TEXTO MUSICAL DIALÓGICO: CONTRIBUIÇÕES PARA A CRIAÇÃO MUSICAL AMPLIADAS PELAS LENTES CONCEITUAIS BAKHTINIANAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

CLAUDIO ALVES BENASSI

TEXTO MUSICAL DIALÓGICO: CONTRIBUIÇÕES PARA A CRIAÇÃO MUSICAL AMPLIADAS PELAS LENTES CONCEITUAIS BAKHTINIANAS

CUIABÁ-MT 2014 !

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CLAUDIO ALVES BENASSI

TEXTO MUSICAL DIALÓGICO: CONTRIBUIÇÕES PARA A CRIAÇÃO MUSICAL AMPLIADAS PELAS LENTES CONCEITUAIS BAKHTINIANAS

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea na Área de Concentração Estudos Interdisciplinares de Cultura, Linha de Pesquisa Poéticas Contemporâneas, sob a orientação do Prof. Dr. ROBERTO PINTO VICTORIO

Cuiabá-MT 2014 !

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Dedico este trabalho a minha família; ao meu querido And por ter aguentado minhas chatices durante a realização do mesmo; aos mestres de hoje e sempre, à banca examinadora e ao orientador pela parceria; à pequena grande mestra professora Simone e a família REBAK; à grande amiga, incentivadora e mestra Marília; à amiga e professora Renata Pereira por tantas lições; ao amigo e colaborador Gustavo de Francisco; à amiga e mestra, professora Icléia pelos sempre oportunos “conselhos de gibeira”; à professora Carol Lima pelo seu latim; ao anjo e amigos de luz; à artesã e amiga Adriana Breukink pela construção da minha Eagle; e ao meu companheirinho de escrita Mozart, que esteve durante toda a realização desse trabalho deitado aos meus pés. Enfim, a todos aqueles que de alguma forma me emprestaram sua voz e me constituíram assim, do jeitinho que sou: turrão, cabeça dura, teimoso, estudioso, obstinado, companheiro, amigo e principalmente: um delirante talentoso.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço-me por ser persistente e não ter desistido nas vezes que fracassei. Agradeço-me por ter levantado todas as vezes que caí. Agradeço-me por ter errado e com isso ter aprendido a não cometer os mesmos erros. Agradeço-me por encarar a dor da tendinite, empunhar meu instrumento e tocar. Pois meu som foi consolo e alento quando as lágrimas teimavam em molhar o meu rosto. Agradeço-me por acreditar que era possível voltar a fazer música, mesmo que fosse com a flauta doce. Agradeço-me por ser humilde para reconhecer que não sabia tocar e que era preciso estudar flauta doce com um bom professor. Agradeço-me por ser sonhador e por vislumbrar um futuro com dias melhores. Agradeço-TE por estar do meu lado, me apoiando, me incentivando, me amparando quando já não tenho forças para caminhar. Te amo AND.

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“O discurso musical é uma malha, na qual se entrelaçam os fios sonoros alheios, que simbiotizamos e aplicamos a nossa própria poética, tornando-os alheios-próprios. Esses, com o decorrer do tempo se materializam por meio de experiências conscientes como discurso musical próprio” (VICTÓRIO; BENASSI, 2014). !

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BENASSI, C. A. Texto musical dialógico: contribuições para a criação musical ampliadas pelas lentes conceituais bakhtinianas. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea, Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá: UFMT, 2014

RESUMO

A flauta doce desapareceu do cenário musical e, posteriormente, foi trazida de volta à vida. Difundida por meio da educação, popularizou-se e ganhou status de instrumento profissional. Atualmente, seu uso massivo faz com que seja encarada com preconceito e descrédito. Torna-se necessário ampliar seu repertório de forma que as práticas musicais atuais sejam contempladas. Nessa perspectiva, a presente pesquisa visa colaborar com a ampliação do repertório de música contemporânea de concerto para flauta doce, concebendo uma obra para flauta doce e orquestra, utilizando-se das suas técnicas expandidas e aplicando os conceitos de exotopia, responsabilidade e acabamento do pensador e humanista russo Mikhail Bakhtin. Ao longo dos estudos, um bocal de flauta doce que se adapta ao corpo da flauta transversal foi testado, analisado e documentado em publicação de artigo e neste trabalho. Uma análise foi realizada em obras de minha autoria no intuito de visualizar a aplicação dos conceitos selecionados e sua possível aplicação na concepção musical. A obra Requíem para os pássaros mortos em abril foi concebida sob a ótica dos conceitos de exotopia, responsabilidade e acabamento, tendo como fio condutor o número 9 que, na numerologia Pitagórica, é tido como o número dos iniciados. A obra está estruturada em 9 partes, e utiliza-se da obra literária espírita Pássaros mortos em abril para nomear cada uma delas, o que se configura como um movimento cronoexotópico. A obra busca, ainda, em outras obras importantes, motivos para sua enunciação. Essa rememoração, além de tornar a obra uma reenunciação responsável, por meio da apreensão analítica e apreciação/acabamento, mostra um trânsito de ir ao lugar do outro e o retorno ao lugar do eu único e insubstituível. Conclui-se, então, que o texto musical dialógico Requíem para os pássaros mortos em abril apresenta características exotópicas responsáveis e acabamento analítico/apreciativo em sua concepção. Considera-se um texto dialógico na perspectiva bakhtiniana, pois as vozes do autor-criador; autorhomem, autor-pesquisador e autor pesquisado, constituem um diálogo que traz em seu bojo ainda, as vozes de autores outros. PALAVRAS-CHAVE: Criação musical. Requíem para os pássaros mortos em abril. Exotopia, responsabilidade e acabamento. Flauta doce. Bakhtin.

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BENASSI, C. A. Dialogical musical text: contributions to musical creation magnified by Bakhtinian conceptual lenses. Master’s Thesis. Studies in Contemporary Culture Post-graduate Program, Federal University of Mato Grosso. Cuiaba: UFMT, 2014. ABSTRACT The recorder disappeared from the music scene and, was later, brought back to life. Disseminated through education, it became popular and gained the status of professional instrument. Currently, its massive usage causes its reception to be filled with prejudice and discredit. It is necessary to broaden its repertoire so that the current musical practices are contemplated. In this perspective, this research aims to collaborate to the expansion of the repertoire of contemporary music for recorders, conceiving a piece for recorder and orchestra, using its expanded techniques and applying the concepts of exotopy, responsibility and finishing process of the Russian thinker and humanist Mikhail Bakhtin. Throughout the studies, a mouthpiece of the recorder which fits the body of the flute has been tested, analyzed and documented in an article publication and in this work. An analysis was performed in the works of my own in order to view the application of the selected concepts and their possible application in musical conception. The work Requiem for the birds killed in April was conceived under the perspective of the concepts of exotopy, responsibility and finishing process, having as thread the number 9 that, in Pythagorean numerology, is considered the number of the initiates. The piece is divided into 9 parts, and uses the spiritist literary work Birds killed in April to name each of them, which is configured as a cronoexotopic movement. The piece also takes elements from other important works as a motive for its enunciation. This recollection, besides turning the piece into a responsible re-enunciation, through analytical apprehension and appreciation/finish process, shows a transit of going to the place of the other and returning to the place of the unique and irreplaceable I. Then it is concluded that the dialogical musical text Requiem for the birds killed in April presents characteristics which are exotopical and responsible, and analytical/appreciative finishing process in its conception. It is considered a dialogic text under Bakhtin's perspective, because the voices of the author-creator, author-man, author-researcher and author researched, make up a dialogue that brings with it also, the voices of other authors. KEYWORDS: Musical Creation. Requiem for the birds killed in April. Exotopy, responsibility and finishing process. Recorder. Bakhtin.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1. Fragmento de JCB. Fonte: acervo particular do autor.!..................................!29! Figura 2. Acima motivo hexatônico que dá origem ao quarto movimento de Quatro visões, abaixo escala heptatônica que origina Ladainha de Pachïvà. Fonte: acervo particular o autor.!..................................................................................................................!31! Figura 3. Fragmento do segundo movimento Ladainha de Pachïvà. Microsséries para flauta doce e piano de 2010. Fonte: acervo particular o autor.!............................!32! Figura 4. Fragmento de JCB n.º 02 de 2010. Fonte: acervo particular do autor.!.......!33! Figura 5. Fragmento de QCP. Fonte: acervo particular do autor.!.................................!34! Figura 6. Tabela Pitagórica. Fonte: o autor.!.....................................................................!40! Figura 7. Tabela Caldaica com anexo de símbolos gráficos e fonéticos. Fonte: o autor.!......................................................................................................................................!41! Figura 8. Tetraktys Pitagórica ou Tetragamon. Fonte: http://lucadc.altervista.org/CAAD09/Notes/Voci/2009/6/20_La_tetraktis_di_Pitagora.h tml.!..........................................................................................................................................!42! Figura 9. Cruz Suástica dextrogira. Fonte: http://dc316.4shared.com/img/HfjC06_/preview.html.!.............................................................................................................!44! Figura 10. Tabela para análise das qualidades atribuídas aos números. Fonte: o autor.!......................................................................................................................................!45! Figura 11. Tríade presente no motivo gerador de JCB. Fonte: acervo particular o autor.!......................................................................................................................................!46! Figura 12. Motivos de gênese de Cenizas. Fonte: acervo particular do autor.!...........!47! Figura 13. Motivo gerador de CVB. Fonte: acervo particular do autor.!........................!47! Figura 14. Acima acorde gerador da segunda parte de Metamorphosis. Abaixo a imagem do compasso número 2, onde aparecem 8 motivos sonoros. Fonte: acervo particular do autor.!...............................................................................................................!48! Figura 15. Motivo gerador de MSSA. Fonte: acervo particular do autor.!....................!49! Figura 16. Motivo gerador do primeiro movimento de Pachïva. Fonte: acervo particular do autor.!...............................................................................................................!51! Figura 17. Motivo gerador de JCB n.º 02. Fonte: acervo particular do autor.!............!53! Figura 18. Descrição da flauta. Fonte: o autor.!................................................................!61! Figura 19. Rob du Bois, Muziek. Fonte: O’KELLY (1990). Edição do autor.!..............!66! Figura 20. Jürg Baur, Mutazioni. Fonte: O’KELLY (1990). Edição do autor.!..............!67! Figura 21. Louis Andriessen, Sweet. Fonte: O’KELLY (1990). Edição do autor.!......!68! Figura 22. . Luciano Berio, Gesti. Fonte: acervo particular do autor.!...........................!70! Figura 23. Luciano Berio, Gesti. Fonte: acervo particular do autor.!.............................!70! Figura 24. Acima: flauta Ehlert. Fonte: ! http://www.moeck.com/cms/index.php?id=162&L=7. Abaixo: flauta quadrada de

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Paetzold. Fonte: ! http://www.thomann.de/gb/paetzold_grossbassblockfloete_in_c.htm.!.........................!72! Figura 25. Acima flauta moderna com pé em fá. Ao centro, flauta moderna com pé em mi e, embaixo, flauta harmônica Helder. Fonte: http://www.mollenhauer.com/.!..!73! Figura 26. Flauta de sino (Bells recorders). Fonte: http://www.recorderhomepage.net/history/innovations-in-recorder-design/.!...............!73! Figura 27. Acima: flauta elétrica. Fonte: http://www.flute-a-bec.com/electrgb.html. Abaixo: flauta Elody-flute. Fonte: http://www.mollenhauer.com/.!..................................!74! Figura 28. Flauta de Strathmann. Fonte: http://www.strathmannmusicinstruments.de/gbindex.htm.!....................................................................................!75! Figura 29. Acima, flauta Eagle. Abaixo, flauta barroca e comparativo do formato do furo interno nos modelo Eagle, Ganassi, Moderna e Barroca. Fonte: http://www.eagle-recorder.com/Home.html!......................................................................!76! Figura 30. Quarteto Traumflöte de Adriana Breuking. Fonte: http://www.mollenhauer.com/en/catalogue?page=shop.product_details&product_id=2 51&flypage=flypage.tpl&pop=0.!.........................................................................................!77! Figura 31. Comparativo do volume sonoro da flauta Eagle e da Barroca. Fonte: http://www.eagle-recorder.com/Home.html!......................................................................!80! Figura 32. Da esquerda para a direita: Eagle com pé em mi (2011); Eagle com pé em fá (2009); Eagle “arcaica” e flauta alto barroca (1730). Fonte: http://www.eaglerecorder.com/Home.html.!....................................................................................................!81! Figura 33. Detalhes do chaveamento e lábio da flauta Eagle.: http://www.eaglerecorder.com/Home.html.!....................................................................................................!82! Figura 34. Relação entre a numerologia pitagórica e notas musicais. Fonte: o autor. !................................................................................................................................................!84! Figura 35. Tabela numerólogica para análise cromática da música. Fonte: o autor.!85! Figura 36. Quadrado mágico, que na obra Saturno e a Melancolia é tido como um talismã para atrair a simpatia de Júpiter e o correspondente em música. Fonte: www.espacoastrologico.org e o autor.!..............................................................................!86! Figura 37. Tabela com a relação estabelecida entre cores e a ideia numeral na partitura.!.................................................................................................................................!90! Figura 38. Exemplo da aplicação do sistema de cores na partitura, referenciando ideias numerológicas.!..........................................................................................................!90! Figura 39. Dedilhado para obter variação de dinâmica.!...............................................!167! Figura 40. Dedilhado para obter variação de timbre!.....................................................!167! Figura 41. Dedilhado para obter harmônicos.!................................................................!168! Figura 42. Dedilhado para obter microtons!....................................................................!169! Figura 43. Harmônicos que compõem o multifônico obtido com o dedilhado do Si♭ na flauta contralto.!...................................................................................................................!169!

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SUMÁRIO

! INTRODUÇÃO........................................................................................................... 13 CAPÍTULO 1 .............................................................................................................. 17 À BAILA COM BAKHTIN: UMA APROXIMAÇÃO DA MÚSICA AO PENSAMENTO BAKHTINIANO .......................................................................................................... 17 1.1!Crítica!da!arte!e!estética!geral!e!o!problema!do!conteúdo,!material!e!forma!..................!17! 1.2!Relendo!Bakhtin:!os!conceitos!de!exotopia,!responsabilidade!e!acabamento!.................!23! 1.3!Contribuições!para!a!criação!musical:!o!texto!musical!visto!através!das!lentes!conceituais! bakhtinianas!............................................................................................................................!28! 1.3.1 Exotopia e responsabilidade ..................................................................... 28 1.3.2 Acabamento em música ............................................................................ 35 CAPÍTULO 2 .............................................................................................................. 38 O ARCANO E A ESPIRITUALIDADE: DIALOGANDO COM OS COMPONENTES METAFORÓRICOS E AXIOLÓGICOS QUE CIRCUNDAM O IMAGINÁRIO CRIATIVO .................................................................................................................. 38 2.1!O!arcano!numerológico:!desvendando!os!mistérios!guardados!pelos!números!..............!38! 2.2.!Alguns!exemplos!da!aplicação!da!numerologia!no!processo!de!criação!musical!.............!46! 2.3!A!espiritualidade:!componente!axiológico!presente!na!criação!musical!..........................!50! CAPÍTULO 3 .............................................................................................................. 56 A FLAUTA NA CONTEMPORANEIDADE: DO DIÁLOGO CONVENCIONAL ÀS POÉTICAS CONTEMPORÂNEAS ............................................................................ 56 3.1!A!flauta!e!suas!técnicas!expandidas:!novas!possibilidades!para!a!performance!musical!.!56! 3.1.1 Grupo 1 – dedilhado “não-padrão” ............................................................ 60 3.1.2 Grupo 2 – articulação ................................................................................ 62 3.1.3 Grupo 3 – vibrato ....................................................................................... 63 3.1.4 Grupo 4 – efeitos especiais ....................................................................... 64 3.2!A!música!de!vanguarda!para!flauta!e!a!expansão!do!seu!discurso!musical!......................!64! 3.3!Instrumentos!modernos:!recursos!facilitadores!ou!soluções!mirabolantes!.....................!71! CAPÍTULO 4 .............................................................................................................. 79 A CONCEPÇÃO DE REQUÍEM PARA OS PÁSSAROS MORTOS EM ABRIL: ONDE OS CAMINHOS PERCORRIDOS SE CONFLUEM .................................................. 79 4.1!Instrumentação!e!materiais!sonoros:!a!forma!arquitetônica!............................................!79! 4.1.1 A instrumentação....................................................................................... 79 4.1.2 Os materiais sonoros e o conteúdo ético-cognitivo ................................... 83 4.2!Por!dentro!do!processo!genético:!desdobramentos!composicionais!e!a!arquitetônica!da! obra!.........................................................................................................................................!87! !

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4.2.1 Descrição do processo criacional das 9 partes que compõem o todo da obra Requíem para os pássaros mortos em abril .............................................. 89 Figura 38. Exemplo da aplicação do sistema de cores na partitura, referenciando ideias numerológicas. .................................................................. 90 4.2.1.1 Ventos errantes trazem notícias tristes .................................................. 91 4.2.1.2 Girassóis em lágrimas ou o lamento dos girassóis ................................ 92 4.2.1.3 O carpido da cotovia............................................................................... 94 4.2.1.4 Rubor aquíneo ou águas vermelhas ...................................................... 95 4.2.1.5 Enlutados arbóreos (o luto das árvores) ................................................ 96 4.2.1.6 Rito hodierno - para missa de corpo presente ....................................... 97 4.2.1.7 Salva dos 21 ........................................................................................... 98 4.2.1.8 Rito tardio - para missa de corpo ausente.............................................. 99 4.2.1.9 Homenagens póstumas........................................................................ 100 4.3 Dialogia no texto musical............................................................................ 102 CAPÍTULO 5 ............................................................................................................ 104 REQUÍEM PARA OS PÁSSAROS MORTOS EM ABRIL........................................ 104 5.1 Disposição dos instrumentos no palco ....................................................... 105 5.2 Partitura ...................................................................................................... 105 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 151 Últimas!palavras!....................................................................................................................!159! REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 162 GLOSSÁRIO DE TERMOS DAS TÉCNICAS EXPANDIDAS DA FLAUTA............. 167 ANEXO!–!Psicografia!do!poema!Espírita!Pássaros'mortos'em'abril!......................................!176! !

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INTRODUÇÃO

“Não são as respostas que movem o mundo: são as perguntas”. No mundo acadêmico não é diferente: não se faz pesquisa se não houver uma ou várias perguntas, somos movidos por elas. Ao iniciar-me na pesquisa acadêmica por meio de trabalho de conclusão de curso de graduação, que originou o projeto e, posteriormente, a monografia de minha autoria intitulada “A flauta doce hoje: o instrumento e suas técnicas expandidas no repertório de música contemporânea”, as duas principais perguntas dessa fase inicial da pesquisa foram respondidas. Como respostas, vislumbrei a existência de uma ampla gama de timbres e sonoridades da flauta doce1, obtidas por técnicas expandidas desse instrumento. Ainda, constatei que há amplo repertório internacional de música contemporânea para flauta, com uso efetivo das técnicas expandidas. Enquanto o repertório de música contemporânea brasileira de concerto para flauta é pequeno e pouco se usa as referidas técnicas. Ao defender a ideia inicial, a banca sugeriu que em um momento posterior a pesquisa fosse continuada para que evidenciasse a minha poética e o uso das técnicas expandidas no meu processo de criação musical. No entanto, julgo que não foi esse o evento mais importante na finalização da etapa inicial da pesquisa, mas o surgimento de outra pergunta que motivou a atual fase deste estudo: a flauta pode figurar frente ao grupo instrumental com um número de instrumentos igual ou maior a 10 ou uma orquestra? E ainda, poder-se-ia aplicar na criação musical os conceitos preconizados pelo humanista e pensador russo Mikhail Bakhtin? Norteado por esses questionamentos, a hipótese de trabalho do presente estudo foi definida em torno da aplicação das técnicas expandidas da flauta e dos conceitos de dialogismo, enunciado, ética e estética do humanista e pensador russo Mikhail Bakhtin, na criação de uma nova obra musical para flauta e grupo de câmara. A flauta é um instrumento que, atualmente, segundo a professora Luciane Cuervo (2008, p. 227), não possui credibilidade artística, figurando no cenário musical como um instrumento didático/pedagógico. Segundo a autora seu uso !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1

!Para!não!tornar!o!termo!flauta!doce!ou!flauta!de!bisel,!como!prefiro,!muito!repetitivo!neste!trabalho,!toda! referência!a!este!instrumento!será!feita!apenas!como!flauta.!Os!demais!tipos!de!instrumento!que!também!são! conhecidos! por! essa! nomenclatura! serão! referenciados! com! o! nome! completo.! Ex.:! flauta! transversal,! flauta! Dizi,!etc.!

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maciço na educação musical tem restringido seu uso aos processos de iniciação musical, sendo encarado no meio musical com preconceito e descrédito. Por ter sido difundida pelo mundo através da educação, a flauta, que já possuía o estereótipo de um instrumento, subserviente à melodia lírica, adquire um outro: o de instrumento de iniciação musical. Sendo utilizada de forma equivocada por educadores musicais sem formação adequada, a flauta ficou relegada a simples processos de iniciação musical, com raras exceções (CUERVO, 2008, p. 227), voltando a permear a periferia do universo musical, como fez no passado – a respeito da historicidade da flauta na modernidade, consultar o livro The recorder today, de autoria de Eve O’Kelly e, ainda, The modern recorder player, de autoria de Walter Van Hauwe. Segundo Daniela Carrijo e Betiza Landim (2006), dos 138 compositores pesquisados – em um estudo para ampliação do repertório para a formação flauta e piano –, 28 tinham alguma obra escrita para flauta. Isso porque tiveram algum tipo de envolvimento com a flauta. Os esforços para manter a flauta viva no cenário musical culminaram nas pesquisas que resultaram nos novos procedimentos para se executar o instrumento, evidenciando uma nova gama de timbres e sonoridades que podem ser obtidas no instrumento. Conforme constatado na pesquisa do meu Trabalho de Conclusão do Curso – TCC, o repertório de música contemporânea brasileira para flauta é pequeno, ainda sobressaindo a conservação e prática do repertório antigo. Mesmo com o conservadorismo e o apreço por esse tipo de repertório, a flauta está mais presente nas salas de aulas em projetos de iniciação – como evidencia Cuervo (2008) – do que nas salas de concerto. Essa problemática demanda a realização de um trabalho de ampliação e atualização da prática repertorial do instrumento, uma vez que o repertório antigo não contextualiza as práticas músico-sociais no contemporâneo. Esse trabalho já está sendo realizado. O projeto Duobrasil. Música Erudita Brasileira para piano e flauta tem tido bom êxito ao produzir catálogo, álbum de partituras e CD com músicas inéditas de compositores brasileiros, que são enviadas às universidades públicas brasileiras que têm algum tipo de curso de música. Outro trabalho que merece destaque é o desenvolvido pela professora Luciane Cuervo, cuja pesquisa é intitulada Musicalidade na performance com a flauta doce, com importantes apontamentos a respeito da performance com a flauta. Ainda como performer, realizou a gravação dos CD’s Octoélio e Sonetos, além de ministrar oficinas de formação de conjunto de flauta com repertório contemporâneo.

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Nessa perspectiva, esta pesquisa se propõe a investigar as possibilidades de criação de uma obra musical para flauta e grupo instrumental, utilizando as técnicas expandidas e a numerologia pitagórica, com aporte teórico nos conceitos do humanista e pensador russo Mikhail Bakhtin, no intuito de colaborar para a ampliação e popularização no meio acadêmico das técnicas expandidas desse instrumento. Acredito que, ao instigar a comunidade acadêmica às técnicas expandidas da flauta, à ampliação de seu repertório e ao seu uso na música contemporânea de concerto, esse instrumento poderá recuperar seu status e credibilidade artística, podendo manter-se vivo no cenário musical, pois, como evidenciado acima com a própria história da flauta, um instrumento só existe enquanto é tocado. Após a revisão de literatura, houve uma mudança de foco conceitual. Os conceitos incialmente apresentados foram substituídos pelos conceitos de exotopia, acabamento e responsabilidade do mesmo teórico. Assim sendo, apresentei no primeiro capítulo essa conceituação teórica que norteou a concepção desta obra. Abordei assuntos como a crítica da arte e estética geral e o problema do conteúdo, material e forma na visão de Bakhtin. Na sequência, apresentei os conceitos de exotopia, responsabilidade e acabamento. Fiz uma pequena análise de algumas obras de minha autoria, nas quais se delineia a aplicação dos conceitos na criação das mesmas. Essa análise ofereceu subsídios para a criação da obra que propus. No segundo capítulo, fiz uma abordagem do número segundo a concepção pitagórica. Apresentarei os dois principais sistemas numéricos, o Caldaico e o Pitagórico, sendo que o último serviu de critério à análise do número 9, fio condutor da obra. Expus cada uma das onze primeiras cadeias numéricas. Poder-se-ia ter apresentado apenas a enéade – a cadeia do número 9 – juntamente com o assunto “formas composicionais e arquitetônica da obra”. No entanto, como o fio condutor da obra escolhida foi o número 9 e muitos detalhes da obra no momento conceptivo podem ter escapado ao meu controle, apresentei um capítulo detalhando essas cadeias numéricas. Caso o leitor, ao analisar a obra e descobrir detalhes numéricos não idealizados por mim ou ocultados propositalmente, o mesmo poderá consultar esse capítulo e constituir sua alteridade, uma vez que, para Bakhtin, vivemos num mundo de palavras do outro e essa palavra do outro é conforme afirma Renata Pucci, uma condição de toda ação do eu (PUCCI, 2011, p. 46). Como a axiologia para Bakhtin é

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determinante nos atos de um sujeito esteticamente ativo, apresentei um pequeno subitem tratando de outras características de cunho imaterial que circundam o imaginário criativo, tendo como principal vetor a minha própria obra. Com a finalidade de se conhecer a inserção da flauta no contexto contemporâneo, realizei no terceiro capítulo um apanhado histórico a respeito das pesquisas que trouxeram à baila as novas sonoridades da flauta e as novas formas de tocá-la. Apresentei suas técnicas expandidas, cujo detalhamento está presente em um glossário no final deste trabalho. Dissertei acerca do novo repertório que surgiu com a descoberta dos novos timbres, sonoridades e possibilidades de execução do instrumento. Uma análise foi apresentada de algumas obras importantes para o repertório do mesmo, tendo como base O’Kelly (1990), para delinear a expansão do discurso musical da flauta. Apresentei, ainda, um resumo das ideias que surgiram no intuito de produzir uma flauta que pudesse atender às especificidades do novo repertório. Encerra esse capítulo uma pequena relação de instrumentos modernos, evidenciando algumas das principais características dos mesmos, com objetivo de popularizar o conhecimento a respeito das flautas modernas, desde as mais simples e acessíveis às mais incrementadas e caras. Ao final da concepção da obra, fiz, no quarto capítulo, uma exposição a respeito das escolhas instrumentais, materiais e conteúdos, dando a se conhecer a forma composicional da obra. Também evidenciei a sua arquitetônica, deixando transparecer o ir e vir exotópico, os olhares cronotópicos, bem como as relações axiológicas envolvidas. Embora as vozes que dialogaram na concepção do texto não fosse o foco desta pesquisa, considero o mesmo dialógico pois as vozes dos autorcriador; autor-homem, autor-pesquisador e autor pesquisado, constituíram um diálogo – por vezes conflituoso. A obra traz ainda em seu bojo ainda, as vozes de autores outros, por meio de ações cronoexotópicas. No quinto e último capítulo deste trabalho está acondicionada a partitura da obra Requíem para os pássaros mortos em abril, compondo assim o corpo do trabalho, perfazendo a parte mais importante do mesmo.

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CAPÍTULO 1 À BAILA COM BAKHTIN: UMA APROXIMAÇÃO DA MÚSICA AO PENSAMENTO BAKHTINIANO

“O enfoque de Bakhtin nos assuntos estéticos colabora para o entendimento da obra de arte com uma precisão enorme e que completa as questões cruciais da forma, do conteúdo e da técnica” (PRADA, 2013, por correio eletrônico).

1.1 Crítica da arte e estética geral e o problema do conteúdo, material e forma Em até meados da década de 20 do século passado, foram desenvolvidos no campo da crítica da arte trabalhos que Bakhtin qualifica como extremamente sérios e frutíferos, cuja tendência era de “construir um sistema de juízos científicos sobre cada arte, [...] independentemente dos problemas da essência da arte em geral” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 15). No entanto, Bakhtin analisa e critica alguns pontos que permeiam os estudos no campo da poética. Apesar dos apontamentos para o que chamou de “florescimento” da crítica artística, Bakhtin aponta que a jovem poética russa não conseguiu evitar problemas, tais como a moda do cientificismo e seu tom leviano, portanto, presunçoso, além de erudição superficial. O pensador considera que a ciência ainda não estava preparada para lidar com tais questões, e que construir uma ciência a todo custo e o mais rápido possível acarretaria uma grande queda no nível da problemática; o que levaria a um empobrecimento do objetivo do estudo, sobretudo a substituição do objeto por uma outra coisa qualquer. “Construir uma ciência sobre este ou aquele domínio da criação cultural, mantendo toda a complexidade, plenitude e originalidade do objeto, é extremamente difícil” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 15, grifos do autor). Se, por um lado, pensadores russos proclamavam a independência da poética, por outro, às vezes afirmavam que ela podia ser encontrada no próprio objeto. De certo modo, Bakhtin concorda que o filósofo não inventa, outrossim, encontra o estético na obra, mas, para compreendê-lo em sua singularidade, sua relação com o ético e com o cognitivo, seu lugar no todo da cultura humana, seus

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limites e a sua aplicação, necessita de uma filosofia sistemática com os seus métodos. O conceito de estético não pode ser extraído da obra de arte pela via intuitiva ou empírica: ele será ingênuo, subjetivo e instável; para se definir de forma segura e precisa esse conceito, há necessidade de uma definição recíproca com os outros domínios, na unidade da cultura humana (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 16, grifos do autor).

Ao contrário do que pressupunham seus contemporâneos russos, Bakhtin se afasta de uma estética com orientação específica, sem sistematização filosófica, sem uma constante observação, reflexão das outras artes – da unidade da arte, enquanto “domínio” de uma única cultura humana –, pois julga que tais procedimentos conduzem a poesia russa contemporânea a uma simplificação do problema científico, restando apenas uma abordagem superficial e insuficiente do objeto de estudo. Ao abordar a tendência de compreender a forma artística como forma de um dado material2 e não como uma combinação nos limites do mesmo, dentro de sua definibilidade e conformidade físico-matemáticas e linguísticas, Bakhtin afirma que a teoria literária chega a criar uma premissa de caráter estético geral, de um ponto de vista psicológico e histórico, que julga completamente compreensível: “a atividade estética, orientada sobre o material, compreendida do ponto de vista das ciências naturais ou da linguística” se dá por mediação metafórica. Ou seja, [...] as afirmações dos artistas de que sua obra é válida, que está voltada para o mundo, para a realidade, que ela trata das pessoas, das relações sociais, dos valores éticos, religiosos e outros, não são mais que uma metáfora, pois na verdade só o material pertence ao artista: o espaço físico-matemático, a massa, o som, a palavra da linguística e o próprio artista, só podem ocupar uma posição artística em relação a um material dado e definido (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 18).

São cinco as considerações que Bakhtin expõe sobre a crítica da arte e estética geral. Em primeiro lugar, o autor considera que a estética material não é capaz de fundamentar a forma artística, pois o materialismo exclui o fator social, nas palavras bakhtinianas, “a capacidade inerente de exprimir uma relação axiológica qualquer, do autor e do espectador, como algo além do material” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 19). !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2

!Substrato!manipulável!que!o!artista!utiliza!para!dar!corpo!à!obra!de!arte.!

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A obra de arte, compreendida como material organizado, concebida apenas como coisa, só pode significar como estimulador físico dos estados fisiológicos e psíquicos, ou então, na concepção de Bakthin, receberia uma designação apenas prática e utilitária. A forma artística significativa para o autor, na verdade, se refere a algo e está orientada sobre um valor que vai além do material, ao qual se prende e, indissoluvelmente, se liga. Em segundo lugar, Bakhtin pontua que a “estética material não pode estabelecer a diferença essencial entre o objeto estético e a obra exterior” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 21). Isso porque a estética materialista tem a tendência de misturar os elementos de articulação e ligações no interior do objeto e as articulações e ligações materiais no interior da obra de arte. A obra de arte para a estética, enquanto ciência, se apresenta como objeto de conhecimento; no entanto, essa atividade cognoscível da obra é secundária, pois, para Bakhtin, a primeira atividade é puramente artística. Para o pensador, é o conteúdo da atividade estética, contemplação, orientada sobre a obra, que constitui o objeto de análise estética. Em terceiro lugar, Bakhtin afirma que nos trabalhos da estética material ocorre uma constante e inevitável confusão entre formas arquitetônicas e composicionais. Para o autor, na tendência materialista, as formas arquitetônicas nunca alcançam clareza conceitual ou pureza de definição, além de serem constantemente subestimadas. Forma arquitetônica, para Bakhtin, são as formas dos valores morais e físicos do homem estético, enquanto as formas composicionais que organizam o material têm um caráter teleológico sujeito a avaliação puramente técnica, a fim de se determinar a adequada realização da tarefa arquitetônica. As formas arquitetônicas, segundo o pensador, são inerentes a todas as artes, enquanto as composicionais existem por analogias. Para Bakhtin, a estética materialista3 não é capaz de explicar a visão estética fora da arte, não havendo uma visão estética da natureza ou elementos estéticos do mito, sendo isso apenas uma transferência ilegítima do campo ético para os domínios do conhecimento.

