TEXTO O PRESIDENTE DA REPUBLICA

July 13, 2017 | Autor: Albano Pedro | Categoria: Direito
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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ENTRE O TITULAR, O CARGO E O ÓRGÃO DE SOBERANIA – DIFERENÇAS E
PARTICULARIDADES A CONSIDERAR NO SISTEMA JURÍDICO ANGOLANO



Albano Pedro



O Presidente da República enquanto titular do cargo máximo de direcção do
Estado não se confunde com o cargo e com o órgão Presidente da República. O
Presidente da República enquanto titular do cargo é um cidadão livremente
escolhido entre os membros da sociedade. É o primeiro dos cidadãos. Os
latinos justamente consideravam-no o príncipe ou chefe sendo nos momentos
históricos recentes o primus inter pars por surgir entre os seus pares ou
iguais em alusão a igualdade de direitos que todos os cidadãos têm perante
a lei em aceder aos cargos públicos conforme as previsões constitucionais
da maioria dos Estados, embora já não seja assim à luz da nova Lei
Constitucional - LC (Constituição, segundo o legislador) como veremos
adiante. Este cidadão tem de ter os requisitos gerais determinados pela LC
(art.º 110º, n.º 1) como sejam a maioridade mínima que é de 35 anos,
residência habitual em território nacional num tempo mínimo de 10 anos; que
esteja no gozo da plenitude dos seus direitos civis e políticos e tenha
capacidade física e mental para exercer o cargo. Por capacidade física e
mental se entende a possibilidade de estar apto para as várias actividades
que implicam o exercício das funções presidenciais. Não se pretende
considerar a diminuição física como incapacidade física se não impedir o
exercício das funções em causa. Da mesma forma (e por argumento a fortiori)
é discutível se a demência, episódica ou permanente, mesmo clinicamente
atestada impede o acesso ao cargo em causa, uma vez que a lei considera
apenas impeditiva a demência que cause interdição e como tal declarada em
tribunal mediante sentença competente. Também há que considerar os
requisitos negativos de elegibilidade (art.º 110º, n.º 2) traduzidos em
condições de inelegibilidade para o cargo de Presidente da República. Neste
caso, há a apontar o facto de o candidato ao cargo não ter qualquer outra
nacionalidade (não ter nacionalidade adquirida); não ser Magistrado
Judicial ou do Ministério Público no exercício de funções e nem juiz do
Tribunal Constitucional, do Tribunal de Contas no activo; não pode ser
Provedor de Justiça tão pouco adjunto dessa função; não pode ser membro dos
órgãos da administração eleitoral ou militar ou membro de forças
militarizadas no activo. Se já tiver sido Presidente da República é
admitido como candidato se tiver tido um único mandato e não tiver sido
interrompido por destituição, renúncia ou abandono das correspondentes
funções presidenciais. A luz da LC, o candidato presidencial é proposto
pelo partido concorrente as eleições (art.º 111º) estando descartada a
possibilidade de concorrem a esse cargo os candidatos independentes e que
como tal concorram sem apoio de partidos políticos como foi legislado ao
abrigo da LC antiga. De todo modo, podem ser indivíduos não filiados nos
respectivos partidos políticos ou coligação de partidos políticos
concorrentes. Não basta ter apoio do partido político concorrente. Tem de
ser o cabeça de lista, i.e., tem de figurar como o primeiro da lista dos
deputados que o partido elencar oficialmente (oficialmente porque a lista
tem de dar entrada válida no Tribunal Constitucional). Assim realizam-se
duas eleições simultaneamente. As eleições parlamentares (para eleger
deputados) e as presidenciais (com a concorrência implícita dos primeiros
deputados das listas dos diferentes partidos políticos concorrentes às
eleições. As eleições gerais devem ser convocadas até 90 dias antes do
termo do mandato do Presidente da república e dos Deputados à Assembleia
Nacional em funções e realizam-se até 30 dias antes do fim do mandato dos
mesmos. O mandato do Presidente da República tem a duração de 5 anos e
obviamente dura o mesmo tempo que o mandato dos deputados e pode candidatar-
se até dois mandatos consecutivos ou interpolados. O cidadão eleito ao
cargo de Presidente da República é empossado pelo Presidente do Tribunal
Constitucional nos 15 dias que se seguem a publicação oficial dos
resultados definitivos. No acto da posse o cidadão presta juramento nos
termos descritos pela LC (art.º 115º) em que fica evidente que toma posse
como titular de um cargo presidencial. Boa nota a tomar é que a luz da nova
LC o conceito de eleição presidencial deve ser substituído pelo conceito de
indicação presidencial por questões de rigor técnico-legal e semântico.

