Testamento Particular em Braile, por que não ? Inclusão já.

July 26, 2017 | Autor: Lisieux Borges | Categoria: Direito Civil, Inclusão de pessoas com deficiencia, Dignidade Da Pessoa Humana
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Testamento Particular em Braile, por que não? Inclusão já.

Lisieux Nidimar Dias Borges Mestre em Direito Privado pela PUC/MG. Especialista em Direito Civil pelo IEC/PUC-MG. Professora de Direito Civil e Processo Civil do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix/MG. Advogada.

Resumo: O presente artigo tem como finalidade discutir a possibilidade de que a pessoa com deficiência visual desde que seja capaz, alfabetizada e que tenha conhecimentos na escrita braile, possa produzir seu testamento de modo particular. Esta revisão sobre as faculdades e capacidades das pessoas com deficiência se faz necessária diante deste novo contexto constitucional brasileiro, que busca a pluralidade, o respeito à diferença e a inclusão de seus cidadãos. As novas tecnologias, bem como a ação do Estado têm promovido que pessoas com deficiência possam superar suas limitações e cada vez mais participar da sociedade contribuindo com o seu trabalho e demais habilidades. Palavras-chave: Testamento Particular. Deficiência Visual Total. Dignidade. Braile. Código Civil Brasileiro de 2002.

Abstract: The present article aims discuss the possibility about blind people, as soon as, they are able, literate and have knowledge in Braille method can make their own Will in a privately way. This law review about people that have disability it s urgent, especially in this context of Brazilian Constitutional State that is searching for plurality, respect to difference and inclusion between their citizens. The news technologies, as well the inclusive action made by the State are promoting that people with disability can get over their own limitations and each to participate on the society and making their own contributions with their work and skills. Key-Words: Private Will. Blindness. Dignity. Braille. Brazilian Civil Code of 2002.

Sumário: 1 - Introdução. 2 – Inclusão já. 3 – Algumas questões sobre os testamentos e suas formalidades. 3.1 – Notas sobre o Testamento particular. 4 – O modo de testar de pessoas com deficiência visual total e o braile como possibilidade. 5 – Conclusão. 6 – Referências Bibliográficas.

1 - Introdução

Existe uma tendência mundial atual das sociedades ocidentais, inclusive da sociedade brasileira, em incluir todos os seus segmentos sociais no momento de sua produção legislativa, pouco importando se estes segmentos são majoritários ou minoritários, de modo a levar em consideração as diferenças, os anseios e as necessidades de todos os cidadãos. Este é o ideal democrático que os Estados atuais, cada vez mais, tentam implementar. O Estado Brasileiro é um bom exemplo desta nova perspectiva da ação estatal dentro dos diversos segmentos sociais, pois as idéias de acessibilidade, inclusão e diferença podem ser percebidas e aos poucos inseridas em nossas legislações, bem como no consciente e (in) consciente coletivo. Esta mudança de percepção paradigmática em relação aos portadores de deficiência ocorre, principalmente, com a Constituição Brasileira de 1988, quando o Estado passa a garantir que a “lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência e definirá os critérios de sua

admissão” (art. 37, VIII, Constituição Federal/88). Não apenas, neste momento1, mas principalmente neste momento, o Estado dá uma indicação clara que as pessoas com deficiência devem participar da sociedade ativamente, inclusive, através dos cargos públicos, sendo membros da máquina estatal e contribuindo com o desenvolvimento da sociedade, bem como com as ações estatais. A partir de então, descortina-se uma nova Era, social e jurídica no Brasil, uma Era em que os olhos se voltam para as pessoas com deficiência e elas passam a ser percebidas como parte integrante e atuante do Estado, que merecem respeito, consideração, e acessos para que possam em igualdades de condições, nos limites de suas potencialidades, participarem da construção de uma sociedade livre, plural e igualitária, como quer e manda o preâmbulo de nossa Constituição vigente. É possível, inclusive, através de mídias de massa, como a televisão aberta, perceber campanhas de conscientização sejam estatais2, ou de organizações sem fins lucrativos sobre a diversidade e a diferença, bem como a necessidade de inclusão de todos. Recentemente, tivemos em rede nacional uma campanha nacional que dizia: “Ser diferente é normal”, de iniciativa do Instituto Metasocial para promover a conscientização de que ser diferente é inato a todo ser humano, que somos , todos nós, exemplares únicos. A campanha trouxe música de mesmo nome bem esclarecedora da campanha: “Todo mundo tem seu jeito singular, de ser feliz, de viver e de enxergar. Se os olhos são maiores ou são orientais, e daí, que diferença faz? Todo mundo tem que ser especial. Em oportunidades, em direitos, coisa e tal. Seja branco, preto, azul ou lilás. E daí, que diferença faz?” (Composição: Vinícius Castro e Adilson Xavier) Neste novo contexto, cada vez mais includente de nosso Estado e de nosso Direito, vivemos também um anacronismo, pois, no que concernem as leis civis, exatamente, estas leis que regem a vida em sociedade, que permitem que eu haja como todos os demais na vida cotidiana, estão ultrapassadas, ou não tão bem alinhadas com a Constituição quando o assunto é inclusão. O Código Civil Brasileiro, que é mais recente ao se comparar com a atual Constituição vigente, já que passou a vigorar em 2003, nasceu velho e em descompasso com sociedade brasileira, após tramitar por quase trinta anos no Congresso Nacional, e ser emendado e remendado por diversas vezes, nasceu balzaquiano e com mentalidade do homem da década de 70 do século passado. Este descompasso entre o Código Civil é facilmente notado no livro que trata das Sucessões, principalmente, no que concerne a Sucessão Testamentária, que pouco sofreu modificações ao se comparar com o Código Civil anterior, e em nada acompanhou as novas tendências inclusivas das pessoas com deficiência. O presente artigo tem como finalidade precípua discutir a viabilidade de que as pessoas com deficiência visual possam fazer Testamentos Particulares, tendo em vista, a idéia de inclusão, bem como também, tendo em vista que a escrita braile está cada vez mais difundida em nossos dias. O objetivo é demonstrar a viabilidade desta forma de testamento, e ainda, argumentar no sentido, de que restringir esta

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Importante ressaltar, que mesmo antes da CF/88, já existiam produções legislativas que tinham algum caráter protetivo às pessoas com deficiência, porém, é principalmente na década de 80 do século passado, através de encontros e convenções internacionais que a mentalidade mundial se modifica, no sentido de entender e buscar a inclusão de todos. Após a Constituição de 1988, diversas foram as normas editadas e publicadas em prol das pessoas com deficiência, como por exemplo, Leis Federais: Lei nº 7853, de 24-10-1989, Lei nº 8160, de 08-01-1991, Lei nº8686, de 20-07-1993, Lei nº8899, de 29-06-1994, Lei nº10.048, de 08-11-2000, Lei nº10.098, de 19-12-2000, Lei nº10.172, de 09-01-2001, Lei nº10.436, de 24-04-2002; e também alguns importantes Decretos, como : Decreto nº3298/1999, Decreto nº3691/2000, Decreto nº3956/2001, Decreto nº 5296/2004, Decreto nº 6949/2009 e Decreto nº 7612/2012, que regulamentou o Plano Nacional dos Direitos da Pessoas com Deficiência – Viver sem limite. 2 O Estado brasileiro tem protagonizado algumas campanhas de caráter inclusivo como, por exemplo, a Campanha Iguais na Diferença da Secretária Especial de Direitos Humanos, visando a Inclusão das Pessoas com Deficiência, lançada em 12 de Fevereiro de 2009. Mais recentemente, em 2011, o Governo brasileiro lançou o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem limites, com o objetivo de implementar novas iniciativas e incentivar ações que atualmente, já estão sendo desenvolvidas pelo Governo em benefício das pessoas com deficiência. Este Plano tem ações desenvolvidas por 15 ministérios e a participação do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE).

hipótese seria caminhar contras as próprias diretrizes constitucionais que o Estado Brasileiro comprometeuse a concretizar.