Para o pesquisador, na visão estética de qualquer

fenômeno pertencente a contemplação da natureza, existe uma ausência de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 3

!Que!defende!a!tese!do!material!puro,!isento!de!qualquer!influência!ética!ou!que!não!se!liga!a!nenhum!valor! estético.!!

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material definido e organizado e, consecutivamente, técnica onde a forma não esta fixada, tampouco objetivada. Para Keterina Clark e Michael Holquist, o autor nega também que possa haver alguma correspondência entre a composição material de uma coisa, ou melhor dizendo, de um objeto funcional e a constituição estética de uma obra de arte (CLARK & HOLQUIST, 1998, p. 222). Por apresentar tais características, esses fenômenos da visão estética fora da arte não apresentam clareza de método, autonomia e singularidade plenos, sendo, portanto, “confusos, instáveis e híbridos” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 26). O que é estético se realiza plenamente só na arte, por isso deve-se orientar a estética sobre a arte; seria absurdo quanto ao método iniciar-se uma construção estética a partir da estética da natureza ou do mito; mas explicar essas formas estéticas híbridas e impuras é trabalho da estética, trabalho extremamente importante do ponto de vista filosófico e existencial. Essa tarefa pode servir de pedra de toque para a produtividade de cada teoria estética (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 26).

O autor considera que a estética materialista, com a sua maneira de compreender a forma, sequer cogita uma abordagem de fenômenos similares. Por último, Bakhtin pontua que a estética material não pode fundamentar a história da arte. Isso porque ela isola na cultura “não só a arte, mas também as artes particulares”, e que ostenta a obra de arte não em sua “vida artística”, mas como uma coisa, um material organizado e estabelece apenas um quadro cronológico para as modificações sofridas nos processos técnicos de uma determinada arte, “pois a técnica isolada não pode absolutamente ter história” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 27). Para o pensador e humanista russo, em primeiro lugar, deve-se distinguir o elemento ético-cognitivo, pois este é, para o autor, o conteúdo: é o elemento que constitui o objeto estético dado, os juízos e as apreciações éticas que podem ser construídas e expressas no que se refere ao conteúdo, mas que não penetram no objeto estético. Em segundo lugar, Bakhtin alerta que o conteúdo não pode ser puramente cognitivo, totalmente despojado do elemento ético, sendo que a forma artística jamais poderia se realizar em relação a um conceito puro, pois o elemento puramente cognitivo permaneceria isolado na obra de arte “como um prosaísmo não dissolvido” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 39).

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Tudo o que é conhecido deve ser posto em correlação com o mundo onde se realiza a ação humana, deve estar intimamente ligado à consciência agente; é apenas por este caminho que ele pode entrar na obra de arte (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 39).

Por último, Bakhtin exorta: “a obra de arte e a contemplação apoderam-se do elemento ético do conteúdo imediatamente”, quer por uma relação de empatia ou por simpatia, ou ainda, por meio da coapreciação e não pela compreensão ou pela exegese teóricas, que, para o autor, só podem ser um instrumento de simpatia. Somente é inteiramente ético o próprio acontecimento do ato, na sua consumação viva, advinda de dentro do próprio conhecimento agente; “é precisamente este acontecimento que se realiza do lado de fora da forma artística e não por transcrição teórica sob a forma de julgamento ético, normas morais, sentenças, apreciações jurídicas, etc” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 39). Para Bakhtin, a obra de arte não pode superar o material. Seu exemplo parte da poesia, que revela todas as possibilidades da língua, que, devido suas altas exigências, leva seus aspectos a serem intensificados ao extremo, alcançando seus limites. Apesar de ser tão exigente como a língua, na concepção de Bakhtin, a poesia não pode superá-la como língua, como determinação linguística. Isso ocorre em todas as artes, afirma o autor: “a criação artística definível pela relação com o material constitui a sua superação” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 48). A natureza extra-estética do material (à diferença do conteúdo) não entra no objeto estético: não entram o espaço físico-matemático, as linhas e figuras geométricas, o movimento da dinâmica, o som da acústica, etc.; com eles se relacionam o artista-artesão e a ciência estética, mas não a contemplação estética em primeiro grau. É preciso distinguir claramente estes dois momentos: no processo de trabalho, o artista necessita relacionar-se com a física, matemática, a linguística, o esteta também necessita fazer o mesmo com a física, a matemática e a linguística, mas todo esse enorme trabalho técnico realizado pelo artista e estudado pelo esteta, sem o qual não existiria a obra de arte, não entra no objeto estético criado pela contemplação artística, ou melhor, na existência estética enquanto tal, no objeto ultimo da obra: tudo isso desaparece no momento da percepção artística, como desaparecem os andaimes quando o prédio é concluído (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 48-49).

Ao contrário dos formalistas, Bakhtin e seu círculo concebem o material e seu significado ideológico como sendo perceptível, sendo, portanto, uma motivação diferente que entra na constituição da obra com toda a perfeição do seu significado. Para Pável Nikoláievitch Medviédev “na arte o significado é absolutamente

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inseparável de todos os detalhes do corpo material que o encarna” (MEDVIÉDEV, 2012 [1928], p. 54). Considerando o material totalmente neutro, qualquer procedimento técnico é neutralizado, sendo privado de um conteúdo positivo. Privar a técnica ou qualquer procedimento dos valores éticos, cognitivos e outros em sua essência é, para o Círculo de Bakhtin, torná-los formalmente vazios. Isso não quer dizer que a técnica deva ocupar um lugar modesto no estudo da estrutura do material, ao contrário, Bakhtin afirma ter grande importância, compreendendo que o objeto estético só pode realizar-se por meio da obra material e este, por sua vez, não existe antes dessa criação e independente dela (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 55). Não podemos, no entanto, segundo o autor, atribuir valor pejorativo à palavra técnica aplicada à obra de arte: a técnica não pode ser separada do objeto estético. Em sua concepção, Bakhtin afirma que é ele – o objeto estético – que a anima e movimenta em todos os seus aspectos, por isso a técnica na obra de arte não é mecanicista. Aconselha, em uma análise, enfatizar o caráter auxiliar da organização material da obra, seu caráter propriamente técnico, de maneira que não a rebaixe, mas para acrescentar-lhe sentido e vida. Para Bakhtin, o objeto estético da música surge nos limiares da sonoridade acústica, e uma análise estética de obras isoladas não teria muito a dizer além da inerente definição geral da sua originalidade. Isso porque considera que os julgamentos que transpõem os limites da análise da composição material de uma obra musical tornam-se, na maioria das vezes, subjetivos: “ora é uma livre poetização da obra, ora uma construção metafisica arbitrária, ora reflexão puramente psicológica” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 56). Para finalizar, o pensador e humanista russo compreende a forma artística como sendo a forma de um conteúdo, inteiramente realizada no material, ligado a ele. Seus estudos apontam para duas direções, primeiramente, a partir do interior do objeto estético puro, como forma arquitetônica, axiologicamente voltada para o conteúdo, ou seja, um evento possível, relativo a ele; em segundo lugar, a partir do todo composicional e material da obra, ou seja, o estudo da técnica da forma. Para o autor, a forma desmaterializa-se e vai para além dos limites da obra enquanto material organizado somente quando se transforma numa expressão criativa, relacionada com os atos sociais de um sujeito esteticamente ativo. Na forma, eu encontro a mim mesmo, minha atividade produtiva de formalização

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axiológica. É na forma que eu sinto vivo meu movimento criador do objeto, não só na primeira criação ou execução pessoal, como também na contemplação da obra de arte (BAKHTIN, 2010 [1975] , p. 58). Enquanto criador, devo experimentar-me como criador da forma, para realizar por completo uma forma artisticamente significante. Experimentar “a forma como minha relação axiológica ativa com o conteúdo, para prová-la esteticamente: é na forma e pela forma que eu canto, narro, represento” (BAKHTIN, 2010 [1975], p. 58). A uniformidade da forma estética é, segundo o autor, a unidade da posição de um espírito e de um corpo ativos, de um homem ativamente completo que se apoia em si mesmo. 1.2 Relendo Bakhtin4: os conceitos de exotopia, responsabilidade e acabamento

Nas discussões sobre Ética e Estética, Bakhtin desenvolve o conceito de “exotopia e extralocalidade”, principalmente nas suas considerações sobre as relações entre autor5 e herói6, o que possibilita o desenvolvimento da ideia de “excedente de visão” – possibilidade que o sujeito tem de ver mais do outro do que a si mesmo. Segundo o Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGe, Bakhtin entende que, “em todas as formas estéticas, a força organizadora é a categoria axiológica do outro, é a relação com o outro enriquecida pelo excedente axiológico de visão para o acabamento transgrediente7” (GEGe, 2009, p. 46). A extralocalidade pode se manifestar pela unicidade do meu olhar sobre a vida, sobre o mundo. Ou seja,

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! Relendo! Baktin! –! REBAK.! Grupo! de! estudos! coordenado! pela! professora! Doutora! Simone! de! Jesus! Padilha.! Grupo!de!extrema!importância!para!a!realização!deste!trabalho.! 5 ! “O! autor! é! o! agente! da! unidade! tensamente! ativa! do! todo! acabado,! do! todo! da! personagem! e! do! todo! da! obra,!e!este!é!transgrediente!a!cada!elemento!particular!desta”!(GEGe,!2009:!19).!!! 6 ! “O! herói/personagem,! para! Bakhtin,! “vive! de! modo! cognitivo! e! ético.! Seu! ato! se! orienta! em! um! acontecimento!aberto!e!ético!da!vida!ou!no!mundo!dado!do!conhecimento”!(GEGe,!2009:!54).!! 7 !Transgrediência,!em!Bakhtin,!“é!o!que!está!fora!do!que!está!sendo!pensando.!Para!a!Sociologia!Funcionalista,! cada! um! faz! um! papel! determinado,! e! por! esse! ponto! de! vista! podemos! construir! um! álibi! da! existência.! No! entanto,!quando!transgrido!um!papel,!assumo!que!aquele!era!um!papel”!(DAVID,!2003,!p.!02).!

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Se o outro vivesse a minha vida, se pudesse ver o mundo como apenas eu vejo, se tivesse os mesmos pontos de vista que eu, então eu não precisaria pensar, e não haveria a necessidade de expressar meu olhar único sobre as coisas e a vida (GEGe, 2009, p. 46).

Um ato exotópico é aquele onde há um distanciamento entre autor e realidade, ou seja, é perceber um evento real e reconstruir segundo sua própria ética. Sugere uma saída, uma fuga de uma realidade inquietante, característica exclusiva do animal humano: só ele pode reconstruir a realidade que se apresenta por meio de atos-eventos-unitários. Só o ser humano pode sair da sua realidade e recriar o mundo, segundo sua própria visão. Em suma, exotopia e extralocalização consistem em “achar-se de fora” ou “colocar-se de uma maneira única, singular, não comparável a qualquer outra”. Já o conceito de transgrediência também nos remete a um extralugar, pois segundo Augusto Ponzio “de fato, significa, também dar um passo, um passo fora de qualquer alinhamento, combinação, sincronia, identificação (PONZIO, 2010, p. 10). Tais conceitos implicam no delineamento de um outro, o de responsabilidade, ou seja, ir ao lugar do outro, lugar este que lhe é extra, de forma única, singular e não comparável a qualquer outra, resultando num ato responsável sem álibi na existência. Para Ponzio, responsabilidade é: [...] um ato, de pensamento, de sentimento, de desejo, de fala, de ação, que é intencional, e que caracteriza a singularidade, a peculiaridade, o monograma de cada um, em sua unicidade em sua impossibilidade de ser substituído, em seu dever responder, responsavelmente, a partir do lugar que ocupa, sem álibi e se exceção (PONZIO, 2010, p. 10).

A não existência de álibi no ser comporta a minha unicidade e insubstituibilidade. Cada pensamento meu, sentimento, desejo, fala, ação é somente é tão somente meu. Ninguém no mundo, mesmo que orientado por uma ação exotópica, pode fazer como eu o faço ou por mim. Cada um tem a sua verdade, a sua razão – não objetiva, nem subjetiva, mas, uma razão responsável. O não-álibi no ser “transforma a possibilidade vazia em ação responsável real [...] sem que isso possa ser compreendido como oposição, senão “por uma terceira consciência, não encarnada, não participante” (PONZIO, 2010, p. 26). A não existência de álibi no ser me coloca em relação dialógica com o meu outro. Não segundo uma relação indiferente, nem tampouco um outro genérico, comum ou geral, mas, segundo Bakhtin, um coenvolvimento concreto, uma relação

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distinta com a vida do meu outro, do próprio hodierno, com passado e o futuro de pessoas reais. Em outras palavras, numa relação axiológica, social. A responsabilidade para Bakhtin também reflete o sentido de responsivo, ou seja, o ser que é responsável nos atos da vida é também um ser responsivo. Na obra bakhtiniana, encontra-se com frequência o conceito de compreensão responsiva, que remete à relação entre compreensão e escuta, escuta que fala, que responde, mesmo que não seja de forma imediata e direta, por meio da compreensão e do pensamento participante (MEDVIÉDEV, 2012 [1928]), podendo haver um intervalo de tempo, entre o enunciado e a resposta, gerando uma compreensão posterior. A responsabilidade muda de acordo com a esfera discursiva em que o texto/objeto se insere. Para Bakhtin, há dois tipos de responsabilidade: uma que apresenta álibi, sendo, portanto, uma responsabilidade técnica. Neste caso, um autor pode substituir o outro sem comprometer o produto final e a responsabilidade sem álibi, que se manifesta principalmente na arte, onde um autor não pode substituir o outro, pois cada ser é único. Responsabilidade com álibi na existência seria então aquela que se manifesta, por exemplo, em um texto jornalístico. O escritor relata em sua escrita os fatos tal como aconteceram, sem alterar a realidade em que ocorreram. Este texto/objeto não tem “vida” fora de seu autor, não sobrevive fora do contexto em que foi criado, mesmo que tenha valor histórico. Um jornalista deve reportar a realidade como ela é. É para Bakhtin o tempo pequeno, vive em seu próprio contexto. Diferentemente, a obra de arte, segundo Bakhtin, vive em um tempo grande e pode ser lida e relida fora do contexto onde foi criada: cada leitura é como nova, como se nunca tive sido realizada. Pode ser interpretado infinitamente, pelo fato de não existir álibi em sua existência. Isto o leva a ganhar vida própria e a vive independente da vida de seu autor, dela depende apenas para o início, mas não para o final (BAKHTIN, [1975]2010). Acabamento, para Bakhtin (2010[1975]), é a possibilidade de um texto ser sempre aberto e jamais apresentar um único significado. Qualidade apresentada pelo texto artístico que em qualquer tempo, em qualquer contexto, está sempre aberto a interpretação, sendo que os significados que a ele podem ser atribuídos jamais se esgotarão. Este é o conceito de dialogismo bakhtiniano, em que a noção de acabamento se liga ao campo estético, não sendo, portanto, nem ético, nem

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tampouco cognitivo. “Embora não se possa desconsiderar uma imbricação dos elementos éticos-cognitivos-estéticos (GEGe, 2009, p. 09). No campo artístico, os elementos da vida são recortados e reorganizados de maneira que venham a criar uma nova realidade, uma nova unidade da qual o autorcriador é, ao mesmo tempo, um elemento constituinte e organizador. O autor aparece como a apropriação de uma voz social que ordena o todo estético e essa ordenação é sempre um “ato valorativo”, mas ela só se realiza porque a ele é conferida ao mesmo tempo uma posição privilegiada me relação ao seu herói e seu mundo: um posição exterior. No plano da vida (o plano ético), somente um excedente de visão permite completar um indivíduo “naqueles elementos em que ele não pode completar (GEGe, 2009, p. 09, grifos do autor).

Tal pressuposto bakhtiniano pode ser exemplificado da seguinte forma: eu não posso, ao contemplar-me, realizar um acabamento de mim. Isso porque, segundo Bakhtin, não me é possível abranger todos os elementos plásticos e picturais, isto é, o horizonte atrás de mim e a minha própria imagem externa, nem expressividade volitivo-emocional constituirão o todo. Ainda, porque a minha contemplação se materializa na linguagem das minhas percepções internas e isto é demasiadamente subjetivo. Assim sendo, o acabamento é dado pelo meu outro, e isso só é possível pelo lugar que ele ocupa em relação a mim, que confere valores aos elementos que me completam e que, por sua vez, me são inacessíveis e transgredientes. Por viver em sociedade, com muitos outros, esse acabamento tem sempre um caráter provisório, até que eu encontre uma nova alteridade. Falar de acabamento implica falar de enunciado. Segundo Bakhtin, vivemos num mundo partilhado, lidamos com o inconcluso, com uma realidade em constante formação. A cada vez que me deparar com ela emitirei um novo olhar sobre a mesma, uma vez que no momento em que se deu a contemplação do objeto em questão o evento foi único. Neste sentido, um enunciado conjugado numa obra de arte, seja musical ou de qualquer outra natureza, jamais estará completamente acabado. O autor afirma que todo enunciado se constrói a partir de um outro enunciado. Segundo José Luiz Fiorin, todo enunciado é dialógico. Portanto, “o dialogismo é o modo de funcionamento real da linguagem, é o princípio constitutivo do enunciado.

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Todo enunciado constitui-se a partir de outro enunciado, é uma réplica a outro enunciado” (FIORIN, 2010 [2008], p. 24). Ao construir qualquer forma de discurso, seja ela por meio de palavras, imagens, sons ou nas mais diversas formas de expressão que utilizo para me comunicar, enuncio recorrendo a enunciados anteriores, guardados em minha memória por meio da interação. Estes trazem consigo a sua expressão e o seu tom valorativo, que assimilo, reelaboro e reacentuo (BAKHTIN, 2003[1979], p. 295). Para Beth Brait e Rosineide de Melo, o enunciado é o principal ator na concepção de linguagem, pois a linguagem é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social, que inclui a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos que nela se envolvem (BRAIT & MELO, 2008, p. 65). Enunciar é dirigir-se a alguém, é estar voltado para algum destinatário. Para Bakhtin, o sentido de um enunciado se constrói com o outro8. Este outro não precisa ser necessariamente um indivíduo da mesma espécie que a minha e muito menos ter materialidade física. Conforme Bakhtin, o ato do contato com outro se estrutura sob alguns elementos, sendo eles: um sujeito que age, um lugar onde este sujeito age e um momento em que age. Na concepção de Anderson Simão Duarte, esta tríade representa a lógica da interação, assim sendo, cada signo serve às relações sociais existentes entre os sujeitos, à necessidade de interação. Refiro-me ao ato de agir, do real, do concreto (DUARTE, 2011, p. 43). Quando falo em interação, na relação que se firmar entre o meu eu e o outro, estou me colocando no campo dialógico. O diálogo não é apenas uma maneira de se comunicar, também não é somente o contato verbal entre dois ou mais indivíduos. Pode-se, segundo Bakhtin, estabelecer diálogos nas mais diversas formas de comunicação, utilizando-se de variadas formas de linguagem. Para Duarte, O diálogo não é somente uma forma de comunicação, tampouco o contato verbal entre dois ou mais indivíduos. O diálogo, para Bakhtin, é a alma da interação, portanto, da compreensão ativa entre os interlocutores, é a própria intimidade da interação e a da comunicação entre os homens (DUARTE, 2011, p. 41).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 8

! Sujeito! ideológico! constituído! dialogicamente! na! interação! falante/ouvinte.! A! concepção! de! Bakhtin! a! respeito!da!interlocução!entre!os!sujeitos!não!se!limita!somente!à!fala.!Existem!inúmeras!formas!de!diálogos,! interações!e!relações!(GEGe,!2009:!83).!!!

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Se o meu outro, segundo Bakhtin, pode ser ou não como eu, possuir ou não um corpo físico, um diálogo pode ser travado entre pessoa x pessoa(s), pessoa x objeto(s), pessoa x animal(ais), e assim por diante. Posso estabelecer um diálogo com uma obra de arte, tendo compreensão ou não das intenções enunciadas pelo autor. Até mesmo a incerteza, a dúvida e não identificação com a obra de arte para Bakhtin é, certamente, resultado em uma interação. Esse diálogo poderá também existir no meu eu ou, melhor dizendo, nos meus eus interiormente, quando estabeleço relações de uma área de conhecimento com outra. Tomo este também como um dos muitos espaços onde ocorre o diálogo, que segundo Carlos Alberto Faraco “onde há confrontação das mais diferentes refrações sociais expressas em enunciados de qualquer tipo e tamanho postos em relação” (FARACO, 2009, p. 62). O diálogo não consiste somente numa forma de comunicação, ou em um simples contato verbal entre os interlocutores. Este é, para Bakhtin, “a alma da interação, ou seja, da compreensão ativa entre os interlocutores, é a própria intimidade da interação e da comunicação estabelecida entre o eu e o outro” (DUARTE, 2011, p. 41).

1.3 Contribuições para a criação musical: o texto musical visto através das lentes conceituais bakhtinianas

1.3.1 Exotopia e responsabilidade Para esclarecer o que foi dito até o presente momento, torna-se necessário expor um exemplo. Tomemos minha obra Jardins dos caminhos que se bifurcam, n.º 01 – doravante JCB n.º 01, e adentremos nos meandros de sua criação para ver a aplicação dessa discussão. Em JCB n.º 01, composta em 2010, o conteúdo éticocognitivo visto pelas lentes conceituais bakhtinianas é o conhecimento das técnicas expandidas da flauta, da numerologia e astrologia que foram utilizados na obra. O material é, no caso, o som da acústica e o som da palavra, que são organizados

seguindo

determinados

princípios

advindos

do

conhecimento

numerológico, astrológico e de uma ação exotópica9. Os materiais sonoros tiveram !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 9

!Conceito!de!Bakhtin!que!consiste!em!ir!ao!lugar!do!outro,!que!será!explicado!no!próximo!tópico.!

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!

como motivo norteador uma triangulação, que é o fio condutor da obra, entre as notas sol, que na astrologia representa o planeta Júpiter; fá, que representa Saturno, e si(♭ e ♮), que representa a Lua – figura 1. Já o texto Jardins dos caminhos que se bifurcam, que dá nome à peça e faz referência ao mito dos jardins suspensos da Babilônia, cuja autoria é atribuída a Maria Dolores10, foi dividido em quatro partes e é recitado interrompendo a ambiência sonora da flauta, orientado por conceitos numerológicos.

Jardins!dos!caminhos!que!se!bifurcam!nº!01 para!flauta!doce!solo

Escrito!em!parceria!com!o!espírito!Maria!José. Poema!do!espírito!Maria!Dolores. "Repousam!majestosas!margaridas!à!beira!dos!caminhos, por!onde!passam!errantes!andarilhos!"

Para!Iasmim

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Recitar!sem pretenções!teatrais

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A 3obra é3construída a partir da mistura de cromatismo livre com elementos

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texturais. Motivos longilíneos horizontais são utilizados para contrapor os motivos rítmicos que se apresentam na obra desde seu início até o final. Motivos texturais

% & % melodias % se & % opor% a 'pequenas longos e planos são utilizados no decorrer ' % para $ # da '$

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As oposições que existem nos materiais e conteúdos da obra “podem ser

lidas” como uma alusão ao divino x humano, considerando que o texto artístico não é um texto de significados, mas sim um texto de significantes, aberto à significação. D com!muito # 4,5

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à!beira! dos! caminhos

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! Referemse! ao! Espírito! daquela! que,! na! vida! terrena,! chamoumse! Maria! de! Carvalho! Leite! (1900m1950).! Professora,!poetisa!e!pianista,!tem!a!ela!atribuída!vasta!obra!literária!espírita.!O!autor!deste!trabalho!é!também! constituído! pela! religiosidade! espírita,! partilhando! dos! preceitos! elucubrados! por! Kardec! em! suas! obras! que! versam!sobre!a!codificação!da!doutrina!Espírita!Cristã.!Como!explicita!Bakhtin,!a!obra!de!arte!é!resultado!de!um! # 'Muito!lento! %, %, , %, #, % % & % % % % # % conteúdo!cognitivomético!que!se!funde!a!um!determinado!material,!dandomlhe!significado!que!compreende!as! % $ % & % '% % '% % relações!axiológicas!do!seu!autormcriador,!fato!que!se!manifesta!em!meu!processo!de!criação!artística.! " f

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Jardins!dos!caminhos!que!bifurcam!nº!01,!Cao!Benassi.!03!de!Agosto-2010.

30

!

Deve-se considerar que o autor-criador faz o trabalho de tradução da realidade, mesmo que seja de forma totalmente abstrata, no caso da música. A partitura de JCB, bem como, de outras obras de minha autoria, apresenta um forte apelo visual. Com o advento da música atonal na entrada do século XX, a notação musical deu um salto imenso. Dada as novas possibilidades sonoras, os criadores passaram a buscar uma escrita cada vez mais rebuscada e ousada. O discurso musical deixou, progressivamente, de ter um percurso linear intencionalmente melódico, distanciando-se da preocupação harmônica como fio condutor de tensões e resoluções, passando a se basear noutro elemento musical: o timbre. A partir do momento em que o processo criativo se concentrou nas inúmeras possibilidades timbrísticas, como intenção primeira, houve um automático salto da escrita musical e da notação como um todo. [...] pensando-se no timbre como alma e como delimitador e diferenciador da arquitetura musical, a escrita teve que, paralelamente, acompanhar o desenrolar das conquistas sonoras (VICTORIO, 2003, p. 128).

Desse modo, novos procedimentos na escrita musical irromperam com os métodos tradicionais de se fazer e pensar em música. A notação deixa de ser o simples grafar de notas e encadeamentos harmônicos, para ser um registro sonoro/visual, que permite ao criador um grau de flexibilidade, até então, jamais pensado. A nova notação musical através de um sistema cada vez mais imagético toma um elevado nível de elaboração intelectual. A imagem gerada em uma partitura musical pode ser e é considerada uma obra de arte, antes mesmo de sua execução. O resultado final (visual) de uma obra musical neste nível de atuação sígnica oferece, antes do resultado final (sonoro), subsídios para leitura e interpretação de seus códigos internos; uma préapresentação, ou planilha do material subsequente. Além do resultado plástico quase sempre de boa qualidade pelo amálgama das duas dimensões em uma só estrutura (VICTORIO, 2003, p. 131).

É cada vez mais comum obras musicais cujo devir performático do músico se torna a (re)criação da própria obra. Inúmeros exemplos podem ser citados. Gesti, do compositor italiano Luciano Berio (1925-2003), Blirium C9, do compositor brasileiro Gilberto Mendes, são exemplos onde o resultado sonoro é dependente direto da criatividade e virtuosismo do intérprete, dando um caráter peculiar à obra: cada interpretação é única.

31

!

Nesses casos, a complexidade da escrita pensada não como uma realização individual, imutável, centrada no compositor, mas uma fonte de informações que transmitem no universo do simbólico nos coloca, segundo Victorio (2003), muito próximos à instauração de uma obra de arte que nos permitirá a sua constante (re)criação, numa instabilidade ritual - em sua formalidade e concepção – tal qual a mutável realidade humana (VICTORIO, 2003, p. 32). A notação, a partir deste momento de equivalência com o ritual (transplantado para o âmbito artístico) assume um grau de importância secundário, no que se refere a precisão de escrita dos referenciais sonoros. A importância principal é deslocada para o “fazer” e ao próprio devir, como manutenção do fluxo, quando a transmissão passa a ter a íntima participação do executante, enquanto coparticipante do processo ritualístico musical (VICTORIO, 2003, p. 129).

A minha possibilidade de responder a um determinado evento, sendo o meu pensar único, responsável pelas consequências de minha extralocalização é um ato exotópico. Tais características estão sim presentes na música. Na obra Pachïvà – Microsséries para flauta doce e piano de 2010 (BENASSI, 2011, p. 128-141), tal característica aparece no segundo movimento, intitulado II – Ladainha, onde direciono meu olhar de autor para uma obra de meu orientador Roberto Victorio, intitulada Quatro visões, de 1991, em que o quarto movimento da obra é iniciado com um motivo de seis tons – figura 2.

! Figura 2. Acima motivo hexatônico que dá origem ao quarto movimento de Quatro visões, abaixo escala heptatônica que origina Ladainha de Pachïvà. Fonte: acervo particular o autor.

Utilizo no segundo movimento de minha obra (já identificada acima) esse mesmo motivo com a posição das notas fá♯ e fá♮ invertidas e com a nota sol transposta a uma terça maior acima e com a presença uma sétima nota, um dó, formando uma escala heptatônica, cuja figura numérica é importante na concepção desta parte da obra – figura 3.

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44 3 Figura 3. Fragmento do segundo movimento Ladainha de Pachïvà. Microsséries para flauta doce ( %% % e piano de 2010. Fonte: acervo particular o autor.

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autoria, continuo a ser eu, logo, a minha resposta discursiva responsável ao quarto movimento de Quatro visões não pode ser a mesma do seu ator.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 11

!Para!Bakhtin,!é!na!relação!com!a!alteridade!que!os!sujeitos!se!constituem.!O!indivíduo!se!reflete!no!outro,!ao! mesmo!tempo!se!refrata.!A!partir!do!momento!que!o!ser!se!constitui,!ele!também!se!altera,!constantemente.!! Segundo!o!autor,!esse!processo!não!surge!da!própria!consciência!individual,!mas!se!consolida!no!social!através! das! interações,! das! palavras,! dos! signos.! Seja! qual! for! o! material! significante,! toda! refração! ideológica! do! sujeito!durante!sua!formação!é!acompanhado!por!uma!refração!verbal,!como!um!fenômeno!obrigatoriamente! concomitante!(GEGe,!2009,!p.!13).!!

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(Aqui o grupo deverá colocar coletivamente a dinâmica).

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Jardins dos caminhos que bifurcam nº 02, Cao Benassi. Outubro-2010

!

Figura 4. Fragmento de JCB n.º 02 de 2010. Fonte: acervo particular do autor.

Um enunciado sempre pode ser retomado, mas jamais se repetirá tal qual idealizado. Este movimento de olhar para o passado, para uma outra realidade, e respondê-la por meio da criação de uma realidade outra, buscando um tempo outro, diferente daquele em que a obra está sendo concebida, este tempo dual no mesmo espaço constitui também um olhar cronotópico12. Duas outras obras mostram o conceito de exotopia, extralocalidade e responsabilidade. São elas, Jardins dos caminhos que se bifurcam n.º 02 (JCB n.º 02) – figura 4 e Quatro cantos póstumos (QCP) – figura 5, compostas em 2010 e 2012, respectivamente. Na primeira obra, seguindo o mesmo parâmetro de JCB n.º 01, a música explora a ambiência sonora instrumental e o som da palavra falada.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 12

!Cronotopos:!crono!=!tempo;!topos!=!espaço.!Para!Bakhtin,!cronotopia!é!a!relação!tempomespaço!na!produção! do! discurso.! Para! o! autor,! o! cronotopo! se! liga! a! uma! grande! temporalidade,! podendo! ser! conceituado! como! sendo!a!expressão!de!um!grande!tempo.!Segundo!Bakhtin,!o!cronotopo!é!um!tempo!diferente!do!tempo!social! que!é!histórico,!por!ser!a!dimensão!do!movimento!no!campo!das!transformações!e!dos!acontecimentos.!Cada! cronotopo,!segundo!o!autor,!pode!incluir!outro,!coexistir,!entrelaçarmse,!permutar,!confrontarmse,!opormse!ou!se! encontrar! nas! intermrelações! mais! complexas! (GEGe,! 2009,! p.! 24).! Cronotopia! bakhtiniana:! vários! tempos! em! um!mesmo!espaço.!

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Pausa!muito! breve

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Quatro!cantos!póstumos.!Cao!Benassi.!Março!de!2012

Com!vibrato

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Diminuir!até! desaparecer

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– a exotopia se faz presente na busca em anotações

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35

!

Espírito Irmão13 – em anexo. A obra, além do mapa com as marcações dos eventos sonoros, apresenta também um forte apelo imagético, formado pela desconstrução e/ou fusão do pentagrama, aspecto que designa tratar a partitura como um conceito de arte visual. Cada canto faz referência a uma região africana que enviou pessoas ao Brasil para serem escravizadas. Recordando Cabinda, Lamento Rebolô, Canto por Benguela, Monjolo minha doce Monjolo; nesta ordem são apresentados os cantos, sendo que o segundo tem na canção de trabalho Kamalondo da Zona do Cobre africana, seu principal fio condutor. Na descrição analítica do processo de concepção da obra Black angels, do compositor estadunidense George Crumb, realizada por Victorio (1991, 04-08), percebe-se um forte apelo cronoexotópico. Cronotópica, pois lança um olhar sobre o passado: a obra de Crumb data de março de 1970, sendo que a descrição analítica é realizada na década de 90 do século passado. Exotópica por causar um deslocamento do lugar do eu para o lugar do outro. Em outras palavras, o pesquisador musical sai do seu lugar de analista e vai até o lugar do criador, com objetivo de tentar desvelar a inteligência utilizada pelo mesmo para apreender o discurso musical alheio. Com isso, além de adquirir forma composicional – materiais -, contrai também a forma arquitetônica daquele discurso que é transmutado para o seu, configurando-o como discurso alheio-próprio.

