Testemunhos da pratica da Bruxaria em Alcácer do Sal, no reinado de D. João V: As irmas Salemas e os azulejos da igreja de Santiago

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA

NEPTUNO Junho/Julho/Agosto 2015 Nº18 Editorial

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xmos sócios, amigos e leitores é com enorme prazer e com grande orgulho que a direcção da ADPA publica mais uma edição do nosso bole m cultural “ O NEPTUNO “.

Foto: Mário Perna

Foto: Rodrigo Assis

Recorde-se que a ADPA tem como objec vo a valorização da iden dade cultural de um povo, contribuindo para o desenvolvimento do concelho de Alcácer do Sal, divulgando e defendendo o seu património histórico, arqueológico, edificado, etnográfico, natural e paisagís co através da inves gação/divulgação e denunciando e condenando todos os que contribuem para a sua destruição. A recuperação do nosso passado é urgente e necessário para o nosso futuro. Nesta edição a ADPA tem como objec vo divulgar as suas ac vidades e passeios culturais através do seu bole m e facebook; con nuar a publicar ar gos sobre o concelho de Alcácer do Sal.

Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA

Edição: Associação de defesa do Património Cultural de Alcácer do Sal Rua João Alves Sá Branco 7580-161 Alcácer do Sal E-mail: [email protected] Redacção: Duarte Soares, Fernando Jerónimo, João Vaquinhas, Rui Damião, Rui Araujo, Ligia Vaquinhas, José Grilo, João Emidio, Rita Balona Colaboração: Raquel Gaspar, António Carvalho, Rita Balona, João Faria† , Fernando Jerónimo Reprografia:

Letras Efémer

Letras Efémeras Sociedade Gráfica Unipessoal, Lda t. 265 623 293 * tlm 968 331 872 * [email protected]

Tiragem: 300 exemplares Depósito Legal: 217297/04 Distribuição Gratuita

Ajude-nos a proteger e a divulgar o nosso Património. Faça-se sócio através do nosso e-mail ou Facebook. 2

Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA O Velho Senhor do Tempo

O

velhinho Relógio da Torre, que outrora informava o tempo, do tempo que muito ou pouco os Alcacerenses dispunham para os seus afazeres diários. Este Velhinho Senhor, que é do tempo em que o tempo dos mais idosos, se orientava pelo sol, marcou várias gerações, com seu ritmo sonoro, informando a tempo e horas, as vinte e quatro do dia. E neste ciclo do tempo, ar fices qualificados, prestaram-lhe finos cuidados; ajustes na engrenagem e corda dada a preceito, tarefa levada a peito por homens de muito amor, para que o Velho Senhor, se man vesse perfeito. Dis nto na pontualidade, o Nobre Senhor ritmava os períodos laborais, de salineiros, mondinas, pescadores, metalúrgicos, operários fabris e funcionários públicos. Ele que foi presta vo e esforçado, diária e ininterruptamente, servindo a Monarquia, Republica e Democracia, já mais vê reconhecido o seu valor e importância, muito por vontade daqueles que a seus pés, e bem à mercê da sua atenta observação, o vão enjeitando, porque não se iden ficam com a sua historia e a deste concelho. Apesar de não ter sido colhido de surpresa com o gesto negligente dos Senhores Soberanos, lamenta que os filhos do concelho, aqueles a quem se dedicou a tempo inteiro, sejam permissivos e tolerantes, com aqueles que o pretendem silenciar para sempre.

Olhos do Povo Re rado do Bole m “O Neptuno” nº1 de 2004

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA na lenda fundadora desta cidade. Ao lusco fusco do nevoeiro anoitecido, Ketovion fora alvo de um terrível ataque de piratas bárbaros. Qual praga marí ma que se alastra com as correntes, estes piratas, navegaram de barco vindos do Norte de África, atacando, povoado após povoado, a costa Portuguesa. Ao avistar a encosta da Serra da Arrábida esmoronada sobre o mar, viraram para dentro do estuário. Primeiro atacaram Cetóbriga (Setúbal). Não regalados, navegaram estuário adentro. Seguiram o rasto dos barcos que vinham de Gadir (Cádiz) em direcção a Ketovion, carregados de cheiro a salga de peixe. Quando os bárbaros se aproximaram, ouviram das frestas de uma taberna não muito longe do castelo, as cantorias dos guardas da cidade embriagadas no meio do rubro do vinho. Esbanjavam ali a sua jorna, pelo deleite da ilusão que lhes trazia o decote decotado, o volume e o cheiro vindo dos seios, e o sorriso nas maças do rosto das serventes escravas... E nisto, sem que se apercebessem, o ardor do vinho transformara-se em fogo verdadeiro. Ketovion começara a arder. Ketovion ficou em cinzas. Foi roubada, estripada e o seu povo morto e esmorraçado. Os que ficaram e que conseguiram erguer-se evocaram a Salacia, a ninfa das águas salgadas, um cas go para tais homens tão destruidores. Este sussurro sofrido chegou-lhe aos ouvidos através do assobio dos muitos golfinhos que ali viviam e isto testemunharam. Então, Salacia l e v a n t o u a s á g u a s d o m a r, t o r n o u - a s avassaladoras, matou os barcos e aprisionou no mar os tesouros roubados. Agradecido, o povo ergueu uma ermita em nome desta deusa. Pompeu Magnos, o ditador romano que dominava aqui, comovido com esta senda, deu o nome da deusa a esta terra denominando-a de URBS IMPERATORIA SALACIA.

Os golfinhos de Salacia Autor: Raquel Gaspar. Ocean Alive educação criativa marinha. [email protected]

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uem viu os golfinhos pela úl ma vez em Alcácer? Eis uma história que nos conta a lenda da cidade de Alcácer e a sua relação com os golfinhos do Sado.Há muitos séculos atrás, 100 ou 200 anos antes do ano em que se diz Cristo ter nascido, morava aqui, em

*Imagem 1 Ketovion (assim se chamava Alcácer do Sal durante a ocupação celta), um homem de cabelos duros e encrespados, olhos claros, peito rijo e as mãos esfoliadas. Trabalhava nos barcos que levavam o sal e o peixe do estuário do Sado. Não me recordo do nome dele mas sei que escondia na sua bolsa de couro uma moeda. Um dia, apaixonado pela beleza de uma ninfa perfumada de maresia, inclinou-se na borda da barca para ver a sua imagem imersa na tona da água... Nesse momento assustou-o um chuveiro de go culas de ar quente vindo do espiráculo de um golfinho que por ali passava, em bando. O susto acordou-o da sua miragem mas o impulso, fez cair a moeda para fora de bordo. A moeda foi arrastada pelas correntes da enchente e adormeceu no leito junto da margem do estuário, perto de Abul. Anos mais tarde, um século antes de Cristo nascer, Ketovion era já uma cidade romanizada. Certo anoitecer aconteceu algo que se tornara

Moeda de Ketovion com golfinhos; in www.portugalromano.com

*Imagem 1 - Roaz capturado no Sado ás portas de Alcácer, anos 50.