2 - Inclusão já!

Antes de falarmos especificamente sobre o Testamento Particular e defendermos a possibilidade de que quaisquer pessoas capazes e alfabetizadas tenham o direito de fazê-lo, faz-se necessário, primeiramente, tratar das questões que envolvem a idéia de Inclusão Social. Uma sociedade, como a nossa, que afirma em sua Constituição que tem como pilares fundamentais a pluralidade e a solidariedade, compromete-se desde o início a aceitar e compreender que a diversidade faz parte de sua estrutura. E, que aceitar as diferenças de seus cidadãos e protegê-los é uma de suas funções precípuas e básicas. Sendo assim, é inerente a atuação do Estado que se criem leis e ações políticas que permitam que todos, independentemente das diferenças de cada um, possam participar das decisões políticas, bem como da fruição de benefícios e garantias que a vida em sociedade irá permitir. Incluir significa, exatamente, permitir que alguém, ou alguma coisa, faça parte do todo. Em uma sociedade ideal, a idéia de inclusão de todos, de uma inclusão social total, deveria ser algo inerente e implícito, ou seja, no momento de se criar leis, ou ações políticas, todos deveriam ser considerados, independentemente, se possuem diferença, ou não. No entanto, não é isto que ocorre, muito pelo contrário, geralmente, as normas criadas são criadas pensando nas condições e qualidades quase idênticas de todos, criam-se as normas pensando-se no “homem médio”. Esta noção de que o homem tido como médio que deve ser o paradigma para ação estatal, bem como para a produção legislativa, é hoje uma idéia totalmente ultrapassada dentro da sociedade contemporânea que fazemos parte. Principalmente, porque hoje se busca respeitar o cidadão como um ser único, com aptidões diferentes e liberdade para decidir seu modo de vida, pois, a garantia da dignidade da pessoa será sustentada, exatamente, através do entendimento de que não existe vida digna sem que se permita a cada pessoa, o direito de estabelecer e de determinar quais são suas aspirações de vida. Aceitar, então, que cada um tem motivações, desejos e objetivos pessoais diferentes é o sustentáculo deste nosso Estado Democrático que o Brasil visa concretizar: plural, igual e solidário. ( art. 1º CF/88). As próprias regras constitucionais atuais direcionam-se no sentido de uma sociedade includente, mas, para que a Constituição seja efetiva e para que exista uma produção legislativa infraconstitucional que busque a inclusão de todos, de acordo com os novos paradigmas sociais, será necessário que todos, sociedade e legisladores, abandonem a antiga noção que possuíam das pessoas com deficiência. É chegado o momento de uma inclusão social direcionada as pessoas com deficiências: Pode-se perceber que a inclusão social das pessoas com deficiência depende de seu reconhecimento como pessoas que apresentam necessidades especiais geradoras de direitos específicos, cuja proteção e exercício dependam do cumprimento de direitos humanos fundamentais. ( A INCLUSÃO..., 2013). Fatores de todas as ordens, tais como: culturais, políticos, econômicos, tecnológicos, entre outros, modificaram a nossa sociedade, cria-se uma nova sociedade mais consciente, mais informada, mais reflexiva sobre seu papel. Não mais existe sustentáculo para a velha e ultrapassada idéia de que aquele que possui deficiência, seja de qual for o tipo, significa ser um fardo para a família ou para a sociedade em geral. Muito pelo contrário, a atualidade tem comprovado cada vez mais, que pessoas com deficiências 3têm tido diversos

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A terminologia adequada a ser utilizada é “pessoa com deficiência” e não “portadora de deficiência”, pois, a condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa, e esta pessoa não porta sua deficiência. Assim, utilizar o verbo ou substantivo, portar ou portadora, acaba dando ênfase à deficiência da pessoa e promovendo a exclusão (QUEIROZ, 2013). Em recente episódio, a então Presidenta Dilma Rousseff, utilizou inadequadamente a terminologia “portador de deficiência” em discurso, sendo vaiada em praça pública, bem como criticada por especialistas. (DILMA...,2013).

acessos a vários segmentos de nossa sociedade como, por exemplo, aos estudos, aos esportes, ao mercado de trabalho, as artes4, entre outros setores, inclusive se destacando bastante. Diante destas modificações sociais de todos os tipos, houve um movimento internacional e nacional no sentido de definir quem seriam estas pessoas com deficiências, bem como os direitos e ações que deveriam a elas ser resguardados. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada em 2006 e posteriormente ratificado pelo Brasil, trouxe a definição de pessoa com deficiência em seu artigo 1º “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”. Esta Convenção traz como seus objetivos promoção, proteção, bem como assegurar “desfrute pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentai por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito por sua inerente dignidade” ( art.1º, Convenção sobre os Direitos da Pessoas com Deficiência). É importante, assim, uma melhor conscientização sobre as pessoas com deficiências, especialmente, no atual paradigma estatal em que vivemos, Estado Democrático de Direito, com diretrizes voltadas para a pluralização e inclusão dos seus cidadãos, que deverá permitir que pessoas com deficiências ou não, possam contribuir com a construção de uma sociedade cada vez mais eudemonista e justa. Esta maior participação de pessoas com deficiência se deveu principalmente, mas não apenas, aos grandes avanços tecnológicos que corroboram na superação das limitações que estas pessoas possuem, e também, a uma nova ordem Constitucional implantada, que ao criar normas de caráter inclusivo corrobora com a modificação da mentalidade social, demonstrando a necessidade de conferir a todos, os mesmos direitos, mesmo que existam diferenças entre as pessoas. O nosso atual Estado não comporta mais a velha imagem do “portador de deficiência”5, como sendo aquela pessoa que deve ficar reclusa, afastada do meio social, por ser um estorvo ou peso para sua família, ou para a sociedade em geral. Ou, como aquela pessoa, que não pode contribuir com a sociedade com sua força de trabalho ou com outras habilidades. Hoje, a imagem da pessoa com deficiência como sendo um pária, ou um estorvo, ou ainda como um inútil, não é apenas falso, mas também inconstitucional, como já acima tratado. Diversos são os exemplos de pessoas famosas6, ou não, que comprovam a falsidade e a falaciosidade dos argumentos que estigmatizavam o deficiente como sendo alguém que não teria serventia social. Superado juridicamente está este preconceito, mas agora, é necessário que a sociedade como um todo perceba esta superação, e para tanto, campanhas de conscientização de responsabilidade estatal se fazem de grande relevância e vem sendo feitas, como já afirmado. As deficiências de natureza físicas ou cognitivas são uma realidade inegável, não podendo, nem Estado, e nem a sociedade, marginalizar as pessoas que possuem estas deficiências, principalmente, porque a Constituição Federal em seu artigo 5º, caput garante que : “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiro residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. 4

Apenas de forma exemplificativa da participação das pessoas com deficiência no mundo das artes no cenário nacional, temos a recente película, que teve sua estréia nos cinemas brasileiros, no início de 2013, filme Colegas (2012), com direção de Marcelo Galvão protagonizado por três jovens atores que têm Síndrome de Down. No filme, os jovens saem em busca de seus sonhos e buscam a interação com mundo a sua volta. 5 O uso, aqui, de “Portador de Deficiência” foi proposital para reforçar a velha imagem carregada de preconceitos, porém, após, a ratificação da Convenção internacional sobre os direitos de pessoas com deficiência pelo Brasil, a terminologia adequada, como já dito é “Pessoa com Deficiência”. 6 Na história da humanidade, existem diversas personalidades que possuíam deficiências, e que, no entanto, fizeram, e ainda hoje fazem diferença nos mais distintos seguimentos, como por exemplo: Galileu Galilei (físico-cegueira), Rei Luiz III ( cegueira), Luis de Camões ( escritor-cegueira), Ludwig Von Beethoven ( compositor – perda auditiva), Van Gogh ( pintor – depressão), Louis Braille ( inventor do método braile - cegueira), Hellen Keller ( escritora – surdez e cegueira), Stephen Hawking (físico – esclerose anfiotrópica), Jean Dominique Baiely ( jornalista – síndrome do confinamento), Jonh Nash (matemático – esquizofrenia), Christy Brown ( escritor, poeta, pintor- paralisia cerebral), Frida Kahlo ( pintora – poliomelite), Ray Charles ( cantor – cegueira), Stevie Wonder ( cantor/compositor – cegueira), Andrea Bocelli ( cantor- cegueira), entre tantas outras pessoas. (PESSOAS.., 2013) e ( INCRÍVEIS...,2013).