1.3.2 Acabamento em música Na concepção bakhtiniana, eu não posso realizar um acabamento14 da minha própria obra. Por esse motivo o, conceito de acabamento em Bakhtin não pode ter a mesma equivalência de apreciação. Acabamento seria, então, uma apreciação crítica da minha obra pelo outro, cujo olhar de alteridade a constituíra ou não como obra de arte. Não posso acabar minha própria obra porque estou envolto na mesma aura na qual meu herói foi concebido, o que me impossibilita de vê-lo em sua plenitude. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13

! Tratamse! de! uma! entidade! espiritual! concebida! no! meio! religioso! apenas! como! Irmão.! Segundo! o! médium! com!quem!estabeleceu!o!contato,!tratamse!de!um!habilidoso!flautista!e!compositor!antigo.!Culto!do!dia!05!de! marco!de!2011.! 14 !O!conceito!bakhtiniano!acabamento,!apresentado!no!item!1.2!Relendo!Bakhtin:!os!conceitos!de!exotopia,! responsabilidade!e!acabamento,!aqui!é!tomado!usado!em!substituição!a!apreciação.!

36

!

Sua realidade foi almejada, desejada por mim enquanto criador, pois a realidade primeira me inquietava (SALLES, 2009). O início de sua vida partilha da minha própria vida. Sendo assim, mesmo que o faça, este acabamento não seria isento das paixões, logo, subjetividades que me remetem à obra; em contrapartida, posso apreciá-la. No entanto, posso aqui citar alguns exemplos de acabamentos proferidos por espectadores presentes no concerto de estreia de JCB n.º 01 e num recital palestra e ainda um outro referente a obra Pachïvà no Enflama 715. Ao final do recital, um espectodr me procurou e me parabenizou pela estreia da obra JCB n.º 01 e confidenciou-me que “achara muito lindo aqueles sons de índios e pássaros”. Este, portanto, é um exemplo real de acabamento na concepção bakhtiniana. O exemplo a seguir prova que o conteúdo ético-cognitivo e o significado ideológico se fundem e se tornam perceptíveis na forma estética musical. No debate, após a apresentação dos procedimentos composicionais e concepção de JCB n.º 01, um dos colegas de sala se manifestou dizendo: “senti-me num vazio”; outro, que era levado de “um ambiente calmo e suave a outro totalmente oposto, de forma abrupta”. Ora, o propósito, na concepção, foi exatamente este. Ao realizar uma triangulação entre as notas fá, sol e si, segundo suas representações astrológicas, ao conceber elementos rítmicos que são contrapostos por outros planos, sem movimentação, o som da palavra ao som da flauta, buscava-se o contraste nas ambiências sonoras. No Enflama, uma flautista confidenciou-me: “achei lindo os saltos de intervalo do primeiro movimento da sua música Pachïvà: é lindo e faz parecer que tem duas flautas tocando, ao invés de uma.” Neste capítulo, realizei uma discussão sobre a crítica da arte e estética e o problema do conteúdo que, para Bakhtin, não pode ser somente cognitivo, mas, também, ético. Ainda discursei a respeito do material que, para o autor, possui significado ideológico perceptivo e ainda a respeito da forma esteticamente significativa. Abordei também o conceito de exotopia, que traduz-se num movimento de “ir ao lugar do outro”. Também dissertei a respeito do conceito de responsabilidade, que me confere um caráter único e, finalmente, de acabamento, sendo esta característica !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 15

Encontro Nacional de Flauta Doce, realizado no Teatro Maria Antônia-USP, em São Paulo.

37

!

apresentada apenas pelo texto artístico. Apresentei o conceito de acabamento, que dá ao texto artístico a qualidade de abertura, remete ao conceito de enunciado, também presente no plano artístico. No próximo capítulo, abordarei a temática a respeito do arcano e da espiritualidade, estímulos metafóricos presentes no meu processo de criação musical. A numerologia Pitagórica será abordada tendo como principal vetor minha própria obra musical. Assim como os demais elementos ético-cognitivos que se fazem presentes no meu imaginário criativo.

38

!

CAPÍTULO 2 O ARCANO E A ESPIRITUALIDADE: DIALOGANDO COM OS COMPONENTES METAFORÓRICOS E AXIOLÓGICOS QUE CIRCUNDAM O IMAGINÁRIO CRIATIVO

“A numerologia, então, fornece boas estratégias para que as nossas escolhas sejam as melhores possíveis, para que as nossas tendências e para que possamos desincumbir bem a nossa missão ,fornecendo-nos uma porta para o autoconhecimento” (GUIMARÃES, 2009, p. 126).

2.1 O arcano numerológico: desvendando os mistérios guardados pelos números Eu tenho trinta e três anos, nasci aos vinte e seis dias do décimo mês do ano de mil novecentos e setenta e nove. Meço um metro e setenta e cinco centímetros de altura. Atualmente, peso setenta e quatro quilos e trezentos e cinquenta gramas, calço trinta e nove e meu manequim é trinta e oito. Eu tenho um cachorro e uma pequena coleção de flautas, composta por doze flautas de diferentes tamanhos e formatos. O tempo todo, deparamos com perguntas do tipo: quantos filhos você terá? Quantos dias ficarei lá? Quantos dias gastarei na elaboração deste trabalho? Qual taxa de juros oferecem? Será que os meus índices sanguíneos estão normais? Em que ano aconteceu isso? Que horas são? Quantos quilômetros faltam? Que horas será a reunião? Qual o número do telefone? Indagações rotineiras que pressupõem decisões. As cadeias numéricas estão presentes em nossas vidas e permeiam o que e quem somos e as decisões que tomamos. Somos, na verdade, regidos pelos números e nem nos damos conta disso. Segundo Mário Ferreira dos Santos (2000, p. 71), “quando se perguntava aos pitagóricos: ‘qual a essência de qualquer coisa’, respondiam, inevitavelmente, com uma dupla asserção: ‘as coisas consistem em números’ e ‘as coisas são formadas à imitação de números”. A numerologia é uma ciência muito antiga, cuja origem está perdida no tempo e se confunde com a própria origem da espécie humana. No entanto, Ivan Newton Lima Guimarães lembra que,

39

!

O número não se reduz ao seu aspecto esotérico e vibracional, ele vai muito além e é o maior indicador do aspecto material: quanto dinheiro ele tem? Quanto ele pesa? E assim adentra de forma contundente acerca de tudo o que pode ser reproduzido e o que não pode (GUIMARÃES, 2009, p. 128).

Embora, segundo Guimarães (2009, p. 127), os números sejam muito antigos, a forma universal dos dígitos numéricos dos dias atuais é uma conquista recente. Estes desempenharam funções importantes nas civilizações egípcia, babilônica, chinesa e romana, permitindo-lhes estabelecer cálculos tão precisos que possibilitaram a construção de grandes monumentos – dentre eles as oito maravilhas do mundo antigo. Permitiram também determinar posições astronômicas e viabilizaram transações e registros comerciais. Embora fosse na forma simples de escambo, “em todos os casos, o número foi um vetor que permitiu isso”. Os mais antigos achados sobre números foram as tabuinhas babilônicas datadas de mil anos antes da Era Cristã. Tais escritos propõem resoluções para equações de segundo grau por método de aproximação. O famoso papiro egípcio chamado Rhind, que se encontra no Museu Britânico, escrito pelo sacerdote Ahmes, mostra uma série de problemas matemáticos. Apresenta resoluções para equações de primeiro grau, entre outros problemas, havendo indícios de que este é compilação

de

algo

mais

antigo.

Este

documento

foi

datado

de

ser

aproximadamente 1.600 a.C. Para Guimarães, No entanto, só com Pitágoras e seus discípulos o número passou a ter a importância que detém agora; desse modo, Platão lembra os pitagóricos em A República; também são atribuídos a Platão a doutrina dos lugares geométricos e um importante tratado sobre as cônicas (GUIMARÃES, 2009, p. 127-128).

Lembrando Roberto Numerólogo (1998, p. 9), Pitágoras é considerado o pai da numerologia e iniciou seus estudos em aproximadamente 500 a.C., tendo estudado, para isso, os planetas e a Filosofia. Os gregos tiveram destaque na Geometria, resolviam problemas matemáticos – que hoje são resolvidos de forma muito simples pela álgebra – por abordagens caracterizadas como sendo complexas. Sua contribuição neste campo é, segundo Guimarães (2009, p. 129), pequena, caso não se considere o fato de Diophanto de Alexandria, no século III, ter introduzido os sinais para operações, embora os símbolos atuais tenham se desenvolvido por volta do século XVI.

40

!

Pitágoras não somente semeou com suas ideias todo o processo filosófico grego, como também o mais fundamental das suas doutrinas chegou até nossos dias, pois a ciência moderna é mais Pitagórica do que foi em qualquer tempo. Ao considerar que o número é o fundamento das coisas, ele introduziu o cálculo na física, e aliou a matemática à ciência, o que permitiu o grande progresso que esta conheceu (SANTOS, 2000, p. 71).

Os números se tornaram mais conhecidos há pouco mais de duzentos anos. Com o constante aprimoramento da tecnologia, principalmente com o advento da informática, as bases numéricas, os números binários, os números hexadecimais e os fractais foram plenamente desenvolvidos. “Isso tudo tem sido muito importante para interpretar a infinidade dos dados disponíveis hoje e lidar com eles” (GUIMARÃES, 2009, p. 134). Sempre é bom lembrar que, ao se escolher um número

para

o

trabalho,

nome,

obra,

etc.,

subjetivamente,

escolhe-se,

simultaneamente, suas energias positivas e negativas. Cabe ao indivíduo analisar o contexto em que se encontra, ampliar os valores positivos e reduzir as tendências negativas. Existem vários tipos de tabelas para o cálculo numerológico. Sendo que o sistema utilizado no presente trabalho é o Pitagórico. Quatro tipos são bem recorrentes na literatura que discute o assunto, sendo que duas delas são pouco utilizadas e, portanto, estão em desuso. O povo hebreu é o que possui os estudos mais primorosos acerca da numerologia, e as muitas tabelas existentes são, na verdade, derivações de seus estudos. As duas tabelas mais usadas e conhecidas são a Pitagórica – figura 6 e a Caldaica – figura 7. Segundo Guimarães,

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Figura 6. Tabela Pitagórica. Fonte: o autor.!

A tabela pitagórica segundo alguns autores reflete melhor a pronúncia ocidental e a Caldaica a oriental, porém a última é preferida por determinados estudiosos porque põe pesos em alguns símbolos fonéticos que são desprezados pela primeira. Segundo consta em Agrippa e Cagliosto, usavam mais a tabela Pitagórica (2009, p. 117).

41

!

A resultante do cálculo se difere de uma tabela para outra, bem com a análise segue pressupostos diferentes. Os números pela análise caldaiquiana apresentam características um pouco diferentes daquelas exibidas pelo prisma pitagórico. O número 1, pela filosofia Caldaica, é entendido como a origem de tudo que existe; já no olhar de Pitágoras, é caracterizado como objetivo, dinâmico, independente, original, laboral e orientador. A

B

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F

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6

+7

! Figura 7. Tabela Caldaica com anexo de símbolos gráficos e fonéticos. Fonte: o autor.

A cadeia unitária é representada no ocultismo por um ponto que é totalmente envolvido por um círculo. Na Geometria, é representada pelo ponto, podendo significar a origem de tudo. Esotericamente, a vida Una é sempre colocada nos “ensinos mais sublimes”, explica Guimarães (2009, p. 16). Toda e qualquer obra concreta começa pelo primeiro “passo”. Assim, pressupõe a perseverança, a vontade, o sentido de dever. Esta cadeia é também chamada de Mônada e possui uma propriedade notável: quando multiplicada por si mesma, continua valendo 1. Segundo Laercio Carlos Pastore Filho e Mario Borger (2010, p. 90), o um define também um comportamento de liderança. É, para Numerólogo (1998, p. 38), início e força. Na teoria dos conjuntos, representa a nota musical dó♯ (GUIMARÃES, 2009, p. 18). A cadeia dual no esoterismo é representada por um círculo dividido ao meio por uma reta. Geometricamente, é representado por uma reta que é determinada por dois pontos e é o par do antagonismo. Segundo Pitágoras, o número dois representa o sentido tátil: é gentil, simpático, sábio, tranquilo e diplomático, segundo Guimarães (2009, p. 118).

42

!

A cadeia trina no esoterismo é representada pelo triângulo equilátero. Na Geometria, é definida por três pontos que geram plano. O número três pode ser compreendido como a evocação do fundamento, do apoio. Guimarães (2009, p. 25) afirma que “não é à toa que as obras, por mais complexas que sejam, se fundamentam em um plano, em um projeto que reflete esse planejamento”. Dentre as tradições antigas, há uma unanimidade em eleger uma trindade divina como criadora ou regente do meio ambiente e de tudo que nele se desenvolve. O número três está ligado com a noção de simétrica, que só pode ser definida a partir de três pontos (GUIMARÃES, 2009, p. 29). Para Numerólogo (1998, p. 40), representa também crescimento e expansão. Os símbolos desta cadeia mais destacados são: entre os elementos, a água; a nota musical Mi; o dígito 3; o triângulo equilátero e a Santíssima Trindade. Para Roberto Pinto Victorio, A lei do ternário em Pitágoras, coloca o três como a mais perfeita ( e simples) das figuras planas, representando a essência da criação, pelo equilíbrio estabelecido na união dos três pontos que formam a primeira figura plana: o triângulo. Geometricamente, a mais estável das figuras pela maior concentração de forças e equilíbrio em um menor espaço bidimensional (VICTORIO 2006, p. 03).

A cadeia quaternária, no ocultismo, é representada pela cruz celta, seu significado na Geometria é impar, pois é a partir de quatro pontos que se origina o tetraedro, a primeira figura geométrica espacial, sendo a mais simples delas. Esta cadeia é representante natural dos quatros elementos: o fogo (energia), o ar (gases), a água (líquidos) e a terra (sólidos), originando tudo o que é material. Todos os quaternários estão sempre ligados à matéria, raro é observar um com conotação abstrata ou filosófica, explica Guimarães (2009, p. 32). A Tetraktys Pitagórica – figura 8 – ou Tetragamon, que consiste em um triângulo de pontos, cuja soma principal é dez e sua gama de significados é segundo André Egg, quase ilimitada (EGG, 2000, p. 14), também faz parte do universo vibratório do número quatro.

! Figura 8. Tetraktys Pitagórica ou Tetragamon. Fonte: http://lucadc.altervista.org/CAAD09/Notes/Voci/2009/6/20_La_tetraktis_di_Pitagora.html.

Os mais importantes símbolos da cadeia quaternária são o dígito quatro, o tetraedro, a nota musical fá, o símbolo do planeta Júpiter, a cruz e o quadrado. Em

43

!

Pitágoras, o número quatro tem as seguintes características: seriedade, afeição ao trabalho, habilidade, imaginação. Também é considerado o número do trabalho remunerado (PASTORE FILHO; BORGER, 2010, p. 104). Numerólogo (1998, p. 41) o caracteriza como segurança e estabilidade. A cadeia quintenária, no esoterismo, é representada pela pedalfa ou estrela de cinco pontas, que, no ocultismo, é considerado o símbolo do homem perfeito. É o pentágono na Geometria e os cinco sólidos platônicos: tetraedro, cubo, octaedro, dodecaedro e icosaedro. Também é nomeada de pentade. Para Guimarães, A pentade tem uma ligação gráfica com o som. Há duas outras relações: a primeira diz que só ouvimos um som diferente quando existir pelo menos uma proporção de 1/5 entre os sons ou vibrações sonoras. A segunda é que, entre as sete notas musicais, podemos perceber cinco semitons: Dó♯, Ré♯, Fá♯, Sol♯ e Lá♯, pois essa relação de um quinto é obedecida (GUIAMARÃES, 2009, p. 44).

As qualidades estabelecidas por Pitágoras para o número cinco são a rapidez de raciocínio, o amor à liberdade, a comunicação, apreço em ver e provar tudo. Em contrapartida, quando não se raciocina, surge a ilusão e por vezes a vigarice. Mudanças e transformações são atribuídas ao cinco por Numerólogo (1998, p. 42). São símbolos importantes o dígito cinco, a nota sol, a mão aberta e o pentágono. A cadeia sextenária é representada pela estrela de seis pontas, também chamada de Selo de Salomão. Na Geometria plana é o hexágono. Os números perfeitos, tais como os homens perfeitos, são raros. Esse encanto do seis, segundo Guimarães (2009, p. 47), “permeia a natureza e, por isso, sentimos sua perfeição”. Esta cadeia também é chamada de hexade. A bíblia hebraica inicia seu texto com a palavra

(Bereschit), que

significa “o criador da hexade”. Segundo Guimarães (2009, p. 48), o seis se opõe a nove. A cadeia sextenária desce ao máximo na materialidade e marca o início da difícil subida da evolução. Segundo Pitágoras, o seis possui simpatia, afeto, utilidade, amizade e emocionalismo. É harmonia e emotividade para Numerólogo (1998, p. 43). A respeito da cadeia setenária, os pensadores se dividem quanto ao símbolo de sua representação. Alguns colocam uma estrela de sete pontas, outros o sol e sua simbologia. Como Guimarães (2009), adotei como símbolo para representá-la a cruz suástica em sua forma dextrogira – figura 9 –, que entendemos melhor

44

!

demonstrar o poder construtivo deste número. A origem deste símbolo está calcada na Índia, país conhecido mundialmente por seu misticismo e espiritualismo.

! Figura 9. Cruz Suástica dextrogira. Fonte: http://dc316.4shared.com/img/H-fjC06_/preview.html.

Segundo as tradições antigas, o sete está sempre ligado a criação e pode ser visto de forma contundente na natureza. Ligado à religiosidade e à espiritualidade, o sete é preponderante nas questões abstratas. Para Numerólogo (1998, p. 44), o sete se liga à perfeição e ao autoconhecimento (positivismo). Entre os símbolos mais importantes da cadeia setenária estão o dígito sete, a estrela de sete pontas, a tríade superior e o quaternário inferior e a nota si. A cadeia octenária tem duas formas de representação: uma é um asterisco, a outra são dois quadrados sobrepostos. Na Geometria plana, é o octógono e, por este motivo, esta cadeia é também referenciada como ogdoáde. Ela está ligada ao equilíbrio de formas. Os símbolos mais representativos desta cadeia são o dígito oito, o símbolo do infinito, a balança, a Lemniscata e o Caduceu. Existe, na numerologia, o entendimento de que ao oito está relacionada a estabilidade para obras, empreendimentos e também para pessoas que aspiram proporção entre resultados e ideias novas, atenção de um ponto de vista e sucesso material, sendo, portanto, um número ligado à riqueza material (PASTORE FILHO; BORGER, 2010, p. 46), enquanto, para Numerólogo (1998, p. 45), o número representa a justiça e a objetividade. A cadeia novenária é representada por um triângulo pairando sobre uma estrela de seis pontas. Na Geometria, é o eneágono. Esta cadeia está relacionada com a perfeição de ideias, por indicar o número dos iniciados e dos profetas. Guimarães (2009, p. 65) lembra também que, por indicar o número entre os dez passos, ele representa o penúltimo e marca a prova derradeira e o temido exame final, sempre árduo. Pelos esoteristas, ela é chamada de Enéade. Os símbolos mais importantes desta cadeia são o dígito nove, a estrela de nove pontas e o eneagrama (GUIMARÃES, 2009, p. 65-68). Atribui-se ao número nove, segundo a numerologia

45

!

pitagórica,

as

qualidades

de

generosidade,

intuição,

firmeza,

coragem.

Universalidade e impessoalidade são qualidades atribuídas ao nove por Numerólogo (1998, p. 46). A cadeia decenária é representada, no ocultismo, pelo círculo ou ainda pelo oúroboros, uma espécie de serpente que morde a própria cauda, símbolo muito antigo encontrado em três sítios arqueológicos egípcios. Número ligado ao universo, ao inverso do Uno ou das múltiplas manifestações. Na Geometria plana, é o decágono, figura de dez vértices. Esta cadeia também é chamada de década. Pitágoras atribuiu ao dez o fechamento de ideias, o sentido de completude. Ao se reduzir o dez, utiliza-se o um para obter outras características. Segundo Guimarães (2009, p. 77), o estudo das cadeias numéricas compreendem o estudo dos números de um a dez, sendo que aos números maiores que estes são realizadas somas e reduções teosóficas. Contudo, segundo o autor, as cadeias superiores tem valor marcante. O número onze é considerado como sendo o número dos iniciados, sendo que o povo hebreu o considera como o número que representa os penitentes. Para Guimarães (2009, p. 78), “numerologicamente, é equivalente ao dois”. É ainda considerado o número da intuição (NUMERÓLOGO, 1998, p. 47). Os estudiosos afirmam que é uma repetição do dois, porém, com o aprendizado anterior, portanto, seria o dois com experiência. “Tem forca espiritual, é idealista e visionário, tem mente progressista por causa da incapacidade que alguns têm de lidar com as forças espirituais, acabam por se tornar excêntricos ou ingênuos” (GUIMARÃES, 2009, p. 119). Na tabela abaixo – figura 10, é possível visualizar as qualidades que são atribuídas aos números. 4e5

Físico

2, 3 e 6

Emocional

1e8

Mental

7e9

Espiritual !

Figura 10. Tabela para análise das qualidades atribuídas aos números. Fonte: o autor.

46

!

2.2. Alguns exemplos da aplicação da numerologia no processo de criação musical

“Eu utilizo a numerologia e a cabala, assim como Schoenberg idealizou o modelo dodecafônico. O processo é o mesmo, o que muda é a poética. Eu utilizo, por exemplo, a numerologia; componho música serial só que num outro estágio” (Roberto Victorio. In.: EGG, 2000, p. 06)

Na obra Cenizas, de minha autoria, composta em 2010 para quinteto de cordas (2 violinos, viola e 2 violoncelos), aparece uma evocação da cadeia una. No início do primeiro movimento, a frase “No princípio era o verbo e o foi considerado como não musical” é apresentada com orientação para que a mesma seja recitada pelo violista. Esta frase contextualiza o meu início na vida musical, sendo, portanto, uma das característica desta cadeia – o início, representando o ponto mais alto da Tetraktys na obra. O número dois aparece na obra musical Cenizas na forma de dois movimentos, sendo o primeiro movimento intitulado Muriendo e o segundo Renacimiento, o par antagônico da obra, que evoca o mito da fénix: o velho homem que morre para a prática musical tradicional e renasce para a música contemporânea. Ainda existe um outro elemento de dualidade importante na obra. Trata-se do final de suas partes: o primeiro e o segundo movimento terminam com acordes que somam um total 9, número ligado a espiritualidade, sendo que a transição termina com o número 6 seu oposto direto, se ligando ao materialismo.

Figura 11. Tríade presente no motivo gerador de JCB. Fonte: acervo particular o autor.

A cadeia trina também aparece na obra musical Cenizas, e é representada pelas três partes na qual se divide: I – Muriendo, Transição - Llanto e II – Renacimiento. Na obra JBC, de minha autoria, aparece uma tríade importante, composta pelas notas fá, si(♭ e ♮) e sol – figura 11, que representam na astrologia os planetas júpiter, saturno e o satélite natural da terra, a lua, sendo um elemento importante no fio condutor da obra.

47

!

Na obra musical Cenizas, tanto os dois movimentos quanto a transição existente entre eles se inicia com o 4. Dentro da obra, representa a base da Tetraktys que sustenta a seriedade, a habilidade musical e a imaginação presentes na concepção da mesma. O motivo gerador da peça se constitui de um quaternário ritmo apresentado na viola, com notas distribuídas numa espacialização em um arco convexo, sendo que a distância entre elas se reduz a cada vez que é apresentado, desaparecendo após passar por todos os instrumentos. Tal característica permeia toda a música, dando-lhe um caráter de simulacro (BENASSI, 2013, p. 316-336). A transição assim chamada por se iniciar com um acorde semelhante ao que encerra o primeiro movimento, e terminar com o motivo gerador do segundo, apresenta uma soma igual ao número 4 – figura 12. O segundo movimento também apresenta a mesma característica, sendo que os elementos vão sendo adicionados um a um, formando uma figura geométrica que me remete a da própria Tetraktys, até que o acorde seja formado. Ambas as partes mantém a ideia original sem que o mesmo possa se assemelhar.

! Figura 12. Motivos de gênese de Cenizas. Fonte: acervo particular do autor.

A obra musical Canção para o voo da borboleta, de 2010, para quinteto misto – doravante CVB –, cuja versão para flauta e piano foi publicada no Projeto “DuoBrasil: música erudita brasileira para flauta doce e piano” (BENASSI, 2011, p. 110127), tem no motivo gerador a apresentação de dois motes, sendo o primeiro acordal, cuja soma é 8 e o segundo espaço-melódico, somando um total 5. A soma resulta no número 4 que permeia toda a obra – figura 13.

! Figura 13. Motivo gerador de CVB. Fonte: acervo particular do autor.

A música de minha autoria Quatro cantos póstumos de 2012, para violino, violoncelo e piano, apresenta no segundo canto, intitulado Lamento Rebolô, uma

48

!

frase que gera todo o movimento se somado, resulta no número 5. Também são cinco os motivos sonoros apresentados no violino e no violoncelo. Somando-se todos os eventos sonoros e os silêncios correspondentes, a soma é igual a cinco. Este número não aparece por acaso no segundo movimento desta obra, está diretamente ligado a mudanças sofridas na estrutura do canto de trabalho da Zona do Cobre africana, intitulado Kamalondo, que permeia boa parte do mesmo. O número seis aparece no principal mote de JCB e está ligado à materialidade da obra. Além de apresentar elementos metafóricos da astrologia e do espiritismo – cuja importância para a sua concepção é relevante –, JBC foi composta para explicitar os resultados de minha pesquisa a respeito das técnicas expandidas, que originou meu Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. Seis também é o número de notas contidas no motivo. Outra obra que está sendo composta e que tem como fio condutor o número seis é a música intitulada Canções tradicionais das terras onde o mato foi removido (título provisório). Sua instrumentação varia de movimento para movimento e está organizada em seis partes. A saber: I – A mulher que dissipa brumas; II – O guardador de águas; III – O jardim de ossos; IV – O rio que corre ao contrário; V – O semeador de ventos e VI – A amazona que cavalga formigas.

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pp Metamorphos", Cao Benassi. Outubro-2010.

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compasso de número 19 e termina no 22. Em alguns, na fórmula de compasso; em outros, na quantidade de eventos sonoros. A enéade também se faz presente na obra Cenizas para marcar minha iniciação na criação contemporânea. Os dois movimentos da obra terminam com acordes que são compostos por notas que resultam no número 9. Este número foi escolhido para ser o principal fio condutor da obra Réquiem para os pássaros mortos em abril, cuja poética e procedimentos composicionais serão, neste trabalho, explicitados. A obra musical Meandros, sutilezas e segredos de minha alcova para flauta doce, flauta nepalesa e violão – doravante MSSA –, também de minha autoria, é dividida em três movimentos, cujo início do processo de composição, se deu em 2011, tem no seu motivo gerador as notas sol♯ e lá natural, cuja soma principal na numerologia é 10 – figura 15. Concebida após a conclusão de minha graduação, indica o fechamento deste ciclo e o começo de um novo: o mestrado. Para o amado Anderson (O filho de An!é)

Mean#os, sutil$as e segredos de minha alcova Para flauta nepalesa, flauta doce e violão

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Mean#os, sutil$as e segredos de minha alcova. Cao Benassi. Setembro -2011

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Figura 15. Motivo gerador de MSSA. Fonte: acervo particular do autor.

Como visto ao decorrer da exemplificação, o número e sua significação na numerologia foram utilizados de diversas formas na criação de obras, cuja poética

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!

está em franca transformação. O número ora é usado como fio condutor da obra, ora é pensado de forma isolada, pontual. O meu pensamento criativo musical está se firmando em torno dessa temática e tende a se estruturar em torno de uma serialização numeral. No início, a ideia da numerologia Pitagórica girava em torno da escolha do dia para o início da composição, quantidade de notas em motivos de gênese ou ainda na formulação de compassos. Com o amadurecer do meu pensamento criativo numeral, o processo tende a se consolidar, e espera-se que na criação de Requíem para os pássaros mortos em abril a temática número esteja presente do forma mais efetiva, figurando como fio condutor da mesma. 2.3 A espiritualidade: componente axiológico presente na criação musical ! Como abordado no capítulo anterior, a forma artística vai além do simples material organizado. A base desse pressuposto está nas relações axiológicas, que são os conceitos de valores que predominam em determinada sociedade, que implicam numa tomada de decisão ou, mais precisamente, nas escolhas feitas pelo ser humano em relação aos valores morais, éticos, estéticos e espirituais. Para Bakhtin, “o que se chama de ‘individualidade criadora’ constitui a expressão do núcleo central sólido e durável da orientação social do individuo” e ainda considera que “o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo” (BAKHTIN, [1929]2010). Mesmo que os elementos axiológicos não se tornem explícitos em uma enunciação artística, fazem parte da gênese da mesma, pois é de natureza social a estrutura da enunciação e a atividade mental que a envolve. Victorio (1991, p. 01) explica que as práticas rituais levam o espírito a uma objetivação e concretização do mito, desvelando o homem como um reflexo e protagonista do próprio mito. Há, segundo o autor, nesse processo, “uma busca imanente pela ascensão e redenção e de um contato com o sobrenatural e divino”, cujo contato “se dá de forma não coerente nem ordenada” (VICTORIO, 1991, p. 01), não podendo ser explicada racionalmente, sendo que seu modelo advém, não da natureza, pois é de caráter social e sua origem não está no mundo físico.

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Para!o!Duo!Brasil

Pachïvà

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Edit.:!Cao!Benassi Motivo!do!1º!movimento!ditado!pelo!!espírito!Maria!José

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Figura 16. Motivo gerador do primeiro movimento de Pachïva. Fonte: acervo particular do autor.

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!

Para Victorio,! A música, por todas as conexões percebidas com forças imateriais, todas as proporções que se confirmam pelas ligações internas e pela grande penetração no universo físico - como vibrações (quase) palpáveis - nos incita a concluir que suas raízes habitam, em essência, o desconhecido. A certeza que temos, ao nos depararmos com manifestações que beiram ou coexistem com o insólito, como os rituais, a música e as manifestações artísticas em geral, é nossa incapacidade de, enquanto humanos, perceber os meandros internos e a real origem e funcionalidade destes acontecimentos, muitas vezes marcados pela total incoerência e desconexidade. Talvez por isso mesmo, tenhamos tanta ânsia nesta busca (por uma infinidade de meios) a partir do momento da percepção de nossas limitações e da barreira sensorial / dimensional que nos separa (VICTORIO, 2006, p. 13).

Algumas obras de minha autoria manifestam, além da componente axiológica, a ação de exotopia, quando busco em escritos de certos médiuns dados para compor o conteúdo ético cognitivo e a forma artística da mesma. Isso está presente na obra Pachïvà. Microsséries para flauta doce e piano – figura 16 (BENASSI, 2011, p, 128-141). O tema da qual origina o primeiro movimento, presente na figura abaixo, foi extraído de uma anotação em uma seção religiosa atribuído a Maria José16. Tal aspecto permeia algumas obras de minha autoria: MSSA, por exemplo, obra para flauta doce e violão em três movimentos, iniciada em 2011, ainda em fase de composição. Também a obra Quatro cantos póstumos para violino, violoncelo e piano, de 2012, que, posteriormente, originou uma versão para orquestra sinfônica. Em JCB nº 02 – figura 17, tal característica também se faz presente de forma muito efetiva. A obra foi composta no ano de 2010 e concluída em, aproximadamente, sete meses. A obra se inicia com um pequeno cluster de quatro notas apenas no vibrafone e vai se expandindo, até que no compasso número seis tem-se o clímax da peça – obviamente o ponto mais complexo da obra –, sendo que a partir daí o discurso estabiliza e começa a declinar até que é finalizado com uma frase melódica no saxofone. Compõe o universo sonoro da obra o poema Jardins dos caminhos que se bifurcam, de autoria do Espírito Maria Dolores, cuja recitação é utilizada para explorar as texturas sonoras da palavra falada e da voz humana, em contraponto a ambiência sonora instrumental. Por um lado, o universo sonoro instrumental é !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 16

!Entidade!espiritual!concebida!no!meio!religioso!espírita!como!sendo!romancista,!musicista!e!pintora.!!

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!

concebido como a representação do Divino e do Espiritual e, em contraposição, a voz representa o humano e o material, concretizando assim o elemento dual na obra. Escrito em parceria com o espírito Maria José. Cao Benassi

"Ao anjo que tomou forma humana para continuar próximo a mim". Jar!ns dos caminhos que se bifurcam nº 02 Poema do espírito Maria Dolores.

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Jardins dos caminhos que bifurcam nº 02, Cao Benassi. Outubro-2010

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Figura 17. Motivo gerador de JCB n.º 02. Fonte: acervo particular do autor.

Sua concepção está diretamente ligada à esfera axiológica religiosa, da qual partilha o conteúdo ético-cognitivo, buscando elementos poucos convencionais para chegar a sua forma artística. Nesta perspectiva, Victorio explica que, A música (como realização humana) com suas leis, regras, inúmeras possibilidades combinatórias e infinitos afluentes conceptivos, possui poucos modelos naturais - como fontes físicas, que situam-se entre os símbolos apresentativos (enquanto formas, proporções geométricas e toda sorte de sinais traduzíveis) e símbolos artísticos (enquanto o resultado sonoro dessas combinações e sua lógica interna) - que se concretizam para nós como um brevíssimo lapso espaço-temporal, traduzido pelos reduzidos níveis perceptíveis tridimensionais. Mas é óbvio, que apesar desta defasagem no nível de absorção e transmissão, que ainda nos é imposto pela matéria, temos que admitir a imensa força dos sons (e das sonoridades) enquanto realização artística, enquanto leis inacessíveis ao homem (VICTORIO, 2006, p. 13,14).

