Texto para RBA 2016 Mônica

June 1, 2017 | Autor: Clery Moraes | Categoria: Indigenous Studies
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Disputas por domínios territoriais e identitários na dinâmica do processo de luta por reconhecimento e demarcação de uma terra indígena no Maranhão 1. Mônica Ribeiro Moraes de Almeida (UFMA/MA)

Resumo: Este trabalho trata sobre a emergência do movimento de afirmação étnica de indivíduos na região do município de Barra do Corda, no estado do Maranhão, que a partir de 2002, passam a reivindicar o pertencimento a uma etnia considerada extinta, os Krenyê de Bacabal. Vivendo por muito tempo submersos em outros povos atualmente buscam estratégias de ação para reivindicar do Estado reconhecimento de uma identidade étnica e a demarcação de uma terra indígena. Os discursos de indianidade, a construção e administração de fronteiras sociais são aqui considerados processos de etnogênese. A análise dos elementos constitutivos desse processo demonstra um campo de disputa entre os domínios territoriais e indentitários. Dentro desse campo de disputas entram em cena não só indivíduos do grupo, mas agentes do Estado, entidades religiosas, diferentes povos com os quais estão em contato. Sendo assim busco investigar como se configuram as relações dentro do campo de disputas que ajudam a constituir os limites desse campo. Palavras-chave: afirmação étnica, fronteiras, identidade.

Introdução.

Este trabalho aborda o movimento de reelaboração da identidade étnica de indígenas na cidade de Barra do Corda, no estado do Maranhão, Brasil, que a partir de 2002 passam a demandar reconhecimento a uma etnia considerada extinta, os Krenyê de Bacabal, e a partir disso a demarcação de uma reserva indígena. Os Krenyê começaram um processo de dispersão na primeira metade do século vinte, algo que se completou na segunda metade do mesmo século. Dispersos em diferentes terras, passaram a viver de forma fragmentada junto a outros povos e a ser conhecidos genericamente como Timbira. Nimuendaju (1946) descreve uma baixa populacional causada tanto por mortes decorrentes de epidemia quanto por fugas de muitos para mata na tentativa de escapar dos agentes de contato. Segundo este autor o censo realizado pelo Serviço de Proteção ao

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Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2016, João Pessoa/PB.

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Índio em 1919 atesta a existencia de 43 Krenyê vivendo em uma aldeia denominada de Cajueiro, localizada a oeste de Bacabal entre os rios Mearim e Grajaú. Em 1950, Boudin fez um levantamento da língua Krenyê, segundo ele, essa língua deveria ser grafadas “antes que os últimos remanescentes dos índios Timbira em vias de extinção quase total, tenham desaparecido” (1950, p. 558). William Ballé (1994, p. 46) afirma que o declínio cultural e demografico dos Krenyê estava praticamente completo entre os anos de 1915 e 1990. Lave (1967) e Darcy Ribeiro (1996) também consideram os Krenyê um povo extinto. Não só os homens de ciência, mas também os homens de Estado silenciam a respeito da existência deste povo. Aliado ao fato de que os Krenyê, durante muito tempo, se reconhecem e são reconhecidos, por outros, genericamente como Timbira fizeram com que fossem considerados, durante muito tempo, um povo extinto. Entretanto, não pretendo abordar este processo por meio da perspectiva da invisibilidade, desaparecimento, silenciamento ou perda. Buscarei, ao contrário, abordar as suas visibilidades (HARAWAY, 1991; IORIS, 2009), como esse grupo foi representado, pensado e construido (IORIS, 2009) pelos diferentes povos e instituições com os quais esteve em contato. Bem como o processo territorialização (OLIVEIRA, 1999), pelo qual decide mudar a sua visibilidade, ou seja, a forma como é visto e passa a assumir uma outra autoatribuição. Aproveito também para por em cheque a noção de uma autoreferencia de origem imemorial ou biologicamente determinada de autonomia incontestável dos grupos. Pretendo trabalhar a forma de identificação dos sujeitos do grupo em termos processuais e ativos (BROBAKER e COOPER, 2000), tentando entende-la a partir dos diversos espaços sociais que podem ser ocupados pelos sujeitos em decorrência das diversas relações que podem ser construídas ao longo de sua história. Concordando com Bhabha entendo que o que é [...] teoricamente inovador e políticamente crucial é a necessidade de passar além das narrativas de subjetividade originárias e iniciais e de focalizar aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças culturais. Esses entre lugares fornecem terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação- singular ou coletiva- que dão inicio a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade (Babha, 1998, 19-20) 2

Refazer o percurso histórico do grupo - dentro daquilo que Oliveira (1988) denominou de situação histórica - nos diferentes contextos econômicos, sociais e políticos em que estiveram inseridos e as diferentes relações por eles estabelecidas se mostra essencial para entender o momento atual de demandas políticas e identitárias. Os encontros culturais de longa distância são importantes na formação daquilo que entendemos como cultura. Assim, as culturas são continuamente produzidas na interação ou no processo de “fricção”, os atritos ou encontros heterogêneos e desiguais podem levar a novas modalidades de cultura e poder (Tsing, 2005). De modo que a noção de “fricção” (Tsing, 2005) me ajuda e entender diferenças que surgem e compõem o mundo contemporâneo numa relação social, política e econômica.