Se, é assim, se o próprio Estado, garante estes direitos fundamentais e básicos aos seus cidadãos e também aos estrangeiros que aqui residem, não é possível que as leis infraconstitucionais deixem de considerar este segmento social, que possui alguma deficiência. De modo que, para garantir estes direitos fundamentais é necessário que o Estado crie leis levando em consideração as diferenças das pessoas com deficiências, para que ao final possam usufruir, estes direitos a todos garantidos. Recentes pesquisas do IBGE ( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ), Censo de 2010, constatou que 23,91 % da população brasileira declararam possuir alguma deficiência de caráter permanente, seja esta total ou parcial (de grande dificuldade ou de alguma dificuldade). Dentro deste percentual de pessoas com alguma deficiência, 18,76% declararam possuir alguma deficiência de natureza visual total, ou parcial. (IBGE, Tabela 3425, 2013). Resta claro, que o Brasil precisa de leis e ações políticas de natureza inclusiva, não apenas por questões de natureza humanísticas e humanitárias como é a tendência que globalmente vivenciamos, mas também, por uma questão de natureza pragmática, vez que parte considerável de sua população declara ter uma, ou mais forma de deficiência. Sendo inegável a realidade apresentada, no que concerne este cenário estatístico sobre as deficiências no Brasil, torna-se necessário e inafastável que se busquem métodos ou técnicas, que permitam que tais pessoas com deficiência possam eficazmente participar da sociedade, bem como usufruir de seus direitos. A proposta deste artigo, como advertido, é reafirmar a possibilidade que pessoas com deficiência visual total (cegas) possam praticar atos jurídicos de modo autônomo, respeitando sim, suas características especiais, mas reconhecendo que hodiernamente, tais deficiências podem ser superadas através de novas tecnologias, ou de tecnologias que mesmo não tão novas passam a ser mais acessíveis como, por exemplo, a escrita em braile. O sistema braile foi criado pelo francês Louis Braille, que em 1829 apresentou seu sistema para o mundo. Trata-se de: um conjunto de pequenos pontos em alto-relevo por meio dos quais o deficiente passa seus dedos e consegue identificar a letra correspondente. São seis pontos básicos, que permitem sessenta e três combinações diferentes. É um modelo de lógica e simplicidade, que se adapta a todas as necessidades dos utilizadores, em todas as línguas, grafias ou ciências: na música, matemática, física. (Agência Câmara, 2013). No Brasil, o sistema braile passa a ser utilizado a partir de 1856, mas somente mais tarde, em 1951, que a UNESCO buscou uma unificação mundial do sistema, criando código oficial internacional da escrita braile e fundou o Conselho Mundial Braile. (Agência Câmara, 2013). O percussor do método braile, no Brasil, foi José Álvares de Azevedo, que era cego e foi estudar na França onde teve contato e aprendeu o braile. Retornando ao Brasil, foi o disseminador do método, bem como da educação de cegos em nosso país, despertando interesse e o apoio de Dom Pedro II. O então Imperador criou o Instituto Imperial de Meninos Cegos, que mais tarde recebeu o nome de Instituto Benjamin Constant, nome este que ainda hoje perdura. (BRAILLE, Portal..., 2013). O Instituto Benjamin Constant (IBC) é referencia na educação e conscientização sobre a deficiência visual a nível nacional (COMO..., IBC, 2013). Hoje, em média, mais de quatrocentas mil pessoas lêem em braile no Brasil, de acordo com a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, de 2008, feita pelo Instituto Pró-Livro. (COSTA, 2013). O sistema de escrita braile é feito através de perfurações em papel, que formam até 63 (sessenta e três) símbolos em relevo, que permitem a sua leitura tátil através do uso das mãos. O modo mais antigo e mais utilizado para a escrita em braile é através do reglete e da punção7. Neste método, a pessoa prende o papel no reglete e com a punção vai fazendo todos os pontos que formam as letras ou símbolos. Existem, porém, outros métodos para a escrita em braile, como por exemplo, a máquina de datilografia em braile, e

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O reglete recorda uma prancheta que tem nela acoplado uma régua ajustável, e nesta régua têm-se diversos moldes de células-mães com os pontos devidamente vazados. A punção assemelha-se a um pequeno bastão anatômico para as mãos que tem ponta afiada, lembrando uma agulha grossa que se encaixa perfeitamente no molde da célula-mãe e ao perfurar o papel irá criar os símbolos em relevo.

com o desenvolvimento da tecnologia em informática tem-se hoje impressoras especiais que imprimem em braile. (O QUE É..., 2013). Para a criação dos símbolos em braile é utilizada uma mesma matriz, chamada de célula-mãe, composta por duas fileiras verticais cada uma delas com três pontos, e, é a posição do preenchimento dos pontos ou da ausência do preenchimento dos pontos que dará origem ao símbolo desejado, que ao final estarão em relevo permitindo a leitura. Resta claro, que a pessoa com deficiência visual total, que seja alfabetizada, e tenha conhecimentos em braile, poderá perfeitamente confeccionar seus documentos, ou mesmo se não os confeccionar controlar o conteúdo dos mesmos, se escritos em braile. Na atualidade, mais e mais, pessoas aprendem o método braile, principalmente, tendo em vista as diretrizes estatais de educação que buscam uma educação inclusiva. A Educação Inclusiva8 que o Estado vem propondo, através de leis e ações, que buscam permitir que pessoas com deficiência possam cursar estabelecimentos regulares de ensino, e desta forma, tendo uma convivência com as demais pessoas da mesma faixa etária. Esta é sem dúvida uma ação positiva rumo à inclusão. Mas, que vem causando opiniões divergentes de pais, alunos e especialista em educação, que questionam a necessidade do Estado de se aparelhar melhor para receber estes alunos que possuem alguma deficiência, de modo a possibilitar-lhes melhor ensino, bem como não causar também dano e atrasos ao alunos que não possuem as deficiências. O Estado está na busca de um ponto de equilíbrio da questão, mas do ponto de vista jurídico, pessoas com deficiência ou não, devem conviver, se conhecer e respeitar a condição específica de cada um. Segregar ou isolar o convívio apenas serve para reforçar a exclusão, o que é totalmente inconcebível em nosso atual Estado. Feitas estas considerações, ainda que de forma sucinta, é possível perceber que é necessário modificar a mentalidade geral sobre as pessoas que têm alguma deficiência, as leis ordinárias precisam ser repensadas e reinterpretadas a luz da Constituição, que busca incluir, porém ao mesmo tempo respeitar as diferenças de qual um. Neste sentido, já possuímos argumentos suficientes para então demonstrar que as pessoas com deficiência visual total ou não, desde que civilmente capazes, devem lhes ser garantidas o direito de expressar seu ato de última vontade também de modo particular.