Ainda é possível notar nos relatos de EGG (2000, p. 06), a utilização numerológica na poética musical do compositor estadunidense George Crumb e do

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compositor brasileiro Roberto Victorio. Na descrição do autor, tanto a obra Black angels, de George Crumb quanto a obra Heptaparaparshinokh, de Roberto Victorio, apresentam aspectos ritualísticos. Segundo o autor, existe uma intenção ritualística em ambas as obras, que se manifestam na utilização do número, seja nos títulos das partes, temas abordados ou textos que são cantados ou ainda, recitados. “Tal intenção fica exacerbada pelo uso da numerologia como ferramenta para estruturar diversos elementos musicais” (EGG, 2000, p. 06). Egg (2000), ao concluir seu trabalho analítico, cujo objeto de pesquisa foi a obra Tetraktys, de Roberto Victorio, destaca que as relações numéricas na poética da obra lhe conferem coerência estrutural, elementos que não se notam pela audição da obra, mas por meio de uma análise detalhada da partitura. E observa que, O que garante a unidade da obra, perceptível na audição, é a utilização de material musical que constantemente retorna sendo modificado e gerando novos materiais. Assim o ouvinte setá sempre voltando a ter contato com material já apresentado anteriormente na peça. A variedade se mantém pelos contrates de timbre dinâmica ricamente explorados, bem como pelo caráter contrastante entre as seções (EGG, 2000, p. 43).

Tenho buscado apreender no discurso musical alheio a poética em torno do uso do número como elemento mítico, embora julgue que toda obra produzida até agora demostra uma poética aprendiz e, como afirma Victorio (1991, p. 69), não se busca uma manutenção de ordem absoluta na temática da numerologia, “nem como garantia de um bom resultado musical, assim como o reconhecimento analítico dos processos ritualísticos não garante a eficiência de um ritual”. Para o autor, “a intenção é que preconiza a ação e devolve a questão ao foro íntimo de cada um. Afinal, esta é, de fato uma questão de fé”. Neste capítulo, apresentei os conceitos numerológicos que são utilizados em minha concepção do texto musical. Além de um breve esboço a respeito deste conhecimento tão antigo, cujas reminiscências são traduzidas poeticamente na música pelos grandes nomes da criação, cada cadeia numérica foi apresentada com suas respectivas características vibratórias, símbolos representativos e como e em qual contexto aparecem em minha poética. Da mesma forma, a presença de um segundo estímulo criativo foi apresentado, delineando sua aplicação na criação musical.

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No próximo capítulo será conhecido o atual contexto da flauta. Será retomada a história do início das pesquisas que buscavam novos timbres, novas sonoridades e novas formas de se tocar a flauta. Consequentemente, com tais descobertas, um novo repertório surgiu e com ele propostas e recursos para incrementar esse instrumento, tornando viável a sua inserção no âmbito da música contemporânea.

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CAPÍTULO 3 A FLAUTA NA CONTEMPORANEIDADE: DO DIÁLOGO CONVENCIONAL ÀS POÉTICAS CONTEMPORÂNEAS

3.1 A flauta e suas técnicas expandidas: novas possibilidades para a performance musical Historicamente, a flauta sofreu um processo de esquecimento. Devido as novas inflexões do estilo musical que floresceu no Barroco, que exigiam instrumentos de maior potência sonora, tessitura mais ampla e maior flexibilidade de dinâmica, tendo como principal aliado, o crescimento da orquestra, tornaram o seu uso dispensável, uma vez que a flauta não apresentou tais características, os músicos da época deixaram de tocá-la. Consequentemente, os compositores deixaram de escrever para ela, o que a levou a ser substituída, gradativamente, pela flauta transversal, como aponta Sávio Araújo (1999, p. 4). Isso a fez desaparecer do cenário musical por volta do ano de 1750, ficando 150 anos em silêncio (HAUWE, 1984, p. 06). Em meados do século XIX, um trabalho desenvolvido por musicólogos e músicos interessados em instrumentos antigos e no repertório escrito para eles – dentre eles se destacou Arnold Dolmestch (1858-1940) – trouxe a flauta de volta à vida, sendo que seu uso ainda ficou ofuscado pelos instrumentos que na mesma época foram reconstruídos, dentre eles o cravo e a viola da gamba. A saída encontrada para popularizar a flauta foi difundila por meio do ensino. Nesse processo, destacou-se a família Dolmetsch, sendo que Carl Dolmetsch (1911-1997) foi uma das mais influentes personalidades no desenvolvimento da flauta, continuando o trabalho iniciado por seu pai Arnold Dolmetsch. Carl viajou o mundo, difundindo o instrumento por meio de palestras, sempre acompanhado por outros membros da família que também se dedicam à flauta. Sua influência foi uma das mais notáveis, figurando como um dos mais importantes intérpretes, criador e promotor do instrumento. Desde o final da segunda grande guerra, tem sido muito requisitado para tocar, o que o fez executar pelo menos uma nova composição de um compositor britânico diferente a cada recital dado por ele (O’KELLY, 1990, p. 13).

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Segundo O’Kelly (1990, p. 82), por volta de 1908, após a publicação de Five Pieces for Orchestra de 1908, deu-se um dos mais importantes desenvolvimentos da música: a reavaliação das capacidades técnicas dos instrumentos musicais, levando a uma expansão das possibilidades tímbricas até então jamais pensadas. O conceito de melodia timbrística - amplamente desenvolvidas na música de Webern17

(1883-1945),

Bartok18

(1881-1945)

e

Messiaen19-

desperta

nos

compositores o desejo da busca pela experimentação de novos sons e novas possibilidades de expressão musical desconhecidas (O’KELLY, 1990, p. 82)20. Além disso, podemos citar também, a enorme influência da música oriental nesse processo. Dentre os que se destacaram na busca e expansão do discurso musical da flauta, sendo influenciado diretamente pelas técnicas utilizadas na música oriental, está o flautista Michael Vetter. O reconhecimento e a emancipação da expansão das técnicas dos instrumentos de sopro deu-se por meio da publicação do livro New sounds for woodwinds, de Bruno Bartolozzi21 (1911-1980), em 1967. Posteriormente, surgem diversas pesquisas a respeito dos dedilhados da flauta transversa e da clarineta, revelando uma grande variedade de novas sonoridades. Tal preocupação incluiu a flauta, sendo que dois dos principais fundamentos da tradição instrumental devem ser reavaliados à luz dessas novas descobertas. Segundo O’Kelly (1990, p.82), o primeiro deles é a crença de que exista apenas um dedilhado possível para cada nota em um instrumento de sopro, e o segundo, de que não seja possível, em um instrumento de sopro, executar duas ou mais notas ao mesmo tempo. Para a autora, nenhuma dessas afirmações pode ser considerada verdadeira, uma vez que as novas combinações de digitação podem produzir sons simples e múltiplos, com uma grande variedade de timbres e entonações. A autora pressupõe que esse acontecimento talvez tenha sido o mais importante na história da flauta desde as inovações de design no século XVIII, que !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 17

!Anton!Webern.!Compositor!austríaco,!pertencente!à!Segunda!Escola!de!Viena.! ! Béla! Viktor! János! Bartók! de! Szuhafő.! Compositor! húngaro,! pianista! e! investigador! da! música! popular! da! Europa!Central!e!do!Leste.! 19 !Olivier!Eugène!Prosper!Charles!Messiaen.!Compositor,!organista!e!professor!francês.!! 20 !Para!maiores!detalhes!a!respeito!desse!processo,!consulte!o!livro!The'recorder'today!de!Eve!O’Kelly.!! 21 !Compositor!italiano,!pioneiro!no!desenvolvimento!das!técnicas!expandidas!para!instrumentos!de!sopro.! 18

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influenciaram na produção dos instrumentos que tocamos hoje. Segundo O’Kelly (1990, p. 83), a descoberta de um novo universo sonoro na flauta por meio dos dedilhados não-padrão trouxe à luz as possibilidades musicais oferecidas pelas várias formas de articulação, vibrato, e ainda, toda uma panóplia de efeitos especiais que possibilitam ao instrumentista o acesso a um “território” muito além da técnica convencional. Um dos maiores entusiastas e colaborador na busca pelas técnicas expandidas da flauta foi, sem dúvida, o flautista alemão Michael Vetter (O’KELLY, 1990, p. 16-17) por sua importante contribuição para o desenvolvimento e para a efetivação da performance de vanguarda com a flauta. Alguns compositores da época sofreram grande influência, não só de Vetter, mas também de seus contemporâneos; dentre eles, Frans Brügger – flautista holandês de renome internacional que teve as principais obras do atual repertório de flauta escritas para ele. Uma das peças de maior importância é Gesti, do compositor italiano Luciano Berio (1925-2003). Vetter trabalhou com Stockhausen22 (1928-2007), desenvolvendo a peça de improvisação Spiral (1969) para flauta e ondas (curtas) de rádio. Com ele, viajou para o Japão como membro da Stockhausen Ensemble para a Expo’70 World Fair em Osaka. Durante sua estadia no Japão, entrou em contato com a flauta japonesa Shakuhachi. Estudou e incorporou as técnicas da flauta shakuhachi à flauta, o que contribuiu para sua interpretação das obras de Stockhausen. Sobre o estudo da peça Fuenota (‘Song of the Flute’) de Stockhausen, de 1970, há uma descrição em que Clark (1971, p. 338) diz que Vetter tocava continuamente por sessenta minutos, sentado de pernas cruzadas em um tapete branco, iluminado por uma luz verde e roxa, e suas improvisações eram guiadas apenas por um pequeno pedaço de papel aos seus pés (O’KELLY, 1990, p. 16). No início dos anos 70, Vetter volta para o Japão e vive em um mosteiro onde teve contato com a filosofia e a teologia e estuda o Taoísmo e a prática Zen. De volta ao ocidente, Vetter volta a dar seus recitais. No BBC’s Stockhausen Festival, cujo tema era Music and Machines, que aconteceu no Barbican Centre em Londres, em janeiro de 1985, ele fez uma performance vocal de Spiral. Segundo relatos, a extraordinária demonstração de virtuosismo por parte de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 22

! Karlheinz! Stockhausen.! Compositor! alemão,! amplamente! reconhecido! pela! crítica! como! um! dos! mais! importantes!compositores!da!contemporaneidade.!!

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Vetter, tanto vocal como teatralmente, foi influenciada pela música tradicional japonesa. Para O’KELLY, Esta extraordinária demonstração de virtuosismo vocal e teatral, evidentemente, foi influenciado pela música tradicional japonesa, combinada com sua presença de palco, teve um impacto considerável sobre a plateia e mostrou claramente por suas atuações que sempre atraíram positivamente a opinião muitos críticos (1990, p. 17).

Dentro da década de 60 do século XX, Vetter começou a pesquisar os dedilhados não-padrão23 da flauta, efetivando-os com a publicação do livro Il flauto dolce ed acerbo, no ano de 1969, dois anos após a publicação do importante livro New sounds for Woodwind, de autoria de Bruno Bartolozzi. Uma curiosidade que vale a pena ser ressaltada é que as pesquisas referentes às técnicas expandidas da flauta, principalmente as de Vetter sobre o dedilhado não-padrão, estavam bem à frente dos tratados semelhantes em outros instrumentos. Desde o início das pesquisas, as investigações acerca dos dedilhados da flauta têm sido norteadas pelas tentativas de classificar, ordenar e catalogar, sendo que muitas delas têm sido documentadas – não só as que se referem ao dedilhado, mas também outras técnicas da flauta, igualmente importantes, que têm proliferado nos últimos anos. Para o flautista e pesquisador Hauwe (1984, p. 06), não se sabe se as descobertas desses novos procedimentos, desconhecidos na Renascença e no Barroco, irão influenciar na interpretação da música antiga. No entanto, é claro e evidente que os efeitos desses desenvolvimentos serão sentidos de alguma forma. Para melhor entender a catalogação das técnicas expandidas da flauta, O’Kelly (1990, p. 83) propõe uma divisão em quatros categorias. Isso porque, segundo a autora, as técnicas foram atribuídas às categorias mais óbvias. Por exemplo, os 6 tipos de vibratos24 foram organizados em uma mesma categoria, embora a maneira de obtê-los sejam bastante diferente. Glissando e random fingerplay – movimentação aleatória dos dedos – foram adicionados à categoria dos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 23

!Dedilhado!nãompadrão!é!o!termo!usado!por!O’Kelly!em!substituição!a!"digitação!alternativa!"!ou!"dedilhado! especial",! já! que! os! dois! últimos! termos! parecem! sugerir,! erroneamente,! um! uso! muito! específico! desses! dedilhados! que! raramente! é! uma! prática! casual.! Na! verdade,! o! flautista! faz! sua! escolha! de! acordo! com! a! conveniência!e!adequação!individual!que!podem!ser!tantos!como!vinte!ou!trinta!dedilhados!possíveis!para!uma! nota!(O’KELLY,!1990).! 24 !Consultar!o!glossário!de!termos!técnicos.!!!

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efeitos especiais, mesmo que, para a autora, pudessem ser facultadas à dos dedilhados não-padrão. As categorias propostas por O’Kelly (1990, p. 84) são: 1 – dedilhado nãopadrão; 2 – articulação; 3 – vibrato; 4 – efeitos especiais. Para a autora, dentro de cada grupo, existe uma grande quantidade de pequenas variações da técnica básica. Aparentemente, não era necessário documentar cada uma delas, por se tratarem de complexidades que os flautistas e os compositores poderiam descobrir por si mesmos. Na intenção da autora, reduzir a classificação ao essencial foi necessário. Segundo O’Kelly (1990, p. 84), não há uma padronização na grafia das técnicas. Também não há nenhum consenso sobre a notação dos vários tipos de técnicas existentes na música contemporânea, e nenhuma tentativa foi realizada até aqui para convencionar uma notação padrão. Cada compositor as grafa de forma individual e o uso de formas precisas no decorrer do tempo provocará um processo de seleção naturalmente. O dedilhado convencional foi idealizado para dar uniformidade ao som do instrumento, considerando os parâmetros de volume, timbre e altura. Porém, na música contemporânea, essa semelhança entre timbre e textura é apenas uma das várias possibilidades que o compositor tem em sua paleta sonora e na gama de novos sons disponíveis a partir de dedilhados não-padrão, que fornecem um importante complemento para a técnica tradicional da flauta.

3.1.1 Grupo 1 – dedilhado “não-padrão” Na primeira categoria estão os dedilhados não-padrão da flauta. Esses podem pertencer a qualquer um dos seus três registros – graves, médio ou agudos – baseando-se na descoberta de que o som se comporta acusticamente de maneira diferente quando se obstrui parcial ou totalmente o orifício do pé25, localizado na campânula do instrumento. Esses dedilhados alteram a onda de som dentro do tubo e, consequentemente, o timbre produzido. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 25

!A!flauta!pode!apresentar!duas!ou!três!partes.!Para!o!presente!esclarecimento,!tomo!como!referência!a!flauta! com!três!partes.!São!elas!a!cabeça,!corpo!e!pé.!Na!cabeça!se!localizam!o!canal,!a!janela!e!o!lábio,!aparatos!que! produzem!o!som;!no!corpo!estão!os!orifícios!para!os!dedos!e!no!pé!os!últimos!dois!orifícios!que!são!operados! pelo!dedo!mínimo!da!mão!direita!e!também!o!furo!da!campânula.!

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! Figura 18. Descrição da flauta. Fonte: o autor.

Os registros designam da seguinte forma: o padrão, normal ou “aberto”, quando o orifício final está aberto e a formação da onda sonora é a de um tubo aberto em ambas as extremidades; o “fechado”, quando o buraco final está total e firmemente tapado e o “semifechado” que é quando o furo da campânula está parcialmente fechado. Aconselha-se introduzir uma rolha ou qualquer outro material, com a finalidade de obstruir essa abertura, que ainda pode ser cerrada com o auxílio do joelho. Em contato com a pele, o orifício estará fechado por completo. Por cima da roupa ou com um pedaço de plástico, parcialmente. Segundo O’KELLY (1990, p. 85), estima-se que existam cerca de 6.500 combinações de dedilhados diferentes, com o orifício aberto, e outras 20.000 para

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os demais registros. Embora esses dedilhados variem de instrumento para instrumento, uma percentagem muito significativa delas produzem um som único, múltiplo e útil, com timbres variados e bom nível dinâmico, bem como extensões acima da convencional. Muitas notas da flauta têm cerca de 30 a 40 formas diferentes de dedilhado. Vetter listou 79 variações possíveis para se obter o Si♭3 com o registro aberto, mais 47 digitações no fechado e outras 27 com o registro semifechado. Os dedilhados não-padrão estão divididos em dois tipos. O primeiro é monocolunar – que possui apenas uma coluna de ar, compreendendo as variações de dinâmica, variação de timbre, harmônicos e microtons. O segundo bicolunar – que possui duas colunas de ar e comporta os multifônicos, que produzem diversos sons de timbres diferentes simultaneamente. Esses sons podem ser em número de dois a quatro, que podem apresentar diferentes graus de proeminência, estando sujeitos às mesmas variações timbrísticas que os do primeiro tipo. Tais variações são, no entanto, mais difíceis de descrever com precisão como no caso dos multifônicos e, portanto, não são tratadas aqui como sobreposições separadas. Todos os dedilhados nãopadrão exigem uma boa coordenação da respiração e digitação por serem menos estáveis do que suas contrapartes no dedilhado padrão [...] (O’KELLY, 1990, p. 85)26.

3.1.2 Grupo 2 – articulação27 A segunda categoria é a da articulação. Nela estão reunidos os ataques (articulações) simples e compostos, frullato. A principal fonte de articulação na flauta é a língua, que, formando uma série de possíveis ataques e sílabas, dão “cor” e forma imprescindíveis ao som (O’KELLY, 1990, p. 91). A articulação realiza uma importante função na interpretação da música contemporânea e a sua notação em obras de vanguarda tende a ser muito específica. As articulações simples, duplas ou triplas, que são naturalmente inerentes à técnica normal de qualquer instrumento de sopro, são usadas cada vez mais por compositores e flautistas. O’KELLY (1990, p. 91) afirma que, na interpretação de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 26

!Tradução:!o!autor! ! Para! maiores! detalhes! sobre! as! técnicas! expandidas! brevemente! expostas! a! partir! daqui,! consultar! o! glossário!no!final!deste!trabalho,!ou!os!livros!The!recorder!today!e!The!modern!recorder!player.!

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sílabas de articulação, é importante que o flautista reflita sobre a sonoridade da linguagem nativa do compositor antes de tentar executar as instruções dadas pelo autor, pois as diferenças linguísticas devem ser levadas em consideração. As consoantes de sílabas em língua portuguesa mais usadas são as seguintes: 1) o “t” para o início de frases, retomadas de respiração ou destacado; 2) “d” e “r” para passagens mais suaves, com ataque lingual combinadas com as vogais “u”, “e” ou “i”; já para os ataques guturais usa-se as consoantes “k” e o “g”, combinadas com a vogal “a”. Articulações duplas combinam uma sequência de sílabas que pode ser “ta-ka”, “da-ga” ou “ra-ga”, e as triplas “ta-ka-ra” ou “da-ga-ra”. Nessa categoria ainda aparece o frulato (frulatto), que é produzido com um “r” rolado na ponta da língua. Esse recurso, segundo O’Kelly (1990, p. 93), é frequentemente utilizado na música contemporânea. Existe também o frulato de garganta, que se produz fazendo vibrar as paredes internas da garganta, produzindo um som parecido a um “h” ou “k” “raspado”. 3.1.3 Grupo 3 – vibrato Vibrato é um dois mais importantes meios disponíveis para o flautista alcançar diferentes “tonalidades de cor”, intensidade, dinâmica e afinação. O uso do vibrato como um dispositivo constante da técnica da flauta ou apenas em algumas passagens, como um artifício de decoração, é uma questão que já foi amplamente discutida; mas até agora, no que diz respeito à música contemporânea para flauta, pode-se dizer que seu uso não é automático, ficando a critério do intérprete, de acordo com o contexto (O’KELLY, 1990, p. 94). Quanto ao uso do vibrato, O’Kelly (1990, p. 94) afirma que, quando se busca um efeito específico por meio do vibrato, como por exemplo, vibrato com ritmo das oscilações definido, o compositor determina na partitura. Ainda segundo a autora, alguns compositores explicitam o uso do vibrato em suas obras, outros, ocasionalmente, proíbem. Além do vibrato de diafragma, comum a todos os demais instrumentos de sopro, existe na flauta outros cinco tipos catalogados. Nessa categoria – a dos vibratos – estão alocados: 1) vibrato de diafragma; 2) de garganta; 3) de língua; 4) de dedo; 5) de lábio; 6) de joelho; 7) de cabeça; 8) de braços e 9) de campânula.

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3.1.4 Grupo 4 – efeitos especiais O grupo dos efeitos especiais é o grupo que acomoda a maior parte das técnicas expandidas da flauta. Como esse é um instrumento desprovido de chaves – no caso das menores –, uma grande variedade de procedimentos – incluindo o de outros instrumentos – foram sendo incorporados, e o resultado é muito interessante. Na quarta categoria estão reunidos: 1) glissando; 2) rustle tons; 3) ruído branco; 4) dedos aleatórios; 5) efeitos vocais; 6) sons da boca; 7) duas flautas simultaneamente; 8) alterações na estrutura do instrumento e ainda um subgrupo chamado efeitos excepcionais. 3.2 A música de vanguarda para flauta e a expansão do seu discurso musical Embora registros anteriores apontem para o uso da flauta em conjuntos de câmara pelo compositor Harry Partch28, foram os compositores alemães e holandeses os responsáveis pelas primeiras obras de vanguardas dedicadas exclusivamente a este instrumento. A partir do ano de 1960, começaram a surgir peças que cresceram rapidamente em número e qualidade. Essas obras tiveram um caráter de experimentação que apresentaram resultados imediatos, na performance dos principais flautistas da época, dentre eles Michael Vetter e Frans Brüggen. Mas esse novo repertório não foi nem grande nem interessante o suficiente para atrair e servir de base para uma carreira solista de novos instrumentistas. O’KELLY afirma que, Isso não quer dizer que os estilos convencionais foram abandonados – tais obras continuam sendo escritas, e são necessárias e muito importantes para a sobrevivência da flauta doce – mas as primeiras tentativas dos flautistas e compositores de investigar novas técnicas para tocar a flauta doce, marcaram o reconhecimento de uma área potencialmente inexplorada e levou ao desenvolvimento posterior da flauta doce como moderno em vez um instrumento histórico (O’KELLY, 1990, p. 50)29.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 28

!Harry!Partch!nasceu!em!OaklandmCalifórnia,!em!24!de!junho!de!1901.!Faleceu!em!San!DiegomCalifórnia,!em!3! de! Setembro! de! 1974.! Foi! compositor,! teórico! musical,! escritor,! construtor! de! instrumentos! musicais! e! um! grande! artista! nortemamericano.! Partch! foi! um! pioneiro! da! música! micro! tonal,! do! uso! de! instrumentos! não! convencionais,! bem! como! do! uso! não! convencional! de! instrumentos! convencionais,! sendo! considerado! uma! das! figuras! chave! nas! vanguardas! artísticas! do! pósmguerra.! Críticos! o! têm! como! um! dos! mais! influentes! compositores! estadunidenses! do! século! XX! (Disponível! em! http://www.lastfm.es/music/Harry+Partch/+wiki.! Consultado!em!16!de!set.!de!2013).! 29 !Tradução!do!autor.

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Em 1960, uma comissão foi convocada para analisar obras para que fossem incluídas no novo repertório da flauta. Os compositores Jürg Baur, Louis Andriessen e Rob du Bois atenderam prontamente, pois foram os primeiros a escrever peças para flauta em uma linguagem moderna, sem fazer concessões às suas limitações – diferente da utilizada anteriormente, que a fez um simples instrumento para a execução de melodia lírica. Isso naturalmente foi possível porque esses compositores estavam escrevendo para músicos virtuosos. Sem a combinação desses flautistas, compositores e oportunidades de desenvolvimento da performance musical, obviamente o movimento vanguardista da flauta não teria ganhado impulso (O’KELLY, 1990, p. 50-51). A primeira obra musical de vanguarda escrita para flauta foi Musiek (1961), para flauta contralto solo do compositor holandês Rob du Bois30, contemporâneo de Brüggen, para quem a obra foi escrita. Musiek é uma peça onde du Bois empregou o dodecafonismo e as técnicas expandidas da flauta, limitando-se ao uso de frulattos, rustles tones, glissandos e vibratos de dedo - uso relativamente modesto em relação a outras obras. O que a faz ser considerada de vanguarda são os ritmos complexos e a atonalidade da peça, que exigem do executante virtuosismo. Nessa obra, du Bois utilizou-se de todo o cromatismo da flauta, inclusive aqueles com digitação bifurcada, que exige do flautista destreza e domínio do dedilhado. Para O’Kelly (1990, p. 52), a notação detalha minuciosamente a articulação e a dinâmica. Sua execução exige muita precisão devido a grande série de efeitos explorados na obra. Para a autora o nível do controle da dinâmica exigido nessa obra é necessariamente muito maior. Em determinadas passagens, du Bois serializa a dinâmica e sugere uma série que vai de ppp a f (Fig. nº 20), que obviamente não pode ser executada literalmente. É certo que é possível alargar a gama de dinâmicas, utilizando-se de um instrumento moderno que permita elevar a pressão de ar, sem comprometer sua afinação e, ainda, empregar o uso dos dedilhados nãopadrão.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 30

!Rob!era!pianista!e!compositor!autodidata!(O’KELLY,!1990:!51).!

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! Figura 19. Rob du Bois, Muziek. Fonte: O’KELLY (1990). Edição do autor.

Esta obra alcançou reconhecimento tardio, uma vez que a carreira de Baur foi interrompida pela II Guerra Mundial. Baur só aceitou o dodecafonismo em meados de 1950, e é conhecido como sendo um compositor da visão orquestral (the composer of the ‘orchestral visions’) (O’KELLY, 1990, p. 52). Enquanto du Bois escrevia Musiek dedicada ao flautista holandês Franz Brüggen, na Alemanha, Jürg Baur compôs uma série de peças para Vetter. Incontri, para flauta alto e piano foi uma delas. No ano de 1962, Baur escreveu Mutazioni (Fig. n.º 21), a pedido de Vetter. Essa obra quase não utiliza as técnicas expandidas, porém exige do intérprete maior domínio da técnica e de interpretatividade que as habitualmente tocadas até então. Multifônicos, glissandos e várias formas de vibratos são utilizados, além de uma ampla gama de dinâmicas, bem como variadas articulações combinadas a todo cromatismo do instrumento (O’KELLY, 1990, p. 52).

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! Figura 20. Jürg Baur, Mutazioni. Fonte: O’KELLY (1990). Edição do autor.

Nesta obra, algumas passagens não são definidas, o que permite ao intérprete improvisar, levando o flautista a acessar um universo há muito conhecido por outros instrumentistas. Compositores como Stockhausen, Nono, Berio, entre outros, abriram as portas desse ambiente para os flautistas, descortinando um gestual totalmente novo para a flauta e o flautista. Uccelli Pezzi (1964), para flauta solo, é outro trabalho importante de Baur. Tanto Uccelli Pezzi quanto Music for a bird, de Hans-Martin Linde, utilizam-se de técnicas expandidas para imitar o canto dos pássaros. Ainda falando das primeiras obras de vanguarda para flauta, duas obras se destacam, sendo elas Sweet e Gesti. A primeira obra, Sweet (Fig. nº 22) de Louis Andriessen, para flauta alto solo, é uma das peças onde o virtuosismo do intérprete é muito exigido. A obra foi escrita para Brüggen, e o título é um trocadilho à suíte barroca, ridicularizando a tradicional imagem da “flauta pastoral”. O principal efeito da peça provém dos esforços frenéticos do intérprete em lidar com as exigências da música. Sweet foi deliberadamente concebida por Andriessen como uma peça "intocável", uma espécie de exame das qualidades formidáveis de virtuosismo. A execução de Sweet é rápida e extremamente difícil (O’KELLY, 1990, p. 53). De cromatismo elaborado que conduz a um clímax central prolongado, culmina num black-out31 onde, apesar dos esforços frenéticos, o solista fica impedido de continuar tocando. O estado mental do artista nesse momento é representado por uma interrupção que se estende por um período de tempo indeterminado, onde se faz executar sons previamente gravados. Em algumas performances foram utilizados efeitos visuais e teatrais. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 31

!Referemse!à!complexidade!do!trecho,!onde!o!próprio!compositor!deixa!de!escrever!sons!para!a!flauta!e!pede! que!sons!previamente!gravados!sejam!executados.!

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il più presto poss. e staccatissimo, furioso



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tutta la forza, furioso

ad. lib. 10"



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duration of the interruption 25" - 4' 00"

*



very high sound

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Figura 21. Louis Andriessen, Sweet. Fonte: O’KELLY (1990). Edição do autor.

Contudo, de todo o repertório escrito para a flauta, Gesti (Gestos, 1966), do compositor italiano Luciano Berio, para flauta alto solo, sem dúvida foi a música que revolucionou a maneira de tocar este instrumento, com seus ataques súbitos e

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imprevisíveis, imprecisão de registros, sons vocais, frulattos e spike staccato notes (quase pizzicato). Todos os grandes flautistas da atualidade já executaram-na. Brüggen, para quem a peça foi escrita, executou-a em suas turnês mundiais. Gesti é a obra contemporânea mais bem sucedida já escrita para flauta, e, apesar de naquela época já não ser estranho executar música contemporânea neste tipo de instrumento (pelo menos para os artistas), fez-se necessários nos recitais alertar o público sobre o novo papel da flauta, pois as plateias ainda despreparadas ficavam chocadas com a performance. Essa obra de Berio para flauta é diferente de todas as demais, não só por usar técnicas expandidas, mas também pelo conceito que originou o trabalho. A ideia da composição partiu do próprio Berio, que escreveu uma carta para Brüggen que dizia: “percebo agora que você é responsável por um dos mais estranhos ‘gestos’ da minha vida. Como você pode ver, eu tentei comemorar um divórcio entre os dedos e a boca (BRÜGGER, 1966, apud O’KELLY, 1990, p. 55)”. Gesti explora funções musicais que normalmente são indissociáveis, como, por exemplo, respiração, ataque e dedilhado, que nesta obra são forçados a agir de forma independente, desconstruindo habilidades do instrumentista adquiridas ao longo de muitos anos de estudo - para melhor entender esse elemento destrutivo no trabalho de Brüggen, que foi o primeiro a executar esta obra. Em uma conversa com Brüggen no ano de 1988, Berio disse que tinha em mente homenagear a todos os estranhos sons guturais presentes na Língua Holandesa (O’KELLY, 1990, p. 55). Com duração de seis minutos, aproximadamente, Gesti se divide em três seções. A primeira começa com sons fracos da flauta. Os sons vocais vão sendo inseridos gradualmente, enquanto, os dedos se movimentam rapidamente sobre os orifícios, colorindo a sonoridade da flauta com sons vocais “ondulados”32 e aleatórios, e sons extremamente elaborados como harmônicos e multifônicos, mesclados com a voz do instrumentista (O’KELLY, 1990, p. 55). Na segunda seção, os dedos e a boca começam a trabalhar juntos. Os dedos são libertados das ações mecânicas repetitivas e passam a ter o mesmo movimento do som instrumental. A terceira é a única seção que foi escrita com a notação convencional. Sopro, ataque e dedilhado estão reunidos, e a obra termina com uma nota cantada. Seria talvez a resolução final da luta com o instrumento. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 32

!m!Qualificação!de!O’KELLY!(1990,!p.!55).!

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! Figura 22. . Luciano Berio, Gesti. Fonte: acervo particular do autor.

Como acontece em outras obras de Berio, em Gesti, a notação é precisa, lógica e particular e está dividida em dois sistemas, um para a atividade da boca e outra a dos dedos. A superior (da boca) indica três níveis de pressão de ar: baixa, média e alta. As notas são colocadas paralelamente às linhas, e sua duração é indicada pelo comprimento da barra, sendo que a ausência dela denota som de curta duração. As que apresentam uma barra perpendicular devem ser tocadas o mais rápido possível (Fig. nº 23).

! Figura 23. Luciano Berio, Gesti. Fonte: acervo particular do autor.

O tempo é indicado em uma linha horizontal, acima do pentagrama superior, inclusive na última seção. As dinâmicas são indicadas por meio de uma escala que vai de 1 a 7, com os números escritos na partitura. Na segunda parte, há um gráfico (Fig. nº 05) que indica a direção da movimentação dos dedos – se o som for mais agudo o movimento é ascendente, se mais grave, descendente, uma vez que a altura da nota não é definida na partitura. Essa direcionalidade é suprimida na primeira seção, porque a intenção de Berio é que se repita uma passagem de uma obra barroca (a Giga da Sonata em Ré

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menor para flauta e baixo contínuo de Telemann) ou em um modelo de concepção própria do artista que, quando combinado com sons vocais, produz uma quantidade satisfatória de harmônicos (O’KELLY, 1990, p. 56). A repetição de um padrão de dedilhado mecânico desse tipo, não coordenada com a respiração e ataque, produz resultados imprevisíveis que podem variar de intérprete para intérprete. Gesti é, sem dúvida, a peça de maior representatividade dentro do repertório da flauta. Como Brüggen, intérprete que tem servido de modelo para muitos outros ao redor do mundo, Gesti tem proporcionado grandes benefícios à flauta, colocando-a no mesmo patamar de outros instrumentos. Tocar a obra de Luciano Bério para flauta tem sido sinônimo para o flautista de virtuosismo técnico. Percebe-se que essa obra foi escrita para Brüggen, especialmente, por todos os seus atributos pessoais e musicais. No entanto, foi Berio que mostrou uma grande visão sobre as qualidades sonoras intrínsecas da flauta, assim como fez com sua série de Sequenzas para instrumentos solistas diversos, alguns dos quais foram escritos durante esse período, também para músicos específicos que tinha em mente. Gesti é, no espírito, um membro desse grupo. 3.3 Instrumentos modernos: recursos facilitadores ou soluções mirabolantes Com o surgimento de um novo repertório para flauta e, evidentemente, o crescimento do mesmo em número e em qualidade, o problema histórico que levou a flauta a desaparecer do cenário musical fica ainda mais evidente. A necessidade de desenvolver um instrumento com uma tessitura mais ampla, maior flexibilidade de dinâmica e, principalmente, com maior potência sonora tornava-se cada vez mais presente. Diversos materiais foram experimentados. Flautas em acrílico foram desenvolvidas, mas ainda apresentavam características parecidas com os modelos históricos. A prata também foi testada, resultando num instrumento razoavelmente melhor. O modelo tem um sistema de sonorização onde o posicionamento do bloco pode ser ajustado, inclusive a altura do lábio, propiciando um som poderoso com brilho e qualidade que pode ser comparada aos da flauta transversal.