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sta resposta veio de longe. Como sabem, hoje com um simples email conseguimos chegar a quem queremos, num tempo que pode ser apenas um instante. E foi por intermédio de um amigo zoológo marinho espanhol, que por sinal estuda lesmas-do-mar, que encontrei a arqueóloga Elena Moreno Pulido. Olhem a minha sorte: nha conseguido chegar a alguém cuja tese d e d o u to ra m e nto, a i n d a fe s q u i n h a , e ra precisamente a numesmá ca na costa ocidental da península ibérica. Numa mensagem que parecia ter sido redigida com letras redondinhas, a Doutora Helena explicou-me: Como las pesquerías y saladeros eran el principal motor de la economía de la region (…) muchas de las cecas (talleres monetarios) del área acuñaran moneda con alusiones pesqueras en sus reversos. Así, por ejemplo, tenemos los dos atunes acuñados en Gadir (Cadiz), mo vo que copiarían cecas como Seks (Almuñécar, Granada) o Salacia (Alcacer do Sal). (…) Esto es un fenómeno común en la An güedad, donde cecas afines comercial y étnicamente escogen los mo vos iconográficos empleados por la amonedación pres giada, es decir, la más fuerte de la región. (…) Igualmente, se incluirían otros mo vos pesquero marí mos como es el caso del del n. Si bien la pesca de los mismos está a es guada por fuentes clásicas y por algunos (escasos) restos arqueológicos, el origen del uso de los delfines en la moneda hispana hay que buscarla en Grecia. (…) Na mitologia grega, os golfinhos eram um símbolo muito querido que acompanhava determinados deuses. Por exemplo, o deus Taras, herói fundador de Tarento, situada na costa italiana, filho de Poseidon e de Sa ria) cavalga um golfinho; a ninfa Arethusa divindade marinha feminina fundadora de Siracusa, cidade da Cecília, foi representada ao lado de golfinhos. Conta a lenda que um dia Arethusa banhou-se no rio e o deus rio enamorouse dela. Como esta ninfa era consagrada a Artemis, que era uma deusa virgem, ela transformou-a

stava no outro dia a passear por Alcácer quando encontrei, dentro da Igreja do Espirito Santo a Doutora Marisol Ferreira do Departamento de arqueologia da CM de Alcácer do Sal. Expliquei-lhe que defendo a tese que outrora os golfinhos eram abundantes no estuário. Se Ácala (Tróia) era a maior (senão das mais importantes) fábrica de salga e conserva de peixe do império romano, tamanha deveria ser a riqueza do estuário do Sado em vida marinha. Se Salacia era uma importante urbe ligada aos recursos marinhos, nha com certeza golfinhos às suas portas. As pistas para a minha tese estavam nas moedas cunhadas em Salacia. Tive de esperar muitos, muitos dias para as poder ver ao vivo. Mas numa manhã de Dezembro fui com o meu filho João até às catacumbas do departamento de arqueologia da CM de Alcácer. Ali encontrei-me com as ditas moedas. Na minha mão nha a moeda daquele homem de Ketovian. Ainda ensonada, limpei-lhe a lama e vi: Hércules (Melkart), o rei dos mares para os fenícios, e na outra face, dois golfinhos. Em cima da mesa da secretária da jovem arqueóloga Rita Balona e do seu colega Fernando Jerónimo estavam mais duas moedas. Eram moedas da época romana. Ainda cheiravam ao vinho novo, talvez vessem ficado perdidas dentro de uma caneca que rebolara encosta abaixo e também no estuário vesse ficado escondida. Coisa que não parecia irreal ao arqueólogo António Carvalho também parte da equipa. Nestas moedas estava cunhado Neptuno (o deus dos mares greco-la no) com o seu tridente e na outra face, haviam também dois golfinhos. Para mim, tudo ba a certo. Para mim, nha achado o colo que suportava a minha tese. Mas porque seria que os golfinhos eram usados como símbolos na numismá ca cunhada em Ketovion e Salacia? Moeda romana de salacia com golfinhos; in www.portugalromano.com

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA numa corrente para assim fugir ao deus rio. Com a ajuda dos golfinhos Arethusa navegou pelo Mediterrâneo e chegou à ilha Secília onde se transformou num manancial de água, dando origem à cidade de Siracusa. A cunhagem dos golfinhos (e atuns) associados aos deuses marinhos nas moedas das cidades costeiras celebrava assim a grande fonte de riqueza que representava o mar para estas cidades e a relação dos golfinhos com os deuses conferia-lhes o símbolo de protecção e de bom agoiro. Por exemplo, os pescadores, homens muito super ciosos, viam os golfinhos como animais protegidos pelos deuses, como animais auxiliares da pesca (Mora Serrano 2011), que os levavam a descobrir as rotas de migração e os cardumes de atuns e outras importantes pescarias. Esta relação com os golfinhos deveria ter por base a vivência dos pescadores com os golfinhos que acompanhavam as embarcações e as saudavam de volta ao porto (Moreno Pulido 2011). Pois terá sido assim também em Alcácer do Sal.

Unicórnio

enclaves rochosos da costa da Arrábida e os fundos profundos do canhão de Setúbal, ricos em nutrientes. Apesar disso, já há muitos anos que não vemos os golfinhos em frente à cidade de Alcácer. Mas o que vos venho aqui dizer, é que ainda hoje vivem os úl mos golfinhos que aqui es veram, há uns anos atrás. Sou bióloga marinha. Quando comecei a monitorizar a população de roazes do Sado, em 1994, a população nha apenas 32 animais (hoje tem 27). Nessa altura a população estava dividida em dois grupos. Um grupo que nha preferência pelo mar.

Guilhas

Asa

Os últimos raozes do Sado Guardiões da rota de Alcácer do Sal

Quase sempre os encontrava escondidos nos meandros do traçado do rio, a caçar nas águas pardacentas do interior do estuário. Neste grupo estuarino haviam 7 golfinhos: o Rocha, a Tubarão, o Peter Pan, o Dorminhoco, a Purpúrea, o Unicórnio e o Tripé. Às vezes juntava-se-lhes o Asa, o golfinho lendário desta população, que já voou suspenso a um helicóptero para ser salvo. Destes 7, para além do Asa, apenas os úl mos dois, o Unicórnio e o Tripé, e um filho da Purpúrea, estão vivos. Estes são os úl mos golfinhos guardiões da rota de Alcácer do Sal. Têm cerca de quarenta anos, idade muito próxima do limite da longevidade de um roaz (50 anos). A úl ma vez que os vi em romaria para o interior do estuário, levavam Guilhas, o filho de Púrpura que tem quase 16 anos, como se es vessem a ensinar-lhe o caminho que conduzia a Salacia. Guilhas não sabe, mas esse foi o úl mo caminho que a sua mãe Purpúrea fez, pois foi no leito do estuário, perto de Alcácer onde esta foi encontrada morta.

Tripé

Os últimos raozes do Sado Guardiões da rota de Alcácer do Sal

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té há poucos anos atrás, talvez até aos anos 60, os roazes do Sado viviam nas águas de Alcácer e subiam o estuário até St. Margarida do Sado. Não sei quantos eram, mas certamente muito menos que na época de Salacia ou de Ketovian, quando o rio era mais fundo, mais largo e mais rico. Como animais marinhos de grande porte que são, os golfinhos comem entre 10 a 20kg de presas por dia, estes mamíferos marinhos só se encontram em águas abastadas de vida marinha. O rio Sado tem hoje o estuário mais rico do nosso país, para o qual contribuem os

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A

P

úrpurea era uma das golfinhas mais lindas da população de roazes do Sado.

autora agradece o apoio e o carinho dos

arqueólogos do Departamento de

Arqueologia da Câmara Municipal de

Alcácer, a Lucas Cervera por ter feito a ponte com os arqueólogos da sua Universidade em Cadiz, o professor Dario Casasola e em par cular, o grande apoio da arqueóloga Elena Moreno Pulido.