3 - Algumas questões sobre os Testamentos e suas formalidades

O testamento é ato jurídico formal de pessoa capaz, que expressa sua última vontade deliberando para depois de sua morte, como o seu patrimônio deverá ser distribuído e para quem deverá ser distribuído, bem como determinando outras declarações de última vontade. Pode, também, ser definido como “o ato pelo qual a vontade de um morto cria, transmite ou extinguem direitos” (MIRANDA, 1984, 59). Ou ainda, como “o ato pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens para depois de sua morte, ou faz outras declarações de última vontade” (PEREIRA, 1974, 136). O Código Civil de 2002 afirma que toda pessoa capaz pode dispor parcialmente ou totalmente de seus bens para depois de sua morte, através de testamento, bem como fazer disposições de caráter nãopatrimonial9 (art.1857, caput e parágrafo 2º do mesmo artigo, CC/02). O testador tem o direito de estabelecer como e para quem deixará o seu patrimônio, este é o direito de testar, que permite a toda pessoa, desde que capaz, de estabelecer a distribuição dos bens que acumulou 8

A posição do Governo brasileiro sobre a Educação Inclusiva é clara e direta, em entrevista coletiva concedida pelo Ministro da Educação em 31 de maio de 2012, ele defendeu a política de educação inclusiva e afirmou que “o Brasil tem que ter 100% das crianças e jovens com deficiência na escola. A escola de atendimento especial é um direito, sim, mas para ser exercido de forma complementar e não excludente” (MEC, 2013). 9 Estas disposições de caráter não-patrimonial, em regra, devem se relacionar a própria pessoa do testador, como por exemplo, estabelecer como será sua solenidade fúnebre, ou, reconhecer a filiação de alguém, pois a princípio, o testador não tem poder de ação sobre direitos pessoais ou personalíssimos de pessoas diferentes dele. Mas, se o testador for representante legal de alguém, poderá sim estabelecer disposições não – patrimoniais, para terceira pessoa, como por exemplo, designar tutor para filhos menores.

ou recebeu em seu benefício quando em vida, e este direito deriva-se do corolário lógico e legal que permite a pessoa ter sua propriedade privada (art. 5º, XXII, CF/88). No entanto, o testador não está totalmente livre para dispor de seu patrimônio, havendo a limitação de resguardar cinqüenta por cento de seu patrimônio (art. 1846, CC/02), caso possua herdeiros necessários10 (art.1845, CC/02), porém, caso não os possua, poderá dispor da maneira que desejar. Na hipótese de inexistir herdeiros necessários, e inexistir testamento, vigorará a sucessão legitima de parentes até quarto grau (art.1788, CC/02), e somente na ausência de herdeiros legítimos, que os bens do cujus serão arrecadados e declarados vacantes, podendo as municipalidades apropriarem-se destes bens mais tarde (art. 1819, CC/02). Caso a pessoa, então , não faça testamento o seu patrimônio será distribuído conforme a sucessão legitima, levando em consideração a parentesco de cada uma. No Brasil, este é o modo que, via de regra, ocorre às sucessões, não existe uma cultura em testar entre nosso povo. Além disso, habita no imaginário coletivo de que fazer testamentos é algo que compete apenas àquelas pessoas que possuem grandes riquezas. Outro fator, que também deve ser considerado no que concerne ao reduzido número de testamentos, trata-se das rígidas formalidades que são exigidas para que o testamento seja reconhecido como válido. Além, das formalidades exigidas, as taxas cartorárias são de considerável valor, exceto no caso do Testamento Particular, nesta hipótese não há intervenção cartorial, como discutiremos a seguir. A cultura norte-americana, diferentemente da nossa, por exemplo, já possui maior hábito em fazer testamentos, inclusive, em mídias diferentes, tais como vídeos. A Associação Americana da Ordem dos Advogado traz em seu sítio eletrônico uma breve nota explicativa sobre os testamentos em vídeo: Mais e mais pessoas estão preparando vídeos, na qual elas lêem o testamento e explicam porque algumas deixas são feitas e outras não são feitas. A gravação de vídeo deverá mostrar também como será a execução do testamento. No caso de algum parente desgosto resolver desafiar o testamento feito, o vídeo pode fornecer prova suficiente de que o testador era mentalmente competente e observou as formalidades de execução. Tenha em mente, que o vídeo não dura para sempre, bem como está sujeito a dano. Você deve consultar um advogado antes de fazer este tipo de vídeo para ter ciência das leis de seu Estado sobre testamento em vídeo. Geralmente, este tipo de vídeo suplementa, não substitui um testamento devidamente escrito. ( What’ s ...., 2013). (tradução nossa). É possível observar que no direito norte-americano o testamento pode ser feito em outras mídias que não a escrita, sendo muitas vez considerado meio de prova que corrobora com a demonstração da plena capacidade do testador, no momento da produção do documento. Porém, no Brasil somente é aceito testamento formalmente escrito11 e assinado por seu testador, além de outras formalidades exigidas pela lei sucessória. A formalidade do testamento, no entanto, é algo que se faz necessária, e possui uma razão pragmática de existir. O legislador ao estabelecer rígidas formas para os testamentos quer na verdade proteger tanto aquele que testa, quanto aos herdeiros deste testador, garantindo com certeza e convicção, que o ato de vontade último da pessoa seja real, sem vícios e sem pressões de terceiros que tenham algum interesse sobre o patrimônio daquele que testa. Os testamentos, desta forma, seguem rígidos padrões de tipicidade12 estabelecidos pelo legislador, de modo que se estes padrões não são respeitados padecerão de validade e prevalecerá a sucessão legítima. Independentemente da espécie do testamento, seja este Ordinário ou Especial, todos estes possuem alguns requisito gerais que deverão ser respeitados, quais sejam: capacidade do testador, vontade livre e 10

Art. 1845, CC/02: São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. No Direito brasileiro, o Código Civil traz a exigência de que os testamentos ordinários ou especiais sejam feitos em estrito: art.1864,I; art.1868, caput; art.1876, caput; art. 1888,parágrafo único; art. 1896., excepcionalmente, em virtude da iminência de morte do testador, a lei aceitará o testamento feito oralmente, desde que posteriormente, confirmado por testemunhas (art. 1896, CC/02). 12 Os testamentos podem ser Ordinários (público, cerrado e particular), ou Especiais ( marítimo, aeronáutico ou militar), respectivamente artigos 1862 e 1886 do CC/02. 11