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A oficina Moeck33 desenvolveu um modelo híbrido – figura 24, que combina o design da flauta barroca com a sonoridade característica dos instrumentos renascentistas, além de implementar sua tessitura – maior que na flauta barroca. Um dos seus grandes atrativos é o fato de não ser necessário fechar o sino (campânula) para executar o fá♯5.

! Figura 24. Acima: flauta Ehlert. Fonte: !http://www.moeck.com/cms/index.php?id=162&L=7. Abaixo: flauta quadrada de Paetzold. Fonte: ! http://www.thomann.de/gb/paetzold_grossbassblockfloete_in_c.htm.

Joachim Paetzold34 (1921-2012), importante construtor de instrumentos, desenvolveu várias propostas no intuito de resolver os problemas relacionados à flauta. Uma de suas contribuições é a flauta quadrada – figura 24. Trata-se de um modelo inspirado em um órgão de tubos, feito em madeira compensada, cujo desempenho pode ser muito útil na música contemporânea de concerto que, atualmente, é fabricada por seu sobrinho Helder Paetzold (de FRANCISCO, 2013). Paetzold ainda idealizou ainda, com a contribuição de Tarasov35, um modelo de flauta que foi denominada “moderna Paetzold-Tarasov” – figura 25 (primeiro e segundo exemplares). Este modelo, além de apresentar potência sonora maior que a dos instrumentos comuns, conta com uma tessitura que corresponde a duas oitavas e meia, totalmente cromáticas. Possui uma qualidade de tom completa, ressonante e uniforme ao longo de sua escala com projeção e resposta excelentes. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 33

!Fabricante!de!flautas!alemã,!que!fabrica!instrumentos!de!alta!qualidade!e,!dentre!seus!modelos,!oferece!os! Confortable'Models,'instrumentos!com!chaves!ajustadas!para!mãos!pequenas!e!outros!para!canhotos.! 34 ! HansmJoaquim! Paetzold.! Construtor! de! flautas! alemão! que! dentre! os! modelos! de! flautas! modernas! desenvolvidos,!está!a!Moderna!Tarasov,!fabricada!atualmente!pela!fabricante!de!flautas!alemã!Mollenhauer.!!! 35 ! Nik! Tarasov.! Flautista! e! construtor! de! flautas! alemão,! contribui! com! outros! importantes! construtores! no! desenvolvimento!de!instrumentos!para!a!performance!na!música!contemporânea.!

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Tem ainda duas configurações para o pé, uma com duas chaves para as notas mais graves (fá♯3 e fá3) e outra com três chaves com a adição de um mi3. É ideal para executar música de finais dos séculos XVIII e XIX, e contrasta bem com pianos históricos ou modernos.

! Figura 25. Acima flauta moderna com pé em fá. Ao centro, flauta moderna com pé em mi e, embaixo, flauta harmônica Helder. Fonte: http://www.mollenhauer.com/.

Tarasov e Maartan Herder36 desenvolveram a flauta harmônica – figura 25 (terceiro exemplar). Um instrumento que possibilita a execução de graves muito estáveis e volumosos com a mesma qualidade dos registros mais agudos. Ostenta três oitavas de extensão e possui cinco chaves, sendo uma delas a chave de piano (key work) para sons graves baixos, que é opcional; o bloco ajustável37, que pode ser regulado com uma pequena torção da mão, até mesmo durante uma pausa curta, permitindo ao músico alterar a qualidade do som ou dos efeitos especiais que podem ser produzidos.

Figura 26. Flauta de sino (Bells recorders). Fonte: http://www.recorderhomepage.net/history/innovations-in-recorder-design/.

Outro promissor modelo foi desenvolvido: trata-se da flauta de sino (bells recorders) – figura 26. Ela se difere da flauta que comumente conhecemos pelo fato !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 36

!Construtor!de!flautas!e!importante!colaborador!no!desenvolvimento!e!invenção!de!flautas!modernas.!! ! Sistema! patenteado! por! Alfred! Rudolf! Strathmann! m! construtor! de! instrumentos! musicais,! clarinetista! e! saxofonista.!

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de apresentar uma campânula em forma de grande sino, entre outras pequenas características. Seu som é cheio e sólido, o que permite ao flautista grandes possibilidades de variação da dinâmica, graças à pressão de ar que neste instrumento pode ser bem maior sem que isso comprometa a afinação. Também é possível utilizar uma gama notável de articulações. Este modelo pode figurar entre grupos musicais de médio porte e também ser utilizado com pianos modernos. Atualmente, há disponíveis no mercado os modelos soprano e alto, mas existem planos de produzir modelos desde a sopranino até baixo (BENASSI, 2013, p. 12).

! Figura 27. Acima: flauta elétrica. Fonte: http://www.flute-a-bec.com/electrgb.html. Abaixo: flauta Elody-flute. Fonte: http://www.mollenhauer.com/.

A flauta elétrica – figura 27 – é um instrumento que pode ser conectado – através de um microfone que pode ser atarraxado próximo à junta da cabeça da flauta – a um processador de efeitos, que capta o som produzido pelo instrumento e o conduz até uma pedaleira, onde o som é processado, dando ao compositor e ao intérprete uma paleta de sons, que pode ser muito útil à música contemporânea de concerto. Quando a amplificação não se torna necessária, um botão especial pode ser atarraxado no local onde se conecta o microfone, transformando-a em uma

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flauta normal. Para maior mobilidade do instrumentista, um sistema sem fio foi desenvolvido para substituir os cabos que conduzem o som ao amplificador38. Outro bom exemplo de flauta que pode ser amplificada é a Elody-flute – figura 27, idealizada por Tarasov e produzida pela oficina alemã Mollenhauer. Qualificada pelo próprio fabricante como revolucionária, a flauta Elody possui um sistema de captação de som, por meio de um microfone também atarraxado na cabeça do instrumento na altura da janela, que permite a amplificação do seu som. De design atraente e moderno, a flauta apresenta pé em mi com um sistema de chaves triplo. Este instrumento é baseado na flauta alto harmônica. Sonoramente, é potente, provido de uma conexão para amplificação, que pode ser conectada a qualquer tipo de unidade de manipulação de sons produtora de efeitos especiais. Pode ser tocado de duas formas: com amplificação na música contemporânea de concerto e música popular e sem a utilização deste recurso no repertório erudito tradicional. Por ser um instrumento projetado para ter maior projeção sonora, seu uso é recomendado para qualquer contexto ou estilo musical. O instrumento conta com um inovador suporte de borracha sintética, fornecendo ao músico apoio e estabilidade na execução do instrumento. O bloco, parte componente do bisel, é composto de madeira altamente resistente, revestido por um material artificial que imita madeira, que absorve a umidade causada pela condensação da respiração, sem provocar o inchaço da madeira39.

! Figura 28. Flauta de Strathmann. Fonte: http://www.strathmannmusicinstruments.de/gbindex.htm.

Strathmann desenvolveu e patenteou uma flauta totalmente chaveada – figura 28, que apresenta um elaborado sistema de chaves e digitação semelhante à do !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 38

!Disponível!em!http://www.flutemambec.com/systememelectroacoustiquegb.html,!consultado!em!16!de! setembro!de!2013.!! 39 !Disponível!em!http://elodymflute.com/,!acessado!em!16!de!setembro!de!2013.!

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saxofone. Feita em madeira ou plástico de alta resistência, conta com o bloco ajustável e, em vez do buraco do polegar esquerdo, possui uma chave que abre dois pequenos orifícios no bocal do instrumento que eleva o registro para as oitavas superiores. Sua potência sonora é maior que a comum, e seu timbre está entre o da flauta comum e o da flauta transversal (BENASSI, 2013, p. 13). A lutier holandesa Adriana Breukink desenvolveu e patenteou a flauta Eagle40 - figura 29, caracterizada por ela como sendo a “nova dimensão em flauta” (new dimension in recorder). Este instrumento possui som equilibrado e forte. A Eagle tem o furo interno com uma circunferência muito mais ampla, cujo estreitamento da cabeça para o pé não é tão acentuada como nos modelos tradicionais – como pode ser visto no gráfico da imagem abaixo. Isso faz com que o tom seja muito potente, ao contrário dos instrumentos históricos cujas notas mais graves soam “fracas” e sem projeção.

! Figura 29. Acima, flauta Eagle. Abaixo, flauta barroca e comparativo do formato do furo interno nos modelo Eagle, Ganassi, Moderna e Barroca. Fonte: http://www.eaglerecorder.com/Home.html

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 40

! Todas! as! informações! sobre! a! flauta! Ealge,! inclusive! as! imagens,! foram! obtidas! no! site! http://www.eaglem recorder.com/Home.html!e!no!contato!estabelecido!no!decorrer!do!ENFLAMA!7!–!Encontro!Nacional!de!Flauta! doce,!sediado!em!São!Paulo,!de!29!de!maio!a!02!de!junho!de!2013.!!

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! Figura 30. Quarteto Traumflöte de Adriana Breuking. Fonte: http://www.mollenhauer.com/en/catalogue?page=shop.product_details&product_id=251&flypage=flyp age.tpl&pop=0.

Estudiosa das flautas de furo interno amplo, predominante na Renascença, Adriana Breukink ainda desenvolveu a Traumflöte ou flauta dos sonhos – figura 30, que apresenta como principal característica um som potente, cheio e brilhante em toda sua extensão. Das flautas modernas, é a mais acessível e a única que é fabricada em todos os naipes. De Francisco (2013)41 informa que é um dos melhores instrumentos para a prática de conjunto, uma vez que o som de todas as flautas da família se “misturam” mais facilmente. Eu, como pesquisador, compositor e flautista, estou testando uma outra possibilidade. Um bocal de flauta que se adapta (encaixa) no corpo da flauta transversal, que vem sendo desenvolvido simultaneamente em diversas partes do mundo, e possibilita ao flautista conciliar o timbre da flauta com a potência sonora, flexibilidade de dinâmica e tessitura da flauta transversal. Já se sabe que a afinação do referido bocal é bastante segura e estável, tanto nos graves quanto nos agudos. Falta somente firmar parceria com um lutier para a produção do bocal e, quiçá, produzi-lo em larga escala. Vejo uma boa opção para os músicos que tocam flauta, pois este permite a sua inserção no ambiente orquestral. Seu timbre lembra muito a flauta tenor. O bocal está em fase de adaptação e espera-se produzir um exemplar em madeira na conclusão da pesquisa. Outra conclusão da pesquisa é que o bocal da flauta alto, se inserida no corpo da flauta transversal, produz respostas sonoras !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 41

!Via!correio!eletrônico.!

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satisfatórias no timbre, na estabilidade, na projeção e no volume. O desafio é desenvolver uma junta que permita a conexão entre o bocal da flauta e o corpo da flauta transversal (BENASSI, 2013, p. 14). Neste capítulo, abordei, com o objetivo de conhecer o atual contexto do instrumento ao qual a obra – produto final desta pesquisa – será dedicada, um pouco da historicidade da flauta, a partir de meados do século XX, quando começaram as pesquisas tímbricas dos instrumentos de sopro, com os primeiros resultados ampliando as possibilidades performáticas da flauta transversal e da clarineta. Obviamente, com a flauta não foi diferente. Os resultados foram catalogados e publicados pelo flautista alemão Michael Vetter, um dos pioneiros na busca por novas sonoridades da flauta. Com as novas descobertas, surgiu um novo repertório e também, com a evidência dos problemas que levaram a flauta a desaparecer do cenário musical no passado, surgiu a necessidade de buscar uma resolução para tais problemas. Várias ideias surgiram e foram exitosas. Algumas nem chegaram a ser produzidas, motivadas pelo alto custo do produto final. Outras estão sendo produzidas e estão disponíveis para os flautistas. No próximo capítulo, será evidenciado os detalhes da forma composicional e da arquitetônica da obra escrita para flauta Eagle e orquestra. Os detalhes da instrumentação, dos materiais, do conteúdo ético-cognitivo – numerologia e conceituação teórica –, caminhos que já foram percorridos até aqui, serão descritos. Na sequência, ainda no mesmo capítulo, uma breve descrição da arquitetônica do discurso da obra Requíem para os pássaros mortos em abril será desvelada. Ou seja, a forma como os materiais e o conteúdo ético-cognitivo foram tratados no decorrer do processo criativo.

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CAPÍTULO 4 A CONCEPÇÃO DE REQUÍEM PARA OS PÁSSAROS MORTOS EM ABRIL: ONDE OS CAMINHOS PERCORRIDOS SE CONFLUEM 4.1 Instrumentação e materiais sonoros: a forma arquitetônica 4.1.1 A instrumentação A princípio, a obra musical Requíem para os pássaros mortos em abril teria sua instrumentação composta por um total de nove instrumentos, sendo eles: flauta doce Eagle, flauta híbrida e flauta doce alto barroca, que se alternariam; tímpanos com quatro tambores; um par de gongos, sendo um grande e um pequeno; crotales; carrilhão de orquestra; xilofone; marimba; vibrafone e violão. A escolha desses instrumentos não se deu ao acaso. Cada um deles foi escolhido pela afinidade ou contraste tímbrico com a flauta. Segundo Leenhouts (2012), o timbre da flauta afiniza e/ou contrasta bem com instrumentos de percussão. Dentre os que mais se afinizam estão o gongo – especialmente por sua extensa gama de harmônicos -, o xilofone e a marimba. Causa bom contraste com o timbre da flauta instrumentos percussivos de metal, dentre eles o crotales, o carrilhão de orquestra e o vibrafone. Neste grupo inclui-se também o tímpano. Podem-se fazer boas combinações de flauta com outros instrumentos. Os mais recomendados, segundo Leenhouts (2012), são: a flauta de pan; o acordeão; o trombone; a harpa e o clavicêmbalo. Ainda, pode-se somar a flauta transversal; o órgão; violoncelo; a viola; a clarineta; o fagote; a trompa e o oboé. Dentre os instrumentos escolhidos para a obra, dois deles merecem uma pequena descrição aqui. O primeiro é a flauta híbrida. Um misto de flauta doce com flauta transversal. Funciona como um bocal de flauta doce que foi construído tendo como base o bocal da flauta Tim Whistle irlandesa, desenvolvido pelo artesão Nick Metcalf, da flauta Quena, desenvolvido pelo artesão Martin Niethmann e da flauta Shakuhachi, desenvolvida pelo artesão Tanifuji Kozan, todos adaptados ao corpo da flauta transversal, unindo assim o timbre sonoro da flauta doce à tessitura e projeção/potência sonora da flauta transversal.

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A segunda é a flauta Eagle. Equipada com chave dupla para o fá♯3 e fá3, possui também uma chave que é acionada pelo dedo mínimo da mão esquerda, que produz a nota mi3. O sistema de chaves permite chegar a uma extensão mais ampla, tanto nos agudos quanto nos graves, sendo estes bem mais potentes e equilibrados, resultando numa gama bem equilibrada de sons em toda a extensão do instrumento. Além do buraco do polegar normal, existe uma chave de oitava que pode ser ajustada individualmente, permitindo alcançar notas muito agudas e seu uso é recomendado a partir do mi5 e fá5, facilitando a execução das notas a partir daí. Pode-se também tocar as notas da primeira oitava sem o auxílio desta chave. Ao contrário dos instrumentos tradicionais, a Eagle implementa um lábio feito de metal que faz com que o som seja mais forte e de fácil execução nas notas mais agudas.

! Figura 31. Comparativo do volume sonoro da flauta Eagle e da Barroca. Fonte: http://www.eaglerecorder.com/Home.html

Adriana Breukink começou a desenvolver a flauta Eagle em 2008. A ideia original era criar uma flauta que permitisse aos flautistas uma forma que contemplasse a execução e a improvisação na música contemporânea. A fim de se obter o melhor desempenho na performance possível, é importante dispor de um bom instrumento. Para isso, bocais personalizados foram desenvolvidos, permitindo ao músico a execução da respiração de acordo com o seu biótipo, ou seja, inalador – que força a entrada do ar nos pulmões enquanto a saída lhe é natural – ou exalador – aquele que força a saída do ar dos pulmões enquanto a entrada se dá no relaxamento da caixa torácica e abdômen (BREUKINK, 2013).

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! Figura 32. Da esquerda para a direita: Eagle com pé em mi (2011); Eagle com pé em fá (2009); Eagle “arcaica” e flauta alto barroca (1730). Fonte: http://www.eagle-recorder.com/Home.html.

Os primeiros modelos já considerados "Eagles arcaicos" apresentavam som incrivelmente potente, como pode se observar no comparativo entre o som da flauta barroca e da flauta Eagle exposto na figura 31. Sua extensão era de uma oitava e meia. A sonoridade de uma flauta alto barroca é muito brilhante e fraca, especialmente no primeiro registro, motivo pelo qual não se recomenda tocar com instrumentos modernos. O modelo Eagle, mesmo os “arcaicos”, já apresentavam características sonoras que apontavam para a possibilidade do uso deste instrumento com outros modernos. Ao longo dos últimos séculos, todos os outros instrumentos de sopro modernos que foram desenvolvidos tiveram chaves adicionadas ao projeto. A Eagle apresenta uma tessitura potencialmente maior, portanto, um instrumento com um furo interno com diâmetro muito maior que os convencionais, simplesmente, precisava de chaves. A versão de 2009 tinha o diâmetro do furo interno como o de uma flauta contralto barroca. O som das notas mais graves foi reforçado, mas a execução das notas mais agudas era difícil. Para facilitar a execução, era necessário posicionar o buraco de oitava necessário mais próximo ao lábio. A solução encontrada foi adicionar uma

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chave oitava – como em um saxofone – que seria acionada, simultaneamente, com o buraco do polegar. Geri Bollinger, artesão que também fabrica flautas, tornou-se rapidamente entusiasmado com o projeto e começou a desenvolver chaves para a flauta Eagle – figura 32.

! Figura 33. Detalhes do chaveamento e lábio da flauta Eagle.: http://www.eaglerecorder.com/Home.html.

No verão de 2010, Breukink teve a ideia de fazer um pé em mi. Desta forma, a Eagle poderia atingir a gama de mais de duas oitavas e meia, permitindo que a maior parte da literatura musical já escrita pudesse ser executada. Em 2011, Geri Bollinger projetou um lábio fino de metal estável. Com ele, o ataque se torna mais fácil e também é possível tocar sem o auxílio da chave de oitava. Naturalmente, a chave de oitava está sempre presente nos instrumentos como suporte. Atualmente, a oficina Küng42 faz o trabalho de afinação e ainda, o lábio e as chaves (BREUKINK, 2013). Na concepção de De Francisco (2013)43, a flauta Eagle é uma inovação em termos de potência sonora, permitindo que a mesma seja usada “para tocar junto com instrumentos modernos, como piano, violino ou como solista em uma orquestra”. Incialmente, havia planejado escrever a obra “Réquiem para os pássaros mortos em abril” apenas para flautas e percussão mista. No entanto, como afirma Bakhtin, a obra de arte é também resultado das relações axiológicas do sujeito esteticamente ativo que a idealiza. Sendo assim, após visualizar em uma rede social a publicação de algumas páginas do Concerto for recorder “Eagle” and orchestra de Vito Palumbo44, decidi aproveitar a ocasião de minha iniciação no mestrado, bem !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 42

!Fabricante!de!flautas!que!atualmente!fabrica!a!flauta!Eagle.!Adriana!Breukink!apenas!elabora!o!“voice”!do! instrumento.! 43 !Por!correio!eletrônico.! 44 !Vito!Palumbo!é!um!compositor!e!pianista!italiano.!Diplomado!com!honrarias!no!Conservatório!N.!Piccinni,!em! Bari,! na! Itália,! tem! em! seu! catálogo! cinquenta! obras! publicadas,! incluindo! duas! comissões! da! Filarmônica! de!

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como minha iniciação na flauta Eagle, e compor uma obra mais densa, incluindo um naipe de cordas completo e uma seção de sopros, contendo 1 flauta doce Dream ou flautim, 1 flauta transversa, 1 clarineta, 1 saxofone soprano e 1 trompa. Outro evento que influenciou nessa tomada de decisão foi a contemplação do vídeo da performance de Michala Petri45 com a Orquestra Sinfónica de Xangai (dirigida pelo maestro Giordano Bellinocampi) em Shanghai World Expo 2010 - Fei Ge (Flying Song), executando a obra Dialogue de Tang Jianping46, concerto para flauta e orquestra. 4.1.2 Os materiais sonoros e o conteúdo ético-cognitivo De acordo com o projeto de pesquisa apresentado e aprovado na arguição do processo seletivo de 2012, aperfeiçoado no decorrer da disciplina Métodos e técnicas de pesquisa, ministrada pelas professoras Dras. Débora Cristina Tavares e Icléia Rodrigues de Lima e Gomes, o conteúdo ético-cognitivo da obra deveria ser baseado no canto de um pássaro, cuja espécie seria escolhida no ato da concepção da obra, além dos conceitos numerológicos pitagóricos. Ainda havia a proposta de realizar um exame das obras I) Jardins dos caminhos que se bifurcam nº 01 – 2010, para flauta solo; II) Canção para o voo da borboleta – 2010, para flauta e piano; III) Da loucura a minha genialidade, da sua sabedoria: apenas ignorância I – Enquanto delira: reflete – 2011, para flauta solo; IV) Gesti – 1966, para flauta solo, sendo as três primeiras de minha autoria e a quarta do compositor italiano Luciano Berio (1925-2003), a fim de constatar a aplicação dos conceitos bakhtinianos de dialogismo, enunciado, ética e estética,

no discurso

musical das obras acima mencionadas, conceitos que norteariam a composição da nova música para flauta.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Berlim! (Disponível! em! http://moca.virtual.museum/digivid/romero.htm.! Consulta! em! 17! de! setembro! de! 2013).! 45 !Nascida!em!1958,!na!cidade!de!Copenhague,!Dinamarca,!Michala!Petri!é!uma!flautista!virtuose,!tem!gravados! um!total!de!34!álbuns,!sendo!dois!deles!com!o!pianista!estadunidense!Keith!Jarret.!De!Renome!internacional,! Petri!já!atuou!com!orquestras!como!a!Academy'of'St'Martin'in'the'Fields,!a!Orquestra!Filarmônica!de!Londres!e! a!English'Chamber'Orchestra!(www.michalapetri.com.!Consulta!em!17!de!setembro!de!2013).!! 46 !Tang!Jianping!nasceu!em!Liaoyun,!na!província!de!Jilin,!no!nordeste!da!China.!Tang!começou!seus!estudos! musicais!formais!em!1970,!enquanto!frequentava!a!Escola!de!Arte!de!Jilin,!onde!aprendeu!percussão!ocidental! (http://www.pressezentrummmusik.com/sacd/chinesemrecordermconcertosmenglish/composers.html.! Consulta! em!17!de!setembro!de!2013).!

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No decorrer dos estudos, comecei a perceber que a minha pesquisa estava se distanciando da proposta inicial. Ao estudar e compreender os conceitos de exotopia, acabamento e responsabilidade, percebi que estes sim estavam mais próximos do meu processo criativo, colocando-o em uma relação íntima com o pensamento

bakhtiniano.

Obviamente,

os

conceitos

anteriores

não

foram

descartados e continuarão permeando minha pesquisa. Em vez de realizar o exame das obras acima mencionadas, optei por abordá-las – com exceção de Gesti – de maneira mais ampla, a forma como os “novos” conceitos de Bakhtin e a numerologia aparecem em minhas obras. Quanto ao canto do pássaro, ao iniciar o processo de concepção da obra, a espécie foi escolhida, sendo ela o azulão carabina, ave passeriforme da família Fringillidae, de caráter territorialista, encontrada no sul e no nordeste brasileiro e em alguns países da América do Sul. Após pesquisa, um arquivo contendo uma gravação do canto do azulão carabina foi adquirido e, posteriormente, processado no software AudioScore Lite, cujo espectro sonoro mostrou um ritmo complexo, com harmônicos compreendendo uma região que vai do sol1 a sol7. Após os primeiros ensaios, no intuito de conceber o primeiro movimento da peça utilizando este material combinado com o pensamento numerológico, o resultado sonoro fez-me abandonar a ideia original de usar o canto do pássaro, priorizando a temática-número como fio condutor da obra. A obra proposta será então concebida tendo como símbolo numérico o dígito 9. Como vimos no segundo capítulo deste trabalho, o sistema numerológico pitagórico eleito para guiar a concepção artística da música aplica-se na música à escala diatónica, não contemplando as variações que acontecem no universo cromático, como podemos ver na figura abaixo. DÓ RÉ 1

2

MI



SOL



SI

-

-

3

4

5

6

7

8

9

Figura 34. Relação entre a numerologia pitagórica e notas musicais. Fonte: o autor.!

Proponho outro sistema para a análise numerólogica na música. Este se difere do proposto por Pitágoras, pois contempla as variações cromáticas da música ocidental. Entendo que ao se adicionar um elemento modificador – sustenido ou bemol – a uma nota musical, esta se transforma numa nova nota.

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!

Na afinação pura, as notas com alteração para cima, ou seja, com sustenido, apresentariam uma pequena diferença da nota com a alteração para baixo, no caso, o bemol. Segundo De Francisco (2013), um fá♯ é mais baixo do que um sol♭, por exemplo. Nesta afinação, o sistema proposto não funcionaria, pois teríamos então um total de 24 notas na escala. A saída seria então realizar a soma teosófica, ou seja, somar os dígitos correspondente a nota, como por exemplo, 24. Somar-se-ia 2 + 4 = 6. No sistema proposto, teremos então o número 1 correspondendo à nota dó e o número 2 ligado à nota dó♯ ou à nota ré♭ e assim, sucessivamente. O número 9 corresponde às notas sol♯ e lá♭ e a nota lá natural ao algarismo 10, pois Pitágoras atribuiu ao 10 o fechamento de ideias, o sentido de completude, ou pode-se reduzilo ao caractere 1 para obter outras características, dependendo do resultado que se espera. DÓ♯ DÓ 1

RÉ♭ 2

RÉ♯ RÉ 3

MI♭ 4

FÁ♯ MI



5

6

SOL♭ 7

SOL♯ SOL

LÁ♭

8

9

LÁ♯ LÁ 10=1

SI♭

SI

11

12

1+1=2

1+2=3

Figura 35. Tabela numerólogica para análise cromática da música. Fonte: o autor.!

As notas lá♯ e si♭ se ligam ao número 11, que é um número mestre, segundo Pitágoras. Sua aplicação pode se dar de duas formas, dependendo do resultado numerológico que se espera. A primeira é fazendo a soma teosófica, por exemplo, 1 + 1 = 2. A segunda é manter o número 11, que pode ser concebido como um número mestre, ligado à intuição. Com relação ao número 12, que corresponde à nota si natural, sua interpretação pela numerologia pitagórica dependerá da soma teosófica e o seu resultado será igual ao número 3. Outro sistema de organização escolhido como para nortear a formação acordal é o quadrado mágico, que aparece em inúmeras esculturas, pinturas e gravuras antigas. Conhecimento muito antigo e símbolo de tradições místicas, o quadrado, também chamado de místico, se apresenta de várias formas, sendo uma delas a da figura abaixo, cuja soma, tanto dos raios horizontais quanto dos verticais,

86

!

resulta no numero 45, que dá origem ao dígito 9, sendo que os verticais também apresentam o mesmo resultado.

8

1

6

Sol

Dó/Lá



3

5

7

Ré/Si

Mi

Fá♯/Sol♭

4

9

2

Ré♯/Mi♭ Sol♯/Lá Dó♯/Ré♭/Lá♯/Si♭ !

Figura 36. Quadrado mágico, que na obra Saturno e a Melancolia é tido como um talismã para atrair a simpatia de Júpiter e o correspondente em música. Fonte: www.espacoastrologico.org e o autor.!

Existem várias formas e interpretações do quadrado mágico, uma delas é o quadrado “Sator” em que se baseia o dodecafonismo, método de composição em doze sons (oriundos da escala cromática), tem sua criação atribuída a Arnold Schoenberg47 (HARTMANN, 2011, p. 103). No entanto, esta versão do quadrado, facilmente encontrada em sites na internet, não será empregada na concepção da obra para serializá-la, mas sim para conduzir a formação de alguns acordes dentro da estrutura composicional, que servirão como fio condutor da mesma. Os materiais sonoros empregados no discurso musical da flauta, instrumento ao qual a obra será dedicada, serão, principalmente, as técnicas expandidas expostas brevemente no capítulo anterior e descritas com detalhes no glossário em anexo neste trabalho. Para finalizar, será utilizado o poema “Pássaros mortos em abril”, transcrito abaixo, recebido em uma sessão religiosa, cuja autoria foi atribuída aos Espíritos Maria Dolores, Maria José e Irmão, que faz alusão ao conflito conhecido como Guerra da Secessão ou Guerra Civil Americana, ocorrido nos EUA entre 1861 e 1865. Pássaros mortos em abril Maria Dolores; Maria José e Irmão Olhai para trás no caminho que você percorreu. Não se lembra que você passou por uma densa floresta? Não se lembra dos pássaros mortos em abril? !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 47

!Célebre!compositor!austríaco,!professor!de!teoria!da!composição!(COSTA,!2008,!p.!80).!

87

!

Naqueles dias tiveram ventos, ventos errantes, Ventos que trouxeram notícias tristes. Naqueles dias os girassóis lamentaram, A cotovia chorou... as águas erubesceram. As árvores cobriram-se de luto, Não houve uma salva dos vinte e um, Um pedido ao eterno não foi feito, Depositaram-nos em vala comum... Sem recomendações, Nem orações no sétimo dia. 4.2 Por dentro do processo genético: desdobramentos composicionais e a arquitetônica da obra Segundo Cecília Salles (2009), o processo conceptivo é doloroso e envolve uma aura de sofrimento. Por várias vezes, após o início da escritura de “Réquiem para os pássaros mortos em Abril”, um descontentamento me tomava de assalto e, achando-me medíocre, apagava o que havia escrito, (re)considerando apenas as informações iniciais, tais como, instrumentação e/ou acorde gerador e, assim, recomeçava o texto. Algumas tentativas de iniciar a composição fracassaram. A instrumentação foi repensada várias vezes. Após esse período confuso, a primeira parte como hoje se apresenta foi iniciada, mais precisamente, no dia 18 de setembro do ano de 2013, às 14 horas e 50 minutos. Estes números se somados resultam em 7 – número ligado a espiritualidade. A obra se inicia com um acorde derivado do quadrado Sator formando um bloco sonoro que equivale ao número 9. Este acorde permeia toda a obra, sendo apresentado das mais diversas formas: como melodia, como acorde quintal, como acorde organizado em outras relações intervalares e também, como escala pentatônica. A primeira parte intitulada “Ventos errantes trazem notícias tristes” demorou um total de 53 dias para ser concluída. No decorrer deste tempo, principalmente, nos momentos em que eu me angustiava com minha escrita, escrevia obras de pequeno porte, tais como, o poema “Contexto”, o poema “Um dia menos cinza” e a

88

!

obra musical “Fragmentos de uma lenda sonora ou Angaro”, um concertino para flauta doce alto e quinteto misto de flautas doces, dedicado ao Grupo de flautas doces da UFU48. Ainda, como o contexto em que somos constituídos no qual a obra é gerada é de extrema importância para Bakhtin, pois só entendendo o contexto no qual se insere o autor é possível entender o seu herói na sua plenitude e totalidade, é importante salientar que a escritura da obra foi interrompida algumas vezes, sendo duas delas as mais significativas: uma para participar de um curso com as professoras Shinobu Saito (Filosofia Suzuki - Every Child Can) e Mary Harverson Waldo (Flauta) e a outra para cumprir ritos fúnebres em família. A obra está dividida em nove partes. Relutei em escrevê-las, pois acreditava que não seria capaz de conceber em tão pouco tempo uma obra relativamente longa que fizesse jus a uma pesquisa de mestrado. Nessa fase, as partes de número 2 e 3 foram escritas para formações diferenciadas. Na baila angustiante e confusa da concepção da obra, tentei reduzir e minimizar os trabalhos, optando por usar a seguinte estrutura na instrumentação da mesma: 1 – Eagle e orquestra 2 – Eagle solo 3 – Eagle e cordas 4 – Eagle e percussão múltipla 5 – Eagle e orquestra 6 – Eagle, gongos, carrilhão e crotales 7 – Eagle e sopros 8 – Eagle e teclados 9 – Eagle e orquestra Dessa forma, eu teria então dois ternários importantes na música. Esses, contrapunham-se ao número 9. O primeiro correspondendo às partes 1, 5 e 9, seria o ternário principal, pois sua instrumentação seria flauta Eagle e orquestra. O segundo ternário seria secundário e reuniria as partes de 2 a 4 e de 6 a 8, compreendendo 6 partes no todo – número que também se opõe ao 9 – dedicadas a flauta Eagle e instrumentação variada, como pode se constatar acima. Concluídas as partes 2 e 3 na estrutura acima, a obra tomou um novo rumo. Após uma conversa com minha professora de flauta Renata Pereira49, decidi reescrever a obra na sua totalidade para flauta Eagle e orquestra, dedicando-a à artesã, flautista e pesquisadora Adriana Breukink, enviando-lhe a partitura após a conclusão dos trabalhos. Sendo assim, a obra é modificada pela última vez. As !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 48

!Universidade!Federal!de!Uberlândia.! ! Pesquisadora,! professora! de! flauta! doce,! flautista! membro! do! renomado! grupo! de! flautas! doces! brasileiro! Quinta!Essentia!Quarteto.!Fonte:!o!autor.!