Purpúrea, a "golfinha" fêmea que veio morrer a Salacia

Era esbelta, nha a tez cinzento muito claro e um olhar rasgado. Se fosse uma ninfa, imagino que teria cabelo ruivo rebelde, pele cor de leite, sardenta e selvagem. Imagino também porque Purpúrea foi morrer junto a Alcácer, já que os golfinhos têm uma ligação muito especial com Salacia. Conta a lenda que Salacia foi a ninfa que Neptuno escolheu para casar. Mas essa não era a sua vontade. Salacia revoltou-se e escondeu-se no mar. Então Neptuno, como era o Rei dos mares, enviou todos os animais marinhos à sua procura. Um após outro, todos chegavam das suas buscas sem a encontrar. Apenas os golfinhos, com os seus cantos melodiosos, conseguiram convence-la e leva-la a esposar Neptuno. E é por isso que eu imagino que Purpúrea voltou a Salacia. Talvez ela fosse descendente dos golfinhos que prestavam vassalagem a Salacia. Talvez Purpurea quisesse deixar junto da ermida fundadora da cidade, a oferta do seu corpo e da semente que estava dentro de si. Purpúrea morreu grávida, nha no seu ventre um feto em desenvolvimento. Tinha que vos contar esta história. Para que também vocês sejam guardiãos da rota de Salacia. Para pedir-vos que façam o que podem no vosso dia a dia, para que um dia o estuário recupere a sua riqueza marinha e os golfinhos destas moedas possam voltar a ter vida em frente a Alcácer.

Imagem de Salacia, ruínas de Herculano (Itália)

Literatura referida: Moreno Pulido, E. 2011. Representaciones zoomórficas en la moneda an gua del Círculo del Estrecho. In: Los animales en la historia y en la cultura. Editores: Arturo Morgado García e José Joaquín Rodríguez Moreno. Universidade de cadiz. Páginas 69- 80. Serrano, B.M. 2010. Apuntes sobre la iconogra a de las monedasde *Beuipo-(Salacia) (Alcácer do Sal, Setúbal). Universidade de Málaga. In: Lucius Cornelius Bocchus Escritor Lusitano da Idade de Prata da Literatura La na. Editores: João Luís Cardoso e Mar n Almagro-Gorbea. Colóquio Internacional de Tróia.

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA EXPOSIÇÃO “TABERNAS DO SUL”

R

ealizou-se no passado dia 5 de Setembro de 2014 na Biblioteca Municipal de Alcácer do Sal a exposição de fotografia a preto e branco, pertença da Câmara Municipal de Beja “Tabernas do Sul” de João Galamba de Oliveira. Composta por 10 fotografias e recriando o espirito da taberna com materiais etnográficos cedidos por alguns sócios e amigos da ADPA, esta exposição retrata a tradição vinícola do Alentejo, pátria das tabernas, o convívio depois de mais um dia de trabalho, um copo de vinho, um pedaço de pão, linguiça e queijo e uma moda a deliciar o ouvido. Esta inicia va foi promovida pela ADPA- associação de defesa do património cultural de Alcácer do Sal em colaboração com a camara municipal e esteve patente ao público até 26 de Setembro, e contou com a actuação do grupo feminino cantares do Xarrama.

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA mensagem para não cair em saco roto tinha que se

Testemunhos da prá ca da Bruxaria em Alcácer do Sal, no reinado de D. João V: As irmãs Salemas e os Azulejos da Igreja de San ago

servir de um conteúdo mais concreto que o crente pudesse entender. Era essa a função dos programas iconográficos que preenchiam o interior dos templos cristão, num aparente horror ao vazio e fazendo uso de uma didática mensagem de

António Rafael Carvalho1

ensinamento. Face ao exposto, que importância terá tido a

Introdução

representação iconográfica do demónio a tentar o

U

ma igreja, dentro de um variado leque de

apóstolo Santiago, tal como nos chegou até hoje em

interpretações, pode em larga medida

alguns azulejos existentes no interior desta igreja

ser compreendida como o espaço em

alcacerense?

que se manifesta Deus. Nesse espaço sagrado, o

2 Antes de podermos responder a esta

crente com a ajuda e orientação espiritual de um

questão, achamos oportuno determinar se a prática

sacerdote sente que está em comunhão com o sagrado. O seu interior possui uma linguagem

da bruxaria seria usual em Alcácer do Sal? Estamos perante um tema sensível que

arquitetónica e iconográfica concebida em

rosava a intimidade de cada um e que possuía uma

contextos culturais diferenciados, mas com um fio

carga de ilegalidade e heresia que convidava a

condutor, que em última análise convida o crente a

quem a praticasse mantivesse essas práticas na

antever o “Mistério da Vida” e a rezar para o seu

obscuridade e na calada da noite. Quem fosse

projeto pessoal de salvação, perante um sociedade

descoberto e não fosse pessoa de cor, tinha a certeza

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envolvente que insiste em se manter distante, fria,

de que o seu fim seria o castigo e devassa pública.

seguindo orientações macro económicas e politicas

Em casos julgados mais sérios, culminava a sua

que nos agridem, nestes dias complicados que

purificação pelo fogo da Inquisição, que no caso de

temos pela frente. A riqueza iconográfica que cada um de nós

Alcácer como vila inserida na jurisdição do Tribunal da Inquisição de Lisboa, essa sentença era

testemunha nas paredes laterias de cada templo

executada e consumada no Terreiro do Paço, em

tinha uma função que remonta á Idade Média.

Lisboa.

Nesse tempo, numa sociedade fortemente desigualitária, em que a maior parte da população

Fig 1 – Uma

servia para trabalhar, pagar impostos e servir de

representação de

carne para canhão, segundo orientações politicas

um Auto de Fé no

que não compreendia ou desconhecia, poucos

Terreiro do Paço,

tinham o privilégio de ir para a escola. Face a uma

Lisboa, em meados do século XVII

massa analfabeta de tementes a Deus, a sua

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA englobando a Corte Real, alguns Conventos e a Vila de Alcácer do Sal. De todos os intervenientes acusados da prática da bruxaria, ou que buscavam soluções nessas práticas, só uma pessoa conseguiu fugir para Espanha, como iremos ver. Apesar de ter sido resolvido com bastante descrição pelo rei D. João V, foi posteriormente comentado e objecto de relato em alguns estudos.4 Por questão de metodologia, decidimos transcrever na íntegra um desses relatos. O seu autor foi o Vigário da Cartuxa D. Bernardo de Santa Maria. O texto que utilizamos 5 foi publicado em 1849: 213 a 218. Pelo seu interesse, decidimos transcreve-lo na totalidade, dado que só assim podemos entender o que efetivamente terá acontecido à 291 anos atrás, nesse 6 remonto ano do século XVIII:

