff – Civilização da Religação – 30 min o Roteiro de leitura: reflexão e sistematização – 20min o Leitura da síntese – 20 min o Introdução à Transdisciplinaridade – relação com o texto – 50 min Almoço sem filas – 12:00 às 13:30h e) Carta da Transdisciplinaridade o Alongamento – 10 min o Transdisciplinaridade – contexto histórico – cenário para leitura da Carta - velas e grupos em torno da Carta – 15 min – contato com o espírito da Carta da Transdisciplinaridade – 13:45h o A Carta da Transdisciplinaridade – atividade em grupo – buscando sentidos ideias significativas na Carta da Transdisciplinaridade. Um pensamento diferente? Uma ideia nova? Algo para levar para o cotidiano? Algo que suscita esperança? Algo para refletir, ligando a Carta à Civilização da Religação. – 14:25h o Leitura da produção do grupo – 20 min – 14:45h Intervalo para café 14:55 às 15:10h o o o o

Vínculo com o Projeto de Vida Introspecção – e escolha de uma imagem – 10 min Projeto de Vida - Que vida vale viver? O que eu quero viver? – 10 min Trocar experiências em duplas – contar do projeto – música Anon Ofertoria – de Profundis- 10 min o Juntar três duplas – pela proximidade – 20 min o Apresentar a síntese 20 min – mais 10 de folga - 16:30h o Complexidade – até as 17:00h Descanso – das 17:00 às 18:00h

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f) Gincana Colaborativa: o Arraial da Cidadania i) Grupos: (1) Adereços – grupo maior? (2) Cenário – o arraial – grupo maior? (3) Quadrilha Transdisciplinar – grupo menor? (4) Paródia – grupo menor? 3. Domingo 4) Música para começar o dia – alongamento e meditação - 30 min – 8:30h 5) Dignidade Humana – a essência da Rede de Agentes da Cidadania – La vida bienvenida a) Ambiente digital: preparação para atividades a distância 8:30 – 10:00h b) Intervalo – 10:00 10:15h c) 10:15 – 11:45h d) Avaliação e metodologia - Reflexão para a equipe formadora: o que os educadores precisam aprender e o que nos, formadores, precisamos aprender com eles?

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APÊNDICE C: ATIVIDADE PROJETO DE VIDA Realizada no ambiente virtual de aprendizagem Moodle Módulo 1 - Transdisciplinaridade: uma nova visão de mundo e a dignidade humana Figura 44 - Slide 1 da atividade vivência com o projeto de vida

373 Figura 45 - Slide de introdução da atividade

Introdução A partir da várias dimensões do vínculo trabalhadas no Módulo 1, propomos que uma atividade para este momento virtual seja uma reflexão sobre o vínculo com o seu próprio projeto de vida. Todos os vínculos trabalhados o vínculo com o "eu", o vínculo com o(s) outro(s) e o vínculo com a totalidade podem aqui ser resgatados. Para chegarmos ao projeto de vida, que é o conjunto de metas, objetivos, sonhos e planos que fazemos para a nossa própria vida, partiremos de nossa própria história de vida, que é o conjunto de situações, aprendizagens, saberes, sentimentos, experiências, relações, interações que construímos ao longo da vida. Dessa maneira, você construirá conhecimento sobre si mesmo, sobre os outros e sobre seu cotidiano ao navegar e narrar com profundidade, o que se passou e o que se passa em sua vida (história de vida) e com o que você deseja que se passe em seu futuro (projeto de vida). Vamos lá?

374 Figura 46 - Slide com orientações preliminares da atividade

Preliminares 

Escolha um local tranquilo e confortável, para você trabalhar um dos momentos propostos;



Escute a música “Raízes” de Renato Teixeira (http://www.youtube.com/ watch?v=98RBlMXmEZQ) para lhe ajudar a entrar em contato e sintonia com sua história e com seu projeto de vida;



Crie um caderno de anotações (seja em papel ou eletrônico) e deixe-o sempre próximo a você para fazer os registros de seus achados e ideias.



