(Tese) PRISÃO E RESISTÊNCIAS: MICROPOLÍTICA DA VIDA COTIDIANA EM UMA PENITENCIÁRIA PARA MULHERES

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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA

TESE DE DOUTORADO ___________________________________________________________

PRISÃO E RESISTÊNCIAS: MICROPOLÍTICA DA VIDA COTIDIANA EM UMA PENITENCIÁRIA PARA MULHERES ___________________________________________________________

FABÍOLA CORDEIRO MATHEUS DOS SANTOS

ORIENTADORA: BILA SORJ. CO-ORIENTADORA: MARIA LUIZA HEILBORN

Rio de Janeiro 2016

Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia

Título: Prisão e resistências: micropolítica da vida cotidiana em uma penitenciária para mulheres

Fabíola Cordeiro Matheus dos Santos

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto

de

Filosofia

e

Ciências

Sociais,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Ciências Humanas (Sociologia).

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Bila Sorj. Co-Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Heilborn.

Rio de Janeiro Julho de 2016

Título: Prisão e resistências: micropolítica da vida cotidiana em uma penitenciária para mulheres Fabíola Cordeiro Matheus dos Santos

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Ciências Humanas (Sociologia).

Aprovada por: _________________________________________________ Presidente; BILA SORJ (PPGSA-IFCS-UFRJ) _________________________________________________ Co-orientadora; Maria Luiza Heilborn (PPGSC-IMS-UERJ) _________________________________________________ José Ricardo Ramalho (PPGSA-IFCS-UFRJ) _________________________________________________ Joanna Vargas (PPGSA-IFCS-UFRJ) _________________________________________________ Silvia Ramos (CESEC-UCAM) _________________________________________________ Rachel Aisengart Menezes (ISC-UFRJ) _________________________________________________ Aparecida Fonseca Moraes (IFCS-UFRJ; Suplente) _________________________________________________ Carla de Oliveira Rodrigues (IFCS-UFRJ; Suplente)

Rio de Janeiro Julho de 2016

FICHA CATALOGRÁFICA

CORDEIRO, FABÍOLA. Prisão e resistências: micropolítica da vida cotidiana em uma penitenciária para mulheres / Fabíola Cordeiro Matheus dos Santos. Rio de Janeiro, PPGSA / IFCS / UFRJ, 2016. xiii, 211 p., il. Tese de Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Bila Sorj. Co-orientadora: Maria Luiza Heilborn. 1. Prisões. 2. Criminalidade Feminina. 3. Relações de Gênero. 4. Micropolítica do Cotidiano. 5. Rio de Janeiro – Teses. I. Sorj, Bila (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia. III. Tese.

Rio de Janeiro Julho de 2016

DEDICATÓRIA

Às mulheres que tiveram a generosidade de compartilhar comigo suas histórias e aos que – direta ou indiretamente – me ajudaram a contá-las. Decerto, eu o faço de modo limitado nesta tese, mas, sempre buscando honrar o compromisso estabelecido com cada uma dessas pessoas.

Aos que me apoiaram ao longo desta caminhada e acreditaram em mim: Ricardo Nobre, Bila Sorj, Maria Luiza Heilborn, Cristiane S. Cabral, Raphael Bispo e Josué Ferreira de Souza (In Memoriam).

Aos que me ensinaram a resgatar a sanidade e me (re)encontrar, Cristiane Camerino e Dr.º Cláudio Nunes.

AGRADECIMENTOS

Mais do que uma etapa de minha formação acadêmica, a conclusão e defesa desta tese de doutorado faz parte de uma longa jornada de superação. Uma jornada tortuosa, cheia de conflitos e tropeços. Os anos que me dediquei a ela foram marcados por angústias. Perder-se de si mesmo, adentrar um labirinto e temer não haver saída possível, mas, ainda assim, escolher não se entregar, nunca desistir. Essa foi uma jornada de batalhas cotidianas, apenas enfrentadas graças ao apoio, à ajuda e aos cuidados de profissionais, familiares e amigos maravilhosos. Desse modo, sair do labirinto e encerrar essa jornada com a alegria de quem se (re)encontrou é um mérito a ser repartido com muitas pessoas. Agradeço imensamente à equipe do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) / IFCS / UFRJ, pelo apoio e a sensibilidade da Comissão de Pós-graduação e de todos os funcionários da instituição. Serei sempre grata pela generosidade. À minha orientadora Bila Sorj, por ter me surpreendido recorrentemente com sua empatia, solidariedade e compreensão. Acredito que poucos colegas tenham tido a grande sorte de contar com uma orientadora tão intelectualmente estimulante, sensata e acolhedora quanto ela, sempre capaz de me incentivar e de impor limites sem perder a ternura. Jamais conseguirei expressar em palavras, ou em ações, o quanto professora Bila foi fundamental nesse momento de minha vida profissional e pessoal. Provavelmente, ela não sabe o quanto. A Maria Luiza Heilborn por todos os anos de aprendizado e trabalho conjunto. Se hoje posso dizer que sou uma pesquisadora, devo muito disso a ela. Obrigada por todas as oportunidades, por todo incentivo e por ter me ajudado a crescer como profissional e como pessoa. Aos membros da banca examinadora por aceitarem avaliar este trabalho, participando e contribuindo para um marco tão significativo em minha trajetória. Ao Projeto History of Modernities and Sexualities do South-South Exchange Programme for the History of Development (SEPHIS), pela bolsa de pesquisa concedida ao longo do ano 2009, quando iniciei a investigação preliminar que se desdobraria no projeto de tese. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio a minha pesquisa, entre os anos de 2010 e 2013, via bolsa de doutorado.

Aos funcionários e ex-funcionários da SEAP-RJ e aos ativistas que me ajudaram a adentrar o universo prisional, facilitando e mediando contatos e autorizações. A Ana Cristina Tonini, pelo diálogo intelectual, as conversas e os dados compartilhados. Aos colegas do Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero (NESEG) / IFCS / UFRJ pela qualidade de suas leituras, críticas e sugestões ao longo do desenvolvimento do projeto de tese: Aparecida Fonseca Morais, Nicolas Kirjakaupassa, Mani Tebet e Carla de Castro Gomes. À equipe do Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) do Instituto de Medicina Social (IMS) / UERJ – seus coordenadores, professores, pesquisadores e funcionários. Orgulho-me pelos anos que fiz parte dessa equipe de profissionais excepcionais. Agradeço, sobretudo, aos queridos: Washington Castilhos, Fábio Grotz, Fábbio Pereira, Jacqueline Costa, Leila Araújo, Horácio Sívori, Ana Paula Uziel, Andreia Barreto, Vanessa Leite e Marcos Nascimento. Como também aos que hoje não fazem mais parte dessa equipe, mas, foram fundamentais durante minha passagem pelo CLAM: Lucas Freire, Gustavo Sagesse, Marcos Carvalho, Margareth Gomes, Paula Lacerda, Maria Elvira Díaz Benítez, Rachel Aisengart Menezes, Maria Gullo, Fabiane Simão, Paula Damasceno, Alfonsina Faya e Angélica Motta. A todos os que me ensinaram e me inspiraram a me tornar uma cientista social, despertando o fascínio pela sociologia e pela antropologia desde a graduação. Em especial, aos professores: Maria Claudia Coelho, Luiz Eduardo Soares, Helena Bomeny, Claudia Barcellos Rezende, Laura Moutinho, Sérgio Carrara, Marcia Arán (In Memoriam), Adriana Vianna, Luisa Elvira Belaunde e Luiz Antônio Machado da Silva. Aos meus indispensáveis uerjianos: Pilar Cintra de Andrade, Guilherme Nogueira, Renata Maynards, Carlos Luz, Marcos Antônio Pereira, Luciana Najan, Julia Baker, Mariza Rodrigues e Clarissa Oliveira. Aos meus amados pais, Vera e Arnaldo, por seu amor e pelo empenho em me ajudar durante essa jornada, mesmo não sabendo como. Obrigada por terem feito o seu melhor. Aos meus sogros, por seus apoios e carinhos incondicionais. Aos meus queridos amigos Cristiane S. Cabral, Josué Ferreira de Souza (In Memoriam) e Raphael Bispo, por terem vivenciado comigo cada obstáculo e cada vitória na última década, pelos conselhos e cuidados.

Ao melhor e mais dedicado marido do mundo, Ricardo Nobre. Eu não aprenderia a seguir em frente se você não tivesse me dado as mãos, me ajudado a levantar. Todo meu amor, hoje e sempre. Por fim e mais importante, a cada prisioneira e egressa que participou desta pesquisa, confiando a mim suas histórias, segredos e o que se passava em sua intimidade, tornando-me um pouco confidente, um pouco cúmplice, de suas agruras, expectativas e práticas cotidianas na prisão. Obrigada por me ensinarem que sempre é possível resistir.

RESUMO

Título: Prisão e resistências: micropolítica da vida cotidiana em uma penitenciária para mulheres Fabíola Cordeiro Matheus dos Santos Orientadora: Bila Sorj Co-orientadora: Maria Luiza Heilborn

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Ciências Humanas (Sociologia). Esta tese apresenta resultados de uma pesquisa sobre mulheres que passaram pela experiência de encarceramento no estado do Rio de Janeiro, Brasil. O foco incide sobre suas experiências e relações no período em que foram internas da Penitenciária Talavera Bruce. Trata-se de uma instituição de segurança máxima para mulheres, localizada no bairro de Bangu, Zona Oeste. O trabalho de campo envolveu a realização de uma curta observação participante na penitenciária, no ano de 2010, e entrevistas semiestruturadas com 20 mulheres, entre os anos de 2009 e 2013. Na primeira etapa de entrevistas, foram entrevistadas egressas e internas em regime aberto. Na segunda, entrevistou-se internas da Talavera Bruce. A prisão se constitui a partir das relações e tensões entre o “dentro” e o “fora”. Buscou-se investigar a micropolítica da vida cotidiana na penitenciária, considerando eixos de significação relevantes nas narrativas das entrevistadas. As principais questões abordadas nesse trabalho são: as formas de sociabilidade; as redes de ajuda; as práticas e alianças afetivo-sexuais e de amizade; a reinvenção das relações de parentesco com a formação de famílias por laços de afinidade no cárcere; e as interações com distintos atores sociais que participam da vida institucional. A inquietação central que perpassa a investigação é a busca pelo entendimento de como, em situações de extrema precariedade, os sujeitos são capazes de reconstruir suas vidas e se reinventarem de formas variadas. Nesse sentido, as interações e negociações entre os distintos códigos vigentes na prisão e seu atravessamento por diferentes eixos de estratificação demonstram como essa instituição é produtora de realidades, dispositivos e mecanismos de poder que têm efeitos sociais variados e dinâmicos. PALAVRAS-CHAVE: PRISÕES – CRIMINALIDADE FEMININA – RELAÇÕES DE GÊNERO – MICROPOLÍTICA DO COTIDIANO – RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro Junho de 2016 1

ABSTRACT

Title: Imprisonment and resistance: micropolitics of everyday life in a female prison Fabíola Cordeiro Matheus dos Santos Orientadora: Bila Sorj Co-orientadora: Maria Luiza Heilborn

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Ciências Humanas (Sociologia). This thesis presents results of a research about women imprisionment in the state of Rio de Janeiro, Brazil. This research approached experiences and relationships of the interviewees about their period in Talavera Bruce Penitentiary, located in Bangu, West Zone of Rio. The data analysed were collected by a short participant observation inside the institution and by 20 interviews conducted in two stages, from 2009 to 2013. The first stage of semi-structured interviews was held outside prison with former inmates and prisoners on parole. In the second stage, interviews were held inside Talavera Bruce. Prison is based on relations and tensions between the 'inside' and the 'outside'. This study aims to investigate the micropolitics of everyday life in the penitentiary, focusing on main axes of signification in women narratives. Some of the key issues dicussed are the inmates‟ practices of sociability; the networks of informal mutual assistance and care between them; the affective-sexual relationships and alliances by friendship; the reinvention of kinship and the formation of families by ties of affinity in prison; and interactions among different social actors that participate of the institutional life. The investigation was crossed as a whole by the aim for understanding how, in extremely precarious scenariums, subjects are able to rebuild their lives and reinvent themselves in different ways. The interactions and negotiations between multiple codes of conduct in prison and the axes of stratification of social life demonstrated how this institution produces realities, dispositifs and mechanisms of power that result in many dynamic social effects. KEYWORDS: PRISON – FEMALE CRIMINALITY – GENDER – MICROPOLITICS OF EVERYDAY LIFE – RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro Julho de 2016 2

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A.D.A.

Amigos dos Amigos

ARP

Associação pela Reforma Prisional

B7

Presídio Nelson Hungria

B8

Presídio Joaquim Ferreira de Souza

CECIERJ

Centro de Ciência e Informação do Estado do Rio de Janeiro

CESeC

Centro de Estudos de Segurança e Cidadania

CLAM

Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos

CNPCP

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

CPI

Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário

CPQP

Centro de Produção e Qualificação Profissional do Estado do Rio de

Janeiro C.V.

Comando Vernelho

DEPEN

Departamento Penitenciário Nacional

DESIPE

Departamento do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro

DP

Delegacia de Polícia Civil

DEPESP

Defensoria Pública de São Paulo

ESSE

Educandário Santo Expedito

FAETEC

Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro

Gericinó

Complexo de Gericinó – Bangu

GEZO

Grupo de Extermínio da Zona Oeste

GTI

Grupo de Trabalho Interministerial

HPRM

Hospital Penal Psquiátrico Roberto Medeiros

IMS

Instituto de Medicina Social

ISAP

Inspetor de Segurança e Administração Penitenciária

Infopen

Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias

LEP

Lei de Execução Penal

MPE

Ministério Público Estadual

NESEG

Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero

Recentemente, esta unidade foi transformada em Cadeia Pública; mas, no período da pesquisa ainda se tratava de uma unidade prisional destinada ao cumprimento dos regimes semi-aberto e aberto.

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OEA

Organização dos Estados Americanos

ONU

Organização das Nações Unidas

ONG

Organização Não Governamental

PAD

Processo Administrativo Disciplinar

PANAISP

Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional

Pastoral

Pastoral Carcerária do Conselho Nacional de Bispos do Brasil

PCC

Primeiro Comando da Capital

PMERJ

Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

PMSP

Polícia Miltar do Estado de São Paulo

PPGSA

Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia

R.D.D.

Regime Disciplinar Diferenciado

SEAP-RJ

Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Estado de São

Paulo SEASDH

Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos

SEPHIS

South-South Exchange Program on the History of Development

SESEG

Secretaria de Estado de Segurança Pública

Sistema

Sistema Prisional Fluminense

SPM

Secretaria Especial de Políticas Públicas para Mulheres

SOE

Grupamento de Serviços de Escolta

Sub

Subdiretora da Penitenciária Talavera Bruce

SUS

Sistema Único de Saúde

TB

Penitenciária Talavera Bruce

T.C.

Terceiro Comando

UERJ

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFRJ

Universidade Federal do Rio de Janeiro

UMI

Unidade Materno-infantil

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SUMÁRIO Apresentação: Ponto de partida.....................................................................................6 Capítulo 1: Os caminhos traçados...............................................................................12 1.1 Uma prisão sui generis..............................................................................................14 1.2 Considerações sobre o trabalho de campo.................................................................17 1.3 Segunda etapa do trabalho de campo........................................................................25 1.4 Por dentro da Talavera Bruce....................................................................................32 Tabela I – Egressas e presas em regime aberto...............................................................39 Tabela II – Internas entrevistadas no TB.........................................................................40 Capítulo 2: Prisões, “crime organizado” e gestão penitenciária no Rio de Janeiro............................................................................................................................41 2.1 Narcotráfico e prisões fluminenses............................................................................48 2.2 E as mulheres no mundo do crime?...........................................................................54 2.3 Criminalidade e conduta desviante............................................................................57 2.4 Instituições de privação de liberdade e construção de si...........................................64 Capítulo 3: Vida cotidiana, redes de ajuda e resistências..........................................69 3.1 O dentro e o fora: porosidades e potencialidades......................................................69 3.2 Ajuda, interesses e afetos...........................................................................................80 3.3 Opressões e resistências.............................................................................................89 3.4 Aprender a ser e (sobre)viver na prisão...................................................................113 3.5 “Fazer” família na cadeia........................................................................................119 Capítulo 4: Poder, relações de gênero e sexualidades..............................................125 4.1 “Questão sexual” e gestão penitenciária..................................................................130 4.2 Hierarquia sexual no cárcere: entre sapatões, lésbicas e mulheres “normais” .......................................................................................................................................138 4.3 Heterossexualidades, visita íntima e conjugalidades...............................................144 4.4 A dinâmica das visitas íntimas................................................................................150 Considerações finais....................................................................................................158 Referências Bibliográficas..........................................................................................161 Anexos...........................................................................................................................193 Anexo 1..........................................................................................................................194 Anexo 2..........................................................................................................................195 Anexo 3..........................................................................................................................200 Anexo 4..........................................................................................................................206 Anexo 5..........................................................................................................................209

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____________________________ PONTO DE PARTIDA _____________________________ Esta pesquisa de tese pretende contribuir para o campo da sociologia da punição e dos estudos sobre criminalidade feminina. A investigação explora as possibilidades de (re) construção e agenciamento da vida em um contexto tão precário e normativo quanto uma prisão para mulheres. Com foco nas narrativas de egressas e internas da Penitenciária Talavera Bruce (mais conhecida como TB), buscou-se analisar o contexto mais amplo do sistema prisional feminino carioca. Isso é possível na medida em que as mulheres entrevistadas circularam por diferentes unidades desse sistema até chegarem ao TB – unidade tida como referência em tratamento penal no país. Durante o período de realização do trabalho de campo (entre os anos de 2010 e 2013), havia na cidade do Rio de Janeiro quatro unidades prisionais para mulheres: o Presídio Nelson Hungria (Bangu 7 ou B7), a Penitenciária1 Joaquim Ferreira de Souza (Bangu 8 ou B8) e a Penitenciária Talavera Bruce (TB); além, de uma Unidade Materno-infantil (UMI). Havia também alas destinadas a mulheres na Casa do Albergado Crispim Valentino (unidade de regime aberto), no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho e no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Penal Roberto Medeiros. Em decorrência da superlotação das prisões cariocas e da morosidade da justiça criminal, também eram facilmente encontradas alas femininas nas carceragens de delegacias fluminenses. O Presídio Nelson Hungria (Bangu 7) é uma unidade de regime fechado, no Complexo de Gericinó (bairro de Bangu) com capacidade para mais de 500 presas2. Até recentemente, quando transferidas das carceragens das delegacias, mesmo as presas condenadas a longas penas eram levadas para lá antes de serem encaminhadas para a Penitenciária Talavera Bruce. Assim, o Nelson Hungria servia como uma espécie de 1

Recentemente, essa unidade foi convertida em uma Casa de Custódia para mulheres.

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Esse número corresponde a uma estimativa informada por uma agente penitenciária, já que não há registros oficiais.

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unidade de entrada no sistema prisional e de triagem das presas. O presídio abriga uma biblioteca, um curso de informática, uma escola de ensino fundamental e um curso prévestibular. Dados disponíveis 3 indicam que, até 27 de Agosto de 2007, oitenta e seis internas desempenhavam atividades de trabalho – apenas seis delas tinham ocupações não remuneradas. Essas atividades abrangem funções como faxina (ocupação em serviços de limpeza, secretaria, zeladoria, como auxiliar administrativo, cozinheira e distribuição das refeições às demais internas). Na primeira metade dos anos de 2010, a unidade também ganhou um salão de beleza e algumas oficinas de trabalho, como a de costura e uma padaria. A Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza (Bangu 8), também localizada no Complexo de Gericinó, era uma unidade de regime semi-aberto até cerca de três anos atrás. Ao invés de uma unidade de transição, funcionava como uma prisão de regime fechado. As internas não podiam circular livremente pelas galerias; o banho de sol era restrito a uma ou duas vezes por semana, durante cerca de uma hora e meia. Segundo depoimentos, as grades das janelas da cadeia eram cobertas por chapas de metal, o que impedia uma boa circulação de ar e tornava o calor intenso. Não havia convênios que permitissem às internas conseguir um posto de trabalho que possibilitasse a saída da unidade por algumas horas e a reinserção no mercado de trabalho. Antes de se tornar uma Casa de Custódia, essa penitenciária não oferecia a possibilidade de acesso ao sistema público de educação, contando apenas com um projeto de alfabetização funcionando em local improvisado. Quarenta e oito prisioneiras desempenhavam atividades de trabalho (remunerado ou, não) até 06 de Maio de 20064; todas classificadas para remissão de suas penas. As ocupações disponíveis na unidade abrangiam as funções mais comuns de faxina, além dos serviços de manicure ou cabeleireira em um salão de beleza, de costureira em uma confecção de roupas e de artesã em uma oficina de artesanato. A Penitenciária Talavera Bruce é uma unidade de regime fechado que abriga cerca de 320 internas. Até o início da década de 1990, foi a única penitenciária feminina

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Os dados aqui citados foram encontrados nos relatórios das visitas de fiscalização da Associação pela Reforma Prisional (ARP) às prisões do Estado do Rio de Janeiro, em teses e artigos acadêmicos e em informações fornecidas pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). 4

Essa informação advem dos relatórios das visitas de fiscalização da ARP a essa instituição. Disponível em: http://www.arp.org.br .

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do estado. Com o surgimento de novas unidades, passou supostamente a ser destinada as presas com penas de longa duração. No TB, as internas têm acesso a mais oportunidades de escolarização e capacitação profissional que em outras prisões femininas do estado. A penitenciária é atendida por uma escola estadual, por um curso pré-vestibular e por cursos de artesanato, informática, reciclagem de papel, música e dança. As possibilidades de ocupação (remunerada ou não) incluem trabalho em cooperativas de costura e artesanato, na padaria, no salão de beleza e na fábrica de fraldas instalados na instituição. Além, de ocupações na fábrica de quentinhas, na elaboração do jornal das internas (o “Só Isso”) e trabalhos na conservação da penitenciária. A fábrica de fraldas, uma das principais fontes de emprego na unidade, foi fechada pela Fundação Santa Cabrini5 em meu último dia na unidade, o que causou grande revolta em internas e funcionários da fundação. Antes disso, estimava-se que cerca de 140 internas estivessem empenhadas em atividades de trabalho. Todavia, em agosto de 2014, a Santa Cabrini inaugurou seu terceiro Centro de Produção e Qualificação Profissional (CPQP III) dentro da Talavera Bruce6. Segundo a Fundação, os cursos de manicure, cabeleireira, maquiagem, penteados e costura oferecidos são capazes de atender até 120 internas por ano7. 5

A Fundação Santa Cabrini é uma instituição criada pelo decreto de lei n.º 360, de 22 de Setembro de 1977, para auxiliar em atividades de reabilitação e reinserção social da população carcerária fluminense. A entidade é responsável pelo gerenciamento de todas as atividades de trabalho realizadas por internos do sistema prisional, pela comercialização dos produtos de seu trabalho e por sua remuneração. Ademais, a partir do decreto de lei 41.425, de 6 de Agosto de 2008, foi determinado pelo governo do estado a formação de uma estrutura técnico-operacional pela constituição de um corpo administrativo e financeiro capaz de cumprir com as obrigações implicadas no estatuto interno da fundação – com destaque para o provimento de educação profissional aos internos, presos em regime aberto, semi-aberto e em liberdade condicional; bem como orientação social vinculada à atividades laborais para eles e seus familiares. O decreto também determinou que tal corpo técnico fosse selecionado por concurso público. O primeiro concurso, anunciado durante o evento de celebração pelos 37 anos da Santa Cabrini em 2014, foi realizado em dezembro do mesmo ano. Esse foi o único concurso realizado pela Fundação até junho de 2016 e pretendeu preencher 69 vagas para cargos de nível médio e superior. Todavia, em decorrência da enorme crise financeira do estado do Rio de Janeiro, não há previsão para a convocação dos aprovados. 6

O primeiro CPQP (CPQ1) foi inaugurado em 2008, no bairro Rio Comprido, Zona Norte do RJ, em parceria com a FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado Rio de Janeiro) e possui oficina de costura, oficina de serviços gráficos (em parceria com o Centro de Ciência e Informação do Estado do Rio de Janeiro – CECIERJ), ateliê de artesanato, sala de leitura; além de oferecer cursos de línguas (inglês e espanhol) e infomática, entre outros. O CPQ II, intitulado projeto “Reconstruindo a Liberdade”, foi instalado na Penitenciária Esmeraldino Bandeira, no Complexo de Gericinó, em parceria com a SEAP-RJ e a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro). O projeto engloba uma fábrica de “tijolos sociais” e cursos de formação para pedreiro. 7

Dados dos relatórios de atividades 2014 e 2015 da Fundação Santa Cabrini. Disponíveis em: http://www.santacabrini.rj.gov.br/.%5Cdocs%5Crelatorio2014.pdf e http://www.santacabrini.rj.gov.br/docs/rel2015.pdf . Acesso em: janeiro de 2015.

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A estrutura física da instituição preserva em grande parte a arquitetura original, o que a difere enormemente dos demais estabelecimentos prisionais para mulheres no país. Há áreas abertas para circulação das internas, quadra de esportes, biblioteca, sala de leitura e até os anos 2000, uma horta hidropônica. Cabe também destacar que, segundo relatos etnográficos, o jornal Só Isso, onde trabalham 6 internas, foi uma estratégia importante de negociação com o poder institucional (Souza, 2005). Fundado em 2004, por duas internas estrangeiras e uma brasileira com apoio da direção da Penitenciária, até a primeira metade da última década, o jornal recebeu patrocínio e auxílio técnico de uma ONG carioca, que também ajudou a divulgar a iniciativa na mídia impressa e digital. O pagamento das internas que trabalhavam na publicação advinha dos recursos recebidos dessa ONG. O objetivo do Só Isso era divulgar as histórias de vida das presas e, sobretudo, o cotidiano na prisão; além promover o diálogo entre as internas. A visibilidade adquirida pela publicação, que chegou a ser distribuída em todo o sistema prisional, a tornou alvo de intensa censura da SEAP-RJ que, segundo Souza (2005, p.82), vetava “a publicação de 30% das matérias” por conter reclamações. Não obstante, o receio de expor publicamente a direção da unidade de forma negativa faz com que a censura às matérias, por vezes, tenha como contrapartida a resolução de alguns dos problemas pontuais das internas (Souza, 2005). Outro diferencial do TB é que a vida social nessa instituição é intensa. São freqüentes eventos e projetos culturais, como festas temáticas, apresentações de dança, festivais de música, concursos de talentos. Não raro, tais eventos têm como convidados autoridades políticas, familiares das internas e ONGs e entidades religiosas atuantes na instituição. Em geral, as ONGs e, sobretudo, as Igrejas patrocinam e auxiliam na organização dos eventos realizados. Segundo funcionários e ex-internas, até recentemente, facções criminosas cariocas também faziam doações para a realização de festas na unidade. Um dos eventos anuais, que desperta grande atenção da mídia nacional, é o concurso Garota TB. Um concurso de beleza que existe há seis anos. Nas primeiras edições, a participação era restrita às internas da unidade; mas, atualmente, mulheres que cumprem pena nos demais estabelecimentos prisionais femininos do Estado também podem se inscrever no concurso. As oportunidades educacionais, profissionais, culturais e de lazer existentes na Talavera motivaram nos últimos anos reportagens em distintos veículos de mídia que, com freqüência, destacam o caráter

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modelar da instituição e seu lugar sui generis no contexto prisional brasileiro. Discurso esse, contraposto pelo de representantes de ONGs, por exemplo, que enfatizam a existência de práticas violentas rotineiras contra as internas na instituição. Cabe destacar também que, até o final dos anos 2000, a Unidade Maternoinfantil do Complexo Gericinó pertencia à Talavera Bruce. Mas, atualmente, a UMI possui administração independente, embora ainda esteja localizada no terreno da penitenciária. A UMI é constituída por uma creche que permite o contato cotidiano entre as internas e seus filhos até que completem um ano de idade8. É a única unidade desse tipo no estado do Rio de Janeiro. Nesta tese, os dados apresentados foram coletados em duas etapas de trabalho de campo: 1º) entrevistas em profundidade com 8 egressas e 3 presas em regime aberto, entre setembro de 2009 e setembro de 2013; 2º) Observação participante na penitenciária entre janeiro e março de 2010, com a realização de 9 entrevistas em profundidade com internas. O recorte dado ao material privilegiou aspectos da organização da vida social e política na Penitenciária Talavera Bruce. Isto é, o modo como diferentes códigos sociais são constantemente negociados, orientam, constrangem e possibilitam as práticas cotidianas nesse universo. Refiro-me especificamente a três tipos de códigos: os códigos formais (no caso, o código penal e a LEP), o código institucional (que decorre do estilo de gestão dos que dirigem a instituição em um dado período,) e os códigos instituídos pelas internas no convívio. Ao longo dos capítulos que se seguem, buscou-se também demonstrar a relevância – e mesmo, a inevitabilidade – de discutirmos representações, performances e convenções sobre gênero e sexualidade quando abordamos a instituição prisional. Com outros marcadores sociais e simbólicos – tais quais, raça / etnia, religiosidade, classe social e nacionalidade, – gênero e sexualidade são categorias que ajudam a dar sentido à prisão como lócus de produção de novas formas de gestão da vida e de reconfiguração das fronteiras entre o Estado e suas margens. Nesse sentido, procura-se demonstrar como discursos sobre gênero, sexualidade, relações familiares e afetividades

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O tempo que o bebê de uma interna permanece na UMI pode variar em função de orientações da SEAPRJ, de determinações da gestão da unidade, ou da vontade da própria prisioneira de que seu bebê não fique “preso” com ela. Mas, em geral, tende-se a garantir a permanência da criança com a mãe durante o período de amamentação.

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se articulam na construção de gramáticas normativas que repercutem diretamente nas possibilidades de gestão da vida pelas mulheres presas no TB. Esse trabalho visa traçar pontos de partida e explorar possibilidades a partir dos dados coletados. Apesar da riqueza do material empírico, não é preciso dizer que ele corresponde a uma ínfima parcela do universo estudado. Não há, assim, qualquer presunção de que as análises que se seguem possam embasar generalizações acerca da experiência prisional brasileira. Acrescente-se que a proposta de pensar de forma mais ampla a gestão da vida em uma situação-limite como a prisão, requer ainda um maior investimento em investigar os diferentes sujeitos e instituições que constituem o sistema prisional. Não obstante, o esforço realizado aqui certamente contribui para colocar novas questões e recolocar tópicos já conhecidos sobre criminalidade feminina e acerca da vida na prisão. Por fim, é importante destacar que o texto pretendeu alinhavar, em um diálogo constante, teorias, conceitos e temas caros à literatura sobre encarceramento com os resultados da pesquisa. Nesse sentido, dados são apresentados e analisados em cada capítulo e não há uma divisão “ortodoxa” entre eles. Algumas questões cruciais repetem-se, são analisadas por ângulos distintos, complexificam-se na medida em que o texto avança. A opção por tal estilo tem a ver com o objetivo de valorizar os olhares e narrativas dos personagens retratados sem perder a dimensão de suas formas e possibilidades de inserção social, bem como os contextos particulares e o contexto mais amplo que dão sentido a suas trajetórias e práticas sociais.

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________________________________________ 1. OS CAMINHOS TRAÇADOS ________________________________________ “O que é fascinante nas prisões é que nelas o poder não se esconde, não se mascara cinicamente, se mostra como tirania levados aos mais ínfimos detalhes e, ao mesmo tempo, é puro e inteiramente „justificado‟, visto que pode inteiramente se formular no interior de uma moral que serve de adorno ao seu exercício: sua tirania brutal aparece então como dominação serena do Bem sobre o Mal, da ordem sobre a desordem”. Michel Foucault (2006 [1976]).

Em 2009, graças à bolsa de pesquisa recebida através do projeto “History of Modernities and Sexualities” da South-South Exchange Programme for Research on the History of Development (SEPHIS), pude iniciar minha história com a Penitenciária Talavera Bruce. Os doze meses de bolsa me permitiram investigar os modos de gestão da sexualidade9 no contexto da penitenciária em três momentos de sua história institucional: nas décadas de 40 e 50, nos anos de 1980 e nos anos 2000. Realizada no âmbito do CLAM / IMS / UERJ e supervisionada à distância pela antropóloga Saskia Wieringa10, a investigação serviu como estudo exploratório para a pesquisa de tese aqui apresentada. Contudo, se em um primeiro momento o objetivo era conduzir um estudo sobre sexualidade, gênero e disciplinas como indicava meu projeto de tese – submetido ao processo seletivo do PPGSA/UFRJ no segundo semestre de 2009, – as leituras, discussões e orientações dos últimos seis anos conduziram a um inevitável deslocamento nos objetivos da pesquisa. Nesse sentido, o trabalho de campo no interior da instituição, realizado no primeiro semestre do ano de 2010, também foi fundamental por abrir um novo horizonte de possibilidades ao entendimento do modo como as pessoas submetidas ao 9

“The notion of „managing sexuality‟ involves two dimensions. The first is the subjection of inmates‟ sexuality to institutional monitoring and intervention by the deployment of disciplinary mechanisms. The second dimenson concerns the exercise of sexuality and inmates‟ sexual and emotional relations while in jail. Drawing on my research at the Talavera Bruce facility I aim to understand how these disciplinary practices operate within the web of social relations and everyday life in prison, as well as their efects on the ways sexuality is exercised by the inmates” (CORDEIRO, 2013, p.225). 10

Saskia Wieringa é professora e pesquisadora sênior da Universidade de Amsterdan, Holanda; e diretora do Centro Internacional de Informação e Arquivos sobre o Movimento de Mulheres na mesma cidade.

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encarceramento naquele espaço criavam mecanismos e estratégias de gestão de suas vidas cotidianas. Gênero e sexualidade continuaram a se destacar como marcadores sociais e simbólicos fundamentais para compreender aquele universo, mas, nunca isolados de suas intersecções com outros marcadores tão importantes quanto – classe, religiosidade, raça/etnia. Fruto de um inquietante percurso pessoal e intelectual, a pesquisa para a tese investigou práticas de sociabilidade cotidianas e recursos políticos, materiais e simbólicos acionados e produzidos por mulheres egressas e internas da Penitenciária Talavera Bruce – uma unidade prisional de segurança máxima no Estado do Rio de Janeiro. A partir dos discursos e representações dessas mulheres sobre a condição de prisioneiras, suas trajetórias dentro e fora da prisão e suas práticas de sociabilidade no mundo institucional, buscou-se compreender as formas de gestão e organização da vida em tal contexto. A escolha por investigar as experiências de egressas e internas dentro dessa instituição específica decorreu das peculiaridades da unidade prisional diante do conjunto das demais prisões para mulheres no Rio de Janeiro. A Penitenciária Talavera Bruce goza de fama de prisão exemplar, amplamente divulgada na mídia 11; desperta interesse frequente de ONGs e grupos religiosos (sobretudo, daqueles denominados evangélicos); é propagandeada como penitenciária modelo pela Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP-RJ). Tal fama contrasta com os relatos não oficiais de ativistas e profissionais do sistema prisional que já passaram por lá, sobretudo, o de internas e egressas. Para uma instituição prisional de segurança máxima, a Talavera Bruce possui uma intensa agenda social e cultural; além de dispor de mais vagas de trabalho formal12 que as demais unidades prisionais para mulheres. Acrescente-se que a penitenciária

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Um bom exemplo é a matéria jornalística O Inferno Não é Aqui, publicada na respeitada revista Carta Capital, em 16 de maio de 2008: “A boa fama do lugar transformou uma estadia no Talavera Bruce algo desejável entre as condenadas. Há presas que preferem permanecer lá, encarceradas 24 horas por dia, do que migrar para unidades com sistema semiaberto, onde a violência e os maus-tratos imperam. / Qual o milagre? Nenhum. Apenas disposição e competência. Algo que deveria ser padrão, mas infelizmente é exceção no sistema prisional brasileiro. “Não abro mão do que elas têm de me dar, a disciplina, mas não rejeito minha obrigação, de oferecer um lugar humanizado, assistência médica e esmero sempre”, diz o diretor, André Luís de Azevedo, pastor evangélico e ex-soldado da PM [Polícia Militar] que saiu das ruas para trabalhar no sistema prisional”. 12

O Infopen 2015 (referente a junho de 2014) registrou que cerca de 55% dos estabelecimentos prisionais do país indicam a presença de pessoas privadas de liberdade exercendo atividades laborais. Os piores quatros foram o de Sergipe (onde apenas uma unidade prisional teria internos trabalhando,) e o do Rio de Janeiro (que reportou trabalho em apenas 15% de suas unidades).

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possui uma configuração espacial bastante incomum se comparada a das demais prisões do Estado. Em suas instalações, há celas individuais (os chamados cubículos) e mais espaços de convívio social e circulação do que em qualquer outra instituição semelhante. Assim, as internas não precisam ficar trancafiadas em celas 24 horas por dia. As singularidades arquitetônicas da unidade instigam o “mito” de que no passado ali funcionara um convento13, o que remonta a história pouco conhecida da instituição.

1.1. Uma prisão sui generis Segunda prisão específica para mulheres construída no Brasil, em 194214, a Penitenciária de Mulheres, como era originalmente chamada, foi produto da reforma penal15 realizada no período do Estado Novo (SOARES E ILGENFRITZ, 2002). Tal reforma ocorreu em um contexto de grandes transformações sociais, de intensa centralização do poder de coerção pelo Estado e de penetração no país de discursos modernos sobre humanização e individualização do sistema penal (LIMA, 1983). Até então, mulheres condenadas por crimes – em sua maioria, prostitutas, ladras, estelionatárias, mulheres que fizeram aborto ou cometeram infanticídio – eram alocadas em alas ou em extensões das casas de correção e de detenção, cuja população total era quase exclusivamente masculina. Na grande maioria dos estabelecimentos do país não havia separação dos presos por sexo. Para um dos mais proeminentes reformistas do período e idealizador das prisões para mulheres no país, Lemos Brito (1945), era preciso adequar as práticas penitenciárias no país às “boas” normas científicas, sempre considerando as “lições”

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A história de que ali haveria um convento antes da construção da penitenciária é contada pelos próprios funcionários da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP-RJ) como história oficial da instituição. Ver Lima, 1983; e Ilgenfritz e Musumeci, 2002. 14

A primeira foi inaugurada no Estado de São Paulo no ano anterior.

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A reforma envolveu mudanças na legislação penal, que abrangeram o Código de Processo Penal e a Lei de Contravenções Penais. Esta reforma também introduziu no código penal noções, como: prisão preventiva (ordem de prisão anterior a ocorrência do julgamento e efetiva condenação do sujeito contra quem há evidencias de ter cometido um crime); prisão em flagrante (prisão efetuada no momento do cometimento do delito, ou logo em seguida, desde que a situação faça presumir ser o acusado o autor da infração); e periculosidade (possível detenção, mediante inquérito policial, de indivíduos que, embora não tenham cometido um crime, são considerados perigosos por seus antecedentes criminais ou por suas personalidades / desobediência civil).

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aprendidas com a experiência. Uma das principais características da reforma foi a consolidação do deslocamento do foco da questão do crime para a figura do criminoso, tendência que se espraiava pelos discursos da intelectualidade brasileira e pelo sistema criminal desde fins do século XIX16 (SCHWARTZ, 2001). Não obstante, tais discursos sobre criminalidade se expandiram para além do caráter intrinsecamente delinquente do criminoso, abarcando a degradação gerada pela pobreza como um de seus elementos causais (LIMA, 1983). Para os reformistas, o alardeado aumento nos índices da delinquência de mulheres, as particularidades da “natureza” feminina e a promiscuidade das prisões mistas teriam tornado a construção de presídios separados para elas um imperativo, com vistas à maior eficiência e humanização do sistema penal (LEMOS BRITO, 1942). A fundação da Penitenciária de Mulheres no Rio de Janeiro, em 1942, sob a direção de Vitório Capanema, foi um dos marcos de implementação de um novo modelo penitenciário. Embora outras prisões de mulheres tenham sido instaladas à mesma época, a especificidade dessa instituição se deve ao fato de que, nas palavras de seu primeiro diretor: Nesta casa nada foi inovado, nada foi organizado, nada copiado de outras casas cujos destinos sejam idênticos; nesta casa nada há de estrangeirismos, tudo é feito de início, novo; tudo foi organizado do princípio, tudo é sui generis à própria casa e é puramente brasileiro (VITÓRIO CAPANEMA, 1944).

A implementação da Penitenciária de Mulheres surgiu como uma estratégia disciplinar experimental tipicamente brasileira, efeito da intensificação do controle e da intervenção do Estado sobre os corpos das mulheres pobres, em um processo que resultou na fabricação da figura da “mulher criminosa”17. As irmãs da Congregação do Bom Pastor, especializadas na condução de internatos, foram designadas para cuidar da instituição, estabelecendo uma rotina de ensino religioso e prendas domésticas para as internas.

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Tais discursos consistiam em análises e práticas médicas e jurídicas que tomavam o “problema” da miscigenação racial no país por elemento causal da “degenerescência” da população. Até finais da década de 1920 eram elaborados perfis de criminosos, através das técnicas da antropometria e da antropologia criminal, com base nas características e atributos de personalidade, intelectuais e físicos associados aos negros, mas, sobretudo, aos mestiços.Ver Schwartz, 2001). 17

Ver Lima 1983; Soares e Ilgenfritz, 2002.

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O projeto arquitetônico original, seguindo as orientações de Lemos Brito, buscava diferenciar-se daquele direcionado aos condenados do sexo masculino (VIANA, 2009). As celas eram coletivas e não havia celas para o isolamento (castigo). Nas janelas, ao invés de grades, basculantes. A estrutura física da prisão clássica, baseada no isolamento do preso, foi preterida por uma disciplina moral e corporal mais intensas. A proposta implicava vigilância exaustiva, que buscava antecipar cada falta e pressupunha uma “natureza” feminina caracterizada pela tendência à servidão e a condescendência. Cada período do dia era programado e cada pequena infração às regras era registrada. Sobre tal modelo, Lima (1983, p.75) ressalta que: A prisão feminina deve ser um fato de exclusão da prisão masculina, tanto quanto a mulher é definida como aquilo que o homem não é, como o „outro‟. (...) Lar e prisão são as duas faces de uma mesma vontade de exclusão-inclusão que se reserva à mulher na sociedade. (...) uma técnica de aceitação da posição subordinada.

Em um cenário de intenso debate entre distintos setores da intelectualidade sobre os processos de modernização do país e acerca da importância de preservação da família e da honra para o futuro da nação18, proliferaram-se discursos sobre as mulheres e a criminalidade. Tais discursos, que articulavam representações sobre gênero, família, honra e identidade nacional, se materializaram na Penitenciária de Mulheres. Hoje, passadas mais de sete décadas de sua fundação, apesar de enormes transformações socioeconômicas, políticas e culturais, de todas as mudanças no sistema de justiça criminal e no sistema penal, bem como nas pedagogias de encarceramento feminino no país e no mundo, pode-se afirmar que o passado deixou marcas significativas na instituição. De uma perspectiva analítica, trata-se de um caso que ainda pode ser considerado exemplar no sentido do lugar que ocupa nos discursos sobre criminalidade feminina e prisão no Estado do Rio de Janeiro e no Brasil; e também no imaginário dos que, de algum modo, interagem com esse universo. As transformações arquitetônicas ocorridas ao longo da história da penitenciária, com a construção de celas individuais e de castigo (as chamadas surdas) ainda na década de 1950, a construção de um anexo na década de 1970 para separar presas comuns de presas políticas, a discriminação de celas individuais próprias para visitas íntimas (o “parlatório”) no final da década de 1990 – 18

Ver Rohden, 2001.

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entre outras –, são emblemáticas de distintos momentos da história política e social do país, das técnicas de punição aqui desenvolvidas e das transformações nos discursos e representações sobre a mulher na sociedade. Desse modo, buscar-se-á apontar ao longo deste trabalho como a singularidade da Penitenciária Talavera Bruce se delineia quando considerado o universo carcerário feminino do Rio de Janeiro na atualidade.

1.2. Considerações sobre o trabalho de campo

Entre 1990 e junho de 2014, houve um incremento de 557% da população carcerária brasileira – a estimativa é de 607.731 pessoas distribuídas em um total de 1.424 unidades prisionais. Dentre elas, 508 unidades são destinadas ao encarceramento de mulheres; sendo apenas 58 prisões exclusivas para elas – as demais 450 unidades são mistas (atendem a ambos os sexos). Estima-se que a população carcerária fluminense corresponda a 39.321 indivíduos do total de prisioneiros no país. Até junho de 2014, o Infopen (2015) registrou que das 50 prisões do Estado do Rio de Janeiro, 10 19 unidades carcerárias eram destinadas à reclusão de mulheres: 5 penitenciárias, 1 cadeia pública, 1 sanatório penal e 2 hospitais de custódia e tratamento penitenciário (unidades mistas), 1 maternidade/creche e 1 patronato, que somados tinham capacidade para comportar 1.563 presas20. Estima-se que havia um déficit de 345 vagas nessas unidades em dezembro 2011 (Projeto Mulheres / DEPEN, 2012). Contudo, mesmo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) destaca, em relatório sobre a situação das mulheres presas em todo o país (produzido no âmbito do Projeto Efetivação dos Direitos das Mulheres do Sistema Penal), a inconsistência dos dados fornecidos pela SEAP - RJ sobre essas instituições21. Como enfatizam as observações do relatório: Percebe-se as inconsistências nas informações prestadas pelo Estado: c) informa possuir crianças em unidades prisionais masculinas. Acredita-se tratar de uma unidade mista; d, e, f, g, h) informa 19

Durante a pesquisa de campo para esta tese (2009 - 2013), havia também uma Casa do Albergado atendendo às mulheres encarceradas do estado. 20

Dados Projeto Mulheres / DEPEN, 2012.

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Tais inconsistências em prestar contas da situação do sistema penal local não é exclusividade do Estado do Rio de Janeiro. Como aponta o relatório, nenhum estado transmitiu ao Governo Federal dados que não apresentassem incongruências significativas.

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quantitativo inferior de mulheres presas por regime em relação ao valor total de mulheres presas”. “Percebe-se inconsistências nas informações prestadas pelo Estado, pois o quantitativo de mulheres presas por grau de instrução não condiz ao valor total de mulheres presas. (PROJETO MULHERES / DEPEN, 2012, p.44).

Como pesquisadora, minhas tentativas de obter junto a SEAP-RJ dados oficiais sobre as unidades prisionais que abrigam mulheres no Estado não foram bem sucedidas. Contudo, encontrei dados sobre a Penitenciária Talavera Bruce na primeira metade dos anos 2000, produzidos por outra pesquisadora (dados de segunda mão). Em pesquisa para sua dissertação de mestrado apresentada à Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Souza (2005) realizou um estudo em duas etapas – quantitativa e qualitativa – sobre essa penitenciária. Na fase quantitativa do estudo, a autora conseguiu viabilizar a construção de um banco de dados a partir das fichas de classificação das 291 internas ali aprisionadas no ano de 2004. Então, servidora da SEAP-RJ, o que lhe permitiu um acesso privilegiado ao campo, Souza coletou informações sobre as faixas etárias, as idades em que cometeram os delitos pelos quais foram condenadas, os tipos de delito e a duração das penas do conjunto das internas. Seus dados demonstram que, embora se trate de uma unidade prisional de segurança máxima, naquele momento 9,65% das prisioneiras cumpriam penas inferiores a quatro anos de reclusão. Cerca de 52,23% delas havia sido condenadas de quatro a dez anos. Ademais, o tráfico de drogas aparece como o principal delito cometido – 159 das 291 internas foram presas por crimes que configuram tráfico; sobretudo, as menores de 29 anos. Entre as maiores de 40 anos, estavam concentrados cerca de 40% dos casos de furto. Apesar da impossibilidade de obter dados mais recentes que não apresentassem incongruências, a partir do trabalho de campo – ao longo das entrevistas em profundidade com egressas e internas do sistema, de conversas informais com funcionários e de observação participante –, procurei obter informações não oficiais, ao menos, sobre as unidades do Complexo de Gericinó, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Trata-se de um conjunto de 25 unidades prisionais masculinas e femininas localizadas no bairro de Bangu, Zona Oeste da cidade; entre elas: 2 hospitais, 1 sanatório penal, uma maternidade / creche e oito presídios e cadeias públicas. Por vezes, descrevo ao longo deste trabalho apenas as instituições que figuram nas narrativas das 18

entrevistadas. Todavia, o mais importante aqui não é a factualidade dos dados sobre a estrutura física dessas prisões, ainda que tenha buscado confrontar o maior número de declarações possíveis (de internas, ISAPs e funcionários da SEAP-RJ) para melhor compreender as similaridades e especificidades de cada lugar e as experiências vivenciadas pelas informantes. Sabe-se que todo conhecimento é sempre um conhecimento mediado e intersubjetivo22; e é pela interação com minhas “nativas” 23 que busco apreender o universo das prisões femininas cariocas. Nesse sentido, cabe lembrar que, como aponta Cardoso, em uma etnografia, que é mais substantiva do que adjetiva, “(...) a relação intersubjetiva não é o encontro de indivíduos autônomos e autossuficientes. É a comunicação simbólica que supõe e repõe processos básicos responsáveis pela criação de significados e de grupos” (1986, p.103). Observar com o intuito de construir cadeias de significação é algo que exige de pesquisadores um contínuo investimento na análise de sua própria perspectiva, no questionamento acerca de suas possibilidades em termos de apreensão da realidade social que se propõe a investigar. Durante todo esse trabalho, busquei seguir esse protocolo. A pesquisa para a tese desenvolveu-se em duas etapas: entrevistas em profundidade com 11 egressas e internas em regime aberto, realizadas de setembro de 2009 a setembro de 2013, passando por períodos de interrupção e retomada no trabalho de campo; e observação participante e 9 entrevistas em profundidade com internas nas instalações da Penitenciária Talavera Bruce, realizadas entre janeiro e março de 2010 24. Estabeleceu-se como critério de seleção das egressas e presas em regime aberto 22

“(...) o conhecimento antropológico é imediatamente uma relação social, pois é o efeito das relações que constituem reciprocamente o sujeito que conhece e o sujeito que ele conhece, e a causa de uma transformação (toda relação é uma transformação) na constituição relacional de ambos” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p.113-114). 23

Compartilho a crítica de Appadurai (1983) à utilização tradicional da designação nativo pelos antropólogos; contudo, aqui me parece apropriada a utilização desse termo enquanto categoria êmica que ajuda a entender como me relacionei com essas mulheres que aceitaram compartilhar comigo suas histórias. Não se pode negar que a relação entre pesquisador e pesquisados está longe de ser uma relação igualitária. O pesquisador é quem detém o poder de descrever e analisar a relação, de decidir como apresentar o outro e contar aquela história que lhe foi confiada. Ainda que se busque objetividade, só é possível uma aproximação da realidade a partir de uma perspectiva particular. 24

Todas as entrevistadas concordaram em assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em respeito aos princípios éticos encampados pela Declaração de Helsinki e pela Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa brasileiro. Ver o modelo do termo em Anexo 1.