Face ao exposto, tendo em conta a documentação a que tivemos acesso, estamos convictos de que terão existido vários tipos de bruxaria que seriam praticadas no Termo de Alcácer do Sal. Um deles, de âmbito mais restrito em termos raciais, era usado no seio da comunidade escrava que vivia ao longo da Ribeira do Sado. A outra, de carater mais urbano era exercido às escondidas na vila e a ela socorriam as elites alcacerenses, em busca de soluções nada canónicas para problemas de saúde, amores, políticos ou financeiros. É nesta tipologia de bruxaria que podemos enquadrar as práticas das irmãs Salemas. Passamos pois ao testemunho documental que selecionamos para este trabalho. 1 Membro da ADPA. Gabinete de Arqueologia, Património e Museus do Município de Alcácer do Sal. [email protected] 2 Não temos a pretensão de poder responder a esta questão. O presente contributo deve ser entendido como uma janela de investigação, no qual apontamos uma hipótese de trabalho. Nela defendemos que este episódio de bruxaria terá tido a sua influência na escolha dos motivos iconográficos executados por encomenda para a igreja de santiago. De notar que este templo começa a funcionar nessa altura como sede da freguesia urbana de Santiago de Alcácer, polo central de todos os crentes, que nasciam, que se casavam e que morriam. 3 Os agentes da Inquisição tinham conhecimento de que a magia negra era praticada pelos escravos que vinham ou eram descendentes das levas que tinham sido capturadas em Africa. Contudo alicerçado numa normativa onde poderemos detetar tiques de racismo e de superioridade moral, essas práticas eram consideradas de mal menor e coisas de batuques, sempre subalternas ao poder da fé em cristo. As pessoas de cor, escravas ou não, só eram perseguidos pela Inquisição quando essa magia era colocada ao serviço de pessoas cristãs inseridas nas elites da época.

“Documento 8º. Additamento à = Vida e Feitos do Padre Bartholomeu Lourenço de Gusmão = Diabrura em forma, em que se descobrio quererem dar feitiços a ELRei D. João V, como se vê do mesmo papel; o qual caso se descobrio em Setembro de 1724 4 Entre outros ver; - Actas das sessões da Academia Real das Sciencias (1849), Tomo I, DANTAS, Júlio (1917) O Amor em Portugal no século XVIII. e TAUNAY, Afonso de Escragnolle (1942) Bartolomeu de Gusmão, Inventor do Aeróstato: A vida e a obra. Página 355 e seguintes

Segundo relato escrito pelo Vigário da Cartuxa D. Bernardo de Santa Maria. O documento foi transcrito décadas mais tarde, em 1797, por Fr. Vicente Salgado, ex-Geral e Chronista da Congregação da Terceira Ordem neste Convento de Nossa Senhora de Jesus de Lisboa, que os publicou nas Actas das Sessões da Real Academia das Sciencias, em 1849.

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O Relato dos Acontecimentos

O

episódio de feitiçaria que selecionamos para este estudo aconteceu em 1724 e desenrolou-se por um espaço geográfico que se estendeu desde Lisboa até Alcácer do Sal,

6Sempre fiel á versão publicada no século XIX, procuramos sempre que possível atualizar o português, para tornar a sua leitura mais inteligível.

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E

ra Juiz de Fóra d´Aldeiagallega7Jeronimo

causa para se desunirem; até que a mulher, a muitos rogos do juiz, pedindo no caso muito segredo, disse: que aquela jornada se fazia para consultar duas célebres feiticeiras, que havia em Alcácer do Sal, chamadas as salemas, mulheres pardas, e o negócio todo era enfeitiçarem a El rei para que deixasse D. Paula de Odivelas, permitisse, que a amiga do Infante D. Francisco fosse ao mesmo Convento, aonde a não deixavam ir; e tomasse amores com uma Freira, ou Secular (que nisto não estou certo), que era irmã de outra com quem tratava o grande Padre Bartolomeu 8 Lourenço; e que dizendo as mulatas que para esta boa obra erão necessárias algumas coisas que houvessem tido com o corpo de El rei contato físico, voltarão as companheiras a explicar-lhe o seu interesse, e descobrir-lhe para os seus intentos melhor via, que poderia declarar, se fosse bem aceito o seu projeto, pedindo juntamente um sumo segredo, necessário à importância da matéria. Partiu a mulher para Lisboa, e logo depois, em

de cetem, filho do Desembargador João de Cetem, aposentado na Relação do Porto. Nas vizinhanças desta Vila havia uma quinta de certa mulher, que algumas vezes escrevia ao Juiz de Fóra sobre dependências do fabrico dela. Passou esta mulher, no mês de setembro do referido ano, áquela vila em companhia de outras quatro, e de um homem, e vendo-as o Juiz de Fóra, que bem conhecia a sua vida folgazona, convidou-as a jantar em sua casa, cumprimento, que aceitarão de boa mente; e no entanto que a mesa se preparava, fazendo-lhe novidade aquela comitiva, quis saber a causa da jornada. Disseram-lhe que aquela menina, apontando para uma que era mais bizarra, e mais moça, estava em resolução de ser freira, e passava a Setúbal a ver o convento, e se lhe não agradasse, passaria a Alcácer do sal, onde havia outro em que se podia recolher; para o que pedirão ao juiz de Fora lhes mandasse embarcar três seges; e depois de jantar se embarcarão nelas, e forão seguindo a sua derrota, ficando com ele de voltarem à mesma Vila de Aldeiagalega, passados três, ou quatro dias. Não vierão, e quando o juiz de Fóra já

outro barco, o Juiz de Fóra, e como não tinha logo ádito para falar a El Rei, e a matéria pedia toda a presa, buscou João Marques Bacalhau, que tinha a entrada mais franca, e deu-lhe parte do negócio:

reparava na tardança, por se terem passado mais

ficou o homem aturdido, e segurando-se de tudo

de oito dias, soube que estava na quinta a dita

quanto o Juiz de Fóra referira, foi ao Paço, donde

fulana, de que tinha conhecimento; buscou-a, e

veio pelas onze horas da noite, e achou em casa o

perguntando-lhe pelas companheiras, e pela

Ministro esperando, mas já com outras notícias;

novidade de a ver naquele sitio, quando a supunha

porque no meio tempo que o Bacalhau se demorou

em outra parte: disse que as companheiras tinham

no paço, foi o Juiz de Fóra a casa da mulher que

passado para lisboa pela estrada de coina, e que

descobrira a diabrura, fingindo o não deixava

ela por se não querer meter em embrulhadas, se

descansar o cuidado de saber se poderia ter lugar o

tinha apartado delas. Cresceu a curiosidade no

seu adiantamento, e soube dela, que no dia antes

Ministro, e foi investigando a matéria que fora

dela partir da sua quinta, tinham passado as

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA as mulheres para Alcácer.

Passarão a Setúbal, e no caminho disse o Bacalhau ao Juiz de Fóra, que se o Clérigo era o Padre

Atual cidade do Montijo 8 Tratava-se do padre Bartolomeu de Gusmão que no século XVIII recebeu a alcunha do Voador, por ter inventado um, método para voar, o que na altura provocou escândalo e motivou a perseguição da Inquisição. 7

Bartolomeu Lourenço, haveria novidade grande. Deram parte do caso ao Juiz de Fóra de Setúbal, que era o meu amigo Diogo Cotrim, que já estava despachado para o Porto; e havendo noticia que as

Como o negócio tinha mudado de sistema,

mulheres passarão já desacompanhadas do

voltou logo o Bacalhau ao paço, e determinou el

Clérigo, deu ordem ao juiz de Fóra para se

rei, que pelas seis horas da manhã do outro dia se

registarem os barcos que viessem de Alcácer, e foi

achasse em casa do Cardial da Cunha o bacalhau,

acompanhando na diligência aos dois Ministros.

e o juiz de Fóra. Quando foram, mandou-os entrar

Chegando à Vila deram parte ao Juiz de Fóra,

o Cardial para a Casa do Conselho Geral, onde já

também meu amigo, Valério Galvão de Quadros, e

estava Nuno da Silva Teles, que disse ao Juiz de

logo souberam, que as mulheres estavam na terra.