O cargo de Presidente da República implica competências distribuídas em
funções como Chefe de Estado (art.º 119º), titular do Poder Executivo ou
Governo (art.º 120.º) e como Comandante em Chefe (art.º 122º). É no
exercício do cargo de Presidente da República que o seu titular representa
o Estado e o Governo praticando todos os actos nessa qualidade. Dentre as
competências do Presidente da República figuram algumas que representam um
verdadeiro atentado ao Estado de Direito e Democrático que se pretende
edificado em Angola por violar o princípio da separação e interdependência
de poderes dos órgãos máximos do Estado (para a nova LC a denominação de
órgãos soberanos, para além da Assembleia Nacional, é radicalmente duvidosa
como veremos). Entre elas está o poder de nomear os juízes do Tribunal
Supremo. Já era assim à luz da LC antiga. Porém, muito se esperou que essa
disposição normativa fundamental fosse expurgada para enfraquecer, nesse
sentido, a vinculatividade da Lei 18/88 – Sistema Unificado de Justiça,
aprovada no âmbito do sistema de Estado centralizado. É verdade que esta
disposição normativa mantém o sistema judicial na linha dos órgãos máximos
do Estado não soberanos. Mas compromete gravemente a imparcialidade de todo
o sistema judicial angolano na aplicação das leis aos casos concretos.
Sobretudo quando os litígios envolvam questões de interesse público e
implicam entidades ligadas aos órgãos do Estado.

O órgão Presidente da República é consagrado constitucionalmente como
soberano (embora hoje seja contestável como veremos adiante) e compreende
um conjunto de serviços entre os quais se encontra o cargo de Presidente da
República. São de destacar o gabinete Presidente da República, o gabinete
da Primeira Dama da República, a Casa Civil, a Casa Militar entre outros
serviços. O órgão, embora juridicamente considerado singular por a
titularidade e autoridade assentar in propria persona, tem carácter
colectivo porque compreende um conjunto mais ou menos complexo de serviços,
em geral, auxiliares em relação ao titular do cargo de Presidente da
República. Deste modo, e assim diferenciado, o fim do mandato do titular do
cargo de Presidente da República não implica alteração das competências
(porque não são específicas da pessoa do titular), tão pouco importa a
cessação das funções dos membros dos órgãos e serviços auxiliares do
respectivo órgão. Embora nesse caso, o provimento das vagas para as funções
principais de tais órgãos e serviços se opere na base da confiança pessoal
e como tal dependem da temporalidade implícita ao mandato do cargo de
Presidente da República e das conveniências das funções exercidas pelo seu
titular.

É perfeitamente contestável o estatuto soberano do Presidente da República
à luz da LC. A soberania desapareceu com a consagração das eleições
parlamentares que promovem o primeiro deputado da lista do partido político
vencedor para o cargo de Presidente da República. O povo já não elege o
Presidente. Logo, a soberania que pertence originalmente ao povo não se
transfere e em consequência o Presidente da República deixa de ser um órgão
de soberania como foi consagrado na Lei Constitucional de 1991 até antes da
vigência da actual LC. Assim também é aceitável que nem se fale em eleições
presidenciais por estas não existirem em favor de uma indicação interna do
candidato pelo partido político vencedor. Em consequência disto é razoável
admitir que o Presidente da República já não tenha nenhum poder de
soberania (ius imperi) cujas decisões vinculem os dirigidos (Governo ou
Executivo) ou representem estes perante terceiros, sobretudo no plano
internacional (Chefe de Estado). Acresce-se nessa confusão debilitante o
facto de o Presidente da República acumular as funções de Deputado à
Assembleia Nacional no momento da tomada de posse como o mais Alto
Magistrado do Estado (alguns chamam Nação, por estranho que pareça como
veremos mais abaixo). Aqui fica clara a feição que aproxima o sistema de
governo angolano ao parlamentarismo inglês em que o Primeiro-Ministro
enquanto chefe do Governo é também membro do Parlamento. Mas, o Presidente
da República no exercício das suas funções suspende materialmente as suas
funções como membro da Assembleia Nacional uma vez que deixa de comparecer
as sessões parlamentares nessa qualidade. Aqui devia ocorrer uma suspensão
formal como Deputado à Assembleia Nacional no momento da "transferência" de
cargo para Presidente da República. O que não está previsto na LC,
traduzindo assim uma verdadeira lacuna normativa no nível fundamental das
normas jurídicas. Dessa combinação polémica, e de difícil digestão
académica e até política, resulta o facto de o Presidente da República
beneficiar do estatuto da Assembleia Nacional como único órgão eleito pela
transferência da soberania a partir do povo.