consciente, ato formal escrito, respeito a parte indisponível do patrimônio no caso da existência de herdeiros necessários, testemunhas, assinaturas do testador e das testemunhas e que o testamento seja apresentado em Juízo para ser devidamente registrado e executado. Em regra, a ausência destes requisitos irá acarretar invalidade do testamento comportando algumas exceções13. Tendo em vista que quaisquer das hipóteses de sucessões, seja legítima ou testamentária, poderão impor uma modificação patrimonial enorme com relação aos herdeiros, torna-se fácil compreender a razão pela qual o legislador busca a proteção do dono da herança. Assim, a Lei Civil cria um alto grau de formalidades para os testamentos, com a finalidade de inibir a possível ação de terceiros que ostensivamente queiram prejudicar o testador, para desta forma, ficarem com o seu patrimônio. Recentemente, em nossa história jurídica, ano de 2002, a mídia amplamente divulgou o Caso Ritchthofen em que Suzane Von Richthofen com a colaboração dos irmãos Cravinhos planejaram e executaram a morte dos pais dela, para se beneficiarem da herança dos falecidos, os três permanecem presos (ENTENDA, R7, 2013). Recentemente, os irmãos Cravinhos tiveram progressão de regime, passando do regime prisional fechado para o semiaberto, Suzane não teve ainda direito ao beneficio. (IRMÃOS..., G1, 2013). A própria Lei Civil coíbe este tipo de abuso de terceiros interessados na herança de forma inescrupulosa, cominado a estas pessoas a pena de exclusão de participação na herança (art. 1814, CC/02). Assim, fica claro, a razão de existir a busca pela segurança e formalidades quanto aos testamentos em nosso Direito pátrio. Não obstante, realmente tenha que existir, certas e algumas, formalidades para os testamentos, é chegada à hora de se repensar como estas formalidade deverão se expressadas e através de quais mídias, principalmente, com a Era Digital que estamos vivenciando, e não mais podemos nos esquivar. Este repensar dever ser feito até mesmo como forma de inclusão social. Hoje, existe uma substituição drástica do papel, do impresso pelo virtual, e as assinaturas digitais14 são amplamente divulgadas e aceitas inclusive pelos Governos, que também delas se utilizam. Eis o momento também, de se refletir por que outras formas de mídias podem, ou não, ser utilizadas. É preciso que as leis brasileiras se adaptem a esta nova sociedade tecnológica que desponta, assumindo novos desafios legais e abandonando velhas formas arcaicas, que não mais servem para os dias de hoje. É neste momento, então, que após os dados trazidos, que se propõe o questionamento sobre a pertinência de se permitir que pessoas com deficiência visual total, possam utilizar a escrita braile, para a produção de seus testamentos. O particular, o civil, quando faz a opção de produzir um testamento, poderá escolher dentre três espécies de Testamento Ordinário, quais sejam: o testamento público, o testamento cerrado, e o testamento particular, cada qual com suas particularidades e benefícios. O Testamento Público (art. 1864 - art. 1867 CC/02), em regra, é permitido a todos as pessoas, exceto ao surdo-mudo, pois se exige que o testamento seja lido ou pelo testador ou por testemunha que ele designe, bem como que a vontade do testador seja irrefutavelmente confirmada perante o Tabelião responsável e pelas testemunhas. Como o próprio nome indica, qualquer pessoa poderá ter acesso as disposições de ultima vontade do testador, nesta modalidade de testamento. Além disso, por ser feito na presença de Tabelião, que possui fé-pública concedida pelo Estado, no momento da execução do testamento pelo Juiz, não será necessário a confirmação das testemunhas que presenciaram o ato no Cartório, a presença e a confirmação do ato pelas testemunhas somente faz-se necessário naquele primeiro momento. 13

O Código Civil comporta algumas exceções com relações aos requisitos exigidos para os testamentos, tendo em vista, as circunstancias especiais que o testador esteja submetido, como é o caso, por exemplo, da possibilidade de testamento particular em que o testador se encontre só em ambiente inóspito, não tendo testemunhas para o seu ato, ou ainda, no caso de militar que em campanha tenha sido ferido não tendo condições de escrever, porém, dita seu testamento oralmente para duas testemunhas que mais tarde o declaram em juízo confirmando o ato. 14 Claro que existe uma preocupação sobre se quem usa a assinatura digital é realmente é aquela pessoa que poderia dela se utilizar. Mas, o questionamento sobre se a assinaturas são legítimas sempre existiram e sempre existirão, mesmo quando se trata de assinatura de próprio punho através de letra cursiva, eis porque temos peritos especializados em grafia, no que concerne as assinaturas de caráter digital temos também peritos em informática, que poderão confirmar se houve ou não violação da assinatura digital por pessoa que não deveria ou não poderia utilizá-lo, o problema se mantém, o que se modifica é a modo que teremos que averiguar a violação da assinatura.

Já na hipótese de Testamento Cerrado (art. 1868 – 1875 CC/02), o testamento é produzido pelo testador, ou por alguém ao seu rogo, e em seguida assinado pelo autor da herança, após é levado ao Tabelião, quer irá fazer o auto de confirmação, perante o testador e as testemunhas, cerrando e cozendo o Testamento. O conteúdo do testamento e suas disposições não são conhecidas pelo Tabelião ou testemunhas. Feito isto, o testador levará o testamento consigo, de modo que para ser efetivamente executado após a sua morte, este testamento não poderá ter sido violado, e, além disto, no momento da abertura da sucessão ele deve será encontrado, ou seja, alguém, de boa-fé deverá ter conhecimento da existência deste documento, pois caso contrário, prevalecerá a sucessão hereditária. Nesta espécie testamentária, no momento da execução não se faz necessário que as testemunhas sobrevivam ao testador para confirmar o testamento.

3.1 Notas sobre o Testamento Particular

O Testamento Particular (art. 1876 – art. 1880, CC/02) é hipótese de testamento no qual o testador de próprio punho ou de modo mecânico, desde que ao final o assine, testa suas disposições de última vontade, e em seguida, na presença de no mínimo três testemunha, lê seu testamento e coleta as assinaturas das testemunhas. Nesta situação, o testador guarda consigo o testamento, e não há intervenção pública através de registros cartoriais. No entanto, apesar de conceder ao testador alto grau de liberalidade e sigilo quanto as suas disposições, no que concerne a confirmação deste testamento torna-se mais dificultoso, primeiro porque o testamento particular deve ser encontrado para que então seja apresentado em Juízo, assim, o testador precisará que terceiro de sua confiança saiba da existência deste testamento. Além do conhecimento sobre a existência do Testamento Particular será preciso ainda que ao menos uma das testemunhas sobreviva ao testador, caso contrário o testamento não será confirmado (art. 1878, parágrafo único, CC/02). Somente em situações excepcionais descritas no próprio documento e aceita como suficientes pelo Juiz, que será admitido, que testamento particular seja feito sem a presença de testemunhas. Mas, em regra, nesta espécie é preciso que seja feita através de documento cartular, de próprio punho ou meio mecânico e na presença de testemunhas. (art.1879, CC/02). Como o ato não é público, as disposições do testador não sofrem posteriormente influências e pressões de pessoas que não foram beneficiadas pelo testamento, como pode ocorrer com o Testamento Público, em que qualquer pessoa pode ter acesso e conhecimento do mesmo, sem dúvidas, esta forma de testamento é um bom exemplo de um momento em que autonomia da vontade do sujeito se demonstra fortíssima. A Lei Civil exige para esta forma de testamento alguns requisitos essenciais, sem os quais, o testamento padecerá de validade, quais sejam: a) Escrito pelo testador manualmente ou por meio mecânico. Se o escrito for manuscrito há que ser escrito pelo testador, não podendo um terceiro fazer por ele, porém se o meio utilizado for mecânico não existe óbices que outra pessoa o faça, desde que o testador o assine ao final. O testador tem que ser alfabetizado15, pois deverá ter pleno conhecimento do conteúdo do testamento, bem como lê-lo na presença das três testemunhas (DIAS, 2010). b) Leitura do testamento na presença simultânea das três testemunhas. Ainda que a lei não tenha feito expressamente esta exigência de que todas as testemunhas estejam presentes no momento da leitura, é de fácil conclusão, pois o conteúdo lido e assinado deve ser idêntico para todas as testemunhas. Assim, previnese eventuais vícios no documento (DIAS, 2010). 15

No caso do testador analfabeto, a lei determina que ele faça seu testamento publicamente, com a intervenção do Tabelião que tem a função de garantir lisura das declarações do testador, não sabendo assinar, uma das testemunhas assinará a seu rogo. A lei nada fala sobre as testemunhas serem alfabetizadas, mas é uma conclusão lógica que se pode chegar, uma vez que ao se firmar sua assinatura em algum documento, visa-se confirmar o conteúdo lá descrito. Seria tão incoerente aceitar uma testemunha instrumentária que não soubesse ler, pois absurdamente ela também precisaria de alguém que assinasse ao seu rogo.

c) Assinatura do testador e das suas testemunhas; d) Língua portuguesa16, ou estrangeira, desde que as testemunhas possam compreender o idioma utilizado no documento, e) A sobrevivência de ao menos uma das testemunhas, após o falecimento do testador, para confirmar o testamento perante o juiz. Além destes requisitos específicos para a validade do Testamento Particular, são necessários outros requisitos gerais para todas as espécies de testamento, quais sejam: vontade livre; capacidade para testar; respeito à parte indisponível da herança, caso existam herdeiros necessários; disposições testamentárias feitas de forma clara, real e que representem a vontade do testador ( arts. 1897 a 1911 CC/02). Ainda que sucintamente, apresentaram-se aqui as características básicas dos testamentos ordinários vigentes no Direito brasileiro, para que agora seja possível tratamos da questão central que este artigo pretende debater, que é a possibilidade, ou viabilidade de que as pessoas com deficiência visual total ou grave, possam testar através de Testamento Particular.17

4 - O modo de testar de pessoas com deficiência visual total e o braile como possibilidade de escrita.