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entrevistadas o fato de terem cumprido ao menos um ano de suas penas no TB (como a instituição é chamada por egressas, internas e funcionários,). Não houve restrição em termos de faixa etária, o que permitiu entrevistar mulheres que passaram períodos variados na instituição, bem como perceber como se dão as relações intergeracionais nesse contexto. Foi utilizado roteiro aberto semi-estruturado25 nas duas fases da pesquisa, com as devidas adaptações para os dois grupos de entrevistadas (egressas e internas em regime aberto e internas do TB). As questões do roteiro abrangiam dados sociodemográficos, origem familiar, trajetória escolar e laboral, trajetória afetivosexual, entrada na criminalidade e trajetória na prisão. Inicialmente, pretendia utilizar como única metodologia uma imersão etnográfica na penitenciária e não as entrevistas. Contudo, dificuldades relacionadas à obtenção de autorização para trabalho de campo junto a SEAP-RJ inviabilizaram tal estratégia, tornando necessária a busca por outras possibilidades de desenvolver a pesquisa. A SEAP-RJ exigiu a firmação de Convênio com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – instituição onde eu atuava como pesquisadora na época. O processo se arrastou ao longo de quase todo o ano de 2009, dadas as sucessivas avaliações e reavaliações da proposta. Esta pesquisa constava do Convênio e foi assinada junto com ele. Então, um novo processo burocrático foi instaurado para que fosse enviada a documentação necessária à direção da Talavera Bruce; o que levou mais de dois meses. Houve uma primeira tentativa de iniciar o campo na instituição na segunda semana de novembro de 2009. Contudo, mudanças na administração da penitenciária por duas vezes naquela semana, implicaram adiamento dadas as “instabilidades” na unidade. Nova autorização só foi obtida em janeiro de 2010. Maior parte das entrevistas (7) que compõem na primeira etapa de investigação foi realizada durante o processo de consolidação do convênio e autorização efetiva para o trabalho de campo na penitenciária. A aproximação com esse primeiro grupo de informantes ocorreu, sobretudo, através do contato com funcionários da SEAP-RJ e com uma ONG especializada na qualificação profissional de egressos de ambos os sexos. Em um segundo momento, no ano de 2013, foi possível realizar entrevistas (4) através de contatos pessoais com 25

Ver Anexos 2 e 3.

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egressas. Na ocasião da entrevista, as mulheres que já se encontravam em liberdade condicional (9) haviam saído do TB há períodos que variavam de três anos a vinte quatro horas (Ver Tabela I). Inicialmente, houve a expectativa de que a escolha por entrevistar mulheres em liberdade condicional ou regime aberto implicasse a redução de constrangimentos em falar sobre as experiências na prisão, tornando a tarefa de convencer essas mulheres a participar da pesquisa menos árdua. No entanto, isso não se confirmou no decorrer do trabalho de campo. Houve grande resistência dessas mulheres em participar da investigação. Pode-se supor que, isso tenha ocorrido, em parte, pelo temor de que suas identidades não fossem mantidas em sigilo e de que as informações fornecidas fossem utilizadas de maneira indevida, suscitando possíveis represálias de funcionários ou de internas das unidades prisionais por onde transitaram, ou mesmo, de outras egressas. No caso das informantes ainda presas em regime aberto (2), a desconfiança em relação à garantia de anonimato e ao uso dos dados coletados na entrevista foi ainda mais intensa. Na primeira visita que fiz a uma unidade prisional desse tipo para estabelecer contato com as internas, uma única mulher aceitou conceder entrevista. Cerca de duas semanas após o ocorrido, soube que, em razão de minha visita, predominaram rumores de que uma fiscal da Vara de Execução Penal disfarçada havia visitado a instituição para apurar irregularidades nas condições de cumprimento das penas. Esse evento é ilustrativo das dificuldades enfrentadas por pesquisadores que investigam temas relacionados ao sistema prisional. Uma interna que aceita conversar com pessoas “de fora” – em especial, pesquisadores e jornalistas – é vista com desconfiança pelos agentes penitenciários e pelas demais internas, o que pode suscitar represálias, ou por em risco sua segurança física. Acrescente-se que, pelos códigos não oficiais da prisão, a suspeita de que se tenha delatado irregularidades na cadeia reduz significativamente a possibilidade de aquisição de “benefícios” 26 e “regalias”. Essas informantes foram entrevistadas em locais reservados nas instalações de unidades da SEAP-RJ, graças ao auxílio recebido de funcionários. Apesar de ter tido a oportunidade de entrevistá-las em particular, é preciso esclarecer que um dos locais em que ocorreram as entrevistas, uma salinha estreita, tinha paredes finas que permitiam 26

Coloco entre aspas (“”) aqui a palavra benefícios; pois, como veremos ao longo deste trabalho, algumas das atividades assim classificadas no sistema são na verdade direitos garantidos por lei. Ao serem designados e tratados como benefícios, esses direitos tornam-se algo negociável, perdendo a dimensão de garantias individuais.

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ouvir o barulho e as conversas ao redor; o que torna razoável supor que o que era dito ali dentro também poderia ser ouvido do lado de fora. Quando não foram realizadas na salinha, as entrevistas ocorreram em um pátio que, embora bastante amplo, permitindo que eu e as informantes nos isolássemos em um canto, estava sujeito a um fluxo frequente de pessoas passando. Essas informações são importantes; pois, ajudam o leitor a compreender em que condições foi possível produzir o material analisado. No caso das mulheres que acessei através da ONG (6), é preciso salientar que se trata de pessoas que, durante o processo de avaliação de seus pedidos de progressão para o regime aberto e de liberdade condicional, foram encaminhadas para a seleção pelas assistentes sociais e as psicólogas da ONG em questão. O processo seletivo é bastante disputado dado o reduzido número de vagas disponíveis. Ele envolve entrevistas, análise de fichas criminais, de relatórios de classificação e de cartas de recomendação redigidas pela direção da última unidade prisional em que os candidatos estiveram alocados. Segundo as assistentes sociais e o coordenador do projeto, as mulheres e homens aprovados nas seleções são pessoas que apresentam fortes indícios de estar em busca de uma “nova chance” na vida. Certamente, essa forma de acessar as egressas introduziu um viés na pesquisa, já que pressupõe certa adesão dessas mulheres a narrativas sobre si comprometidas com discursos normativos. Tal fato, entretanto, não torna os dados menos relevantes aos propósitos da investigação. Suas narrativas trouxeram elementos fundamentais para refletir sobre as disciplinas aplicadas na prisão, até então, desconhecidos por mim. Os depoimentos revelaram dimensões da vida cotidiana no que concerne às redes de sociabilidade e de ajuda entre internas, as estratégias para escapar do poder institucional, as formas de transgressão passíveis de estigmatização naquele contexto, o mercado de trabalho informal na cadeia, bem como as hierarquias que estruturam a vida na instituição. As representações, valores e categorias que se delineiam em suas narrativas e o modo como as informantes buscaram construir uma imagem particular de si dentro e fora da prisão refletem as pedagogias de encarceramento feminino e os processos de produção da figura da mulher criminosa no contexto estudado27. Em geral, os encontros com as egressas contatadas através da ONG ocorreram em salas de seu curso de capacitação profissional (5 entrevistas). Três delas sofreram interrupções, o que visivelmente causou constrangimento nas informantes. Nesse 27

Ver Cordeiro, 2013.

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sentido, cabe assinalar que ainda que tenha sido proposto como possibilidade um encontro em lugares mais tranquilos e “neutros” como a universidade da pesquisadora, apenas uma mulher quis se deslocar até lá para ser entrevistada. Na ocasião, foi custeado seu transporte até o local. Em uma ocasião, a pesquisadora também se deslocou até a universidade particular cursada por uma das entrevistadas para encontrála. Essa entrevista foi realizada na biblioteca da instituição. A sugestão de que as entrevistas fossem realizadas nos locais de moradia das informantes também não teve boa recepção. Por um lado, havia o receio de que suas famílias não concordassem com a realização da entrevista; por outro, as condições de moradia de algumas delas implicavam ausência de privacidade para receber minha visita (residências com poucos cômodos e vários moradores). Entre os anos de 2011 e 2013, houve uma interrupção no trabalho de campo. Já durante o ano de 2013, tentou-se realizar entrevistas em profundidade com quatro egressas do sistema prisional, acionadas através de contatos pessoais. Conheci um delas durante um curso na UFRJ. Seu nome já me era familiar; pois, embora nunca tivéssemos nos encontrado, tratava-se de uma ex-interna que – como algumas outras (por motivos diversos), – é conhecida em todo o sistema e era lembrada com frequência por agentes de segurança e por prisioneiras da Talavera Bruce. A única amiga dos tempos de cárcere com quem essa informante mantinha contato frequente também concordou em me conceder uma entrevista. Contudo, as dificuldades enfrentadas durante os meses subsequentes ao primeiro contato, inviabilizaram nosso encontro. Por fim, foram entrevistadas mais duas mulheres nesse período; uma delas voltou atrás na decisão de autorizar o uso de sua história. A participação na pesquisa parece ter gerado muitos desentendimentos entre ela e o companheiro, também egresso do sistema. Por questões éticas, essa entrevista foi descartada do conjunto do material analisado. É importante destacar que se pretendia entrevistar um maior número de mulheres durante todo o trabalho de campo; contudo, encontrar pessoas dispostas a conceder uma entrevista foi o grande desafio. Algumas das mulheres contatadas possuíam vidas muito inconstantes por problemas familiares, conjugais, de moradia ou uso abusivo de drogas. Uma possível entrevistada, por exemplo, não apareceu em três dos encontros marcados próximo a sua residência – em um município vizinho à cidade do Rio de Janeiro. Após algumas semanas e muitas ligações telefônicas frustradas, soube que, por conta de seu suposto vício em crack, a mulher havia fugido de casa e a família estava a sua procura. 23

Em suma, o conjunto total de 11 egressas e presas em regime aberto que participaram da pesquisa cujos depoimentos são analisados tinham entre 22 e 56 anos; cumpriram ou cumpriam penas entre 4 e 22 anos. Apenas duas se autoclassificaram como brancas; as demais se autoclassificaram como negras ou pardas (9). Em geral, elas vêm de famílias de origem popular e quase todas ingressaram no mercado de trabalho informal antes da vida adulta. Quatro entrevistadas começaram a trabalhar ainda na infância, entre os 8 e os 12 anos (como empregada doméstica [2], babá [1] e vendedora ambulante [1]). Apenas duas informantes jamais haviam trabalhado até os 18 anos de idade. Foram frequentes relatos sobre abandono escolar. Entre os motivos elencados: a necessidade de trabalhar, o desinteresse pela escola, o vício em drogas e uma gravidez não prevista28. Cinco entrevistadas deixaram a escola ainda nas séries iniciais do ensino fundamental e três a abandonaram no ensino médio. Apenas duas informantes não declararam abandono escolar: uma delas teve de interromper o ensino médio em decorrência de sua prisão; e a outra, uma graduação em universidade pública. Cinco informantes afirmaram ter retomado os estudos quando foram para a Penitenciária Talavera Bruce; entre elas, duas concluíram o ensino fundamental e uma, o ensino médio naquela instituição. Há ainda uma analfabeta entre as onze informantes29. Ela afirmou jamais ter frequentado uma escola, por ter sido obrigada a trabalhar para ajudar no sustento da família. É significativo que, em quatro dos nove casos analisados em que há relato de abandono escolar, a saída da escola coincide com a saída da residência familiar. Em três desses casos, as entrevistadas deixaram suas famílias em decorrência de conflitos envolvendo violência intrafamiliar (2) ou, seu envolvimento com a criminalidade (1). Três entrevistadas afirmaram ter sido vítimas de espancamentos frequentes na infância (pela mãe e / ou pelos padrastos); em um dos casos, houve tentativas de estupro. Sobre seu envolvimento com a criminalidade, 6 egressas entraram no mundo do crime pela mediação de namorados, cônjuges ou parentes. Entre os crimes que as levaram à prisão constam: homicídios dolosos (3), assaltos à mão armada (3), tráfico de drogas (4) e formação de quadrilha (4) (Ver Tabela I). Duas egressas eram reincidentes 28

Sobre as categorias gravidez na adolescência, gravidez indesejada e gravidez imprevista, ver Heilborn, Aquino, Bozon at al., 2006; e Heilborn e Cabral, 2006. 29 Esses dados, obviamente, consideram apenas as entrevistas que a pesquisadora foi autorizada a utilizar nessa pesquisa de tese.

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no sistema prisional, tendo longa carreira no crime. Uma delas cumpriu pena, por duas vezes, em instituições prisionais do Estado de São Paulo; e a outra passou pela Penitenciária Talavera Bruce em diferentes décadas – no final da década de 1980 e na segunda metade da década de 2000. Embora o único critério de seleção das entrevistadas fosse que tivessem passado ao menos um ano de suas penas no TB, como já pontuado, todas passaram por ao menos mais uma prisão carioca: o Presídio Nelson Hungria (conhecido como Bangu 7 ou B7) 30. Quatro informantes passaram ainda por outras unidades: o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Penal Roberto Medeiros (1), o Presídio (atualmente, Casa de Custódia) Joaquim Ferreira de Souza (também conhecido como Bangu 8 ou B8) (2) e a Casa do Albergado Crispim Valentino (convertida recentemente em uma unidade exclusivamente masculina) (2). Por fim, é importante indicar que ao longo dos capítulos temáticos que dão corpo a essa tese, por vezes, também referir-me-ei a internas do TB com quem mantive contato próximo, mas, não tive a chance de entrevistar; como também a conversas informais com ISAPs e funcionários, situações que presenciei e das quais participei. Assim, há uma combinação de dados coletados através de observação participante e de entrevistas de forma complementar e sem grandes rupturas no que se refere à construção do texto. Isso se deve a intenção de que o leitor possa compreender o modo como esses dados foram articulados e adquiriram sentido a partir das reflexões pós-trabalho de campo e da produção do texto.

1.3. Segunda etapa do trabalho de campo

Entre janeiro e março de 2010, foi possível a observação participante nas instalações da Talavera Bruce. Durante esse período, passei a frequentar o TB cerca de três vezes por semana. Essa frequência não pôde ser maior – e, algumas vezes, foi menor – dadas as restrições enfrentadas em campo. Em princípio, pretendia ir à unidade cerca de quatro vezes por semana (uma vez aos fins de semana); mas, como condição para realização da pesquisa, era preciso que meu trabalho fosse todo o tempo monitorado por uma ISAP.

30

O fato destas e das demais entrevistadas pela pesquisa terem passado pelo Presídio Nelson Hungria decorre dele funcionar há época como uma espécie de unidade de entrada no sistema prisional feminino do Estado do Rio de Janeiro.

25

Como já citado, o TB está localizado no Complexo de Gericinó, bairro de Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O Complexo fica em uma área afastada do bairro. A penitenciária está, de certo modo, isolada das demais unidades prisionais masculinas e femininas, sendo cercada por ruas residenciais. A área é pobre, com casas simples de alvenaria (algumas em construção) e os moradores se vestem de modo bastante modesto (com roupas feitas de tecidos baratos e ornamentos produzidos com materiais simples). A frequência de pessoas na rua é pequena quando comparada ao que se costuma ver em ruas do subúrbio carioca; exceto nos horários do ônibus escolar municipal. O acesso àquela região do bairro de Bangu é dificultado pela existência de apenas duas linhas de ônibus regulares e poucas vans e kombis (“piratas” [clandestinas] e em péssimas condições,) que fazem ligação entre o local e o centro do bairro e a Vila Kennedy – onde é possível encontrar transporte para qualquer outro lugar da cidade. Vizinho ao Educandário Santo Expedito (ESE) – instituição para aplicação de medidas socioeducativas a menores de idade – e ao Sanatório Penal, o TB também fica na mesma rua do 14º Batalhão da Polícia Militar (14º BPM) – uma ruela que deriva da estrada principal. Do outro lado da via, há um ponto de ônibus e uma birosca, que além de cerveja e alguns poucos petiscos típicos de botequim, vende biscoitos industrializados e produtos variados de limpeza e higiene. Ao lado da birosca, há um pequeno restaurante do tipo self-service e uma borracharia. Ao descer a ruela, logo se avista os grandes muros brancos e o enorme portão azul da penitenciária. Após informar o motivo da visita ao local, através de um “quadradinho” no portão, e de verificarem se o nome do visitante consta em um livro de pessoas “de fora” autorizadas a entrar na unidade naquele dia, uma porta se abre. Então, começam as perguntas e a revista na guarita para que, por fim, o visitante possa passar pelo detector de metais. Tal procedimento pode ser mais ou menos rigoroso em distintas situações em função de quem é a pessoa que se apresenta diante do portão e de sua familiaridade com os agentes presentes na guarita (em geral, dois a três homens). Advogados, representantes de instituições do governo e da própria SEAP-RJ, representantes de Embaixadas e Consulados, outros ISAPs e funcionários regulares (psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, médicos, etc.) não são submetidos a qualquer revista na entrada da unidade. No meu caso, por exemplo, tão logo me tornei familiar aos ISAPs da guarita, as revistas passaram a ser cada vez menos criteriosas e, algumas vezes, foram dispensadas. Também nunca fui submetida à revista corporal ou a chamada 26

revista íntima (verificação dos órgãos genitais para saber se a pessoa transporta drogas, dinheiro, celulares ou armas; também conhecida como revista vexatória). Desse modo, há uma hierarquia de credibilidades que orienta os procedimentos de revista para a entrada na penitenciária. Tal hierarquia relaciona-se estreitamente com o que pode ser denominado de “o problema da droga”. Nesse sentido, é importante ressaltar que o aqui chamado “problema da droga” não se restringe à questão da prática do narcotráfico na prisão em si e seus desdobramentos. Ele abrange uma complexa rede de relações e jogos de poder que tensionam e desafiam a ordem hierárquica da prisão e expõem a instabilidade do equilíbrio entre as normas não oficiais e as normas institucionais do universo prisional31. Na primeira visita que fiz à unidade, em dezembro de 2009, pouco antes do Natal, para conversar com a diretora, empossada há menos de duas semanas, encontrei na diretoria com uma ISAP que já conhecia como coordenadora de ONG32. Nós nos cumprimentamos; contudo, por intuição, agi como se estivesse sendo apresentada a ela pela primeira vez. Ela fez o mesmo. Mais tarde, isso veio a se mostrar de grande utilidade. A diretora e a subdiretora eram ISAPs entre 35 e 40 anos de idade. Nunca antes haviam estado em cargos de chefia. Eram apadrinhadas por um tio da diretora com alto cargo na SEAP-RJ. Além de inexperientes, deixavam transparecer insegurança no exercício da nova função. Todas as decisões eram tomadas em conjunto e passavam pelo crivo do “padrinho”. Apesar de meus esforços em explicar como funciona uma pesquisa sociológica com observação participante e a importância de privacidade no momento das entrevistas era clara a preocupação com o tipo de informações que eu poderia coletar e onde poderia divulgá-las. O convênio com a SEAP-RJ tornava inevitável a autorização para a pesquisa, mas, a direção do TB podia estabelecer em que condições meu trabalho seria realizado. Isso deixava pouca margem para negociações. Segundo a diretora, não seria possível me deixar a sós com as presas, porque nem sempre elas dizem a “verdade”, ou o que é “certo”: “Por exemplo, estavam gravando um documentário aqui, uma jornalista de uma das igrejas que fazem trabalho missionário aqui, ajudam as presas. Ela fez um trabalho até legal, mostrando a história 31

Esse ponto será retomado no Capítulo III.

32

A ONG em questão não é a mesma onde estabeleci contato com grande parte das egressas e uma das internas em regime aberto entrevistadas na primeira etapa da pesquisa de campo.

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de vida de algumas presas, fizeram até algumas reportagens agora. Não sei se você viu. Ela ficou uns meses aqui filmando. Nós selecionamos as meninas e ela produziu elas, fez sessão de fotos e gravou os depoimentos. O José e a Milena 33 [ISAPs responsáveis pelo núcleo pedagógico e de eventos] acompanharam tudo. Aí, no último dia da filmagem, a Joelma 34 [uma interna que participou do documentário], no final da entrevista dela, quando a mulher perguntou: – Você se arrepende? Ela começou a falar que não se arrependia de nada, que tudo o que ela tinha feito se pudesse fazia tudo de novo, que tudo que ela fez tinha feito por amor... Aí, o José teve que mandar: – Corta! Corta! Corta! Entendeu? Assim mesmo, na maior cara de pau, na cara do José e da Milena que sempre trataram ela com tanto carinho. Eles não esperavam aquilo dela, achavam que ela fosse uma menina que tava aprendendo, mudando. A Milena até chorou, coitada, de decepção, porque acreditava nela. Aí, teve que mandar apagar a fita e fazer de novo, porque aquilo não dava, né! Por isso, que tem sempre que ter alguém junto. Já pensou se eles não tivessem ali? Ia ficar tudo registrado, aquele absurdo!”.

Foi assim que a diretora deixou claro que qualquer coisa dita por uma interna que fosse considerada inapropriada seria motivo para a interrupção de uma entrevista. Ademais, ficou evidente que a instituição estava disposta a defender a fama de prisão modelo contra qualquer possível ameaça. Assim, desde o início, minha experiência no TB não foi fácil. Não obstante, as condições que me foram impostas também houve pontos positivos. O fim do núcleo pedagógico, que também era responsável pela organização dos eventos e todo tipo de projetos na unidade, a partir de uma determinação da SEAP-RJ, fez com que José e Milena, que seriam as escolhas óbvias para minhas “babás”, fossem desviados dessa função. No lugar deles, a tal agente que fingi não conhecer em minha primeira visita foi designada para me acompanhar na unidade. Trata-se de uma funcionária muito antiga no sistema e amiga da diretora e da sub, que não tinham muita dimensão de suas atividades como militante dos direitos humanos. Acrescente-se o fato de ela também desenvolver atividades acadêmicas como pesquisadora em outra área das ciências humanas. Janaína era um deles, mas sabia como pensava uma pesquisadora. Isso deve ter parecido conveniente aos olhos da direção. Devem ter imaginado ser mais fácil para ela monitorar-me. Assim, o desconhecimento de todos de que nós nos conhecíamos, mesmo que vagamente, de fora da prisão e que ela já havia me dado dicas sobre como “me virar” no TB foi fundamental. 33

Nomes fictícios.

34

Nome fictício.

28

Ser supervisionada por Janaína teve desvantagens e vantagens. Em razão de seu trabalho fora do sistema, ela não cumpria uma carga horária rígida e faltava com frequência. Inicialmente, aceitou disponibilizar três dias na semana para mim; mas, logo, percebi que não se empenharia para cumprir tal cronograma; especialmente, em semanas com feriado. Ela não entendia muito bem como funcionava uma observação participante e não tinha muita paciência para ficar apenas sentada me assistindo observar a rotina e conversar informalmente com as presas, sem que eu as entrevistasse de uma vez. Isso atrapalhava muito minha intenção de utilizar esse método ainda que de forma limitada no curto período que teria disponível. Por outro lado, era notório que de todos os agentes de segurança penitenciários (ou Desipes, como são chamados todos os servidores da unidade pelas internas), ela era a que tinha melhor relação com as presas; a guarda cuja presença causava menor constrangimento e intimidação. Não foram poucas as situações em que me contaram sobre celulares na presença dela, mesmo se tratando de uma ISAP. Por vezes, Janaína me deixava sozinha com as internas enquanto ia conversar com outros funcionários, ou ficava lendo. Isso permitia momentos de privacidade durante as entrevistas. Caso eu pedisse que outrx ISAP me acompanhasse, além de gerar certo clima de animosidade, a direção alegaria não ter ninguém para substituí-la. Nos dias em que ela faltava, eu era obrigada retornar para casa por esse motivo. Acrescente-se que, se substituíssem Janaína, eu perderia também as vantagens de tê-la como “babá”. Pareceu melhor ter paciência, administrar a ansiedade e tentar fazer dos “limões uma limonada”. A segunda etapa da pesquisa estendeu-se até 30 de março de 2010. Nesse período, foram realizadas entrevistas em profundidade com 9 internas na instituição. Assim como as entrevistas fora da penitenciária, os depoimentos no TB tiveram em média duas horas e meia de duração, com a diferença de que a maioria delas se prolongou por dois ou três encontros. A cadeia só permanece aberta por curtos períodos da manhã e da tarde: das 8hs às 11hs e das 14hs às 17 hs. Janaína nunca marcava comigo antes das 9hs e dificilmente chegava antes das 10 hs. Assim, na parte da manhã eu só tinha uma hora para fazer entrevistas; em geral, na biblioteca, na salinha de informática ou no salão de beleza da unidade. Após as primeiras semanas, quando já havia tornado, de certo modo, familiar para as guardas, ao invés de esperá-la na direção, passei a esperá-la nos corredores, sentada. Lá, podia observar a circulação das presas, bater-papo com algumas delas e com funcionários. Minha presença despertava grande 29

curiosidade tanto das prisioneiras como dos ISAPs. Eu era observada o tempo todo e tentava me sentir e me mostrar à vontade com isso – o que nem sempre era fácil. Ao iniciar o segundo mês na penitenciária, era como se internas e funcionários tivessem se acostumado com minha presença. Eu estava longe de ser um personagem local; mas, não era mais uma completa estranha. Minha condição já não era a de uma ameaça latente. Em relação às internas, o conhecimento já adquirido de alguns dos códigos locais de interação social e a percepção de que o que era conversado entre nós – inclusive, sobre delitos cometidos na penitenciária – não havia chegado aos ouvidos de guardas ou da direção, contribuíram para que minha presença, gradualmente, gerasse menor estranhamento e intimidação. Já os ISAPs foram se acostumando com minha presença na medida em que eu fui, cada vez mais, sendo identificada com Janaína. A suposta semelhança física entre mim e minha “babá” me rendeu o apelido de “filha de Janaína”. Guardas e presas realmente chegaram a acreditar que eu fosse filha dela. Era comum que nos perguntassem sobre isso nos corredores. A certa altura, eu já nem me preocupava em desfazer o mal entendido. Quando me perguntavam por minha “mãe”, eu respondia. Então, como é comum entre as internas, eu também tinha uma “mãe de cadeia” 35. Uma “mãe de cadeia” que prejudicava meu cronograma e um pouco impaciente, mas, que tinha excelente relação com guardas e internas – o que é bastante raro na prisão. Algumas vezes, me esqueceram dentro da cadeia na hora de fechá-la para o almoço, ou me deixaram entrar sozinha. Até que alguém percebesse que eu não deveria estar ali, aproveitava para prolongar entrevistas, para conversar informalmente com internas, etc. Na medida em que elas me revelavam seus segredos e eu não os compartilhava com “desipes”, fui ficando conhecida no TB. Algumas presas passavam por mim e pediam para ser entrevistadas. Infelizmente, eu tinha pouquíssimo tempo para as entrevistas. Notava que algumas ficavam chateadas por eu não conseguir ouvi-las. Contudo, além das faltas de Janaína, em dias de eventos ou operações na Penitenciária, a direção pedia que eu não realizasse entrevistas para não atrapalhar ainda mais a rotina36. Os graves problemas de falta

35

A temática das “famílias de cadeia” será uma das questões abordadas no Capítulo III.

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Os dois eventos que pude acompanhar durante minha passagem pelo TB foram: a visita do arcebispo do Rio de Janeiro, que realizou uma missa na capela; e um evento no salão de beleza local, que foi promovido por uma das igrejas evangélicas que atuam na instituição. Além disso, houve uma movimentação de internas (mudança aleatória das presas de celas para que ISAPs possam revistá-las em busca de drogas, celulares, dinheiro, etc.).

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d‟água na instituição também causavam grande tensão, o que gerou duas ameaças e um princípio de rebelião durante minha passagem pela penitenciária. O princípio de rebelião ocorreu em um sábado à noite. Na semana seguinte, de segunda à quarta-feira não pude ir à unidade a pedido da direção, sem maiores explicações. Na quinta-feira, quando cheguei ao TB, Janaína e as internas me contaram sobre o ocorrido. Algumas semanas depois, veio mais um pedido para que eu ficasse dois dias sem ir à unidade. Quando retornei, as presas me contaram que nos dias anteriores uma interna havia sido pega com dinheiro e drogas, torturada e enviada à surda; porém, conseguiram lhe entregar um celular. Ela fotografou seus ferimentos e enviou para a família. Houve imediatamente uma denúncia, que de pronto foi averiguada. Como me disseram as presas, ao contrário das cartas que elas sabem ser, muitas vezes, monitoradas e até rasgadas, com os celulares não há como impedir o contato delas com o mundo exterior: “Eles podem tentar, mas não dá mais para abafar tudo. Hoje, tem câmera, internet no celular, Orkut, tem tudo”, uma delas afirmou. Sobre o perfil das nove mulheres entrevistadas dentro da instituição, elas tinham entre 23 e 45 anos de idade e cumpriam penas que variavam de 5 a 30 anos (Ver Tabela II).

Quatro

entrevistadas

autoclassificaram-se

como

brancas;

as

demais

autoclassificaram-se como negras ou pardas. Assim como as egressas entrevistadas na primeira etapa do trabalho de campo, em geral, essas mulheres pertenciam a famílias de camadas populares. Três entre nove entrevistadas não ingressaram no mercado de trabalho antes da vida adulta; mas, somente duas mulheres declararam ter começado a exercer atividades laborais ainda na infância, entre os 11 e os 12 anos de idade (como empregadas domésticas). Duas internas relataram jamais ter exercido ocupações convencionais e dentro da legalidade até serem presas. Quatro entre seis informantes que declararam ter iniciado a vida laboral antes da idade adulta (em geral, na adolescência) reportaram abandono escolar antes da conclusão do ensino fundamental. Os motivos elencados foram: desinteresse pela escola, necessidade de trabalhar, mudança de endereço (1 caso) e bullyng homofóbico (1 caso). No conjunto desse grupo de informantes, apenas uma concluiu o ensino médio. Cinco mulheres retomaram os estudos após a prisão, na escola estadual que atende exclusivamente às internas do TB. Em geral, elas frisaram que o ingresso na escola decorreu antes da busca por encontrar formas de passar o tempo e “se distrair” do que

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pelo interesse em, de fato, retomar os estudos. Destacaram que a qualidade das aulas na escola é muito ruim e que alunas com níveis muito distintos de formação são colocadas nas mesmas séries, o que atrapalha a rotina em sala de aula e desestimula a elas e os professores. Quanto aos crimes que resultaram em suas prisões, a maior parte do grupo de mulheres que entrevistei no TB (6), ingressou no mundo do crime pela mediação de namorados ou namoradas, ou de cônjuges. Entre os crimes reportados estão: homicídio doloso (2), latrocínio (1), assalto à mão armada (1), tráfico de drogas (3), sequestro (1) e formação de quadrilha (2) (Ver Tabela II). Apenas uma interna era reincidente – já havia sido presa anteriormente por cerca de um ano. Como as informantes da primeira etapa, ao longo de suas trajetórias no sistema prisional, todas também passaram B7 antes de irem para o TB.

1.4. Por dentro da Talavera Bruce

A estrutura física da penitenciária ocupa um terreno de cerca de 16.000 m². Para compreender as questões que serão abordadas adiante acerca da organização social e política na instituição é importante conhecer em alguma medida sua estrutura espacial e o modo como estão distribuídas as prisioneiras nesse espaço. Em primeiro lugar, cabe destacar que, embora seja classificada como uma penitenciária de segurança máxima e oficialmente restrita a criminosas condenadas a longos períodos de encarceramento, o TB é tido por todas as informantes como uma prisão “mais aberta”, no sentido de haver maior possibilidade de circulação. E lá também estão alocadas mulheres condenadas a penas relativamente curtas – como quatro ou cinco anos. Quase todas entrevistadas nas duas etapas do trabalho de campo (17) disseram ter solicitado recorrentemente a transferência para o TB assim que foram transferidas de delegacias para o “sistema” (como diziam). Em geral, as informantes passaram longos períodos em carceragens de delegacias (de quatro meses a dois anos)

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. O tempo

37

Aqui é importante destacar que, entre maio de 2011 e junho de 2012, a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro encerrou a prática de manter pessoas apreendidas por delitos ou supostos delitos em carceragens de delegacias do Estado; atendendo uma das recomendações feitas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por ocasião do III Encontro Nacional do Judiciário, em 2010. Atualmente, após sua prisão, tanto homens quanto mulheres são transferidos para casas de custódia nos Complexos de Gericinó ou de Magé, ou mesmo em presídios “de entrada” no sistema.

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passado nessas carceragens foi caracterizado por elas como o início de um intenso aprendizado para a vida no universo prisional. Informações sobre práticas institucionais, espaços físicos, regras de coexistência entre internas, formas de linguagem, dados sobre diretores e funcionários das prisões para mulheres do estado, etc. são transmitidas para as novatas pelas presas mais experientes – isto é, reincidentes. Foi também nas carceragens que elas começaram a aprender que o cotidiano na prisão envolve constantes negociações com outras presas e com os agentes institucionais. Naqueles locais em que muitas vezes se formaram as primeiras redes de solidariedade e ajuda das entrevistadas, bem como algumas relações familiares não convencionais. A capacidade de formar alianças e o dinheiro foram destacados como recursos políticos valiosos. Treze informantes da pesquisa afirmaram que eram obrigadas a pagar propina nas delegacias para serem autorizadas visitas de familiares e / ou amigos, tomar banho de sol e ter acesso à “sucata” que lhes era enviada por familiares. Tal situação, tornava as condições de vida nesses locais ainda mais precárias. A Talavera Bruce tem capacidade para cerca de 340 internas; mas, visivelmente, encontrava-se superlotada. A estrutura é composta por três prédios, por uma capela católica (ainda da época da fundação da Penitenciária de Mulheres), uma capela ecumênica (construída pelas igrejas evangélicas que atuam na instituição), uma quadra poliesportiva e um grande pátio – onde há uma horta hidropônica (há alguns anos abandonada) e uma Cantina38. O prédio principal tem dois andares. Nos dois corredores do primeiro andar, estão distribuídas as salas da guarda, a custódia, a sala de informática, a oficina de artesanato, o serviço social e o psicológico, a sala de registros, a pedagogia (recém-fechada na época do trabalho de campo), os consultórios médicos e a cozinha dos funcionários. Ao final do corredor principal, há um grande portão de ferro sempre guardado por algum ISAP. Esse portão dá acesso à cadeia, dividida em quatro galerias (A, B, C e D) e um pátio interno para banho de sol, a fábrica de quentinhas (uma cozinha industrial onde é feita a comida das internas), a fábrica de fraldas (que foi fechada pela Fundação Santa Cabrini em 29 de março de 2010), a oficina de costura (onde são produzidos uniformes para a SEAP-RJ e a PMERJ), uma biblioteca, um

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Em julho de 2014, a SEAP-RJ inaugurou um novo pavilhão na Talavera Bruce, o Pavilhão III. O novo pavilhão é composto por apenas 2 celas coletivas com capacidade para 76 internas, de acordo com notícia publicada no web site da SEAP-RJ. Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seap/exibeconteudo?articleid=2145506 . Acesso em dezembro de 2014.

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auditório com palco, um banheiro coletivo (que estava interditado pela defesa civil e passava por obras) e a cela de isolamento (a surda). As galerias de A a D possuem 120 celas individuais em que, às vezes, são alocadas duas presas pelo número reduzido dessas celas, ou por se tratarem de parceiras afetivo-sexuais. A distribuição das internas pelo espaço institucional obedece a uma hierarquia de status baseada em sua maior ou menor proximidade dos agentes institucionais, adaptação às normas, sua participação em atividades laborais, filiação religiosa, etc. Há ainda relatos sobre a venda e compra de celas individuais nas galerias por presas com maiores recursos financeiros. “Quem trabalha, quem é da Igreja, quem estuda, faz parlatório, tem o seu individual, pode usar certos tipos de roupa. Porque lá tem que ser roupa branca, calça jeans, essas coisas assim. Ai, pra quem trabalhar deixam usar um azul, deixa usar um amarelo. É aquelas regalias assim, um pouquinho, mas que faz uma diferença!”. [Renata; 45 anos; presa há mais de 9 anos; cerca de 1 ano e meio no TB; há seis meses em regime aberto]

Segundo relatos, até recentemente, a galeria A era exclusiva das crentes; ou seja, internas que passaram pela conversão religiosa às igrejas evangélicas que atuam na instituição. Mas, atualmente, presas que trabalham também residem na galeria. As galerias B e D são destinadas às internas de bom comportamento, as que são “calmas”. Já a galeria C é ocupada pelas internas que trabalham. Pelo número reduzido de cubículos ou por motivações pessoais, algumas trabalhadoras também vivem nos alojamentos e há algumas crentes no prédio dos pavilhões (em coletivas). Não obstante, a preferência nas galerias é sempre dada às faxinas. Elas são “a espinha dorsal da cadeia” (VARELLA, 1999, p.99), sua função abrange tarefas variadas (cozinhar, serviços de limpeza, trabalho administrativo, servir de “ligação” entre os setores da prisão, etc.). Trata-se de um cargo de confiança que permite maior acesso a todos os recantos da penitenciária. O segundo prédio, composto por dois Pavilhões com alojamentos e 30 celas individuais, é separado do edifício principal por um grande pátio, que mais parece um quintal. O pátio tem poucas árvores e bancos e um espaço coberto para que as internas possam conversar e receber suas visitas à sombra. As celas individuais dos Pavilhões, por vezes, são destinadas às presas muito idosas e com problemas de saúde 39 e às que 39

Pelo número reduzido de vagas no Pavilhão, também há presas idosas e doentes em outros locais da instituição.

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adquiriram o “benefício” da visita íntima. Nos alojamentos, além de brasileiras, estão alocadas também as presas estrangeiras e as recém-chegadas a penitenciária – entre oito e dez internas por cubículo. Há ainda um prédio chamado Anexo. Separado do prédio principal pelo pátio principal, ele é composto por um conjunto de alojamentos e um pátio interno para banho de sol. Só pude fazer uma visita ao seu interior na primeira e única vez em que a diretora me permitiu um “tour” oficial pela unidade. O Anexo também é destinado às recém-chegadas na unidade. No local é feita a chamada “prova de silencio”. Tal designação é dada aos dias de isolamento a que são submetidas as novatas. A “prova” é um tipo de ritual de preparação para ingressos no sistema prisional, que visa docilizar os corpos dessas mulheres para que sejam mais suscetíveis à intervenção e ao controle institucional. Acrescente-se que ela permite que as direções se preparem para os recémchegados. Durante o isolamento, corre pela instituição o nome e algumas características do novo interno, assim logo é possível saber se possui rixas com outros presos e criar soluções para garantir que isso não gere transtornos ao cotidiano institucional. Além das novatas, o Anexo do TB é, sobretudo, destinado a alojar as internas consideradas mais problemáticas, chamadas “bichos” – prisioneiras tidas como violentas, condenadas por crimes hediondos ou recorrentemente envolvidas em conflitos e, até mesmo, em tentativas de assassinato na unidade. O local também é utilizado para a aplicação de castigos a transgressões disciplinares. Segundo relatos, entre oito e dez mulheres estão alojadas por cela. Assim como o prédio dos pavilhões, o Anexo é muito úmido, cheio de infiltrações e tem um sistema de esgoto deficitário, o que provoca mau cheiro constante. No pátio principal, há ainda a cantina40, que funciona como um misto de pequena lanchonete e mini-mercearia; em geral, arrendada para ISAPs com boas relações com a direção da unidade prisionai e na SEAP-RJ. Durante o trabalho de campo, o pequeno comércio era conduzido por dois rapazes, parentes de ISAPs que conseguiram autorização da direção para gerenciar o negócio mediante pagamento de um aluguel. Já que um pacote de papel higiênico ao mês e três refeições diárias (não

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Segundo os depoimentos das entrevistadas, há cantinas funcionando em condições simlares em todas as unidades por onde passaram. Alguns funcionários também confirmaram que essa é uma prática comum em prisões masculinas.

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raro, fora da validade) são as únicas necessidades básicas “atendidas” pelo sistema, as presas que não recebem visitas e, portanto, não recebem sucata (o conjunto de bens de consumo enviados por familiares ou cônjuges para a semana ou o mês), precisam encontrar meios de consumir na Cantina; ou contar com a solidariedade de outras internas. Nas cantinas, vende-se desde pão, queijo, mortadela, sanduiches, biscoitos, refrigerantes até itens de higiene como pasta e escova de dentes, sabonete, papel e absorvente higiênicos, etc. Os valores dos produtos vendidos são muito acima dos preços praticados fora da prisão – duas a três vezes maiores. No terreno da penitenciária há ainda uma maternidade / creche que já foi vinculada a ela. Hoje, a unidade materno-infantil tem direção independente. O TB é o único estabelecimento prisional carioca a possuir uma creche vinculada para permitir o contato cotidiano entre as internas e seus filhos até que completem o período de amamentação41 42. Embora o portão principal seja o mesmo, as duas unidades possuem entradas independentes e estão separadas pelo pátio frontal, onde está a capela católica remanescente da construção original. A penitenciária parecia visivelmente superlotada; contudo, não foi possível saber o número exato de mulheres apenadas lá durante o trabalho de campo, nem obter dados oficiais sobre os crimes e penas das internas. Apesar de o DEPEN produzir estatísticas oficiais regionais e nacionais e entre elas constarem dados enviados pela direção do TB à SEAP-RJ, foi possível averiguar que não há de fato preocupação da instituição em produzir e fornecer esses dados. As fichas das internas, por exemplo, ficam em caixas e 41

O artigo 83, parágrafo 2º da Lei 7210/84 – Lei de Execuções Penais (LEP) determina que: “Os estabelecimentos penais destinados às mulheres serão dotados de berçários, onde as condenadas possam amamentar seus filhos”. Já o artigo 89 da mesma lei, coloca a possibilidade de existência de creches, embora não determine sua obrigatoriedade: “Além dos requisitos referidos no artigo anterior, a penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado cuja responsável esteja presa”. Assim, embora a existência de creche penitenciária seja regulada por uma lei federal, a determinação acerca de sua instalação e gestão é primazia dos órgãos estaduais de administração do sistema prisional. 42

A Resolução n. 3/2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), publicada em 16 de julho de 2009 no Diário Oficial da União, Seção 1, p. 34-35, estabelece que os filhos de mulheres encarceradas devem permanecer junto a suas mães por ao menos um ano e seis meses. Após esse período, a Resolução define que, nos seis meses posteriores, se inicie um processo gradual de separação entre a mãe e a criança e de adaptação da criança a família que a acolherá; o que nem sempre é o caso, já que muitas delas acabam sendo enviadas para abrigos. Não obstante, o Artigo 6º da Resolução prevê a possibilidade de extensão desse período de convivência entre mães e filhos até os sete anos de idade da criança, caso a instituição prisional disponha de unidade materno-infantil com dormitórios para mães e crianças, brinquedoteca, área de lazer, entre outras determinações. Segundo minhas informantes, embora a creche do TB atenda a todas essas condições, em geral, as crianças não ficam por muito mais de seis meses junto de suas mães, já que as internas preferem que seus filhos sejam levados antes de terem idade para perceber que estão em uma prisão.

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mais caixas no chão de uma sala; mesmo havendo meios para digitalizá-las. O conhecimento que a unidade prisional detém sobre essas mulheres vai pouco além de fichas de papel e dos cartões com suas fotos, nomes e localização na cadeia. Os cartões ficam dispostos em um mural na parede da sala da segurança para que se possa recorrer a eles na hora da contagem, pela manhã e ao fim do dia. Indagações sobre quantas internas há na instituição e quais os crimes que elas cometeram resultam em respostas do tipo: “está sempre mudando”, “sai e entra gente todo dia”, “droga”, “hoje em dia é muita droga”. Essa indiferença é ainda maior em relação às condições de vida extremamente precárias dessas mulheres. Essas pessoas são reduzidas à condição de população a ser gerida.

***

Como será demonstrado nos próximos capítulos, as narrativas compartilhadas pelas entrevistadas são reveladoras de distintos e criativos mecanismos de adaptação e resistência às condições de vida impostas pelo cárcere. Nesse processo, alguns dispositivos emergem como estratégias centrais de organização da vida e de inserção social no mundo prisional. As relações, códigos e classificações que se delineiam nesse universo – sobretudo, no campo das práticas de sociabilidade – apresentam continuidades fundamentais com o mundo “de fora”. Todavia, tão importante quanto essas continuidades ou as rupturas e as fronteiras simbólicas entre o “dentro” e o “fora”, são as tensões que as delimitam e que, aos poucos, se tornaram visíveis para mim através de minhas informantes. Nesse sentido, foi inevitável deixa-me instigar: como um contexto social que a princípio poderia parecer tão estruturalmente uniformizador no que se refere às condições de existência e às origens sociais dos sujeitos, propicia a construção de uma vida social tão hierarquizada em diferentes níveis? Os depoimentos evidenciam um mundo profundamente hierarquizado e marcado, sobretudo, por clivagens de classe, de gênero, de sexualidade e de religiosidade. Onde, apesar do intenso abandono familiar em que vive a grande maioria das mulheres, a família (no sentido de composições familiares a partir de laços afetivos e de aliança) se constitui como uma das principais matrizes de sociabilidades e solidariedade, juntamente com o mercado das drogas e a conjugalidade, e perpassando por eles. 37

Os capítulos a seguir partem dessas indagações iniciais, estando estruturados em torno de questões diversas que delineiam uma interpretação particular do universo da Talavera Bruce. Uma interpretação construída em diálogo com pessoas que habitam ou habitaram esse universo por anos. Não há aqui ambição de dar conta da complexidade das relações, formas de construção de si e de todas as dimensões sociológicas e antropológicas do objeto de pesquisa. Busca-se antes compreender em alguma medida como os atores sociais / agentes / sujeitos investigados são capazes de gerenciar suas vidas cotidianas na prisão, reinventando a si mesmos e a suas relações com grande criatividade. Nesse processo, constroem, transgridem e são submetidos aos múltiplos dispositivos que dão forma e conteúdo à prisão. A seguir, será discutida a abordagem teórica adotada ao longo das análises dos dados coletados, de modo que o leitor possa apreender como a pesquisadora se posiciona em relação ao campo de estudos sobre prisões e criminalidade. Foi contemplada tanto parte da literatura sobre as prisões para homens quanto a literatura sobre prisões destinadas às mulheres, uma vez que é assumido como fato que a comparação entre determinados aspectos desses universos é crucial para elucidar as questões apontadas pela pesquisa. Por fim, a partir da indagação “quem são essas mulheres?

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TABELA I – Egressas e Presas em Regime Aberto Ent. (Nomes fictícios)

Idade

Escolaridade

Idade quando interrompeu os estudos

Motivo da interrupção

Saída da casa dos pais

1ª vez, aos 16 anos; 2ª vez, aos 18/19 anos; 3ª vez, aos 20 anos. 17 anos.

Delito(s)

Filhos

Estudo/trabalho na prisão

Andressa

22 anos.

1º ano do Ensino Médio

16 anos

Engravidou da filha

Camila

48 anos.

Ensino Médio. Inc.

Provável aos 17 anos.

Foi morar com o namorado.

Carolina

41 anos.

Ensino Médio Comp.

16 anos.

Parou porque 22 anos. queria trabalhar; desinteresse pela escola.

Encomendou o assassinato do marido.

Fabiana

35 anos.

Ensino fund.inc.

17 anos.

Por causa das drogas e do envolvimento com o crime

20 anos.

Furto.

A filha tem 7 anos.

Lurdes

52 anos.

Nunca Nunca frequentou a frequentou a escola. escola.

______________

16 anos.

Transporte de drogas para dentro de um presídio.

Karla

38 anos.

Ensino fund. Inc. – parou na 2ª série.

12 anos.

Não gostava da escola.

Maria Lúcia

37 anos.

Ensino fund. inc. – parou na 5ª série.

12 anos.

Começou a trabalhar como empregada doméstica.

1ª vez: aos 14 Tráfico de drogas. anos; 2ª vez: Aos 20 anos; 3ª vez: Entre os 22 e os 23 anos. 12 anos Assassinato durante um ritual de candomblé.

Tem uma filha de 31 anos e um filho de 24 anos. Ela tem 4 filhos entre 16 e 10 anos de idade.

Faxina TB até começar a ser sustentada pelo companheiro. Concluiu Ensino Médio e cursou pré-vestibular no TB. Na 2ª vez presa, fez serviços como faxineira e lavadeira para outras internas no TB. Faxina no B7 e no TB, para ficar mais independente do marido. Faxina no TB; serviços de faxineira e lavadeira para outras internas.

Tem duas filhas: uma de 21 anos e outra, de 19 anos.

Faxina no B7, no TB e no B8; e alguns serviços para as traficantes locais.

Patrícia

23 anos.

Ensino sup. Inc.; tinha o ensino médio inc. quando foi presa.

18 anos.

Foi presa.

18 anos

Tráfico internacional de drogas.

Não.

Foi faxina no B7 e no TB. Terminou o Ensino m e fez pré-vestibular no TB.

Jussara

64 anos.

14 anos.

Tráfico de drogas.

Filha tem 31 Era sustentada anos. pela família.

50 anos.

Engravidou e foi obrigada a se casar. Foi presa.

14 anos.

Maria

Ensino Fundamenta l Inc. Ensino Superior Inc.

25 anos.

Assalto a mão armada (assalto a banco).

Não.

Renata

45 anos.

Ensino fund. Comp. – terminou o fund. no TB.

16 anos.

Já tinha repetido algumas vezes, porque tinha que trabalhar e se mudou para a casa da patroa.

16 anos.

Assassinato do companheiro.

Uma filha de 28 anos e um filho de 26 anos.

29 anos.

Foi presa por assalto a mão armada à residências e casas comerciais.

Sim.

Faxina Bangu 7 e TB. Não estudou.

Associação para o tráfico.

Um filho de 30 anos e uma filha de 21 anos. Duas filhas (16 e 13 anos) .

Faxina no TB na 1ª e na 3ª vez em que foi presa.

Era sustentada pela família e pelo companheiro. Faxina no TB e no B7; e prestava serviços de faxineira e lavadeira para outras internas. Cursou ensino fund. no TB.

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TABELA II – Internas Entrevistadas no TB Ent. (Nomes fictícios)

Idade

Escolaridade

Idade quando interrompeu os estudos 16 anos

Marcele

29 anos.

Ensino Médio Inc.

Jorsélia

25 anos.

Ensino 17 anos Fundamental Inc.

Jaqueline

23

Ensino 13 anos Fundamental Inc.

Shirley

23 anos

Ensino Médio Inc.

Juca/ Marisa

33 anos

Joana

Motivo da interrupção

Saída da casa dos pais

Delito(s)

Filhos

Desinteresse pela ___________ escola e queria começar a trabalhar. Começou a 17 anos. trabalhar e não tinha interesse pela escola. Desinteresse pela 17 anos. escola.

Assalto à mão armada e formação de quadrilha.

Não.

Cúmplice de assassinato.

Não.

Foi presa.

__________

Associação para o tráfico.

Ensino 12 ou 13 anos Fundamental Inc.

Sofria “bullying” homofóbico (em suas palavras: “por causa da zoação”).

18 anos.

Assassinato da companheira e ocultação de cadáver.

45 anos

Ensino 14 anos Fundamental Inc.

Engravidou.

Aos 14 anos, para morar com o pai da 1ª filha.

Associação para o tráfico.

Sinara

38 anos

Ensino 10 anos Fundamental Inc.

Precisava trabalhar para ajudar a família.

12 anos para ir trabalhar como doméstica.

Transporte de drogas para dentro de um presídio.

Márcia

33 anos

Ensino Médio Inc.

18 anos

Foi trabalhar em outro município.

18 anos

Sequestro e formação de quadrilha.

Isabelle

33 anos

Ensino Superior Inc.

27 anos

Não gostou do curso.

19 anos.

Latrocínio.

20 anos

Tráfico de drogas.

Estudo/trabalho na prisão

Trabalha como cabeleireira no Salão do TB.

Família ajuda a se sustentar. Cursa Ensino Fund. no TB. Sim. Um Recebe auxílio filho de 5 financeiro do anos de namorado; antes idade. lavava roupa para outras três internas por 50 reais por semana. Cursa o Ensino Fundamental no TB. Não. Trabalha na zeladoria do TB. Está cursando o Ensino Médio no TB. Sim. Um Trabalhou filho de 11 zeladoria no B7 e anos, fruto trabalhava na de seu único zeladoria do TB. namoro Frequenta o heterossexu Ensino Fund. na al. prisão. Sim. Três Trabalha na filhos; mas, oficina de costura apenas um do TB; e recebe deles foi mesada do criado por traficante para ela até ser quem trabalhava. presa. Sim. Três Trabalha na filhos com o oficina de costura exdo TB. companheir o, que é egresso. Não. Trabalha na cooperativa de artesanato do TB. Cursa o Ensino Médio no TB. Sim. Um Trabalha na filho que cozinha da vive com o direção do TB e companheir foi faxina no B7; o. além disso, recebe auxílio do companheiro, que não é preso nem egresso.