Uma outra abordagem a considerar é a personalização do Poder Executivo
(Governo) pelo Presidente da República. Ao abrigo da LC antiga o Governo
era um órgão colegial e os seus membros (Presidente da República, Primeiro-
Ministro e ministros) eram parte da soberania do estado e como consequência
eram considerados membros do governo, para além de órgãos políticos,
tornando o Conselho de Ministros o órgão superior de administração pública.
A nova LC deposita toda a responsabilidade do governo numa única pessoa: O
Presidente da República. Aqui nasce a semelhança do nosso sistema de
governo com o sistema presidencialista americano. Logo, o Vice-Presidente,
os Ministros de Estado, os ministros e demais altos funcionários do Estado
são meros funcionários do gabinete presidencial completamente despidos de
quaisquer dignidades política. Então o Executivo é uma única pessoa e não
faz sentido que o Presidente da República seja chamado chefe do Executivo
por não ter mais ninguém para responsabilizar a acção governativa do
Estado. Por isso é que hoje faz sentido que o Conselho de Ministros seja um
mero órgão auxiliar do Presidente da República. Logo, está muito bem a
denominação constitucional de Titular do Executivo (embora o conceito de
Executivo tenha um mero cariz estético não invalidando a axiologia inerente
ao conceito de Governo).

A confusão do Presidente da República no exercício das suas funções e fora
delas, nomeadamente no exercício de funções partidárias, tem gerado toda a
sorte de especulações na compreensão dos governados. Não raro, surgem,
dessa confusão, sérias violações de limites entre o exercício das funções
presidenciais e das funções partidárias que se apresentam na forma de
decisões parciais, desvio de património público, favorecimento de
oportunidades económicas e sociais aos membros do partido entre outras
anomalias. Para evitar acidentes do género, alguns Estado consagraram
constitucionalmente a impossibilidade do Presidente da República em funções
estar igualmente no exercício de quaisquer funções no partido que o indica
ou apoia. Infelizmente não está assim consagrado na actual LC. O que de
lege ferenda deixa uma clara obrigação normativa fundamental nesse sentido.
Pois, há a necessidade de diferenciação de exercícios pela demarcação do
inicio e fim de cada uma das funções em referência.

O mais grave problema que o exercício combinado de cargos estadual e
partidário, pelo Presidente da República, implica, é a "intromissão" na
Assembleia Nacional pelo controlo da actividade parlamentar do seu partido
influenciando as decisões ao arrepio da liberdade de exercício dos seus
deputados. Sendo Presidente do Partido, o Presidente da República tem o
privilégio de lançar mãos a determinados instrumentos internos da sua
organização (disciplina partidária entre outros) para conformar toda a
decisão parlamentar do seu partido aos interesses do seu mandato. O que
reforça sobremaneira os seus poderes no controlo do Estado. É dessa
variante que vem o aspecto dictatorial (no sentido do controlo absoluto do
poder) do Presidente da República como órgão consagrado pela LC.