O Código Civil de 2002 em nada inova com relação ao modo de testar de pessoas com deficiência visual total, repetindo o mesmo tratamento dado pelo Código de 1916. O art. 1867 18 do Código Civil atual diz que “ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e outra, por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção”. Em análise do referido artigo, é possível perceber a preocupação do legislador em proteger a pessoa cega, que ao fazer o seu testamento, precisa ser auxiliada na leitura de documento, de modo que a lei determina que uma leitura seja feita, primeiramente pelo Tabelião, que tem fé pública, logo presume-se a idoneidade daquele que representa o Poder Público, e depois uma leitura feita por uma das testemunhas, alguém de confiança do testador. Este artigo retrata o contexto social do início do século XX, do Código Civil Brasileiro de 1916, onde o analfabetismo tinha altos índices19 no Brasil como um todo, onde a pessoa com deficiência visual total, não possuía acesso a uma educação em braile, que a permitisse escrever ou se expressar de forma autônoma seus pensamentos e vontades, muito pelo contrário, pois como anteriormente advertido a pessoa com deficiência visual era vista como um pária, como alguém marginalizada e dependente dos outros. Logo, a escrita e a leitura era algo que não pertencia ao mundo da pessoa cega. E, sendo, desta forma, o legislador 16

Ressalte-se aqui, que o Braile não é outra Língua, trata-se de um método mecânico de escrita em relevo, que pode ser escrito em qualquer língua, que irá permitir que a pessoa com deficiência visual possa ler mediante o tato. Logo, no Brasil, a escrita braile é no idioma português. 17 O presente texto centra-se na possibilidade de que pessoas com deficiência visual possam testar de forma particular, sem qualquer tipo de interferência estatal, porém, argumentos próximos também poderiam ser utilizados para defender a hipótese que também pudessem utilizar-se do Testamento Cerrado, uma vez que o conteúdo do mesmo é feito de modo sigiloso pelo próprio testador, e apenas confirmados por tabelião e testemunhas. No entanto, a possibilidade de vício ou fraude seriam maiores, uma vez que as testemunhas não poderiam confirmar se o conteúdo descrito seria realmente aquele confeccionado pela pessoa com deficiência visual, já no Testamento Particular, as testemunhas devem confirmar o conteúdo, eis porque no caso do Testamento Cerrado a possibilidade de fraude seria mais perigosa e prejudicial ao testador com deficiência visual. 18 O artigo 1637 do Código Civil de 1916, quase totalmente reproduz o atual artigo 1867 do Código vigente e assim dispunha: “ Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, duas vezes, uma pelo oficial, e a outra por uma das testemunhas designadas pelo testador, fazendo-se tudo circunstanciada menção no testamento”. 19 Apenas, exemplificativamente, os índices de analfabetismo no Brasil têm decrescido vigorosamente. No Século XX (tendo como grupo populacional de referência aqueles entre 15 a 69 anos), na década de 40 era de 54,5%, na década de 50 passou a ser de 50,3%, já nos anos 60 era de 39,5%, e, finalmente na década de 70 o percentual havia diminuído consideravelmente passando a ser de 33,6%, e logo em seguida, no ano 1976 para 22,8%. (ESTATÍSTICAS..., 2013).

na tentativa de proteção, acabou por determina que a única espécie possível e viável de testamento fosse a feito pela forma pública. Importantes doutrinadores do século passado, que vivenciaram plenamente o Código Civil de 1916, e estudaram e escreveram sobre este Código, tais como J. M Carvalho Santos20 (1986), Clóvis Benviláqua (1946), Pontes de Miranda (1984), bem como Caio Mário da Silva Pereira21 (1974) sobre a questão da pessoa cega que desejava fazer testamento, apenas reafirmaram as disposições do art. 1637 do Código de 1916, não fazendo grandes considerações, apenas confirmando, que a estas pessoas com deficiência visual total deveria ser resguarda a forma pública de testamento. Embora, estejamos na segunda década do século XXI, os doutrinadores atuais, tais como, Caio Mario da Silva Pereira22 (2010), Carlos Roberto Gonçalves (2010), Maria Berenice Dias (2010), Maria Helena Diniz (2007), Paulo Nader (2009), repetem esta vedação quanto à capacidade de testar destas pessoas que possuem deficiência visual, sem quaisquer ressalvas, ou mesmo sem um repensar sobre esta questão. O professor Paulo Nader assim afirma: Pertinente ao cego, o testamento público é a única forma permitida. A exigência especial é que o instrumento seja lido de viva voz, por duas vezes, sendo uma pelo o oficial e a outra por uma das testemunhas, indicação feita pelo testador. O instrumento fará menção à observância de tal procedimento previsto no art. 1867. (NADER, 2009, 228:229). Neste sentido é também o posicionamento da Professora Maria Helena Diniz: O cego, a quem só será permitida essa forma de testamento, que lhe será lido em voz alta, duas vezes, para que possa verificar se o conteúdo da cédula testamentária corresponde, com precisão á vontade por ele exarada. Imprescindível será sob pena de nulidade do ato a dupla leitura: uma pelo tabelião ou seu substituto legal e outra por uma das testemunhas designadas pelo testador. (DINIZ, 2008, 208). Em sentido parecido é o posicionamento do Professor Carlos Roberto Gonçalves que também não traz maiores discussões sobre o modo de testar da pessoa com deficiência visual, confirmando o artigo 1867 do CC/02 ( GONÇALVES, 2010, 261). Mesmo em edição mais recente e atualizada, a obra do Professor Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, não trouxe um aprofundamento do tema, apenas confirmando os termos do artigo 1867 do CC/02, dizendo que ao cego deve se reservar a forma pública de testamento (PEREIRA, 2010, 213). Já Maria Berenice Dias, quanto ao deficiente visual também afirma que a ele deve ser resguardada a forma pública de testar (DIAS, 2010, 354). Porém, a referida doutrinadora, mais atenta as modificações sociais e tecnológicas, percebe a necessidade de se admitir o uso de novas ferramentas para fazer os testamentos em geral: Diante, dos avanços tecnológicos e das moderníssimas técnicas que têm permitido que pessoas com restrições severas possam se comunicar e manifestar sua vontade, nada justifica não admitir o uso destas novas ferramentas por quem tem desejo de testar e plenas condições mentais e psíquicas de fazê-lo, só lhe faltando alguns atributos físicos (DIAS, 2010, 253). 20

J. M. Carvalho Santos traz uma notícia histórica interessante, que havia o Decreto nº 2878 de 23 de junho de 1879 que permitia ao cego fazer o Testamento pelo forma Cerrada, porém este decreto ficou revogado com a vigência do Código Civil de 1916. 21 Ainda hoje, o Professor Caio Mário da Silva Pereira é um jurista muito importante entre nós e suas obras são amplamente reproduzidas e atualizadas. Porém, é importante ressaltar que o referido Professor veio a falecer no de 2004, aos 90 anos, não tendo tempo para atualizar sua obra pessoalmente, de modo que não teceu considerações próprias sobre a questão da pessoa cega no tocante aos testamentos. 22 Aqui, obra atualizada por terceira pessoa diferente do autor.