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_______________________________________________________________

2. Prisões, “crime organizado” e gestão penitenciária no Rio de Janeiro _______________________________________________________

A prisão não pode deixar de fabricar delinquentes. Os fabrica pelo tipo de existência que impõe aos condenados (...). A prisão fabrica também delinquentes ao impor aos condenados coações violentas; está destinada a aplicar as leis e a ensinar a respeitá-las; de fato, todo o seu funcionamento se desenvolve sob o modo de abuso de poder. (...) A prisão torna possível, mais ainda, favorece a formação de um meio de delinquentes, solidários uns aos outros, hierarquizados, dispostos a todas as cumplicidades possíveis (...). Michel Foucault (2006 [1976]– grifo meu).

No início dos anos 2000, estimava-se que 70% da população condenada a penas privativas de liberdade na América Latina era composta por pessoas de baixa renda, que vivem com até 86 dólares ao mês (OLVEIRA, 2003). Mais da metade do total desses prisioneiros era de pessoas de cor negra e não possuía o ensino fundamental completo. Carranza (2011) destaca que a situação dos sistemas penitenciários na América Latina e no Caribe vem se deteriorando ao longo das últimas três décadas; mas, desde a década de 1990, na maior parte dos países da região a situação saiu de controle. Superpopulação, violência, roubos, gangues prisionais, mortes, desaparecimentos, falta de salubridade e violações graves aos direitos humanos de toda espécie. Esse é o retrato atual das prisões na América Latina. A região possui um dos sistemas prisionais mais degradantes e excludentes do mundo. As análises de dados oficiais sobre o sistema penitenciário em países latinoamericanos, entre os anos de 2001 a 2005 e no ano de 2011, pelo Instituto Latinoamericano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD), que acompanha o problema da superpopulação desde os anos de 1980, demonstraram que a maior parte dos países da região apresentava o problema em nível 41

crítico43 (CARRANZA, 2011). Segundo esses dados, a população penitenciária brasileira triplicou entre 1992 e 2011. Assim, apesar de signatários de todos os principais pactos e convenções internacionais de direitos humanos, os países latino-americanos não orientam suas políticas penitenciárias de acordo com as diretrizes desses documentos. As normas básicas de tratamento penitenciário estabelecidas pela ONU desde 1955, com o Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento do Delinquente, sistematizadas no documento “Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos”, são sistematicamente ignoradas – tais como: a necessidade de tratamento igual a todas as pessoas que cumprem penas privativas de liberdade, independentemente de sua condição econômica, social e política, de orientação sexual, religião, cor e filiação étnica; a separação dos presos por categorias; a manutenção das prisões em boas condições de funcionamento; entre outras. Ademais, chama atenção o alto número de presos provisórios na região, em especial, no Brasil, na Argentina e no Panamá, que não coincidentemente são também são três dos países que tiveram maior aumento da população carcerária desde os anos de 1990 (CARRANZA, 2011). Contingentes significativos de homens e mulheres, que deveriam estar protegidos pelo princípio de presunção da inocência, passam anos privados de liberdade enquanto aguardam julgamento. Muitas dessas pessoas são inocentadas quando finalmente conseguem ser julgadas ou, são condenadas a penas de reclusão de menor duração a que ficaram submetidas enquanto aguardavam suas sentenças. Outro dos principais problemas a serem enfrentados nas prisões da América Latina concerne às altas taxas de homicídios e suicídios ocorridos no interior desses estabelecimentos e que sequer são investigados. Em pesquisa sobre o sistema prisional na Costa Rica, por exemplo, Carranza, Issa e Leon (1990) constataram que, embora as prisões desse país pudessem ser consideradas de baixíssima incidência de violência e até mesmo exemplares comparativamente a situação dos demais países da região, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes registrada dentro do sistema penitenciário era 23 vezes maior que a taxa de homicídios fora das prisões, e a de suicídios era 8 vezes

43

A definição de “superpopulação crítica” foi criada pelo Comitê Europeu para os Problemas Criminais e é adotada pelas Nações Unidas como um critério útil de avaliação também da América Latina. Segundo ela, considera-se que há superpopulação no cárcere quando a densidade penitenciária (número de pessoas presas pelo número de vagas disponível multiplicado por 100) de um país é superior a 100; e que há superpopulação a nível crítico quando a densidade penitenciária ultrapassa 120.

42

maior. Embora esses dados refiram-se a situação da Costa Rica entre os anos de 1979 e 1988, se considerarmos o fenômeno do encarceramento em massa que, em geral, atinge a América Latina, o aumento do problema da superpopulação, o fato de que na grande maioria de suas prisões prevalece o encarceramento em celas coletivas e o número reduzido de funcionários nas unidades prisionais – principalmente, de servidores adequadamente qualificados –, pode-se aventar que esse quadro tenha se agravado nas últimas décadas. Ao abordar especificamente a situação dos sistemas prisionais de Brasil, Chile e Argentina no que tange às condições de vida e o desrespeito aos direitos humanos nesses estabelecimentos, Salla e Ballesteros (2008) apontaram que a constituição e o funcionamento dos aparatos de segurança pública desses países têm em comum o fato de terem sido marcados por regimes autoritários, o que de certo modo ainda repercute em suas vidas social e política. Segundo os autores, a globalização, as transformações no mundo do trabalho, a agenda neoliberal e outras tendências econômicas e políticas a nível mundial implicaram a busca por construir e consolidar a democracia; mas, também tiveram como efeito determinadas percepções sobre a criminalidade que resultaram em políticas de encarceramento em massa e cada vez mais distanciadas das premissas dos direitos humanos. O intenso crescimento da população carcerária nesses países afetou fortemente o sistema de justiça criminal e as condições de encarceramento locais. No Brasil, os dados disponíveis sobre o sistema penitenciário são escassos e pouco acessíveis. Assim, são pouco conhecidas, de fato, as práticas e dinâmicas de gestão prisional e o cotidiano penitenciário, suas carências e problemas. Apenas a superlotação e a defasagem de vagas nas penitenciárias do país, são uma questão amplamente debatida e que encontra eco no sistema de justiça, na mídia e em outros setores da sociedade e do Estado. Em 2008, o Relatório da Comissão de Inquérito Parlamentar da Câmara dos Deputados confirmou todas as mazelas conhecidas: superlotação, alimentação de baixa qualidade, grande número de presos provisórios sem formalização de denúncia, dificuldades de assistência jurídica e médica, violência e uso arbitrário de autoridade, inexistência ou ineficiência grave de programas voltados para incentivar o aumento dos baixos índices de trabalho (apenas 30%) e de formação educacional (somente 20%) dos presos, corrupção e delitos perpetrados por diferentes segmentos de servidores públicos, poder excessivo dos diretores, entre outros problemas (CPI, 2009, p.19). 43

Quando consideramos o caso do Rio de Janeiro em particular, o diagnóstico Gestão Penitenciária no Rio de Janeiro: problemas e perspectivas (CESeC, 2001)44, que investigou e analisou as práticas e dificuldades de gestão do sistema penitenciário no estado, continua atual. Ainda lidamos com a ausência de registros oficiais sobre o desenvolvimento histórico do sistema e sobre as práticas de custódia cotidianas. Acrescente-se que, embora os estabelecimentos prisionais já possuam computadores, poucos são os dados sobre internas e funcionários organizados, informatizados e disponíveis para consulta. Desde 2003, o Departamento do Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro (DESIPE) foi substituído pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (SEAP-RJ) como órgão responsável pela gestão das prisões fluminenses. Apesar da mudança, o problema da atuação de facções do tráfico de drogas no sistema prisional e a corrupção continuaram questões não resolvidas. A criação da SEAP-RJ pela, então, recém-eleita governadora do Rio de Janeiro Rosinha Garotinho, através do Decreto de lei 32.621, foi uma das respostas estatais a uma ampla crise de segurança pública no Estado, que vinha se intensificando desde meados dos anos de 1990 (CALDEIRA, 2004). Após uma sequência de rebeliões em presídios e ações terroristas orquestradas por líderes de facções presos no Complexo de Gericinó (Bangu), seguida pela publicização pela mídia de que desse Complexo e do Frei Caneca (por meio de celulares e de recados levados e trazidos por advogados) partiam as diretrizes para as ações do Comando Vermelho (C.V.), do Terceiro Comando (T.C.) e dos Amigos dos Amigos (A.D.A.) nas favelas e ruas fluminenses, ficou evidente a ineficiência das instituições do estado em lidar com o “crime organizado” ligado ao narcotráfico. Evidenciou-se também que prender as lideranças desses grupos em unidades prisionais de segurança máxima e submetê-las a regimes disciplinares cada vez mais restritivos de direitos não daria conta do problema; sobretudo, depois dos fatos que se seguiram à transferência do traficante Fernandinho Beira-Mar da carceragem da polícia federal em Brasília para Bangu 1, em 26 de abril de 2002.

44

Relatório / diagnóstico sobre as práticas e alternativas de gestão prisional adotadas no Estado do Rio de Janeiro realizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes (UCAM), com financiamento do Ministério da Justiça.

44

Houve onze “incidentes prisionais” entre tentativas de fuga, fugas, rebeliões e assassinatos em prisões e casas de custódia de Bangu sob o domínio do C.V. naquele ano (CALDEIRA, 2004). Gravações telefônicas feitas pelo Ministério Público Estadual (MPE) atestavam que Beira-Mar, um dos líderes da facção, continuava sendo o principal fornecedor de drogas e armas do Rio de Janeiro, apesar de preso. Atentados a órgãos públicos, atos de terror nas ruas e ameaças de impedir que a parcela da população que mora em favelas dominadas pelo narcotráfico pudesse exercer o direito de voto nas eleições daquele ano fizeram com que as forças armadas fossem chamadas a ocupar as ruas durante o primeiro e o segundo turno das eleições. Como resposta estatal, Bangu 1, que já era uma prisão de segurança máxima, foi transformada em uma prisão de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) 45 e Beira-Mar foi transferido para um presídio federal de segurança “super máxima” em Catanduvas, no Paraná46. A criação da SEAP-RJ marcou a transferência progressiva e definitiva da gestão do sistema prisional do Rio de Janeiro para a polícia militar e sua desvinculação direta das Secretarias de Segurança Pública e de Justiça. Atualmente, os cargos de alto comando da SEAP-RJ são ocupados majoritariamente por oficiais da polícia militar e, desde sua criação, muitos oficiais da PMERJ já estiveram a frente das prisões do estado. Muitas penitenciárias e casas de custódia também se encontram sob o comando de Inspetores de Segurança e Administração Prisional (ISAPs) com longa carreira no sistema. Houve um incremento da política de cárcere “duro” e a intensificação de uma gestão focada no controle dos presos e não, no tratamento penitenciário. Outro efeito da militarização crescente da SEAP-RJ foi a postura cada vez mais cerrada em si mesma da instituição. Isso tem se refletido, em especial desde final dos anos de 2000, em uma dificuldade crescente de acesso de pesquisadores e ativistas às unidades prisionais do estado. O acesso apenas é facilitado para grupos religiosos (em especial, evangélicos) que prestam serviços religiosos e assistenciais aos homens e mulheres internos do sistema. 45

A Lei de Execução Penal foi alterada pela Lei 10792/03, que criou o Regime Disciplinar Diferenciado ou RDD, de modo a estabelecer distinção entre criminosos comuns e criminosos que tenham cometido delitos que afrontem a ordem ou a disciplina do país. O RDD permite uma destituição ainda maior de direitos dos presos, implicando em intenso isolamento, maiores restrições no contato com a família e com representantes legais, etc. 46

Fernandinho Beira-Mar cumpre pena atualmente em Mossoró, a 277 km de Natal, Rio Grande do Norte. Mas, é constantemente transferido entre penitenciárias federais sem que isso interfira em seus “negócios”.

45

É relevante enfatizar que a criação da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária segue a tendência já observada no estado de São Paulo, e que hoje é nacional, de tornar o sistema prisional um setor de segurança que necessita de tratamento diferenciado dos demais. Nesse sentido, é curioso que, em estados como Rio de Janeiro e São Paulo onde o crime organizado é reconhecidamente gerido das prisões, a política penitenciária não seja tratada como uma dimensão constitutiva e fundamental da política mais ampla de segurança pública, o que implicaria estreita integração das ações e políticas de segurança e justiça em distintos níveis. O Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário (2008) constatou que a falta de integração entre as instâncias estadual e federal tornam difícil tomar conhecimento e levar a cabo investigações sobre os crimes cometidos por internos e por funcionários e direções nas prisões e cadeias públicas brasileiras, já que: (...) a União não tem o poder de interferir em casos de corrupção nas cadeias estaduais. Quando recebem denúncias, repassam as informações à autoridade judiciária competente, ao Ministério Público e à Secretaria de Estado responsável pelo sistema prisional. (...) Mas, infelizmente, na maioria dos casos, as denúncias são ignoradas e providências não são tomadas, sequer sindicâncias são „abertas‟ e, quando o são, raramente são concluídas. Os processos são morosos e em geral não punem ninguém (p.52).

Assim, no Rio de Janeiro, como nos demais estados da federação, a corrupção evidencia-se como um problema central e de grande dificuldade de enfrentamento. A CPI contou com depoimentos de presas, funcionários de estabelecimentos prisionais, jornalistas, pesquisadores, representantes do sistema de justiça, autoridades públicas e representantes da sociedade civil (como a pastoral carcerária) em todo o país; e concluiu, a partir dos relatos, que grande parte do contrabando de armas, drogas e celulares, dos esquemas de fugas e de entrada de pessoas ilegalmente nas prisões do país envolve agentes e diretores corruptos que recebem quantias que podem variar de “R$ 200 a R$ 100 mil, dependendo do material e do assunto. Em caso de fugas „permitidas‟, o preço aumenta e varia de acordo com o „freguês‟” (CPI DO SISTEMA CARCERÁRIO, 2008, p.51). Tendo em vista esse cenário, é acertado afirmar que as prisões brasileiras são extremamente violentas, oferecem condições pífias de subsistência e que o crime organizado coopta cada vez mais agentes do Estado. Apesar disso, faltam estudos que abordem seriamente o problema da corrupção. As análises sobre o sistema prisional 46

brasileiro e facções criminosas tendem a endereçar a relação entre a centralização do controle social de tipo repressivo e a difusão do controle social disciplinar entre distintos atores no cárcere (SINHORETTO, SILVESTRE e MELO, 2013). Nesse sentido, as interpretações variam entre: a ideia de que há coerência entre as políticas e os dispositivos de endurecimento penal, de tratamento e de repressão crescentes, que resultam na neutralização da garantia de direitos aos presos; e a ideia de que a emergência de “coletivos de presos” (em geral, facções do tráfico de drogas e de armas) representou o surgimento de um novo ator político que alterou a correlação de forças na micropolítica da disciplina e da violência no interior das prisões e nos espaços em que seus efeitos são sentidos. Sinhoreto, Silvestre e Melo (2013, p.84) propõem uma terceira possibilidade interpretativa, a de que a centralização dos mecanismos de controle repressivo (baseados no endurecimento dos dispositivos legais) e a difusão do controle social disciplinar (baseada em dispositivos de segurança compartilhados entre diferentes sujeitos que atuam no cotidiano penitenciário) foram ambos impulsionados pelo conflito e tensão resultantes da constituição dos “coletivos de presos”. Isto é, a centralização do controle repressivo e o compartilhamento do controle social difuso nas prisões brasileiras seriam processos correlacionados. A política de encarceramento em massa (GARLAND, 1999; 2008) estaria, portanto, em consonância com o endurecimento dos dispositivos penais, a violação de direitos dos condenados e a decadência da ideologia de reabilitação penal. A formação de “coletivos de presos”, efeito não planejado do endurecimento de tais dispositivos, teria conduzido ao desenvolvimento de um controle social disciplinar cotidiano compartilhado e negociado entre diferentes atores (administração, agentes penitenciários, facções, grupos religiosos, representantes da vizinhança onde a unidade prisional está localizada, grupos de familiares de presos, etc). Embora a política de execução das penas privativas de liberdade seja orientada em todo o território nacional pela Lei de Execução Penal (Lei Federal nº. 7210 de 11 de julho de 1984), no cotidiano do sistema as instituições formais se adaptam constantemente a circunstâncias que decorrem de controles sociais informais e essa relação produz variados efeitos, alguns dos quais perversos. Nas prisões brasileiras, as diretrizes operacionais para as estratégias de custódia, a concessão de benefícios e regalias e muitas das práticas administrativas – em especial, as de segurança – são determinadas por portarias estaduais e, não raro, pelo estilo de gestão dos operadores 47

encarregados

da

administração

de

cada

estabelecimento,

bem

como

pelas

especificidades dos contextos socioculturais e políticos locais. Como Dias (2011) aponta, no cotidiano da gestão penitenciária as normas jurídicas funcionam como um instrumento que produz constantemente mecanismos de negociação entre os agentes do Estado e entre eles e os líderes políticos da massa carcerária. Nesse sentido, Caldeira (2004, p.87) destaca que a política prisional é “condicionada por dois fatores interligados, que se condicionam reciprocamente: os controles formais, autorizados pela legislação, que devem orientar a atuação das agências do sistema penal, e controles sociais informais, que estão enraizados nas atividades e interações cotidianas”. No Rio de Janeiro, na maioria das prisões os principais atores em disputa nesse campo de forças são as direções dos estabelecimentos penais, os agentes de segurança penitenciária, as instituições religiosas que assistem o sistema e as lideranças das três47 principais facções que atuam no estado.

2.1 Narcotráfico e prisões fluminenses

As facções do narcotráfico dominam o sistema penitenciário fluminense há mais de três décadas. Atualmente, todas as unidades prisionais para homens estão ligadas a esses grupos. Em consequência, sob a justificativa de manter a ordem e a segurança na cadeia, a administração dos estabelecimentos negocia suas regras com as do crime organizado. Quando uma pessoa do sexo masculino é presa no Rio de Janeiro, ainda na delegacia ela é classificada por funcionários como pertencente a uma facção. Quando não possui vínculo prévio com alguma delas, classifica-se o sujeito pelo seu local de moradia para que fique em uma cela destinada a membros da facção que regula o território onde reside. Tenta-se evitar, assim, possíveis danos à integridade física do detento. De modo similar, quando um presidiário ganha a concessão de um benefício, como a progressão para o regime semiaberto, por exemplo, sua transferência para uma unidade compatível depende de vagas disponíveis em unidades ligadas à facção a qual pertence (FREIXO,

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A Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário (2008) faz menção ainda há duas outras facções atuantes nas prisões fluminenses, a Inimigos dos Inimigos (I.D.I.) e a Amigos de Israel (A.I.). Contudo, essas são organizações relativamente desconhecidas e de impacto muito reduzido nesse contexto.

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s/d). Se não houver vaga em uma unidade ligada a sua facção, ele não obterá a progressão da pena. Embora essa, por vezes, subordinação das normas legais às normas do crime vise defender a integridade física dos presos e manter a segurança nas prisões fluminenses, ela estimula e torna quase que inevitável a imersão dos condenados nas redes da criminalidade, muitas vezes estreitando seus vínculos com o crime (OUVERNEY, 2010). Como exemplo, Freixo (s/d) destaca que entre os trinta presos que morreram em um dos maiores conflitos entre facções, ocorrido na casa de custódia de Benfica em 2004, ao menos dezessete estavam detidos por crimes leves (furtos ou roubos de pequeno valor) e muitos dos mortos eram pessoas em situação de rua. Ou seja, pessoas que não possuíam ligações com nenhuma facção do narcotráfico até serem presas. Some-se que, se a intensa rivalidade dessas organizações no estado exige que os presos sejam alocados de acordo com suas vinculações territoriais, no interior das unidades a Lei de Execução Penal (LEP) e a Constituição Brasileira são amplamente desrespeitadas também no que se refere à determinação de separar os presos segundo os crimes cometidos, faixa etária e seus antecedentes criminais. Entre as três grandes facções que atuam no sistema penitenciário fluminense, o Comando Vermelho (C.V.) é sem dúvidas a facção cuja história e as atividades criminosas, dentro e fora das prisões, têm despertado maior interesse de pesquisadores e da mídia nas últimas décadas. O C.V. é fruto de uma organização originada no Instituto Penal de Cândido Mendes (1963-1994), presídio de segurança máxima conhecido como Caldeirão do Diabo, que era localizado em Ilha Grande, litoral do Rio de Janeiro (AMORIM, 2010). O Decreto-Lei n.898, de 29 de setembro de 1969, havia ampliado o escopo da Lei de Segurança Nacional (LSN) de modo a enquadrar quaisquer presos que cometessem crimes de assalto, sequestro e / ou roubo. Assim, o Estado buscava descaracterizar a dimensão política dos crimes cometidos pelos opositores do regime ditatorial que vigorava no país. A partir de então, presos comuns e presos políticos passaram a ocupar uma mesma galeria no presídio. Com a convivência forçada, aos poucos, os presos comuns assimilaram os modos de organização e um maior grau de reflexão sobre sua condição social a partir da relação de tensões, conflitos, negociações e alianças que se estabeleceu entre os dois grupos. Por volta do final dos anos de 1970, quando as tensões entre eles haviam se intensificado e a Anistia promulgada apenas beneficiou os presos políticos, assaltantes, ladrões e sequestradores comuns criaram 49

uma organização que, além de ajudá-los a lidar com a micropolítica do cotidiano prisional, lhes permitisse constituir e consolidar uma rede de apoio mútuo – justificada por discursos de cunho político e econômico construídos a partir convivência com intelectuais, estudantes e artistas (MISSE, 2003; LESSING, 2008; AMORIM, 2010). Desse modo, surgiu a Falange Vermelha. Até meados da década de 1980, a Falange Vermelha, já conhecida como Comando Vermelho ou C.V., havia estendido seus domínios pela maior parte presídios e casas de detenção fluminenses e ultrapassado os muros das prisões. A organização entre os presos da Ilha Grande passou a determinar o modus operandi do crime organizado no estado. Desde o início dos anos de 1980, as lideranças dentro e fora dos presídios mantiveram um alto grau de articulação e capitalizaram sua organização através de assaltos a bancos, a carros fortes e a grandes empresas. As dissidências surgidas dentro do próprio sistema prisional mantiveram estruturas organizacionais semelhantes a da Falange Vermelha e fundaram suas próprias Falanges (como a Falange do Jacaré, que originou o Terceiro Comando). O tráfico de drogas passou a ser a principal atividade criminosa praticada por esses grupos com a mudança nas rotas do tráfico internacional e, consequente, barateamento da cocaína48, o que propiciou a expansão do mercado de drogas ilíticas no país. Isso impulsionou a disputa por territórios entre essas organizações e entre elas e grupos menos organizados que controlavam o comércio de drogas em algumas favelas e bairros pobres do Rio de Janeiro. Como destaca Misse (2003): Em meados dos anos 80, o tráfico a varejo já se encontrava organizado em duas grandes redes na cidade, uma originária da Falange Vermelha, a que a imprensa denominou Comando Vermelho e outra, imediatamente posterior e baseada na Falange do Jacaré, que foi denominada de Terceiro Comando. A estrutura dessas redes reproduziria a estrutura das Falanges e continuava a ter sua principal base de articulação nos presídios.

Nesse contexto, Soares (2003) sugere que as armas se tornaram uma espécie de “capital imobilizado”, cujo uso se busca maximizar. Para defender seus territórios, se proteger da polícia e intimidar os inimigos, o suborno constante de agentes do estado e a aquisição de arsenais cada vez mais poderosos de armas de uso exclusivo das forças

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Ver Caldeira, 2004; Misse, 2003, 2004; Downdney, 2003; Gaio, 2006.

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armadas (como fuzis, metralhadoras, granadas, bombas e até bazucas) se tornaram “mercadorias políticas” centrais para fortalecer o “Movimento”49. Misse (2003) afirma que, ainda nos anos de 1980, com a prisão dos principais líderes do C.V. e do T.C., as traições de seus subalternos (dentre elas a que originou a facção Amigos dos Amigos, dissidente do C.V.) e as insubordinações de alguns traficantes independentes minaram as pretensões de constituição de oligopólios do varejo de drogas, já que teria havido uma segmentação crescente dessas redes. O autor sugere que as facções teriam voltado a sua condição inicial de redes de proteção intrapresídios, mesmo que alguns “donos de morro” presos consigam manter seus territórios com o auxílio de associados leais – por vezes, parentes. Desse modo, ainda que os chefes do narcotráfico no Rio de Janeiro continuem a designar-se como pertencentes a uma dada facção, essa seria somente um tipo de identidade difusa que serviria também como uma forma de proteção preventiva (MISSE, 2003). Lessing (2008) investigou nove favelas em três cidades brasileiras – São Paulo, Recife e Porto Alegre –, com vistas a analisar de forma acurada o consenso entre especialistas de segurança publica acerca da especificidade da dinâmica do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Seus dados demonstraram que esse estado apresenta a particularidade da estabilidade de um mercado de drogas altamente concentrado. Embora as diferentes organizações do narcotráfico atuantes em território nacional possuam muitos aspectos semelhantes entre si, Lessing encontrou grande variação nos graus de concentração do comércio de drogas em cada cidade e mesmo em cada comunidade investigada. A estabilidade do mercado de drogas fluminense resultaria das dinâmicas de funcionamento das facções atuantes no estado que, segundo o autor, neutralizam de forma mais eficiente forças de fragmentação igualmente encontradas em outros contextos (dificuldades organizacionais, disputas internas, dissidências, etc.). Para o autor, a especificidade do caso carioca se explica por um conjunto de fatores, como suas características geográficas, os níveis de corrupção policial e política e por contingências históricas; mas, fundamentalmente, pelo domínio exercido pelas facções sobre o sistema prisional. Essa dimensão pouco investigada das facções do tráfico de drogas seria o elemento central para compreendermos as dinâmicas do 49

Trata-se de uma categoria nativa. “Designa-se por Movimento no Rio de Janeiro o mercado informal ilegal de drogas (principalmente maconha e cocaína) que se espalha, no varejo, nas aglomerações urbanas de baixa renda e bairros de periferia” (MISSE, 2003).

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“Movimento”, como também a política e as dinâmicas de gestão do sistema penitenciário local. Cabe assinalar aqui que a análise de Lessing aborda um período em que o domínio das prisões de São Paulo pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) era recente e menos ostensivo50. Pode-se afirmar que, atualmente, o domínio exercido pelo PCC nas prisões daquele estado é tão ou mais intenso quanto o das facções no Rio de Janeiro. Misse (2003) também ressalta a relativa eficiência dos grupos que movimentam o tráfico de drogas no Rio de Janeiro no que tange à sua capacidade de organização e reorganização local, apesar da fragmentação das redes e do processo de juvenilização do narcotráfico intensificado no final dos anos de 1980. No entanto, Misse não estabelece relações causais com o tipo de domínio exercido pelas facções sobre o sistema penitenciário. O autor destaca outros elementos centrais de distinção entre as redes do narcotráfico fluminense não somente quando comparadas as de outras metrópoles brasileiras, como também com as de organizações do narcotráfico das grandes cidades a nível global. Internacionalmente, segundo ele, o cenário mais frequente é de organizações verticais de “base familística ou patrimonial” e que, com frequência, se encontram diretamente subordinadas a grandes atacadistas do mercado de drogas ilícitas – máfias, cartéis, etc.; enquanto no Rio de Janeiro encontramos a constituição e reprodução de redes de proteção mútua que assumem uma configuração horizontal. Isso porque o varejo das drogas é baseado em um sistema de consignação das mercadorias a partir daquele que ocupa a posição de dono, patrão ou gerente geral em uma comunidade. Tal sistema engendra “uma estrutura de „patrão / cliente‟ e uma hierarquia mortal de „credor / devedor‟”, na qual a violência serve como garantia nas negociações (MISSE, 2003). A figura do dono / patrão / gerente geral é fundamental; pois, é em torno dela que se estruturam as redes que vinculam comunidades de distintas áreas do estado, através da designação de gerentes locais ou de alianças entre gerentes gerais. 50

Desde que surgiu, em 1993, no interior do presídio de Taubaté, em São Paulo, como uma espécie de irmandade entre presos contra as péssimas condições do sistema penitenciário local, o PPC expandiu seu escopo de atuação não somente por todo aquele estado, como também por outras regiões do país – como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Bahia. E, além do PCC, sabe-se da existência de mais quatro facções no sistema carcerário do estado de São Paulo: o Terceiro Comando da Capital (T.C.C.) – que é o segundo grupo mais influente; o Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), o Comando Democrático da Liberdade (CDL) e a Seita Satânica.

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Misse ressalta que o processo de juvenilização das organizações do narcotráfico no Rio de Janeiro foi acompanhado de uma transição no tipo de dominação exercida por esses grupos sobre os territórios dominados, que passou a se dar basicamente através da tirania com o controle pelo medo e o uso extensivo da violência, sem qualquer intenção de buscar legitimidade junto às comunidades, já que raramente os gerentes gerais e locais possuem hoje vínculos comunitários. Além disso, a resolução de conflitos que envolvem mulheres, sexo ou partilha de botins, por meio de armas poderosas ou através de rituais de crueldade, atinge uma dimensão inédita, contribuindo para a demonstração de força e poder necessária à preservação da posição no movimento ou fora dele. Generaliza-se a partir dos territórios controlados pelos traficantes, uma „sociabilidade violenta‟ (Machado da Silva, 1997), caracterizada pela desconfiança em todas as transações, por um novo tipo de individualismo que desconhece a alteridade ou a despreza e por uma „lógica de guerra‟ atomizada, segmentada e sem qualquer projeto que não seja o de continuar vivo (MISSE, 2003).

Nesse sentido, ainda que haja controvérsias em relação à tese da emergência de uma “sociabilidade violenta”51, parte da literatura também têm apontado que a coesão e a estabilidade da estrutura organizacional das facções cariocas são uma idealização pouco fundamentada na realidade concreta. Barbosa (2006), por exemplo, enfatiza que essas redes são altamente capazes de se reconstituir a partir de rupturas e se articulam de forma complexa em distintos níveis, e que o uso da expressão “crime organizado” para designar suas dinâmicas é equivocada. O termo “crime organizado” supõe a existência de grandes organizações em que o poder de comando é centralizado; organizações capazes de abranger todos os patamares do atacado e do consumo no mercado de drogas ilegais. No entanto, o que designamos como facção ou comando no Rio de Janeiro pode ser definido como “um conjunto de alianças, especialmente das lideranças que controlam os grupos em nível local, mas não somente delas, e um espaço de negociação permanente, construído a partir das cadeias” (BARBOSA, 2006, p.5). Desse modo, cada dono tem autonomia para comandar seu (s) território (s) e não há uma hierarquia entre os donos dentro das facções. Nas prisões, espaço privilegiado 51

A noção de sociabilidade violenta busca “captar a natureza e o sentido da radical transformação de qualidade das relações sociais a partir das práticas de criminosos comuns” (Machado, 2004:53). Essa perspectiva assume que a violência nesses contextos atua como princípio de organização de um complexo de práticas sociais – o que decorre de circunstâncias relacionadas tanto com a dinâmica de atuação do narcotráfico como do Estado nesses territórios: “na ordem da violência urbana as práticas se articulam através de demonstrações factuais de força e não por intermédio de referências de valor compartilhadas”.

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de sociabilidade em que se estreitam alianças e articulações, também existe um frente ou presidente de cadeia (BARBOSA, 2006). As alianças que dão forma à facção supõem lealdade e solidariedade, sobretudo, em situações difíceis; por isso, cabe aos que estão fora “fortalecer” (com ajuda financeira, apoio à família, etc.) aqueles que estão dentro das prisões. E as decisões sobre questões de interesse coletivo e resoluções de conflitos são tomadas de maneira conjunta através de reuniões com intensa circulação de cartas e telefonemas entre as penitenciárias e as favelas. Não obstante, o autor aponta que o interesse comercial, muitas vezes, se sobrepõe ao vínculo com a facção. Assim, “fluxos comerciais contribuem significativamente para estabelecer o quadro de mudança contínua com que nos deparamos atualmente” (2006, p.6).

2.1 E as mulheres no “mundo do crime”?

Em um contexto em que as regras, valores e moralidades do mundo do crime se articulam profundamente na gestão da vida sociopolítica e econômica no interior das prisões para homens e nas favelas fluminenses, como duas faces de um mesmo processo, é inevitável questionar: E as mulheres nesse “mundo do crime”? Lemgruber (2012a) aponta que, entre os anos de 2005 e 2011, houve no Brasil um crescimento da população carcerária de 53%. Nesse período, o incremento de homens presos no país foi de 51%, enquanto a população de mulheres cumprindo medidas privativas de liberdade aumentou 118%. Quando consideramos os crimes que levaram essas mulheres à prisão, o tráfico de drogas aparece como principal delito. Entre as 16.422 (dezesseis mil, quatrocentas e vinte e duas) mulheres presas em 2011 havia 11.829 (onze mil, oitocentas e vinte nove) condenadas por tráfico de drogas. Ou seja, mais de 70% de toda a população carcerária feminina em território nacional. Segundo Lemgruber (2012a), esse fenômeno de maior crescimento das taxas de encarceramento de mulheres comparativamente aos homens articulada especificamente a crimes relacionados ao narcotráfico é uma tendência global. Ao analisar dados sobre a América Latina e o Caribe, Carranza (2011) também constatou que as mulheres presas na região, em geral, foram condenadas por crimes relacionados à produção, tráfico e consumo de drogas ilícitas, e que tendem a desempenhar funções consideradas de menor importância na hierarquia das 54

organizações criminosas. Assim como os homens presos por esses crimes, com frequência, essas mulheres têm cor negra ou parda, possuem baixa escolaridade e pertencem aos segmentos econômicos menos favorecidos da população. Desse modo, fica evidente que as redes do narcotráfico não são exclusivamente masculinas, embora as mulheres estejam invisibilizadas nos discursos e análises sobre o fenômeno. O abismo que existe na proporção de homens e mulheres encarcerados52 e, até onde se sabe, envolvidos diretamente com a criminalidade, as representações sobre as mulheres como sujeitos passivos e sobre as mulheres criminosas como vítimas conduzidas ao crime por homens com quem se envolveram emocionalmente, são algumas das pressuposições, por vezes assumidas como fatos, que tornam as práticas criminosas das mulheres um tema de menor interesse para os pesquisadores. Nos estudos sobre violência e segurança pública quando as narrativas, experiências e relações das mulheres são consideradas é predominante a perspectiva da vitimização. Até mesmo nas investigações sobre o sistema prisional que abordam as trajetórias e vivências de mulheres criminosas é comum que prevaleça tal perspectiva. Pesquisadores de distintas áreas do conhecimento negam às mulheres o papel de protagonistas de suas próprias vidas. Não raro, suas práticas transgressoras são justificadas por fraquezas tidas como femininas, pelas dificuldades enfrentadas para exercer seus papéis como mães e filhas (a “necessidade” de cuidar dos filhos ou de familiares,) e/ou por desvios de personalidade. Embora haja sim um número reduzido de mulheres no que se costuma chamar de “crime organizado”, em especial no tipo de crime organizado que mobiliza grande parte dos discursos sobre criminalidade urbana violenta, sabe-se que elas ocupam variadas posições na estrutura das “firmas”53 do narcotráfico fluminense; ainda que em geral em funções menos centrais e hierarquicamente inferiores. Atuam como mulas (pessoas que transportam pequenas quantidades de drogas ou armas), endoladoras (pessoas que participam do processo de separação, pesagem e embalagem de drogas), vapores (pessoas que vendem pequenas quantidades de drogas no varejo); elas exercem também funções administrativas e contábeis, trazem e levam recados e “mercadorias políticas” entre as favelas e da rua para a prisão, escondem drogas; e podem chegar a ocupar (ainda que seja raro,) o cargo 52

Em 2011, os homens correspondiam a 93,8% da população carcerária brasileira.

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Barbosa (2006): “como o grupo local é autorreferenciado pelos seus membros”.

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de gerente local. Podemos assumir que ao fazer parte dessas redes também são consideradas membros, mesmo que de menor valor, dos comandos. Elas enfrentam, inclusive, as mesmas restrições que seus colegas de facção no que se refere aos constrangimentos que a rivalidade desses grupos implica em termos de circulação territorial. Por isso, é no mínimo curioso que as prisões femininas do Rio de Janeiro não estejam sob o domínio das facções. Quando consideramos o caso de São Paulo, por exemplo, o controle do PCC sobre as prisões do estado se estendeu para as prisões destinadas às mulheres. Parte significativa dessas instituições possui pilotos (representantes do “partido”) gerenciando o coletivo na cadeia. Pandovani (2010), em pesquisa sobre sexualidades consideradas desviantes e criminalidades femininas na Penitenciária Feminina da Capital (PFC), em São Paulo, conclui a partir dos relatos de seus informantes que: “A grande maioria das mulheres envolvidas com o PCC são esposas, namoradas, amantes, irmãs, cunhadas, mães, enfim: familiares dos homens líderes do tráfico organizado” (p.122). Essas mulheres regulam a cadeia segundo as leis do “partido”, impondo-as pela violência. Mas, pelo pouco que se sabe, elas parecem não exercer posições de comando na estrutura mais ampla da organização. Todas as decisões sobre o convívio na cadeia e as resoluções de conflitos envolvem a consulta aos líderes do “partido” nas prisões masculinas. No Rio de Janeiro, também há namoradas e familiares de vários traficantes cumprindo penas privativas de liberdade. Contudo, isso não teve como efeito a expansão do domínio dos comandos para as prisões femininas do estado. Jacqueline Alcântara de Morais, por exemplo, mulher oficial do traficante Fernandinho Beira-Mar, presa em 2007 sob a acusação de administrar os negócios como “braço direito” do marido preso, cumpria pena na Penitenciária Talavera Bruce (TB) no período do trabalho de campo para esta tese. Ela havia sido transferida há pouco tempo para a unidade. É relevante que sua posição privilegiada no mundo do crime, como mulher de um dos principais líderes do C.V. e um dos mais notórios traficantes de drogas ilícitas e armas na América Latina, lhe garantia as comodidades que o dinheiro proporciona na prisão e regalias nas relações com funcionários da penitenciária; porém, isso não a colocava por si só em uma posição de comando ou hierarquicamente superior às demais internas. Um incidente, ocorrido poucas semanas após seu ingresso na unidade, demonstra que o tipo de status que lhe era conferido naquele momento advinha de seu 56

poder aquisitivo, não da posição de destaque ocupada em uma das mais importantes organizações criminosas do país. Jacqueline teve R$300,00 (trezentos reais) e uma calça jeans “de marca” furtados de sua cela. Logo, o boato se espalhou pela cadeia e houve grande expectativa acerca de sua reação à ofensa. A mulher de Beira-Mar não tomou qualquer atitude e continuou a manter o mínimo de contato com as demais internas. Além de estranhamento, isso fez com que as outras prisioneiras considerassem Jacqueline covarde, “uma mosca morta”; afinal de contas, ela era “a mulher do patrão” (como algumas presas se referiam a Beira-Mar). Em uma prisão masculina regulada pelo C.V., uma infração como essa jamais passaria impune. Como será abordado no próximo capítulo, relatos das informantes ouvidas nesta pesquisa revelam que, em alguns períodos da história institucional do TB, houve lideranças entre as internas que regulavam convívio entre prisioneiras, controlavam o negócio da droga e representavam a massa carcerária junto à direção da unidade. Todavia, nenhum desses relatos associa tais lideranças a comandos do tráfico de drogas. Dois depoimentos reportam que uma facção teria financiado festas e eventos culturais na penitenciária durante a gestão de um ex-diretor, no início dos anos 2000. Mas, ao que tudo indica, isso teria relação com a presença de familiares de um chefe do tráfico entre as internas e não, com a interferência direta da facção na vida institucional. A relação das mulheres traficantes com os comandos no Rio de Janeiro é um tema de pesquisa ainda negligenciado, o que torna inviável no momento qualquer tentativa de compreender por que o domínio do sistema penitenciário por esses grupos é uma realidade específica das prisões masculinas do estado. De fato, a pesquisa bibliográfica demonstrou que as formas de inserção e as experiências das mulheres no mundo da prisão são, de modo geral, um tema pouco caro à pesquisa social.

2.3 Criminalidade e conduta desviante

Os primeiros estudos sobre mulheres criminosas no Brasil abordaram as diferenças entre as taxas de criminalidade de homens e mulheres, buscando explicar a maior vinculação masculina à criminalidade a partir das diferenças biológicas e psíquicas entre os sexos. Aspectos socioculturais também eram entendidos como desdobramentos da “natureza” distinta de homens e mulheres. A honestidade feminina – entendida como 57

honra sexual – era considerada a base de sustentação da família e da ordem social, e sua manutenção dependia da tutela das mulheres pela família e pelo Estado. Predominava a idéia de que a natureza feminina implicava fragilidade moral, em razão de seu caráter supostamente mais emocional do que racional, tornando-as por demais suscetíveis às más influências (ROHDEN, 2001). A repercussão da criminologia italiana – em especial das obras do italiano Césare Lombroso (1903[1896]), – e da teoria da degeneração do francês Benedict August Morel (1857) sobre a intelectualidade brasileira, legitimou e reforçou a perspectiva baseada em hierarquias de sexo e de raça54. Apenas na década de 1970, as explicações de cunho biológico caíram em descrédito, perdendo espaço para teorias que vão associar o tipo inserção das mulheres na criminalidade aos processos de socialização de gênero. A dita pouca adesão de mulheres a crimes violentos e sua suposta posição subalterna no crime foi entendida como um dos efeitos da dominação masculina (SOUZA, 2006). Em tese pioneira sobre a Penitenciária Talavera Bruce, Lemgruber (1983) chegou a aventar que a participação das mulheres na criminalidade se tornaria cada vez mais próxima a dos homens na medida em que diminuíssem as disparidades socioeconômicas estruturais entre eles. Contudo, a própria autora (LEMGRUBER E PAIVA, 2010) apontou décadas mais tarde que tal hipótese se mostrou equivocada. O crescimento da população carcerária feminina nem de longe reflete os avanços obtidos pela inserção das mulheres no mercado de trabalho no período. Entre estudos recentes, o foco têm sido as representações sociais acerca da criminalidade feminina, o perfil sócio-demográfico das mulheres apenadas e as circunstâncias com maior frequência relacionadas ao seu ingresso no mundo do crime e no sistema prisional (SOARES, 2002; SOARES e ILGENFRITZ, 2002; SOUZA, 2005; MOKI, 2005). Há ainda um número crescente de pesquisas sobre maternidade e religiosidade na prisão (LOPES, 2004; QUINTINO, 2005; RODRIGUES, 2005; ORDOÑEZ, S/N). A existência de creches em algumas unidades prisionais femininas gera controvérsias entre os especialistas acerca dos benefícios que de fato essa convivência prolongada entre mães e filhos naquele ambiente possa gerar, em especial para as crianças. No que concerne à religiosidade, nas últimas duas décadas, o estreitamento entre entidades da sociedade civil (sobretudo, os grupos religiosos) e o 54

Ver Schwarcz, 1993; Carrara, 1998; Rinaldi, 2004; Pinto, 2004; Miskolci, 2005.

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sistema prisional teve variados e complexos desdobramentos, dentre eles: sua incorporação às estratégias de gestão da prisão e à micropolítica das relações no universo prisional. Ordoñez (s/d), por exemplo, propõe que, nas prisões femininas, a religião (junto com a homossexualidade e outras formas de sociabilidade) tenha se tornado um dos mecanismos de adaptação-resistência55 construídos pelas internas para atenuar e driblar a intensa repressão e controle a que são submetidas. Na última década, foram produzidos também estudos sobre sexualidade na prisão e sobre a visita íntima56. A maior parte deles toma por objeto as restrições e falta de estrutura das unidades prisionais para que se realizem os encontros entre as mulheres e seus companheiros, e as limitações e humilhações enfrentadas pelas que conseguem exercer seu direito à visita íntima. Poucas investigações abordaram a experiência da sexualidade na prisão de forma mais abrangente, se detendo inclusive sobre os relacionamentos afetivo-sexuais entre internas (IlGENFRITZ E SOARES, 2002; PANDOVANI, 2010, 2015a; CORDEIRO, 2013). Ainda no que se refere à temática da sexualidade, a questão da violência e da coerção sexuais no contexto prisional pouco aparece em estudos brasileiros sobre prisões femininas ou masculinas, e nunca foi objeto de uma investigação específica. Nos Estados Unidos, por exemplo, apesar de pouco explorado, o tema do “sexo não consensual”57 na prisão vem sendo estudado desde os anos de 1960, ainda que o foco em geral tenha sido direcionado aos estabelecimentos prisionais para homens (HENSLEY, STRUCKMAN-JONSHON & EISENBER, 2000). Segundo Tewksbury and West (2000), por se tratar de algo percebido como um problema social e institucional, o estupro na prisão teria recebido mais atenção que outras formas de violência sexual em pesquisas norte-americanas. Hensley, Struckman-Johnson & Eigenberg (2000) destacam que, embora houvesse escassos relatos sobre estupros em

55

“O conceito de mecanismos de adaptação-resistência é híbrido. Nele comportamentos e discursos aparentemente adaptativos aparecem simultaneamente como formas de resistência. (...) Esses mecanismos são espaços intermediários e brechas do sistema prisional, onde a vida e a singularidade pedem passagem subordinadas e limitadas ao poder e controle e, ao mesmo tempo, em coexistência negociada com eles.” (ORDOÑEZ, s/n). 56

Visita íntima é a denominação dada aos encontros sexuais com parceiros fixos – cônjuges ou namorados – no ambiente prisional, segundo regras estabelecidas pela administração penitenciária. 57

Para uma discussão sobre a categoria coerção sexual, seus limites e desdobramentos, ver Cordeiro, 2008.

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prisões para homens desde a primeira metade dos anos de 1930, foi entre as décadas de 1970 e 1980 que proliferaram pesquisas sobre coerção sexual entre prisioneiros 58. Hensley, Struckman-Johnson & Eigenberg (2000) apontam que a publicação, em 1989, de uma edição especial de dois volumes do The Prison Journal dedicados à sexualidade em prisões masculinas foi um marco para os estudos sobre sexo não consensual e prisão nos Estados Unidos. Três dos artigos publicados (TEWKSBURY, 1989a; SCHIMID and JONES, 1989; e SMITH and BATIUK, 1989) se detiveram sobre como a vida na prisão é afetada pelas percepções e medos dos internos de serem vítimas de violência sexual. Outros artigos contribuíram para definir características de vítimas e agressores e as dinâmicas dos ataques sexuais na prisão (CHONCO, 1989), e para compreender as atitudes dos guardas e como avaliavam a questão do estupro nas instituições (EIGENBERG, 1989). Contudo, na década de 1990, os cientistas sociais norte-americanos parecem ter perdido o interesse pelo tema que entra em declínio (HENSLEY, STRUCKMAN-JOHSON & EISENBER, 2000). No que concerne às relações afetivas e sexuais entre prisioneiros, grande parte dos estudos sobre prisões se detêm apenas sobre as redes familiares e sobre os efeitos do encarceramento nas conjugalidades; em geral, a partir de prisões masculinas (PANDOVANI, 2015a). Desde o final dos anos de 1990, surgiram ainda estudos brasileiros sobre as conexões e tensões entre a prisão e a sociedade mais ampla e acerca do impacto que ela exerce nos sujeitos que mantêm relações com o sistema penal. Esses estudos consideram ou, não os vínculos afetivos entre as pessoas presas e as pessoas em liberdade com quem possuem relações de parentesco, vizinhança e / ou de amizade (BARBOSA, 1998, 2005; GODÓI, 2010; GRANJA, 2012; BOLDRIN, 2014; PANDOVANI, 2015a). Pandovani (2015a, p.) destaca que, no Brasil, também há uma produção recente sobre prisões no que tange as “relações de poder (DIAS, 2011), narrativas e negociações das violências (CASTRO E SILVA, 2008; VIANNA, 2012), etiquetas e códigos articulados nas trajetórias que atravessam prisões e periferias (MALLART, 2014; MARQUES, 2009), suas porosidades (GODÓI, 2010)”. Sobretudo, quando consideramos o eixo Rio de Janeiro – São Paulo. Não obstante, a autora destaca que quase toda essa produção é centrada em prisões masculinas e poucas tomam por

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Ver Weiss and Friar, 1974; Carrol, 1979; Lockwood, 1980; Wooden and Parker, 1982; Cotton and Groths, 1982; Nacci and Janel, 1983.

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objeto as redes e relações de afeto em seu sentido positivo (alianças, redes de ajuda, etc.), abordando somente as relações conflituosas (“os desafetos”) e de abandono (a ausência de afetos). Em geral, grande parte dos estudos sobre sistema penal (feminino e masculino) conduzidos na América Latina – em especial, no Brasil – continuam a investir na temática das possíveis correlações entre pobreza e criminalidade. Muitas vezes, buscando estabelecer relações causais entre as desigualdades socioeconômicas e o crime. Misse (1993; 2006) afirma que, no Brasil, até a década de 1980, as tentativas de compreender o fenômeno da criminalidade privilegiaram a pobreza como fator explicativo. Essa articulação, marcante no imaginário social e nas análises sociológicas sobre o país, teria sido beneficiária do caráter maleável das categorias envolvidas, que: “adquirem matizes mais ou menos abrangentes e definições mais ou menos particulares, de modo a englobar outras variáveis causais em uma ou outra das categorias” (MISSE, 1993, p.3). Desde o final da década de 1970, essa correlação direta e reducionista tem sido amplamente problematizada, mas, continua sendo inevitável enfrentar a questão, já que a correlação entre pobreza e criminalidade se mantém constante no imaginário social e na cultura das instituições policiais do país (AZEVEDO, 2010; MISSE, 2006). Azevedo (2010) aponta que, recentemente, uma tese tributária de tal perspectiva ganhou força em muitas análises sociais sobre o fenômeno da criminalidade violenta no Brasil e no mundo: a de que a carência e precariedade da presença do Estado em determinados territórios concorreria para a incidência de maiores índices de criminalidade e violência nessas regiões. Alguns estudos vêm contestando essa tese e propõem que a maior incidência de crimes estaria relacionada diretamente a maior ou menor oportunidade de se cometer delitos sem sofrer punições e, por isso, o problema estaria vinculado ao baixo investimento no aparato coercitivo do Estado. Isso, sem dúvidas, gera muitas controvérsias já que, como ressalta Machado da Silva (1999; 2004), diversas pesquisas já demonstraram que os riscos envolvidos no exercício de atividades criminosas são altíssimos em quaisquer contextos, o que põe por terra a possibilidade de se explicar o crime a partir da noção de baixos custos de oportunidades. Acrescente-se que ainda mais questionável é o fato de que esse tipo de leitura pressupõe uma perspectiva teórico-conceitual das relações sociais em que “a formação dos comportamentos é vista como uma reação mecânica a condições contextuais” (2004, p.64). 61

Das e Poole (2004), ao propor pensar as regiões periféricas das cidades a partir da noção de “margem”, desconstroem a ideia de que a atuação do Estado junto às populações menos favorecidas que ocupam essas áreas seja limitada, ou debilitada. Para as autoras, o crime não é algo que esteja "de fora" dos centros de poder. Ele é parte constitutiva da formação e do funcionamento do Estado. As delimitações de legalidades e ilegalidades são tênues e, por vezes, se confundem na vida cotidiana. Assim, a gestão das ilegalidades pelo Estado se desdobra tanto em práticas repressivas e punitivas, quanto em redes de cooperação e proteção. A noção de margem refere territórios em que as leis e processos do Estado são engendrados por outras formas de regulação da vida, criadas a partir dos agenciamentos dos sujeitos e de suas relações. Tendo isso em vista, é possível pensar as prisões a partir das relações do Estado com suas margens. Em distintas escalas (municipal, estadual e federal), o Estado e seus agentes estão presentes de modos diferenciados nas áreas marginalizadas e a atuação junto a essas populações difere da atuação nos demais espaços da cidade. O Estado constrói-se continuamente nesses lugares “nos intervalos do cotidiano” (FARIAS, 2007, p.67); e na medida em que o próprio Estado não é um objeto fixo, as margens podem ser abordadas por diferentes perspectivas. As políticas de Estado são orientadas por uma lógica situacional. Ao considerarmos o caso das áreas dominadas pelo narcotráfico no estado do Rio de Janeiro, por exemplo, chama atenção a produção de discursos e práticas vinculadas à perspectiva de “medidas emergenciais”. Em um cenário em que predominam a “metáfora da guerra” e da favela como gênese da violência urbana, partese do princípio de que quem mora nessas áreas é bandido, parente de bandido, virá a ser bandido ou é conivente com a bandidagem 59. Por isso, trata-se como um todo de uma população de marginais, de pessoas “matáveis” como define Farias (2007). Em análise sobre o processo de construção social do criminoso, Magalhães (2006) problematiza três das principais vertentes de teorias sobre a criminalidade moderna: a teoria do autocontrole60, a teoria da escolha racional61 e a teoria 59

Não espanta que, no ano de 2007, em entrevista aos meios de comunicação o então governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, tenha associado as altas taxas de natalidade na favela da Rocinha aos grandes índices de violência naquele território. Para ele, favelas como a Rocinha são “fábricas de produzir marginal”. Além do enfrentamento militar por meio de “mega operações” para conter o poder do narcotráfico nessas áreas, uma das soluções defendidas por ele para o problema foi a utilização do abortamento induzido nesses territórios como estratégia de segurança pública (RIBEIRO, DIAS e CARVALHO, 2008, p.9-10). 60

Ver Gottfredson e Hirsch, 1990; Magalhães, 2004; 2006.