Fóra, que como ele sabia inquirir testemunhas, era

Prenderam-se, e o homem que as acompanhava, e

o melhor diretor para o próprio depoimento: depôs

também as duas salemas feiticeiras, sem saberem

todo o facto que tenho narrado, e dali mesmo foi

umas das outras, e assim mesmo foram levadas

mandado o bacalhau buscar a mulher que

para casa de Familiares, quem se recomendou as

descobrira o enredo, a qual contestando

não deixassem falar a pessoa alguma. Perguntada

inteiramente com o Juiz de Fora, foi mandada a sua

a principal do rancho pelo Clérigo companheiro,

casa, que era nas varandas do Terreiro do Paço; e

disse que era o Padre Bartolomeu Lourenço, e

aos dois Ministros se passarão ordens pelo Santo

buscada se lhe achou ao peito um escritinho com

Oficio para serem presas as mulheres. Deu também El rei todas as ordens para que

caracteres imperceptiveis, e á outra uma chavinha de prata em um cordão encarnado, que dizia era de

as mulheres se buscassem pelos referidos

um escritoriozinho que tinha em Lisboa; mas

Ministros, até à raia de Castela, ordenando a todos

buscando-se o fato, achou-se em uma condeça um

os Governadores, e Justiças, obedecessem aos dois

cadeado em que se servia a tal chave, e abrindo-a

Ministros, tudo por Decretos firmados do seu

com curiosidade, pelo recato com que se guardava

punho; e mandou entregar-lhe oitenta moedas, e

a chavinha, preza a tiracol no forro do vestido,

que partissem logo em um Escaler da Ribeira, que

acharam-se dentro peitos de perdizes, e de galinhas

estava pronto.

abocanhadas, bocados de marmelada meio

Chegarão a Coina, e tirando […], se

comidos, uma atadura e almofadinha com sangue,

passarão por ali três mulheres, vierão a saber por

quarenta moedas em ouro, e muitas boas joias, que

um Comissário do Santo Oficio, que umas

serão para dar ás salemas, e no fundo de um

mulheres tinham ali chegado, porém que vinha um

alforge um caco com esterco humano já seco. Chegarão ao Santo Ofício uma quarta-feira

Clérigo na sua companhia.

12

Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA pelo meio dia, e passando-se logo ordem para ser prezo o Padre Bartolomeu, pelas duas horas da tarde fugiu, mas depois foi prezo, e não há muitos tempos que morreu: e mandando-se, quando ele desapareceu, fazer sequestro a sua casa, pelo Bacalhau, achou, entre os poucos trastes, que tinha, aberto sobre uma mesa, e cotada em varias partes, o Alcorão de Maomé. E s t a s m u l h e re s f o r ã o c a s t i g a d a s particularmente, e duas mulatas mais que vierão de Odivelas, uma das quais está servindo hoje a quem devia ter dela todo o aborrecimento. Tudo isto me contou na Hopedaria deste Convento o mesmo Minsitro Jeronimo de Cetem, que merecendo por este singular um adiantamento de suma distinção, lhe pagarão só com a Correição de Viana, e hoje se acha sem servir. Em 30 de Julho de 1736. É esta notícia dada e escrita pelo Vigário da Cartuxa D. Bernardo de Santa Maria. Todos estes papeis forão copiados de um livro antigo escrito naquele tempo, por isso leva algumas letras dobradas, quando são longas, e os acabei de copiar hoje 21 de setembro de 1797 = Fr. Vicente Salgado, ex-Geral e Chronista da congregação de Terceira Ordem neste Convento de Nossa senhora de Jesus de Lisboa = Fr. Vicente Salgado.

Quem eram as bruxas Salemas e que pos de fei çaria pra cavam?

A

s práticas de feitiçaria de uma determinada região são reflexos da sua evolução histórica. Alcácer sempre se

caraterizou por ser um território de chegada e de partida, de ideias e de crenças. A presença de escravos de origem africana, documentado desde meados do século XVI é outro elemento documental a ter em conta quando se analisa esta questão, se o tema de investigação incidir no Período Moderno. Não nos podemos esquecer que a escravatura como instituição inserida numa sociedade de produção pré-Industrial tem um dos seus expoentes máximos durante o Período Romano, cuja expressão no território alcacerense é fortíssima. É certo que o Cristianismo vai-se impondo no decurso da Antiguidade Tardia e que o Islão que chega no século VIII, pouco contributo irá fazer para abolir a escravatura, dado que essa desigualdade era entendida como um desígnio insondado da vontade de Deus. Seja como for, com altos e baixos, a prática da escravatura em Alcácer, em larga escala, que remontar à conquista romana de meados do século II antes de Cristo, só será oficialmente abolida no século XVIII, mas tornando-se irreversível no século XIX. Quanto às irmãs Salemas, sabemos que á altura dos acontecimentos, viviam em Alcácer, onde ao espirito da época, exerciam a sua atividade ilegal no ramo da magia. As fontes testemunham que existia

Gravura da passarola inventada pelo Padre Bartolomeu de

uma ligação entre elas e o Padre Bartolomeu de

Gusmão, que nha uma ligação forte com as irmãs Salemas que

Gusmão, em moldes que desconhecemos. Um dos

viviam em Alcácer do Sal

autores consultados, Bordalo, escreveu no

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA no século XIX para a revista Panorama, uma

próxima de 1714. Estas para sobreviverem

história muito romanceada sobre este padre e as

passaram a trabalhar no ramo da bruxaria,

irmãs Salemas cuja veracidade histórica não

servindo-se para isso com a fama de mágico e

podemos até este momento confirmar ou refutar. O

feiticeiro que o padre Bartolomeu tinha entre o

referido texto deve ser lido com reservas se o

povo de Alcácer a tal ponto que em dada altura a

objetivo for a verdade histórica, contudo pelo

população pensou em deitar fogo á casa aonde

aspeto pitoresco que a história tem, passamos a

viviam as duas bruxas. Segundo o referido Bordalo,

citar com as devidas ressalvas. Segundo Bordalo, as irmãs Salemas tinham

as Salemas eram muito instruídas para a época e tinham fama de sábias graças aos ensinamentos que

nascido no Brasil na cidade de Santos, recebendo

tinham recebido do padre Bartolomeu, falando

uma delas o nome de Aurélia e a outra de Tomásia.

sempre que podiam de astronomia e davam

O apelido Salema veio do primeiro senhor que

concelhos sobre as melhores praticas para a agricultura. Com o passar do tempo enveredaram

tiveram. Por peripécias que o autor não explica, as

para a medicina popular, sendo reconhecido que

duas irmãs vieram a ficar prisioneiras em Argel dos

tinham mais sucesso a curar pessoas que os

corsários, ficando aí a viver como escravas.