Mesmo que DIAS (2010), não tenha aventando a hipótese de que o braile possa ser uma das tecnologias utilizadas, ao menos reconhece a necessidade de que novos tempos como o nosso, precisa de novas formas é métodos para prática de atos jurídicos em sentido lato. Esta é a opinião que temos aqui defendido. Hoje, a realidade que vivemos é outra, existe toda uma política estatal que busca implementar uma Educação Inclusiva, sendo que o ensino do braile é uma, entre outras ações executadas e possíveis. Além do braile, têm-se outras tecnologias que corroboram com a escrita, leitura e compreensão da pessoa com deficiência visual sobre os temas que o cercam, como por exemplo, áudiolivros, computadores, gravadores, softwares de computadores23. O Brasil, por exemplo, desenvolveu o programa chamado de DOXVOX, que produz os sons das palavras digitadas (OUTROS..., 2013). Assim, a escrita em braile, feita manualmente, ou por métodos mecânicos, através da máquina de escrever ou por computador, permitirá que a pessoa com deficiência visual possa produzir seus textos, bem como mediante o tato possa lê-los e conferir seu conteúdo, desde que devidamente alfabetizado no método braile, de modo a não necessitar que outra pessoa precise fazê-lo em seu lugar.Se, é assim, se o óbice que inviabilizava uma pessoa com deficiência visual a fazer um testamento de natureza particular residia na impossibilidade de escrever, ou mesmo de ler o que se está escrito, este óbice está totalmente suplantado, não havendo razões reais que justifiquem tal vedação, na hipótese de se comprovar o conhecimento do braile pelo testador. Poderia ser trazido o questionamento quanto à segurança de um testamento escrito através do método braile, com relação à veracidade dos termos e conteúdos descritos neste, mas este questionamento serve igualmente para o testamento particular escrito por pessoa que não tenham deficiência visual. Um escrito particular também corre o mesmo risco de ser questionado quanto à veracidade de seus termos, eis porque o Direito exige testemunhas24 que possam confirmar o teor contido no documento através da leitura do mesmo, e após a referida leitura a assinatura do documento. Argumento no sentido contrário à produção do testamento em braile, baseando-se no desconhecimento do juiz no método braile, também não devem de forma alguma prosperar, uma vez que é possível a existência de intérprete que traduza o documento, tal como ocorrer com os testamentos feitos em outros idiomas (art. 151, CPC). Importante ressaltar, que o próprio Código de Processo Civil brasileiro, no art. 151, inc. III, reconhece ao Juiz a possibilidade requisitar a presença de intérprete para traduzir a linguagem de sinais dos surdos-mudos, que não puderem transmitir a sua vontade por escrito. Está é uma regra inclusiva, que pode também por analogia ser empregada ao deficiente visual no que concerne ao braile. Aqui, defendemos que o Testamento Particular possa ser confeccionado em braile, desde que reste comprovado o conhecimento do testador e das testemunhas neste método de escrita tátil. Caso, a pessoa não tenha conhecimentos em braile, mas sim em digitação25, o ideal seria que a referida pessoa faça o testamento através da forma pública. Outro ponto que pode ser questionado, quanto o testamento feito através do braile seria com relação à assinatura. Todo e qualquer tipo de testamento, com exceção do Testamento Oral, deve ao final conter a assinatura do testador como forma de confirmação do conteúdo descrito no documento. Trata-se de ato 23

Exemplos de softwares presentes na atualidade: BR Braille, Braile Creator, Braille Fácil, Dolphin, Jaws, Openbook, Pocket Voice, Slimware, Windows Brigde, Tecla Fácil, Virtual Vision, Windows Eyes, (OUTROS..., 2013), entres outros. 24 Ressalta-se, aqui, que o ideal é que as testemunhas que venham a assinar o documento em questão também tenham conhecimento em braile, de modo que possam realmente confirmar ao juiz o teor contido no documento. 25 Na hipótese, por exemplo, de pessoa que desenvolve a deficiência de modo não hereditário e conheça a técnica de digitação, é possível que não tenha aprendido o método braile. Muito provavelmente, em um futuro não muito distante, os documentos particulares inter vivos e causa mortis poderão ser feitos e assinados digitalmente, como já vem sendo feito alguns documentos inter vivos. Porém, ainda hoje não são todas as pessoas que têm acesso ou conhecimentos sobre documentos digitais e a segurança que estes documentos têm através das certificações digitais, de modo que o uso destes por uma maioria de pessoas acontecerá de modo gradativo, como ocorre nos dias de hoje em relação ao autoatendimento nas redes bancárias.

personalíssimo do testador, e apenas existindo permissivo legal, que alguém poderá assinar ao rogo de outrem, e na presença deste, não comportando desta forma representação legal ou substituição, mesmo que posteriormente ratificada. Somente no caso da pessoa analfabeta, que não saiba assinar, ou daquela pessoa que em razão de alguma circunstância encontre-se impossibilitada, que a assinatura será feita por um terceiro a rogo do testador, devendo esta situação ficar descrita no documento testamentário. Nota-se que, a possibilidade de assinatura a rogo somente é cabida em Testamento Público, onde o Tabelião presenciará o ato e constará esta circunstância no documento (art.1865, CC/02). Nas demais hipóteses de Testamentos Ordinários, a assinatura do testamento não pode ser feita a rogo, o próprio testador deverá fazê-lo. Existe, assim, a preocupação do legislador pátrio de proteger e garantir as pessoas que não saibam ler ou que não possam assinar, de que suas disposições sejam tais como declaradas, em conformidade com sua vontade, eis porque existe a necessária intervenção do Tabelião para proteger o conteúdo do documento. Mas, a lei não veda que a pessoa mesmo sendo analfabeta não possa assinar o documento, este é o sentido da jurisprudência e doutrina atuais. Assim, a pessoa que não saiba ler, poderá saber assinar, e assinará o documento. E, estará nada mais e nada menos assinando um documento de que não tem certeza do conteúdo, porém, em razão da fé publica do Tabelião terá plena validade, e presunção relativa de veracidade. No que concerne a pessoa com deficiência visual, que não pode ler documentos manuscritos ou impressos, como adverte Paulo Nader (2009) existe uma divergência quanto à necessidade de assinatura do Testamento, mesmo que feito publicamente: Divergem os doutrinadores quanto à necessidade de assinatura do cego, desde que saiba fazê-lo. A exigência não nos parece racional, pois assinatura significa afirmação da veracidade de tudo que o instrumento contém. Tal exigência implica robotização do testador e atenta contra os princípios éticos. In casu, o procedimento a ser adotado deve ser o previsto no artigo 1865, destinados aos testadores em geral que não sabem ou não podem assinar: a seu pedido uma das testemunhas assinará em seu lugar, devendo o tabelião ou seu substituto declarar o fato no instrumento. ( NADER, 2009, 229). Esta robotização irá acontecer também quanto aquela pessoa que não saiba ler e mesmo assim, ao final do Testamento Público acaba por firmá-lo com sua assinatura. No entanto, já a pessoa com deficiência visual, que produza seu testamento através do braile, de modo que tenha pleno controle sobre o conteúdo do documento escrito por ela, se souber assinar manualmente, não existe qualquer forma de robotização, pois firma o documento que tem pleno controle e conhecimento. Neste novo contexto, inclusivo e democrático do Estado Brasileiro, urge que os direitos atuais se adaptem as novas demandas sociais, o ideal seria que houvesse uma legislação que tratasse especificamente sobre o tema - Testamento Particular de Pessoa com Deficiência Visual -, porém a ausência de legislação positiva sobre o tema não impede a interpretação que agora tentamos estabelecer. O Código Civil Brasileiro de 2002 traz uma vedação explícita, estabelecendo que as pessoas com deficiência visual total, somente poderão testar através de Testamento Público, mas como já foi demonstrando anteriormente, não é mais possível no desenvolvimento atual de nosso Estado, que este tipo de normas excludentes persistam sem que exista uma justificativa real e efetiva para tanto. Se, então, uma pessoa mesmo que possua deficiência visual total, porém, seja capaz, e possa confeccionar seu testamento através da tecnologia braile de modo livre e consciente, do qual terá amplo acesso e possibilidade de conferir e controlar o seu conteúdo, não existe razões justificáveis para manter a vedação do Estatuto Civil (CC/02), mesmo porque a Constituição Federal de 1988 traz uma abordagem inclusiva, totalmente oposta a esta.