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sociocultural62. O autor aponta que tais propostas interpretativas compartilham entre si a concepção de que para compreender o fenômeno da criminalidade é necessário compreender a constituição da motivação dos indivíduos para a prática do crime. Nesse sentido, nas teorias do autocontrole e da escolha racional, a motivação do indivíduo se encontra em uma percepção de custo-benefício em que a prática do crime se apresenta como compensadora. Já nas teorias socioculturais, o indivíduo é motivado ao crime por pressões sociais (o padrão elevado de consumo estabelecido em sociedades em que o acesso legítimo aos bens consumíveis é restrito a uma parcela reduzida da população, por exemplo), ou pela internalização de valores e condutas relacionados ao desvio e à delinquência (MAGALHÃES, 2006, p.40). O fato de que algumas pessoas se tornam criminosas e outras não, é explicado pelas idiossincrasias individuais (aspectos biológicos e / ou psicológicos). Assim, essas teorias também têm em comum a pressuposição de que “criminosos são pessoas essencialmente diferentes de nãocriminosos” e de que a prática ou conduta desviante é desviante em si mesma. Em vez de considerar os seres humanos como participantes ativos de ações significativas, essas abordagens os reduzem à sua possível criminalidade e, com isso, perdem a oportunidade de ultrapassar uma abordagem que, por mais que faça sentido teoricamente, não apreende de forma adequada as diversidades e peculiaridades do mundo empírico em que as condutas de fato ocorrem. Quando se reduz uma pessoa a uma única variável (a criminalidade) dentro de um modelo teórico, não há como compreender a sua conduta de forma que não seja esquemática (MAGALHÃES, 2006, p.40).

Neste trabalho, também pressupõe-se o equívoco de tomar como equivalentes ações sociais e definições legais abstratas, tentando reduzir a riqueza da experiência humana e do processo de construção contínua de práticas, significados e sentidos a modelos abstratos abrangentes que pouco auxiliam no entendimento da realidade. É relevante também enfatizar que as reflexões que se seguem não foram orientadas por inquietações intelectuais acerca das motivações do crime, de compreensão da criminalidade ou dos processos de construção da figura do criminoso. Embora essas questões tenham motivado a escolha do objeto de pesquisa e surjam ao longo desse esforço de entendimento da vida cotidiana na prisão, a partir da experiência

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Ver Wilson & Herrnstein, 1985; Wilson,1985; Clarke e Felson, 2004; Magalhães, 2004; 2006.

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Ver Merton, 1958; Cloward e Ohlin, 1970; Miller, 1970; Stinchcombe, 1986; Magalhães, 2004; 2006.

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socioantropológica, as inquietações que norteiam esse estudo se tornaram de outra ordem. A principal questão é compreender como pessoas retiradas brutalmente de contextos socioculturais específicos e alocadas em um contexto marginalizado, fortemente controlado, de profunda privação e violência, de enormes restrições de autonomia e privacidade, conseguem reinventar a vida. Investigar a organização da vida social e política da massa carcerária em uma penitenciária para mulheres assume, assim, o sentido de investigar como, em situações extremas, os indivíduos são capazes de criar e reinventar mecanismos, recursos e sentidos (materiais e simbólicos) que tornem possível a existência.

2.3 Instituições de privação de liberdade e construção de si

Em Manicômios, Prisões e Conventos (2007 [1961]), Erving Goffman aborda a dinâmica da vida cotidiana no que define como “instituição total” 63 – “local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada” (p.11). Essas instituições seriam caracterizadas pela tendência ao fechamento, simbolizado pelas restrições aos contatos sociais com o mundo exterior impostas aos residentes. Para Goffman, esse tipo de instituição retiraria progressivamente das pessoas confinadas as referências sociais e familiares que constituem suas identidades no “mundo externo”. Os internos, por meio das constantes degradações e humilhações que lhes são impostas, seriam despidos de todas as disposições e papéis sociais que lhes atribuem “concepções de si”. As identidades desses sujeitos seriam sistematicamente “mortificadas” pela cooptação de sua autonomia e individualidade. A transição entre o mundo externo e o institucional seria assim marcada por concessões e tensões na adaptação às regras de interação social

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Aqui é importante ter em vista que o conceito de “instituição total” cunhado por Goffman (2007 [1961]) não busca dar conta, de modo geral, das dimensões analíticas das instituições a que se refere. Como aponta o autor, trata-se antes de uma categoria denominativa que serve de ponto de partida para a reflexão sobre fenômenos sociais concretos.

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intramuros, não apenas no que se refere às normas formalmente instituídas, como também aos códigos locais de convivência. Esse processo de adaptação ao confinamento espacial e social envolveria um profundo e complexo processo de reorganização do self. É o que Goffman (2007 [1961]) definiu como “mortificação do eu”. Tal processo envolveria desde a alienação dos objetos pessoais, que são substituídos por outros – padronizados, uniformizados e “desinfetados de toda identidade” –, até a sujeição dos internos a horários, rotinas, alimentos e relações interpessoais. Desse modo, o conceito de “instituição total” é aplicável àquelas instituições que forjam e atualizam uma tensão entre a vida social e a vida no internato, utilizando-a de maneira permanente como uma força que apreende e modela os corpos individuais. Embora esse seja um conceito apropriado ao longo deste trabalho em sua dimensão designativa, não foi adotada a noção goffmaniana de “mortificação do eu”. Considera-se que a inserção no mundo institucional das prisões envolve sim um profundo e complexo processo de reorganização do self; contudo, refuta-se a ideia de que a constituição da (s) identidade (s) de interna (s) – como será demonstrado ao longo deste trabalho, não se trata de uma única possibilidade identitária, – implique um despojamento de quase todas as disposições e papéis preexistentes do sujeito, como se fosse possível transformá-lo quase que em uma tela em branco onde a instituição imprime uma identidade sem pré-referências. Opta-se, ao contrário, por uma leitura desse processo de institucionalização a partir de uma apropriação crítica do conceito de habitus (BOURDIEU, 2008 [1979]) como proposto por Lahire (2006) em sua obra sobre o ator plural e a pluralidade das lógicas de ação. Ao longo da obra de Bourdieu, o conceito de habitus – entendido como um sistema geral de disposições estruturadas e estruturantes que é o princípio gerador e unificador das práticas sociais características de uma condição e de uma posição sociais –, desempenha papel central. Enquanto forma incorporada dos condicionamentos de uma determinada condição e posição sociais, o habitus seria algo homogêneo, permanente e transferível entre situações ou domínios de práticas. A partir desses patrimônios de disposições adquiridos ainda na infância e supostamente coerentes, as experiências sociais posteriores dos indivíduos adquiririam sentido. Assim, o habitus funcionaria como uma “matriz de percepções” que permite dar coerência às experiências e ações individuais. Setton (2002) destaca que, na teoria de Bourdieu, o 65

habitus remete a uma relação de profunda interdependência entre indivíduo e sociedade, servindo como: um conceito capaz de conciliar a oposição aparente entre realidade exterior e as realidades individuais. Capaz de expressar o diálogo, a troca constante e recíproca entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo das individualidades. (...) / Pensar a relação entre indivíduo e sociedade com base na categoria habitus implica afirmar que o individual, o social e o subjetivo são simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados. (...) / (...) a teoria praxiológica, ao fugir dos determinismos das práticas, pressupõe uma relação dialética entre sujeito e sociedade, uma relação de mão dupla entre habitus individual e a estrutura de um campo, socialmente determinado. Segundo esse ponto de vista, as ações, comportamentos, escolhas ou aspirações individuais não derivam de cálculos ou planejamentos, são antes produtos da relação entre um habitus e as pressões e estímulos de uma conjuntura (p.63-64 – grifo meu).

Contudo, apesar de Bourdieu (1983) apontar que o habitus não consiste em uma espécie de “essência a-histórica”, havendo ajustamentos e mudanças a partir de novas experiências, as quais podem vir a ser duráveis, suas propriedades estruturadas e estruturantes adquiridas no início da vida social, ainda no seio da família, parecem sobrepor-se às particularidades das trajetórias individuais de tal modo que o conceito apresenta uma dimensão determinista; já que “a história do indivíduo nunca é mais do que certa especificação da história coletiva de seu grupo ou de sua classe” (1983). Para Lahire (2004), um dos problemas da proposta de Bourdieu foi buscar desenvolver uma teoria do habitus sem a preocupação de entender sua constituição, a formação dos patrimônios de disposições. Nas sociedades modernas, onde desde muito cedo o indivíduo conhece distintos contextos socializantes além da família, é possível afirmar que uma pluralidade e heterogeneidade de disposições são incorporadas por cada indivíduo; o que torna a existência de patrimônios de disposições coerentes e homogêneos algo improvável. Assim, Se a noção de disposição implica uma operação cognitiva de evidenciação da coerência dos comportamentos, opiniões, práticas... diversas e por vezes dispersas, ela não deve, no entanto, conduzir à ideia segundo a qual a disposição seria necessariamente geral, transcontextual e activa em cada momento da vida dos atores. (...) A transferibilidade (de um esquema ou de uma disposição) é muito relativa, e a transferência opera-se tanto melhor quanto o contexto de mobilização esteja próximo, no seu conteúdo e na sua estrutura, do contexto inicial de aquisição. As disposições atualizam-se sempre sob condição (LAHIER, 199, p.63-69; 2002, p.16-18 – grifo meu). 66

(...) À coerência e homogeneidade das disposições individuais pensadas pelas sociologias à escala dos grupos ou das instituições, substitui-se uma visão mais complexa do indivíduo, menos unificado e portador de hábitos (de esquemas ou de disposições) heterogéneos e, em alguns casos, opostos, contraditórios. Os atores não são feitos de um só pedaço, mas pelo contrário são colagens compostas, complexos matizados de disposições (para agir e para crer) mais ou menos fortemente constituídos. Isso não significa que sejam “sem coerência”, mas sim sem princípio de coerência único – de crenças (modelos, normas, ideais, valores...) e de disposições para agir” (LAHIRE, 2005, p.29-31 – grifo meu).

Nesse sentido, a utilização do conceito de habitus na obra de Nobert Elias apresenta dimensões mais interessantes para análises sociológicas que buscam não negligenciar as especificidades e a pluralidade da vida sociocultural. A sociologia processual de Elias tem como pressuposto central a ideia de interdependência entre os indivíduos que constituem, a partir dessas relações, figurações sociais específicas e variadas. É por meio das múltiplas relações de interdependência em que se inserem ao longo da vida que os indivíduos se constroem. Suas preferências e práticas, suas ações e reações tornam-se inacessíveis quando consideradas de modo descolado das relações que se tecem entre eles. Assim, assume-se que os indivíduos não “reproduzem” direta e mecanicamente os modos de agir do grupo, mas, encontram sua própria modalidade de comportamento em função das figurações nas quais se inserem. Suas ações são reações que “se apóiam” de modo relacional nas ações dos diferentes agentes do contexto sociocultural que os circunscreve, traçando “espaços de comportamentos e representações possíveis para ele” (LAHIRE, 2006). Para Elias, o habitus se produz, sobretudo, ao nível das interações sociais e não apenas no âmbito de instâncias socializadoras institucionalizadas, como a família ou a escola. Para ele, socialização e individualização são formas distintas de se denominar um mesmo processo social (ELIAS, 2006). O habitus não é algo acabado, está em construção permanente, já que a própria sociedade se constitui por constantes processos de atualização e transformação – trata-se de processos em distintos níveis e que podem ser mais ou menos prolongados e profundos (LANDINE, 2005). Desse modo, a vida social é dinâmica, assim como as subjetividades, que se constroem nos processos de interação. O conceito de figuração que norteia a reflexão de Elias é fundamental para uma proposta de compreensão sociológica do mundo que supere o dualismo entre indivíduo 67

e sociedade. Por ser a interdependência irremediavelmente uma condição humana, as vidas dos indivíduos se desenrolam e em grande parte são condicionadas pelas figurações sociais. Os processos que se delineiam nas figurações sociais possuem dinâmicas próprias nas quais as motivações individuais desempenham um papel. Mas, ainda que engendrem intencionalidades e ações individuais, esses processos não podem de modo algum ser reduzidos a isso. Distintos planejamentos e intenções individuais se entrelaçam e a interpenetração dos indivíduos em relações diversas e complexas com distintos graus de interdependência resultam em um nível de integração que supera a possibilidade de que a intencionalidade de um indivíduo, ou de um grupo de indivíduos, condicione os processos socioculturais, por mais específicos que sejam. Nas palavras do autor: Quanto mais intimamente integrados forem os componentes de uma unidade compósita ou, por outras palavras, quanto mais alto for o grau de sua interdependência funcional, menos possível será explicar as propriedades dos últimos em função das propriedades da primeira. Torna-se necessário não só explorar sua parte compósita em função de seus componentes, como também explorar o modo como os componentes se ligam uns aos outros, de modo a formarem uma unidade. (...) só assim podemos compreender muitos aspectos dos comportamentos ou da interdependência, da estrutura das suas sociedades, em resumo, das configurações que formam uns com os outros (ELIAS, 2005, p.142).

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___________________________________________ 3. Vida cotidiana, redes de ajuda e resistências ___________________________________________ Ao longo das análises que se seguem, será abordado como, no contexto da Penitenciária Talavera Bruce, o processo de adaptação à vida em privação de liberdade envolve um processo de reconstrução de si que não implica uma dissolução da trajetória de vida anterior do sujeito, mas que lhe permite dar sentido e coerência à figuração social em que se vê, de repente, inserido. Ademais, será demonstrado que não se trata de um processo passivo e estático. Apesar de inseridas contra a vontade “no mundo” da prisão e serem submetidas aos códigos formais, aos códigos institucionais e aos códigos de convivência entre prisioneiras, essas mulheres estabelecem relações dinâmicas e relativamente variadas, e podem se tornar agentes sociais relevantes nos processos de gestão da vida coletiva na prisão.

3.1 O dentro e o fora: porosidades e potencialidades

Em fevereiro de 2010, conheci Shirley, uma moça de 23 anos, magra, de estatura baixa, pele morena e cabelos curtos, alisados e tingidos de preto pelo uso de henê – produto químico utilizado para alisar os cabelos, que também traz o benefício de matar e prevenir os piolhos que infestam as penitenciárias cariocas 64. Era uma moça vaidosa que, mesmo durante o trabalho pesado, lidando com o lixo produzido no TB, se enfeitava com batom vermelho, brincos, cordão e anel dourados. Nosso primeiro encontro foi no corredor principal da cadeia, que dá acesso às galerias, oficinas, cozinha das internas, etc. Eu me aproximei, perguntei seu nome, me apresentei como pesquisadora e, para minha surpresa, ela já havia ouvido falar sobre mim. A frequência ao salão de beleza da penitenciária e as entrevistas já realizadas por lá me tornaram, de 64

Durante o trabalho de campo, tive de lidar diretamente com o problema da infestação de piolhos na Talavera Bruce. Meus cabelos ficaram repletos desses parasitas, exigindo cuidados especiais. Apesar disso, não deixei que o problema modificasse em nada a forma de me relacionar com as internas. Continuei a tratar com afeto e cumprimentar com um abraço afetuoso e beijo no rosto aquelas com quem mantive um contato mais próximo e maior cumplicidade ao longo daqueles meses.

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certo modo, “conhecida” entre as internas. Felizmente, estabeleci com as entrevistadas anteriores uma relação de confiança e empatia. Elas me contaram coisas íntimas sobre suas relações pessoais e amorosas, suas práticas legais e ilegais dentro e fora da prisão; e eu mantive sigilo como prometido. Nenhum colaborador da pesquisa – presa ou servidor da SEAP-RJ – foi interpelado ou sofreu sanções de ISAPs, da direção da unidade ou da própria SEAP-RJ por coisas ditas durante conversas informais ou entrevistas naquelas semanas. A eficiente rede de trocas de informações e fofocas do TB atuou a meu favor, resultando em alguma receptividade de parte das presas à minha pesquisa. Era comum andar pelos corredores e alguma interna me interpelar sobre quando iria entrevistá-la. Infelizmente, para mim, não pude escutar as histórias da grande maioria delas. As presas antigas, em especial, sapatões65 que detinham posições de liderança se mantinham afastadas. Apenas me observavam. Às vezes, se aproximavam para ouvir minhas conversas informais com internas e servidores nos corredores, sempre caladas. Esse jogo de silêncios e, é provável, de silenciamentos suscitados por suas presenças atuava sem dúvida como um mecanismo de monitoramento – talvez, de coerção – que limitava o conteúdo desses encontros informais. Tais presenças silenciosas também não me deixavam esquecer o constante controle social ao qual qualquer pessoa que adentre uma unidade prisional é submetida. Presas ou não, os silêncios e silenciamentos denunciam aos que circulam pelos corredores da prisão a constante vigilância tanto por parte da instituição como no se refere às relações entre as internas. Shirley, 23 anos, moradora de uma comunidade na Zona Sul do Rio de Janeiro que estava há 2 anos e 8 meses presa por associação para o tráfico de drogas. Foi presa em flagrante com uma “colega” em uma operação da polícia federal, transportando 3 kg de cocaína de sua comunidade para outra. Ocupação que exercia há cerca de 3 anos. Quando ingressou no “sistema”, passou 9 meses no B7 até conseguir transferência para o TB. Trabalhava há poucos meses como faxina na zeladoria junto com um namorado –

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Esse termo pejorativo amplamente utilizado para designar mulheres que mantêm envolvimentos afetivo-sexuais com outras mulheres, assume no sistema prisional fluminense um sentido mais específico. Sapatão nesse contexto designa mulheres com performances de gênero masculinas que se relacionam exclusivamente com outras mulheres com performances de gênero femininas. Ademais, não se trata de um termo pejorativo, dado que, como será demonstrado, os sapatões são figuras de poder que desempenham um papel muito significativo na organização da vida social e política das prisões.

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um sapatão com quem mantinha relação de conjugalidade há cerca de 6 meses. Embora o serviço de faxina na zeladoria seja comumente exercido pelos sapatões da cadeia, todas as internas que conquistam a almejada ocupação são inicialmente alocada@s na zeladoria. Como já havia me contado outra entrevistada: “Eles botam a gente primeiro pra fazer o pesado! Porque aí a pessoa tem que mostrar serviço, num fazer corpo mole. Se a gente fica uns 2, 3 meses, eles: – „Ah, essa quer trabalhar mesmo!‟. Assim, eles vê que não tá fazendo corpo mole, né, e depois, põe numa função melhor”. [Renata; 45 anos; presa há mais de 9 anos; cerca de 1 ano e meio no TB; há 6 meses em regime aberto].

Além de faxina da zeladoria à tarde, na parte da manhã Shirley cursava o segundo ano do ensino médio (interrompido pouco antes de sua prisão). Às terçasfeiras, tinha ainda de se embelezar (cuidar do cabelo, das unhas, da pele, etc.) para a visita íntima que fazia todas as quartas-feiras a outro namorado, um homem também interno do sistema prisional. Seus dias eram bastante movimentados, considerando que a cadeia ficava fechada das 11h às 14h e depois, das 17h às 9h do dia seguinte. Ou seja, como as demais internas, Shirley ficava restrita a seu pavilhão e alojamento grande parte do dia. Ajustamos nossos horários e marcamos a entrevista para o dia seguinte. Tivemos ao todo três encontros ao longo de três semanas para conseguir dar conta do roteiro de entrevistas. Na verdade, para mim, mais importante que o roteiro era escutar tudo o que Shirley estivesse disposta a me contar sobre sua vida fora e dentro da prisão – sobretudo, acerca de suas relações, práticas e rotina na Talavera Bruce. Filha de uma recepcionista e de um motorista que não concluíram o ensino médio, “nascida” e criada na comunidade em que vivia quando foi presa – onde também residia grande parte de sua família –, Shirley cresceu assistindo traficantes e suas mulheres desfilarem pela favela com roupas de marca, jóias e armas. Pelo seu modo de falar sobre os meninos do morro e suas companheiras, é possível afirmar que a vida no crime lhe despertava grande fascínio. Descreveu de forma bastante “glamourizada” o cotidiano dos moleques e enfatizou o fato de que, quando alguém passava a frequentar uma das “bocas de fumo” e a andar com os traficantes, logo as outras pessoas da comunidade, que antes não a notavam, “não davam a mínima”, começavam a tratar com respeito, a cumprimentar e alguns chegavam a olhá-la com admiração: “Eu achava bonito! (...) É como se a gente [os traficantes] fosse artista principal da vida de todo mundo” – destacou [grifo meu]. 71

Assim, Shirley começou a frequentar a “boca” em que um de seus primos era funcionário só para “tirar onda”. Parava para cumprimentar os rapazes, batia papo e, às vezes, fumava um baseado. Logo, veio a proposta para fazer pequenos serviços, como levar recados a diferentes comunidades; em seguida, para transportar drogas. A cada viagem com sua mochila recebia 200 reais, que investia em roupas e acessórios “de marca” para ir aos bailes nos fins de semana. Ao contar sobre como investiu o dinheiro, Shirley lamentou não ter tido “cabeça” e “sagacidade” de fazer economias, um “pé de meia”, o que naquele momento seria bastante útil; pois, pretendia recomeçar e levar uma vida “certa” quando saísse da prisão. Sua narrativa sobre o trabalho no tráfico foi recheada de referências ao nome de grifes nacionais e internacionais, demonstrando o valor que o acesso ao universo do consumo tinha para ela. No relato de Shirley, a conquista de respeito (entendido por vezes como reverência a uma figura de autoridade, outras vezes como reconhecimento) junto à comunidade é algo estreitamente associado à capacidade de consumir, aos signos de status que o consumo permite ostentar. Ela enfatizou a satisfação de ir aos shopping centers e comprar o que tinha vontade; e, principalmente, de ir aos baile nos fins de semana bem vestida e de cabelo e unhas feitos. Em “Era do Consumo”, Alonso (2006) chama atenção para como indagar sobre as formas de consumo de dado objeto por um grupo é o mesmo que indagar sobre suas vivências espaço-temporais relacionadas à cultura material. As formas e estratégias de consumo, segundo o autor, espelham modos pelos quais os sujeitos vivenciam sua posição na estrutura social. Tal interpretação é certamente tributária das reflexões de Bourdieu (2008 [1979]) sobre como padrões de classe e consumo são investidos de valores e internalizados e naturalizados enquanto “gosto”, demarcando e legitimando posições de classe. Nesse sentido, é relevante pontuar que a conversão do consumo em esfera de cidadania, adquirindo contemporaneamente o sentido de inclusão social em uma sociedade altamente hierarquizada e de graves desigualdades socioeconômicas como a brasileira, assume contornos perversos. Historicamente, a população moradora das favelas e das zonas periféricas das cidades foi alijada de inúmeros segmentos de consumo – em especial, aqueles associados a bens materiais tangíveis e intangíveis tidos como não necessários à subsistência. Nesse contexto, o relato de Shirley expressa conexões simbólicas e materiais que muitos jovens de favelas e periferias estabelecem entre o acesso ao 72

consumo das grifes de vestuário e acessórios, a adesão a uma estética vinculada às camadas médias e alta e a busca por respeito e pertencimento social (VICENTE, 2015). O consumo tende a ser percebido como mecanismo de integração social e reversão de estigmas por esses jovens, ainda que de forma situacional (FACINA, 2012). Desse modo, converte-se em uma estratégia de visibilidade social. O anseio por consumir e sua celebração marcam, sobretudo, suas formas de sociabilidade, o que pode ser entendido no registro da relação estabelecida entre consumo, desejo de mobilidade social e hierarquia apontada por autores como Baudrillard (1995). Pereira (2013) e França (2014), ao discutirem a relação entre os rolézinhos e o funk ostentação em São Paulo, também apontaram para como o consumo hedonista se converte para os jovens pobres em mecanismo de afirmação, identificação e reconhecimento. Busca-se através do consumo as marcas de distinção social identificadas com aqueles que possuem os privilégios sociais e econômicos que lhes são negados. Ademais, é notável no caso dos “meninos e meninas do tráfico” a vontade de se distinguir e se destacar principalmente entre os seus – os demais favelados. O poder de consumo é um indicativo do poder de quem faz parte do movimento, assim como o poder das armas – tão ostentadas quanto as correntes de ouro, as belas mulheres, as drogas e os carros e motos de luxo. Trata-se do poder de subverter a ordem e o lugar que lhes foi destinado na estrutura de classes e de enfrentar diretamente os dispositivos de controle social. Indo além, a afirmação de Shirley de que eles (os traficantes) são como que o “artista principal da vida de todo mundo” na favela traduz de maneira muito significativa a dinâmica das relações entre os moradores e os bandidos que dominam essas localidades. O “dono” do morro, seus funcionários e aliados têm poder soberano sobre a vida dos moradores dessas comunidades. Impõem regras de convivência, toques de recolher, podem se quiser dispor de casas e de corpos de filhas de moradores, interferem diretamente na atuação das instituições do Estado e da Sociedade Civil nessas localidades, promovem os bailes funk – uma das poucas opções de lazer da grande maioria dos jovens locais –, estão enredados em guerras que põem essa população constantemente em risco, podem vir a exercer papel assistencialista junto aos mais pobres, etc. O narcotráfico tem um impacto tão profundo sobre as vidas das pessoas que moram nas favelas e periferias fluminenses que seu cotidiano é regulado pelas relações do “movimento” com múltiplos atores sociais; sobretudo, com a polícia. Por isso, a vida dos que estão inseridos nas redes do 73

narcotráfico – mesmo dos que já faleceram, mas, se tornaram figuras emblemáticas, permanentes no imaginário local, – são de interesse público. Muitas histórias, principalmente as sobre guerras com a polícia ou “alemães” (inimigos de outras facções), sobre líderes mortos ou presos que continuam referência para as novas gerações, bem como as normas das facções, são popularizadas e eternizadas nos “proibidões” (funks tidos como apologia ou exaltação ao tráfico) que animam os bailes66 e entoados com orgulho mesmo pelos jovens que não estão no “movimento”. Assim, o que fazem os bandidos sempre vira notícia nas comunidades. Eles são, de fato, os protagonistas da vida social e isso traz variadas consequências para os coadjuvantes, que acompanham atentamente cada acontecimento e seus desdobramentos, vivem oprimidos entre os “donos” do morro e uma polícia corrupta e letal67. Os bailes são parte essencial do estilo de vida no crime – a “vida louca” – e figuram como lugares privilegiados para ver e ser visto. Desse modo, mesmo se configurando como tempo de lazer, de flerte e namoro, da dança, de confraternização entre amigos, de ampliação das redes de amizades pela cidade, o baile é também lugar de ilegalidades, do lucro e de celebração dos bravos, onde podem exibir seus prêmios, ser reverenciados e invejados por eles. Ademais, como destaca Barbosa (2006; 2008), nos bailes, como na prisão, se estreitam os laços de amizade e, mais importante, são estabelecidas e atualizadas alianças. Se a cadeia é responsável pela articulação “dura” das alianças, fornecendo as amarras para as pontas soltas que suportam ou dão 66

Um bom exemplo é a letra de “Comando Vermelho” de autoria do Mc Menor do Chapa: E ae irmão? Humildade e disciplina, vida louca Diretamente do Chapa, só proceder Turano bolado ae Fundamento do CV Se vim mandando, vai saindo de fininho Na humildade, liberdade pro Marcinho Tranquilidade, Turano né melhor nem pior É o bonde do Menor É fé em Deus, Colômbia é muita pureza É a relíquia, Bonde do Pantera Negra Se liga então, 157 só boladão É "os quarenta ladrão"! PJL pra todos os manos meus É o vermelho de volta no Morro do Adeus Essa é a intriga e com o ante terror Vingamos o Jogador!

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Ver Farias, 2007; 2014; e 2015.

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existência aos Comandos, nos bailes os conhecidos se tornam amigos e aliados. (...) Sinteticamente, é o momento de estreitamento dos vínculos com a comunidade e com os conhecidos ou amigos de outras localidades sob a mesma “bandeira” (o mesmo Comando), que em um momento ou outro da trajetória de um indivíduo que participa do “crime” pode ser de grande valia. Em resumo, encontramos aqui um segundo pólo de amarração, complementar à prisão. (...) o “baile” é representativo das alianças formadas em um “espaço liso”; alianças transversais entre “crias” de várias localidades – vapores, gerentes, soldados – que fornecem uma espécie de barragem à verticalização hierárquica das relações, ao afirmar a potência de cada um em criar suas próprias redes relacionais sem depender necessariamente de sua posição nas hierarquias dos grupos locais. Espaço das alianças dissociado das amarras de um meio disciplinar, lugar do encontro entre homens e mulheres livres (em sua possível liberdade) (BARBOSA, 2006, p.131).

Entre os muros do TB, os dias de “boca” e bailes já pareciam uma lembrança distante para Shirley. Tudo o que comprou nos tempos de “vida louca” ficou para trás, na casa de amigas – onde escondia suas roupas e acessórios para que os pais não questionassem por quais meios ela os havia adquirido. Parte ficou na casa de um namorado, um policial federal aposentado de 62 anos que conheceu em um bar próximo a outra comunidade. Chegaram a morar juntos por cerca de um ano. Quando foi presa, Shirley já havia voltado a viver com a mãe. Embora estivessem “dando um tempo”, o homem entrou em contato e quis ajudá-la assim que soube do ocorrido. Retomaram o relacionamento. O namorado não a visitava “para se preservar”; mas, enviava cartas e algum dinheiro. Segundo ela, falavam-se regularmente ao celular. Mais importante: ele cuidava dos honorários do advogado. Ao falar sobre o relacionamento com esse parceiro antes da prisão, a informante deixou bem claro que a motivação para ficar com ele era estritamente financeira. E ao longo de nossos encontros, pareceu-me ainda ser o caso. Sobre Leandro, o sapatão que conheceu no TB e com quem mantinha relação conjugal em uma cela individual da galeria C, Shirley foi bastante elogiosa. Segundo ela, formavam um casal unido que se apoiava para superar as adversidades da vida na prisão: “um coloca o outro pra cima, levanta o outro. Diferente desses outros [casais], aí”. A diferença residia no fato de seu casamento com Leandro não envolver os clichês dos relacionamentos entre sapatões e suas mulheres na cadeia. Ele trabalhava como ela, o dinheiro que ela ganhava não era para as necessidades do parceiro, sua vida conjugal 75

era “tranquila”, ao contrário das relações violentas atribuídas à maior parte dos casais de sapatões e mulheres na prisão68. Incentivavam um ao outro a manter o foco no trabalho e na vida que iriam construir fora do cárcere, mesmo que não pretendessem construir essa vida juntos. Shirley afirmou que voltará a morar com seu “coroa” quando conseguir a condicional para garantir uma vida tranquila. Esperava obter o benefício quando completasse cerca de 3 anos e 4 meses dos 5 anos a que foi condenada [já estava há 2 anos e 8 meses presa]. Ela era ré primária, tinha excelente comportamento, endereço fixo e uma pena “curta”. Já Leandro era reincidente e havia sido preso da última vez por participação em um sequestro, ainda amargaria longos anos de pena. Acrescente-se que, para a informante, a relação com um sapatão de cadeia era tida apenas como algo circunstancial e possível entre as grades da prisão. Como citado, Shirley possuía ainda um terceiro namorado, a quem fazia visitas íntimas. O rapaz também a auxiliava em seu sustento. Conheceram-se através das ligações telefônicas comuns entre presos em busca de companhia. Redes de alianças e namoros, assim como famílias por afinidade, se constroem e atualizam através de trocas de telefonemas, cartas e de recursos materiais e imateriais entre prisões femininas e masculinas e com o mundo exterior; utilizando a seu favor, quando possível, os aparatos de controle do Estado. E, por vezes, essas relações transbordam os muros das unidades prisionais impactando de múltiplas formas as trajetórias de vida dos sujeitos. O caso de Jaqueline ilustra bem isso. Trata-se de uma moça de 23 anos, pele morena, magra, estatura mediana e cabelos cacheados. Quando foi presa com o namorado e amigos por associação para o tráfico, tinha apenas 18 anos. Conseguiu responder ao processo por mais de 1 ano em liberdade, até que foi ao fórum de seu município para se informar “no que tinha dado”. Saiu de lá algemada por já ter sido condenada e dada como foragida. Foi logo transferida para Bangu, tendo também passado brevemente pelo B7 antes de ir para o TB. Sua avó e seus tios ficaram com seu filho, que tinha menos de 1 ano de idade; contudo, cortaram relações com ela. Desde a ida para a prisão, Jaqueline [23 anos; condenada por tráfico de drogas; há 4 anos presa; há 1 anos e meio no TB] nunca recebeu uma carta ou um “jumbo” – envio de

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As dinâmicas dos relacionamentos dos sapatões e suas mulheres será abordada no capítulo IV, que terá como questões centrais as identidades de gênero, sexualidades e relações afetivo-sexuais no cárcere.

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“sucata” por correio – da família de origem. Todas as vezes em que tentou ligar para parentes e ter notícias do filho, eles se negaram a falar com ela. Assim que ingressou no “sistema”, ela teve de contar com a solidariedade de outras internas. É comum na cadeia que uma novata totalmente sem recursos e contatos receba ajuda das demais companheiras de cela. Sem essas práticas de solidariedade, muitas mulheres não teriam acesso sequer a papel higiênico assim que chegam à prisão. Logo, Jaqueline começou a trabalhar em ocupações não formais, lavando roupas e fazendo faxinas para outras internas; pois, não queria novamente lidar com drogas. Em poucos meses, passou a ser parte de uma família de cadeia, composta por um sapatão (pai) de grande influência sobre a massa carcerária e sua mulher (mãe) e de meia dúzia de irmãs e irmãos que conheceu na prisão. Essas pessoas também ajudaram-na transmitindo seus conhecimentos sobre a cadeia, sobre seus “personagens” e os códigos locais, proporcionaram-lhe uma rede de apoio, ajuda e cuidados. A família de cadeia forneceu um sentido de pertencimento e segurança em um contexto de grande inconstância. Foi graças aos novos familiares, que possuíam redes de contatos em outras unidades prisionais, que Jaqueline encontrou um companheiro. O rapaz estava preso por tráfico de drogas e era integrante do C.V.. Após algumas conversas telefônicas e trocas de cartas, deram início aos trâmites burocráticos de autorização para a visita íntima com o auxílio de assistentes sociais das unidades em que estão alocados. Aguardaram cerca de três meses para poder se conhecer pessoalmente e iniciar de fato um relacionamento afetivo-sexual. Mas, desde a decisão de entrar com o pedido para o parlatório, o rapaz de 29 anos passou a sustentá-la para que pudesse viver com mais conforto na prisão. Ela recebia “jumbos”, uma mesada e o advogado dele passou a assisti-la. Cabia a ela apenas manter o bom comportamento e se manter fiel ao parceiro para não ser alvo de fofocas. Não obstante, o relacionamento causava preocupações e dúvidas quanto ao futuro. Desde a ida para o cárcere, Jaqueline [23 anos; condenada por tráfico de drogas; há 4 anos presa; há 1 anos e meio no TB] estava determinada a voltar para sua cidade e tentar recomeçar a vida de uma forma honesta quando tivesse a chance de condicional. Porém, com o novo “cônjuge” isso não seria possível. Ele tinha uma carreira no crime, era parte do movimento, gerenciava bocas de fumo na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Tornar-se sua mulher significava também aderir a seu estilo de vida fora da prisão, com todas as inseguranças e perigos que isso implicava. Assim, apesar de 77

afirmar temer esse possível futuro, ela declarou que pretendia voltar a sua cidade para buscar o filho para morar com ela e o companheiro na favela de origem dele. Outras entrevistadas com relações tangenciais com o narcotráfico, ou não, também relataram que os relacionamentos com homens presos após a ida para o cárcere significaram a entrada definitiva para o mundo do crime. Para manter esses relacionamentos era preciso estar disposta a se tornar “mulher de bandido” (ZALUAR, 1993). Nesse sentido, é relevante que relações afetivo-sexuais ou de amizade se tornem uma via de entrada e / ou consolidação de mulheres presas nas redes de alianças do crime. Nas prisões masculinas, podemos afirmar que a prática de separação dos internos por facção, com base em seus bairros de origem, desempenhe o mesmo papel ao formentar vínculos de amizade entre presos comuns e os já inseridos em organizações criminosas. A percepção social e de presos/as e egressos/as de que as prisões são “universidades do crime” decorre em grande parte do poder dessas instituições de produzir e expandir relações e redes sociais complexas entre criminosos. Nesse sentido, é fundamental ter em vista que: A instituição prisional funciona a partir de uma lógica que prevê transferências e, portanto, movimentos recorrentes das pessoas que arrastam seus vínculos de uma unidade prisional à outra. A lógica das transferências entre prisões possibilita tráfego de informações e logo, a constituição de redes de fofocas e controles entre todas as instituições prisionais. A circulação de pessoas entre as unidades penitenciárias abre caminhos para o estabelecimento de redes informais de comunicação. (PANDOVANI, 2015a, p.4-5).

A prisão é atravessada por dispositivos de controle, relações e objetos que interconectam pessoas e instituições, assim como o dentro e o fora. Godói (2010; 2011) já demonstrou como esses “vasos comunicantes” entre os mundos intra e extramuros são constitutivos e constituídos a partir dos intercâmbios, sociabilidades e mediações entre prisioneiros, e entre eles e distintos atores sociais 69. Há, portanto, porosidades (GODÓI, 2010) e potencialidades, fissuras que tornam um equívoco pensar essas instituições como algo à parte da sociedade mais ampla, no sentido estrito de instituição

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“É possível conceber também a própria saída de um preso do ambiente institucional, sua volta para a localidade de origem, como o traçado de um vaso comunicante, que coloca aquele território para onde o egresso se dirige em contato com a prisão, através de sua mediação. Seja com um alvará de soltura, numa saída temporária ou mesmo numa fuga, ao sair do presídio, o preso inscreve com o próprio corpo uma linha de comunicação entre a realidade prisional e o ambiente urbano mais amplo, através da qual se difundem importantes elementos da experiência carcerária” (GODÓI, 2010, p.72).

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total (GOFFMAN, 2007 [1961]) ou de uma sociedade de cativos (SYKIES, 1958). Os vínculos e relações constituídos em liberdade e expandidos para o cárcere, e vice-versa, são saturados de afetos, sentidos, ajuda e interesses; e a lógica de circulação expande tais vínculos e relacionamentos pelo sistema prisional e para além dele (PANDOVANI, 2015a). A circulação de internos por prisões e por alas e pavilhões dentro de uma mesma unidade prisional é assim uma faceta dos dispositivos de controle frequentemente apropriada pelos sujeitos em suas estratégias de sobrevivência e resistência. Nesse contexto, adquirem sentido as relações de amizade, a formação de famílias por afinidade, os casos e casamentos, como todo tipo de mediações e intercâmbios materiais e simbólicos que atravessam a prisão e põem em constante contato o dentro e o fora. Até mesmo a televisão, com seus programas policiais, atua como um vaso comunicante importante no cárcere. O programa de TV do apresentador e deputado estadual Wagner Montes era regularmente assistido tanto por ISAPs quanto pelas presas do TB. Segundo as informantes, as matérias do programa serviam como fonte de notícias sobre suas comunidades, parceiros de crime, mudanças nas relações de poder no interior das organizações criminosas e nos aparatos de segurança do Estado. Quatro entrevistadas relataram ter se informado inicialmente sobre a prisão de parentes e cônjuges através do programa transmitido Rede Record. Já nas conversas informais que mantive com ISAPs, foi possível perceber que para eles o programa também era uma fonte relevante de informações. Pelas matérias veiculadas era possível saber de antemão sobre bandidos e quadrilhas que ingressariam no “sistema” e, em algum momento, poderiam ficar sob sua vigilância. Como as prisioneiras, os ISAPs e demais servidores circulavam frequentemente pelas unidades prisionais do Estado. No caso de Shirley e de grande maioria das internas, a comunicação com o mundo exterior era facilitada por aparelhos de telefone móvel. Ela, por exemplo, conseguiu um celular contrabandeado por outra interna graças ao auxílio financeiro do namorado encarcerado com quem tinha visitas íntimas. Antes disso, conversava com os pais, tios, primos e amigos “da rua” quase todos os dias, graças à ajuda de seus familiares de cadeia que lhe emprestavam aparelhos de telefone móveis. No TB, ela tinha duas irmãs, um irmão, um enteado e uma enteada. As irmãs foram suas colegas de cela também em outra unidade e a ajudaram assim que chegou ao sistema; o irmão, um sapatão com quem desenvolveu grande amizade e fazia parte de sua rede de ajuda e 79

cuidados; o enteado, um sapatão que tinha seu companheiro no TB (Leandro) como pai de cadeia; e a enteada, a filha biológica concebida por Leandro fora do cárcere, quando ainda era Luísa70. O alto custo de vida na prisão, incrementado pela prática das “cantinas”, Shirley manejava com a ajuda recebida dos namorados, que não Leandro. O que sobrava e o pouco que ganhava como faxina, guardava para o futuro. Algumas vezes, também era preciso auxiliar algum de seus parentes de cadeia quando passavam por dificuldades. Essa ajuda dava-se de distintas formas: empréstimos em dinheiro, doação de roupas, empréstimo de celulares, divisão da “sucata” que lhe enviavam de fora da penitenciária, além do envio de mensagens e recados para fora da prisão e do acionamento de contatos feitos dentro e fora do TB para encontrar amigos e outros parentes de familiares de cadeia espalhados pelo sistema. Em condições de vida extremamente precárias, a construção dessas redes de ajuda e cuidados torna-se um imperativo. O modo como os sujeitos tecem essas redes que vão se expandindo e se articulando com outras redes de relações e informações é um mecanismo importante de adaptação à intensa dinâmica do cotidiano na prisão e ao trânsito pelo sistema. A meu ver, tais teias de relações demonstram como, apesar das estruturas de dominação e dos dispositivos de controle, essas pessoas são capazes, mesmo com todas as limitações, de criar e utilizar brechas que permitam agenciar suas vidas, fazer escolhas e resistir de formas criativas.

3.2 Ajuda, interesses e afetos Juca [33 anos; ensino fundamental incompleto; condenado há 20 anos; há cerca de 1 ano e meio no TB], não possuía uma rede de ajuda tão densa quanto as de Shirley e Jaqueline, nem conheceu o “mundo do crime” antes da prisão. Nascida Marisa é natural de Juiz de Fora – MG, Juca era um sapatão de 33 anos, magro, de cabelos lisos bem curtos, buço acentuado, muito extrovertido e paquerador. Ele despertava o interesse de muitas internas; contudo, na ocasião de nosso primeiro contato, em março de 2010, estava solteiro.

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O modo como as relações familiares e de parentesco assumem distintos sentidos na prisão e as chamadas “famílias de cadeia” serão abordados ao final deste capítulo.

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Juca já havia cortado relações com a família de origem há 14 anos, quando nem imaginava que poderia um dia ir para a prisão. Desde criança, as “coças” da mãe e da tia eram frequentes em razão de sua orientação sexual. Aos 20 anos, veio morar na região serrana do Rio de Janeiro com uma namorada para “recomeçar” a vida. Seu depoimento enfatizou que o relacionamento era muito conturbado dado os ciúmes da companheira, tendo sido marcado por escândalos em locais públicos e agressões verbais e corporais intensas ao longo de 8 anos de conjugalidade. Uma semana antes de ser preso – ainda conhecido pela alcunha de Marisa –, Juca teve uma grande briga com a companheira em seu local de trabalho. Um clube onde fazia serviços de limpeza e zeladoria. A mulher teria ido até lá e começado um escândalo por ciúmes de outra funcionária. Trocaram insultos e agressões. A companheira de Juca / Marisa só foi embora após o patrão da parceira ameaçar chamar a polícia. De “cabeça fervendo” e após “tomar um esculacho” do chefe, que ameaçou demiti-lo, ele foi atrás da mulher. Já em casa, o casal teve uma briga fatal. Marisa / Juca sufocou a companheira e, em seguida, retornou ao trabalho como se nada tivesse acontecido. No entanto, “deu azar”. Um “vizinho safado” o viu entrar e sair de casa naquela tarde e resolveu contar o que viu alguns dias depois, quando a polícia achou o corpo já em decomposição. Juca / Marisa ficou cerca de 1 ano e 8 meses detido na delegacia de Teresópolis, onde não recebia visitas. Mas, afirmou ter feito “amizade” com os policiais da DP. Realizava pequenos serviços para eles como faxina em troca de alguns trocados. Às vezes, deixavam que fosse à birosca da esquina comprar algo para comer ou beber. Sobre o tempo passado na DP, surpreendentemente, declarou: “Foi o maior barato. Tudo de bom!”. Além dos “amigos” policiais, havia muitas mulheres com quem se entreter: “Muito bom, namorei as menina tudo!”. Além de namorá-las, ele podia contar com elas para ajudá-lo a ter acesso a bens de consumo básicos sem os quais a existência cotidiana seria ainda mais penosa – tais como, comida, itens de higiene, cigarros, etc. Quando foi finalmente transferido para o “sistema”, como era de praxe no Rio de Janeiro, Juca / Marisa foi inicialmente para o Presídio Nelson Hungria. No que se refere a sua estadia no B7, contou que, em um primeiro momento, tudo correu bem graças às oportunidades que recebeu da direção: “Aquela diretora foi tudo na minha vida!”. Pouco mais de um mês após a transferência, já havia conseguido uma colocação

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como faxina, já que sua pena seria muito alta e insistia para trabalhar desde o dia em que ingressou na unidade. Tornou-se zelador. Foi no B7 que Juca deixou de ser Marisa. Suas vestimentas e técnica corporal 71 masculinas e o jeito paquerador fizeram com que não houvesse dúvidas em classificá-lo como sapatão. O jeito manso de falar e o sotaque mineiro lhe renderam o apelido de Juca Caipira. Passou, então, a utilizá-lo como nome social, o que é comum entre os sapatões na cadeia. Apesar do B7 ser uma prisão superlotada, em que várias internas ocupam a mesma cela (todas elas coletivas) e saem pouquíssimo para banhos de sol e visitas, a função de faxina garantia maior circulação pela unidade. Isso tornava possível para Juca prestar favores a colegas, levando e trazendo “catuques” (bilhetes), cartas e “todo tipo de coisa” entre as galerias e pavilhões. Tais favores, o vai e vem entre os pavilhões, garantiam relações de amizade e aliança, desdobrando-se em redes de informação e de solidariedade sem as quais não se sobrevive no cárcere. Após quase um ano no B7, houve troca de direção e o novo diretor o destituiu da função de faxina por ser “sumariante”; isto é, por ainda não ter sido devidamente julgado e condenado. Juca acreditava que ser “sumariante” significava ser réu confesso de um assassinato brutal e que isso teria despertado a “implicância” da nova direção. A partir de então, a vida entre as grades tornou-se mais difícil. Aqui é importante dizer que, além de meio de subsistência, as dimensões do trabalho e da sexualidade apareceram em toda a narrativa do informante como esferas privilegiadas de construção de si e produção de sentidos. Em seu depoimento, Juca afirmou que, quando não pode mais trabalhar formalmente, precisou contar com a ajuda das mulheres com quem se relacionava e de amigos para a subsistência, já que as opções de trabalho informal lhe eram escassas. O esquema de convenções de gênero na penitenciária estabelece que Sapatões não devem trabalhar, por exemplo, com tarefas consideradas domésticas – e, portanto, tidas como femininas –, prestando serviços de limpeza e lavanderia para “colegas” de cárcere. Segundo ele, a falta de uma ocupação e a impossibilidade de prover o próprio sustento sem depender tão completamente dos outros, tornou a vida “horrível, vazia”. Em pouco tempo, estabeleceu relacionamento conjugal com outra interna, uma jovem de “não mais de 24 anos”. A partir de então, passou a se entorpecer como a companheira, que

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Ver Mauss, 1974 [1934].

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consumia drogas regularmente. O relacionamento não durou mais que alguns meses e também foi descrito como violento e marcado pelos ciúmes da companheira. A falta de trabalho e o “vício” tornaram para ele inevitável a inserção nas redes do tráfico intramuros. Trabalhou dois anos na “endolação da droga” 72, já que consumia cocaína, maconha e haxixe regularmente. O trabalho servia apenas para pagar suas dívidas na “boca”

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. Ademais, a inserção nessas redes lhe trouxe amizades com

promessas de trabalho no narcotráfico fora da prisão e de moradia em morros da Zona Norte ou da Zona Sul cariocas. Isso não deixava de ser uma possibilidade interessante já que não tinha a família de origem para apoia-lo. Talvez, não tivesse para onde ir quando conseguisse a progressão para o regime aberto ou a condicional. Se não contar com a ajuda de amigos e/ou de alguma namorada, terá que recomeçar sua vida “do zero”, sozinho e sem recursos. Desse modo, era importante atualizar essas relações de aliança e afetos. Nas três vezes em que nos encontramos reservadamente para a entrevista, Juca afirmou que não pensava em romper o relacionamento com uma segunda namorada que teve no B7, embora, estivesse interessado em namorar uma moça que conheceu no TB. A namorada tinha cerca de 30 anos e estava em liberdade provisória, aguardando julgamento. Moradora da Zona Sul da cidade, havia sido presa por estelionato. No relato de Juca, esta mulher apareceu como a principal pessoa que o ajudou manter a estabilidade emocional e a prover sua subsistência na prisão. Ela também o teria ajudado a superar o vício em drogas. Quando Juca foi transferido para o TB, a namorada permaneceu no Nelson Hungria. Meses depois, conseguiu autorização para aguardar seu julgamento em liberdade. Foi quando algo inesperado para o informante aconteceu. Apesar de ter saído em liberdade provisória, a moça quis continuar o relacionamento, passou a pagar um advogado para assisti-lo, a lhe enviar dinheiro para ajudar nas despesas e sucata semanalmente. Fazia planos para voltarem a se ver assim que Juca conseguisse ir ao menos para o regime semiaberto. Mesmo que esse relacionamento amoroso e sexual 72

Endolação refere-se ao trabalho de misturar a droga a outras substâncias para obter maior rendimento, para em seguida pesá-la e embrulhá-la em trouxinhas (maconha e haxixe), papelotes (cocaína) ou saquinhos plásticos (crack e “bolão” – o medicamento psiquiátrico Haldol). 73

Geralmente, “boca” é como são denominas as celas em que residem as internas que gerem o negócio da droga na prisão. Nas prisões do Rio de Janeiro, inclusive nas femininas, há as chamadas “bocas” em referência às “bocas de fumo” das favelas e periferias.