Invasão do território Timbira e migrações Krenyê

Os krenyê fazem parte de um conjunto maior de povos classificados na língua Timbira dentro do tronco linguístico Macro jê. Possuem tanto línguas relacionadas quanto compartilham de repertórios culturais tais como: a forma circular da aldeias, com caminhos dialetais e o pátio central, a corrida de tora, um conjunto de mitos. Se caracterizam por uma série de associações transversais e relacionamentos formais. Organizam-se através de unidades de parentesco que vivem em lados diferentes da aldeia e que orientam o casamento. Estruturam-se em sistemas de metades e em sociedades cerimoniais. São povos habitantes do cerrado, vivem da caça, da coleta de frutos, da pesca e cultivo agrícola. Fazem uso de pinturas corporais com tintas extraídas das sementes de jenipapo, de urucum e de cinzas. No início do século XIX os povos Timbira, que habitavam as áreas de cerrado do Maranhão tiveram seu território invadido por sertanejos nordestinos criadores de gado (RIBEIRO, 1996) que encontraram nos territórios nativos áreas apropriadas para a criação de gado. Essa expropriação de seus territórios causou constantes migrações dos povos indígenas que habitavam a região na tentativa de fugir dos invasores. Entretando o espaço de fuga estava cada vez mais reduzido onde quer que se instalassem rapidamente se

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formava mais uma povoação nas proximidades. Os Timbiras trouxeram, então, insegurança e transtorno para os colonizadores, que se instalaram e passaram a viver da lavoura do algodão, milho, arroz, mandioca e mamona. (DACOSTA,2006) Os Krenyê viviam numa área denominada pedra do Salgado, localizada na região do médio mearim onde hoje se localizam os municípios de Bacabal e Vitorino Freire, até aproximadamente as décadas de 1940 e 1950, quando são atingidos por uma grande epidemia de sarampo em que muitos índios morreram e outros fugiram indo se abrigar na terra de outros índios. Neste mesmo período os Krenyê e os Pobzé começaram a apresentar-se pacificamente aos moradores da região de Bacabal e rio Mearim. (Nimuendaju, 1946 apud, Marques e Machado). Período em que foi criada duas missões ou colônias de índios, através do regulamento de 11 de abril de 1854, uma a margem do Pindaré e outra no Alto Mearim, na paragem denominada de Bacabal, essa última denominada colônia de Leopoldina. Essas colônias deveriam observar todas as disposições da Lei provincial nº 85 de 2 de julho de 1839. A Colônia Leopoldina, objetivava o aldeamento dos Krenyê e dos Pobzé (NIMUENDAJU, 1946; GOMES, 2002). Desse modo os diretores das colônias garantiriam o controle sobre os índios, para que não constituíssem empecilho aos projetos desenvolvimentistas que começavam a se implantar no país neste período, como bem afirmou Coelho (1991). A expulsão completa de suas terras se dá na década de 1960, quando já estavam em pouco número e não tinham mais como lutar para permanecer em suas terras. Esse período de dispersão e morte ainda povoa a memória dos mais velhos. Francisco Krenyê 2, em entrevista a mim concedida, relembra o vazio que estava o território Krenyê e das marcas deixadas por aqueles que ali viviam. a velha, minha mãe […] contava pra mim, “olha aqui tinha muito, muito, muito” [índio]. É porque todo lugar tinha sítio de manga aí ela dizia: “oh, por aqui tudo que a gente já morou”. Cada pezão de manga, aí eu via, eu já era grandinho, aí eu via tudo direitinho. Aí ela contava, por aí tudinho tinha um caminho assim que ia pra outra cidade de vocês (são luís). Ela dizia, “olha aqui dos dois lados é cemitério”. Diz que lá morria era assim desse negócio de sarampo, parece que é catapora, não é? Tem uma doença lá, porque logo o índio não tem resguardo com nada aí nesse tempo disse que tinha muita caça, eles criavam muito porco também. Aí eles comiam porco e comiam quandu, disse 2

Ancião do grupo que estou fazendo acompanhamento de pesquisa.

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que morria era de três; enterrava dois agora de manhã de tarde já tinha outro, ia morrendo tudo encarreirado, morrendo aí, não é ?. Foi por causa disso que acabou, agora do meu tempo mesmo [...] (Sr. Francisco Krenyê, 2015 )