médicos da vila. Para evitar problemas com as

Posteriormente embarcadas num barco corsário,

autoridades e com a Inquisição, as pessoas

onde uma delas vai ser violada, o referido barco vai

começavam a consultar as Salemas às escondidas e

ser apressado pela armada da Ordem de Malta e

a horas mortas da noite. Contudo a sua fama já tinha

conduzido a essa ilha, pelo que libertas, as irmãs Salemas ficam a viver na ilha em situação que o

chegado a Lisboa, como tivemos ocasião de ver. Para concluir este ponto e de forma a

autor não nos elucida. A sua adoção pelo padre Bartolomeu só

estabelecer uma hipotética ponte entre elas e o rei D. João V, importa referir que este era

aconteceu quando este efetuou uma viagem de

profundamente religioso, tendo mandado construir

balão desde a serra da Arrábida até ao mar das

o Convento de Mafra e que um dos passatempos

Baleares, sendo salvo por pouco por um barco em

que tinha, consistia em acompanhar de perto a ação

trânsito para Malta. Aí Bartolomeu sentindo pena

da Inquisição na repressão das heresias, assistindo

das duas irmãs Salemas as adota com o

ao longo do seu reinado a um total de 28 Autos-de-

consentimento da Ordem de Malta, ficando a viver

Fé Públicos. Temos testemunhos de que estando o rei

na ilha por algum tempo. A sua vinda para Portugal acontecerá após a

doente, preste a fazer uma sangria, insistiu mesmo

ocorrência de problemas familiares, indo-se

assim a estar presente na assistência de um Auto-

refugiar para a casa e quinta que tinha em Alcácer

de-Fé. Face ao exposto é provável que o episódio

do Sal. Quando voltou a sair do reino por causa da

ocorrido em Alcácer lhe tenha deixado marcas no

perseguição que a Inquisição lhe fazia, cedeu a sua

foro intimo, que naturalmente as fontes pouco ou

propriedade alcacerense às irmãs Salemas, em data

nada dizem.

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA Durante décadas, tínhamos assistido na produção historiográfica alcacerense que esta igreja teria sido uma obra de raiz de D. João V. Em 2006 provamos que não seria assim, contudo ainda não possuímos elementos seguros referentes á sua fundação. Sabemos contudo que já existiria algures em meados do século XVII, antes de assumir a sede da Paroquia Urbana de Santiago. Face aos novos dados, nomeadamente à questão das bruxas Salemas e aos painéis de azulejos com alusões ao demónio no interior da igreja, admitimos que a razão que está por detrás do arrojado programa arquitectónico Joanino desta igreja Paroquial, onde sobressai a imponência da sua fachada sobranceira ao rio, seja a resposta que o soberano quis perpetuar na paisagem urbana de Alcácer, que deveria ser lida como um farol a avisar que na urbe alcacerense o vencedor “ad eterno” é Cristo Ressuscitado, perante um espaço rural que insiste em se manter distante em termos espirituais cristãos, emerso em práticas pontuais e clandestinas de magia.

Face ao exposto é provável que a representação de demónios nos painéis de azulejos da igreja de Santiago de Alcácer que identificamos à pouco tempo, tenha servido como mensagem profilática de que perante a luta entre o bem e o mal, quem triunfa é sempre o Deus, procurando deste modo passar uma mensagem que fosse interiorizada pela população alcacerense para que esta não tivesse duvidas. Se bem que especulativo, ficamos com a sensação que a prática da magia estaria bastante enraizada pela população, especialmente aquela que habitava em âmbito rural ou estivesse mais próxima da comunidade escrava de origem africana.

A Igreja de San ago

A

totalidade dos investigadores que se tem debruçado sobre a história deste imóvel religioso, sugerem que a razão que está

por detrás do seu novo programa arquitetónico terse–á prendido com a vontade do rei D. João V em construir uma igreja à sua imagem, dando deste

Os Painéis de Azulejos

modo dignidade à cidade que tinha servido de primeira sede do ramo português da Ordem de Santiago, pouco depois da conquista cristã de 1217. A segunda razão apontada teria a ver com a necessidade de albergar o número crescente de fiéis desta freguesia, que já não tinham espaço adequado na antiga ermida de Santiago, dado que esta igreja tinha assumido anos antes a sede da paróquia com o mesmo nome, em substituição da antiga sede na igreja de Nossa Senhora da Consolação que em virtude da nova geografia eclesiástica alcacerense vai ser anexada á freguesia de Nossa Senhora do Castelo.

Interior da Igreja de San ago de Alcácer do Sal. A meia altura, num painel de azulejos, é visível a representação de uma cena com três demónios a tentarem um homem santo.

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA

Painel de azulejo do lado direito, mostrando um dos diabos

Pormenor do referido painel, no seio da vida do apóstolo San ago.

arrependido.

Bibliografia BORDALO, F. M. (1855) – O Voador, Parte II. In, O Panorama: Semanario de Litteratura e instrução, Vol. 12, Lisboa, p. 293-294. DANTAS, Júlio (1917) - O Amor em Portugal no século XVIII TAUNAY, Afonso de Escragnolle (1942) Bartolomeu de Gusmão, Inventor do Aeróstato: A vida e a obra. SALGADO, Fr. Vicente (1849) – Additamento à = Vida e Feitos do Padre Bartholomeu Lourenço de Gusmão = Diabrura em forma, em que se descobrio quererem dar feitiços a ELRei D. João V, como se vê do mesmo papel; o qual caso se descobrio em Setembro de 1724. In, Actas das Sessões da Real Academia das Sciencias, Tomo I, Lisboa, p. 214-218 Imagem do exorcismo do diabo, fazendo-se o sinal da cruz. Porta de acesso ao Coro-alto e ao sino.

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA Passeio cultural a Lisboa e Sesimbra

A

ADPA realizou no dia 1 de Março de 2015, um passeio cultural a Lisboa e Sesimbra, iniciando a nossa visita pelas 11h00 ao Museu Nacional de Arqueologia com visita guiada acompanhada por uma técnica credenciada, onde visitamos a exposição “O TEMPO RESGATADO AO MAR”. Esta exposição deu-nos a conhecer a história da arqueologia náu ca e subaquá ca em Portugal nos úl mos anos, incluída no programa do 120º aniversário da fundação do Museu Nacional em 1893.

Depois de um demorado almoço em Sesimbra visitamos o Castelo acompanhado por um técnico da câmara municipal de Sesimbra onde se destacou a igreja da nossa senhora da consolação, a alcáçova, a torre de menagem, a torre poente e a casa da vereação onde se encontra um pequeno mas muito interessante núcleo interpreta vo. Finalizamos a nossa visita com um passeio ao Cabo Espichel onde disfrutamos da sua beleza natural.

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA O EROTISMO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA

Comuns também eram as festas dedicadas a Baco (deus romano) ou Dionísio (deus grego), inspiradas na loucura, no álcool e no êxtase. Homens e mulheres bebiam sem medida e entregavam-se aos prazeres da carne. Curiosamente, apenas na época romana foi aceite relações nestas festas de homens com homens.

Rita Balona*

D

esde muito cedo que o ero smo, a nudez e a sexualidade estão vincados na história da Humanidade. Desde das estatuetas “vénus” da pré-história, passando pelos “bacanais” do mundo romano até ao tempo do “fruto proibido” da Idade Média, o ero smo marcou o quo diano, as artes, a literatura e a mentalidade das várias civilizações. Mas é no mundo Greco-Romano que o ero smo ganha uma maior importância e que se revela de forma explícita a vários níveis, principalmente na decoração de objectos de uso quo diano e em pinturas murais. A sexualidade na An guidade clássica está repleta de curiosidades e de regras muito dis ntas das do “novo mundo moderno”, como veremos de seguida. O ero smo greco-romano estava fortemente ligado à sua mitologia e era bastante comum cultos e festas dedicadas aos deuses. Um desses cultos era o “Culto à Virgindade”, dedicado à deusa Artemisa. Dizia-se que a perda da virgindade das mulheres era vista como uma morte lenta, logo a mulher nha de se manter virgem até ao casamento.