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sem dúvida fosse motivado por interesses econômicos, também era mantido graças à gratidão e consideração que Juca sentia por essa parceira: “Enquanto quiser ficar comigo, eu fico com ela. Já disse que, se achar melhor, podia refazer a vida dela, encontrar outra pessoa. Minha pena é alta! Só que ela gosta de mim, quer ficar comigo. Respeito muito ela, tenho, sabe, muito carinho. Sei que nunca vou poder pagar o que ela faz por mim”.

Nos casos e casamentos de cadeia, as interseções entre a vida econômica e a vida afetiva dos sujeitos, muitas vezes dissimuladas nos relacionamentos entre pessoas livres, adquirem grande evidência. O estigma de “mulher de malandro” que recaí sobre as companheiras dos sapatões era um dos desdobramentos das dificuldades dos sujeitos em lidar com a reconhecida importância que a ajuda – inclusive financeira, – tinha nessas relações. Entre as informantes autodeclaradas heterossexuais que mantinham relacionamentos apenas com homens no cárcere, era recorrente a acusação de que os sapatões só se ligavam a uma mulher (“faziam casamento”) quando ela era capaz de sustentá-los e / ou de ajudá-los com seus processos. Os sapatões eram recorrentemente caracterizados como violentos e interesseiros nesses discursos. Vale salientar que a despeito de tal representação, em geral, tais informantes recebiam ajuda variada de seus parceiros homens. Por exemplo, Berenice [62 anos; presa três vezes por tráfico de drogas; da última vez, condenada a 5 anos de reclusão; cerca de 3 anos no TB; em liberdade condicional há menos de 24 horas na ocasião da entrevista], uma egressa que conheci em março de 2012, recebia semanalmente dinheiro e “presentes” de seu amante. Tratava-se de um preso que conheceu ainda no B7 pelas janelinhas gradeadas de sua cela. Comunicavam-se através de sinais e, mais tarde, por cartas e, então, por ligações telefônicas. O homem era condenado por tráfico de drogas, assalto a mão armada e homicídios. Por ser legalmente casado e receber visitas de sua esposa na unidade em que estava recluso, não era possível para ele e Berenice solicitarem a autorização para visitas íntimas. Não obstante, algumas vezes ao mês, o homem a visitava no TB. Seus encontros sexuais eram sempre escondidos, de madrugada e com auxílio de guardas para quem o amante pagava propina. Os guardas da unidade prisional em que ele estava alocado o levavam para vê-la no TB com a conivência também dos guardas de lá, mediante pagamentos em dinheiro.

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Berenice era uma das faxinas a trabalhar na oficina de bordado inglês que funcionava na penitenciária na época [de 1996 a 1999], dava aulas de ginástica para outras internas em troca de cigarros, alimentos, ligações telefônicas, etc. Tinha filhas e netas de cadeia que se preocupavam com ela e a ajudavam a ter acesso aos bens de consumo básicos e às drogas. No entanto, a ajuda financeira que recebia do amante era fundamental; pois, permitia que ela ajudasse eventualmente as filhas biológicas fora da cadeia. Já Carolina [41 anos; ensino médio completo; condenada a 25 anos por homicídio qualificado; 8 anos da pena em regime fechado; 5 anos no TB; há 2 anos em regime aberto] recebeu auxílio financeiro dos dois namorados e de alguns paqueras durante os anos como prisioneira. Recebeu também presentes como televisão, ventilador, roupas, jóias, produtos de beleza, etc. Ela tinha pouco contato com a família de origem que não lhe fazia visitas; mas, seus pais cuidavam das duas filhas para ela. Era com a ajuda dos namorados e paqueras que Carolina se sustentava na prisão com relativo conforto. Contudo, em suas narrativas a informante sempre inscrevia essas ajudas no campo das afetividades, recorrendo a valores como “carinho”, cuidado, amizade, compaixão. Ao contrário, do modo como se referia aos namoros e casamentos de cadeia dos sapatões com suas mulheres. Cabe pontuar que, ao tratar dos intercâmbios afetivos, sexuais e econômicos de brasileiras no mercado global do sexo, Piscitelli (2011) abordou como redes de ajuda são significativas para aquisição de recursos que permitam agenciar a vida. Apesar das enormes diferenças entre os objetos e cenários desta pesquisa e os daquela autora, suas reflexões sobre a “ajuda” como uma categoria central para refletir sobre migrações e as relações afetivo-sexuais são relevantes aqui por contribuírem para o entendimento de como, em seus agenciamentos da vida, os sujeitos constroem redes mais ou menos complexas e estáveis de

solidariedade. Tais redes podem

ser articuladas

circunstancialmente ou não, mas, são marcadas por intercâmbios materiais e simbólicos que se convertem em mecanismos de proteção e cuidados, permitem consolidar relacionamentos e alianças e podem, até mesmo, se desdobrar em possibilidades de mobilidade social. Assim, o que a autora define como “rede de ajuda” são complexos de relações saturadas de interesses, hierarquias, moralidades e afetos que se articulam de formas variadas e criativas.

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Segundo Psicitelli (2011), a “ajuda” é uma noção “amplamente difundida nas classes baixas e médias baixas do Brasil” (p.8), remetendo a auxílios financeiros e outros tipos de apoio que são um importante recurso para a subsistência. Uma pessoa pode estar inserida em diferentes tipos de relações que envolvam “ajuda”, o que implica distintas modalidades de trocas. Quando se trata de relacionamentos afetivo-sexuais, a “ajuda” tende a ser associada ao intercâmbio de sexo por benefícios, vantagens ou bens materiais – “sexo transacional” –; o que não significa que a afetividade – sobretudo, manifesta sob as formas de “respeito” e “consideração” – não seja parte fundamental da dinâmica das trocas. Isso, porque, para esses grupos a gramática da “ajuda” está inserida “em uma tradição de intercâmbios hierárquicos, remete a noções de amparo, cuidado e afeto (...)”. A “ajuda” tende a ser valorizada como uma espécie de termômetro de investimento na relação; em geral, cabendo aos homens o papel de auxiliar suas parceiras a terem uma vida mais confortável com vistas a um “futuro” melhor. Desse modo, um parceiro de classe social superior representa a possibilidade de mobilidade social ascendente. Interesses econômicos, prazer e afeto podem se articular de distintos modos nessas relações. Nesse sentido, as obrigações sociais envolvidas nas interseções entre afetividades e práticas econômicas podem se desdobrar em presentes e oportunidades de emprego, por exemplo, sem que isso expresse uma intenção de se utilizar desses vínculos de forma meramente instrumental e oportunista (PISCITELLI, 2009; 2011). No contexto de limitações, regulações e opressões cotidianas das prisões para mulheres, as redes de ajuda também assumem múltiplos sentidos, a depender dos fins e da natureza, afetiva ou não, dos vínculos que lhes dão forma. A ajuda é avaliada pelos sujeitos de modo bastante situacional74; em geral, a partir de parâmetros como generosidade e gratidão. Os tipos de ajuda mais acionados, segundo os depoimentos coletados pela pesquisa, são aqueles relacionados às condições materiais de existência e a rivalidades e aos conflitos pessoais com outras internas. Em geral, as famílias de cadeia – isto é, grupos de pessoas que vivenciam na prática os vínculos de 74

Nesta tese, entende-se por situacionalidade a capacidade dos atores sociais inseridos em dado contexto de orientarem suas ações e reações de acordo com as variadas circunstâncias que delimitam, potencializam e complexificam as interações sociais cotidianas. Nesse sentido, falar em situcionalidade implica pressupor que os atores sociais apenas existem nos distintos níveis de interação da vida social. Isso, que pode parecer uma obviedade, tem a ver com uma noção processual-relacional de indivíduo e sociedade, como também das instituições, dos dispositivos regulatórios e das gramáticas normativas.

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pertencimento e os códigos morais implicados em relações familiares inventadas a partir da experiência na prisão, – e os cônjuges e namorados constituem a base das redes de ajuda. Entretanto, somam-se a eles outros atores sociais significativos como: missionários

religiosos,

familiares

consanguíneos

e

amigos

anteriores

ao

encarceramento, ativistas de ONGs e, em alguns casos, servidores para quem se presta serviços como faxina ou “caguete”. Nas interações que tecem essas redes de ajuda, há uma tensão entre interesses e necessidades versus cuidados e gratidão enquanto balizadores morais das relações. O interesse é tratado como elemento poluidor. Aqueles de quem se desconfia que busquem amizades, parcerias amorosas e alianças “só por interesse” são, com frequência, qualificados pelos demais como aproveitadores e indivíduos propensos a “judaria” (traição). É preciso equilibrar no dia a dia os apoios recebidos e retribuições para que não haja rupturas na dinâmica das trocas. Ainda assim, as tensões são permanentes. A capacidade de equilibrá-las é o que permite ao indivíduo tecer redes de relações cada vez mais densas e produtivas. Conversões religiosas, por exemplo, eram sempre tidas como possíveis engodos para obter vantagens materiais e benefícios na instituição. As “crentes” eram alvo de um monitoramento constante entre si e por parte da massa carcerária; principalmente, quando sua conversão se dava após conflitos e a criação de dívidas com outras internas, o que poderia resultar em danos a sua integridade física. Acrescente-se que a vinculação religiosa torna as “crentes” mais próximas dos agentes institucionais e faz com que evitem, na medida do possível, vínculos com outras internas, mesmo outras “crentes”. Ainda que interajam e tenham práticas de sociabilidade cotidianas com internas de mesma filiação religiosa, essas nunca foram referidas pelas “crentes” que conheci no TB como mais do que “colegas” ou “amigas”. O idioma do parentesco nunca foi acionada, a não ser para se referir às missionárias da igreja (as “irmãs”). As “crentes” se reuniam-se para fazer orações, conversar sobre suas famílias e se “ajudavam” quando necessário. No entanto, os intercâmbios de ajuda que atravessavam suas relações não eram significados a partir da gramática das afetividades, como no caso das famílias de cadeia. O discurso da solidariedade e da ajuda mútua era inserido em uma lógica de obrigações morais ligadas à fé religiosa, entendidas como virtudes cristãs. Isabelle [33 anos; ensino superior incompleto; condenada a 20 anos de reclusão por latrocínio; há cerca de 1,5 no TB] foi uma das informantes que fez questão de 87

demonstrar seu empenho para manter o maior distanciamento possível da suposta corrupção moral vigente na massa carcerária: “Tudo é fofoca, tudo é discussão, tudo é intriga. Eu fico no meu canto. Às vezes, converso com umas colegas da Igreja, e só. Não gosto de me misturar. O mais difícil aqui é a convivência. Tô sempre fugindo de alguma coisa! [de assédios, de presenciar práticas ilegais de outras internas, etc.] (...) Esse negócio de ficar falando que é família, mãe de cadeia, irmã, pai... Chamar um sapatão de pai, de irmão? [risos] Ridículo. Até porque tenho muito respeito pela minha mãe, que mãe só tem uma. E graças a Deus, não é metida com nada de errado. Na minha família, todos são corretos. Todo mundo honesto, nunca se misturou com nada. A maioria é da igreja... Eu fui criada [em uma igreja evangélica] e depois, desviei. Aí, aqui, graças a Deus eu voltei. Se não fosse Deus na minha vida... Aqui se perde tudo!” (grifos meus).

Esse “tudo” de que falou a entrevistada engendra não apenas as perdas materiais decorrentes da prisão, como também as perdas de vínculos com a família de origem e de princípios morais. O temor de se deixar contaminar pela cadeia e, aos poucos, aderir aos valores que regulam o convívio entre internas, exigia constante vigilância e autocontrole. Era preciso não se “misturar”, evitar práticas de sociabilidade com pessoas “erradas” e não ceder às tentações. Segundo Isabelle, sua prisão foi efeito da “armação” de um ex-namorado. Por não se conformar com o rompimento da relação, o ex-parceiro a teria denunciado como cúmplice de um de seus crimes. Quando foi condenada, já morava com outro homem e havia dado à luz um filho há poucos meses. Ao contrário de sua família de origem, o companheiro não a abandonou. Ele a visitava todos os finais de semana e assumiu o cuidado de seus filhos. Além do bebê, ela tinha duas filhas – de 15 e 9 anos de idade – do primeiro casamento. O pai das filhas era um traficante que conheceu em um baile funk aos “14 para 15 anos”. O relacionamento durou mais de 9 anos, entre indas e vindas. Mas, cortaram relações quando ele foi preso pela segunda vez. No cárcere, Isabelle se reaproximou de sua fé. Em menos de 1 ano, o companheiro também já havia se convertido à Assembleia de Deus de Campo Grande – muito atuante nas unidades prisionais fluminenses –, e haviam oficializado a união como prescreve a doutrina da igreja. A informante se sustentava, principalmente, com a ajuda do marido (torneiro mecânico); mas também, dos missionários da igreja, que sempre levavam doações. Ela ainda trabalhava como faxina, de ajudante de cozinha na direção, para ter direito à remissão da pena. Passava boa parte de seus dias sentada em 88

uma cadeira, aguardando que Jussara (a faxina cozinheira) terminasse de preparar o almoço ou café da tarde para que pudesse lavar a louça, limpar a cozinha e a pequena copa da direção – onde a diretora e a “sub” faziam suas refeições com ISAPs que exerciam o papel de secretárias e auxiliares administrativos. O casamento garantiu a Isabelle uma cela individual no TB e o benefício de receber visitas íntimas do marido a cada 15 dias. Apesar da longa pena, afirmou não ter receio de ser abandonada como a maioria das outras reclusas. Para ela, o fato do marido tê-la pedido em casamento mesmo após sua condenação e os cuidados que tinha com ela e seus filhos eram “prova de amor” o suficiente para crer que a união suportaria os duros anos de cárcere que tinham pela frente. Fora da prisão, o marido frequentava assiduamente a igreja e mantinha contato regular com os pastores e os missionários que atuavam no TB. Desse modo, sempre sabiam do comportamento um do outro. Era possível um monitoramento que rompia as fronteiras dos muros da prisão. No TB, ouvi inúmeras histórias sobre casamentos de internas realizados após a conversão religiosa. Em geral, os parceiros eram homens também encarcerados em unidades do Complexo de Gericinó onde igrejas neopentecostais atuavam fortemente. A religião era assim um dispositivo disciplinar constantemente utilizado para regular a sexualidade dessas pessoas na prisão, apreendendo-as em um tipo de união conjugal pautada por valores conservadores. Ao mesmo tempo, as igrejas atuavam como “vasos comunicantes” (GODÓI, 2010) e seus missionários e pastores como mediadores importantes nas relações e conexões entre o dentro e o fora das prisões. Com a progressão para o regime semiaberto, para o aberto ou para a liberdade condicional, era comum que esses atores sociais auxiliassem internas na obtenção de trabalho e de moradia temporária. Ademais, não raro, promoviam um reencontro desses fiés com suas famílias de origem, ajudavam a encontrar filhos deixados com parentes ou em abrigos, etc.

3.3 Opressões e resistências Se abordar a temática da vida cotidiana na prisão torna inevitável discutir porosidades e potencialidades entre o dentro e o fora dessas instituições, é ainda mais inevitável tratar das relações, dos mecanismos e das práticas de opressão e resitência que constituem o sistema prisional. Falar em resistências, ao invés de agência e agenciamentos, envolve a 89

compreensão de que a prisão desvela a capacidade dos sujeitos não apenas de construir formas de exercer autonomia mesmo que modo limitado, diante de intensas restrições e controles, como também de produzir estratégias criativas e múltiplas de subversão aos dispositivos de poder aos quais estão submetidos. Em suas reflexões sobre a noção foucaultiana de dispositivo, Agamben (2005) propõe que, embora Foucault nunca tenha dado propriamente uma definição para esse termo técnico tão caro a suas estratégias de pensamento, é possível construí-la a partir de sua obra. A noção foucaultiana de dispositivo estaria intrinsecamente associada à relação entre os indivíduos (enquanto seres viventes) e ao que Hegel chamava de “o elemento histórico” (ou “positividade”). O conceito de dispositivo emerge na obra de Foucault como “o conjunto das instituições, dos processos de subjetivação e das regras em que se concretizam as relações de poder”, devendo ser entendido, segundo Agamben (2005, p.9-10), a partir de três características principais: 1) É um conjunto heterogêneo, que inclui virtualmente qualquer coisa, linguístico e não linguístico, no mesmo título: de discursos, instituições, edifícios, leis, medidas de segurança, proposições filosóficas, etc. a dispositivo em si mesmo e a rede que se estabelece entre esses elementos. 2) O dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre em uma relação de poder. 3) É algo de geral (um reseau, uma "rede") porque inclui em si a episteme, que para Foucault é aquilo que em uma certa sociedade permite distinguir o que é aceito como um enunciado científico daquilo que não é científico.

Desse modo, interessava a Foucault, a forma concreta como atuam os dispositivos nas relações, mecanismos e jogos de poder em distintas esferas da vida social, constituindo redes que engendram variadas estratégias, instituições, práticas, discursos e tecnologias. Os dispositivos substituem em suas análises as categorias gerais tidas como “universais” – tais quais: Estado, Poder, Soberania, Lei, etc. (AGAMBEN, 2005). Há uma abrangência no termo que deriva do objetivo do autor de dar inteligibilidade aos processos de gestão, regulação e orientação da vida com vistas a efeitos úteis. Nesta pesquisa, tal proposta interpretativa orientou a leitura das análises de Foucault sobre o que ele chamou de poder disciplinar: um conjunto heterogênero de mecanismos e estratégias de poder que se exercem sobre o tempo e sobre os corpos (FOUCAULT, 1988). Trata-se de uma economia do poder inventada no seio das 90

sociedades burguesas em contraposição ao poder soberano. O poder soberano se fundamentava na existência física do monarca e, em última instancia, se exercia na relação entre ele e seus súditos tomando como objeto a terra (a propriedade, o território) e seus produtos. Já a emergência do poder disciplinar representou uma mudança nos modos de atuação e penetração dos dispositivos de governo, que passam a se exercer no corpo da população e não mais, sobre ela. Uma contradição inerente a esse novo modo de atuação do poder seria o fato dele se exercer dentro dos limites heterogêneos e irredutíveis de um direito público construído a partir da noção de soberania coletiva (democratizada), mas, que só se fixa e expande no corpo social por meio de estratégias de coerção (AGAMBEN, 2005). Assim, o poder se exerceria dentro dos limites de um direito de soberania e dos mecanismos disciplinares, que se articulam como processos complementares. Enquanto fluxo de canais permanentes de relações e técnicas, sempre polimorfas, de dominação e sujeição, o campo jurídico atua aqui obscurecendo as práticas e técnicas de dominação disciplinares. (...) as disciplinas têm o seu discurso. Elas são criadoras de aparelhos de saber e de múltiplos domínios de conhecimento. (...) As disciplinas veicularão um discurso que será o da regra, não da regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra natural, quer dizer, o da norma; definirão um código que não será o da lei, mas o da normalização; (...) a sua jurisprudência será a de um saber clínico. (FOUCAULT, 1988, p.189 – grifo meu).

Ao analisar o “como” do poder – através de sua delimitação formal (as normas do direito) –, e seus efeitos positivos, Foucault apontou que não há exercício de poder sem uma “economia de discursos de verdade” que lhe permita dissociar-se, circular, associar-se. O poder não apenas reprime. Ele, sobretudo, produz realidades. Portanto, é transmitido, se expande e se reproduz por suas articulações com o saber, colocando-nos sob uma “dupla exigência”. Estamos submetidos aos dispositivos de produção de verdade e apenas podemos exercer o poder através da produção de discursos de verdade. É nesse contexto que deve ser entendido o surgimento da prisão e as mudanças macro históricas no aparato punitivo e nas estratégias disciplinares dos Estados nacionais “ocidentais”. Cabe destacar que as proposições de Foucault rompem e extrapolam com a noção de poder da tradição marxista. Ao invés de encarar o poder a partir de uma suposta funcionalidade econômica, como algo essencialmente voltado à manutenção das 91

relações de produção e a reprodução da dominação de classe, ou a partir do Estado e da questão do monopólio da violência, Foucault demonstrou que o poder não é algo que se toma, se retoma, que existe em função de uma conjuntura econômica, de um modelo político ou da estrutura de classes. O poder só existe em ação, em uma relação de forças. Por tal perspectiva, “nada é mais físico, nada é mais material, mais corporal que o exercício do poder” (FOUCAULT, 1998, p.147), já que não se trata de um bem que possa ser apropriado. Como já destacado, o poder circula, “funciona e se exerce em rede”, se caracteriza e constitui pelo corpo social. Dessa forma, a analítica do poder foucaultiana pressupõe que o poder é algo múltiplo e relacional, que se exerce por meio de dispositivos estratégicos, em um conjunto de práticas sociais heterogêneas, historicamente construídas e sempre sujeitas a transformações. Ninguém e nenhuma dimensão da vida social escapam à atuação dos dispositivos de poder e de seus processos e efeitos de moralização e normalização. O poder não é uma força que se exerça sobre os sujeitos verticalmente (de cima para baixo), mas, em uma multiplicidade de relações horizontais que assujeitam e disciplinam. É nesse processo de produção dos sujeitos que surgem estratégias de resistência. Portanto, as resistências ao poder só são possíveis nas próprias redes de poder. São essas redes que possibilitam que se criem brechas e linhas de fuga. Como apontado por Foucault em “Vigilar y castigar”, as resistências são “o outro termo nas relações de poder; inscrevem-se nestas relações como seu interlocutor irredutível” (2006 [1976], p.29 – grifo meu). O cerne das reflexões de Foucault não era o Estado ou seus aparatos; e sim, o governo das populações e a construção de sujeitos assujeitados. Não se trata de afirmar que o Estado não tivesse grande importância na microfísica do poder foucaultiana. Mas, o autor entende que as relações de poder em sua concretude não se restringem aos limites do Estado; e que o próprio Estado só pode operar e produzir a partir de relações de poder previamente existentes. Assim, o Estado é como que uma estrutura composta por um conjunto de redes de poder que atuam e impactam o corpo social. E o objetivo do autor é entender como técnicas e estratégias relativamente autônomas puderam ser alinhavadas e generalizadas, despertando, sendo investidas e mobilizando interesses políticos e econômicos. Nesse sentido, o corpo aparece como objeto privilegiado de ação e intervenção de micropoderes, um campo de batalha constante entre mecanismos de normalização e resistências. O poder disciplinar, identificado por Foucault como a 92

principal tecnologia de poder que se manifesta e espraia na modernidade, atua na gestão da vida que é foco de todo um investimento produtivo e de maximização de utilidades e potencialidades. Os conceitos de biopoder e de biopolítica são centrais para a compreensão de como, o que inicialmente se manifesta como uma “anátomo-política” do corpo, disciplinando condutas individuais, se desdobra em uma política de gestão da própria espécie (tese apresentada em “A História da Sexualidade, vol. I”), visando regrar, incentivar e observar macrofenômenos (taxas de natalidade e mortalidade, condições sanitárias, epidemias, etc.). O biopoder é o poder disciplinar apropriado e aplicado à gestão calculada da vida das populações. Ele emerge na medida em que a vida deixa de ser tratada como uma concessão do poder constituído (“o direito de causar a morte ou de deixar viver” do poder soberano,) e passa a ser entendida como um bem a ser gerido por mecanismos e estratégias disciplinares (um “poder de fazer viver e deixar morrer”). Ao longo de sua obra, Foucault demonstra como a vida humana se tornou um elemento político per se e sua proteção passou a ser uma questão de Estado. Em nome de populações (identificadas como comunidades biológicas e territoriais), a guerra e a violência em escala jamais vistas, o racismo de Estado (xenofobia) adquire legitimidade em diferentes contextos. A biopolítica se tornou o cerne da vida política contemporânea na medida em que a vida humana se tornou objeto e foco central de intervenção dos discursos e práticas de saber e da economia dos mecanismos de poder. Para Foucault, a transição entre os séculos XVII e XVIII marcam a entrada da vida na história da humanidade de forma nunca antes imaginada. Os “movimentos da vida” e os processos históricos se intersectam, produzindo novas realidades e saberes com vistas à normalização. A instauração das normas, no entanto, tem por efeito a instalação dos desvios como sua contraparte inevitável e irredutível. É pela caracterização do que é anormal e, portanto, indesejável que se torna possível a produção e proliferação dos discursos e mecanismos de normalização. As reflexões de Foucault sobre o poder disciplinar e a biopolítica abriram novas possibilidades para que penssássemos não apenas as relações de dominação e submissão, bem como a micropolítica da vida cotidiana e a macropolítica dos processos de modernização. Sua genealogia do poder busca (...) captar o poder em suas extremidades, lá onde ele se torna capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que, ultrapassando as regras de direito 93

que o organizam e o delimitam, ele se prolonga, penetra em instituições, corporifica-se em técnicas e se mune de instrumentos de intervenção material, eventualmente violentos. (FOUCAULT, 1988, p.182).

Agamben (2005) também toma a biopolítica como um dos temas centrais de suas reflexões; mas, ao contrário de Foucault, pensa esse processo não como uma novidade moderna e sim, como uma característica intrínseca ao pensamento político ocidental, atingindo seu ápice na modernidade. Apoiado nas reflexões de Foucault, de Hannah Arendt e de Carl Schmitt, Agamben propõe que o poder soberano se institui de modo simultâneo a definição do corpo social em termos biopolíticos ( CHEROBIN, 2013). Para o autor, o que caracteriza a biopolítica é a politização não apenas da vida da espécie, mas, da vida nua. Uma vida sagrada, insacrificável, porém, completamente desprotegida, exposta e abandonada, que tem no homo sacer seu protótipo (AGAMBEN, 2010 [1995]). As declarações de direitos são entendidas por Agamben como a base fundamental da biopolítica moderna. Nesse sentido, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão teria sido o marco de sua instauração, de inscrição da vida biológica na ordem jurídico-política. A partir de então, os direitos foram atrelados ao fato do indivíduo ter nascido em um dado território geográfico. Isso marca uma mudança no poder soberano, com a transferência do principio de soberania, antes no corpo divino dos monarcas, para o corpo das nações. Assim, o portador da soberania não é o indivíduo / cidadão, mas, a nação na figura do Estado. Para Agamben, a biopolítica contemporânea só pode ser entendida a partir das articulações e atravessamentos entre o poder soberano, a vida nua (homo sacer), o estado de exceção e o paradigma do campo de concentração (DUARTE, 2008). Ao contrário de Foucault, para ele o poder soberano não teria precedido e sido suplantado pela emergência do biopoder, mas, criado as condições para sua existência e seu funcionamento eficaz. Não haveria, assim, contradição entre um ordenamento jurídico baseado na noção de soberania e a biopolítica que se exerce no corpo social. O homo sacer, portador da vida nua, é a contraparte à figura do poder soberano. A soberania está dentro e fora do ordenamento jurídico na medida em que o Estado detém a legitimidade para suprimir a lei através da lei e o poder sobre a vida de todos os homens (da população). Já o homo sacer é aquele que se inclui por sua exceção, é a vida 94

matável, diante da qual qualquer homem pode exercer o poder soberano. Segundo Agamben, o “estado de exceção”, situação em que direitos políticos de indivíduos e grupos sociais são cerceados e até eliminados sob a permissividade da lei, é onde a vida qualificada (bios) se torna vida nua (zoe), e a vida nua estaria se tornando “o novo corpo político do Ocidente”. Nesse sentido, os campos de concentração dos regimes totalitários são identificados pelo autor como a principal instância política do século XX, um paradigma central para a reflexão sobre a politização do fato da vida nua. A pergunta correta com respeito aos horrores do campo não é, por conseguinte, aquela que inquire hipocritamente sobre como foi possível cometer, neles, delitos tão atrozes em relação aos seres humanos; seria mais honesto e, sobretudo, mais útil, indagar atentamente sobre os procedimentos jurídicos e os dispositivos políticos que tornaram possível chegar a privar completamente a alguns seres humanos de seus direitos e prerrogativas, até o ponto em que realizar qualquer tipo de ação contra eles já não seria considerado como um delito (neste ponto, de fato, tudo se havia tornado possível) (AGAMBEN, 2010 [1995], p.217-218).

Agamben (2010 [1995]) argumenta que, desde o século XX, o estado de exceção vem se tornando uma realidade cada vez mais frequente, o que seria evidenciado pelos regimes e práticas totalitárias dos Estados. Acrescente-se que a saturação do regime biopolítico teria implicado em uma constante definição e redefinição de limiares entre o que está dentro ou fora da ordem jurídico-política, quais são as vidas a serem preservadas e quais são as vidas descartáveis. Um limiar tênue entre a vida que deve e a que não deve ser inscrita no aparato jurídico. Agambem propõe que mesmo nas democracias liberais modernas, o estado de exceção é acionado e os campos de concentração – enquanto dispositivos de produção e manipulação de vidas nuas, – operam na obscuridade. Essa lógica do campo de concentração se faz presente em variados dispositivos de poder, como: práticas médicas, pesquisas científicas, políticas de imigração, políticas anti-terror, as políticas de governo das populações de indesejáveis, etc. Ao abordar a apropriação e o desenvolvimento do conceito de biopolítica por Agamben, Duarte (2008, p.15) ressalta que: (...) as prisões brasileiras e de outros países do terceiro mundo também constituem exemplo magistral do campo de concentração como nomos biopolítico moderno: tais prisões são um espaço ambíguo de inclusão (no sistema jurídico formal) e de total exclusão do prisioneiro da legislação e da cidadania, o que permite que este, antes de ser considerado um cidadão portador de direitos 95

temporariamente limitados, seja considerado como a encarnação excessiva – há sempre um excedente de prisioneiros nestas prisões – da vida que não merece viver, que pode ser descartada e assassinada sem que se cometa delito, o que explica o altíssimo índice de mortes violentas que ocorrem nestas instituições peculiares, que não se ocupam da reintegração do preso, mas de sua exclusão e eliminação do convívio social.

As articulações entre o poder soberano, a vida nua / homo sacer, o estado de exceção e o paradigma do campo de concentração reafirmam os paradoxos dos direitos humanos, intensificados a partir da crise dos Estados nacionais. Tais paradoxos são reveladores da farsa de uma suposta ligação indissociável entre nascimento e cidadania, na medida em que há um incremento cada vez maior da separação entre direitos dos homens e direitos dos cidadãos. As agências humanitárias, por exemplo, ao intervirem apenas sobre a vida nua e não problematizarem politicamente sua proliferação contribuem para essa realidade. A presença recorrente do campo de concentação na contemporaneidade seria a comprovação desse deslocamento entre vida nua e Estadonação. É onde se rompe esse vínculo, na situação de exceção, que se instaura o campo como lócus dos infratores, daqueles que são destituídos de direitos. Segundo Agamben, a recorrência com que isso acontece hoje teria tornado essa realidade, a princípio excepcional, em uma regra. Como já destacou o filósofo André Duarte (2008), apesar da enorme contribuição de Agamben para o entendimento da soberania e do biopoder e de como esses poderes se expandem, articulam e exercem na modernidade, há um negligenciamento da dimensão das possibilidades de resistência. Assim, se por um lado, Agamben (2010 [1995]) leva adiante as reflexões de Foucault, chamando atenção para facetas e efeitos da soberania e do biopoder não percebidos por ele; por outro lado, uma parte fundamental dos jogos de poder (as resistências ou contra-poderes) é obscurecida em suas análises. O conceito de forma-de-vida proposto por Agamben supõe uma vida política que não pode ser capturada como vida nua, mas, que só existe e se atualiza em suas potencialidades como uma possibilidade para além da cisão da biopolítica, escapando ao poder soberano. Assim, a forma-de-vida enquanto jogo do viver voltado para a felicidade, apenas se tornaria possível para o autor em uma realidade pára-estatal que surge pela ruptura da biopolítica. Todavia, convém destacar que, ao contrário de Duarte, não se considera aqui que Negri & Hardt (2000) apresentam o caminho para as resistências, ampliando o sentido 96

do conceito de biopolítica com a noção de “biopotência da multidão”. Em verdade, entende-se serem bastante questionáveis e pouco acurados os conceitos de “império” e “de multidão”. Mas, apesar de toda a controvérsia (BORON, 2002; HUSH, 2006) suscitada pelas proposições de Negri & Hardt e suas fragilidades, também se assume aqui a importância crescente, percebida por eles, das redes de laços de cooperação social e política e das alianças por afetividade para as possibilidades de resistência e subversão. No entanto, de certo, não se pressupõe as potencialidades de tais redes em termos de uma perspectiva global, como oposição e ameaça ao “império”. Nesse trabalho, é evidente, não há aspirações no que concerne a elocubrações teóricas macrosociológicas. Mas, como vários autores vêm apontando (PORTUGAL, 2005; ARAÚJO e RODRIGUES, 2011; LIMA e OLIVEIRA, 2015; VIANNA, 2014; FARIAS, 2015), entende-se que as redes de ajuda, cuidados e solidariedade exercem hoje, nos mais variados contextos, papel central nas lutas pela conquista e reconhecimento de direitos diante do Estado. As possibilidades de agenciamento da vida e de enfrentamento de situações de crise surgem, sobretudo, através de formas de organização e coorperação individuais e coletivas. Considera-se que isso seja verdade, principalmente, quando é preciso viver em situações limite ou em contextos de crise. A prisão como lugar de produção da norma e da exceção, bem como de produção de vidas nuas e de “vidas matáveis” (FARIAS, 2007)75, é tomada aqui como objeto privilegiado para a reflexão sobre potencialidades e resistências diante de opressões variadas sobre a vida e as subjetividades. A instituição prisional é um dispositivo complexo e dinâmico, produzido e atualizado cotidianamente pelos agentes do Estado e pelos condenados a penas privativas de liberdade. Ela mantem aqueles que são indesejáveis nas margens da sociedade e do Estado. Lá, onde os sujeitos são impostos a todo tipo de precariedades e destituição de direitos, as redes de ajuda, apoio e afetividades exercem um papel fundamental na sobrevivência dos condenados (GODÓI, 2010; PANDOVANI, 2015a).

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Em sua dissertação de mestrado, Farias (2007) analisa o processo de entrelaçamento de micropoderes e biopoder na construção da população favelada do Rio de Janeiro como população matável. A autora destaca que o termo “vida matável”, utilizado por ela em sua argumentação, deriva da tradução para o português do conceito de “vida nua” cunhado por Agamben. Contudo, Farias destaca que utiliza o termo com ressalvas para se referir à vidas que não estão fora do ordenamento jurídico, não são “vidas nuas” de fato; mas, são passíveis de ser exterminadas em determinadas circunstâncias sem que tal resulte em culpabilização, incriminação e condenação de seus algozes.

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Ao longo das duas etapas de trabalho de campo, “opressão” foi um dos termos mais recorrentemente acionados por mulheres de variadas idades, identidades de gênero, trajetórias de vida e posições sociais nas hierarquias do cárcere para se referir a suas trajetórias na prisão. Opressão é entendida por elas como: o exercício arbitrário de poder sobre seus corpos pelo Estado, o escrutínio a que são submetidas diariamente, as tentativas de negação de suas subjetividades, as práticas para minar suas capacidades de resistência e autonomia. A noção de opressão foi, não raro, usada como sinônimo de “massacre”; referindo-se ao jugo cotidiano de sua existência, a destituição de direitos a que são compulsoriamente submetidas, ao modo como seus corpos são apropriados pelos dispositivos disciplinares de modo a torná-las social e politicamente invisíveis e ilegíveis. Some-se aqui a noção de “mercadoria do governo”, analisada por Tonini (2014) a partir de sua própria experiência e de suas entrevistadas no sistema prisional do Rio de Janeiro, que apareceu em narrativas de duas informantes desta pesquisa. “Mercadoria do governo” é uma idéia que refere não apenas aos distintos níveis de arbitrariedades e destituição as quais as prisioneiras são submetidas pelo Estado, como também, mais especificamente, a exploração de sua força de trabalho. A intensa opressão não significa, contudo, que essas mulheres não busquem constantemente possibilidades de ação, que não se esgueirem pelas brechas do que chamam de “sistema”. Em termos concretos, as estratégias e mecanismos criados por elas também produzem esse “sistema”. As discussões acadêmicas feministas sobre opressão, autonomia e identidade já apontaram que as relações de poder que estruturam a vida social implicam complexas redes de constrangimentos e controles, em meio às quais os indivíduos constróem suas percepções da realidade (BIROLI, 2013). Nesse sentido, as práticas de opressão acionam, legitimam e reproduzem valores e relações que servem de base para a construção de preferências e gostos, bem como de hierarquias e identidades nem sempre vantajosas aos indivíduos, exercendo papel central na construção de identidades subordinadas. Todavia, é preciso ter em vista os riscos e equívocos da desvalorização política e cognitiva da automina individual nesses contextos. Apesar de variadas, as abordagens feministas tendem a não coadunar uma perspectiva de valorização da autonomia com a busca por desconstruir e / ou identificar as formas de opressão a que as mulheres são submetidas (BIROLI, 2013). Em suas experiências cotidianas, os indivíduos vivenciam as relações de opressão de formas 98

específicas, ressignificando e desafiando normas e convenções a partir de suas experiências e contextos singulares. A análise de experiências vividas por minhas interlocuras leva em conta que se trata de um grupo social particularmente vulnerável, mas, também busca compreender como essas mulheres ressignificam suas experiências particulares e lidam com as restrições a sua autonomia, assim como com as tensões implicadas em sua condição. Em seu depoimento, Renata, por exemplo, relatou uma vida repleta de violências e opressões, que não se encerraram após sua ida para a prisão. Ela tinha 45 anos quando a conheci em uma unidade de regime aberto, em outubro de 2009. Era uma mulher alta, de cabelos lisos bem pretos, cor parda, magra e muito bonita, apesar dos anos de cárcere. Desde que foi condenada por assassinar o companheiro e por tentativa de assalto, passou por duas delegacias de polícia, pelo Presídio Nelson Hungria (em duas ocasiões) e pelo TB. A entrevistada relatou que teve uma infância e adolescência difíceis, marcadas por necessidades materiais, violências e o alcoolismo do pai. Ela e seus sete irmãos e irmãs, trabalharam desde muito jovens e pouco puderam frequentar a escola. Aos 8 anos, Renata teve sua primeira experiência de trabalho – “cuidava de duas crianças para ajudar minha mãe”. Mas, o pai tomava os pagamentos de todos; por isso, sempre dependiam da solidariedade de vizinhos e da igreja em que foi “criada” – a Assembléia de Deus de Campo Grande. Aos dezesseis anos, Renata saiu de casa após o pai espancála severamente – “ele arrebentou minha cabeça”. A surra ocorreu por ela não ter recebido o pagamento no dia de costume e o pai ter desconfiado que estivesse escondendo o dinheiro. Uma vizinha apiedou-se de Renata e a acolheu em sua casa por um ano. Aos 17 anos, Renata conheceu seu primeiro companheiro, pai de sua filha. Logo, foram morar juntos na casa da mãe do rapaz, em Santa Cruz (Zona Oeste do Rio de Janeiro). Apesar do bom relacionamento entre o casal, as intromissões e brigas frequentes com a mãe do parceiro teriam tornado inevitável o desgaste do relacionamento, que “não durou mais de 2 anos”. Então, Renata alugou uma quitinete na Baixada Fluminense, onde foi morar com a filha recém-nascida. Não deixou para o companheiro ou a sua família o novo endereço, nem pistas sobre seu paradeiro. Queria fugir das “confusões” familiares, “dar um tempo” daquilo tudo e “viver em paz” com o bebê. Contou que chegaram a procurá-la até em programas de televisão. Apenas após a 99

filha completar 3 anos de idade e ela já estar namorando outro homem, decidiu retomar contato com sua mãe e, posteriormente, revelar onde vivia. Nessa época, Renata trabalhava como diarista para um “bicheiro” famoso do município em que morava. Foi em uma festa na casa do patrão que conheceu o tal namorado, um empresário italiano. O estrangeiro era casado e vivia Itália; mas, comprou uma casa para Renata e a sustentava. Vinha de quatro a cinco vezes por ano ao Brasil, permanecendo por ao menos um mês. Ficaram juntos por 8 anos. Tiveram um filho, que ele registrou. Segundo Renata, mesmo após encerrarem o relacionamento, o estrangeiro nunca deixou de “ajudar” o filho, como a ela e sua filha. Pouco tempo após se separar do italiano, já trabalhando como diarista na casa de outro “bicheiro” na Zona Norte do Rio de Janeiro, ela se envolveu com um policial civil que fazia a segurança do contraventor. Começaram a namorar e, em cerca de dois meses, foram morar juntos na Zona Oeste da cidade. O novo companheiro revelou-se um homem extremamente violento. Ele mantinha-na em cárcere privado com os filhos a maior parte do tempo, não permitiu que continuasse a trabalhar, que tivesse amigos, ou que encontrasse regularmente com a família – “minha família não podia entrar em casa”. Renata e os filhos passaram a viver sob medo constante, o que aumentou ainda mais quando descobriram que ele fazia uso abusivo de drogas e álcool e era parte de um grupo de extermínio. Renata declarou que foi para escapar desse relacionamento que cometeu os crimes que a levaram ao TB. Para defender a si e a seus filhos, considera ter sido inevitável matar o companheiro. Aproveitou também para tentar se vingar de um de seus irmãos, que era capanga dele e a vigiava. Foi só ir morar junto que o Sampaio 76 se transformou. Ai, vim a descobrir que ele fazia uso de... aquele negócio na veia... (...) É... droga. Um pó que injeta na veia. E usava muita bebida. (...) Depois que [foram morar juntos] eu descobri tudo. Ele era do grupo do Juca. Depois que ele morreu, o Juca, ele que ficou no lugar dele. Ele era um dos chefões lá, que na época era GEZO, Grupo de Extermínio da Zona Oeste. Atualmente, que é milícia, né. (...) Mas, ai, ele começou a agredir os meus filhos. (...) Me agredia. Eu fui na DEAM, delegacia de mulheres ali... esqueci a Rua.... ali em Campo Grande mesmo... ai, eles avisavam ele: “oh, a tua mulher tá aqui e tá te cagoetando”. Aí, ele ia lá e me arrancava de lá debaixo de pancada, puxão de cabelo, chute, me chamava de vagabunda... Aí, me trancava dentro de casa, me algemava. Eu vivia mais algemada do que qualquer outra coisa! Dois meses de inferno! (...) Ele colocava as algemas aqui assim [mostrou um dos pulsos], e aqui no basculante [explicou gesticulando] e só me soltava quando ele voltava, pra mim fazer comida, limpar a 76

Como os demais nomes citados durante as entrevistas, esse também se trata de um nome fictício.

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casa... (...) Aí, depois que a esposa, a ex-esposa dele, veio conversar comigo, depois que ele morreu: “Poxa, não tinha nem como eu te avisar. Ele é psicopata, ele é doente... Por isso, que eu me separei dele”. Ele quase matou ela. Largou ele porque pegaram ela e levaram ela pra longe, porque ele quase matou ela. Porque ele não aceitava... nem as amantes que ele arrumava, que ele tinha e depois que eu descobri, ele não aceitava que largava dele. Só largava quando... “vai me largar? Então morre”. Ai matava. Ele era muito maluco (...). E ele não tinha indícios nenhum assim. Ninguém! Até o próprio bicheiro, só vieram a descobrir como ele era depois que a gente veio a morar junto. (...) Ninguém acreditava! Eu pedi ajuda pra muitas pessoas. Cheguei a fazer B.O. e ele rasgava. Ele vinha e: “olha, um presentinho aqui pra você”. Davam o papel na mão dele. Ele rasgava e: “não adianta, aqui o pessoal é meu”. Aí, eu falei: “então, ta”. Aí, quando ele pegou o João [filho de Renata], eu falei: “Acabou. Assinou a sua sentença de morte”. Bateu no meu bebê, aí acabou. Aí, foi o fim pra ele. (grifos meus). [Renata; 45 anos; concluiu ensino fundamental na prisão; presa há mais de 9 anos; passou cerca de 1 ano e meio no TB; há seis meses em regime aberto na ocasião da entrevista]

A informante decidiu assassinar o companheiro pondo veneno para ratos [chumbinho] em sua comida. No entanto, Sampaio começou a espumar, a se contorcer e não morria. Após “mais de 2 horas”, cansada das súplicas para socorrê-lo, ela pegou a marreta que estava em um canto da cozinha. Então, esmagou o crânio do homem com algumas marretadas, pegou suas coisas e dos filhos e fugiu. Renata relatou que pegou todo o dinheiro que Sampaio tinha em casa (“uns R$ 17.500”), rasgou e espalhou sobre o corpo, para não correr o risco de que quando o achassem, pegassem o dinheiro e a acusassem de latrocínio: “Eu matei porque eu não agüentava mais. Aquele momento não foi pra tirar nada dele. Tanto é que eu não fui nem incriminada por ter rasgado o dinheiro. Fui absolvida”. Em seguida ao crime, ela comunicou à sua família e a do companheiro o que havia feito. Ninguém acreditou. Deixou seus filhos na casa da mãe e foi se esconder na casa de uma amiga em outro município. Foi a informante quem decidiu se entregar para a polícia; só que antes, fez questão de tentar se vingar de um de seus irmãos que era capanga de Sampaio. Com a ajuda da amiga, secretária em um consultório odontológico, tramou uma tentativa de flagrante contra o rapaz que era assaltante – “Pensei, assim, ele eu não posso matar por causa da minha mãe. Se não fosse minha mãe, tinha matado também”. Renata pediu que a amiga insinuasse para seu irmão que desejava assaltar a patroa. Contudo, no dia combinado ele não apareceu e as duas já haviam chamado a polícia. Para não deixar a amiga em apuros – “ela tinha dois filhos 101

pra criar, me ajudou, num podia sacanear ela assim” –, Renata assumiu a tentativa de assalto. Na delegacia, contou toda a sua história. De início, pensaram se tratar de alguém com problemas mentais. Na última hora, ele não foi. Mas, ai, a gente já tinha chamado a polícia. (...) eu falei que eu que tava assaltando. Mas eu não estava assaltando nada. (...) Um roubo que não houve! Foram sete anos [de condenação por este crime]. (...) não sei se é porque eu fui criada na Igreja, eu... não sei. Nunca tive a intenção de fugir. (...) ligaram para a Trinta e Cinco [35ª DP], que confirmou que era verdade [que ela havia assassinado o companheiro], que eu não era maluca. Eles estavam me tirando como maluca. (...) A delegacia tava superlotada. Eu dormia no corredor. Não tinha vaga dentro das celas. Dormia sentada... (...) Os policiais me bateram pra caramba! (...) eu cheguei no Juiz e tirei a roupa, mostrei minhas costas e mostrei como é que tava. (...) não deixavam eu comer... A minha comida não ia. Eles: “Ah, gosta de matar policia”. (...) Depois que eu denunciei os espancamentos, eu fui pra 20 DP. O Juiz me mandou pra lá. Nem voltei mais na delegacia [anterior], já fui direto. (...) Só mandaram eu fazer exame porque eu rasquei R$ 17.500 que ele tinha pegado no banco de manhã. Ai, eles queriam saber por quê que eu rasguei. Eu falei que é porquê os policiais lá da área, quando encontram defunto com dinheiro, eles levam e quem leva a culpa é quem matou”.

Assim, os abusos sofridos pela entrevistada em delegacias de polícia, antes e após se tornar uma criminosa, foram apenas parte de inúmeras violências e torturas recorrentemente perpetradas contra ela por agentes do Estado. Queixas não registradas em delegacias, agressões e chacotas em público, em locais que deveriam garantir sua segurança, protegê-la de seu algoz. As desconfianças sobre sua sanidade mental por ter assassinado o marido e decidido entregar-se, ao invés de fugir com o dinheiro. Os espancamentos sofridos após a prisão por ter assassinado um policial. Nesse sentido, o fato do policial em questão ser um dos líderes de um grupo de extermino, que a mantinha em cácere privado e a espancava e estuprava cotidianamente, na prática, não servia como atenuante para o crime cometido. Foi tratada como a assassina de um policial deve ser tratada de acordo com os códigos não oficiais que orientam e condicionam as ações da polícia, da justiça criminal e do sistema prisional. Encontravase em uma posição especialmente vulnerável. Tal vulnerabilidade, ao contrário do que se poderia pensar, não foi atenuada quando Renata aceitou um acordo com a “justiça” para delatar comparsas de Sampaio. Ao invés de proteção especial por ter informações valiosas a compartilhar com as autoridades, sua decisão que repercutiu em maiores ameaças e em uma tentativa de homicídio quando já estava no TB. 102

Em 2004, com a conivência de ISAPs do TB, policiais vinculados ao GEZO invadiram a cela coletiva em que estava Renata para assassiná-la. A ação não se concretizou graças à solidaridade das demais prisioneiras que tão logo perceberam o que estava acontecendo, iniciaram um princípio de rebelião e entraram em contato com amigos e familiares por telefone para relatar o que estava acontecendo. Diante da ameaça das internas de tacarem fogo em suas celas e dos telefonemas para pedir ajuda externa, os policiais suspenderam a ação. Não obstante, Renata perdeu cinco dentes pelos inúmeros murros que recebeu e teve de ser encaminhada para um hospital dada a força dos golpes que atingiram sua cabeça, provocando graves ferimentos. Apesar do medo, ela denunciou a ação e alguns ISAPs da unidade foram investigados, posteriormente afastados e, por fim, transferidos de unidade. Isso fez com que o nome de Renata e sua fama77 de “maluca” percorressem não apenas o TB, mas, todo o sistema penal fluminense. Um ano após a primeira tentativa de homicídio sob a tutela do Estado, um novo episódio ocorreu. A informante já havia começado a participar dos cultos da Assembléia de Deus de Campo Grande. A identidade de “crente” e a influência e participação constantes dessa igreja evangélica na penitenciária (e no sistema prisional como um todo) lhe garantiram certa proteção78. No entanto, sua vida foi novamente ameaçada; nessa ocasião, por outras internas. Quando um de seus irmãõs [o ex-capanga de Sampaio] e sua irmã caçula foram presos por assaltar consultórios médicos e odontológicos, além de estuprar as vítimas de sexo feminino, grande parte das internas exigiu que as lideranças do coletivo eliminassem Renata. Ser irmã de um estuprador e de sua cúmplice por si só justificava a aversão de grande parte das internas sua existência no convívio. Apesar de nem todas as lideranças e internas concordarem com a reivindicação, o assassinato apenas não se concretizou graças à intervenção de alguns ISAPs, de algumas funcionárias (psicólogas e assistentes sociais) e internas.

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Até 2010, quando estive por três meses na penitenciária, Renata era lembrada. Ouvi, em três ocasiões distintas, ISAPs de ambos os sexos (“não batia bem”, “era maluca mesmo”,) e uma interna (“coitada, sofreu muita covardia”,) se referirem a ela. A Sub também lembrou sua história durante um almoço na direção. Pude identificar que se tratava do mesmo caso pelos comentários e pela história, que eram congruentes com relatos da informante. 78

Inúmeras igrejas evangélicas atuam no “sistema” – não apenas o fluminense, mas, em todo o país – na conversão e assistência social aos internos; em muitos casos, assumindo um papel que deveria ser exercido pelo Estado.

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O conflito desdobrou-se em uma intervenção do Grupamento de Serviço de Escolta (SOE)79. A entrada do SOE para “controlar” a situação fez com que presas tomassem como reféns funcionárias e ISAPs. Uma assistente social estava grávida e perdeu o bebê em decorrência da tensão e do medo vivenciados por horas durante aquela rebelião. O episódio foi encerrado com a invasão do SOE ao pavilhão em que estavam as reféns, atirando a esmo. Em decorrência da impossibilidade de garantir sua segurança no convívio, Renata foi posta no “seguro” pela direção do TB. Isto é, foi separada das demais internas e alocada no anexo, junto com outras condenadas “problemáticas” e com presas que corriam risco de vida devido ao tipo de crime cometido – em geral, abusos contra crianças ou idosos, infanticídio, patricídio, ou envolvimento em casos de pedofilia e estupro. Em pouco tempo, Renata foi “de carrinho”80 de volta para o B7. Lá também sofreu inúmeras violências, sobretudo, espancamentos e castigos impostos por guardas. Segundo Renata, após o ocorrido, ainda no TB, sua vida foi resumida à espera pelos cultos e visitas de missionários religiosos, bem como as visitas de sua mãe no fim de semana. A mãe levava semanalmente sua “sucata” e notícias sobre seus filhos. Ela preferia que eles não a visitassem para não ter de passar pela “humilhação” da revista vexatória. Como apontou o relatório Reorganização e Reformulação do Sistema Prisional Feminino (GTI, 2007, p.90), a revista vexatória ou íntima consiste em um procedimento de segurança que exige aos familiares e amigos de prisioneiros/as das prisões brasileiras que fiquem nus diante de guardas, “devendo se abaixar em posição de cócoras por repetidas vezes de frente e de costas – independentemente da idade do/a visitante, além de terem seus órgãos genitais manipulados”.