49

89

!

partes 2 e 3 foram reescritas, aproveitando as ideias e os materiais apresentados, apesar de a “nova” parte 3 apresentar uma arquitetônica do discurso diferente. A partir desse ponto, uma breve descrição da concepção de cada parte será evidenciada, lembrando que os títulos de cada uma delas foram retirados do poema Pássaros mortos em abril ou fazem alusão a ele. Não considere este um acabamento, pois o mesmo é dado somente pelo olhar do outro. 4.2.1 Descrição do processo criacional das 9 partes que compõem o todo da obra Requíem para os pássaros mortos em abril Para acompanhar os eventos descritos nos subitens a seguir, criei um sistema de corres para organizar na partitura a descrição do processo genético. A cor marrom indica motivos com resultante 9. A cor verde indica motivos com o número 6 e ideias que contrapõem ao número 9. A cor azul referencia motes onde o número 3 foi trabalhado no intuito de equilibrar a ideia de iniciação contida no número 9 e de materialidade presentes no número 6, uma vez que a cadeia trina traz a ideia da essência da criação e da perfeição. Na cor vermelha estão as informações a respeito do acorde Tetraktis e suas variações. Esse acorde originou-se do número de triângulos de cada uma das bases da Tetraktis. Na base 4, triângulos correspondendo à nota mi♭; na base média 3, figuras correspondendo à nota si; na base alta, 2 figuras correspondendo à nota ré♭ e, no topo da pirâmide, 1 triângulo, tendo como correspondente a nota lá, que foi escolhida por ser referência para afinação. Duas escalas pentatônicas obtidas da escala de sol menor harmônica, que também são organizadas em forma de acordes, serão referenciadas da seguinte forma: a escala originada da forma ascendente, na cor laranja e a originada da forma descendente da escala, apresentar-se-á na cor lilás.

90

!

COR

NÚMERO OU IDEIA QUE REPRESENTA

MARROM

9

VERDE

6

AZUL

3

VERMELHO

ACORDE TETRAKTIS

LARANJA

PENTATÔNICA I (ORIGINADA DA ESCALA DE SOL MENOR HARMÔNICA)

LILÁS

PENTATÔNICA II (ORIGINADA DA ESCALA DE SOL MENOR HARMÔNICA)

Figura 37. Tabela com a relação estabelecida entre cores e a ideia numeral na partitura. 101

I - Ventos errantes trazem notícias tristes Cao Benassi

A

!$" #"

$

*)

# ""

$

*(

" "# "

$

)

Lento

Dream Soprano/ Flautim

Tranversa

Sax Soprano

Crotales

Carilhão

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" + "# " .( *(

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f

!

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pp

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pp

pp

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+ ( *(

Figura 38. Exemplo da aplicação do sistema de cores na partitura, referenciando ideias *( numerológicas. &" *( $

Marimba

!

"

A ! Lento " Flauta Eagle # " " ! " & #" 1 Violino 1

,

f

.( *(

$ *2 pp

3

*2 / 0 + 2 2 2 .2 2 *' * 2 '

Div.

p

mf

2

3

91

!

4.2.1.1 Ventos errantes trazem notícias tristes Como foi visto anteriormente, a escritura da primeira parte iniciou-se no dia 18, um dia com resultante 9 do nono mês do ano. Sua composição perfez um total de 53 dias. Nesse ínterim, houve duas interrupções no processo, como foi evidenciado no tópico anterior. Nessa parte são apresentados os principais materiais e formas a serem utilizados em todo o percurso sonoro da obra, com destaque para o acorde gerador e as formas melódicas/harmônicas horizontais e longilíneas. As primeiras informações estão organizadas em um grande acorde nas cordas em forma triangular, cujas notas somam um total 9. Este acorde é resultado de um olhar exotópico para a obra Concerto for recorder “Eagle” and orchestra (2013), do compositor italiano Vito Palumbo. Acompanha o acorde um pequeno mote melódico em forma de arcos semicirculares que apresentam a mesma resultante. Também resultado de um olhar cronotópico50 e de uma ação exotópica51 para a obra Violinkonzert, do compositor austríaco Alban Berg, escrito em 193552. Outros três pequenos motes, que aparecem no segundo compasso, na marimba, no saxofone e na transversa, inserem o número três e a ideia de equilíbrio entre as forças iniciação, processo da esfera humano x divino. Ainda faz parte do bloco gerador (compassos 1 e 2) um bloco sonoro plano sem movimentação rítmica que evoca as ideias musicais lineares presentes na obra Requíem a un pájaro53, do compositor, maestro e flautista mexicano Salvador Torres, trazendo à baila o pensamento bakhtiniano de que um enunciado se constrói a partir de outros enunciados. O solo da flauta Eagle se inicia no final do segundo compasso, com um mote melódico somando também 9 organizado dualmente da seguinte forma: duas colcheias que somam 9 e no compasso seguinte um agrupamento de 4 colcheias que tem o mesmo resultado. Na sequência – compasso três – se apresenta pela primeira vez o número 6, que traz a ideia de materialidade, contextualizando a difícil tarefar de evoluir. Neste motivo são apresentadas as duas primeiras técnicas expandidas da flauta, o ré, que !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 50

!Que!se!direciona!para!um!tempo!outro!–!passado.! !Exotópica!pois!vou!ao!lugar!discursivo!de!Berg!compreendo!e!me!aproprio!do!seu!discurso!musical!e!volto!ao! meu!lugar!único!e!singular!para!o!renunciar.!! 52 !Fonte:!acervo!particular!do!autor.! 53 !Fonte:!acervo!particular!do!autor.!Partitura!sem!referência!a!data!de!escritura!ou!publicação.! 51

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!

deverá ser executado com o frulato, e um multifônico, que é obtido a partir da digitação do si♭. No compasso de número 6 foi trabalhado na flauta Eagle a técnica de mesclar ou “colorir” com a voz humana o som do instrumento. Na flauta, aparece a nota fá, que equivale ao número 6, enquanto que na voz é utilizada a escrita em trigrama, ou seja, considerando as alturas gravesna primeira linha, média na segunda linha, e aguda na terceira linha. Elemento que permeará o todo composicional, podendo aparecer escrito no trigrama, no pentagrama por meio de um “x” ou de um círculo com a letra x no centro ou ainda com a cabeça da nota quadrada, na flauta Eagle ou em outros instrumentos de sopro. A partir do compasso número 8, as ideias dos arcos são expandidas e alongadas, iniciando nas cordas e sendo exploradas na flauta Eagle até no início do compasso 13, onde a condução do arco é passada para a flauta Dream soprano/flautim, acompanhado novamente pelas cordas. Neste compasso é explorado na flauta Eagle a técnica expandida conhecida como simulador de transmissor de ondas, que consiste em deslizar os dedos sobre os orifícios de uma determinada região do instrumento. Na notação foi utilizado um pequeno paralelogramo para representar esta técnica. Encerro a primeira parte com um motivo melódico na flauta Eagle acompanhada apenas pelos dois gongos. O gongo grande percutido com baqueta de cabeça de acrílico em movimento deslizante e o pequeno com ataque que deverá soar até desaparecer todo som. Na flauta Eagle as notas trabalhadas foram o si♭ e sol, 2 e 8, respectivamente, somando 10, dando a ideia de completude. Essa parte tem um total de nove páginas. 4.2.1.2 Girassóis em lágrimas ou o lamento dos girassóis A segunda parte da obra Requíem para os pássaros mortos em abril, como já foi dito, foi totalmente reescrita. Da primeira escritura aproveitaram-se apenas as ideias e alguns materiais, como, por exemplo, as técnicas expandidas, sendo elas o frulato – notado com três pequenas barras sobrepostas sobre a nota -, o canto, que foi notado com um pequeno “x” ou com um círculo com a letra x no interior, escritas no pentagrama e utilizando-se do sistema de alturas grave na primeira linha, médio na terceira e agudo na quinta sem a utilização de ossia como na primeira parte, o

93

!

trêmulo e o rustle tons notado com uma linha tracejada acima das notas com uma seta para baixo. O acorde gerador da primeira parte, cuja soma é 9, em Girassóis em lágrimas ou O lamento dos girassóis, é tratado como uma escala pentatônica que aparece na marimba seguido por um mote longo e horizontal, cuja resultante é 6 e que se opõe à ideia geradora. A entrada dos demais instrumentos que compõe o bloco gerador principal se dá de forma defasada, e todos apresentam a ideia em torno desses dois referenciais numéricos. O bloco gerador principal apresenta forma triangular e se origina das ideias contidas nas primeiras informações do segundo movimento de Pachïvà para flauta doce alto e piano (2010), obra musical de minha autoria, configurando assim um cronotopo que evidencia que o texto (discurso) musical alheio-próprio54 passa a ser agora um texto (discurso) musical próprio, pois essa obra é exotópica à obra Quatro visões, de Roberto Victorio. Como na primeira parte, a ideia dos blocos sonoros rítmicos e planos se contrapõe também na segunda, embora nessa parte da obra o discurso seja um pouco mais fragmentado. Girassóis em lágrimas ou O lamento dos girassóis está dividido em três seções, sendo elas B, C e D. Na seção B foram trabalhadas as ideias iniciais acima descritas. Na C aparece pela primeira o acorde Tetraktis. Essas informações são dadas inicialmente, na flauta Eagle, ainda no início do compasso de número 19 em forma de uma frase melódica que é contraposta pelos mesmos elementos de forma vertical. No compasso 21, as ideias de fragmentação e longelinealidade são sobrepostas. O compasso número 23 marca a preparação para o final da parte. Todas as informações sonoras giram em torno do número 9 e do acorde gerador da primeira parte, evidenciando a cronotopia presente no obra. Nos últimos compassos (n.º 25-27), o acorde gerador “Sator” e o acorde Tetraktis se mesclam, sendo que as informações mais importantes são dadas na flauta Eagle de forma melódica. O mote final que encerra essa parte é formado pelas notas lá e sol, na flauta Eagle, acompanhada apenas da viola em pizzicato. Este motivo perfaz um total 9, ideia numérica central da parte e também da obra. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 54

! Referemse! ao! conceito! bakhtiniano! de! palavra! alheia,! palavra! alheiamprópria! e! palavra! própria,! sendo,! portanto,!as!várias!fases!de!apropriação!do!discurso.!Conceitos!que!serão!aprofundados!posteriormente.!

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!

4.2.1.3 O carpido da cotovia Na terceira parte, a fragmentação do discurso musical foi explorada ao máximo. Uma pequena ideia linear permeia toda a obra, marcando quase que de forma minimalista uma nota comum nos acordes trabalhados na textura musical. Essa ideia é resultado de um olhar exotocronotópico para o quarto movimento do quarteto de cordas Quatro visões, de 1991, de autoria do pesquisador, compositor, maestro e instrumentista Roberto Victorio. Como material, foi escolhida a tonalidade de Fá maior, que, com o número 6, traz novamente a ideia de materialidade. Em contraposição, foi pensado o encadeamento harmônico, cujo resultante é 9. Vale ressaltar que a rigidez harmônica do sistema tonal não foi levada em consideração na elaboração do mesmo, uma vez que este sistema já não contextualiza o fazer musical contemporâneo55. O encadeamento foi então organizado da seguinte forma: I-ii, (primeiro grau maior, segundo grau menor), perfazendo um total três, IV-V-I (quarto grau, quinto grau e primeiro grau repetido seis vezes), totalizando o número 6. Uma breve modulação para a tonalidade da dominante foi realizada no compasso 38, ou seja, o centro tonal passa a ser um si menor, com o seguinte encadeamento: I-ii-V-I, cuja resultante é 9. No compasso 41, a tonalidade de Fá maior é retomada e com ela a terceira parte da peça é encerrada. Na flauta Eagle são explorados novos efeitos, por meio de acciaccaturas, trinados e frulatos, numa melodia baseada na tonalidade de Ré maior, cuja representação numérica é o 3, lembrando vagamente um pássaro cantando. Essa parte apresenta materiais sonoros novos, tanto na textura da flauta Eagle quanto na textura orquestral, e também mostra um discurso tonal totalmente fragmentado, que se distancia do tradicional. Também se contrapõe a ideia do atonalismo que esteve presente nas duas primeiras partes. A ideia de bitonalismo aí presente se configura como uma cronotopia, sendo um olhar do presente para o passado, na perspectiva da construção de uma realidade que mescla a linearidade

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 55

!Entendamse!“a!criação!de!música!contemporânea!de!concerto”.!!

95

!

de

um

discurso

tonal

às

ideias

de

fragmentação

do

discurso

musical

contemporâneo. 4.2.1.4 Rubor aquíneo ou águas vermelhas A quarta parte de Requíem para os pássaros mortos em abril foi a única que teve sua (re)escritura mantida na íntegra, após a modificação na instrumentação. Isso porque ainda estava em processo de concepção. A instrumentação das duas páginas já escritas foi ampliada e as ideias musicais redimensionadas de forma que pudesse contemplar o novo espectro timbrístico, sem prejudicar aquilo que já estava presente na partitura. “Rubor aquíneo ou Águas vermelhas” se inicia com um sol♯ na flauta Eagle. Esta nota traz à tona a ideia da iniciação, pois representa o número 9. O mote é longilíneo e ao longo da execução deverá sofrer desafinações. Faz parte do bloco gerador um ataque no gongo simultâneo à entrada da flauta Eagle e em defasagem aparece a entrada dos violinos – que tem como representante numérico o três – e um multifônico na flauta Dream/flautim, cujo final deverá coincidir com a entrada da viola repetindo a nota geradora. Ainda no bloco gerador aparece na flauta Eagle um motivo que traz uma ideia de contraposição ao 9 e ao 3 usados inicialmente. O mote se inicia com uma prebend note

(o)

dó, que passa por uma nota ré com tempo indefinido. Essa nota ré

aparece na sequência em trinado com a nota dó♯ perfazendo então a soma de 6, que é o número da materialiadade. Contrapondo a ideia de verticalidade do bloco gerador, no compasso 43 são apresentados pequenos motes melódicos que, na maioria, utilizam-se do número 9 para sua composição. Nessa parte, alguns instrumentos, como a flauta Dream/flautim e a flauta transversa, apresentam técnicas expandidas. No compasso de número 45, a voz será mesclada ao som do instrumento, sendo que a escrita está representada por um “x”, considerando a primeira linha como delimitador para os sons graves, a terceira para os médios e a quinta para as sonoridades agudas. No compasso 46, além da textura sonora se rarefazer, é apresentado um novo elemento que é dado no compasso de número 13 da primeira parte no crotoles. O motivo é explorado nessa parte no centro de um ternário na flauta Eagle,

96

!

mote que soma um total 9. O adensamento rítmico aí presente aparece poucas vezes na decorrer da obra, sempre de forma una, simbolizando a ideia de origem. No encerramento da parte, figura o acorde que dá origem a toda a obra em forma de um retângulo vertical nas cordas e posteriormente numa forma trapézio retângulo. Em contraposição, reaparecem os motivos melódicos distribuidos entre os instrumentos gongos, crotales, carrilhão, xilofone e flauta Eagle. A parte é finalizada com o acorde Tetraktis, fazendo alusão ao início da obra. Esta parte da obra “Requíem para os pássaros mortos em abril” rememora o discurso musical de Chronos II para flauta solo, de abril de 1998, de autoria do compositor Roberto Victorio56. Mais uma vez, procura-se demonstrar a ideia de cronotopia – um olhar para o passado, uma vez que a obra em questão foi escrita quase 16 anos antes – e também de exotopia e responsabilidade. O ir ao cenário discursivo alheio, apropriar-me do discurso alí presente, retornando assim ao meu lugar único e insubstituível para reenunciar o enunciado assimilado por meio de uma interação, exame da partitura e apreciação/acabamento da gravação, é, portanto, cronoexotópico e também responsável, pois só eu e somente eu o poderia redizê-lo como foi dito. Enunciado construído a partir de outro encunciado, que traz consigo sua expressão e tom valorativo – traz o seu “sabor”, assimilado, reelaborado e reacentuado a partir das minhas experiências/vivências musicais, do meu contexto sociocultural, do meu eu constituido pelo olhar do outro. 4.2.1.5 Enlutados arbóreos (o luto das árvores) A quinta parte da obra pode ser considerada platô. Isso porque retoma várias ideias já trabalhadas anteriormente. A principal ideia aqui retomada é numérica. Nessa parte, o nove é explorado com uma melodia em sol menor em toda a seção G - letra que curiosamente representa a nota sol no sistema inglês – correspondendo ao número 8. Contrapõe esse ideia melódica e tonal o acorde Tetraktis, cuja soma numérica é 1, perfazendo assim um total 9. O acorde é trabalhado de forma quase minimalista. Retoma a ideia da textura linear da primeira parte, advinda de Requíem !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 56

!Fonte:!acervo!particular!do!autor.!

97

!

a un pájaro. No final do compasso número 60 é apresentado uma segunda versão do acorde Tetraktis, cuja resultante é 2, soma dos pontos 6, 1, 9 e 3. A soma desse acorde mais da tonalidade de sol menor é igual a 1, retomando a ideia da origem. O número 9 é retomado também na relação intervalar de quartas e quintas no solo da flauta Eagle ao longo da seção G. Na seção H, os dois principais planos se invertem: o sol menor passar a ser explorado de forma acordal no pedal harmônico, enquanto o acorde Tetraktis passa a nortear a melodia. Para finalizar, a ideia inicial da textura em bloco horizontal é retomada, tendo como contraposição dois acordes em espectro vertical de pequena duração. 4.2.1.6 Rito hodierno - para missa de corpo presente Essa parte se inicia com um pequeno mote melódico no carrilhão. Essa micromelodia provém do acorde derivado do quadrado Sator, organizado linearmente. Pede-se que repita a três vezes ralentando, reafirmando a dualidade iniciação 9 x perfeição 3. Em seguida, após um pequeno silêncio, tem-se a entrada da flauta Dream/flautim com uma acciaccatura que marca a entrada da clarineta e o início de um acorde novo, obtido da tonalidade de sol menor apresentada na parte anterior. A ideia da acciaccatura vai sendo expandida e se transforma em strapattas, sempre marcando a entrada de um instrumento com uma nota nova do referido acorde. Uma formação acordal vertical breve marca a passagem para um compasso 5

/16

quebrando a regularidade do compasso anterior. No compasso 86, a ideia musical nas strapattas é expandida e apresentada

com notas de valor indefinido de curta duração. Na sequência, o adensamento rítmico apresentado no compasso 13 da primeira parte, cuja ideia é da unicidade da origem, norteia o ritmo do trinado que é explorado na flauta Eagle. No compasso 87, é usado novamente a formulação 5/16 onde o acorde do quadrado Sator é apresentado linearmente como uma escala pentatônica. No compasso 89, é apresentada no carrilhão a nova escala pentatônica advinda da escala de sol menor. O compasso 5/16 é usado novamente como passagem e ligação para uma trindade formada pela carrilhão, viola e flauta Eagle. Nessa triangulação, a ideia de adição apresentada nas strapattas iniciais é retomada no carrilhão, enquanto na viola um pedal harmônico com a nota si♭

98

!

sustenta as intervenções do carrilhão. Os motivos melódicos apresentados na flauta Eagle exploram o vibrato com ritmo definido e mescla o timbre da flauta/voz humana. O compasso 92 marca a finalização da mesma e a preparação para o encerramento dessa parte. As ideias dos pequenos arcos que fazem parte do bloco gerador da parte 1 aparecem na seção de percussão e as strapattas são retomadas nos sopros para antecipar os acordes em trêmulo, com notas cuja unidade temporal é indefinida. Um bloco sonoro nas cordas faz um grande pedal harmônico para todos esses eventos, acompanhando também a última frase melódica na flauta Eagle, cujo timbre é explorado puro e mesclado com a voz, apresentando ainda uma pequena strapatta e também um frulato. O último motivo da parte é apresentado no carrilhão com a nota lá, que na numerologia representa o número 10, que pode ser entendido como conclusão cíclica. Porém, aqui é utilizada a redução teosófica para chegar ao 1 e, consequentemente, ao 3. Executada três vezes, este mote final, rememora o número três, trazendo à baila a ideia da essência da criação e de equilíbrio presente na cadeia trina. 4.2.1.7 Salva dos 21 Essa parte é a única em toda a obra que faz uma citação direta de uma outra obra. Last Post é originalmente usado para sinalizar o final da excursão do oficial pelo campo de batalha ou quartel. É executado também em funerais militares e cerimônias em homenagem aos mortos em guerra57 e, por este motivo, aparece na abertura da parte 7 – número ligado à espiritualidade – com uma pequena alteração: a terça apresentada é menor. Este olhar cronoexotópico para Last Post fornece materiais rítmicos que são explorados brevemente na flauta Eagle, que tem como partner a viola. Em termos estruturais (ritmo, harmonia e materiais sonoros) pode ser considerado platô. Isso porque se utiliza de elementos já explorados anteriormente.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 57

!Fonte:!acervo!particular!do!autor.!

99

!

Como o nome sugere, a parte explora 21 ataques em forma de acordes verticais, quase sempre num tempo muito breve. Além de passear cronotopicamente pela ideia de música programática, os 21 ataques foram pensados não só para evocar a imagem da honraria militar, mas, principalmente, por trazerem o número 3 e suas energias de equilíbrio. A parte é encerrada com a nota lá sendo repetida por toda orquestra no último ataque, lembrando a cadeia una, o início e a força. 4.2.1.8 Rito tardio - para missa de corpo ausente Da mesma forma que a sexta parte se inicia com um “chamado” no carrilhão, a oitava parte apresenta uma frase melódica – caráter que a permeará até o final – formando duas pentatônicas: uma derivada do acorde Sator e outra da forma ascendente da escala de sol menor harmônica. A escala pentatônica advinda da escala de sol menor harmônica descendente é explorada no compasso 101 de forma melódica. A essa ideia melódica contrapõe o acorde Tetraktis em formato pentagonal. No compasso 103 aparecem os mesmo motivos com uma pequena modificação: o acorde Tetraktis que dá sustentação é apresentado na seção de sopros, enquanto nas cordas é apresentado o acorde Sator. No compasso seguinte, a textura musical é rarefeita, restando apenas a melodia pentatônica, sendo que no final do mesmo o fio condutor 9 é retomado por meio da nota lá♭ repetido por 2 sopros, 2 cordas e pelo tímpano. No compasso 104, a novidade fica por conta da melodia apresentada na flauta Eagle, que perpassa a flauta Dream/flautim, executada com a técnica rustle tons e dos três notas si♭ que resultam no número 6. A ideia de ligação contida no compasso 102 é retomada no compasso de número 105, que numerologicamente é 6, apresentando uma nova versão do acorde Tetraktis. A partir do compasso 106, não só essa, mas outras duas versões e a original passam a ser exploradas. A versão apresentada no compasso 105 é trabalhada em um mote melódico no início do compasso 106, nas cordas. Essa forma melódica contextualiza o momento em que essa parte foi concebida. Sua escritura se iniciou no dia 24 de dezembro - se tomarmos o dia isoladamente temos o número 6 –, véspera do dia em que se comemora o natal, época em que a todo o momento se ouve melodias de cunho erudito. Durante a concepção de Rito tardio uma dessas melodias que eram

100

!

repetidas a todo momento nas rádios e TVs acabou influenciando a arquitetônica do seu discurso, por mais que tentasse me isentar de sua influência. O motivo iniciado nos violinos, após passar pela viola e pelo violoncelo, é finalizado no contrabaixo de forma cadencial. Uma breve pausa marca o início da inserção de uma nova versão do acorde Tetraktis, pelo carrilhão, sendo repetido em forma acordal. Na sequência, o mesmo acorde se transforma em melodia que é apresentada na flauta Eagle. A última versão do acorde Tetraktis é então apresentada num bloco melódico na seção de sopros, sendo explorado também na flauta Eagle, que juntamente com as cordas, xilofone e crotales, faz voltar à versão original do acorde. O campasso 109 (5/16) é usado como uma passagem e preparação para o final da parte. Nele apresenta-se o acorde Sator em uma nova versão. No compasso seguinte as pentatônicas reaparecem transpostas uma quinta justa abaixo. Esses materiais serão usados na próxima parte, por esse motivo aparecem somente nos compassos finais da oitava parte. Os motivos melódicos que compõe o último bloco sonoro exploram o acorde Tetraktis e suas possibilidades, sendo encerrados com um mote trino no carrilhão, cuja combinação resulta no número 3 e suas vibrações de equilíbrio. 4.2.1.9 Homenagens póstumas A nona e última parte da obra Requíem para os pássaros mortos em abril reúne todas as ideias musicais, numerológicas e teóricas exploradas anteriormente. O conceito de cronotopia é apresentado na forma acordal Sator, configurando um olhar para o passado em busca das “forças” vibratórias numerológicas, com o objetivo de construir um objeto estético cuja “vida” se estenderá ao futuro, configurando uma “vida” para o tempo grande. A exotopia foi explorada ao buscar na obra Concerto for recorder “Eagle” and orchestra (2013), do compositor italiano Vito Palumbo, sua forma composicional. Embora “Homenagens póstumas” a lembre na formulação de compassos – elemento de diferenciação, uma vez que o utilizo pouco nas minhas obras –, nas formas acordais e formas melódicas da obra acima mencionada, a forma composicional que engloba a instrumentação, os materiais e conceitos aplicados e a arquitetônica do discurso, bem como o local da enunciação é outro, único e insubstituível.

101

!

No compasso 111, é retomado o principal mote da obra, o acorde Sator em sua forma original, relembrando a primeira parte. Os arcos também são rememorados no solo da flauta Eagle, cuja melodia explora as notas do acorde Tetraktis. No compasso 117, a técnica chamada simulador de transmissor de ondas é retomada. No final do compasso 118 se inicia um acorde que é uma mistura do Sator original e sua versão transposta uma quinta justa abaixo. Esse motivo se estende até a metade do compasso 121 e foi baseado no início da segunda parte. Enquanto na outra parte o mote explora as ideias musicais presentes na quinta parte, principalmente as duas pentatônicas originadas das escalas harmônicas ascendentes e descendentes de sol menor. Este material é usado até o compasso 125. No compasso 126 aparece novamente o acorde Tetraktis explorado linearmente. No compasso 127, aparece novamente a pentatônica Sator contraposta pelo acorde Tetraktis e com eles uma pequena expansão da ideia de fragmentação usada na terceira parte. No compasso de número 131 e a partir dele os materiais musicais passam a ser utilizados em ritmos quialterados. O acorde Sator é apresentado em sextina (6), opondo ao seu referencial numérico 9. Seguindo esse novo tratamento dispensado aos materiais, uma variação do acorde Tetraktis é apresentada em forma de escala, seguida pelas escalas pentatônicas, oriundas da escala de sol menor harmônica. No final do compasso 135, é iniciada uma frase no carrilhão, que originalmente é apresentada no mesmo instrumento na quarta parte, no compasso de número 43. No compasso 139, é explorado um acorde em forma de bloco estático contraposto por alguns acordes verticais de pequena duração, que faz alusão à sétima parte. Enquanto na flauta Eagle continuam sendo explorados os arcos melódicos que lembram a primeira parte. No compasso 144, o acorde que mistura as duas pentatônicas originadas da escala de sol menor harmônica e as strapattas rememoram o bloco gerador da sexta parte “Rito hodierno. Para missa de corpos presentes”. Nas strapattas, pequenos motes melódicos mostram as quatro versões do acorde Tetraktis, enquanto um trêmulo com adensamento rítmico aparece na flauta Eagle. A partir do compasso 146, os materiais vão se fundindo e adensando cada vez mais. São utilizadas tercinas e septinas para obter o número 10, que indica o fechamento de ideias.

102

!

Ainda é feito um olhar para o passado: a oitava é retomada no compasso 152, contraposto pela técnica simulador de transmissor de ondas, explorada na flauta Eagle. Os últimos motivos eivam-se de todas as ideias exploradas ao longo da peça, tendo seu ponto alto nas noninas onde as duas pentatônicas se fundem originando uma escala que é explorada na seção de sopros. O último mote que encerra a nona parte – a mais densa de todas – e também a obra compõe-se das notas lá♭, equivalente ao número 9, a iniciação, e dó, que é representado pelo número 1, que implica na origem de tudo. As duas notas juntas equivalem ao número 10, que evoca a ideia de completude e fechamento cíclico. A nona parte foi iniciada no dia 27 de dezembro, às 18 horas. O dia isoladamente é resultante 9, bem como a hora. Mas se somarmos os números do ano (2013), do mês (12), do dia (27) e da hora (18), o resultado é igual a 2070. Com a redução teosófica, o resultado numerológico obtido é igual a 9. Foi concluída no dia 31 do mesmo mês e ano, às 17 horas, cuja soma é igual a 2073, que pela redução teosófica resulta num 3 que é tido como a essência da perfeição. A obra Requíem para os pássaros mortos em abril tem ao todo 162 compassos, que trazem à baila o número 9, cuidadosamente pensado para que não ultrapassasse o número proposto. Ainda, o número 9 está presente no número de páginas da obra. São ao todo 45, sem contar, obviamente, a capa, folha rosto e bula. Nesse capítulo, apresentei a forma composicional da obra a qual se propõe esta pesquisa. Dissertei acerca da instrumentação e dos materiais ético-cognitivos que permearam o processo de criação da mesma. Também apresentei uma breve descrição da obra, parte a parte, enfatizando o uso do número 9, fio condutor do texto musical. Ainda, descrevi os trâmites conceituais que estão presentes no ato conceptivo, sendo eles a exotopia e responsabilidade. Ao longo da escritura da obra, ainda foi possível observar a aplicação de outros conceitos, tais como cronotopia e discurso alheio, alheio-próprio e próprio. No próximo capítulo, o texto musical dialógico será então apresentado na íntegra. 4.3 Dialogia no texto musical !

103

!

A dialogia de Bakhtin é mais que um simples processo no qual os sujeitos do diálogo se alternam na arte do devir. Para David, o diálogo, é uma corrente inserida na cadeia infinita de enunciados (atos) em que a dúvida leva a outro ato e este a outro, infinitamente. O enunciado afirmado por alguém passa a fazer parte de todos os enunciados, numa cadeia infinita. O mundo ético é fluido e concreto, enquanto que a historicidade do ser em evento, participante, não é. O centro de valores se dá fora do humano em toda a humanidade, considerando-se a natureza como centro irradiador da verdade. A identidade é dada pela alteridade (DAVID, 2003, p. 02).

Este trabalho pode ser considerado essencialmente dialógico, uma vez que, aborda assuntos completamente distintos em seu corpo. Os três eixos, aqui denominados de “caminhos percorridos” dialogam e se confluem para a realização do texto musical Requíem para os pássaros mortos em abril. Dentro de cada eixo existe uma cadeia enunciativa dialógica que os perpassam e convergem para a consumação do objeto final. Ainda há outros aspectos de dialogicidade no texto musical Requíem para os pássaros mortos em abril, vários outros enunciados musicais são retomados na obra,

fazendo

dela

uma

corrente

enunciativa,

retomando,

reenunciando,

reelaborando e reacentuando enunciados musicais anteriores de forma responsável. Segundo David, [...] estamos na vida sem um álibi, em eterno vir-a-ser. Todo ato contém uma ética e uma estética, revela uma cognição, um modo de ver o mundo. O modo de falar o mundo, significar o mundo ontologicamente, dizer essencialidades, definir pelas essencialidades. No ato responsável, definimos nossa vida por modos ontológicos (como vivemos?) e não processuais (o que é" viver"?). São as respostas que damos no mundo da vida que concretizam o mundo da cultura. Pelo conceito de "memória do futuro" , o passado está à minha frente, o futuro está dentro de mim, é o que está a se realizar (devir) (DAVID, 2003, p. 06).

104

!

CAPÍTULO 5 REQUÍEM PARA OS PÁSSAROS MORTOS EM ABRIL

“Mortuos fletum, vivum clament” Pequeno concerto para flauta doce Eagle Baseado no poema Pássaros mortos em abril, atribuído aos espíritos Maria José, Maria Dolores e Irmão

I – Ventos errantes trazem notícias tristes II – Girassóis em lágrimas ou O lamento dos girassóis III – O carpido da cotovia IV – Rubor aquíneo ou Águas vermelhas V – Enlutados arbóreos (O luto das árvores)

Flauta doce Eagle Flauta doce Dream Soprano ou flautim Flauta transversa Clarinete em Si♭ Saxofone Soprano em Si♭ Trompa em Fá Tímpanos Gongo pequeno Gongo grande Crotales Carrilhão de orquestra

VI – Rito hodierno. Para missa de corpos presentes VII – Salva dos 21 VIII – Rito tardio. Para missa de corpos ausentes IX – Homenagens póstumas

Xilofone Marimba Vibrafone Violino I Violino II Viola Violoncelo Contrabaixo

Cao Benassi 2013

!