Se você tiver dúvidas ao longo desta atividade, compartilhe-as no “Fórum – Dúvidas sobre a atividade 1”. Vamos para o Momento 1?

375 Figura 47 - Slide com orientações do momento 1 - parte 1

Momento 1 Compreendendo sua história e elaborando seu projeto de vida 

Separe o tempo de uns 30 minutos.



Coloque uma música suave (para quem quiser sugerimos algumas opções de música na pasta Músicas)...



Busque um momento de quietude, para contato com você mesmo(a).



Pense em sua vida e nas ações que lhe deram prazer que lhe fizeram sentir que valeram a pena e que deram sentido à sua vida e por quê?



Pense nos principais marcos de sua vida, em seu contexto atual...



Continuando o Momento 1...

376 Figura 48 - Slide com orientações do momento 1 - parte 2



Registre as descobertas em seu caderno de anotações e pergunte-se: qual a relação entre eles? Por quê? Reflita um pouco sobre esse momento...



Novamente, aquiete-se um pouco e pense: qual é seu projeto de vida? O que lhe dá a sensação de realização? O que você deseja para a sua vida? Quais são seus sonhos pessoais, familiares, profissionais, sociais? Por quê? Quais ações e meios serão necessários para transformar seus sonhos e desejos em realidade? Por quê?



Conforme suas ideias e sentimentos forem surgindo, registre-os em seu caderno de anotações...

Vamos agora para o Momento 2?

377 Figura 49 - Slide com orientações do momento 2 - parte 1

Momento 2 Dialogando sobre o projeto de vida Neste momento, iremos para o ambiente virtual para dialogar com alguns colegas sobre os projetos de vida elaborados. É importante que você digite e organize seus registros do caderno de anotações em um arquivo em Word, por exemplo. Não se esqueça de identificar suas anotações com seu nome. Esse documento deverá ser compartilhado no fórum "Dialogando sobre os projetos de vida", em tópico com seu nome, entre os dias 21 e 22 de julho. Dica: Caso você tenha dúvidas sobre como criar um tópico no fórum, acesse o “Tutorial - criação de tópico no fórum.pps” disponível na pasta Tutoriais. Continuando o Momento 2...

378 Figura 50 - Slide com orientações do momento 2 - parte 2



Separe o tempo de uns 30 minutos.



Coloque uma música suave (para quem quiser sugerimos algumas opções de música na pasta Músicas)...



Busque um momento de quietude, agora para contato com o(s) outro(s).



No fórum “Dialogando sobre o projeto de vida”, escolha dois colegas (procure escolher colegas que ainda não foram escolhidos)...



Abra o projeto de vida que foi compartilhado por seu(sua) colega, navegue pela história e pelo projeto de vida que lhe são apresentados... Continuando o Momento 2...

379 Figura 51 - Slide com orientações do momento 2 - parte 3



Durante a leitura, reflita de que maneira você pode auxiliar na concretização do projeto de vida de seu(s) colega(s)? Há algo que vocês podem fazer em conjunto? Quais ações e meios você pode sugerir para que ele(a) concretize o projeto de vida desenhado? Por quê?



Registre no fórum, no tópico de seu(sua) colega, suas reflexões e sentimentos e dialogue com eles sobre suas sugestões...



Agora, novamente, aquiete-se um pouco e reflita: Quais sugestões seus colegas fizeram a respeito do seu projeto de vida? O que você pensa a respeito delas? Com base nelas, como você pode repensar o seu projeto de vida? Como aprimorá-lo? Quais ações conjuntas podem ser feitas? Para finalizar o Momento 2...

380 Figura 52 - Slide com orientações do momento 2 - parte 4



Todos esses diálogos e trocas poderão ocorrer ao longo de todos o período até dia 29 de julho.



Podem ser feitos de maneira fluída, em dias alternados.



Aproveitem todos esses momentos de diálogo para refletirem sobre novas possibilidades, ampliar olhares, compartilharem experiências, sentimentos e ações!



Afinal, que vida vale viver? O que eu quero viver?

Abraços, Rosinha, Alba e Paula

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