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O SOE é uma equipe tática de policiais de ambos os sexos altamente treinados que são responsáveis por transferências de prisioneiros/as e por seu trânsito pela cidade (seja para visitas íntimas, para audiências com a justiça, atendimento médico, etc.). O SOE também atua como uma tropa de choque nas unidades prisionais do Estado, reprimindo tumultos entre a massa carcerária e princípios de rebelião. Seus agentes são conhecidos pelo emprego excessivo de força em suas ações, com a utilização frequente de armas de fogo para aplacar conflitos. São famosas também as seções de tortura empregadas como resposta a práticas consideradas subversivas de presos e presas. Desse modo, mais que um grupamento de escolta, o SOE atua como uma “tropa de elite” do sistema prisional. Segundo minha “babá”, muitos desses agentes sofreriam de problemas de saúde mental em maior ou menor grau, dado o processo de banalização da violência e da crueldade implicado em suas funções, o que produziria um alto grau de sadismo. 80

“De carrinho” foi uma expressão frequentemente usada por egressas, internas e funcionários que conheci ao longo dessa pesquisa. Ela se refere às transferências de internas consideradas problemáticas, de quem a direção de uma unidade quer “se livrar”. Ser transferida “de carrinho” já põe a interna na condição de persona não grata para funcionários e outras internas.

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Durante minha passagem pelo TB, infelizmente presenciei a contragosto a revista íntima de uma das entrevistadas dessa pesquisa. A revista vexatória é uma prática cotiana para as condenadas do sistema penal. Na ocasião, eu aguardava na sala da segurança pelo horário em que abriria a cadeia. Um misto de horror, vergonha, repulsa e paralisia tomaram meu corpo naquele momento. Não esperava que alguma ISAP fizesse aquilo na minha frente, na frente de alguém “de fora”. Ao mesmo tempo em que queria sair desesperadamente de lá, não conseguia me levantar da cadeira. Em frente a mim, por suspeitas de estar guardando drogas e dinheiro nos genitais, Marcele [29 anos; cursava o ensino médio na prisão; condenada à 22 anos; presa há cerca de 6 anos no TB; foi para regime aberto 1 mês após a entrevista] foi obrigada a tirar a calça jeans e agachar-se sobre um espelho por três vezes. Ela me olhou nos olhos enquanto fazia isso e esboçou o que me pareceu um sorriso de constrangimento. Sorri de volta, erguendo minhas sombrancelhas e evidenciando reprovação ao que ela estava sendo submetida. Minha reação foi espontânea, não intencional. Sem trocarmos uma palavra, pareceu ter ficado evidente para ela que eu estava ultrajada pela cena. Decerto, ficou evidente para mim a banalidade desse tipo de violência em lugar como a prisão. Aqui abro parênteses para indicar que houve ainda outro episódio envolvendo a revista íntima durante o campo na penitenciária. Era uma quarta-feira de manhã, uma semana antes do carnaval de 2010. Eu estava na direção da unidade aguardando a chegada de minha “babá”. Uma ISAP adentrou a sala segurando, com um saco plástico de mercado, um embrulho com dois maços de dinheiro que havia acabado de retirar, literalmente, de dentro de uma interna. Ela seguiu para o escritório da diretora, não antes de comentar com seus colegas quem era a presa que escondia o pacote em seus genitais, sobre o quanto aquilo que ela ostentava como um troféu era nojento e como seu mau cheiro se espalhava pela sala. O impacto que esse tipo de cena tinha em mim era impossível não transparecer. Minha cara de perplexidade fazia com que alguma ISAP sempre buscasse me explicar a cena. Naquela situação, me disseram que muitas prisioneiras escondem pertences ilegais (dinheiro, drogas, celulares) em suas genitálias ou ânus, inclusive alugando essas partes do copo para outras presas “malocarem” pertences não autorizados. Informação que eu já tinha conhecimento, mas, que se materializava pela primeira vez diante de mim. Lembro-me de ter pensado: “Coitada da menina. Agora, vai apanhar, ir para o castigo, ter mais um crime pelo qual responder e

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perder as reservas de dinheiro, ou uma fonte de renda necessária”. Era impossível compartilhar da excitação que apreensões desse tipo causavam em ISAPs e direção. Deve-se destacar que no Estado de São Paulo, por exemplo, as revistas vexatórias representam apenas 0,023% das apreensões de armas e drogas, segundo pesquisa realizada pela Defensoria Pública daquele Estado entre os anos de 2012 e 2013 (DPESP, 2014). Não foram achados dados disponíveis sobre o Estado do Rio de Janeiro. No entanto, considerando que São Paulo possui o maior contingente de prisioneiros e prisioneiras do país (36% de toda a população prisional brasileira – dados do Infopen / DEPEN, 2015) e que também nas prisões para mulheres há a atuação de comandos do “crime organizado” (majoriamente do PCC), é possível especular que no Rio de Janeiro este número não seja maior. Isso evidencia o modo como a prática da revisita íntima relaciona-se estreitamente à corrupção espraiada no sistema penal, a qual tende a ser ofuscada pelo que chamo de “problema da droga”. Como destacou Raquel Lima, advogada e coordenadora de pesquisas do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), em entrevista ao programa Conexão Futura do canal de TV Futura, em 13 de Janeiro de 2016, os discursos acerca dessa violação de direitos humanos buscam obscurecer as reais práticas que resultam na penetração de drogas e armas no sistema prisional. É quase impossível que armas ou drogas adentrem uma unidade, mesmo que carregadas por visitantes em suas partes íntimas, sem a conivência dos responsáves pela segurança. O que denomino o “problema da droga” é assim um “problema” construído e alimentado por uma estrutura institucional que o utiliza como justificativa para todo tipo de abusos dos corpos dos presos, de seus familiares e amigos, na medida em que se constitui a partir de um discurso que criminaliza todos os que mantêm vínculos afetivos com condenados. Sinara [38 anos; ensino fundamental incompleto; condenada a 11 anos; cumpria pena há 5 anos no TB] e Joana [45 anos; ensino fundamental incompleto; condenada a 14 anos de prisão; há mais de 6 anos no TB] foram as únicas mulheres entrevistadas por mim que relataram já ter transportado drogas e armas para unidades prisionais em dias de visita. Entre as duas, apenas Sinara foi presa nessas circunstâncias. Seu ex-marido estava preso no Complexo por tráfico de drogas. Ela, como mulheres de outros internos, levava drogas regularmente para que ele as utilizasse como forma de recreação e moeda de troca no convívio. Sinara contou que, durante certo período, também fez visitas íntimas a outro preso, sendo instruída pelo marido. Segundo ela, o 106

companheiro a convenceu de que aquilo era indispensável para garantir sua segurança na prisão, bem como o sustento de sua família enquanto estivesse no cárcere – eles tinham 3 filhos e 1 neto. Em um dos dias de visita em que transportava drogas, as guardas participantes do “esquema” de falsa revista foram trocadas, resultando na prisão de Sinara em flagrante. Já Joana também foi condenada por tráfico de drogas, mas, em outras circunstâncias. Por anos, a entrevistada guardou e endolou drogas para a facção criminosa da favela em que morava e “fortaleceu os amigos” na prisão. Foi graças ao trabalho como “mula” de cadeia que ela garantiu uma mesada com a qual, até a ocasião da entrevista, sustentava a si e ao filho adolescente, que passou a ser criado pela madrinha após sua ida para a prisão. Em uma das “viagens” que fazia em dias de visita, Joana transportou uma pistola para o “dono do morro”, que a utilizou em sua fuga de Bangu I. Alguns anos mais tarde, a gratidão do “patrão” passou a ser expressa por meio da mesada durante o cumprimento de sua pena. Os depoimentos de Sinara e Joana reforçam a ideia de que o “problema da droga” não é algo possível de ser solucionado pelas revistas vexatórias e outras práticas de abuso sofridas por mulheres e homens presos e por quem os visita. Como já citado, os discursos que associam as drogas à necessidade desse tipo de revista não são mais do que engodos que ajudam a desviar o olhar do grave problema da corrupção institucionalizada no sistema prisional. Ter isso em vista permite entender, por exemplo, porque a grande maioria das unidades prisionais do Rio de Janeiro, inclusive o TB, não utilizam os chamados “banquinhos”81, embora algumas unidades já possuam essa tecnologia. A prática da revista vexatória encobre complexos esquemas de corrupção, que abrangem servidores de diversos níveis e áreas do sistema. Ademais, a revista vexatória é também uma prática de disciplinarização e desumanização dos corpos dos prisioneiros e de seus familiares. A não ser por algumas psicólogas e assistentes sociais, as mulheres que conheci entre 2009 e 2013, em geral, eram tratadas pelos servidores da penitenciária como não pessoas, como problemas a serem geridos das formas menos extenuantes possíveis. A facilidade dessas mulheres em obter drogas e em ganhar dinheiro com elas parecia ser encarada por boa parte dos ISAPs e pela direção como um “mal necessário”; tal qual a 81

Aparelhos de raio-x sobre os quais é possível sentar-se para averiguar se há algo escondido nas “partes íntimas”.

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permissividade às uniões homoafetivas e às visitas íntimas. Na segunda semana de fevereiro de 2010, presenciei uma situação ilustrativa do modo como de fato o tráfico interno de drogas é tratado no âmbito do cotidiano institucional. A “sub” comentava com a chefe de segurança que deveria ficar “de olho” em Alice – uma das presas estrangeiras e também “faxina” da biblioteca da unidade. Conheci a inglesa (presa há cerca de 6 anos por tráfico internacional de drogas,) em meu primeiro dia na penitenciária. Desde o início, ela pediu para ser entrevistada; contudo, sempre que eu a encontrava, na biblioteca ou pelos corredores, estava visivelmente perturbada. Por isso, a entrevista jamais foi realizada. O pedido da “sub” para que ficassem “de olho” em Alice estava relacionado a isso. Segundo uma “cagoete” da direção, há mais de dois meses ela tinha dificuldades para pagar pelo “vício” e já sofria ameaças à sua integridade física. Cheguei a presenciar uma agressão a essa interna. Na ocasião, um sapatão (um dos chefes da droga no TB) imprenssou-a contra a parede e deu tapas em sua face. Quando me viu, deixou que ela retornasse à biblioteca. Desse modo, entendi ser evidente para funcionários e direção que a corrupção e o tráfico de drogas eram práticas rotineiras na unidade e também que os responsáveis pelo negócio eram bem conhecidos por todos. O fato de não intervirem na situação a não ser que ela pudesse vir a gerar maiores problemas – entenda-se repercussões públicas – demonstra a banalização de tais práticas. Outras presas também deviam dinheiro por drogas ou estavam “juradas de morte” por outros motivos, mas, Alice era inglesa e mantinha contato com o consulado britânico. Em janeiro de 2010, como exemplo, presenciei a visita de membros do consulado à unidade. Soube que foram ao TB conversar com Alice sobre seu processo, suas necessidades e queixas. Não problematizar a corrupção dos agentes do Estado nesse contexto serve como estímulo à prática dessa e de outras ilegalidades. Há ainda um paradoxo entre a noção de que seria impossível manter a paz no convívio da cadeia sem a permissividade às drogas e ao sexo (entendidos como meios de produção de corpos dóceis), e a crença de que drogas e relacionamentos afetivo-sexuais entre pessoas de mesmo sexo biológico são a razão de todos os males nas prisões para as mulheres. Chamo atenção para uma frase que ouvi de um sapatão durante uma conversa informal: “Você consegue tirar 10 anos bem numa cadeia de homem, mas, não tira 1 ano bem em cadeia de mulher”. Tal percepção estaria relacionada a um inerente descontrole emocional feminino, que se

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expressaria frequentemente em relacionamentos amorosos e interpessoais, e as tornaria mais suscetíveis ao “vício” e menos capazes de manejá-lo. Todas as entrevistadas dentro e fora da penitenciária e alguns dos funcionários da SEAP-RJ com quem mantive contato durante essa pesquisa falaram sobre o que chamavam de a “devastação” provocada pelo crack nas prisões fluminenses; o que nas unidades prisionais femininas teria se tornado um problema alarmante e responsável por inúmeras mortes e crimes entre internas. Andressa [22 anos; condenada por assalto à mão armada e formação de quadrilha; passou cerca de 3 anos no cárcere; cumpriu 1 ano da pena no TB; estava há 1 mês em condicional], egressa que conheci através de uma ONG em dezembro de 2009, relatou ter quase morrido durante o cumprimento de sua pena devido ao uso abusivo de susbstâncias como maconha, haxixe e crack. “(...) meu pai e minha mãe se separou... Aí eu já não queria mais nada, só fazia cabelo [no salão de beleza do TB onde foi faxina] pra poder fumar. Não comia, ficava dois, três dias sem comer, só fumano (...) Chorava dia e noite. Fumava, porque... pra mim poder dormir, porque quando você fuma te dá sono, fumava pra poder rir, porque você ria, você brinca, você fica descontraída. (...) eu comecei a emagrecer muito porque eu não comia. Eu tinha um irmão [um sapatão com quem estabeleceu relação de parentesco por afinidade no TB] que ele era... era dono da cadeia toda. Do anexo da cadeia, de tudo. E ele era muito respeitado. (...) Aí, ele às vezes ele que vinha com um pedaço de pau grandão [para bater nela caso se recusasse a se alimentar], ai fazia comida e me forçava a comer, porque eu ficava... tinha dia que eu queria levantar, mas, num conseguia... eu tinha medo de descer escada, porque eu sabia que ia cair, porque eu tava muito magra. Fiquei seca! Tava pesando trinta e seis [quilos], cê entendeu? (...) eu fiquei uns... três meses nessa. Aí, fui transferida para Bangu 8. Ai, quando eu cheguei lá, minha mãe [mãe de cadeia], que era minha mãe do 7 [Bangu 7] já tinha ido pra lá. Minha mãe foi pra lá e ela é da igreja. Quando eu cheguei, nessa de fumar, ela começou a cortar, me colocava trancada dentro do cubículo, não podia sair. Aí, ela foi fazendo eu parar, parar... Aí, eu fui parano. Aí, foi onde que eu fui pegano um corpinho. Minha mãe, minha mãe mesmo de rua [a mãe biológica que cuidava de sua filha fora da cadeia], quando ela foi me visitar, que ela viu o jeito que eu tava ficando, ela ficou apavorada, com medo, achando que eu tava até doente, com AIDS”. – Grifos meus.

O depoimento de Andressa é elucidador de vários aspectos do modo como os códigos institucionais, o estilo de gestão específico a uma direção e os códigos de convívio das internas se articulam no cotidiano do cárcere. Acrescente-se que o relato demonstra como as vidas encarceradas são tidas como “descartáveis” pelo sistema. Uma 109

depressão agravada pela separação de seus pais teria levado Andressa à compulsão por drogas que antes utilizava de forma recreacional, como o crack. Apesar de sua saúde ter se deteriorado rapidamente, a ponto de ter dificuldades de se levantar da cama – “às vezes, as menina ia lá e me levantava pra contagem” –, e ficar severamente desnutrida, não houve quaisquer intervenções da direção ou de funcionários para que ela tivesse acesso a profissionais de saúde e a um tratamento adequado. Foi graças aos cuidados de seu irmão e de sua mãe de cadeia e de amizades que fez dentro do sistema que Andressa se recuperou. Assim, os cuidados básicos de saúde que lhe foram negados pelo Estado, foram substituídos pelos cuidados produzidos na dinâmica de dádivas e contra-dádivas, de direitos e obrigações que constituem as redes de ajuda, afetos e parentescos construídas no cárcere. Essas mesmas redes, asseguram, por exemplo, que internas postas no castigo recebam clandestinamente “bolões de 100” – alta dosagem do medicamento psiquiátrico Haldol, – para que possam dormir durante os dias de solitária; bem como outros itens dos quais tenham necessidade. A medicação ajuda a suportar a reclusão em um espaço tão pequeno e imundo. Nesse sentido, o depoimento de Andressa também é ilustrativo: “(...) na cela tinha 6 pessoas e eles acharam 8 celular. Então, assim, era tudo nosso, né! Se é só um, você ainda tem... „Ah, não é meu, não. É seu!‟... ninguém se assume e pronto. Agora, 8? (...) ali, eles pegaram, cataram todo mundo, e colocou cada um numa cela [de isolamento]. (...) tipo, lá no Talavera, a gente chama de “fazendinha”, né, porque é um lugar onde tem um monte de mato. Aí, tem lacraia, rato, barata, aranha, tem tudo, né! (...) Esses quinze dias que eu fiquei ali, se eu fiquei acordada 24 horas ao total, foi muita coisa, porque eu dormia. Eu tomava bolão de 100... (...) no dia quando eu cheguei [no isolamento], eu cheguei, aí, a colega gritou [de um ponto da galeria B em que é possível se comunicar com o local de isolamento por um pequeno buraco], perguntou o que eu queria, se eu queria um telefone pra ficar lá. Aí, eu falei que não, porque eles ia entrar e ia pegar o telefone, não ia adiantar de nada. Lá é silencioso, ía dar pra ouvir tudo... Então, „Quero duas cartela‟... Aí, ela mandou duas cartela pra mim. Aí eu guardei as duas cartela escondido em mim”.

Diante de depoimentos como o acima, passei a me perguntar por que não há serviços de saúde específicos voltados para a população prisional; em especial, no que se refere ao abuso de drogas, já que parece ser consenso que esse é um grave problema a dizimar vidas no cárcere. Não há acesso dessas pessoas nem se quer aos serviços de

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saúde mais básicos82, ou a condições mínimas de higiene durante o cumprimento de suas penas. Embora a LEP já previsse em seu art.14 a assistência à saúde para pessoas presas, compreendendo o atendimento médico, farmacêutico e odontológico nas unidades prisionais, ou em uma unidade de saúde fora (mediante autorização da administração da unidade) em caso de inextência de serviços no estabelecimento prisional, de fato, a grande maioria dos prisioneiros sob os cuidados da SEAP-RJ não possuem qualquer acesso à Rede do SUS. E essa é uma realidade nacional. Não foram raros relatos de egressas e internas da Talavera Bruce acerca da dificuldade em marcar consultas médicas, conseguir medicação para doenças crônicas (como diabetes, colesterol, hipertensão, HIV/Aids, etc.), e sobre agressões físicas e verbais sofridas em represália a reividincações por atendimento médico, mesmo em casos de emergência. Segundo as informantes, era comum até que mulheres tivessem seus partos realizados por outras internas em suas celas devido à dificuldade de conseguir que a direção provesse escolta para gestantes em trabalho de parto. Acrescente-se que, quando a escolta é feita, as parturientes são algemadas durante o trajeto para a maternidade e continuam algemadas durante e após o parto. Segundo matéria publicada em 05 de outubro de 2010 pelo jornal Folha de São Paulo, o levantamento realizado pelo Datafolha, por encomenda do Fórum Nacional de Segurança Pública em junho do mesmo ano, “metade da população das grandes cidades brasileiras acredita que „bandido bom é bandido morto‟”83.

Isso demonstra como

práticas desumanas contra pessoas que cometeram, ou são suspeitas de terem cometido algum crime84, são legitimadas por grande parte da opinião pública. A popular frase “bandido bom é bandido morto” sintetiza de certo modo a lógica que mobiliza os 82

Recentemente, através da Portaria Interministerial nº 1 de 02 de janeiro em 2014, foi instituída a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), o que representou a inclusão formal dessa população na cobertura do SUS (DEPEN, 2014). Assim, todas as unidades prisionais deveriam passar a integrar a Rede de Atenção à Saúde do SUS. Todavia, dois anos mais tarde, tal ação ainda não foi devidamente posta em prática. 83

De acordo com a matéria, foram ouvidas 1.307 pessoas em 84 cidades do país.

84

O levantamento do Infopen (DEPEN, 2015) demonstrou que, em 20 anos (1990-2014), a população carcerária brasileira cresceu cerca de 161% enquanto o crescimento populacional do país no mesmo período foi de apenas 16%. Isso colocou o Brasil em 4º lugar no ranking internacional do encarceramento em massa, com em média 300 prisioneiros para cada 1.000 habitantes. Não obstante, talvez, o mais grave índice do sistema prisional no país seja o fato de que a quantidade de presos provisórios aguardando julgamento, trancafiados nos estabelecimentos punitivos, é equivalente ao número de presos condenados ao regime fechado (cerca de 41% em ambos os casos). Isso significa que mais de 250 mil pessoas chegam a passar anos no sistema prisional sem que sua culpa pelos crimes de que são suspeitos seja comprovada.

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agentes do Estado em suas relações com essas pessoas, as quais deveriam guardar e “rehabilitar” durante o comprimento de penas de privação ou restrição de liberdade. Seguindo tal máxima, os condenados são pessoas que não merecem viver, que estão desperdiçando recursos do Estado e colocando seus agentes em risco; pessoas que, acredita-se, serão soltas em algum momento e voltarão à criminalidade, pondo a população em risco. Nesse sentido, os altos índices de reincidência prisional registrados no Brasil85 reforçam uma representação do mundo do crime como caminho sem volta, servindo como justificativa para a indiferença social e política aos altos índices de mortes em decorrência de ações das forças de segurança86 e aos, não raros, desaparecimentos e assassinatos de pessoas em favelas e prisões. Ao longo da pesquisa, foram inúmeros os relatos de situações em que a solidariedade e a reciprocidade emergem como regras centrais do cárcere. Nos momentos de maior dificuldade, aquelas que compartilham dos mesmos suplícios se ajudam e apóiam, seja compartilhando papel e absorventes higiênicos, ou cigarros e medicamentos. Colegas de cela constituem redes de ajuda e apoios que se expandem para além, na medida em que seus espaços de sociabilidade se ampliam através do ingresso na escola, em alguma das oficinas de produção, em cultos religiosos, no negócio da droga, por meio de celulares e cartas, e pela dinâmica de circulação pelas unidades prisionais que é própria ao sistema. Não se trata de meras demonstrações de solidariedade e empatia entre pessoas em uma mesma situação. A vida no convívio requer o aprendizado de uma política de alianças e ajuda, e exige atenção aos códigos de interação com as “colegas” e com “desipes”. Nesse sentido, as internas que têm relação cotidiana e de maior proximidade com algum “desipe”, tendem a ser alvo de permanente desconfiança. Há um constante fluxo de informações entre internas e entre elas e desipes. Contudo, há o entendimento pelos “desipes” de que algumas questões e conflitos somente dizem respeito às prisioneiras e devem ser resolvidos entre elas. Retomo aqui o 85

Há pouquíssimos estudos sobre o tema da reincidência disponíveis para consulta. Ver Relatório de Pesquisa Reincidência Criminal no Brasil – IPEA / CNJ. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/07/572bba385357003379ffeb4c9aa1f0d9.pd f. Acesso em janeiro de 2016. Os dados divulgados pelo relatório do CNJ demonstram que em 2013 a média ponderada de reincidência nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Alagoas e Pernambuco seria de cerca de 24,4%. 86

Ver Cano, 1997, 2003; Farias, 2007; 2015.

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caso de Alice, a inglesa cujas dificuldades em pagar pelo “vício” conduziram à ameças a sua integridade física. De certo, várias outras prisioneiras deviam para a boca e/ou estavam envolvidas em disputas e conflitos interpessoais que pudessem resultar em confrontos violentos; mas, como já apontado, Alice (estrangeira) foi a única em cujos problemas no convívio a direção considerou pertinente intervir. Desse modo, os critérios de gestão não são inteligíveis a partir do código penal e da Lei de Execução Penal. Eles são construídos a partir das interações, situações e circunstâncias cotidianas que constituem a prisão. Distintos marcadores sociais e simbólicos, como classe social, idade, religião, sexualidade e gênero repercutem nas sociabilidades das internas e nos distintos códigos que se atravessam, mesclam e contrapõem no cárcere.

3.4 Aprender a ser e (sobre)viver na prisão

Na penitenciária, servidores que já possuíam uma relação pessoal e/ou de trabalho anterior com a diretora e/ou a “sub” (“pessoas de confiança”) e os servidores mais antigos da SEAP-RJ eram tidos como mais aptos a avaliar e ponderar os diferentes códigos que regulam o convívio. De modo similar, internas de bom comportamento e longa carreira no sistema, aquelas já familiares aos ISAPs e à direção (que podiam já ter estado sob sua vigilância em outras unidades,) eram úteis na mediação dos códigos e das relações. Não obstante, todos os que trabalham e vivem em uma unidade prisional necessitam ser minimamente capazes de manejar, negociar e coadunar os diferentes códigos de conduta (códigos legais ou formais, códigos impostos pelo estilo de gestão e códigos de convívio entre internas) em suas interações e práticas. Na segunda semana em campo presenciei uma discussão na direção do TB. Uma ISAP que, boa parte do tempo fazia guarda na oficina de quentinhas, subiu até o gabinete para contar às colegas uma situação ocorrida no pátio interno do edifício principal. Outra ISAP descrita por elas como “muito frouxa” e “burra”, entre outros adjetivos negativos, havia sido ofendida por uma interna. A prisioneira subiu em uma das árvores do pátio interno para tentar pegar uma fruta. A árvore ficava ao lado de um dos muros que delimitava a unidade. A ISAP que fazia a guarda do local pediu para que ela descesse da árvore imediatamente, pois, poderia cair e se machucar. A interna

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respondeu: – “Vou cair é o caralho, sua filha da puta! Se quiser, vem me tirar daqui”. A agente ficou sem ação e recebeu auxílio de colegas. Bem feito para a Karen, é uma idiota mesmo. Nunca vi isso! Vai ficar tratando presa como se fosse babá? Se fosse eu, tinha logo sacado a arma e mandado a filha da puta descer. Se viesse de gracinha, já dizia logo: „então, vou considerar que você tá tentando fugir e atirar na sua cara, você quer?‟. Ela [Karen] pelo menos registrou no livro?87 – bradou uma ISAP que trabalhava na diretoria com acenos de aprovação dos colegas com quem discutia o caso.

Além de ridicularizada pelas colegas, a guarda “frouxa” desacatada recebeu uma “chamada” da direção por exercer de forma “inadequada” sua função. Ademais, ela passou a ser vista como alguém em quem não se podia confiar para manter a ordem. No cotidiano da unidade era perceptível a tensão existente entre as internas e os servidores da SEAP-RJ. O trato das presas envolvia constantemente violências verbais, físicas e simbólicas. E as internas que demonstrassem maior proximidade com algum funcionário na minha frente eram tolidas por esporros, gritos, chaves de braço, etc. Na quinta semana em campo, Alice (a inglesa) mostrou um retrato que havia pintado: na tela, uma mulher de cabelo longo e louro e de olhos azuis. Outra interna que estava na biblioteca exclamou de modo espontâneo: “Ih, é a dona Milena! Tá bonitona”. José, ISAP que estava próximo a nós, censurou imediatamente a interna: “Que abuso é esse! Só porque é loura é a Milena? Olha o respeito. Ela lá deu essa confiança pra vocês”. O que essa situação tem de semelhante ao episódio de desqualificação da ISAP “frouxa” é que ambas as situações eram corriqueiras e poderiam ser caracterizadas como exemplos de censura à cordialidade. Sobretudo, às cordialidades que podem produzir fissuras na hierarquia institucional. Esse era um valor central resguardado pelos agentes na relação com as condenadas. Todas as interações deveriam reproduzir a distância social e simbólica que os separava, a superioridade moral e estrutural dos agentes em relação às prisioneiras. Nesse sentido, manter a ordem no contexto da penitenciária não necessariamente significava agir em função da manutenção da paz, com base na LEP e/ou em regras e princípios éticos que encampam o trabalho de tutelar condenados. Ao contrário, manter 87

Trata-se do livro em que são registradas as inflações de prisioneiras, o que resulta em processos disciplinares administrativos (PDAs) que tornam mais difícil conseguir “benefícios” como a prisão semiaberta, a aberta ou a condicional; e podem repercutir em novos crimes a serem julgados e incorporados a suas sentenças.

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a ordem adquire frequentemente nesse contexto o sentido de saber se fazer respeitar e obedecer pelas internas, utilizando muitas vezes a violência como um meio legítimo de submissão. Garantir a ordem também depende da capacidade de cada agente em fazer88 informantes através de regalias, barganhas ou de vista grossa a certas ilegalidades, impor pulso firme na resolução dos confrontos, e atenuar conflitos entre o estilo de gestão da unidade e as práticas de autogestão do coletivo de prisioneiras.

A relação dos servidores com essa população marginalizada não se atêm aos limites de legalidade estabelecidos pelo Estado. Antes, envolve a negociação situacional e cotidiana de distintos códigos de conduta. É relevante ressaltar que quando falo em códigos, refiro-me ao conjunto de normas, práticas, linguagem e gestual tidos como legítimos e adequados em distintas situações e circunstâncias pelos indivíduos que constituem o universo estudado. A noção de “definição de situação”, apresentada por Goffman (2002 [1985]) em “Representação do „eu‟ na vida cotidiana”, é uma ferramenta teórico-conceitual que ajuda a entender como esses indivíduos negociam, atualizam, reproduzem e ressignificam distintos códigos no cotidiano, sendo capazes de construir indefinidamente repertórios socioculturais dinâmicos e eficientes. Segundo Goffman, o processo de “definição de situação” é o que o permite ao indivíduo se orientar no mundo social e compreender suas possibilidades de ação em distintas circunstâncias. Através dele, situações e contextos específicos tornam-se inteligíveis, o que permite nos ajustar aos diferentes acontecimentos do cotidiano. Nesse sentido, Goffman (2002 [1985]) destaca que uma questão fundamental a ser colocada quando consideramos uma dada situação é: “Quem pode definir legitimamente o que está acontecendo aqui?”. Isso, porque a definição de uma situação pode ser tida como mais ou menos legítima em função da dinâmica das relações de poder. A ação criativa dos indivíduos em suas interações está sempre condicionada ao equilíbrio das relações de poder que estão em jogo em um dado contexto. Portanto, deter meios de se exercer o poder é fundamental para que um indivíduo ou grupo social possa definir legitimamente uma situação e para suas possibilidades de agenciamento. No processo de definir “o que está acontendo aqui”, as informações que detemos sobre 88

Utilizo aqui a expressão “fazer informantes” por entender que essas relações de caguetagem envolvem expedientes que implicam a construção intersubjetiva de alianças, cumplicidades, interesses e conhecimentos.

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o outro – sejam elas informações declaradas ou, presumidas a partir de vestimentas, características pessoais, expressão corporal, linguagem, etc. – orientam as expectativas dos indivíduos em interação. O que Goffman define como “rituais de interação” – “maneiras codificadas de comportamento expressivo”, – é o que podemos tomar como a base do repertório sociocultural. Os “rituais de interação” são condutas ritualizadas portadoras de sentidos que não lhes são intrínsecos, mas, investidos pelos códigos sociais – como modos de saudação, formas de se desculpar, práticas de flerte, etc. O repertório acumulado pelo indivíduo permite que, ao se deparar com uma determinada situação, ele seja capaz de avaliá-la – ainda que superficialmente. As expectativas sociais suscitadas por determinados contextos, papéis e características socioculturais dão indicações sobre como classificar aqueles com quem se interage ou irá interagir, e sobre como compreender as circunstâncias em que se dão tais interações. Nesse sentido, as ações – conscientes ou não – de cada indivíduo que compõe a cena influenciam diretamente a “definição de situação”. Isso está pressuposto na própria noção goffmaniana de interação social. Para o autor, a interação supõe necessariamente a relação face a face, definida como “a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata” (p.23). Contudo, é importante destacar que Goffman considera que aqueles que não estão diretamente em interação com o indivíduo, mas, que compõem a cena como “observadores” ou “co-participantes” também influenciam na “definição de situação”. Não obstante, o autor não faz menção ao que poderíamos chamar de coparticipantes fisicamente ausentes. Refiro-me aos indivíduos que mesmo não participando fisicamente da interação face a face constituem uma relação de alteridade central no modo como os indivíduos conduzem suas ações. Em um nível mais pragmático poderíamos pensar, por exemplo, em figuras de autoridade com quem os indivíduos estabelecem uma relação que extrapola a situação e/ou o contexto em questão. Por exemplo, um aluno que comete uma infração em sala de aula e ao ser flagrado pelo professor pauta e tenta manejar suas ações (verbais e não verbais,) com referência às expectativas acerca da possível reação de seus pais ao saberem do episódio. Em um nível ainda mais intersubjetivo, poderíamos pensar como em algumas circunstâncias a esfera das moralidades e dos valores em sua dimensão mais englobante influencia a apresentação de si e as ações dos indivíduos em distintos contextos e na 116

interação com diferentes grupos sociais. Um aluno de ciências sociais que se afirme contrário a determinadas políticas sociais (como as cotas em universidades públicas, por exemplo,) pode ser julgado como racista, elitista ou como ignorante acerca da complexa problemática das desigualdades sociais na sociedade brasileira, a qual implica menores oportunidades de acesso à educação superior para ampla parcela da população classificada como negra ou parda. Certamente, isso pode transformar uma situação de diálogo cordial entre colegas de turma em uma situação conflituosa em que nem sempre o indivíduo está disposto a se engajar. Assim, os indivíduos podem considerar imprudente expressar algumas opiniões diante de certos interlocutores e em circunstâncias específicas. Acrescente-se que, como observou Goffman, Ocasionalmente, [o indivíduo] expressar-se-á intencional e conscientemente de determinada forma, mas, principalmente, porque a tradição de seu grupo ou posição social requer este tipo de expressão, e não por causa de qualquer reposta particular (que não a de vaga aprovação ou aceitação), que provavelmente seja despertada naqueles que foram impressionados pela expressão. Outras vezes, as tradições de um papel pessoal levá-lo-ão a dar uma impressão deliberada (2002 [1985]:15 – grifo meu).

Há ainda situações em que o indivíduo pode intencionalmente escolher se expressar de modo a confrontar valores, posições sociais e tradições de um grupo social. O caso de Maria [50 anos; superior incompleto; condenada a 25 anos por assalto à mão armada seguido de homicídio; cumpriu cerca de 9 anos de prisão; três deles no TB] é ilustrativo. Em 2002, quando foi presa não imaginava o que esperar da vida na prisão. A universitária e servidora pública de 38 anos entrou para o crime não pela “necessidade”, mas, pelos contatos que fez quando começou a traficar pequenas quantidades de drogas. Aos poucos, foi se inserindo em uma rede de criminosa que se ampliou rapidamente. Apesar de também traficar, sua prisão ocorreu após uma série de assaltos a banco – um dos quais resultou em homicídio. Os assaltos eram uma forma de “fazer” muito dinheiro, curtir a “adrenalida” e a sensação de poder. Lésbica e acostumada a usar roupas pouco femininas, quando adentrou o sistema, as outras condenadas logo a classificaram como sapatão e tentaram dar a ela um nome social masculino. Maria tentou rejeitar o estereótipo, mas, teve de ceder em alguma medida, deixando que a tratassem pelo sobrenome – Peixoto. Maria negociava constantemente certos códigos de conduta no cotidiano do cárcere. Por um lado, jamais buscou modificar seu corpo de modo a esconder símbolos e atributos de feminilidade. 117

No calor intenso de Bangu, sempre que estava dentro de seu alojamento, fazia “topless”, o que gerou conflitos iniciais com sapatões. Logo, tais conflitos foram dissipados conforme a informante se inseriu em uma rede de amizades entre sapatões e mulheres que ocupavam posição de destaque no TB. Peixoto também se tornou conhecida nas quatro unidades prisionais pelas quais passou por organizar abaixo-assinados, realizar denúncias, participar de negociações por melhores condições de vida com as direções e de rebeliões e conflitos. Criou laços de amizade com algumas das criminosas mais influentes do Rio de Janeiro, o que lhe rendeu o papel de confidente de algumas delas e amplo conhecimento sobre as redes do crime organizado no Estado. Seus protestos contra abusos de poder, violências e todo tipo de arbritariedades na prisão resultaram também em inúmeras visitas às celas de castigo, além de torturas e espancamentos. Todavia, buscou sempre possibilidades de resistir diante das opressões diárias a partir de estratégias políticas. Conseguia, por vezes, frear as ações de um dos ISAPS mais violentos da Talavera Bruce através do pai do funcionário, um cardecista que prestava serviços religiosos na unidade há época. Ela aproveitava o início ou o fim dos encontros religiosos para denunciar ao pai do agente suas práticas violentas. Isso sempre resultava em melhoras em seu comportamento, ainda que por curtos períodos. Por outro lado, também usava de sua influência sobre alguns sapatões tidos como “bichos” para tentar dissipar suas ações violentas, fazer com que desistissem de conflitos sangrentos com outras internas. Por possuir boa instrução e ter feito amizade com advogadas que cumpriam pena na penitenciária, ajudava colegas a redigirem cartas ao ministério público e a se informar sobre seus processos. Guardou todas as cartas de trocadas com outras prisioneiras com intenção de documentá-las. Realizou entrevistas informais com várias mulheres que conheceu no sistema, abordando suas trajetórias dentro e fora da prisão, o modo como entraram para o crime e suas percepções da vida na cadeia. Foi das internas que criaram estardalhaço quando Renata sofreu a emboscada por denunciar os cúmplices do marido policial, o que quase lhe custou a vida. Peixoto foi uma das entrevistas a falar mais abertamente sobre questões envolvendo graves violações de direitos humanos. Ela e Renata reportaram que, na segunda metade dos anos 2000, o diretor a frente da penitenciária assediava e explorava sexualmente inúmeras internas – “as mais bonitas”. Durante o trabalho de campo na penitenciária, três internas com quem mantive conversas informais também reportaram 118

que a direção agendava programas para as internas, que recebiam como pagamento “regalias” na cadeia. O diretor e seus ISAPs de confiança ficavam com os pagamentos realizados pelos “clientes”. Os programas costumavam acontecer de madrugada e fora do TB. Autoridades públicas (juízes, promotores, secretários de estado) e policiais costumavam pegar detentas na prisão e levava-las para motéis próximos. Ao final dos programas, elas eram devolvidas ao TB. Deve-se destacar que mulheres que se recusavam a participar desse “esquema” eram perseguidas na instituição.

3.5 Fazendo família na cadeia

O “massacre” cotidiano denunciado pelas participantes da pesquisa evidencia o quão importante são as redes de ajuda para a sobrevivência no cárcere. A grande maioria das internas são abandonadas por seus familiares e amigos. Muitas vezes, mesmo as que mantêm vínculos com as famílias de origem enfrentam dificuldades de subsistência. As limitações financeiras dos familiares tende a impedir que compareçam às visitas e enviem “sucata” semanalmente. Nesse sentido, foram recorrentes lamentos acerca das perdas materiais e afetivas que a prisão acarretou para as informantes e suas famílias, como exemplo, a incerteza sobre o cuidado dos filhos. Inúmeras mulheres não têm se quer ideia para onde seus filhos foram levados após sua prisão. Apenas uma minoria tem satisfação em dizer que os filhos estão protegidos e bem cuidados por avós, irmãs ou tias. A família de origem era sempre um tema difícil de ser abordado durante as entrevistas. Era comum que egressas e internas dessem respostas vagas e imprecisas sobre seus familiares; algumas demonstravam desconforto. Lamentos repletos de angústia, rancor, vergonha e culpa preenchiam as narrativas sobre suas vidas fora do cárcere. A quebra de reciprocidade nas relações familiares marcou muitos relatos, traduzindo-se por vezes em falas sobre a falta e o arrependimento. Isto é, sobre os impactos concretos e simbólicos que a falta de apoio da família têm em sua vida no cárcere; e o arrependimento por não ter dado “valor” ao que se tinha e por não crer ser possível um dia compensar os entes queridos pelos transtornos e sofrimentos causados por sua inserção no mundo do crime e na prisão.

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E, ainda que os vínculos familiares sejam mantidos, eles se enfraquecem diante da distância. Um distanciamento que é físico, mas, também decorre de estarem vivendo realidades tão brutalmente distintas. Algumas informantes afirmaram esconder frequentemente da família práticas, circunstâncias e relações estabelecidas na prisão, por acreditar que seus familiares não seriam capazes de compreendê-las. Patrícia [23 anos; 2 anos e meio de prisão – 1 ano e meio no TB; 1 ano em liberdade condicional] revelou que, após uma briga com a colega de cela, por motivo que, segundo ela, para gente “de fora” pareceria “idiota, ridículo”, ficou com o rosto marcado e um olho roxo. No dia seguinte, receberia a visita do irmão. Único parente com quem manteve contato e que ajuda em seu sustento. A possibilidade de ter de se apresentar ao irmão machucada, explicar que ficou assim porque brigou com a colega por causa da limpeza de um dos cantos do cubículo, foi narrado como algo que lhe gerou grande angústia. Preferiu inventar uma desculpa para não receber a visita. “Imagina o meu irmão, que com tanto sacrifício não me deixava faltar nada, tava ali sempre comigo, chegar e me ver com a cara daquele jeito. Por quê? Porquê eu tava varrendo a cela e ela não quis tirar o pé do chão pra me deixar varrer. O que eu podia dizer pra ele? (...) É que é muito difícil de explicar. É... É porque lá dentro [no TB] tudo muda de proporção, entendeu? Tudo ganha uma DIMENSÃO! Você tá ali e seu mundo se resume àquilo. Então, qualquer coisa que acontece tem um impacto muito maior do que aqui fora, que você tem um monte de coisas acontecendo na sua vida, entendeu? (...) Lá tudo se resolve na gritaria, na discussão, na porrada, confusão. Então, você já tá naquele ritmo. Não tinha como ele, uma pessoa que tá aqui fora, entendeu...”.

Um caso bastante ilustrativo desse distanciamento inevitável é Sinara [], uma mulher que conheci em minha primeira semana no TB. Visitei a fábrica de costura e me apresentei para algumas internas. Sinara foi minha primeira entrevistada. Era uma mulher de 38 anos, condenada a seis anos e oito meses de prisão por transportar drogas para um presídio. Era “mula” de um traficante preso. Estava no TB há cerca de nove meses e dividia cela com outras nove prisioneiras. Apesar de estar apta para tentar uma cela individual, já que tinha uma ocupação formal na unidade, dizia preferir não ter que ficar sozinha. Ao longo de nossa primeira tentativa de entrevista, a informante foi muito evasiva quando indagada sobre sua história, sobre como se envolveu com o crime e sobre sua trajetória e cotidiano na prisão. Demonstrou estar pouco à vontade com a situação. Após meia hora sem muitos avanços, achei melhor interromper e marcar para 120

continuarmos outro dia. Três dias mais tarde, houve uma “movimentação” na cadeia; isto é, as internas foram retiradas de seus cubículos e arbitrariamente alocadas em outras galerias, pavilhões ou prédios da penitenciária. Segundo Janaína (“minha babá”), isso ocorria vez ou outra para que os guardas pudessem procurar por “cafofos” e facilitar a apreensão de drogas, dinheiro e outros pertences e mercadorias ilegais. Naquele dia, avistei

Sinara

no

corredor

visivelmente

consternada

e

enfurecida

com

a

“movimentação”. Foi quando descobri que ela mantinha uma relação conjugal na prisão. Em meio a esse drama pessoal, entre lágrimas, ela voluntariamente começou a contar tudo o que dias atrás eu havia lhe perguntado. Mãe de três filhos e já avó, desde que foi presa decidiu se separar do marido. Desde quando estava na carceragem da delegacia, só recebia visitas de sua filha mais velha, que nunca deixava “faltar nada”. No entanto, após revelar para a moça seu relacionamento afetivo-sexual com um sapatão – um de seus colegas de cela no Anexo –, não recebeu mais visitas. Revoltada, a filha continuou enviando “sucata”, mas, não quis vê-la novamente, ou atender seus telefonemas. Desde então, Sinara não teve notícias de seus outros filhos – de 14 e de 12 anos. Um dos meninos morava com o pai e o outro, com uma tia-avó. Àquela altura, o ex-marido e a tia-avó já sabiam que ela estava de caso com um sapatão; por isso, também não atendiam seus telefonemas. O sofrimento da informante e seu desconsolo naquele dia vinham do fato de que, dificilmente, ela e seu sapatão seriam postos na mesma cela novamente. Não possuíam dinheiro para tentar conseguir um cubículo só para os dois. Ademais, Sinara trabalhava o dia todo na costura. Se ficassem alocados em celas separadas, só poderiam se encontrar aos fins de semana. Desse modo, ela que julgava já ter perdido a família, perderia também o companheiro, estaria sozinha para enfrentar a vida na cadeia. Como já ressaltado, criar alianças e redes de ajuda que garantam proteção e apoio mútuo diante das dificuldades é uma condição para a sobrevivência na prisão; e é comum que esses vínculos se intensifiquem para além das relações de amizade, sendo vivenciados como vínculos familiares, ou conduzindo a relacionamentos amorosos. Nesse sentido, as “famílias de cadeia” podem ser melhor entendidas no registro das relacionalidades. “Relatedness” (CARSTEN, 2000) é uma forma de referir os processos pelos quais as pessoas criam similaridades e diferenças entre si e os outros. Assume-se que o parentesco não é um dado vinculado à natureza, mas, algo criado de modo 121

processual através da convivência, da intimidade e da comensalidade89. Enfim, das trocas que engendram a produção de corpos, pessoas e do espaço doméstico. É a consubstancialidade que dá legitimidade ao idioma do parentesco. Assim, o parentesco é um produto de relações continuamente reiteradas por atos, práticas e rituais. Diversas etnografias entre grupos ameríndios amazônicos apontaram que entre diferentes etnias, a humanidade é concebida como algo que se constrói ao longo da vida, estando suscetível a ser modificada, transformada e perdida. Por isso, é cerceada por tabus em torno do compartilhamento de substâncias (VILAÇA, 2001; CARSTEN, 2000). Substâncias essas que são produzidas por relações sociais. Desse modo, a humanidade é resultado do processo de fabricação da substância e a corporalidade emerge como uma dimensão privilegiada para a construção das subjetividades e das próprias noções de natureza e cultura90, já que a consubstancialidade fabrica corporalidades comuns, que independem de vínculos genéticos. Entre diferentes etnias amazônicas, “fazer” parentesco envolve empenho em reiterar continuamente vínculos e similaridades; e a agência dos sujeitos sobressai fortemente nesse processo (VILAÇA, 2001). Embora se trate de um contexto sociocultural radicalmente distinto, identifiquei que as relações de parentesco entre os “familiares” de cadeia engendram também uma lógica relacional em que a dimensão social e reiterativa do parentesco se revela com ainda mais intensidade. Uma interna pode ter um pai e uma mãe “de cadeia” que não possuem qualquer relação um com outro, bem como irmãos e irmãs que nem ao menos se conhecem. O que está em jogo são afetividades e relações de ajuda mútua e cuidados; a convivência cotidiana que também se materializa em objetos, tais como, maços de cigarros, roupas e enlatados compartilhados. O

parentesco

produzido

através

da

experiência

de

relacionalidade

(“relatedness”) entre presidiárias do sistema prisional fluminense é também 89

Vilaça (2001) destaca que, a partir dos anos 1990, sob a influência do feminismo, os estudos sobre parentesco deixaram de se voltar para a relação entre o social e o biológico, para explorar a complexidade do que é concebido como biológico. As análises voltam-se para as noções “nativas” do corpo e da consubstancialidade, que deixa de ser pensada como uma relação condicionada pelo nascimento, e sim, como um processo que se produz através de “atos de partilha” – em especial, da comensalidade e ao cuidado mútuo. 90

A noção de multinaturalismo ou perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) para expressar o modo como os ameríndios concebem a natureza foi uma contribuição importante nesse cenário. Ao apontar que esses povos concebem a existência de uma única cultura, porém, múltiplas naturezas, o autor coloca a corporalidade como dimensão privilegiada de construção da pessoa e de diferenciação entre os seres.

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condicionado por convenções e performances de gênero das internas. Na dinâmica familiar, práticas e posições são delimitadas e reiteradas por performances de gênero. Assim, sapatões sempre serão pais e irmãos, e mulheres e lésbicas sempre serão mães e irmãs; em alguns casos, tias – uma relação que envolve menor investimento e uma reciprocidade mais ocasional. Não raro, as “famílias de cadeia” são perpassadas por relações de conjugalidade, mas, não são restritas por elas. Isso explica porque quaisquer vínculos entre um pai e uma mãe de cadeia e entre filhos que compartilham o mesmo pai e a mesma mãe são dispensáveis. Jaqueline [23 anos; condenada por tráfico de drogas; há 4 anos presa; há 1 anos e meio no TB] foi uma das entrevistadas que deram mais destaque às relações de parentesco ao contar sobre sua experiência no cárcere. Sobretudo, seu pai e sua mãe de cadeia foram figuras centrais em seu depoimento e em nossas conversas informais. “(...) to sem falar com minha mãe. Ela vacilou e tá chateada, fazendo coisa errada. Meu pai largou dela por isso. Mas, ela me prometeu, me prometeu que não ia mais cheirar [usar cocaína]. Fui na cela dela falar sobre cigarro e tava lá com o nariz todo branco. Fala! Tentou esconder, mas, não dava. A gente brigou, eu xinguei ela, chamei de filha da puta. Fiquei com muita raiva porque ela tinha me prometido... Mas, aí, me deu um tapa na cara. Nunca ninguém tinha dado na minha cara. Me deu um ódio! Só num dei de volta [uma tapa na cara], porque ela é minha mãe, né? Eu não ia dar na cara dela. Tá toda arrependida. Mas, num quero falar com ela, não”.

Para mim, foi surpreendente o grau de comprometimento de Jacqueline para com sua família de cadeia, o respeito e a reverência que tinha por aqueles pais que conhecia a não mais do que um ano. Fez questão de destacar que cuida bem do pai, arruma suas coisas, prepara sua comida, não lhe dá trabalho, como muitos dos outros filhos e filhas de cadeia. Um desses filhos que era como seu irmão, trazia preocupações constantes. Estava sempre envolvido em confusão, com dívidas de droga. Segundo ela, o “menino” já havia sido jurado de morte e seu pai, um dos sapatões mais antigos e temidos não apenas no TB, teve de intervir, usar de seu contexto para protegê-lo. Mas, deu-lhe uma surra para parar de “fazer merda”. Não obstante, é necessária a ressalva de que as famílias de cadeia, embora sejam um importante mecanismo de resistência no cárcere, proporcionando aos sujeitos sentido de pertencimento e uma rede de afetos e cuidado, não são estereótipos de um modelo idealizado de família heterossexual. Como contou Maria, muitas internas não

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gostam de participar das relações de parentesco na cadeia. Algumas fazem no máximo irmãs; mas, não filhos e filhas, ou pais e mães. Segundo ela: “É pouca vergonha! Eu acho muito estranho. Não são bem famílias, não. Pô, tá lá todo mundo dizendo que é parente e, de repente, tu vê pai pegando filha, irmão com irmão, ou o pai tem mais de uma mulher. E todo mundo lá misturado! [risos]”.