!

!

5.2 Partitura

!

!

! Fl. .

!

! Tim p

Vc.

!

M b a. a

!

Vla.

!

Vln I

!

il. X

!

!

Vib

Cl.

Sax.

Tpa. Dream/ flautim

Cbx.

! Eagle

Vln II

Co n go s

!

Maestro

ot Cr .

Car

.

Vln I

105

!

5.1 Disposição dos instrumentos no palco

!

101

I - Ventos errantes trazem notícias tristes Cao Benassi

A

 Dream Soprano/ Flautim  





 



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  



Lento

Tranversa

Sax Soprano

Crotales

Carilhão

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Viola

Violoncelo

Contra baixo

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p

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A  Lento  Flauta Eagle   

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f



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   





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 

Marimba

   

pp

  



  





 

f

     

  

 p





  



pp

 de duração longa)  (Nota (Nota de duração média)





Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

 D. Sop.   Flm. 3

102

mf

Fl.

Timp.

Gongo gde.

   

 





 



  



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Mar.

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Vc.

Cb.

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mf

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f

    

(Multifônico: utilizar dedilhado do Si)



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    

   



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 



   



  



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 

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f

mf

   



 

pp

   (Frulato)    

f

(Cabeça cortada: baqueta na lateral) (Cabeça quadrada: baqueta próxima a borda)











 

 

(Cabeça normal: baqueta no centro)

p









      

  

   Vln. 1 

Vla.





   Eagle  

Vln. 2



   

Gongo pno.

Crot.

    

 





Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

 

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  D. Sop.  Flm. 6

   

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f

Fl.

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103



mp

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f





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mf

Cl.

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 

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 

   





 

mf

Sax. Sop.

mf

Tpa.

   Timp.   

mf

 

   

(Nota de pequeno valor)

Baqueta com cabeça de acrílico. Deslizar.

Gongo gde.

      

 

f

Gongo pno.

Crot.

Car.

Xil.

Mar.

Vib.

 

 

f



 

      

 

   p

p

 p









p

   

 



  mf

  

p

p

 Cb.    p

(Nota de duração curta)

   

 

 

 

(Multifônico: utilizar dedilhado do Dó)







 

 



 

mf



 

 



 



    

 



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

mf

 



 



 

 







 

 

   



 

f

(Utilizar a voz. Escrita em trigrama. 1ª linha: região grave, 2ª: média e 3ª: aguda)

 

 



    Vln. 1    Vln. 2   

Vc.

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f

Vla.

 

mf

 

 

   

Eagle





  



Voz

  

  

 



   mf





 p



p



p



         

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

104

    8

D. Sop. Flm.

Fl.

Cl.



  

   

    Gongo gde.  mf

Gongo pno.

Crot.

  

    



 

mp

ppp

Vib.



ppp

    ppp    

     

  Eagle    



p

Vln. 2

Vla.

Vc.

Cb.

   

        

   

 





  mp





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mf



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       

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.













mf

   

mf





f



f

 

mf

mf













f



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   Vln. 1  

f

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mf



  Car.   ppp    Xil.     

Mar.

mf



  

   Timp.   



mf

  Sax. Sop.    Tpa.



 



 

mf

 f

   

 

 

 D. Sop.  Flm.

 



 







 



    



10

Fl.

Cl.

Sax. Sop.

Gongo gde.















Car.





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p



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f



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f

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 Eagle   Vln. 1

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mf

Crot.

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   

Gongo pno.

Mar.



 

Tpa.

Timp.



105

p

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

106

      11

D. Sop. Flm.

Fl.

Cl.

Sax. Sop.

Timp.

Gongo gde.

 

 





 

   





 





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  

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Car.

 

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  



 



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p

  

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   

 

pp

  





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  

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f

mf

Violino 1 A









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        

    mf



Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

   

  

mf



f

(Cabeça triangular: próximo ao centro)

   

Pausa de curta duração

p



mp

Colorir com a voz



 



    

 

Vc.

  

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p



Vla.

Cb.

 

  

    

Vln. 2

p

  

 

  Eagle      Vln. 1  



 

   

p

 

pp

 

Vib.

p

  

p

   



 

Crot.

Mar.



    

Gongo pno.

Xil.



    mf

    

mf

 D. Sop.  Flm. 13

Gongo gde.

  



Eagle

mf

mp





 f



pp



pp



pp

 

pp

 



 

f

mf



p

     mf



Car.

Vib.

 

Crot.

Mar.





Gongo pno.

Xil.

f

  



Cl.

Timp.





Fl.

Sax. Sop.



107

     f

 

f





  f







 

  





f

f



f







f

mp

mp





f

mp

Deslizar os dedos sobre os buracos 4-7

 Vln. 1  

Vln. 2



Vla.





  

Vc.

Cb.

  



  

 p

   





 



 

  

Pizz.

mf

   

Pizz.

mf

 Pizz.



mf



Pizz.



mf

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

   D. Sop.  Flm. 

Fl.



Cl.

Sax. Sop.

Frulato

Colorir com a voz











 



14

108

mf



mp



 p

 



p

  p

 

Gongo pno.

Vib.

Cb.

mf

mf

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mp

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mf

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mp

   Vln. 1  

Vc.





p



p

Vla.

p

 

f

 Eagle   

Vln. 2

 





Car.

Mar.

p





Crot.

Xil.





  Timp.  Gongo gde.

 





Tpa.

f

 

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f

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 f

 p

Arco

     





 



 





 

  

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

p

Arco

p

Arco

p Arco

 p

 

         D. Sop.   Flm. f     Fl.    15

p

Cl.

      p

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   Sax. Sop.   



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p

Tpa.

p

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    Gongo gde.   p

  

Crot.

Car.

mf





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Xil.

Mar.

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pp

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        Eagle   

 

    

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Vln. 2



p

p

Vla.

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Vc.



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     



p

Cb.

p

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mp

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mp



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 

     

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        Vib.      

f

mf

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p

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pp



    

mp

pp

pp

mp

mf

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109

    

pp

    Timp.     

Gongo pno.

   f   

mf

f

   Adicionar  dedos até chegar ao grave    f

mp

p

     p      pp

     pp

     pp Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

II - Girassóis em lágrimas ou O lamento dos girassóis

110

B 17 Andado  D. Sop.  Flm.

 

p







Xil.

Mar.







Vib.

 





  

 



 

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 

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 

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mf

súbito. após ataque abafar

f

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f

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mf

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mf

mf

Car.

 

p







Crot.

 p



Gongo pno.

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6

mp

5



p



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mp





Vc.

mf 3











mp

pp

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

 



   

Andado

Vla.

 



       

B

 Eagle  

 



 Timp.  Gongo gde.

 

p



Tpa.

 

p



Cl.

 

p



Fl.

Sax. Sop.







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mp



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    

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3

p



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 D. Sop.  Flm.



 



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  



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18

Fl.

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Gongo gde.

mf

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Car.

Xil.

Mar.

Vib.

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 



  



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 



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Rustle tons (som ventado)



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pp

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  



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(x) Voz 1ª linha: região grave 2ª linha: região média 3ª linha: região grave

3

f

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                pp

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Vc.



 

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3

Vla.

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mf





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Vln. 2

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mf

mf

Crot.

111

mf

     

Gongo pno.

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C







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f

 

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     





 

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

112

      



20

D. Sop. Flm.

f

Fl.

Cl.



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mp

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Sax. Sop.

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Crot.

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Xil.

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mp

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mf

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      

Mar.

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Vc.

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Vla.

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6



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Arco

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Pizz.

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

5

f

mf

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Arco

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Pizz.

f

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 D. Sop.  Flm.











22

Fl.

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3



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Vln. 2

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p



p

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p



Gongo pno.

Xil.



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Tpa.

Gongo gde.



113

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p

  3

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   

Pizz.

f

   

Pizz.

f

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

114

   

  

24

D. Sop. Flm.

p

Sax. Sop.

Gongo gde.

p



p

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Arco

Arco





Vln. 2





Arco



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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

    5

p



p

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5

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      Eagle  

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5







Vla.

 

 



Car.

Vib.

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Crot.

Mar.

 

 



Gongo pno.

Xil.

 





Tpa.

Timp.

p



Cl.

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 



 

        f



 

 

   

 D. Sop.  Flm.



 



 



 Sax. Sop.    

25

Fl.

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Tpa.

  Timp.  

p



p

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Crot.

p

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Mar.

Vib.



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  

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Pizz.

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5

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   

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 



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   





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Vln. 2

  

 

    

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Car.

   

115

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p

mp

 

      

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Gongo pno.



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   

          

 

 



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 



 

f brusco

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   

f brusco

 



 



 

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

116

III - O carpido da cotovia

E  Movido   D. Sop.   Flm. 28

Fl.

 







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  





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Gongo gde.

Crot.

Car.

Xil.

Mar.

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   



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3



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Arco

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.







Pizz.

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 

117

 D. Sop.   Flm. 34

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Fl.

 

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Gongo pno.

Xil.

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Vla.

 

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 Eagle   



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Mar.





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   

Car.





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mf

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Crot.



  

  Timp.     Gongo gde.

mp

mf

 

Tpa.

 

3

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

118

  

     

38

D. Sop. Flm.

5     

      

Fl.

5

mf

mp 3

3       Cl.  mp      Sax. Sop.  

5



f brusco

3      

Timp.

Gongo gde.

   

Xil.

Mar.

Vib.

f





  











 

 

  



f

f

    Vln. 1 

Pizz.

 

Vln. 2





Vc.



  f 2

   

 

Vla.

Cb.





f

       Pizz.

mp

3

    



   



   











  



 





ff



   

    

 



    f

 

mf

Arco

   p

f Pizz.

  

 

mf





 





mf

 



Arco



Arco

f Pizz.

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.



mf



mf



   



mf

 









 

  

mf 3

  

mf 3

mf 3

 



f



mf



 

Pizz.



f

   



  

pp



Pizz.

    

mf f p

Pizz.

    

f



    Pizz.

f

 

f 3

 

 

 







p

3

f





mf f

f

 

mf

  

    

Arco

 

   





 

 

 f   f



mf

f Pizz.

f Pizz.

f

f



f



f

  f







f





    

2

mf



ff





   

   



   

f







f 2







mf

mf

   

f

 

  

   

f



        Eagle    



mf

   

mf



f brusco



 



f 2

 





    

 

Car.

mp

  

 

Crot.

     

2

 

f

f

f brusco



Gongo pno.

 

mp



     

   

f

5

    

mp





Tpa.

 

  

mf

mf

5     

 



mf

f

mf

 



   

p



  f

IV - Rubor aquíneo ou Águas vermelhas

  42

D. Sop. Flm.

Fl.

Gongo gde.

Car.

F 

Alegre

 



p



 



Desafinação conforme o gráfico

ff

f





f



pp



 

mf

  





  





   



mf



  Eagle  

Cb.





f



pp

               f ff mf 

 Vc.



Trinado com adensamento ritmico

mp

mf

Mar.



  



Arco

mf

Car.

f

 

pp Arco







mp

f

Div.

43

Tpa.

 

mf

Arco

 Cl.  

Sax. Sop.

mf

f Alegre

 Vln. 1  

   

mp



mf



f

 

mp

F   Eagle  

Vla.







Gongo pno.

119





   4 



16   



mf

p

   mp

 

ff





3

f 

f

 



 



 



     

 

 

   

mp doce



mp

  



f

  



   

f



mf

  mp

 f



 

Pizz.

   

 



 

 

 

f

f

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

120

 D. Sop.  Flm. 45

Fl.

Timp.

Crot.

Mar.

Eagle







f







 

         



Voz Nota de curta duração





 

f



f





Tpa.

Timp.

mf





f

  



mf

   mp













 

 

 ff

 mf

mp



  

 



pp

Arco

    

 

mp

f

 

mp



mp

   

 

mf

f

  



  



      

  Vib.   





mf

   

p

   

      Vc.   



 

   Vln. 2       f

      sf   

f 

Pizz. mão esquerda f



   f





pp

f

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

 



p

       Arco

f súbito

 

 

Arco         

f súbito

 

 

   

f

 

 



f súbito

 

   

mf

     

f





mf           f súbito mf        

 

  Eagle   

  

f súbito

 

   

pp

mf

        

 

f súbito

pp



   



sf





p

ff

 

f súbito

 

    

f



f

Vla.

pp





mf

f

Sax. Sop.



mf

46     D. Sop.   Flm.

Cl.







ff



 

mf

 

 Vln. 1  Vln. 2



Voz

  

p



   

  D. Sop.   Flm.

rall.

49

Fl.

Cl.

Sax. Sop.

Tpa.



  



  



  

    mf    mf    

mp

    

      mp     

    

f ff

Car.

     mp

Xil.

Mar.



f

         mf

  Eagle   



pp

Vln. 2

   

pp

Vla.

   

pp

Vc.

  

pp

Cb.

   

pp

ff

mf

        

    f

   

   

mp doce

 

p

 



  



   

 

  

      

Tempo primo





mp

f

mp

f

  





Arco





Arco



Arco

p

p

p

p

Arco



mf











 



 



 



f



p Arco



Arco

     

mp doce



 



 



 



 

             mf

p

   

mf

f

rall.

 



   

mf

121

            

        p             

p

f

  pp  Vln. 1   

mf

f

        Vib.    mp

   mf    



mf

          f

      mp doce     

mf

 

f

Crot.

 





    Timp.   

Gongo pno.

 





  

 Gongo gde.

Tempo primo

mp doce

        

             

         

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

V - Enlutados árboreos (O luto das árvores)

122

G   Largo D. Sop.  Flm. 52

Cl.

  

  Car.   G



 



 



 





 



 



 





 



 



 

     Eagle   

   

Largo

mf doce

  Vln. 1 



 



Vln. 2

Vla.

Vc.

Cb.



pp surgindo

pp

  

  

pp

 



  



surgindo

  

pp surgindo

 

59

Car.

          

Vc.

  

    

 

    

  

 

  

 



 









   

 



       

 

pp

3

pp





   

  mp

f



    

pp



 



 

  

 

surgindo

  

 

   



 

 



 



 

    



 



 



 

  

 



 

 

  

           

f



  



 





p surgindo



pp surgindo

  

 

 

surgindo







 

mp

  

surgindo



  

      



   

mp







pp surgindo

        

   

pp

  

surgindo

 

  

pp surgindo

    

mp



 





 





  

pp surgindo



            

   Eagle   

Vln. 1

     

 



 D. Sop.       Flm. Cl.

 

f

pp surgindo

 

pp surgindo

                 

      

Div.





p surgindo

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

       mp f



mf

f

 

mp



      ff 3

 

  



 



 



 

  



 



 



 

123

  Fl.   65

 





      Eagle    

     

Vln. 2

    



 



 

 

 





 



 

mp



p surgindo

p surgindo

Vla.

Vc.

Cb.

 



 



 



 





  



 





p surgindo

        

 



         

mp

f

mf

f

   

   

  

 

  

    



 



            

  

3

mf

Vln. 1

 



      

p surgindo

  

p surgindo





 

 

  

p surgindo

p

   



 



 

p surgindo

  



 

  

p surgindo



mf





     

 

f



 



p surgindo

     D. Sop. Flm.   

H

72



p surgindo

          Eagle    3

3

Vln. 1

    

 ff



    



p surgindo

Vc.

Cb.

        

 

 

     

surgindo

Vla.

H   Andando    







f



Pizz.



 



mp

        

 



mp



 

   

    

 

 f

  



 

 

  

  

p



    



f súbito



f



Pizz.

 





  

 



f súbito



 

mp doce

Pizz.                





mp

f súbito                    f súbito



  

 

Pizz.

p surgindo

Vln. 2

 Andando     

f



  

p



 

 

f súbito

f súbito Pizz.

   

 

        

Pizz.

 





 

 



 

     f súbito Pizz.

 



    p

 

     f súbito Pizz.

  

 



 

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

124

    81

D. Sop. Flm.

   

Fl.



 



 



 



 Xil.  

Crot.

Car.

Mar.

Vib.

Eagle



 



  



 





 



 



 



pp



Gongo pno.

    

  

Gongo gde.



pp

  

  Timp.  

 

pp

  Sax. Sop.    Tpa.



pp

   

Cl.

 





pp

 





f súbito

f súbito

mf



mf

  



 







f súbito

 



f súbito

 



 



 



f súbito

f súbito

f súbito



  

f súbito

  

 



 

 

  





     

f súbito

f súbito

 

 

f súbito



 mf

     f

f súbito

 

   

   f

Arco f

Vc.

    f

    Arco

Cb.

p

f súbito

   

 



 



 



    



Pizz.

f

Arco

  

mf

     Vln. 1 

Vla.

 



Arco

Vln. 2

 

f súbito



  

 

 

p

Pizz.

  

 

 

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.



f súbito

Pizz.

f súbito Pizz.

f súbito

  

VI - Rito hodierno

  84

D. Sop. Flm.

mf



 

 



Cl.

Sax. Sop.

Para missa de corpos presentes

I Largo



Fl.



 

  

Vib.

Eagle



Vln. 2



Vla.



Vc.

Cb.





 

   

f

f

   

p

  f



 

  

 

 

mf



   



 



   



f

Repetir três vezes ralentando

    mf



f



 Vln. 1 

   

 

p



 

     









mf



Mar.



    

f

Xil.



mf

    44        

Car.



p



 







 Timp.  Crot.



p



Tpa.

125

    f    



   





f

f

I Largo

 



   Pizz.     

Div.

 

ff

 



  

ff Pizz.

  

ff

      Pizz.



  



  

Pizz.

ff

  

Pizz.

ff

 

Pizz.

ff

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

 D. Sop.  Flm. 86

126

Fl.

Crot.



 

  

f



 Eagle  





Cb.





 Cl.   Timp.   Crot. 





   

mf doce

Xil.





     



 

Mar.



f

Vib.



mf



pp

 Eagle   Vla.

Vc.

  



    sf      

  pp  



mf

 p

 p

pp



 

  

ff súbito

 





sf

 

mp doce

 

 

 

Pizz.

f

p

    p

 

p

f Pizz.

 



 

mf



 



      

 

f



 



  



f

sf





Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

f

   p    

 

  



   

  

sf

      



mf Pizz.

p

sf

    



 

  

   

pp

pp



   



mf

 



f

sf

 



   

         ff        

pp

 

  

mf



 

 

pp

  

   

 

   



mf

ff súbito



Arco

 

 



 Arco   



     

  







mf

 

          mf f                 



Trinado com adensamento rítmico

pp



  mf   

   

89

Car.

    

ff súbito



      



   Arco    Vln. 1    Arco pp     Vln. 2  pp  Arco     Vla. Vc.

 

mf

mf



Car.

Xil.

    

mf



mf









 

mp doce





   

 

f

        

f



 Car.  91

 Eagle  



Vla.



f

 



Cl.

Timp.

Crot.

  

      

Vln. 1

Vln. 2

Vla.

Vc.

Cb.







Eagle

          

mf

   

 

  

  





mf

mf

mf

  



 

mp

 

mf doce









Arco

  

p

Arco

ff

  

         mp



 



  

 

Arco

 p





 





  



 

p Arco

p

 f

   f



mp



  3

 

p

 

  

127

 

mf

ff



     

mp Vibrato com ritmo definido

mf

  

   

 

  



f

    



f

           mp     



          

3



ff



 



   

    



 Xil.  

Vib.





   















Mar.





f





  

Car.

mf

mf

92

Fl.



 

mf Vibrato com ritmo definido

    

 D. Sop.   Flm.



mf

  



    

   



    

   



 

   

 

 

   

       

     fff

   

         

 mp

ff

 

      ff     ff  p

  



p

     ff

ff

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

J

128 94



 D. Sop.  Flm. 95

Timp.

  



Crot.

ff

 

mf





ff

ff  



ff



 



   

  mf  

mf

 

  



   mf   mf

 

mf

 

mf

K Lentíssimo

   

        p

  f



pp



mf

 

mf

mf

f

   f     f

  



f

    Pizz.

   

mf

 

Pizz.



mf

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.



 

f

mf

mf

  



   f   

 mf

  



mf

mf





ff

mf

 

Vc.

ff  

 

ff







mf





mf

   

mf



Vla.

  

 



Vln. 2

Cb.

      mf  



 Eagle   Vln. 1



   

Lentíssimo



Car.

Vib.



 



Gongo pno.

Mar.



 



 Gongo gde.

Xil.

K





Cl.

Tpa.



mf

  



Fl.

Sax. Sop.

    



Tpa.

VII - Salva dos 21

q = 42

 p

mf

Pizz.

 

mf

 

Pizz.

mf

 f

 D. Sop.  Flm.

f

Fl.



Cl.



  f  



 

Sax. Sop.

f

 Timp.  Gongo gde.



Mar.

Vib.

Eagle

 

 

f

f

ff

 

f

ff

 

 



f

f

ff

f

f

ff

 

ff



f

f



ff

f

   

mp





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mp

f

 

p

f

 







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mp

mf

Arco

Pizz.

 



 

 

Pizz.



Vc.

pp

ff

 

  



 

 

  ff   ff  

f



Vla.

pp

ff



Vln. 2

 





f







 Vln. 1 

Cb.

 

 

 

Car.

Xil.





Crot.

 





Gongo pno.

  f

f



Tpa.

129

 

96





 mp

 

mf

 

Arco

mf

 

Arco

mf



 

f

 



mf

   

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

130

 

 

97

D. Sop. Flm.



Fl.

Tpa.

Timp.

Gongo gde.

   

Vib.

Eagle

 



 

 

f



f

f





mf

     



 





 

        

     

f

p

 

Vla.



Vc.





 

Pizz.

f

f

  fff     

f

ff

 

  

    

    f      

  

f

f

ff

ff

f

 

f



pp

f

pp

f

   

f

fff

f f

      f

     f

f

f

f

f

f

   

 

f

   

fff

 f  



f

  





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fff

fff

f



 

  

fff

   f     

 



ff

   

f

mf



Vln. 2

f

 



 

f



 Vln. 1 

Cb.

 

    

 

    mf     mf    

 



Car.

   

 



Crot.

Mar.

f



Gongo pno.

Xil.

 



Cl.

Sax. Sop.

f

 

     

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

pp

    

ff

ff

ff

        Pizz.

    

ff

ff

Arco   

fff

             

     

   

fff

   

 

f

    

Pizz.

 

 

  Pizz.         

 

Pizz.

Arco



pp

f

 

f

 

f

 

Pizz.

  

ff

Pizz.

ff

fff

f

 

f

131

VIII - Rito tardio Para missa de corpos ausentes

L 100



Car.

  D. Sop.  Flm. 101

Gongo gde.

 



Crot.





ff simile







    

Andado

f















mp doce





 

mf



 

f

 

 

pp

mf

pp

     

f

p doce



 

mp doce

mf

 

 

  

  



mp



 

mp

  

     



 



            p mp



   

 

 

 



sf

f

ff

p



 Eagle  

 Vln. 1 

Andado

 

Divi.

Arco

pp



pp





Vla.



Vc.

Arco

p Arco



pp





   

mp

 

   

Arco



Vln. 2

Cb.





     







p doce



Car.

Mar.

 

Gongo pno.

Xil.

ff







Fl.

Cl.



Arco p

     

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

132 D. Sop. Flm.

102         

  

mf

Fl.

f

      

 

 

mp



mf

Cl.

Sax. Sop.

Tpa.

Timp.

p

         



mf







   

p

 



 

pp



     



f

mf

Car.

Xil.

Mar.

Vib.

     



     

  

   

mf

 

 mf

ff

Cb.

 

 

p



p

 p

   

 f

ff

  pp



 

ff

        mp

       f

mp

f brusco



    

p





mf

 

mf

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.



p





        





 

       

  

p

  Vln. 1 

Vc.







 



        Eagle   

Vla.

 









     mf p 



      

Gongo pno.



p

 



 

p

(Abafar bruscamente)

Gongo gde.







p



   

f



L

 D. Sop.  Flm. 104

Timp.

Gongo gde.

Vib.

Eagle

 



pp

 



      





 p surgindo



 

mp

f

    



ff

 

  

mf

 

  ff

pp

mp

 





  

ff simile

      f 3 





  

 

 

 





  

 

 





  



pp

  

    

mf

     3

f

 

 

pp



mp





f

 

pp



ff

  

mp

Vc.

f 3      

L Movido  

 

  

Vla.

f

      





Cb.

 

ff



mp

Vln. 1



pp





    



 

Car.

Mar.

 



Gongo pno.

Xil.

mf

   

  



Fl.

Cl.



133

Movido

      ff

  

  pp



pp

  

  

     

 

ff

pp

pp

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

134

  106

D. Sop. Flm.





f

 

p

 

mf

 

     ff





Vln. 2

Vla.



p

 



 



 



 

 



  

         p

 







  

p

 

mp



p



 

 

  



    

p

 3              f

p

 



 



     

 





 



 





    

p



p

   

p





 

        

 p





p

   

Vc.

   



 

 

 

mf

f

mf



 



 Eagle  

Cb.

p



Car.

Vln. 1





Crot.

Mar.

p



Gongo pno.

Xil.





Tpa.

Gongo gde.

p



Fl.

Cl.



p

mf





  

mf

  mf

  

 ff

Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

f

 D. Sop.  Flm.











108

Fl.

Cl.

Sax. Sop.

Tpa.

Timp.

Gongo gde.

Gongo pno.



f

Xil.



f

      f      



  

f

 

             



mp



Vln. 2



Vla.



Vc.





mp

p

mf

 



 



Pizz.    

mp

mf

    mf        mf

f





mf

          

mf

            f ff         

mp

p

ff

  

    

  

 

            



 



mf

  



mp



 Vln. 1 

Cb.

ff

p

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Eagle

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

136

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

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137

IX - Homenagens póstumas

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

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138

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.



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139

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

142

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

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Réquiem para os pássaros mortos em abril. Mortuos fletum vivum clament. Cao Benassi, Setembro de 2013.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Movido por uma pergunta – quiçá “umas” perguntas -, cheguei ao momento que talvez possa me remeter ao número 10. Isso porque é esse o momento de fechar, arrematar as ideias em torno dessas perguntas, respondendo-as e trazendo à baila outro questionamento que surgiu no decorrer deste percurso. Foram apresentados cinco capítulos neste trabalho, 4 deles contendo texto verbal. Texto esse que norteou a produção da obra musical dialógica Requíem para os pássaros mortos em abril. Nos três primeiros capítulos, foram abordados assuntos distintos e visivelmente distantes, que poderiam aparentar pequenas “pesquisas” dentro do estudo que se propunha a investigar a criação musical para flauta, levando em consideração o contexto em que a obra seria criada. No entanto, como foi visto na introdução deste trabalho, trilhar esses caminhos diferentes foi necessário para que se pudesse obter um objeto estético que trouxesse imbuído em sua concepção os pressupostos teóricos conceituais do pensador e humanista Bakhtin, o fio condutor numerológico e se conhecesse e se desse a conhecer o principal instrumento para o qual a obra fora escrita. Nesse sentido em conformidade com o projeto apresentado a este programa de pós-graduação e reelaborado ao longo da disciplina Métodos e técnicas de pesquisa, o pressuposto teórico que nortearia a produção de uma nova obra para flauta e grupo instrumental, composto por um número igual ou maior que 10 instrumentos, seria, principalmente, o conceito de enunciado. Nessa perspectiva, uma análise da obra “JCB n.º 01”, de minha autoria, foi realizada no intuito de evidenciar a enunciação e o diálogo presentes na atividade conceptiva (BENASSI, 2012). Salles (2009) entende a obra de arte como um “gesto” que é acabado somente no ato da apreciação. Fui um pouco além, aproximando a obra de arte musical ao conceito de enunciado e tomando-a como atividade enunciativa dialógica. Para Bakhtin, o enunciado é o principal ator na concepção da linguagem e, essa por sua vez, perpassa todas as esferas da atividade humana. O autor afirma que todo e qualquer enunciado é particular e individual, de acordo com área do conhecimento humano em que se insere, não sendo diferente na área musical. Criar é enunciar-se. Enunciação que traz em seu bojo, embora que de forma implícita e indireta, o conhecimento, o contexto, a ideologia de seu autor.

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Ao enunciar, o criador trava um diálogo com os conhecimentos que o constitui. No caso do enunciado “JCB n.º 01”, há um diálogo entre numerologia e astrologia, que são conhecimentos que norteiam a concepção do mesmo. Toda ambientação sonora gira em torno de uma triangulação entre as notas fá, sol e si, que na astrologia são relacionadas a Saturno, Júpiter e Lua, respectivamente. Em contrapartida, o poema Jardins dos caminhos que se bifurcam é apresentado dividido em quatro partes, cada uma apresentando um número que traz suas energias vibratórias para a ambiência sonora. Em se tratando de materiais sonoros além da triangulação fá, sol e si, a obra busca nas técnicas expandidas sua forma composicional. Tais elementos mostram um diálogo do autor com os materiais empregados e, ainda, com os conhecimentos que busca para construir os sentidos, uma vez que, compor não é somente “jogar” notas no papel, é tratá-las de forma inteligente e coerente. Mas o diálogo não acaba aí. A obra de arte musical é um enunciado inacabado. Uma vez dado ao mundo, será o olhar do outro que o finalizará, mesmo que de forma breve. A cada apreciação, o cenário discursivo, o contexto da enunciação, o destinatário será outro. Terá sofrido novas influências, terá vivenciado novas experiências, fazendo com que o objeto estético seja (re)lido sob uma nova ótica, tornando-se único. No decorrer dos estudos desenvolvidos, buscando entender a temática brevemente exposta acima, o foco da pesquisa mudou. Ao cursar a disciplina “Teorias da semiótica – Curso livre em estudos de Linguística”, ministrada pelo professor italiano Luciano Ponzio, percebi que os conceitos de exotopia, responsabilidade e acabamento se adequavam melhor à pesquisa e, como é comum nos demais conceitos elucubrados por Bakhtin, trariam obviamente à baila os conceitos de enunciado e dialogismo. Relendo a questão da estética em Bakhtin, torna-se visível a preocupação do autor em compreender o objeto estético sem retirar dele o contexto e a essência daquele que o idealiza, como se propunha a estética materialista. A visão de Bakhtin sobre estética aponta para uma concepção da obra de arte como sendo capaz de exprimir as ações axiológicas do autor ou espectador como algo além do material. Defende que a estética material não consegue diferenciar, em sua essência, o objeto estético e a obra exterior. Nela existe uma diferenciação mais precisa da forma arquitetônica – esfera que abarca os valores morais e físicos do homem

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estético e forma composicional –, domínio onde os materiais são organizados de acordo com as finalidades a que se propõe. Baseado no entendimento bakhtiniano de estética, em que o sujeito constitui o objeto estético e é por ele constituído, busquei entender a obra de arte, especialmente a obra de arte musical, como uma atividade capaz de exprimir, mesmo que de forma indireta e implícita, as relações axiológicas, seja do autor ou do apreciador. Entender o enunciado artístico como mero material organizado seria o mesmo que atribuir-lhe status de objeto prático ou utilitário. No entanto, a obra de arte vai além do material organizado, traz em si a valoração do autor sobre um conteúdo ético-cognitivo ao qual se liga e se prende indissoluvelmente. É nessa perspectiva que Requíem para os pássaros mortos em abril é concebida. Além da instrumentação, o som da acústica, as técnicas expandidas, matérias e conteúdos mais óbvios na forma composicional, a obra apresenta um forte apelo ético-cognitivo: os conhecimentos acerca da numerologia Pitagórica e a conceituação bakhtiniana, com destaque para a cronoexotopia e responsabilidade e a obra literária espírita Pássaros mortos em abril. Esses elementos combinados no momento da concepção da obra não podem ser explicitados pela ambiência sonora, mas desvelar-se-ão por meio de análise, que em Bakhtin deve contemplar o autor que a idealiza bem como o contexto em que é idealizada. Assim sendo, uma descrição da obra, desde a sua concepção, pôde revelar esses meandros que estão ocultos pela notação composicional, em outras palavras, pela escrita musical. O conteúdo cognitivo numerológico configura como sendo cronotópico e exotópico ao mesmo tempo. Cronotópico, pois é um olhar do presente direcionado ao passado, na perspectiva da criação de um objeto estético, cuja vida é ilimitada. Exotópico, porque não sou numerólogo: e por meio de uma ação de ir ao lugar do outro, me apropriar desse conhecimento e voltar ao meu lugar de criador, construo um objeto artístico de acordo com os meus próprios princípios e valores éticos, sendo portanto, responsável. Esse mesmo trânsito acontece no desenrolar da utilização do poema Pássaros mortos em abril, obra de cunho religioso, que traz consigo um contexto espaço temporal cuja análise e compreensão demanda estudo do cenário discursivo em que fora concebido, ou seja, conhecer o enunciador e o auditório (interlocutor e objetivos da enunciação) e o sair do lugar comum.

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A obra rememora a Guerra da Secessão, conflito armado ocorrido entre 1861 e 1865 nos EUA. A utilização do poema, a princípio, nortearia o fraseado musical, por meio da decomposição das letras em números. Esses, por sua vez, indicariam as notas a serem usadas. Na primeira escritura da segunda, terceira e quarta partes foi utilizado tal procedimento. No entanto, como foi descrito anteriormente, houve um período na concepção da obra de grande

descontentamento, que me levou a

recomeçar várias vezes a escritura da mesma. Essas partes foram reescritas, sendo a segunda e a terceira em sua totalidade; apenas a quarta parte conservou o procedimento da decomposição das letras em números e os números em notas musicais. A partir da última modificação causada pela decisão de dedicar a obra para a artesã Adriana Breukink, o poema passou a nomear cada uma das nove partes desse enunciado musical. Nesses nomes, há uma pretensa cronologia nos eventos, conforme evidencia o poema.