Essa crise na demarcação entre as funções presidenciais e as funções
partidárias é também a principal causa da intolerância política em Estados
cujos presidentes, sendo chefes de Estado e de Governo, são igualmente
chefes das sua formações partidárias como acontece na maior parte do
continente africano, americano e asiático. Não estranha que o maior índice
de revoltas sociais se situe em tais países porque o Estado é
tendencialmente repartido entre cidadãos privilegiados (os militantes do
partido do Presidente da República) e os não privilegiados (militantes de
outros partidos e apartidários – entre objectores de consciência). Assim, o
acesso aos cargos públicos e as oportunidades económicas estão abertos aos
militantes do partido do Presidente da República revelando na maioria das
vezes uma aparente má distribuição da riqueza nacional e das oportunidades
que ela gera. À intolerância política que nasce deste privilégio em relação
ao Estado segue-se a intolerância partidária (porque os militantes de
partidos na oposição se acham descriminados pelos militantes do partido no
poder e estes acham que as reclamações daqueles não têm razão de ser).
Gradativamente a intolerância atinge núcleos laborais, escolares,
residenciais e familiares numa espiral que envolve impotência e violência
levando ao caos, com todas as sugestões anti-sociais geradas pela corrupção
e clientelismo daí resultantes, todo um projecto de sociedade e de nação.

Não é suficientemente persuasiva a afirmação segundo a qual o Presidente da
República é o mais Alto Magistrado da Nação. O correcto seria do Estado
(descontada a parte em que este poder se encontra debilitado pela novo
modelo eleitoral). Porque o Presidente da República garante o controlo da
legalidade dos actos públicos apenas na base da LC que conforma o Estado e
não a Nação. Quer directamente (pela promulgação das leis, ratificação de
tratados, solicitação do controlo preventivo da constitucionalidade das
leis, etc.), quer indirectamente (pelos actos praticados pelo seu
mandatário que é o Procurador Geral da República). Seria magistrado da
Nação se tivéssemos uma verdadeira Constituição no sentido que essa ligasse
à LC todos os valores culturais que identificam o povo angolano (a nação
angolana) ao contrário desta LC que sufraga valores culturais ocidentais e
como tal se impõe, em detrimento da realidade social dos angolanos, com
ditames meramente legalistas (sobre este assunto já expendemos em diversos
textos a consultar em: www.jukulomesso.blogspot.com).

Recuperando as considerações tecidas acima sobre o titular do cargo de
Presidente da República e a questão da igualdade de direitos em relação aos
dirigidos ou governados, há que verificar que o exercício das funções
presidenciais eleva o cidadão indicado acima das sanções legais, na maioria
dos casos, tornando-o imune às previsões legais de um modo geral. É uma
situação de discussão obrigatória já que as leis servem para todos e por
isso abstractas (Ius non in singula personas, sed generaliter
constituitur), sendo que por interesse de particular nenhum devem ser
modificadas (Ius publicum privatorum pactis mutari non potest). Disto
resulta que as normas convencionadas entre os particulares acabam tendo um
suporte abstracto na sua observância (Ius privatum, sub tutela iuris
publici, latet). É bem verdade que vale a máxima Lex cavet civibus,
magistratus legibus (As leis protegem os cidadãos e o magistrado as leis)
por oferecer melhor a compreensão sobre a necessidade de o magistrado estar
protegido das próprias leis para melhor protegê-las. Torna-se, por isso,
razoável que na qualidade de mais Alto Magistrado do Estado e como tal o
primeiro garante da observância das leis e seu protector-mor seja imune das
suas sanções para que o sentido de positivação e reforma das leis não seja
conduzido em atenção aos interesses pessoais. Todavia, o titular do cargo
de Presidente da República se afigura como uma verdadeira excepção ao
princípio da universalidade de direitos (art.º 22º). Desde logo, porque é
constitucionalmente irresponsabilizado pelos actos praticados no exercício
das suas funções e como tal não se lhe administram quaisquer sanções na
esmagadora maioria das situações e casos, sobretudo de natureza criminal,
senão passado o exercício do mandato. Ou seja, fora do mandato e cumprido
certo lapso de tempo. É claro que tais privilégios não são aceites contra o
próprio Estado (Privilegium contra rem publicam non valet). Porém, o seu
exercício contra o interesse público é muitas vezes evidente e sem qualquer
controlo eficaz. Aqui prevalece sempre a ideia equivalente ao favorecimento
das leis ao juiz (pro iudice iura praesumunt) descontada a parte do
exercício ilícito. Nesse sentido, deixa bem clara a concordância com a
afirmação justiniana que consagra a inutilidade do acto praticado com a
proibição legal: Ea quae lege fieri prohibentur, si fuerint facta, non
solum inutilia, sed pro infectis etiam habeantur. O que significa que a lei
no caso de imunização sancionatória do Presidente da República consagrou
uma verdadeira ficção jurídica. Dixit.
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