Algumas participantes da pesquisa afirmaram que não ter pais de cadeia, porque seria um desrespeito para com os “verdadeiros”, seus pais biológicos. Mesmo quando não mantinham contato com suas famílias de origem. O fato é que, como as famílias convencionais, as famílias de cadeia podem assumir configurações diversas. Podem ocupar o mesmo patamar de famílias biológicas, ou serem consideradas famílias circunstanciais, substitutas temporárias. Podem ainda estabelecer relações de continuidade com famílias de origem das prisioneiras. Em um dos dias de visita que acompanhei na semana seguinte ao carnaval de 2010, Marcele havia recebido autorização para participar do almoço com a família de uma de suas irmãs de cadeia. Ela interagia com a família biológica da irmã muito à vontade. Assistindo a certa distância, podia-se pensar que se tratava de uma reunião familiar, de fato. Mãe e filhos se divertindo em um piquenique, compartilhando uma refeição caseira e conversando entre risos. Há ainda famílias de cadeia compostas por indivíduos que não convivem no mesmo espaço, mas compartilham cartas, telefonemas e visitas íntimas. Algumas internas heterossexuais afirmaram ter se casado após a ida para o cárcere, com homens também presos que conheceram no “sistema”. Cheguei a ouvir casos de gravidezes planejadas com a ajuda de familiares “de fora” e advogados. Nesses casos, os sujeitos construíram vínculos afetivos com vistas à constituição de uma família fora do cárcere. Sair da prisão já casados e com um filho que os unissem pelo sangue era um mecanismo de concretização de um projeto de vida em comum. No capítulo a seguir, busca-se analisar as relações e experiências afetivo-sexuais das entrevistadas e suas experiências de conjugalidade no cárceree. Discursos sobre parentesco – biológico ou por afinidade, – interseccionam-se com discursos e concepções gênero e sexualidade de formas variadas nesses relatos.

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4. Poder, relações de gênero e sexualidades _______________________________________________ As análises a seguir buscam abordar como as relações de gênero e a construção de identidades sexuais específicas ao contexto prisional e suas tensões com valores, representações e moralidades legitimadas socialmente, ajudam a compreender as formas de reinvenção de si das entrevistadas. São abordadas as dinâmicas das relações de interdependência estabelecidas em determinados contextos socioculturais, considerando as repercussões de uma inserção social plural e a centralidade do gênero enquanto categoria de entendimento humano que permite aos indivíduos se situarem no mundo e conferirem sentido a suas experiências. Em “La Mujer es Puro Cuento” (2004), Verena Stolcke aponta que a crítica “pós-estruturalista / pós-moderna / desconstrutivista” da ciência e das categorias científicas ocidentais acerca de representações objetivas de outras culturas negligenciou notavelmente a questão sexo/gênero. Contudo, ao propor o entendimento da cultura como dinâmica, mutável e híbrida, tal crítica foi fundamental ao desenvolvimento de uma nova concepção de cultura, que destaca o caráter construído e político das diferenças sociais e identidades. Segundo Stolcke, a nova perspectiva sobre as identidades convergiu com o interesse feminista pelas interseções entre certos marcadores de diferença – classe, raça e gênero – nas experiências sociais das mulheres em diferentes contextos históricos. Esse movimento implicou a elaboração de concepções mais complexas do conceito de gênero, que passou a ser pensado – sobretudo – como uma dentre outras dimensões do complexo tecido das relações sociais e políticas em distintos cenários socioculturais (2004, p.96). Apesar do significativo avanço político e científico, outra implicação da incorporação dessa crítica cultural “pós-estruturalista”, que assumiu a forma de um progressivo desconstrucionismo nas ciências humanas a partir dos anos de 1980, foi a destituição do sexo biológico como objeto de reflexão e análise. A materialidade do corpo biológico era considerada incerta ou irrelevante demais para importar nas reflexões sobre gênero (2004, p.97). Entre as décadas de 1980 e 1990, a proposta analítica de desmembrar a questão sexo/gênero em três dimensões que lhe seriam 125

constituintes – Gênero; sexo (característica anátomo-biológica dos humanos); e Sexo (o que as diferentes culturas constroem a partir do sexo) –, conduziu a ambiguidades que variavam entre essencialismos e a ideia de uma plasticidade extremada da espécie humana. Na Antropologia, Sônia Maluf (2002) destaca que o corpo e a corporalidade emergiram como uma questão privilegiada, sobretudo, nas reflexões sobre a construção da pessoa, a cultura e as instituições. No entanto, os dualismos natureza / corpo X cultura / espírito permaneceram na base epistemológica dessas abordagens, o que conduziu a interpretações do corpo como uma espécie de receptáculo social e da cultura. A teoria da performatividade de Judith Butler (1990), um desdobramento do desconstrucionismo e da teoria da prática, foi um marco nesse cenário. Influenciada por Foucault e por Derrida, Butler (1990) reconceituou o gênero enquanto uma prática discursiva e como origem discursiva do sexo; um produto de discursos regulatórios que se inscrevem sobre os corpos, marcando-os e significando-os de forma diferenciada. Isso conduziu a uma inversão no modo como era, até então, pensada a relação entre sexo e gênero nas ciências humanas. Como destaca Moore (2000), a perspectiva de identidades de gênero como performance chamou atenção para o caráter relacional e não estático das construções identitárias e para a questão da agência – embora, “ninguém possa jamais estar plenamente consciente das condições de sua própria construção” (2000, p.20). Butler (1990) propôs a abordagem do gênero como fenômeno performativo, não expressivo. Já que ele não expressaria identidades previamente existentes; mas, seria constitutivo de tais identidades. As crenças na existência de um sexo essencial e na masculinidade e na feminilidade como naturais seriam, assim, formas de ocultar as possibilidades de configurações de gênero não restritas às estruturas da dominação masculina e da heterossexualidade compulsória. Todavia, as circunstâncias sociais, políticas e econômicas que se constituem enquanto possibilidades ou limitações para os indivíduos em distintos contextos, permitindo ou não que transgridam as normas ou as reinventem, não foram devidamente consideradas por Butler em “Problemas de Gênero”. A inquietação e as críticas geradas por tal omissão acerca da materialidade dos sujeitos e das condições materiais de suas existências foi abordada pela autora alguns anos mais tarde em “Bodies that Matter” (1993). Nessa obra, em última instância, ela argumenta a necessidade de diluição das fronteiras entre materialismo e idealismo para que se possa avançar nas reflexões sobre

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os sujeitos sexuados e seus gêneros. Como bem propõe Moore (2000) ao discutir os desdobramentos das contribuições de Butler: Os discursos e categorias de gênero não são poderosos porque oferecem descrições acuradas de práticas e experiências sociais, mas porque, entre outras coisas, produzem homens e mulheres marcados por gênero, como pessoas definidas pela diferença. (...) Além disso, tais categorias e discursos participam da produção e reprodução de sujeitos marcados por gênero que os utilizam tanto como representações quanto como auto-representações, como parte do processo de construir a si mesmos como pessoas e agentes (2000, p.17-18).

A performatividade do gênero – e também dos corpos – não pode ser pensada como algo singular. O gênero é uma “ação cultural/corporal” resultante da reiteração de práticas regulatórias que visam conferir pretensa uniformidade às identidades por meio da imposição da heterossexualidade compulsória. É através dessas práticas que se produzem os corpos “naturais” e sexuados. A morfologia imaginária dos sujeitos é, portanto, orquestrada por esquemas regulatórios específicos que determinam as possibilidades de sua inteligibilidade. Nesse sentido, a matéria e sua dita irredutibilidade têm uma história, a qual se constitui em meio a circunstâncias variadas; e para Butler, essa história é determinada pelos discursos que produzem a diferença sexual (1993, p.29). Isso não significa negar a existência física do corpo, seus contornos e limites fisiológicos; mas, que a percepção e vivência dessa existência, desses contornos e limites se produzem a partir de matrizes interpretativas que são construídas socialmente e constantemente reiteradas, ou mesmo contestadas; e, nesse sentido, o corpo não existe externamente a essas matrizes. Considero que a compreensão da não externalidade da existência corporal às matrizes interpretativas que nos permitem dar inteligibilidade para a vida social é uma condição para a produção de novas reflexões que, como propõe Maluf (2002), abordem os distintos contextos e práticas socioculturais em que os corpos e as corporalidades emergem como agentes produtores de sentido. Aqui é fundamental relembrar a contribuição da antropologia e, sobretudo, da etnologia ao demonstrar que o paradigma do corpo como reduto da natureza é apenas um dos paradigmas de representações sobre o corpo. Múltiplas abordagens etnográficas têm descrito concepções da Pessoa e do corpo contrastantes com o modelo dualista. Em diversas sociedades, a noção de corpo não é delimitada pelo corpo físico ou biológico, estendendo-se para além deste. Assim como, em muitas 127

cosmologias específicas, o corpo pode sofrer todo tipo de metamorfose, deslocamentos de tempo e de espaço, que as concepções científicas modernas não admitiriam Existe ainda uma vasta discussão sobre a simbólica do corpo, suas partes, o interior e o exterior, os fluídos corporais, que se articulam com diferentes representações do puro e do impuro, das obrigações e interdições, etc., e que demarcam diferentes concepções do corpo na cultura (MALUF, 2002, p.91).

Tais abordagens nos fazem questionar se é sempre verdade que existe um corpo e se, de fato, se quando falamos em corpo estamos falando sempre no mesmo corpo. Essa redescoberta da multiplicidade não só do corpo, mas também da corporalidade, a partir dos estudos etnológicos sobre as tribos amazônicas e das chamadas “terras baixas da América do Sul” foi acompanhada pela descoberta de sua importância enquanto articulador de sentidos e significados cosmológicos e como matriz de símbolos. Esses estudos também foram responsáveis por demonstrar que a “pessoa” se estrutura em uma variedade de níveis que vão além da corporalidade. A “pessoa” é algo em processo e o corpo, um corpo que performa – constituído por um conjunto de modos de ser, de atitudes, de habitus. Tendo isso em vista, proponho aqui que, além de recuperar a ideia de esquemas de ação, recuperar a noção de categorias de entendimento enquanto conteúdos (variáveis culturalmente) que organizam as racionalidades e permitem aos atores dar inteligibilidade tanto aos esquemas de ação quanto ao universo social como um todo. Tempo, Espaço e Pessoa seriam, para a sociologia e a antropologia clássicas, as categorias de entendimento humano mais centrais e universalizáveis (OLIVEIRA, 1982; 1993). Acredito que o Gênero encontra-se no mesmo patamar. Nesse sentido, considero a proposta de Butler de colocar o Gênero no cerne de construção da Pessoa um ponto de partida profícuo para a elaboração de teorias sociais que pretendam dar conta da realidade em distintas escalas, de forma a analisar modos de organização da vida social e política sem que os atores sociais, seus corpos e subjetividades sejam tratados como meros coadjuvantes dos processos sociais. Isso significa tomar o Gênero como elemento de análise não importando o objeto de investigação, assumindo que a existência social, com seus esquemas de ação e contextos, é sempre uma existência generificada. Neste capítulo, buscou-se analisar as articulações entre gênero, sexualidade e os corpos tendo como referencial a noção de dispositivo da sexualidade e a analítica do poder desenvolvidas por Michel Foucault em “A História da Sexualidade, Vol. I – a 128

vontade do saber” (1988). O autor argumenta que, há cerca de três séculos, teria emergido no Ocidente uma incitação política, econômica e técnica a falar do sexo, sob a forma

de

análise, contabilidade, classificação e

especificação,

mediante

o

estabelecimento de relações causais. O sexo teria se tornado uma instância que deve ser gerida para funcionar de acordo com um padrão bem estabelecido. Os discursos sobre ele foram progressivamente valorizados, e dele se esperou efeitos múltiplos de deslocamento, intensificação, reorientação e modificação sobre o próprio desejo. Nesse processo, não somente se ampliou o domínio do que podia ser dito sobre o sexo, mas se focalizou o discurso através de um dispositivo complexo e completo. O sexo foi colocado no centro de uma dupla petição de saber. Sob uma grande série de oposições binárias, conseguiuse anexá-lo a um campo de racionalidade e, sobretudo, posicioná-lo sob o signo de uma lógica de concupiscência e de desejo. O ponto central da argumentação é que a sexualidade é um dispositivo histórico, uma rede “em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação de conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder” (FOUCAULT, 1988, p.100). Tal dispositivo engendra a ampliação e a intensificação cada vez maior dos domínios e formas de controle, as sensações do corpo e a qualidade dos prazeres; e se relaciona com a economia fundamentalmente pelo corpo – um corpo que consome e que produz. O poder regulador do Estado, do direito e da medicina, ao intervir sobre as condutas e os desejos, empreendeu um amplo processo de normativização das práticas e das relações afetivo-sexuais. Contudo, essas técnicas de poder longe de promoverem a interdição ao sexo, teriam obedecido a “um princípio de disseminação e implantação de sexualidades polimorfas – uma dispersão de sexualidades, um reforço de suas formas absurdas, uma implantação múltipla das „perversões‟” (FOUCAULT, 1988, p.38). Foucault demonstra como as dinâmicas do poder articulam o saber, o prazer e os corpos na produção do sexo e da sexualidade como se fossem naturais e do indivíduo normal, em um amplo processo de normativização das práticas e relações afetivosexuais entre os indivíduos. Embora não aborde a importância da construção discursiva do gênero na produção do dispositivo da sexualidade, o modelo explicativo construído

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pelo autor auxilia na compreensão da instabilidade dessas construções discursivas e de suas possibilidades de subversão.

4.1 “Questão sexual” e gestão penitenciária Desde a emergência das prisões para mulheres no Brasil, na década de 1940, a “questão sexual” foi foco de preocupação especial para os criminologistas brasileiros, acompanhando uma tendência internacional, que ganhava força desde a década de 1920. Em sua obra A Questão Sexual nas Prisões (1943), Lemos Brito ressaltou que “quer nas prisões dos homens, quer nas de mulheres, impera um sexualismo exaltado, uma indescritível depravação” (p.92), e que esse era um fenômeno mundial a ser combatido. O autor destacou a ocorrência de estupros coletivos, como rituais de entrada na prisão, a interceptação de cartas de amor entre presos ou presas, as rixas entre internos geradas por desilusões amorosas e a realização de orgias ao apagar das luzes, como alguns dos principais problemas disciplinares enfrentados em prisões masculinas e femininas. No caso das mulheres criminosas, pode-se supor que a “questão sexual” suscitasse uma preocupação ainda maior do que para os homens. A sexualidade das mulheres era entendida pela medicina do período como inerentemente problemática, facilmente sujeita a patologias e capaz de provocar desvios comportamentais (ROHDEN, 2000). Para a maior parte dos criminologistas, os crimes femininos tinham como um de seus principais fatores causais a fisiologia sexual problemática das mulheres. Não obstante, em seus primeiros anos de funcionamento, a Penitenciária de Mulheres do Rio de Janeiro, atual Penitenciária Talavera Bruce, era apresentada por criminologistas e mídia como um caso à parte das prisões descontroladas a que se refere Lemos Brito. Não se tratava apenas de sua vinculação a uma congregação religiosa. A administração de presídios femininos por freiras católicas foi uma constante na América Latina até a década de 1980. Mas, da conformação arquitetônica e das disciplinas aplicadas na Penitenciária de Mulheres. Tudo parece ter sido projetado minuciosamente para dar conta da “questão sexual”. Soares e Ilgenfritz (2002) enfatizam que as disciplinas aplicadas pelas freiras eram caracterizadas por uma vigilância excessiva

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sobre a sexualidade das internas, que deveria ser reprimida, por ser considerada empecilho à modelação de suas condutas, valores, atitudes e emoções. As celas eram coletivas e não havia celas de segurança (para castigo). Nas janelas, ao invés de grades, basculantes. A estrutura física da prisão clássica, baseada no isolamento do preso, foi preterida por uma disciplina moral e corporal mais intensa. A proposta implicava uma vigilância exaustiva, que buscava antecipar cada falta e pressupunha uma “natureza” feminina caracterizada pela tendência à servidão e à condescendência. As normas institucionais envolviam cuidados com a higiene, a prática da religião católica, a ocupação com tarefas de cunho doméstico, a não ociosidade. Cada período do dia era programado e cada pequena infração às regras, registrada. Ao analisar a questão, Lima (1983, p.75) assinala que: A prisão feminina deve ser um fato de exclusão da prisão masculina, tanto quanto a mulher é definida como aquilo que o homem não é, como o „outro‟. (...) Lar e prisão são as duas faces de uma mesma vontade de exclusão-inclusão que se reserva à mulher na sociedade. (...) uma técnica de aceitação da posição subordinada.

No entanto, já no início da década de 1950, por reivindicação das freiras, houve a transformação de parte das celas coletivas em celas individuais e foram construídas dez celas de segurança (as chamadas surdas) (VIANNA, 2009). No mesmo período, duplicou o número de internas na instituição e cresceram relatos sobre violência difusa e vandalismo (LIMA, 1983). Esse “descontrole” das internas, ditas “vadias e imorais”, conduziu ao afastamento “voluntário” das freiras da administração da penitenciária, em 1955 (SOARES e ILGENFRITZ, 2002). O episódio parece ilustrativo do esgotamento do modelo de gestão da criminalidade feminina representado pela Penitenciária de Mulheres da administração das irmãs do Bom Pastor. Outras prisões femininas do período passavam por problemas similares e permaneceram sob o cuidado de religiosas até os anos de 1980. Na segunda metade da década de 1960, a Penitenciária de Mulheres foi rebatizada como Instituto Penal Talavera Bruce, em homenagem ao renomado magistrado Roberto Talavera Bruce. Foi nesse mesmo período que surgiram novas teorias sobre a criminalidade feminina. Começou-se a questionar a noção de que os homens seriam inerentemente mais suscetíveis ao crime. Alguns autores chegaram a sugerir que a maior incidência de presos do sexo masculino era resultado de um mascaramento da criminalidade feminina (LEMGRUBER, 1983). Isto é, que os crimes 131

femininos seriam mais difíceis de detectar e menos denunciados e punidos que os praticados pelos homens. Com já citado no capítulo II, na década de 1970, estudos começaram a apontar para fatores socioculturais, com ênfase no processo de socialização e nos papéis de gênero (LEMGRUBER, 1983). A socialização das meninas, ao inculcar-lhes passividade e maior conformação aos padrões morais vigentes, seria responsável por sua menor adesão à criminalidade – sobretudo, a criminalidade violenta. Os fatores biológicos e psicológicos, antes apontados como causa fundamental para a prática de crimes por mulheres, foram abandonados. Contudo, a sexualidade das mulheres criminosas permaneceu como um lócus privilegiado de atuação do poder institucional. Os anos de 1970 no Talavera Bruce foram marcados pelo alocamento na instituição de presas políticas, envolvidas no combate à ditadura instaurada no país pelo golpe militar de 1964 (SANTOS, 2006). Até então, não havia separação entre as presas, seja por idade, por tipo ou gravidade de delito, por tamanho da pena ou por reincidência criminal. Mas, as tentativas de prisioneiras políticas – em geral, pertences às classes média e alta – em denunciar arbitrariedades e violências cometidas contra as presas comuns conduziram ao seu realocamento em um pavilhão a parte91. Havia também o temor de que elas doutrinassem e politizassem as presas comuns. Ao mesmo tempo, eram consideradas presas especiais para as quais havia um regulamento específico, direcionado “aos internos que gozam do benefício de cumprir a pena sem o rigor carcerário” (LEMGRUBER, 1983, p.36). Por isso, não eram obrigadas a usar uniforme e, embora recebessem a mesma comida das presas comuns, dispunham de uma cozinha em que poderiam preparar suas próprias refeições. Acrescente-se que apenas a elas era concedido o benefício da visita íntima. Prática corrente em prisões masculinas92, a visita íntima havia sido negada às mulheres condenadas desde a proposta de Lemos Brito de que se construíssem prisões exclusivas para elas. Por um lado, afirmava-se que a permissão para que mulheres mantivessem relações sexuais no cárcere era desnecessária, uma vez que a “natureza 91

Apenas em 1975, as presas políticas foram reintegradas ao convívio freqüente com as demais internas. No entanto, as demandas não atendidas das presas comuns por auxílio material das presas políticas e a manutenção dos benefícios dados a elas suscitaram grande hostilidade, impossibilitando sua incorporação à massa carcerária (LEMGRUBER, 1983). 92

Para os homens presos, considerava-se que a concessão do benefício da visita íntima seria um modo eficiente de aplacar a agitação e a agressividade geradas pela abstinência sexual.

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latente” de sua sexualidade as torna indiferentes ao sexo quando não estimuladas sexualmente. Ademais, como já apontado, os crimes cometidos por grande parte das presas eram associados pelos especialistas a distúrbios de sua sexualidade. Portanto, permitir que tivessem relações sexuais na prisão impediria seu processo de reabilitação. Apesar de nas décadas de 1970 e 1980 essas concepções já terem caído em descrédito, prevalecia ainda a perspectiva de que a visita íntima não deveria ser autorizada, já que a sexualidade feminina ainda era considerada perigosa. Isso porque ela implica a possibilidade de uma gravidez, o que colocaria para o Estado o problema de ter que lidar com possíveis nascimentos no cárcere (HEILBORN, 1980). Acrescente-se que uma parcela ínfima das presas do Talavera Bruce era casada 93 e prevalecia ainda na sociedade brasileira a noção de sexualidade não conjugal como ilegítima e moralmente condenável. Pode-se supor que a autorização para que as presas políticas legalmente casadas recebessem visitas íntimas de seus maridos tenha a ver com fato de que essas mulheres recebiam plena assistência de familiares e, em caso de uma gravidez, seriam capazes de garantir os cuidados com a criança após o nascimento e o período de amamentação, não sendo necessário que o Estado assumisse tal responsabilidade através da criação de serviços específicos. Em geral, as internas comuns eram mulheres pertencentes às camadas populares, negras e pardas, condenadas majoritariamente por furto, roubo e posse ou tráfico de drogas. Especulava-se que grande parte delas havia exercido o meretrício quando em liberdade. Elas viviam em condições mais precárias que as “subversivas” (como eram chamadas as condenadas políticas) e não possuíam o mesmo poder de barganha junto à administração penitenciária. As reivindicações das presas políticas davam-se, sobretudo, através de greves de fome, visando melhores condições de vida na prisão e o fim de maus tratos aos familiares nos dias de visita (SANTOS, 2006) – tipo de ação que não surtia efeito quando realizada pelas internas comuns. As presas comuns eram alvo de coerção física intensa das guardas, que possuíam autonomia para aplicar-lhes qualquer punição sem necessitar comunicar a seus superiores. Além disso, o contato entre as internas comuns e a direção penitenciária era limitado para que não tivessem a chance de denunciar abusos de poder dos agentes de segurança. Não obstante, a condição de submissão às arbitrariedades dos guardas incitava a coesão social entre internas, 93

Lemgruber (1983) aponta que, em 1976, apenas 32 das 172 internas do Talavera Bruce declaravam-se casadas.

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implicando um menor grau de delação entre elas (LEMGRUBER, 1983). Apesar da vigilância minuciosa, um dos efeitos dessas relações de solidariedade teria sido a maior possibilidade de se praticar em segredo atos desviantes como o consumo de álcool e drogas e as práticas homoeróticas. As etnografias de Lemgruber (1983) e Heilborn (1980) são ilustrativas de um momento de transição, no que concerne às maneiras de disciplinalização dos corpos na Talavera Bruce. As mudanças resultaram do impacto das novas teorias sobre o crime, que privilegiavam a exclusão social como causa fundamental da violência e da criminalidade. A administração da penitenciária adotou uma postura paternalista. As internas passaram a ser encaradas como crianças que necessitavam de disciplina rígida para serem reeducadas. Assim, a prática da punição voltou a fazer parte de um projeto explicitamente pedagógico, que pressupunha que a prisão deveria exercer um papel moralizador dos corpos e mentes das internas. O relaxamento no uso de violência física e de práticas de tortura conjugou-se ao incremento do monitoramento dos corpos e ao estímulo à delação em troca de favores da administração penitenciária (LEMGRUBER, 1983; HEILBORN, 1980). Instilou-se uma vigilância coletiva detalhista e eficiente. Tal otimização do controle sobre os corpos gerou limitações às formas de sociabilidade e ao estabelecimento de redes de solidariedade entre internas. Isso porque o combate às práticas desviantes resultou em uma suspeita permanente acerca de transgressões sexuais, tornando dispensável a evidência de contatos sexuais para que a proximidade entre duas internas fosse entendida como motivada

pelo interesse sexual

(LEMGRUBER, 1983). Caso confirmadas as suspeitas, as amantes eram trancafiadas em “surdas” – cubículos isolados dos dormitórios – por períodos mais ou menos longos, sem contato com outras internas ou direito a visitas. Segundo Heilborn (1980), no início da década de 1980, além da perseguição às práticas desviantes, houve uma flexibilização na norma do uniforme e um maior acesso das internas ao gabinete da direção penitenciária. É nesse período também que se iniciam os primeiros convênios com empresas para a realização de cursos profissionalizantes na penitenciária. Os cursos profissionalizantes se mantêm voltados para atividades consideradas tipicamente femininas – como tecelagem, cestaria, costura e culinária. Privilegiam-se assim atividades profissionais que, no futuro, possam ser desempenhadas no próprio lar, para que as internas, quando libertas, não tenham que se

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ausentar de casa e do cuidado com os filhos para trabalhar. Heilborn (1980, p.23) ressalta que: A opção de cursos profissionalizantes tipicamente femininos é embasada por um conjunto de representações no qual o lugar socialmente desejável para a mulher é dentro de casa, no interior da família. Ela deve produzir, mas sem que isso a faça se descuidar do seu grupo familiar. Assim, a „recuperação social‟ da interna é atualizada através do reforço de seus laços com o grupo doméstico – reforço que se busca colocando em foco principalmente a maternidade.

Os dias de visita também foram ampliados com o propósito de fortalecer os laços afetivos das internas com a família. Além disso, a administração do Talavera Bruce realizou uma verdadeira campanha junto ao Departamento do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro (DESIPE-RJ) para que o benefício da visita íntima fosse concedido às mulheres condenadas. A justificativa era que a visita íntima poderia favorecer a preservação dos laços conjugais mantendo as células familiares, além de reduzir a “necessidade” de relações homoafetivas consideradas como um tipo de degradação moral. A heteronormatividade presente na dinâmica de muitas uniões entre mulheres presas era referida como evidência de que a homossexualidade é um substituto caricato às relações heterossexuais. A ideia implícita nessa leitura é de que há um imbricamento entre identidades de gênero e sexualidade. A divisão clara dos papéis de gênero entre parceiras afetivo-sexuais seria uma comprovação de que o vínculo estabelecido entre elas derivava tão somente das restrições do sistema prisional 94. Na falta dos homens, as mulheres extravasavam e exprimiam a líbido entre si. Esse mecanicismo contido na ideia de homossexualidade como substituição e cópia caricata da heterossexualidade traz implícita a concepção de que a sexualidade seria a manifestação cultural de um suposto sex drive inscrito nos corpos95.

94

Cabe destacar que Butler (1991) problematiza a idéia de que a sexualidade lésbica possa ser entendida, em quaisquer contextos, em termos de uma derivação da matriz heterossexual. A autora propõe que essa dita “derivatividade” seja pensada para além dos discursos que, ao apresentar as performances lésbicas a partir da idéia de cópia caricata, terminam por reforçar a idéia de heterossexualidade como origem da qual derivam outras sexualidades. 95

Vale lembrar aqui a afirmativa de John Gagnon e William Simon no clássico Sexual Conduct – The Social Sources of Human Sexuality (1973, p.109): “o que ocorre na situação prisional tanto para homens como para mulheres, não é um problema de alívio de tensão sexual propriamente, mas, antes de mais nada, é a utilização de relações sexuais com o objetivo de criar uma continuidade de relacionamentos para satisfazer necessidades que a prisão deixa de prover de alguma outra forma”.

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As práticas homoeróticas eram o motivo mais freqüente para a aplicação de medidas disciplinares. O grande número de internas engajadas nessas práticas e em relações conjugais homoeróticas96 implicava a formação de redes de solidariedade, que se convertiam em redes de resistência ao poder institucional. Desse modo, para além da problemática da recuperação moral das internas, a concessão do “benefício” da visita íntima, tendo como condição o bom comportamento das internas, se afigurava também como uma tentativa de exercer maior controle sobre a massa carcerária. O benefício servia assim à manutenção da ordem na prisão. É relevante destacar aqui que essa mudança nas estratégias de disciplinarização na Talavera Bruce foi produto de transformações sociais e políticas mais amplas no sistema penitenciário brasileiro, que culminaram na Reforma Penal de 1984, no início do período de redemocratização do país. A ampliação das ações das ONGs e, sobretudo, de entidades religiosas pelos direitos dos presos foi um dos efeitos dessas transformações. A atuação da Pastoral Carcerária da Igreja Católica dentro das unidades prisionais passou a ser não apenas direcionada para a evangelização e a realização de celebrações religiosas. Apesar das muitas limitações, a pastoral passou a exercer um papel fiscalizador das irregularidades e de negações aos direitos dos presos. Já as igrejas evangélicas mantiveram suas ações centradas predominantemente na realização de cultos religiosos e na conversão religiosa dos condenados, mas, assumiram um papel importante na mediação de conflitos nas unidades prisionais, bem como no apoio a projetos de capacitação educacional / profissional e a atividades culturais. As ONGs de direitos humanos começaram a atuar dentro dos estabelecimentos penais, mesmo que de forma

muito

restrita,

priorizando

em

suas

ações

atividades

educacionais,

profissionalizantes, culturais e de conscientização para questões de saúde da população carcerária. No final da década de 1980, a epidemia de HIV/AIDS e a percepção de que os presos são um grupo de risco para a disseminação da doença conduziu ao engajamento de ONGs na abordagem de questões de saúde sexual e reprodutiva, com foco no problema da transmissão de doenças sexualmente transmissíveis e HIV/AIDS. Nas últimas duas décadas, o estreitamento entre essas entidades da sociedade civil (sobretudo, os grupos religiosos) e o sistema prisional teve variados e complexos desdobramentos, dentre eles: sua incorporação às estratégias gestão da prisão e à 96

Estima-se que, entre as décadas 1970 e 1980, ao menos 50% das internas do Talavera Bruce mantinham contatos sexuais com outras internas e/ou alianças homossexuais (LEMGRUBER, 1983).

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micropolítica das relações no universo prisional. A categoria “crente”, que enquadra aqueles que passam pela conversão às religiões evangélicas, tem um sentido intrinsecamente moral e distintivo que confere às presas classificadas dessa forma um status “superior” em relação às demais internas. A “crente” recebe um tratamento diferenciado dos agentes da instituição, pois a conversão religiosa é entendida como um indício importante de que realmente se está em curso um processo de reabilitação. Acrescente-se que a adesão religiosa garante apoio dentro e fora da prisão, além de ofertas de emprego na saída. As ações desenvolvidas pelas religiões evangélicas auxiliam na manutenção da ordem na prisão, na medida em que ocupam o tempo dos condenados e disseminam condutas e visões de mundo que promovem menos conflitos entre internos e maior resignação diante do sofrimento do cárcere. Todavia, a presença desses grupos (bem como de ativistas de direitos humanos) é marcada por muitas tensões. Primeiro, porque ela implica um olhar externo sobre as práticas institucionais, podendo constituir-se em ameaça. Há sempre a possibilidade de que os internos contem com o apoio de membros de entidades religiosas (e de ONGs) para realizar denúncias sobre irregularidades nas unidades prisionais. Em segundo lugar, a religião se contrapõe a outras formas de adaptação-resistência existentes no universo prisional (ORDOÑEZ, s/d), como o estabelecimento de uniões conjugais homoeróticas e algumas formas de sociabilidade no cárcere, como a em torno do consumo de drogas. Nesse sentido, a intensa homofobia presente nos discursos religiosos atua como uma forma de controle ainda mais insidiosa sobre a sexualidade das internas. Trata-se de um controle que penetra, além dos corpos, as subjetividades. Não obstante, é relevante ponderar que, recentemente, o discurso dos direitos sexuais, a atuação de organismos de defesa dos direitos humanos e de ONGs (inclusive, daquelas vinculadas ao movimento LGBTT 97) têm tentado penetrar no universo prisional. Um fator determinante para isso foi a maior repercussão que esses discursos vêm tendo nos poderes executivo e judiciário brasileiros, como parte das estratégias do Estado, para obter maior visibilidade e relevância como defensor dos direitos humanos no cenário internacional. Como resultado, na última década, a visita íntima foi generalizada para os presídios e penitenciárias femininas98 de todo o país. Embora 97

A repetição da letra T na sigla brasileira faz referência às travestis e as transexuais.

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continue a ser tratada como um benefício e não um direito, nos estabelecimentos penais de administração federal a prática adquiriu legitimidade, passando a ser regulamentada pela Portaria 1.190 do Ministério da Justiça. Acrescente-se que, em alguns estados brasileiros, a legitimação de relacionamentos não heterossexuais começa a ser encarada como meio de afirmação da cidadania. Finhani e Souza (2005), por exemplo, indicam que na Penitenciária Estadual do Espírito Santo uma cela é formalmente concedida para que as presas possam travar contatos e intercursos sexuais entre si. No ano de 2004, no Sergipe, o então Secretário de Justiça e Cidadania, Emanuel Cacho, concedeu o benefício da visita íntima a um preso homossexual, que propôs ação na Justiça, apoiada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Associação de Travestis da cidade de Aracaju. E em setembro de 2008, o programa Rio Sem Homofobia da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos e a SEAP-RJ fizeram um acordo para estender o benefício da visita íntima às presidiárias autodeclaradas lésbicas e aos travestis alocados em prisões masculinas; embora, esse acordo ainda não tenha sido posto em prática. Desse modo, no cenário contemporâneo, grupos religiosos e ONGs são alguns dos atores políticos envolvidos nas disputas pela construção de novas gramáticas normativas no sistema penitenciário. Nesse sentido, é relevante destacar que até recentemente, quando a SEAP-RJ passou a restringir ainda mais a atuação de organismos da sociedade civil no sistema prisional fluminense, a Penitenciária Talavera Bruce era lócus privilegiado de atuação desses grupos, tanto os de cunho religioso como os laicos. Isso teve, sem dúvidas, implicações para as formas de gestão da penitenciária e para sua representação pela opinião pública como ilustrativa do ideal ressocializador representado pela implementação da LEP.

4.2 Hierarquia sexual no cárcere: entre sapatões, lésbicas e mulheres “normais”

No contexto prisional, a relação entre as internas e os guardas é marcada por interesses, desconfianças e tensões. Apesar de sua fama de penitenciária modelo, até recentemente, no TB isso era agravado pelo fato de as presas serem autorizadas a circular livremente 98

Desde o final da década de 1980, a visita íntima já era uma prática generalizada nas prisões masculinas do país.

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pela cadeia das 9 às 20 horas. Essa intensa circulação requeria meios mais sofisticados de monitoramento do que os aplicados em prisões em que as condenadas permanecem confinadas a suas celas quase 24 horas por dia, quase que diariamente. Tal particularidade, também requer o uso mais frequente de mecanismos disciplinares capazes de repercussões significativas sobre as chances das internas de obterem “regalias” que facilitem sua vida no cárcere, ou mesmo o acesso a tão desejada liberdade condicional – como registros em suas fichas disciplinares. Nesse contexto, as lideranças entre as internas – referidas como frentes, presidentes, xerifes ou donos de cadeia – costumavam desempenhar um papel central na organização sociopolítica da prisão. Elas eram, em geral, sapatões. Os sapatões são personagens típicos da prisão, caracterizados por performances masculinas (roupas, apresentação pessoal – bigode, cabelo curto ou preso, etc. – e técnicas corporais)99 e um estilo de masculinidade que as informantes desta pesquisa descreveram como marcado pela linguagem da violência. Não raro, as frentes tinham longa carreira no crime, gerenciavam o negócio da droga e, consequentemente, as redes de corrupção na penitenciária. Como aponta o depoimento de Carolina, elas eram também as intermediárias no diálogo entre a massa carcerária e a administração prisional. “E o que aquela pessoa precisava fazer pra se tornar o xerife? Normalmente, era sapatão e, normalmente, era quem era... que gritava e batia nos outros; que ia conversar com a direção pra pedir melhorias; e pra falar alguma coisa, ou mesmo para caguetar. Normalmente é isso. (…) por isso, que tinha sempre muitas brigas. Sempre muitas brigas... já vi muitas brigas, muitas facadas. (…) eles [os guardas] só conseguem interferir se houver uma briga no pátio. Mas, isolados [dentro de galerias ou cubículos] não tem como”. [Carolina; 41 anos; 8 anos de prisão; 5 anos no TB; há 2 anos presa em regime aberto na ocasião da entrevista]

Cabe aqui pontuar que, segundo os informantes, as frentes das prisões não tinham vinculação com as facções do narcotráfico que atuam no estado do Rio de Janeiro. Esse dado é relevante já que, como discutido no capítulo II, as prisões fluminenses para homens são dominadas por essas organizações que comandam o narcotráfico diretamente da prisão através de suas redes. Nas prisões masculinas, os presidentes (como são chamadas as lideranças) ocupam um lugar central na hierarquia 99

Em sua tese, Barbara Copque (2010) realizou uma etnografia visual no TB, fazendo a opção por não revelar ao leitor o sexo biológico das pessoas retratadas por ela durante visitas e eventos na instituição. A autora consegue, assim, demonstrar a complexidade das construções identitárias e das corporalidades na prisão.

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facções. Entretanto, ao falarmos uma unidade prisional para mulheres como o TB, estamos falando de uma prisão em que não só o movimento da droga não se vincula diretamente a uma facção, como também a organização e a regulação da vida social e política diferem muito significativamente desse modelo. Como o relato de Carolina demonstra, as frentes, xerifes ou presidentes faziam um jogo de resistência e cooperação com o poder institucional. Era a frente quem detinha o poder de mobilizar rebeliões e insurgências contra práticas disciplinares institucionais e ditar regras para a massa carcerária. Segundo depoimentos, as disputas de poder entre internas por essa posição de liderança engendravam um jogo viril pautado por sua capacidade de exercer a violência e de enfrentamento do poder institucional. A narrativa de Camila sobre a primeira vez em que cumpriu pena no TB (1988-1992) revela que a existência de lideranças violentas e disputas entre internas, bem como sua tolerância pela administração e pelos guardas da prisão, vinha pelo menos desde o final dos anos de 1980: “A primeira vez que eu fui para a prisão havia um sistema de pedágio. (...) Tinha uma mulher chamada Xará, que mais tarde foi morta por outra presa no pátio. Ela sempre obrigava as mulheres que chegavam a fazerem sexo com ela e com as amigas dela. Eu não, não passei por isso, graças a Deus. Não tive que passar por esse tipo de situação, porque quando cheguei briguei com outra presa, uma X9, e fui logo pra surda. (...) Sempre que a visita terminava, a Xará exigia dinheiro de todo mundo, dependendo do poder de compra de cada pessoa (...) E se você não pagasse, ela te cortava, te espancava e fazia todo tipo de coisa contigo; coisas que você não pode nem imaginar”. [Camila; 48 anos; presa três vezes por períodos que variaram de 2 e meio a 4 anos; cumpriu pena duas vezes no TB, por 4 anos e 1 ano e meio respectivamente; há menos de 24 horas em liberdade condicional]

Se, por um lado, a existência das frentes gerava tensões, eclodindo em episódios de punição exemplar (tiros, torturas e mesmo execuções), por outro, havia um jogo de concessões entre essas lideranças e a administração penitenciária. Elas exerciam um controle constante e eficiente sobre o conjunto das internas, estabelecendo normas estritas de convívio social e mediando as relações entre o conjunto das presas e entre elas e os dirigentes da prisão. Desse modo, mais do que um contra poder, elas representavam um poder disciplinador que se impunha sobre a massa carcerária de seu interior, gerenciando práticas e disputas que o poder institucional teria dificuldades em monitorar. 140

As conversas informais que mantive com internas e funcionários do TB indicam que na segunda metade da década de 2000 houve importantes mudanças no estilo de gestão da unidade. O período foi marcado pela queda das frentes de cadeia, com muitas delas sendo transferidas para outras unidades prisionais. Até então, o TB era conhecido no sistema prisional carioca como a prisão para onde eram transferidas como punição as presas consideradas “mais problemáticas”. Porém, na última década, a instituição parece ter adotado uma política de transferência compulsória de prisioneiras indesejáveis para outras unidades e para espaços considerados de maior segurança dentro da própria penitenciária. Assim, a possibilidade de circular pelo espaço prisional foi incluída no sistema de benefícios regulado pela maior ou menor adesão à proposta de gestão institucional. As internas viram sua mobilidade dentro do TB ser limitada a curtos períodos da manhã – das 8 às 11 horas – e da tarde – das 14 às 17 horas . Somente as faxinas das guardas e da direção (que gozam de maior confiança) podem circular livremente durante todo o dia. Esse conjunto de estratégias deve-se à tentativa dos diretores que passaram pelo TB nos últimos anos de “limpar” o ambiente prisional, controlando de forma mais eficaz o tráfico de drogas, o intercambio de favores e informações entre internas, além da constituição de redes de solidariedade e a formação de lideranças entre elas – entre outras estratégias de subversão e resistência (como esconder telefones celulares dentro dos órgãos genitais100, por exemplo). O fim das frentes representou a diminuição de um tipo de opressão entre internas, mas as deixou muito mais vulneráveis à opressão pelos controles institucionais e às “vacilações” e “trairagens” entre condenadas. Muitas internas se ressentem da ausência de uma autoridade entre elas que regule o convívio e garanta maior poder de barganha com a direção. Em uma tarde de janeiro de 2010, eu estava no pátio do TB com Janaína (ISAP responsável por me monitorar na unidade) e conversávamos com três internas (dois sapatões na casa dos vinte anos e uma presa “mais antiga”, daquelas “famosas” no sistema, por volta dos quarenta anos de idade). As internas falavam sobre como o convívio nas prisões para mulheres é muito mais difícil do que nas prisões para homens, em virtude da desorganização, das fofocas e das vacilações. Elas creditavam tal “problema” ao fato das cadeias femininas não possuírem uma liderança forte, que regule devidamente a vida social. Um sapatão muito magro, que aparentava não ter 30 anos, 100

Apesar de proibido, o uso de aparelhos celulares nas unidades prisionais é generalizado.

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cerca de 1,60m, cabelos tingidos de loiro, presos em um rabo de cavalo, e olhos azuis, disse em tom de desabafo: “Cadeia de mulher é muita vacilação! Cadeia de verdade de mulher só em São Paulo, porque tem o PCC. Nada acontece sem autorização. Aqui não tem nem presidente na cadeia, ninguém pra pôr moral, botar ordem. Tem umas aí que até querem, mas não tem moral pra isso. E ninguém vai obedecer, eu não vou obedecer alguém que é mais errada que eu, que diz uma coisa e faz outra. Se tivesse moral, já era diferente. Quem tem contexto mesmo, não se interessa em fazer nada. Até a mulher do patrão, a Jacqueline [principal mulher do traficante Fernandinho Beira-Mar], chegou aqui e a mulher tem boca e não fala, parece que tem medo de tudo. Ela podia dar um jeito nisso, podia chegar mandando em geral, dominar tudo, mas é uma mosca morta. É mulher do patrão e até roubada já foi aqui dentro! (...) Mas, cadeia de mulher é assim, uma querendo se dar bem às custas das outras, por isso que não têm organização, ninguém nunca consegue nada, é só vacilação e trairagem. Se a cadeia tivesse um presidente queria ver se essa diretora e esses guardas iam esculachar a gente assim, se umas e outras aí iam fazer o que fazem, iam ter que andar na linha”.

Desse modo, a fragmentação da população carcerária com a ausência de lideranças efetivas e que sejam capazes de tornar o convívio mais estável, com regras mais bem definidas e asseguradas, não apenas parece provocar um sentimento constante de insegurança e animosidade entre as internas, como certamente as torna mais vulneráveis a todo tipo de circunstâncias e violências. Nesse contexto, predominam grupos formados por alianças pessoais por motivações diversas e não uma coletividade que se apresenta como tal diante da instituição, ainda que pela mediação de um poder coercitivo. Benefícios e disciplinas tendem a ser aplicados de forma individualizada, pautados pelas relações interpessoais entre internas e funcionários (guardas, profissionais, direção, etc.). Além de método eficaz de coerção social, a fofoca pode ser utilizada como instrumento de barganha nos jogos de poder impunemente sob a forma do boato ou do “buxixo”. Ao longo de meu trabalho de campo na Penitenciária ocorreram alguns eventos turbulentos. A tensão entre internas e funcionários era intensa. Era possível perceber também certo descontentamento do conjunto dos funcionários em relação à direção, com exceção do núcleo de ASPs que lá atuava. Boatos sobre possíveis tocaias à subdiretora corriam pelos corredores, dado o modo descrito como arbitrário e arrogante com que ela tratava as internas. Juca / Marisa, por exemplo, expressou insatisfação com a “sub” inúmeras vezes durante a entrevista. Em um de nossos encontros, o informante estava especialmente indignado, pois, seu Kenner – chinelo da marca de moda esportiva 142

redley, bastante popular entre os “meninos” da cadeia, – havia sido confiscado. Na ocasião, ele e outros “colegas” desceram de seus cubículos na “maior boa vontade” para ajudar a pintar um alojamento recém-reformado101 a pedido da direção. “[Ela] Pegou meu Kenner. Disse que não podia deixar porque era contra as norma. Fez de sacanagi! Porque um monte de gente aqui tem Kenner, passa por ela todo dia e ela num faz isso. Por que só o meu? Quis tirar onda com a minha cara! Fui na maior boa vontade pra ajudar e ela faz isso? Mas, deixa ela. Tá esculachando todo mundo, cheia de onda... Já tá cheio de gente aí que num suporta mais ela. Oh, quando pegarem ela, vai ser feio! Ela tá achando que vai ficar assim? A rapaziada toda já tá com ela atravessada”.

Outras internas não usavam e grande parte se quer possuía o uniforme da SEAPRJ: blusa verde com a logo da secretaria e jeans, ou uma blusa branca qualquer na ausência da oficial. Em geral, vestiam roupas e calçados levados por familiares, vendidos por “sacoleiras” da cadeia, ou recebidos através de doações. O chinelo Kenner, como outros acessórios “de marca”, era um símbolo de status que os “meninos” gostavam de ostentar. Assim, Juca / Marisa era um entre vários outros a possuir aquele item de vestuário. Mas, na prisão, as regras são frequentemente aplicadas de modo arbitrário e variam de acordo com o indivíduo que se deseja sancionar e com a vontade inconstante de quem o sanciona. Contudo, tal arbitrariedade na aplicação de regras de conduta e vestimenta não era a única motivação para o descontentamento de Juca e das demais internas. A insalubridade das condições de vida na unidade resultava em constante insatisfação; o que se agravava, sobretudo, por problemas envolvendo o abastecimento de água, comida estragada e violência de guardas no trato com as internas. Chegou a haver uma tentativa concreta de rebelião em que as presas incendiaram papéis e lençóis na entrada da cadeia, ameaçando tacar fogo em tudo, caso não fosse resolvido o problema da falta d‟água. Estávamos no auge do verão e o TB era o lugar mais quente em que eu já havia estado na vida. O princípio de rebelião foi resolvido com a chegada do SOE (Grupamento de Serviço de Escolta) que invadiu as celas disparando suas armas para o alto e “sentando” o cassetete nas internas. É relevante destacar o empenho que parece haver por parte da instituição e do Estado em manter a imagem de prisão modelo construída para a Talavera Bruce e 101

Este alojamento foi reformado após uma denúncia ao ministério público sobre suas condições insalubres (vazamentos de água e esgoto, mofo, etc.). O alojamento foi vistoriado e interditado pelas autoridades competentes. Após o episódio, a SEAP-RJ foi intimada a reformá-lo.

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constantemente divulgada na mídia. As tentativas e o princípio de rebelião jamais foram noticiados em qualquer veículo midiático. Ademais, há relatos sobre torturas, espancamentos, suicídios suspeitos e assassinatos que nunca atravessaram os muros da penitenciária. Como já sinalizado em capítulos anteriores, apesar dos dados divulgados sobre o número de pessoas presas, os tipos de crimes cometidos e demais dados sobre a população penitenciária, não há na verdade um controle formal implementado nas unidades prisionais fluminenses. Não se sabe, de fato, quantas internas estão confinadas e como se distribuem em relação a seus crimes; o que não tem merecido atenção das autoridades. Afinal, “está sempre mudando”, “sai e entra gente todo dia”, como costumam dizer funcionários e a direção. Essa indiferença aparece também nesse descaso em relação às condições de vida extremamente precárias dessas mulheres.

4.3 Heterossexualidades, visita íntima e conjugalidades

Muitas das redes de ajuda construídas pelas internas do sistema carcerário fluminense na tentativa de atenuar as precariedades de sua condição envolvem a constituição de alianças afetivo-sexuais. Nesse sentido, são dados relevantes que essas alianças se expandam para além dos muros da prisão e impliquem em um tipo de estratificação sexual102 com base nas categorias gênero e na sexualidade. Os depoimentos das informantes evidenciam, por exemplo, as vantagens de se ter um namorado/marido nascido do sexo masculino na prisão. Tais vantagens vão além de seu papel como provedor. Ter um parceiro “de fora”, seja de outro presídio ou “da rua”, confere maior status social às internas. As presas que possuem o benefício da visita íntima podem adquirir melhores acomodações para receber as visitas do parceiro, e recebem tratamento mais respeitoso de outras internas e mesmo de agentes prisionais. Ter um marido pode ser, inclusive, uma estratégia eficaz para acabar com o assédio sexual persistente de sapatões. O caso de Patrícia é ilustrativo. Ela conta que, cerca de um ano após ser presa por tráfico internacional de drogas, passou a se corresponder com um colega de trabalho de seu irmão. Embora o rapaz não lhe atraísse fisicamente (“Ele era muito feeeeeio!”), decidiu levar adiante o flerte. O rapaz conseguiu autorização para visitá-la como seu namorado e, logo, 102

Ver Rubin (1984).