A homossexualidade nesta altura não era objecto de escândalos, pelo contrário, era bastante aceite na sociedade. Por exemplo, Caio Júlio César era conhecido por ser "esposa de todos os homens e marido de todas as mulheres". As relações entre homens e jovens adolescentes eram conhecidas por “pederas a” e surgiu como uma tradição aristocrá ca, educa va e de formação moral. Os gregos valorizavam a homossexualidade como um elemento cultural fundamental. A “pederas a” era o que denominava o sexo entre jovens de 15 aos 18 anos com um adulto com mais de 30 anos. A homossexualidade masculina foi também uma chave essencial no entretenimento das tropas e legionários. Os gregos admiravam a beleza, tanto das mulheres como dos homens, mas a destes era a mais venerada. Um corpo bem definido de um jovem era considerado algo muito perto da “perfeição”, tanto que o sexo e o amor entre homens eram vistos como algo excepcional enquanto o contacto heterossexual estava focado na procriação. A declaração homossexual era popular tanto nos homens como nas mulheres. O termo “Lesbianismo” surgiu do nome de uma ilha situada no mar Egeu chamada Lesbos. Nela vivia a poe sa Safo que escrevia sobre a sua admiração, atracção e amor platónico pelas mulheres que eram suas alunas. Falava também nas relações e rituais eró cos entre as mulheres da ilha. Mas pouco se sabe acerca da relação homossexual entre mulheres mas sabe-se que ela exis a, pois muitos são os registos ar s cos com mulheres em ambientes eró cos. Exis a também uma lei que dizia que os homens podiam ter relações fora do casamento, tanto com homens como com mulheres mas o mesmo não era permi do ás mulheres, que apenas poderiam ser infiéis ao marido com outras mulheres.

Vaso grego com motivo erótico – necrópole Sr. Dos Mártires, Alcácer do Sal

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA Muito pra cada era então a Pros tuição, uma ac vidade vulgar e muito exercida nas grandes cidades. Era aceite por todos os níveis sociais, tendo até um papel muito importante no crescimento económico de algumas cidades. Exis am vários pos de pros tutas: as “pornai”, as independentes, as “heteras” e as sagradas. Enquanto as “pornai” nham de pagar impostos e trabalhavam com proxenetas, as heteras e independentes nham direito à educação e sabiam falar de vários temas. Maquilhavam-se e ves am-se com roupa de qualidade e administravam os seus bens sozinhas. “…temos as heteras para o prazer, as criadas para sa sfazer as nossas necessidades corporais e as esposas para nos darem filhos…” A pros tuição masculina também exis a, des nada à clientela feminina, mas rapidamente se tornou maioritariamente numa ac vidade homossexual. A clientela mais popular eram homens adultos que procuravam jovens adolescentes para saciar os seus desejos. Os pros tutos eram jovens, fisicamente habilitados que com o aparecimento da barba se tornavam ac vos nestas prá cas sexuais.

BILBLIOGRAFIA REVISTA HISTORIA, “Ero smo ao sabor dos tempos”, nº 66,2004, série III. MCGINN, Thomas A. J., “THE ECONOMY OF PROSTITUTION IN THE ROMAN WORLD”, 2007, The University of Michigan Press. BLANSHARD, Alastair J. L., “Sex Vice and Love from An quity to Modernity”, 2010, Wiley-Blackwell.

* Membro ADPA, Arqueóloga do Gabinete de Arqueologia da CMAS.

Apoio Câmara Municipal de Alcácer do Sal

Conjunto de lucernas romanas com mo vos eró cos – colecção Alcácer do Sal Tão interessante como a mentalidade eró ca desta civilização, são os registos que nos deixaram na arte e literatura. Alcácer do Sal, an ga Salacia, não foi excepção e possui alguns objectos de carácter eró co que nos deixa memórias desses tempos em que “..o sexo seduzia os mortais e os imortais..”

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA HOMENAGEM AO CANTE ALENTEJANO

N

o dia 25 de Abril a ADPA, com o apoio da

Câmara Municipal de Alcácer do Sal

promoveu um evento dedicado ao Cante

Alentejano. Tratando-se de uma a vidade premiada pela UNESCO como património imaterial da Humanidade, a ADPA achou mais que merecido homenagear estes homens e mulheres que dão a voz por uma cultura tão especial do Alentejo. Foram convidados três grupos de cantares que alegraram a cidade durante a manhã e que culminou com um espetáculo no Largo dos Açougues. Os grupos convidados foram os “Mineiros de Aljustrel”, “os Rurais” de Figueira dos Cavaleiros (Ferreira do Alentejo) e os “Moços d'Aldêa” da Cabeça Gorda (Beja). O dia iniciou-se pelas 9 da manhã no hastear da bandeira junto ao edi cio da Câmara Municipal onde os grupos cantaram uma moda e seguiram pelas ruas da baixa até ao posto de Turismo, onde animaram os comerciantes e os habitantes alcacerenses. Foram á zona do Castelo onde visitaram a Cripta Arqueológica, para conhecerem um pouco da nossa história. Seguiu-se um almoço de convívio na Herdade da Barrosinha e depois um concerto dado por cada grupo no Largo dos Açougues que contou com muita aderência por parte da população. A ADPA marcou a sua presença abrindo o quiosque do largo onde promoveu o evento, a associação, a cidade de Alcácer e expôs e vendeu ar gos ligados ao património. O dia terminou com uma prova de vinhos á “desgarrada” na Herdade da Barrosinha onde os grupos conheceram a adega da Barrosinha e se despediram com muita alegria. A ADPA agradece o apoio da CMAS, da Herdade da Barrosinha e de todos aqueles que ajudaram para que esta inicia va fosse um sucesso. Obrigado a todos!

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA O CANTE ALENTEJANO

O

Cante Alentejano é um género musical tradicional do Alentejo, Portugal. O cante nunca foi a única expressão de música tradicional no Alentejo, sendo aliás mais próprio do Baixo Alentejo que do Alto. O cante alentejano era uma manifestação informal, espontânea que acontecia no campo. Marca um movimento lento, o ritmo, a cadência do trabalho à jorna, nomeadamente das colheitas que mais caracterizavam a agricultura alentejana - a ceifa, a monda e a apanha de azeitona. Na sua origem o cante alentejano era prá ca não só dos homens como das mulheres, ambos trabalhavam no campo, ambos protagonizavam essa prá ca cultural. Com o declínio da economia tradicional agrícola, com a passagem do cante do campo para as tabernas e, a par r dos anos 30, quando se cons tuem os primeiros grupos corais formais, silenciam-se as mulheres que até então desempenhavam um papel tão importante como os homens no cante alentejano. Na sua forma original, as modas nham como temas principais O TRABALHO, A CONTEMPLAÇÃO, A NOSTALGIA, O AMOR e A VIDA. Mais do que reivindicar melhores formas de vida, o cante servia para se purgarem as dificuldades. Com o declínio da economia agrícola e depois da revolução de 1974, os grupos corais introduziram nos seus reportórios novos temas, alguns inspirados nos acontecimentos polí cos da época, mais reivindica vos, não deixando, porém, de cantar as an gas modas do cancioneiro popular. A 27 de Novembro de 2014, durante a reunião do Comité em Paris, a UNESCO considerou o Cante Alentejano como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA Santuário do Senhor dos Már res Revitalizar as festas em honra do Bom Jesus Dar Vida ao monumento