A primeira parte se chama “Ventos errantes trazem notícias tristes”,

lembrando o momento em que as famílias tomaram conhecimento do massacre dos soldados no campo de batalha. A segunda, “Girassóis em lágrimas ou O lamento dos girassóis”, faz alusão ao choro dos pais e anciãos. A metáfora “O carpido da Cotovia”, que nomeia a terceira parte, lembra o antigo ofício das choradeiras e faz referência ao pranto das mães. Na sequência, a quarta parte recebe o nome de “Rubor aquíneo ou Águas vermelhas”, que traz a ideia do sangue derramado. A quinta parte, que se chama “Enlutados arbóreos ou O luto das árvores, remete ao luto das famílias. O título da sexta parte “Rito hodierno. Para missa de corpos presentes” não tem uma citação direta no poema, mas foi retirado dos últimos versos que compõem a última estrofe do mesmo. Esse procedimento mostra que o enunciado artístico me constitui como também constitui novos enunciados. No entanto, essa constituição passa pelo meu crivo, sofrendo então um processo de reelaboração e reacentuação. O título da sétima parte “Salva dos 21” foi retirada do poema, enquanto o das partes 8 e 9, “Rito tardio. Para missa de corpos ausentes” e “Homenagens póstumas”, reproduz o modelo da sexta parte. Ainda falando em olhar para o passado, as técnicas expandidas podem também ser entendidas como uma cronotopia. As pesquisas em torno da busca de novos timbres e sonoridades na flauta se iniciam em meados da década de 60 do século passado. Apesar do tempo decorrido, as mesmas são pouco conhecidas e

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utilizadas, especialmente na música contemporânea brasileira de concerto, doravante MCBC. Foi a descoberta de outras formas de se tocar a flauta que possibilitou ao flautista a inserção no âmbito da música contemporânea. Um novo repertório surgiu e cresceu rapidamente, fato que impulsionou o desenvolvimento de flautas modernas para atender às especificidades desse novo repertório. Uma série de recursos foram pensados para incrementar os instrumentos tornando-os sonoramente mais potentes, como, por exemplo, a Eagle, instrumento desenvolvido por Adriana Breukink, um dos mais promissores, sendo qualificado como “uma nova dimensão em flauta”. Esse instrumento está se popularizando rapidamente entre os flautistas, e diversos compositores têm escrito para ele obras de grande porte, como o Concerto for recorder “Eagle” and orchestra, de Vito Palumbo. Graças à dimensão estrutural dessa flauta, especialmente do furo interno, sua potência sonora é superior a qualquer outro tipo de flauta desenvolvida até agora, o que possibilita à flauta Eagle figurar frente, desde um piano a uma orquestra sinfônica, sem que sua sonoridade seja prejudicada. A escolha da flauta Eagle como principal instrumento ao qual a obra seria dedicada satisfaz em parte o objetivo da presente pesquisa. Inicialmente, me propunha a investigar as possibilidades de criação de uma obra para a flauta doce e flauta híbrida com grupo de câmara, utilizando as técnicas expandidas, aplicando os conceitos de dialogismo, enunciado, ética e estética do humanista e pensador russo M. Bakhtin. Como evidenciei acima, houve uma mudança nos conceitos selecionados inicialmente. Constatei que os mesmos podem sim estar presentes na atividade enunciativa musical, bem como os conceitos escolhidos posteriormente – exotopia, responsabilidade e acabamento –, mostrando-se efetivos na gênese de Requíem para os pássaros mortos em abril, satisfazendo positivamente a hipótese de trabalho desta pesquisa. Quanto ao exame proposto no projeto, realizei-o tomando como base a minha própria obra, evidenciando, principalmente no uso da numerologia e de motivos religiosos, a ação exotópica responsável na concepção das mesmas. Após a visualização dos conceitos na concepção das obras examinadas, a obra musical

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proposta nesta pesquisa foi criada para flauta solo e orquestra. Um grupo instrumental bem maior do que propunha no projeto de pesquisa. Utilizei, ainda, na instrumentação, uma flauta Dream, que pode ser substituída por um flautim, inexistindo a possibilidade de se usar essa flauta. A Dream é um dos tipos de flauta moderna que foi desenvolvida para o repertório contemporâneo. Não utilizei a flauta híbrida na composição, pois a obra composta foi dedicada

à

artesã

Adriana

Breukink,

que

não

dispõe

desse

tipo

de

instrumento/experimento. Experimentar, analisar e documentar o instrumento musical híbrido, adaptado a partir de partes da flauta transversal e da flauta, foi um dos objetivos do projeto de pesquisa. Consegui fazer vários testes com o instrumento, que mostraram resultados positivos quanto à estabilidade, afinação e projeção do som. Aprimorei o bocal e em breve novas modificações no bloco serão feitas, pois o atual modelo não apresenta o chanfro inferior na forma reta em ângulo de 45º; na parte superior não existe o chanfro, o que faz com que o som fique ventado e o ataque não seja preciso. O formato “cachimbo” do bocal será substituído para reto. Para que o instrumento fique ergonômico, um tudel em forma de “S” será colocado para conduzir o ar da boca até o canal. Um dos objetivos do projeto era utilizar as técnicas expandidas, desde as mais comuns, até aquelas qualificadas como “bizarras” por O’Kelly (1990), privilegiando o diálogo entre criador e o seu outro. No entanto, o contexto da atividade criativa não me permitiu fazer uso de tais técnicas, uma vez que existe a possibilidade de se montar a peça, sendo que eu executaria a parte da flauta Eagle. Como essa flauta é um instrumento que exige maior pressão de ar para sua execução, e no atual momento estou em fase de adaptação a ela, não caberia ser ousado no uso das técnicas expandidas, embora apareçam no decorrer da obra passagens com o uso da técnica de simulador de transmissor de ondas de difícil execução. Outro motivo que impediu o uso efetivo das técnicas expandidas é o fato de eu ainda não conhecer o instrumento em sua totalidade. Outro objetivo proposto que não foi alcançado está relacionado com os materiais que seriam utilizados na obra. Segundo o projeto, um dos materiais seria o canto de um pássaro, que seria escolhido no momento da concepção da música. O canto escolhido foi da espécie conhecida popularmente como azulão carabina. Após processar o canto do pássaro no software AudioScore Lite, várias tentativas de

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iniciar a composição da obra, cujo fio condutor seria o número 9, foram feitas. No entanto, o processo se tornou muito serial e com possibilidades limitadas de desenvolvimento. A utilização do canto do pássaro foi abandonada, pois o resultado sonoro que se esperava tornou-se mais importante que o material empregado ou forma/método de organização. As várias retomadas na parte inicial da composição, após abandonar as primeiras ideias de gênese, mostram que o processo de criação musical pode ser inquietante, confuso e por vezes doloroso. A princípio, não consegui bons resultados sonoros, o que me fez abandonar as ideias iniciais e retomar o processo, até que o resultado obtido na escritura da obra, mediante material, fio condutor e conceitos, satisfizesse minha inquietação. A estruturação da obra foi cuidadosamente pensada em torno do número 9, embora muitos detalhes fugissem ao meu controle. A obra está dividida em 9 partes, sendo que a paginação se configura da seguinte forma: I, 9 páginas; II – 6; III – 3; IV – 3; V – 3; VI – 3; VII – 3; VII – 6; IX – 9, totalizando 45 páginas. A numeração de compassos também foi controlada, para que a soma dos mesmos não ultrapassasse o número 9. No entanto, a minutagem não apresenta resultante 9, uma vez que não me apetece muito usar compassos definidos e esses em minha escrita, são pouco usuais. A primeira parte foi iniciada em um dia cuja soma resulta em 9, e foi a parte que, além de demandar mais tempo para conclusão, mais me causou sofrimento. Sofrimento esse muitas vezes transmutado para o corpo físico. As partes 2 e 3, após concluídas, foram reescritas, demonstrando que os interesses do autor pode influenciar no direcionamento de seu herói. A primeira, a terceira, a sexta, a oitava e a nona partes são finalizadas em páginas cujo resultado numérico é 9. Enquanto a segunda e a quinta partes terminam em páginas que somam um total 6, número que contrapõe o nove, na forma composicional da obra. A quarta e a sétima parte trazem o 3 como resultado numérico em sua paginação. Esses elementos foram controlados por meio da estruturação das partes. Outros eventos que permeiam o ato enunciativo no todo composicional da obra demonstram o controle sobre a criação do “herói”, como, por exemplo, os dados a respeito do início da nona parte e do final da oitava e da nona partes. A oitava parte foi finalizada em ano, mês, dia e hora que somam um total 9, assim

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como a nona parte passou a ser concebida na mesma ocasião. Já o final da nona parte se deu em ano, mês, dia e hora que resultam em um número 3. A obra apresenta um forte apelo cronoexotópico, buscando em vários enunciados motivos para reenunciação. Tais enunciados eram assimilados pela análise, alguns também pela apreciação/acabamento da performance. No meu lugar de enunciação, esses enunciados foram reelaborados e reacentuados de forma responsável. O bloco acordal que dá origem à obra retoma o motivo gerador da obra Concerto for recorder “Eagle” and orchestra, de Vito Palumbo. Os pequenos arcos rememoram Violinkonzert, de Alban Berg. As texturas lineares trazem à baila o discurso de Requíem a un pájaro, de Salvador Torres. A linearidade contraposta por motivos verticais abruptos reenunciam o quarto movimento de Quatro visões, de Roberto Victório. Entre outras obras igualmente importantes, “Requíem para os pássaros mortos em abril” retoma enunciados anteriores, reafirmando o postulado bakhtiniano da não existência de um enunciado adâmico. O autor, bem como o local de sua enunciação são outros. Os elementos e o contexto da criação são diferentes, assim como a arquitetônica e a forma composicional do discurso são singulares, não se repetindo jamais. Dessa forma, o meu pensamento, o meu sentimento, o meu desejo, a minha ação de enunciar são únicos. Cada ato enunciativo em Requíem para os pássaros mortos em abril, mesmo que recorrendo a enunciados anteriores, é singular, peculiar em minha unicidade e impossibilidade de ser substituído, em meu dever de responder responsalvemente, a partir do lugar único que ocupo, sem álibi e sem exceção. Falar da aplicação dos conceitos selecionados para a concepção da obra trouxe, inevitavelmente, à baila outros conceitos de Bakhtin. A mudança conceitual aconteceu quando já se ensaiava o início da composição, isso não fez com que a intenção

conceitual

anterior

fosse

abandonada.

Falar

em

exotopia,

em

responsabilidade e acabamento implica falar em enunciado, diálogo e até em cronotopia. Como é comum aos (re)leitores de Bakhtin um conceito “puxar” o outro, comigo,

neste

trabalho,

não

foi

diferente.

Além

de

falar

em

exotopia,

responsabilidade e acabamento, foi impossível não relacionar a obra musical e seu

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processo de criação às fases de apropriação da palavra – palavra alheia, palavra alheia-própria e palavra própria. Foi possível notar, por meio da ação exotópica, uma apropriação do discurso musical alheio. Isso se dá de duas formas, por meio da análise e por meio da apreciação, que seguramente posso conceber como acabamento. Esse é um ato constitutivo. Ao analisar e apreciar/acabar uma obra musical, “percebemos os processos individuais (a análise serve para isso) e vamos simbiotizando-os e aplicando-os à nossa própria poética, que vai se materializando com o tempo e com as experimentações conscientes” (VICTORIO, 2013)58. Percebe-se, nessa afirmação, que há um trânsito de apropriação do discurso musical. Por meio da análise e do acabamento da obra, nos apropriamos do discurso alheio que, ao ser transmutado em nossas obras, torna-se discurso alheiopróprio. Sendo que com o amadurecimento do processo, esse discurso converterse-á em discurso próprio. Não tive tempo para explorar essa temática – que parece estar presente na criação musical – nesta fase da pesquisa, que não termina aqui, apenas se inicia, como afirma Amorim, Toda pesquisa só tem começo depois do fim. Dizendo melhor, é impossível saber quando e onde começa um processo de reflexão. Porém, uma vez terminado, é possível ressignificar o que antes e tentar ver indícios no que ainda não era e que passou a ser (AMORIM, 2004, p. 11).

Últimas palavras Como vimos na citação anterior, uma pesquisa se inicia depois do fim. Ao finalizar o esboço de pesquisa “A flauta doce hoje: o instrumento e suas técnicas expandidas no repertório de música contemporânea”, pensava eu que o assunto havia se esgotado. No entanto, na defesa, a banca indicou a continuação do estudo, pois não havia menção das obras para flauta que eu havia criado por ocasião da pesquisa. Pode ser que aí se iniciava a presente fase desta investigação. Nela, a preocupação girou em torno da criação musical norteada por conceitos teóricos, mas também trouxe à baila a numerologia como fio condutor da obra a ser criada. Conhecer um pouco do percurso da flauta na música !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 58

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contemporânea foi essencial para se conhecer o instrumento para o qual se propunha a escrever. É bem verdade que alguns eventos me surpreenderam neste percurso, como, por exemplo, conhecer a flauta Eagle, instrumento que provocou em mim imediata simpatia. Não só pelos seus atributos, como também por poder satisfazer aos propósitos deste trabalho. Outros fatos ainda trouxeram dor e sofrimento, como o recorrente sentimento de mediocridade criativa que me rondou durante as primeiras tentativas de geração da obra. Os

acontecimentos

ocorridos

no

decorrer

da

escritura

da

música

influenciaram diretamente nas tomadas de decisões e mudanças na arquitetônica da mesma. Assim foi com o abandono do material “canto do pássaro”, com a reescritura das segunda, terceira e quarta partes. A interrupção da escritura para cursos de aperfeiçoamento e, ainda, para cumprir ritual fúnebre em família, tudo isso fez com que o processo fosse, em determinados momentos, prazeroso, noutros, angustiante e doloroso. Uma pequena mostra de como o contexto influenciou a criação está nos trêmulos utilizados na percussão, lembrando o barulho ensurdecedor da makita, servindo como material em algumas passagens da obra. A utilização do carrilhão por tantas vezes também não se deu por acaso, traz o incomodante barulho da marreta que derrubava paredes da casa em reforma. São apenas pequenos fatos dentre tantos outros de cunho “intimo” que me “desnudariam” caso fossem explicitados aqui. Esses eventos permearam o caminho percorrido para a obtenção do texto musical dialógico Requíem para os pássaros mortos em abril que, sem dúvida, guarda em sua vida muitos segredos. Alguns por mim idealizados, outros nunca pensados. “Ventos errantes trazem notícias tristes” é um bom exemplo disso. Na última página, existe a retomada de um pequeno mote melódico que é apresentado no final do compasso 10 e início do compasso 11. Em ambas reexposições desse motivo no compasso de número 16 aparecem 9 instrumentos que fazem a primeira inserção e 9 que a contrapõe. A quantidade de instrumentos que fazem a reexposição desse motivo não foi pensada, simplesmente aconteceu. Percebi esse acontecimento quando escrevia a oitava parte (compasso número 102), ao voltar na primeira para retomar o ritmo apresentado naquele motivo. Muitos outros detalhes podem ter fugido ao controle e,

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somente por meio de uma análise minuciosa, que leve em consideração o sujeito, o contexto e o objeto estético, poderão revelar quais outros segredos se escondem na concepção da obra. O controle dos eventos sonoros dentro do processo criacional de Requíem para os pássaros mortos em abril é de fato muito pequeno, pois, o fato de recomeçar tantas vezes e abandonar ideias e ir a procurar de um outro devir, demonstra que a obra, apesar de idealizada e projetada, pouco aconteceu do que fora previsto. Mesmo que o processo se torne extremamente racional e serializado, ainda assim, algo fugirá ao controle no devir artístico. Para finalizar, há de se ressaltar que o processo causou em mim, ao longo do seu percurso, profundas mudanças. O aprendizado foi intenso e alcei a qualidade de minha produção artística musical. O “salto como compositor foi muito grande MUITO grande e tende a crescer com o tempo”, segundo Victorio (2013, grifos do autor)59. Requíem para os pássaros mortos em abril mostra que, até em um ambiente musical, o contexto que estamos vivendo dita forma, conteúdo e estilo. Assim sendo, por mais que tentasse fugir das texturas longilíneas, com pouca movimentação sonora, dos ambientes melódicos, não consegui. Essa obra se tornou algo totalmente diferente de tudo que eu já fiz e, ao contrário do ambiente discursivo caótico das obras anteriores, mostrei um discurso melódico mais coerente, desprovido das complexidades "ruidosas" de antes. Em sua dialogicidade Requíem para os pássaros mortos em abril retoma, reacentua, reenuncia e reelabora outros enunciados, tornando-se mais que um enunciado, ou seja, uma cadeia enunciativa que por certo ecoará em muitos outros enunciados, pois, segundo Bakhtin: o enunciado se insere em uma cadeia dialógica infinda, da qual, não se pode conhecer o início, tampouco, vislumbrar o seu fim. Resta-me agora, em eventos posteriores, aprofundar a temática exotopia, responsabilidade e acabamento na atividade enunciativa musical e, ainda, questionar o Dizer e o reDizer na criação musical contemporânea e responder à seguinte pergunta: “poder-se-ia aplicar os conceitos da apropriação da palavra na criação musical”.

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!Via!correio!eletrônico.!

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GLOSSÁRIO DE TERMOS DAS TÉCNICAS EXPANDIDAS DA FLAUTA GRUPO 1 – DEDILHADO “NÃO-PADRÃO”

1) Variação de dinâmica é obtida através da alteração da relação normal entre dedilhado e respiração. Com a pressão de ar aumentando ou diminuindo, bem como o volume da nota. Assim, uma mudança significativa na dinâmica pode ser alcançada. Em certos tipos de dedilhados não-padrão, torna-se necessário fazer uma compensação na pressão do ar para manter a afinação (Fig. 39).

Figura 39. Dedilhado para obter variação de dinâmica.

2) Variação de timbre. O timbre característico de um som musical é determinado pela composição de um grupo de harmônicos superiores que acompanha uma fundamental. Quando se toca a mesma nota utilizando dedilhados diferentes, altera-se a composição desse grupo de harmônicos, variando seu timbre. Através do dedilhado não-padrão, pode-se obter diferentes “cores” de uma mesma nota (Fig. 40).

Figura 40. Dedilhado para obter variação de timbre

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3) Sabe-se que apenas as sete primeiras notas emitidas pela flauta são sons fundamentais, mas, em sentido estrito, todos os demais são harmônicos. O termo “harmônico” ou “flageolet tone” é usado para descrever um som franco, underblown, suave e às vezes quase inaudível. Normalmente, o dedilhado é semelhante ao tradicional, mas com um orifício aberto, geralmente com a abertura do polegar semifechada. O som resultante é de apenas uma harmônica ao invés de um grupo complexo deles. A pressão de ar é consideravelmente menor do que o normal. Alguns são muitos estáveis, particularmente suaves e etéreos. Para obter harmônicos, as variações são obtidas fechando parcial ou totalmente a abertura da campânula (Fig. 41).

Figura 41. Dedilhado para obter harmônicos.

4) Microtons. Uma das grandes vantagens da flauta sobre os demais instrumentos de sopro é a ausência de chaves. Seus microtons podem ser executados com precisão, fracionando a abertura dos orifícios, mas às vezes é necessário adicionar a abertura ou suprimi-las totalmente. Também é possível executá-los aumentando ou diminuindo a pressão de ar, a este procedimento atribui-se a nomenclatura bent tone. Este procedimento produz uma “desafinação” na nota fazendo-a oscilar. O glissando microtonal pode ser realizado deslizando os dedos sobre os orifícios de forma gradual. Na figura número 21, são dados dois exemplos de dedilhados para execução dos microtons do Dó3 (Fig. 42).

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Figura 42. Dedilhado para obter microtons

5) Multifônicos. Todos os instrumentos de sopro podem produzir mais de um som, simultaneamente, resultado da oscilação de um grupo de frequências que não fazem parte da mesma série harmônica e que não podem ser percebidas auditivamente como um único som. Para produzir os multifônicos, basta combinar dedilhado e pressão de ar correta. Nesses instrumentos, é possível manipular esses multifônicos, controlar sua afinação, bem como seu volume e “cor”. A flauta, com seu furo interno cônico invertido e sua embocadura, torna-se muito mais flexível. Pelo formato desse furo, a flauta apresenta notórios problemas de afinação, o que tem dificultado a notação exata da composição dos seus multifônicos (Fig. 43).

Figura 43. Harmônicos que compõem o multifônico obtido com o dedilhado do Si♭ na flauta contralto.

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GRUPO 2 – ARTICULAÇÃO 1) Ataque simples (único). Na flauta, a articulação padrão é o ataque com o “t”, “d” e o “r”; para isso, usa-se a ponta da língua. Os sons podem ser executados com uma grande variedade de maneiras, que vão desde o legato até o staccato. Algumas combinações só terão efeito se forem articulações com a entonação da Língua de Origem (LO), como é o caso do “th”. Se o fonema for o da língua alemã, o som será acompanhado de um ruído de ar, que é diferente do “th” da língua inglesa. 2) Ataques compostos (duplos e triplos). O ataque duplo utiliza-se de um movimento rápido e alternado da língua para pronunciar combinações de consoantes, tais como “t-k”, d-g”, “r-g”, etc. O ataque triplo baseia-se no mesmo princípio do anterior. Pode-se fazer as seguintes combinações: “t-k-d-g”, “t-k-r-k”. As combinações de certas consoantes no ataque pode causar uma “rugosidade” na onda sonora. A grafia dá-se da mesma forma que a do ataque único, sendo que a entonação da língua nativa deverá também ser observada. 3) Frullato é um termo italiano que pode ser traduzido por ruflado. Produz-se um “r” vibrado na ponta da língua que dá um efeito muito conhecido entre os tocadores de instrumentos de sopro, como frullato. Pode-se produzir por meio de um “h ou k” “raspado” na garganta. Na flauta doce, esta técnica é altamente eficaz e seu uso na música contemporânea de concerto é frequente. GRUPO 3 – VIBRATO 1) Vibrato de diafragma. A ação do diafragma sobre o som da flauta gera uma oscilação de afinação na nota, variando-a para cima e para baixo, podendo variar também a sua velocidade e a intensidade. Esse tipo de vibrato só é notado na partitura quando o compositor tem algo excepcional em mente. 2) Vibrato de garganta. Obtido por meio de uma oscilação rápida e regular na garganta causada por uma construção do fluxo de ar como um “h” raspado, produzindo uma espécie de rosnado. O’KELLY (1990) classifica-o como uma espécie de vibrato que, segundo ele, é relativamente fácil de produzir, mas não pode ser controlado e variado da mesma forma que o vibrato de diafragma. O vibrato de garganta também é conhecido como chevroter, sendo ainda classificado por alguns autores como frullato de garganta. Existem duas

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articulações neste procedimento: o H, que é pronunciado no final da faringe, e o K, que é melhor sentido em volta da língua. Ainda existem outras formas de articulação: o G com a pronúncia do idioma holandês e do árabe, o CH fica situado entre os dois. 3) Vibrato de língua é um movimento rápido da língua, como se fosse um ditado da sílaba “lu”. O movimento da língua dentro da boca vai interferir no fluxo de ar dentro do instrumento e causa uma flutuação leve na intensidade da nota. Esta técnica não é usada com frequência. 4) Vibrato de dedo. Esta técnica não é uma técnica recente. Na música do século XVIII, o flattement, como era conhecida esta técnica, era usado para embelezar notas longas, particularmente em músicas com andamento lento, dentro do estilo francês. Hotteterre (1707), entre outros, cita vibratos executados com as pontas dos dedos, que causa um efeito de “achatamento” no timbre e na altura da nota. Este tipo de vibrato é diferente do vibrato de diafragma, onde a afinação da nota flutua para cima e baixo. No vibrato de dedo, a velocidade e a intensidade podem ser controladas e modificadas de acordo com a ação sobre o orifício. No entanto, nas notas mais graves do instrumento, esta técnica não surtirá efeito, porque executa-se com todos ou quase todos os orifícios fechados. 5) Vibrato de lábio. Este tipo de vibrato é assim chamado porque o procedimento para executá-lo é cobrir o lábio da flauta com a mão direita, levemente concavada, em formato de concha. Ao movimentar a mão sobre o lábio, enquanto mantem o dedilhado com a mão esquerda, obtém-se um som vibrado, escuro e por vezes “sombrio e misterioso”. 6) Vibrato de joelho. Efeito vibrado que pode ser obtido obstruindo o orifício final – abertura da campânula - da flauta com o joelho. O timbre pode sofrer alterações se o flautista bloqueá-la no joelho sobre a roupa ou colocá-la diretamente em contato com a pele. Este efeito é mais perceptível nas notas agudas. 7) Outros tipos de vibratos. Estas são outras possibilidades de fazer vibrar o som da flauta. Também não se tem registro dela em HAUWE (1984, 1987, 1992). Ao testar e experimentar as novas possibilidades de execução musical na flauta, o instrumentista pode chegar, por si próprio, a novos procedimentos. Este é um desses casos. Durante a execução, pode-se fazer vibrar a onda sonora balançando rapidamente a cabeça de um lado para o outro. No entanto,

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diferentemente das outras técnicas de vibrato, nesta a velocidade não pode ser controlada. Quanto mais grave for a nota, melhor será a sua percepção. Também pode-se fazer vibrar o som da flauta, balançando rapidamente a flauta de cima para baixo ou da esquerda para a direita. A velocidade da oscilação da onda sonora é muito alta, portanto, seu controle exige do flautista maior habilidade e destreza. Ainda é possível obter o vibrato de campânula, batendo a palma da mão direta sobre a mesma, enquanto se dedilha os três primeiros orifícios com os dedos da mão esquerda. GRUPO 4 – EFEITOS ESPECIAIS 1) Glissando. Efeito de fazer “deslizar” as notas com execução de escalas que podem ou não ter acabamento em microtons. O fato da flauta não possuir chaves, como foi dito acima, favorece a execução desta técnica que o flautista faz, dedilhando rapidamente os orifícios ou simplesmente deslizando seus dedos sobre essas aberturas, gradual e consecutivamente. 2) Rustle tones. É uma técnica cujo resultado é o de um som ventado, ao se restringir o suprimento de ar na flauta. Para isso, o flautista deve retirar a flauta da boca e apoiá-la apenas no lábio inferior. Com isso, o vento que normalmente passa pelo canal que dá acesso ao lábio e ao tubo interno do instrumento escapa por cima da entrada do canal, produzindo um som ruidoso. No entanto, a maneira formal de executar esta técnica é apoiar a flauta entre os lábios ou no canto da boca com os mesmos entreabertos, fazendo com que o ar, direcione-se para dentro do instrumento e também escape para fora dele.

O resultado,

dependendo da intensidade e velocidade do sopro, podem ser sons muito suaves até ataques súbitos e muito ásperos. 3) Ruído branco. Este é um termo que descreve qualquer ruído acústico que é composto de sons que abrangem um espectro de frequências muito amplas. Os flautistas já estão familiarizados com o ruído que se forma quando se introduz o dedo na janela, soprando para limpar o canal. No entanto, várias outras formas de ruídos acústicos podem ser obtidos na flauta. Os procedimentos são variados, vão desde cobrir a janela com a mão até tocar com a flauta em posição transversal ao corpo, utilizando alguns dos orifícios para os dedos como bocal. 4) Dedos aleatório. Esta é uma técnica em que o flautista movimenta

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freneticamente e de forma improvisada os dedos sobre um determinado grupo de orifícios do corpo do instrumento, que pode ou não ser indicado pelo compositor. Os efeitos produzidos com este procedimento são de uma rápida sucessão de sons descoordenados que podem ser – dependendo da pressão de ar utilizada – suaves, notas definidas ou não e ainda ruidosas. 5) Efeitos percussivos são obtidos na flauta de diversas formas. Batendo forte com o dedo sobre algum dos orifícios ou com a palma da mão na campânula, adiciona-se à nota aguda um efeito percussivo que, combinado com um ataque súbito, pode ser particularmente eficaz. Com o auxílio das unhas e de anéis, dedais de metal, vidro, plástico ou de acrílico, entre outros objetos que podem ser colocados nos dedos, de materiais diversos, o corpo da flauta pode ser percutido, gerando assim sons e efeitos particularmente interessantes. Pode-se também desmontar a flauta e bater contra a palma da mão, abrindo e fechando uma das extremidades para obter timbres percussivos diferentes. Michael Vetter desenvolveu uma técnica na qual se coloca a flauta apoiada entre o ombro esquerdo e o joelho direito. Nesta posição, a boca fica livre para ser colocada sobre a janela da flauta, podendo ser produzida uma infinidade de sopros, ruídos, sussurros, falas e canto em boca chiusa que, quando combinados com a eletrônica, gera uma ampla gama de sons muito curiosos. 6) Efeitos vocais muito interessantes são criados na flauta quando o instrumentista canta ou fala e toca ao mesmo tempo. Quando a nota cantada é da mesma altura da tocada, esta é reforçada, mas uma alteração no timbre da nota é provocada. Quando as notas diferem, a combinação de tonalidades ou as diferenças peculiares de cada nota podem ser percebidas. Quanto à combinação na consonância das notas, o som é reforçado, tornando-se maior. Se forem dissonantes, as diferenças entre as frequências o torna menor. Em ambos os casos, um terceiro som surge: um som distorcido, que pode ser manipulado para obter alguns resultados bastante bizarros. Os sons vocais podem ser combinados com vários tipos de articulações, tornando o resultado desta técnica ainda mais agressivo. 7) Sons da boca. Esta categoria contém muitos sons, que obviamente não incluem a voz. Os sons aqui catalogados são ruídos do sopro, da sucção do ar, cliques de língua, estalos de lábios (lip-smacking), risadas, entre tantos outros, que foram sendo criados graças à capacidade inventiva de intérpretes e

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compositores, e formam uma parte significativa da dimensão teatral evidente em muitas obras contemporâneas para flauta. 8) Duas flautas simultaneamente. Como a flauta é um instrumento pequeno (da sopranino a contralto), é permitido ao flautista executar duas flautas ao mesmo tempo.

O resultado obtido é bastante interessante, particularmente, se a

tessitura dos instrumentos usados estiver distante, um do outro. Apesar de uma gama bastante diversa de sonoridades estar disponível como esta técnica, sua modulação é um tanto quanto reduzida, pois somente os três primeiros dedos da esquerda poderão ser usados para dedilhar a flauta. Pode-se vedar com fita adesiva os demais orifícios para modificar o som, compensando a “falta de dedos”. 9) Alterações na estrutura do instrumento. O tubo que compreende o corpo de instrumento também pode ser preparado com tiras de plástico ou papel, que irão vibrar dentro do mesmo fazendo a altura da nota mudar. Os orifícios podem ser reduzidos com o auxílio de pedaços de fita adesiva. A abertura da campânula também pode ser bloqueada, com a finalidade de modificar a sonoridade do instrumento. O pé da flauta pode ser removido durante a execução. A remoção afetará o timbre e a afinação da flauta. No caso das flautas que possuem chaves, efeitos percussivos de chaves podem ser obtidos com ou sem a remoção de partes.

A retirada da cabeça da flauta permite explorar outras

sonoridades, tanto com a própria cabeça do instrumento quanto com o corpo. Com a cabeça, pode-se tocar de diversas maneiras; uma delas é uma técnica que permite oscilar as notas, fazendo com que a sonoridade obtida lembre um theremim. Com o corpo do instrumento, é possível tocar como se fosse uma flauta transversal ou ainda como a nay egípcia. 10) Efeitos excepcionais são potencialmente úteis à performance da flauta na música contemporânea. Estes incluem uma variedade peculiar de sonoridades, cujas técnicas para obtê-las adotam procedimentos de outros instrumentos. As técnicas são as seguintes: a) simulador de transmissor de ondas: desliza-se os dedos sobre os orifícios do instrumento. A presença de chaves dificulta a execução desta técnica; b) transversal: coloca-se o instrumento transversalmente ao corpo, como uma flauta transversa, e utiliza-se o orifício número 01 como bocal. Podese usar o corpo desmontado;

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c) embocadura da nay egípcia: desmonta-se a flauta e utiliza-se apenas o corpo soprando em uma das extremidades; d) sino: utiliza-se o sino como bocal. Faz-se vibrar os lábios e dedilha-se os orifícios fazendo variar a altura da nota. Pode-se desmontar a flauta (retirar a cabeça) e soprar pelo sino como bocal – o som será um pouco mais aberto – e também pela extremidade superior do corpo. A altura da nota poderá variar se o instrumentista dedilhar os orifícios. Se mantê-los fechados e oscilar a intensidade da pressão de ar, o resultado será semelhante ao som de um berrante. Pode-se fazer vibrar os lábios sobre a janela, obtendo resultado semelhante; e) simulador de theremim: apenas com a cabeça da flauta, sopra-se pelo canal e mantem-se a mão em concha sobre a extremidade inferior. Além de se obter sons definidos (si, fá, sol, lá, si, dó, alterações e microtons e um multifônico), ao movimentar a mão freneticamente sob a abertura inferior da cabeça do instrumento, obtém-se uma sonoridade que lembra vagamente um theremim. Não há uma forma padrão para a notação dessas técnicas. O’Kelly (1990) mostra que cada compositor nota da maneira que lhe é mais conveniente. Existe no corpo do texto da autora alguns exemplo utilizados por alguns dos compositores mais importantes do século XX, que escreveram para a flauta. Torna-se altamente recomendável a sua leitura, por qualquer compositor que queira dedicar obras a esse maravilhoso instrumento.

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ANEXO – Psicografia do poema Espírita Pássaros mortos em abril

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