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começou a insistir para que tentassem também uma autorização para o parlatório. A princípio, ela não queria e justificou a recusa pelo fato de se conhecerem há pouco tempo. Após cerca de três meses tentando contornar a situação, Patrícia cedeu ao desejo do namorado. Apesar do rapaz não “fazer seu tipo”, ela gostava de ter alguém para quem se arrumar, alguém que a apoiasse e confortasse, e que a tornasse menos suscetível ao intenso assédio sexual que sofria na prisão. “Aí, ele me mandou a carta. Aí, eu respondi. Lá dentro o assédio das mulheres é muito grande (...) Então, quando ele começou a escrever, eu: „Opa, vou responder‟. (...) eu cheguei a ter confusões, né, porque eu não queria [se relacionar sexualmente com outras mulheres] e as pessoas achavam que a gente é obrigado, e até a gente se impor e mostrar que não queria, era complicado, né. Tinha que passar tudo por um processo. (...) Quando você está chegando, você fica com medo, né, de dar um fora: „Não, eu não gosto. Não é minha praia, não sei o quê...‟. Então, as pessoas acabam sendo oprimidas, entendeu? Aí, elas oprimem até o ponto que elas acham que vão conseguir alguma coisa. Tem pessoas que cedem. E quando a pessoa não cede, aí, passa por uma discussão, entendeu? Até mostrar pra pessoa que: „Não, não quero, não gosto, não é...‟. Entendeu? E quando esse rapaz, o Guilherme chegou, me poupou disso”. [Patrícia; 23 anos; presa por 2 anos e meio; cerca de 1 ano e meio no TB; há 1 ano em liberdade condicional]

Outras informantes também declararam ter sido alvo de assédio sexual quando ingressaram no sistema prisional, através de cantadas recorrentes, bilhetes e olhares e gestos insinuantes e obscenos de outras internas. Elas enfatizaram que esse tipo de situação suscita temor constante. Despertar o interesse de um sapatão, ainda que sem intenção, com frequência, implica ter de enfrentar a ira das mulheres que se relacionam com eles. Esse tipo de confronto pode envolver o uso de facas, navalhas e outros tipos de instrumentos cortantes. Nesse contexto, ser uma mulher sem um parceiro afetivosexual identificado como masculino implica insegurança. A narrativa de Andressa é exemplar: “quando a gente chega lá, quando você é bonita... Tem muito sapatão na cadeia, tem MUITO sapatão. Então, no caso, as mulheres dos sapatão, elas não quer saber se você se envolve, ou não se envolve com sapatão. Se você passou, você é bonitinha e um sapatão te olhou, aí já é motivo de ela arrumar caô com você... (...) eu briguei muito dentro da cadeia, briguei muito por causa de sapatão. Nunca me envolvi com sapatão. (...) às vezes, a gente tava jogando carta, jogando baralho, aí os menino, os sapatão, sentava junto. (...) quando você vai ver, a mulher já tá partindo pra cima de você. E lá é assim: ou você bate, ou você apanha. Ou você fura, ou você é furada. (...) Passei por um período assim... difícil, porque eu brigava. Às vezes, brigava de manhã, brigava de tarde e brigava de noite. (...) Até que as 145

menina foram vendo meu ritmo. Viu que sapatão, pra mim, era igual mulher. Não tinha diferença”. [22 anos; presa por cerca de 3 anos – 1 ano no TB; há 1 mês em condicional]

O masculino parece assim adquirir um valor ainda maior no universo da prisão do que na sociedade mais ampla. O homem ocupa o topo da hierarquia social e os sapatões, uma posição secundária; seguidos pelas mulheres dos homens e pelas mulheres dos sapatões. Como os homens, os sapatões fornecem proteção, desempenham papel sexualmente ativo e são tidos como um oposto complementar e necessário ao feminino. As mulheres dos sapatões não são identificadas como lésbicas ou homossexuais; elas são ditas “normais”, não se relacionam sexualmente com mulheres, só com sapatões. Gostam e prestam reverência aos atributos viris de seus parceiros de mesmo sexo. Assim, pode-se afirmar que sapatões e suas namoradas / companheiras personificam um modelo de heterossexualidade não convencional. O flerte e o namoro heterossexual convencional e o não convencional possuem dinâmicas distintas no cárcere; mas, que nem sempre são excludentes. Mulheres que buscam um parceiro homem, em geral, dependem da inserção em redes de sociabilidade locais para conhecer um possível parceiro – com frequência, interno de outra unidade prisional. Carolina explicou que: “Tinha sempre alguém procurando: Ah, esse cara aqui quer uma amiguinha para conversar, posso dar o seu número? Ah, tá, pode. Então, ela dava o número pra ele. É assim que a gente começava…”. Segundo Juliana, Marcele e algumas outras internas com quem mantive longas conversas informais no salão de beleza do TB, a primeira conversa telefônica (ou, às vezes, por carta) é seguida pela tentativa da interna de conseguir junto às assistentes sociais da penitenciária uma foto de seu pretendente. Quando a estratégia é mal sucedida, é requisitado do possível parceiro que envie o mais breve possível uma foto sua. Se a aparência física do homem, seja ele preso ou livre, não for compatível com as expectativas da interna, pode ser que sua próxima tentativa de contato seja frustrada: “Se for feio, aí manda logo dizer que foi embora, fala! [risos] Quando ligar, manda a coleguinha atender e dizer que já foi [que foi transferida ou liberada], pra não perturbar mais!” [Marcele, 29 anos; cursava o ensino médio na prisão; condenada à 22 anos; presa há cerca de 6 anos no TB; foi para regime aberto 1 mês após a entrevista]. Quando é dada continuidade ao flerte, a mulher também envia ao pretendente uma foto sua. A preparação para o retrato envolve a seleção cuidadosa da vestimenta a 146

ser utilizada (de preferência sensual, mas não reveladora), o uso de maquiagem e cuidados com cabelos e unhas no salão de beleza do TB. Enviada a foto da interna, é a vez de o homem sinalizar se gostou da aparência da possível namorada /cônjuge. Se ambos avaliam positivamente os dotes físicos um do outro, cabe ao homem dar entrada no pedido de autorização para a visita íntima; e os contatos telefônicos entre os namorados se tornam quase que cotidianos. Durante o processo de avaliação da autorização para os encontros sexuais com parceiros presos ou não, que parece durar em média seis meses, são feitos exames para detectar DSTs/AIDS e tuberculose. Deve-se também assistir a uma palestra sobre saúde sexual e reprodutiva, ministrada por uma assistente social. Tal processo pode ser encerrado a qualquer momento, caso uma das partes mude de ideia. Assim, nesse período, há uma intensa negociação sexual entre os parceiros, que não se restringe aos termos de sua futura interação sexual. Os contatos por telefone e por carta servem para que os namorados “troquem” ideias e revelem suas experiências e modos de vida dentro e fora da prisão. Esses contatos são importantes para que se crie proximidade e um sentimento de intimidade entre eles. Cada informação fornecida sobre a família e sobre o estilo de vida do parceiro no “convívio” e na “rua” é considerada na avaliação de sua personalidade e do grau de entrosamento com ele. Para as internas, é fundamental sentir-se confiante acerca da possibilidade de um futuro a dois. Desse modo, tão importante quanto as conversas, são as evidências materiais do comprometimento e das boas intenções do parceiro. Ele deve assumir o papel de provedor, o que significa assumi-la, de fato, como sua companheira. “Nós conversávamos por carta. Aí, ele me contava sobre a vida dele, tudo, sobre a família. Eu também falava sobre mim (...) Mesmo antes da gente se conhecer pessalmente, ele já falava comigo, já me tratava como se eu fosse a esposa dele (...) Aí, quando eu fui para o Nelson Hungria, o pátio onde a gente ia tomar banho de sol era bem assim, de costas para o presídio dele (...) Ele me escreveu marcando, tal dia eu vou pedir para ir ao médico para poder te ver. Porque eles tinham que passar ali atrás do pátio para ir ao médico. Ele disse aos SOE que eu era mulher dele e deixaram ele parar rapidinho pra falar comigo. (...) Como ele ficava na prisão dos PO [ex-policiais condenados], ele tinha assim mais regalias (...) Um guarda lá tinha amizade com a direção do Nelson Hungria e pediu permissão para ele ir lá me levar uma televisão; uma desculpa pra me ver. (...) Em maio [4 meses depois], eu fui transferida para o Talavera, aí ele pode começar a me visitar” [Carolina; 41 anos; condenada a 20 anos; há 8 anos presa – 5 anos no TB; há 2 anos em regime aberto] 147

Nas interações entre os futuros amantes, em geral, valoriza-se o discurso romântico e a demonstração de ansiedade em relação ao encontro físico. Contudo, os relatos indicam recusa ao discurso erótico pelas entrevistadas, no intuito de se fazerem respeitáveis para o parceiro. Após a obtenção de autorização para a visita íntima (que ocorre quinzenalmente), é esperado da interna que imponha ao novo “marido” um número de encontros sem intercurso sexual – outra demonstração de respeitabilidade. Esse período tende a não ser superior a um ou dois encontros, para não diminuir o interesse do parceiro. Após meses de investimento na relação, negar ao homem por um período mais extenso a recompensa do encontro sexual é entendido como algo profundamente desestabilizador para a relação. “A primeira vez, a gente não fez nada, tá! Nós tínhamos já conversado muito sobre isso (...) Nós já tínhamos um acordo. Pra mim, tava muito claro que não ia rolar nada daquela vez. (…) que nós só íamos conversar, entendeu? Pra se conhecer melhor primeiro, antes de… Aí, só da segunda vez que a gente fez. (...) Se dependesse de mim, eu preferia esperar mais? Sim, eu preferia, sabe? Mas, ele já tinha esperado por taaaanto tempo. Ele ficou aqueles meses todos insistindo, nunca deixou faltar nada pra mim, nada que eu precisasse...” [Patrícia; 23 anos; 2 anos e meio de prisão – 1 ano e meio no TB; há 1 ano em liberdade condicional]

O sexo é um tipo de contra-dádiva constitutiva do jogo relacional. Como demonstra o depoimento de Patrícia, o equilíbrio entre obrigação e prazer se apresenta como central para a manutenção de reciprocidade entre o casal (Duarte, 1987). O papel de provedor atribuído aos homens, como em contextos tradicionais, possui uma forte dimensão moral e é elemento inegociável na constituição e atualização de certo estilo de masculinidade; além de repercutir em sua capacidade de despertar o interesse do sexo oposto. As narrativas deixam claro que, mesmo diante da instabilidade desses relacionamentos amorosos (o parceiro ou ela podem ser soltos a qualquer momento e decidir encerrar a relação, podem conhecer outras pessoas, etc.), o trabalho feminino, em geral, não adquire para as informantes o mesmo valor que o desempenhado pelos homens, devendo ser tratado como um meio de complementar a renda do casal ou da família. Ademais, é tido como uma forma de manter a mente “ocupada”, menos suscetível às más influências da cadeia. “Mente vazia, oficina do

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diabo!”, foi uma expressão usada por Marcele, Jacqueline, Lourdes e Andressa em suas respectivas entrevistas. Já nos relacionamentos heterossexuais não convencionais, entre os sapatões e suas namoradas / companheiras, o papel de provedor atribuído à figura masculina é relativizado quando não rechaçado. Os depoimentos revelam que as mulheres dos sapatões tendem a ser as principais responsáveis pela manutenção do núcleo conjugal no que se refere às condições materiais de existência. É comum que essas mulheres arquem com as principais despesas do dia a dia e/ou com as dívidas dos parceiros. Daniele [30 anos, reincidente no sistema nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo por furto, assalto à mão armada e tráfico de drogas, cumpriu 2 anos no TB, estava há 1 mês em condicional na ocasião da entrevista], por exemplo, conta que sua família sempre lhe apoiou, apesar de seu envolvimento com a criminalidade. Ela se autoidentificava como lésbica fora da prisão e gostava de utilizar vestimentas masculinas. Na cadeia assumiu o nome de Lúcio. Afirma que, durante os anos de cárcere, enquanto a família lhe fornecia bens de subsistência, a parceira custeava as drogas e cobria suas dívidas. Quando foi presa, ela utilizava diariamente grandes quantidades de cocaína e maconha. Na cadeia, conheceu o crack. Além de contar com o apoio financeiro de suas parceiras, os sapatões exercem um estrito controle sobre elas. Não lhes é permitido olhar ou falar com outros sapatões. É preciso evitar situações em que se esteja em meio a outros “meninos” sem que seu namorado / companheiro esteja presente; sobretudo, se esses não forem amigos próximos dele. Há um código de honra entre os sapatões que exige respeito às parceiras uns dos outros. Quando isso não ocorre, é preciso lavar a honra com sangue ou sua reputação estará arruinada. Um de meus informantes privilegiados durante o trabalho de campo no TB, Juca teve uma disputa amorosa com um “amigo” por uma moça. Ele costumava paquerar a mulher durante as aulas na escola estadual que atende às internas da penitenciária. Passou horas e dias me contando sobre como ela era delicada, respeitosa com seu parceiro por não lhe dar “bola”, como seu sorriso era bonito, sobre como odiava saber que o namorado com quem ela vivia na prisão a agredia fisicamente com frequência. Ele falava sobre ela com muita admiração e romantismo. E dizia que estava se preparando para enfrentar o amigo caso ela quisesse ficar com ele. Um mês após a primeira vez que o ouvi falar sobre ela, eu estava no salão de beleza do TB quando Juca 149

veio cochichar ao meu ouvido: “agora, ela é minha!”. Perguntei o que havia acontecido e ele respondeu que conseguira falar com amada no dia anterior e ela expressou a vontade de ficar com ele; então, decidiu enfrentar o outro sapatão. Segundo ele, o parceiro da moça não teve coragem de enfrentá-lo, perdeu a namorada e a reputação (“Ele só é macho pra bater em mulher!”). Em seguida, todo orgulhoso, Juca veio de mãos dadas com a nova namorada ao salão de beleza para que eu pudesse conhecê-la.

4.4 A dinâmica das visitas íntimas

As narrativas das entrevistadas que se autodeclararam heterossexuais tiveram experiências de visita íntima sobressaia a pouca ênfase dada ao sexo em seus discursos. Ainda que o objetivo dessas visitas seja ter encontros sexuais com um parceiro e o intercurso vaginal seja tido com um tipo de obrigação moral nesses encontros, a necessidade de afeto e o aumento da autoestima foram repetidamente referidos como sendo as principais motivações por trás da decisão de “fazer o parlatório”. Como em distintos momentos ao longo das entrevistas essas mulheres recorreram a discursos conservadores sobre família, maternidade e condutas sexuais, era de fato esperado que quando inquiridas sobre questões relacionadas a sexo e sexualidade também adotassem tal postura. Você sentia falta de ter relações sexais... sexo, quando estava na prisão? „Oh, eu não sentia muito, não. Eu sentia, mas eu também nunca fui muito chegada nisso [em sexo], sabe. [Patrícia] E você sentia falta de poder ter relações sexuais com seu marido sempre que quisesse? Não, não... Eu não sentia, porque minha atividade aí já era outra. Eu trabalhava muito, trabalho muito pesado... Era muito cansativo. Então, eu não tinha nem tempo. Eu trabalhava muito e não tinha tempo pra pensar nisso. [Lurdes]

No Brasil, uma tradição que busca investigar as relações sociais pela perspectiva das classes sociais – inclusive no que concerne às relações de gênero e a sexualidade –, conduziu a muitos estudos sobre as classes populares e as classes médias urbanas do final dos anos de 1970 até meados da década de 1990. Inspirados pelas reflexões de Dumont (1985), individualismo e holismo na sociedade brasileira foram discutidos 150

enquanto cosmologias que representavam o moderno e o tradicional, sugerindo uma dicotomia entre esses dois estratos sociais (Velho, 1981; Duarte, 1986). As classes médias foram identificadas com a ideologia individualista, baseada no princípio de igualdade e na noção de indivíduo como valor, a qual supostamente teria como uma de suas consequências relações menos assimétricas entre os gêneros e a constituição da sexualidade enquanto uma esfera autônoma da vida social (HEILBORN, 2004). As classes populares, por sua vez, foram associadas com a ideologia holista, tendo como valor central a hierarquia, o que repercutiria em grandes desigualdades de gênero e na concepção das diferenças de gênero como valor. A proposta aqui não é enquadrar as narrativas das entrevistadas e suas práticas sociais nesse modelo interpretativo. Representações, discursos e práticas modernas e tradicionais coexistem, se misturam e são reinventados em diferentes espaços sociais. Valores e moralidades não são entidades que se impõem sobre os sujeitos; mas, algo dinâmico e negociado nas interações cotidianas, algo modulado por circunstâncias e situações específicas e construído intersubjetivamente. Não obstante, apesar da natureza heterogênea

das

inserções

e

relações

de

classe,

estudos

recentes

sobre

heterossexualidades no Brasil urbano (Leal, 2003; Salem, 2006; Cordeiro, 2008) têm avançado com a ideia de que no contexto das classes populares – mais especificamente para as mulheres desse estrato social – a representação da sexualidade como algo que adquire sentido apenas em relação a outras esferas da vida social tende a ser acionada em seus discursos sobre sexualidade. Isso não significa dizer que a sexualidade em si mesma não seja importante para esses sujeitos, mas, que eles tendem a lhe conferir sentido quando articulada com outras dimensões de construção da pessoa. Nos relatos das informantes heterossexuais desta pesquisa, a valorização discursiva da incorporação da sexualidade ao domínio afetivo-sexual e da modéstia em falar sobre sexo em público é evidente. O intercurso sexual assume um papel fundamental nas dinâmicas relacionais. A consolidação e atualização do vínculo amoroso, como indicado acima, depende de uma intensa negociação sexual que evidencia que negociar o intercurso sexual assume o sentido de se negociar muitas outras coisas. Nas narrativas, o parlatório figura como uma estratégia de estabilização do relacionamento. Quando perguntada sobre as vistas íntimas que recebeu do companheiro durante a primeira vez em que cumpriu pena no TB, Camila, por exemplo, afirmou que: 151

“Você usa aquilo [a visita íntima]… Como, aquela é uma visita que, o que você realmente te precisando é afeto, não de sexo. Eu não sentia falta do sexo. (...) Ele gostava de mim e eu gostava dele. Eu fazia o parlatório com ele ele porque eu não queria perder isso, entendeu?”.

Pode-se aventar que, com a impossibilidade de se experenciar a conjugalidade, os encontros sexuais se convertam em espaços de constituição e legitimação do casal. Contudo, quando se trata de um relacionamento que começou após o ingresso no sistema prisional, a natureza explicitamente sexual do parlatório e a pressuposta “obrigação” de se fazer sexo nesses encontros pode levar a certa insegurança e desconforto. Mesmo que o namorado / cônjuge ofereça “provas” materiais de seu comprometimento e satisfaça as expectativas da mulher acerca de demonstrações de afeto e romantismo, a ausência de instrumentos de formalização do relacionamento e que assegurem sua continuidade no tempo e para além dos muros da prisão (como casamento, constituição de um núcleo familiar) pode implicar um sentimento de incerteza sobre as intenções do parceiro. O “fantasma” da prostituta se faz presente diante do receio de que o parceiro utilize o parlatório apenas como um meio de ter relações sexuais. Carolina, por exemplo, relatou que, nas primeiras vezes que em teve encontros sexuais com o marido enquanto estava presa – eles se conheceram quando ambos cumpriam pena no Complexo de Gericinó –, se sentiu como uma “prostituta”; pois, o parceiro lhe deixou dinheiro após os encontros. “Eu me senti como uma prostituta, sabe. E ele se dizia meu marido. E aí, ele começou a trazer dinheiro nos dias da visita. Então, eu disse pra ele: „peraí, olha, eu me sinto muito mal quando você me traz dinheiro. Parece que você veio preparado pra pagar o programa, pra pagar pelo sexo (…) Eu acho que na terceira ou quarta vez eu falei com ele isso. Botei mesmo as cartas na mesa! Então, eu comecei a resolver isso melhor na minha cabeça”.

Desse modo, tende a haver uma recusa das entrevistadas a qualquer papel que não seja o de mulher legítima de seus parceiros de parlatório. No caso de Karla, sua única tentativa de ter um encontro sexual na prisão foi mal sucedido. Antes de o pretendente – um pedreiro que ela conheceu durante um trabalho que ele prestou na penitenciária, – conseguir marcar sua primeira visita íntima, ela retirou a permissão dele para visitá-la. Através de outra interna, ela descobriu que se tratava na verdade de um homem casado. Karla seria “a outra”. 152

“Ele deu entrada na papelada, mas, eu não quis. Eu descobri... a menina, uma menina que também fazia parlatório, ela conhecia ele da rua e me disse que ele era casado. Então, eu cortei! Ele mentiu pra mim! Ele disse que num era casado. Eu não gosto dessas coisas. Eu cancelei o parlatório”.

Já as duas entrevistadas que tiveram parlatório com homens com quem mantiveram uniões conjugais e tiveram filhos antes da prisão [Lourdes e Camila], não vivenciaram incerteza sobre as intenções de seus parceiros. Pelo contrário, não terem sido abandonadas por eles era tida como evidência inquestionável da força do vínculo entre eles, já que em geral quando uma mulher é presa e o namorado / cônjuge permanece em liberdade é esperado que ele encerre o relacionamento. “Eu falava pra ele: “Olha, se você achar que é melhor não ficar, pode ir. Eu já sei como vou levar minha tranca. Eu vou sobreviver. Então, se quiser ir e viver sua vida... Você não precisa vir nem me visitar. (...) Quando eu sair, eu vou pra casa da minha mãe e vou viver minha vida. Sem mágoas, sem raiva, nada. Mas, ele continuava insistindo em ficar comigo, continuava me visitando”. [Lurdes]

Há um grande contraste entre o impacto que a prisão de um homem e a prisão de uma mulher tem para as relações familiares. Investigações sobre o tema (Frihani & Souza 2005; Lima 2006; Brito 2007) indicam que a grande maioria das mulheres condenadas não recebem qualquer tipo de visita; e quando recebem, são predominantemente visitas de familiares do sexo feminino. Nas prisões masculinas, ao contrário, enormes filas de mulheres carregando bolsas de compras e comida se formam nos dias de visita; muitas vão acompanhadas dos filhos. Quando uma mulher abandona o marido preso porque foi preso, isso suscita questionamentos e desqualificações morais. Mas, quando as esposas são presas, não apenas se espera que sejam abandonadas, como é considerado compreensível que seus maridos sigam com suas vidas. Sobre a mulher recaí a função de organizar e administrar a vida familiar e assegurar a união da família frente às adversidades. A ausência do marido causa uma ruptura na ordem familiar, em especial em termos dos meios materiais de existência. Contudo, não é possível a manutenção de uma família sem a figura central da esposa / mãe; é em torno dela que se estrutura a família. Um homem necessita de alguém que cuide dele, de sua casa, de seus filhos. A ausência da esposa em casa também implica a ausência de alguém capaz de regular a natureza masculina e de proteger a 153

família das ameaça externa representada pelas outras mulheres. Quando essa ausência é combinada à infidelidade conjugal do marido, o vínculo entre o casal se fragiliza e o conflito se torna inevitável. “Aqui dentro [na prisão], você não tem nem como saber se seu marido é seu! E eu sei muitas coisas dele da rua. (...) Na rua, você não se importa pro quê as pessoas falam, pra fofoca, seu marido é seu e é isso que você acredita. Mas, aqui..” [Lurdes]

Como já apontado, esta pesquisa trabalhou com dois grupos de entrevistadas: mulheres egressas ou em regime aberto que cumpriram parte de suas penas na Talavera Bruce e internas da Talavera Bruce com quem estabeleci contato durante o trabalho de campo na penitenciária. Um dos principais diferenciais entre esses dois grupos de informantes no que se refere a suas narrativas foi que as egressas e condenadas cumprindo regime aberto buscaram com frequência, ao longo das entrevistas, construir estratégias discursivas de normalização; dentre as quais: a sujeição à família após a prisão; a disposição para o trabalho dentro e fora do cárcere; a conversão religiosa; e a heterossexualidade compulsória. Ainda que haja consenso em torno da noção de que alianças conjugais entre internas são algo comum no universo prisional e que em torno dessas uniões se organiza grande parte da sociabilidade, das redes de solidariedade e da economia local, bem como das resistências ao poder institucional, o envolvimento sexual com pessoas de mesmo sexo é descrito como uma forma de degradação moral típica da prisão. Manter-se alheia às práticas homoeróticas é uma evidencia de não ter se deixado perverter pelos códigos morais particulares a esse mundo degradante. Nos relatos de 12 entre as 15 mulheres que se autodeclararam heterossexuais convencionais, as lésbicas103 e, sobretudo, os sapatões e suas namoradas aparecem claramente como o outro em relação a quem se constroem seus discursos de mulheres regeneradas. Ou seja, as lésbicas e os sapatões e suas namoradas são caracterizados como desviantes entre os desviantes. Em tais relatos, os sapatões foram o principal objeto de acusação e desqualificação; caracterizados como criminosos irrecuperáveis, figuras de dominação, perversidade e violência, sem vergonhas e covardes. Muito mais

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É relevante destacar que, nas prisões do Rio de Janeiro, o termo lésbica é utilizado exclusivamente para se referir a mulheres com performances de gênero femininas que mantém relações homoeróticas com outras mulheres também classificadas como femininas. Portanto, trata-se de uma identidade específica ao universo prisional, não devendo ser confundida com a identidade lésbica reivindicada no contexto dos movimentos sociais e dos grupos de sociabilidade identificados como LGBT.

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que as lésbicas e as mulheres que se relacionam com eles, os sapatões foram associados aos bichos (internas violentas e rebeldes que perturbam a ordem, desafiando constantemente os funcionários da instituição); aqueles que “nem a família quer”. A idéia de que os sapatões são os que melhor se adaptam à vida no cárcere, a ponto de serem capazes de construir uma vida para si na prisão; a vadiagem; a rebeldia; o abandono familiar; a dominação exercida sobre outras internas; todas elas, marcas de sua natureza criminosa. “Preso antigo... Sabe? Que vai e volta. Fazem da rua as férias e a moradia, a cadeia. Ficam na rua de férias quinze dias... uns com dez dia. Ganha liberdade, mas, não fica... Volta... Porque na rua vira mendigo, como tem muitas aí [na unidade de regime aberto]. Daqui a pouco, tá lá dentro de novo [nas unidades de regime fechado]. Nem a família quer! Então, tem que morar na cadeia. (...) Pô, têm presas que chora pra não ir embora. Quando chega a liberdade, chora, implora pra não sair. (...) Porque a família não quer e não tem disposição pra trabalhar”. [Renata; 45 anos; presa há mais de 9 anos; cerca de 1 ano e meio no TB; há seis meses em regime aberto]

É importante destacar que as 3 informantes que se autodeclararam heterossexuais, mas, afirmaram ter mantido relações afetivo-sexuais homoeróticas na prisão, atribuíram a essas relações, ainda que estáveis, um caráter provisório. Não que vinculem tais relacionamentos a restrições à heterossexualidade. Duas dessas mulheres mantiveram visitas íntimas simultaneamente a relações conjugais com sapatões. E tal conduta era considerada legítima pelos sapatões com quem se relacionavam há época. Como discutido acima, seus relacionamentos com outras internas são pensados por essas mulheres e por seus parceiros de mesmo sexo como relações heterossexuais; embora detenham status inferior ao de uma relação entre um homem e uma mulher. Essa percepção de que se trata de relações heterossexuais não convencionais não impede, contudo, que elas sejam percebidas pelas próprias internas como uma modalidade de heterossexualidade que não pode transcender os limites do universo prisional, que não atende completamente às exigências da heterossexualidade legítima e que é passível de estigmatização. O relato de Priscila [29 anos; condenada há 32 anos; presa há 6 anos; há 5 anos no TB] é ilustrativo. “Eu gostava muito dele. Não via diferença. Para mim, ele [o sapatão com quem morava no TB] era como um homem. Ele era muito companheiro, me dava muito apoio. (...) A gente começou como amigo, foi se aproximando, eu fui me deixando seduzir. Tive curiosidade, nunca tinha ficado com mulher, nem tinha vontade, só 155

tinha namorado mesmo com homem de verdade. Mas, aí, depois que eu experimentei, eu gostei. Quando tava com ele era como se tivesse com um homem mesmo, não tinha diferença. Só ele que me tocava, não deixava nem eu ver ele sem camisa. (...) Não que eu esperasse que a nossa relação fosse continuar lá fora. Eu sei que é só aqui dentro, não fico fantasiando as coisas. Mas, por que você acha que não daria certo lá fora? Ah, eu quando sair quero refazer a minha vida. Imagina, ex-presa e ainda... Fora que eu penso em ser mãe, sonho com isso um dia. Como que eu ia ter um filho com ele, fala? (...) Como eu ia apresentar ele para a minha família? E a gente sabe que o que acontece aqui dentro, fica aqui dentro mesmo”.

O depoimento de Priscila revela o comprometimento para com uma visão de mundo estruturada a partir do binarismo de gênero, o que torna tabu qualquer contato sexual que possa denunciar atributos de feminilidade nos corpos dos sapatões. Assim, apenas é permitido às mulheres dos sapatões que toquem seus lábios, costas e pernas. Eles não ficam nus diante delas. É preciso manter o engajamento com as práticas corporais e as relações que reafirmam a masculinidade cotidianamente. Possíveis rumores de que um sapatão tenha permitido a parceira lhe tocar em áreas interditadas do corpo suscitam sua completa desmoralização diante de toda a massa carcerária. Ele pode se tornar inclusive alvo de insultos e agressões de outros sapatões, e de deboche das mulheres. As práticas discursivas das informantes revelam, assim, as gramáticas normativas que se constituem e confrontam no cotidiano do cárcere. Os dados apontam a relevância das categorias sexuais de classificação das mulheres para o modo como se organizam as relações sociais nesse contexto. O estabelecimento de relacionamentos afetivo-sexuais envolve um processo mais amplo de adaptação à vida na prisão, constituindo uma possibilidade de inserção social neste universo. Ademais, as alianças conjugais com parceiros de mesmo sexo ou do sexo oposto servem à aquisição de status; como possibilidade de engajamento em redes de solidariedade; e como forma de atenuar – mesmo que temporariamente – algumas incertezas quanto ao futuro. Os relatos revelam a valorização pelas internas de um modelo de relações de gênero que pode ser caracterizado como tradicional, no qual a assimetria entre masculino e feminino atua como um organizador poderoso do modo como a sexualidade é vivenciada. É também relevante o lugar conferido à sexualidade dita normal nas estratégias discursivas para tentar escapar ao estigma que recaí sobre condenadas e excondenadas. A heterossexualidade constitui uma das instâncias normalizadoras / 156

moralizadoras acionadas na busca por distinção moral entre as que erraram e aquelas tidas como verdadeiras criminosas.

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______________________________________ CONSIDERAÇÕES FINAIS ______________________________________ A pesquisa apresentada buscou analisar as possibilidades de (re) construção de si e agenciamento da vida em meio ao processo de institucionalização de 20 mulheres que cumpriram penas de restrição de liberdade no sistema prisional carioca. Entre os anos de 2009 e 2013, foram realizadas entrevistas em profundidade com egressas e internas da Penitenciária Talavera Bruce, situada no Complexo de Gericinó, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Esses dados somam-se àqueles coletados entre janeiro e março de 2010 através de observação participante na penitenciária. Ao longo das análises, optou-se por uma perspectiva dos processos de institucionalização que pressupõe que discursos e relações sociais são práticas estruturantes e produtoras de subjetividades, corpos, disciplinas, afetividades e instituições. Nos relatos das informantes, a micropolítica da vida cotidiana no TB se revela em relações de dominação e submissão, em formas de gerenciamento e significação da vida, em práticas de organização e estratificação social, em estratégias de adaptação e resistência. Nesse sentido, o conceito de habitus (BOURDIEU, 2008 [1979]; Elias, 2006) e a noção de pluralidade das lógicas de ação (LAHIRE, 2004) foram ferramentas teórico-conceituais valiosas para o entendimento da complexidade e criatividade dos atores sociais em meio a constrangimentos diversos, bem como a irredutível tensão entre indivíduo e sociedade que constitui percepções de si e modos ser e estar no mundo em distintos contextos. Pensar o indivíduo como produto inacabado de suas múltiplas relações e formas variadas de inserção no mundo, conduz a uma perspectiva relacional-processual, visto que, como se sabe, a sociedade é constituída por constantes processos de atualização, reprodução e transformação em distintas escalas. Nos depoimentos analisados sobressaem estratégias de (re)construção de si que permitem dar coerência e sentidos variados às experiências de imprisionamento das entrevistadas. Os dispositivos disciplinares que constituem a prisão são, como apontou Foucault (FOUCAULT, 2006 [1976]), um conjunto heterogênero de mecanismos e estratégias de poder que se exercem sobre o tempo e sobre as mentes e os corpos. Nesse sentido, analisar a micropolítica da vida cotidiana em uma penitenciária como a 158

Talavera Bruce permitiu identificar a importância de estratégias e mecanismos de resistência enquanto “o outro termo nas relações de poder”, “seu interlocutor irredutível” (2011 [1972], p.29 – grifo meu). Como apontado, o cotidiano no TB é marcado por tensões permanentes entre o “dentro” e o “fora”, que se expressam em conflitos, vínculos e continuidades entre relações econômicas, políticas e afetivas. Relações essas, sempre perpassadas por práticas institucionais e por organizações e esquemas (legais e ilegais) – como demonstra o que denominei de “o problema da droga”. Buscou-se não apenas identificar “vasos comunicantes” (Godói, 2010; 2011), mas também, compreender como se dão os trânsitos materiais e simbólicos entre a prisão e o mundo exterior. Para tanto, houve um esforço em compreender o papel da Penitenciária Talavera Bruce no contexto prisional carioca, o que a torna uma instituição sui generis nesse contexto. Por se tratar de uma prisão para mulheres, gênero apareceu desde o início como categoria e conceito cruciais para pesquisa. Isso se intensificou na medida em que os dados demonstraram que o sistema prisional em si possui especificidades de gênero sem as quais não é possível entendê-lo. Especificidades que articulam-se com as que condicionam as relações entre homens e mulheres no “mundo crime”, já que as possibilidades de inserção e autonomia nesse universo são condicionadas por hierarquias, concepções e representações de gênero. Ademais, como ressaltado, a análise dos dados coletados foi orientada por uma perspectiva que toma as categorias de entendimento humano enquanto conteúdos (variáveis culturalmente) que organizam racionalidades e permitem aos atores dar inteligibilidade aos esquemas de ação social, como também ao mundo social. Tempo, Espaço e Pessoa seriam, para a sociologia e a antropologia clássicas, as categorias de entendimento humano mais importantes e universalizáveis (Oliveira, 1982; 1993). Nesse sentido, a partir dos achados dessa investigação, advoga-se que o Gênero encontra-se nesse mesmo patamar enquanto cerne de construção da Pessoa e de relações materiais e simbólicas. Tal pressuposto vai de encontro à ideia de que teorias sociais, em seu objetivo de dar conta de realidades concretas, necessitam abordagens sobre os fenômenos sociais em que os atores sociais, seus corpos e subjetividades não sejam tratados como meros coadjuvantes de processos sociais mais englobantes. Isso significa tomar o Gênero como elemento de análise não importando o objeto de investigação; isto

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é, assumir que a existência social, com seus esquemas de ação e contextos diversos, é sempre uma existência generificada. Como assinalado, práticas de Estado e códigos locais mesclam-se e são atualizados e reinventados no inconstante fluxo do cotidiano prisional. Todos os que trabalham e vivem em uma unidade prisional necessitam ser minimamente capazes de manejar, negociar e coadunar diferentes códigos (códigos legais ou formais, códigos impostos pelo estilo de gestão da unidade prisional e códigos de convívio entre internas) em suas interações e práticas. Ademais, a construção de mecanismos de estabilização da vida e previsibilidade se traduz em uniões conjugais, famílias por afinidade, religiosidades, práticas de intercâmbio material e simbólico, e redes de ajuda mais ou menos estáveis. Este trabalho optou por não enquadrar as narrativas das entrevistadas e suas práticas sociais em modelos teórico-interpretativos pré-formulados. Já que valores e moralidades não são entidades que se impõem sobre os sujeitos; mas, algo dinâmico e negociado nas interações cotidianas, algo modulado por circunstâncias e situações específicas e construído intersubjetivamente. Assim, a apresentação dos achados de investigação se traduz em um texto pouco higienizado e que pretendeu evidenciar o material empírico como uma construção coletiva. Coletiva no sentido de que esse material é fruto de interações sociais em condições muito específicas, de distintas vozes, conhecimentos e olhares que se interpelam. Não se trata de negar a autoridade e a responsabilidade da pesquisadora enquanto aquela que reuniu um material heterogêneo e lhe deu forma e sentido a partir de sua perspectiva e experiência particulares. Trata-se de ressaltar a inquietação e tensão constantes que acompanharam o esforço de não invisibilizar os atores sociais no texto. Desse modo, há o reconhecimento de que, como todo conhecimento, os resultados alcançados ao longo dessa investigação são limitados. Isso, contudo, não os torna menos relevantes e úteis para, em alguma medida, compreender a prisão enquanto tecnologia estatal de gestão e produção de vidas politicamente descartáveis.

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Notas

Para

Uma

Antropologia

da

Sociedade

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192

________________ ANEXOS ________________

193

ANEXO 1

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO O Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro está realizando uma pesquisa sobre o cotidiano de mulheres presas, com foco na constituição de redes de sociabilidade e apoio entre internas, bem como nas formas de ser e viver na prisão. As entrevistadas são mulheres apenadas e egressas do sistema que cumpriram parte de suas penas na Penitenciária Talavera Bruce, na cidade do Rio de Janeiro. O estudo busca conhecer a experiência dessas mulheres, seu cotidiano na penitenciária e o que pensam sobre os temas abordados. Estamos lhe convidando para participar desta pesquisa, em que você será entrevistada sobre seus relacionamentos afetivo-sexuais e familiares dentro e fora da prisão, sobre os processos de adaptação à vida na cadeia e sobre o impacto do ingresso no sistema prisional em variados aspectos de sua vida. Esta pesquisa inclui somente perguntas e respostas e avaliamos que não apresenta qualquer tipo de risco aos participantes. Sua participação é voluntária. Se você não quiser, não precisa responder todas as perguntas e também pode desistir de continuar a entrevista em qualquer momento. Nesta pesquisa não existem respostas certas ou erradas. Os pesquisadores acreditam que as informações que você pode dar são fundamentais para o desenvolvimento de campanhas, programas e serviços de saúde. Se você tiver qualquer dúvida, por favor, pergunte, que eu, sua entrevistadora, tentarei esclarecer. Ressaltamos que seu anonimato sempre será preservado. As informações fornecidas na entrevista serão utilizadas apenas para fins de pesquisa e em publicações científicas, não sendo feita, em momento algum, menção ao seu nome. A entrevista é identificada apenas por um nome fictício, que pode ser escolhido ou não por você. Gostaríamos de saber se é possível gravar a entrevista, para garantir que tudo fique registrado. Você autoriza o uso do gravador? ____ Sim, autoriza o uso do gravador _____ Não autoriza o uso do gravador Caso você concorde em participar, agradecemos sua colaboração e gostaríamos que você assinasse este termo de consentimento, indicando que está devidamente informada sobre os objetivos da pesquisa e os usos de seus resultados e que permite que a entrevista seja gravada. Rio de Janeiro, ____ de _______________ de 20__. ____________________________ Assinatura do entrevistador

_____________________________ Assinatura da entrevistada

Pesquisadora: Fabíola Cordeiro. Coordenação: Maria Luiza Heilborn. Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos - Instituto de Medicina Social – UERJ Rua São Francisco Xavier, 524 – 6° andar, Bl .E Sala 6015 – 20550-013 – Rio de Janeiro – RJ – E-mail: [email protected] . Tel: (21) 2568-0599 ou 2234-7343.

Este foi o modelo de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Esse documento foi utilizado pela pesquisa tanto nas entrevistas com egressas e presas em regime aberto ou semi-aberto, quanto nas entrevistas realizadas na Penitenciária Talavera Bruce. Como explicitado no início dessa tese, a pesquisa que lhe origina se iniciou ainda durante minha inserção como pesquisadora no âmbito do Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde / IMS / UERJ. Atuei em tal instituição como bolsista de pesquisa até o ano de 2013, o que justificou que essa investigação fosse integrada ao convênio estabelecido entre a UERJ e a SEAP-RJ disponibilizado abaixo.

194

ANEXO 2 ROTEIRO DE ENTREVISTAS EGRESSAS

1. OBSERVAÇÕES ACERCA DA ENTREVISTA Data: Hora de início: Hora final: Local: 2. BREVE IDENTIFICAÇÃO Data de nascimento: _____/_____/_____

Idade: ___________

Situação Conjugal: __________________

Número de filhos: _______

Cor auto-definida: __________ Cor atribuída pela entrevistadora (segundo as categorias do IBGE: branca, preta, parda, amarela/de origem asiática, indígena): ____________. 3. CARACTERÍSTICAS PESSOAIS E FAMILIARES Onde você nasceu? E sua família (atentar para migração)? Seus pais estão vivos? Idade da mãe (se morta, com que idade faleceu)? Qual é/era a escolaridade da mãe? (01) nunca freqüentou a escola completo (04) 2º grau incompleto incompleto (07) superior completo sabe/não lembra

(02) 1º grau incompleto

(03) 1º grau

(05) 2º grau completo

(06) superior

(08) pós-graduação

(77) não

Sua mãe trabalha/va? Em quê/Com quê? Idade do pai (se morto, com que idade o pai morreu)? Qual é/era a escolaridade dele?

195

(01) nunca freqüentou a escola completo (04) 2º grau incompleto incompleto (07) superior completo

(02) 1º grau incompleto

(03) 1º grau

(05) 2º grau completo

(06) superior

(08) pós-graduação

(77) não sabe / ñ lembra

Seu pai trabalha/va? Em quê/Com quê? Irmãos Você tem irmãos? Quantos? São irmãos por parte de pai e mãe ou não? Filhos Você tem filhos? Quantos? Quais as idades deles? Eles foram fruto do mesmo relacionamento? Os pais dos seus filhos participam da criação deles? Eles te ajudam financeiramente? Quem ficou com seus filhos depois que você foi presa? Você mantém contato com eles? De que forma? Eles te visitam? Agora vamos falar um pouco sobre você: Antes de ser presa, você morava em que bairro? Morava sozinha? Quem são as pessoas que moravam com você? (Caso morasse com outras pessoas) Nome

Idade

Relação com ego

Ocupação

A casa em que você morava era própria? Atualmente, você está solteira, casada, namorando? Você foi criada em alguma religião? (católica; protestante; pentecostal; espírita; umbanda, candomblé, batuque; judaica; nenhuma) Atualmente, você pratica alguma religião? Com que freqüência? 196

(católica; protestante; pentecostal; espírita; umbanda, candomblé, batuque; judaica; nenhuma)

4. TRAJETÓRIA ESCOLAR E DE TRABALHO Você estudou até que série/nível? Com que idade parou os estudos? Por quê? Você estava trabalhando ou exercendo qualquer atividade remunerada quando foi presa? Qual? Há quanto tempo? Você já trabalhou/exerceu atividades remuneradas antes? Quais? (deixar a informante falar de sua trajetória de trabalho) Qual a renda familiar no domicílio que você morava? Que pessoas contribuíam para esta renda? Quem arcava com os principais gastos da casa? Você ou sua família já receberam ou recebem alguma ajuda financeira? De que tipo? Atualmente, a casa em que mora é própria?

5. TRAJETÓRIA NA PRISÃO E IMPACTO SOBRE A FAMÍLIA: Quanto tempo você ficou presa? Como isso aconteceu? Que idade você tinha? Você já tinha se envolvido em outras atividades ilegais anteriormente? Desde que idade? Já havia sido presa anteriormente? Sua família sabia que você estava envolvida com o crime? Como ela reagiu quando você foi presa? Como foi para você ir para a prisão? O que foi o mais difícil? Como foi sua vida lá? Recebia visitas de familiares? Com que freqüência? Como era nos dias de visita? (Explorar). 197

6. ATIVIDADES COTIDIANAS Antes de ser presa, como era o seu dia-a-dia? (Pedir que descreva suas atividades diárias desde a hora em que acordava até a hora de dormir) Você desempenhou algum tipo de trabalho remunerado quando presa? Quais eram suas formas de lazer? Entre as coisas que você costumava fazer, do que sentiu mais falta durante a prisão? Na prisão, como era sua rotina? (Pedir que descreva suas atividades diárias desde a hora em que acorda até a hora de dormir) Quantas pessoas moravam na sua cela? Algumas dessas pessoas eram próximas a você? Você teve amizades na cadeia? (Explorar) Você já se relacionou afetivamente com outra interna?

7. SOBRE A VISITA ÍNTIMA Você recebeu visitas íntimas? Se sim, como era nos dias dessas visitas? (Explorar) Esse parceiro era seu namorado, marido, companheiro, amigo? Qual era a idade dele? Ele trabalhava? Estudava? (Perguntar a escolaridade do parceiro) Cor/raça (branca; preta; parda; amarela/de origem asiática; indígena): Vocês se conheceram há quanto tempo? Como se conheceram e começaram a namorar? Você teve filhos com esse parceiro? Para você, qual a importância de poder continuar a se relacionar sexualmente com seu parceiro? Quando você recebe as visitas, 198

Usa método contraceptivo e camisinha: Qual método? De quem foi a iniciativa, sua ou de seu parceiro? Como soube desse método e aprendeu a usá-lo? Por que escolheu esse método? Não usa método: Por que não usou? (Explorar). Você já teve alguma DST desde que foi presa? Com que freqüência você tem relações sexuais na prisão? Qual a importância do sexo para você? Você percebe mudanças em relação à sexualidade ao longo do tempo? Em que sentido?

199

ANEXO 3

ROTEIRO DE ENTREVISTAS PRESAS

1. OBSERVAÇÕES ACERCA DA APLICAÇÃO DA ENTREVISTA Data da entrevista: Hora de início: Hora final: Local de realização: 2. BREVE IDENTIFICAÇÃO Data de nascimento: _____/_____/_____

Idade: ___________

Situação Conjugal: __________________

Número de filhos: _______

Cor auto-definida: __________ Cor atribuída pelo entrevistador (segundo as categorias do IBGE: branca, preta, parda, amarela/de origem asiática, indígena):__________ . 3. CARACTERÍSTICAS PESSOAIS E FAMILIARES Onde você nasceu? E sua família (atentar para migração)? Seus pais estão vivos? Idade da mãe (se morta, com que idade a mãe morreu)? Qual é/era a escolaridade da mãe? (01) nunca freqüentou a escola completo (04) 2º grau incompleto incompleto (07) superior completo

(02) 1º grau incompleto

(03) 1º grau

(05) 2º grau completo

(06) superior

(08) pós-graduação

(77) não sabe/ñ lembra

Sua mãe trabalha/va? Em quê/Com quê? Idade do pai (se morto, com que idade o pai morreu)? Qual é/era a escolaridade dele? (01) nunca freqüentou a escola completo

(02) 1º grau incompleto

(03) 1º grau

200

(04) 2º grau incompleto incompleto (07) superior completo

(05) 2º grau completo

(06) superior

(08) pós-graduação

(77) não sabe/ñ lembra

Seu pai trabalha/va? Em quê/Com quê? Irmãos Você tem irmãos? Quantos? São irmãos por parte de pai e mãe ou não? Seus pais viviam juntos? Quando você era criança e adolescente, você sempre viveu com sua família? (Explorar) Você sempre morou no Estado do Rio? Morou em que bairro ou município? Morava sozinha? Quem são as pessoas que moravam com você? (Caso morasse com outras pessoas) Nome

Idade

Relação com ego

Ocupação

A casa em que você morava era própria? Quando foi presa, você estava solteira, casada, namorando? Continua com esse (a) parceiro (a)? (Caso a relação tenha terminado, explorar os motivos) Qual era a idade desse (a) parceiro (a)? Ele trabalhava? Estudava? Estava envolvido em atividades ilegais? Você tem filhos? Quantos? Quais as idades deles? Eles foram fruto do mesmo relacionamento? Você foi criada em alguma religião? (católica; protestante; pentecostal; espírita; umbanda, candomblé; judaica; nenhuma) Atualmente, você pratica alguma religião? Com que freqüência? (católica; protestante; pentecostal; espírita; umbanda, candomblé; judaica; nenhuma) 201

(Caso tenha se convertido após a prisão, perguntar as circunstâncias da conversão).

4. TRAJETÓRIA ESCOLAR E DE TRABALHO Você estudou até que série/nível? Com que idade parou os estudos? Por quê? Você estava trabalhando ou exercendo qualquer atividade remunerada quando foi presa? Qual? Há quanto tempo? (deixar a informante falar de sua trajetória de trabalho) Você já trabalhou/exerceu atividades remuneradas antes? Quais? Qual a renda familiar no domicílio que você morava? Que pessoas contribuíam para esta renda? Quem arcava com os principais gastos da casa? Você ou sua família já receberam ou recebem alguma ajuda financeira? De que tipo?

Filhos O (s) pai (s) de seus filhos te ajuda (m) financeiramente? Ele (s) participa (m) da criação deles? Quem ficou cuidando de seus filhos após sai prisão? Você mantém contato com eles? De que forma? Eles te visitam?

5. TRAJETÓRIA NA PRISÃO E IMPACTO SOBRE A FAMÍLIA: Há quanto tempo você está presa? Como isso aconteceu? Que idade você tinha? Já tinha se envolvido em outras atividades ilegais anteriormente? Desde que idade? Já havia sido presa anteriormente? (Explorar a questão) Você cumpre pena no regime semi-aberto ou fechado? Sua pena é de quantos anos? Sua família sabia que você estava envolvida com alguma atividade ilegal? Como ela reagiu quando você foi presa? Como foi para você ter de ir para a prisão? 202

O que foi/tem sido o mais difícil? Você está em qual unidade? Já passou por alguma outra? Como é sua vida na unidade em que está atualmente? (Caso tenha passado por outras unidades, explorar as diferenças entre elas, como era a vida nessas outras unidades) Recebe visitas de familiares, parceiro e/ou amigos? Com que freqüência? Como é nos dias de visita? (Explorar).

6. ATIVIDADES COTIDIANAS Antes de ser presa, como era o seu dia-a-dia? (Pedir que descreva suas atividades diárias desde a hora em que acordava até a hora de dormir) Quais eram suas formas de lazer? Entre as coisas que você costumava fazer, do que sente mais falta desde que foi presa? Atualmente, como é sua rotina? (Pedir que descreva suas atividades diárias desde a hora em que acorda até a hora de dormir) Você já desempenhou alguma atividade remunerada na unidade? Quantas pessoas têm na sua cela? Como é sua relação com as outras internas? Alguma delas é próxima a você? Você tem amizades na unidade? (Explorar)

7. SOBRE SEXUALIDADE NO CÁRCERE Atualmente, você está solteira, casada, namorando? Vamos falar um pouco sobre esse parceiro. Ele é homem ou mulher? Está preso (a) na mesma unidade que você ou em outra? Qual a idade dele (a)? (Explorar, como se conheceram, se tem filhos biológicos ou “de cadeia”, etc.). Qual é a importância dessa relação para você? Você tem ou já teve relações sexuais com outras internas? 203

E com agentes penitenciários (as)? Como aconteceu essa aproximação entre vocês? Você já havia se relacionado com mulheres antes? (Explorar o contexto em que passou a se relacionar com mulheres; o tipo de relação, se eventual ou estável; quem era a parceira; etc.) Como é namorar na prisão? Com que freqüência você tem relações sexuais? Como vocês fazem para transar? Já sofreu represálias e/ou punições por ter relações sexuais na unidade? De que tipo? Você já teve alguma DST desde que foi presa? Alguma vez, você engravidou na prisão? Qual a importância do sexo para você? Você percebe mudanças em relação à sexualidade ao longo do tempo? Em que sentido?

8. SOBRE A VISITA ÍNTIMA Você recebe ou já recebeu visitas íntimas? (Caso não receba, explorar os motivos) Como é nos dias desse tipo de visita? (Explorar) Esse parceiro (a) é seu namorado (a), marido (a), companheiro (a), amigo (a)? Qual a idade dele (a)? Ele (a) trabalha? Estuda? (Perguntar a escolaridade do parceiro) Cor/raça (branca; preta; parda; amarela/de origem asiática; indígena): Vocês se conhecem há quanto tempo? Como se conheceram e começaram a namorar? Você tem filhos com esse (a) parceiro (a)? Para você, qual a importância de poder se relacionar sexualmente com seu parceiro na prisão? Quando você recebe as visitas, 204

Usa método contraceptivo e camisinha: Qual método? De quem foi a iniciativa, sua ou de seu parceiro? Como soube desse método e aprendeu a usá-lo? Por que escolheu esse método? Não usa método: Por que não usou? (Explorar).

205

ANEXO 4

Figura 1

206

Figura 2

207

Figura 3

Figura 4

208

Anexo 5

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL

Declaração

Declaro, para fins de prova junto ao Departamento Penitenciário Nacional que

, (nome)

Carteira de Identidade nº ,

, Órgão Expedidor

que coabitava como marido e mulher, anteriormente à reclusão ao Sistema Penitenciário, com , (nome do recluso)

Carteira de Identidade nº .

, Órgão Expedidor

209

., Assinatura*

Testemunhas: Nome: , Endereço: , Identidade/Órgão Expedidor: ,

., Assinatura*

Nome: , Endereço: , Identidade/Órgão Expedidor: ,

., Assinatura*

* Reconhecer Firma (assinatura) em Cartório

(Minuta) 210

Termo de Responsabilidade para Visita Íntima

Eu, (identificação do(a) interno(a): nome e RG) e (qualificação da (o) companheira (o), a fim de manter relações íntimas no interior desta Penitenciária Federal, assumimos a responsabilidade por quaisquer riscos à saúde que a prática do ato sexual possa acarretar, seja em virtude de doenças pré-existentes ou que venham a ser contraídas pela inobservância das medidas preventivas necessárias. Declaramos ainda que nos submeteremos às regras de segurança, exigidas para efetivação do encontro íntimo.

______________ ______de_________ de ______

_____________________________ (interno) (a)

______________________________ (companheira)(o)

211

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