uma capela-mor, ambas abobadadas, a primeira sobre duas nervuras em diagonal, e a segunda em berço quadrado. Um arco de cruzeiro, de duas frentes e com arestas chanfradas, assenta sobre colunas de capitéis lavrados de folhagens de pouco relevo, do po gó co primário. De uma banda e de outra abrem-se na parede arcosolias de arcos igualmente aguçados e biselados. Do lado esquerdo do corpo exis u em tempos uma comunicação para a igreja de que se vêem duas arcadas; do lado direito cava-se o vão de uma janela entaipada. Exteriormente, a cimalha assenta, tanto no corpo como na capela-mor, em modilhões desordenados mas caracterís cos do séc. XII e XIII. Junto à ombreira esquerda da igrejinha dos Már res abre-se a porta que estabelece comunicação para a ”Capela dos Mestres”. O fundador da capela foi o Mestre D. Garcia Peres, em 1233, conforme inscrição existente na capela, comemora va da sua benfeitoria. Esta capela octogonal, é coberta por um belo terraço rebordado de cantaria para onde se sobe por uma escada de caracol cujo fundo foi cortado pela passagem que mais tarde se estabeleceu para a capela. Dizem-nos an gas Visitações que exis a mais na igreja dos Már res, da banda do Evangelho, outra capela abobadada com entrada exclusiva pelo templo, a qual era denominada de “Maria de Resende”. Conserva-se essa capela mandada edificar, no fim do primeiro terço do séc. XV, por Maria Resende, viúva do Comendador de San ago, Diogo Pereira, para nele colocar o monumento sepulcral do seu marido. O portal da Capela Maria de Resende apresenta uma composição perfeita, que lembra a dos arcos das capelas radiantes da charola da Sé de Lisboa. A festa em honra do Bom Jesus dos Már res, vulgarmente conhecida como “Festa dos Malteses”**

João Carlos Faria*† Um breve olhar sobre o Santuário do Senhor dos Már res. Inicialmente uma ermida de romagem foi mais tarde Capela da Ordem de San ago para albergar os restos mortais dos Mestres daquela ordem.

F

ora da urbe, fica o santuário an gamente denominado de Senhor dos Már res. Cons tui um conjunto de construções iniciadas no séc. XIII na altura da reconquista, engrandecidas no séc. XIV, e transformadas desde o séc. XVI em diante. A igreja propriamente dita, compõe-se de um corpo rectangular, prolongado para a nascente por uma capela-mor igualmente rectangular, e para poente por um alpendre quadrado, sobre o qual se estabeleceu o coro por meados do séc. XVI. Das capelas anexas existentes do lado direito, resta somente uma, por sinal o elemento que guarda carácter mais an quado. As capelas mencionadas, como portadas da banda do Evangelho, conservam-se quase integralmente. No santuário central nada relembra a an ga construção. A capela-mor foi modificada no séc. XVIII e enriquecida então como uma tribuna de madeira que fez obliterar o primi vo altar-mor, que entre 1513 e 1514 fora forrado de azulejos. No lugar onde hoje se levanta a torre esteve an gamente, segundo as Visitações de 1513 e 1560, a capela ins tuída e fundada por Mar m Gomes de Leitão. Ainda do lado direito da igreja encontra-se, ni damente separada do corpo central, uma capela que pode talvez iden ficar-se com “a do tesouro”, mencionada na Visitação de D.Jorge. Como um pequeno santuário independente, a capelinha da direita compõe-se de um corpo e de

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA Neste programa, se dá conta que o concerto musical foi abrilhantado pela Filarmónica Progresso Matos Galamba, sendo maestro Alfredo Reis de Carvalho. Como novidade, salienta-se a introdução de quermesse e cervejaria. De igual forma as corridas de burros foram subs tuídas por corridas de bicicletas (circuito de Alcácer com 6 voltas e 3 prémios).Destaque-se também o aparecimento pela primeira vez de cavalhadas com os «melhores cavaleiros da região». Com o decorrer dos tempos a tradição foi desaparecendo perdendo-se na nossa memória os anos em que tal inicia va não se repete. Recordamos, já lá vão mais de uma dezena de anos, uma inicia va conjunta levada a efeito pela então Escola Preparatória de Alcácer do Sal, Câmara Municipal e Irmandade do Senhor dos Már res no sen do de voltar a recuperar esta tradição. A fes vidade foi bem sucedida, correu bem, durou um dia. A ADPA – Associação de Defesa do Património Cultural de Alcácer do Sal, tem neste momento como objec vo principal fazer renascer esta monumental fes vidade trabalhando neste momento em verdadeiro espirito de equipa com a Irmandade do Senhor dos Már res e outras ins tuições locais. Afinal de contas…,trata-se apenas de revitalizar as festas em honra do Bom Jesus dos Már res, dando vida ao monumento.

As festas em honra do Bom Jesus dos Már res, realizavam-se neste local de Alcácer do Sal durante o mês de Setembro, possuindo desde sempre um carácter religioso/profano. O programa mais an go destas festas de que possuímos registo acha-se guardado nos fundos documentais da biblioteca municipal de Alcácer do Sal, datando o mesmo do ano de 1906.Nele se dá conta que nos dias 8,9,10 de Setembro de 1906 Alcácer assis u a um deslumbrante arraial com iluminações à veneziana, fogo de ar ficio, subida de cum aeróstato, tudo isto acompanhado pela distribuição de duas medalhas de mérito (desconhece-se a quem?),rifas de queijadas de Sintra, bazar, corridas de burros e outras surpresas. Neste programa das festas de 1906 faz-se igualmente referência à Filarmónica Amizade Visconde de Alcácer que abrilhantou todas estas fes vidades, sendo regente Caetano Nunes. Analisando pormenorizadamente o programa se constata também que a fes vidade religiosa incluía missa vocal e instrumental sendo a mesma pregada pelo reverendo José Lopes Manso cujos dotes oratórios eram «ansiosamente ouvidos». Seguidamente nha lugar a procissão, arrematação de bandeiras e fogaças. O ul mo dia era essencialmente dedicado às corridas de burros, havendo prémios para os concorrentes que mais «exo camente se apresentavam tanto nos seus vestuários como nos aparelhos dos jumentos». Á medida que o tempo ia passando, o programa, como é natural, sofreu algumas transformações mas basicamente a vertente religiosa/profana não foi alterada. A tulo de exemplo, refira-se que do programa das festas em honra do Bom Jesus dos Már res datado de 1938 (colecção par cular), salvo raras excepções este con nuou seguindo a mesma orientação, havendo igualmente missa, pelo reverendo Mário de Carvalho, procissão, fogo de ar ficio.

*Sócio fundador da ADPA. Mestre em Arqueologia. Conservador de Museus. **Maltês: Individuo vadio. Vagabundo.

Este artigo foi retirado do Boletim “o Neptuno” nº2 de 2004, onde em Setembro de 2005 se realizou pela ultima vez a Festa em Honra do Bom Jesus dos Mártires.

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Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA

CURIOSIDADE… O Anão da Torrinha…

P

ara quem não sabe, exis a um anão no sí o da Torrinha nos anos 50. Chamava-se Isidro Vicente e faleceu em 1959. Quase ninguém se lembra dele mas há quem diga que era o “olheiro” da propriedade. Mais uma curiosidade desta terra cheia de surpresas…

Todos os Artigos publicados no presente boletim são da inteira responsabilidade dos seus autores. 24

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