Claro, que na hipótese da pessoa com deficiência visual não ser alfabetizada 26, ser incapaz e desconhecer o método braile, a Testamento Particular não poderia ser aceito. Logo, resta claro que, a pessoa com deficiência não pode mais ser considerada presumidamente indefesa de praticar seus atos em razão de sua deficiência, uma vez que possuímos hoje, tecnologias mais que hábeis a permitir que a vontade destas pessoas sejam conservadas e garantidas de forma real e intacta. Ressalta-se aqui, que hoje em dia, como já se afirmou, possuímos diversas tecnologias e softwares desenvolvidos para computadores, de modo que pessoas com deficiência visual são auxiliadas na leitura de documentos digitais que produzem, ou já preexistentes, leitores que transformam as palavras em áudio. Possuímos também, assinaturas digitais, com certificações digitais, que garantem lisura dos documentos feitos pelo meio digital. Assim, pessoas com deficiência visual poderiam sim, produzir documentos digitais e até mesmo assiná-los sem que seja através do método braile. Porém, quando os atos jurídicos são praticados em vida, caso exista algum vício de vontade no mesmo, desde que respeitados os prazos prescricionais, os atos poderão ser invalidados e as pessoas poderão esclarecer se houve algum vício de vontade ao produzir aquele documento, o que não tem como ocorrer no caso de ato praticado por pessoas já falecida, eis o porquê é necessário garantir a lisura de todos os documentos de caráter particular, sejam eles praticados por pessoas com deficiência visual ou não. Porém, quando se tratar de ato de última vontade de pessoa com deficiência visual, que queira fazer seu testamento de modo particular, o melhor método a ser adotado é o braile, pois o testador teria ampla possibilidade de confeccioná-lo, bem como conferir seu conteúdo. Já um documento feito digitalmente, haveria um maior risco de troca ou extravio, dificultando o controle de sua idoneidade pelo próprio testador. O braile nada mais é do que um método de escrita, que não deixa de ser estrangeira ou alienígena para aqueles que não possuem deficiência de natureza visual, se é possível que os testamentos sejam confeccionados em outra língua, por que não em braile? Não existem argumentos viáveis que possam afastar tão viabilidade. Mais um argumento contrário que poderia ser trazido para contestar a possibilidade do testamento em braile seria o fato de que a Código Civil expressamente veda a possibilidade de que pessoas com deficiência visual possam fazer esta espécie de testamento, de modo que não seria possível interpretação contra legem , ou seja, contrária a lei. Porém, do ponto de vista interpretativo e sistemático, o Código Civil ao trazer esta vedação vai contra diversas disposições constitucionais que visam à igualdade e inclusão de todos os seus cidadãos, sendo assim, tal argumento não tem como prosperar diante de nossa ordem constitucional democrática, inclusiva e que visa à dignidade de todos os seus cidadãos. Assim, claro resta, que desde que sejam observados os requisitos exigidos para a produção do Testamento Particular em geral, e ainda, que a pessoa com deficiência visual total tenha conhecimentos em braile não há óbices para que produza seu testamento de forma particular.

5 - Conclusão

No Brasil atual, onde possuímos uma Constituição Federal/88 que traz em si fundamentos e normas que buscam a equalização de seu povo, com os mesmos acessos, ainda que os cidadãos possuam diferenças definitivas e insuperáveis, é de extrema relevância que as normas infraconstitucionais sejam interpretadas à luz da Constituição e de suas normas. Logo, a Lei Civil não deve possuir regras excludentes, muito pelo contrário, é necessário que elas sejam interpretadas de modo a se adaptar as novas tendências sociais. Eis, a razão pela qual se defende, aqui, a viabilidade de aplicação do Testamento Particular para aquelas pessoas que tenham deficiência visual total,

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Neste ponto, poderia ser questionada a possibilidade de que alguém de forma maliciosa confeccionasse o documento em braile e obrigasse a pessoa com deficiência visual e analfabeta a assinar tal documento. Mas, esta hipótese poderia acorrer independentemente, se a pessoa tem deficiência visual ou não. A questão não é a deficiência, mas sim que a pessoa saiba ler de forma a compreender o que assina. Além disso, como já afirmado em diversos momentos, a vontade de ser livre e consciente, caso não seja padecem de validade e legalidade o ato de disposição de última vontade.

pois, como demonstrado, hoje, tais pessoas não mais podem ser estigmatizadas como indefesas, dependentes e reclusas como ocorria no início do século XX. Hoje, as pessoas com deficiência visual têm amplos acessos à educação, muitas delas inclusive alfabetizadas em braile, têm acesso também às informações através de diversas tecnologias, que corroboram com o seu entendimento do mundo, participam de diversas atividades que anteriormente apenas eram exercidas por pessoas que não possuíam qualquer deficiência. Logo, se podem inclusive escrever e ler os documentos que escrevem, porque não lhes ser conferido o direito de confeccionar os seus próprios Testamentos Particulares? O óbice a esta possibilidade residia, principalmente, no argumento de proteção daquele que não teria condições de ter certeza do conteúdo constante do documento, de modo que para isto seria preciso a intervenção de um agente público, o Tabelião, que pudesse controlar o ato e proteger a pessoa que não tinha como averiguar o documento produzido. Porém, hoje a realidade é outra, o perfil destas pessoas com deficiência visual modificou, não mais cabendo estas disposições civis para elas. Logo, se a pessoas mesmo que tenha deficiência visual, consiga produzir documento em braile, e possa controlar e conferir o conteúdo do documento, não há argumentos razoáveis, para que esta vedação permaneça. È necessário, uma reflexão das disposições civis que tratam da questão, e que estas disposições sejam atualizadas a sociedade que se desponta. Primeiramente, porque a idéia de proteção fundada na iliteracia , no analfabetismo, bem como no desconhecimento do braile não mais vigoram, havendo uma busca do Estado e Organizações de natureza privada para a universalização da educação das pessoas com deficiência visual. Em segundo lugar, permitir que as pessoas com algum tipo de deficiência, ou não, possam se autodeterminar através de sua vontade, levando em consideração seus anseios e aspirações, consiste em conferir-lhes o exercício de sua dignidade, bem como demais direitos e garantias de fundamentais, sendo um reflexo direto da democracia, bem como do Estado Democrático de Direito que o Brasil se compromete diuturnamente instaurar. Logo, a idéia de inclusão está diretamente relacionada à idéia de dignidade, de modo que é totalmente lógico e viável que o Testamento Particular, possa ser feito também por pessoas com deficiência visual através do braile.

6 - Referências Bibliográficas

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