Os pés de manga representavam marcas da ocupação Krenyê, vestígios que alí existiam aldeias. O esvaziamento do território fez com que muitos dos elementos culturais deixassem de ser praticados, Francisco relembra que não olhava mais seu povo realizando festas, movimentando a aldeia com corridas de tora, cantos e brincadeiras tais episódios permaneciam na memoria da mãe do mesmo que, saudosa, falava sobre estes momentos para o filho. Com o esvaziamento da terra e a invasão cada vez maior de seu território, o tio de Francisco, por volta da década de 1960, resolve pedir providencias ao órgão tutor da época, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Francisco narra tal episódio: Eu disse, “não tio eu vou mais você, eu quero conhecer o São Luís”. Aí eu fui nós caminhemos foi um mês, ou foi dois meses, todo dia caminhando de pé. Não tinha nem carro como hoje em dia tem. Aí a gente saiu lá da Pedra do Salgado nós fomos bater em São Luís, não é. Aí chega lá ele [Maximiliano, o tio do seu Francisco] ele falou com esse doutor Xerez3. Aí ele [Xerez] disse: “olha Maximiliano eu não conheço como lá é de vocês eu conheço só a Geralda, a Januária, o Bacurizinho”, falou desses outros aldeias, parece que também Araribóia que chama funil. Só aldeia que ele falou, não é. Aí ele disse pra ele assim, “e daí pra onde tu quer ir?” Aí ele [o tio] ficou imaginando, “não parece que eu vou para o Pindaré mesmo”. “Pois é agora aí tu escolhe: ou tu quer ir pra Geralda ou então tu quer ir pra Januária?” “Não, eu quero ir pra Januária”. Então tá bom.

Nesse momento se deu a retirada dos útimos Krenyê que viviam na área, estes foram transferidos para a terra dos Tentehar, Terra Indígena Januária. Chegando na Januária, encontram outros Krenyê que lá estavam, tem-se registro que eram em torno de 8 famílias, então constroem sua própria aldeias separados dos donos da Terra, como atesta Maria de Lourdes Krenyê4:

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Dr. Sebastião Xerez, foi responsável pela 3ª inspetoria do Serviço de Proteção ao Índio no Maranhão, entre os anos de 1948 a 1962. 4 Anciã, irmã de Francisco.

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Eles viviam na aldeia deles e nós vivíamos na nossa, mas era assim, toda vez que os guajajara [Tentehar] faziam a festa deles eles convidavam a gente, a gente ia lá olhar (D. Maria) Ao chegar na terra Januária tentaram construir certa autonomia, entretanto o número populacional reduzido e fora de sua área ancestral a adoção de casamentos interétnicos, incluindo casamento com branco, foi inevitável. A procura por mulheres da outra etnia provocava brigas, resultou em algumas mortes e também foi motivo de novas dispersões de alguns Krenyê. Além da briga por mulheres a briga por roça também era comum e levava as mesmas consequências. Muitas vezes esses deslocamentos eram agenciados pelo órgão tutor, SPI e posteriormente por seu substituto, Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Além da Januária, outras áreas eram destino dos Krenyê, como a Terra Indígena Governador (povo Pykopjê), Terra Indígena Geralda Toco Preto (povo Krepumkateye), Terra Indígena Krikati (povo Krikati), Terra Indígena Rodeador (Povos Krikati e Pykopjê) . Essas terras tanto representam áreas de dispersão resultante de fulgas quanto áreas que eram constantemente visitadas por eles pelos motivos mais diversos, trabalhar, estreitar laços de parentesco, ajuda ou apoio político. Além dessas terras, os Krenyê hoje são encontrados também nas periferias de algumas cidades do Maranhão como Santa Inês, Barra do Corda e Buriticupu. O grupo que iniciou o movimento de reivindicação por reconhecimento étnico e luta pela terra é composto por 15 famílias, ligadas por laços de parentesco, que estão ocupando áreas localizadas no Município de Barra do Corda.

Tecendo relações construindo fronteiras: notas sobre as disputas por domínios territoriais e identitários do povo Krenyê.

No ano 2003, Ademar Lopes5 liderança indígena, iniciou o processo de demanda por recohecimento da etnia Krenyê e direitos sociais.

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Entiado de Maria de Lourdes

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Ademar revela que essa iniciativa se deu no momento em que trabalhava no escritório da FUNAI, que administra as ações destinadas aos povos Tentehar, ele trabalhava fazendo limpeza do órgão e começou a ter acesso a documentos e conhecer os direitos dos povos indígenas e como tudo funcionava. Neste momento ele e seus parentes estavam vivendo na cidade próximos aos “brancos”, não tinha lugar para plantar nem

lugar para caçar, a única opção de

subsistencia era trabalhar na cidade para não indígenas. Vivendo na cidade, estão expostos a criminalidade e discriminação por parte de cidadinos. Toda essa circunstância o fez questionar-se: “porque o meu povo vive nessa situação sem direito a nada?” E então começou a reunir os Krenyê de sua família que viviam próximos a ele. Também começaram a entrar em contato com os Krenyê que vivem em outras regiões. De modo que eles estão se considerando como parte de um grupo maior. O órgão tutor certifica isso e o processo oficial de reconhecimento e demarcação de uma terra assegurou que esta demanda por direitos não diz respeito apenas ao pequeno grupo que esta a frente do movimento, mas todos os outros que ainda hoje vivem na terra de outros povos. A FUNAI fez um mapeamento demográfico e estima-se que existam hoje em torno de 150 a 170 Krenyê, espalhados por diferentes localidades. A primeira ação de Ademar foi demandar da FUNAI proteção e autorização para voltar a morar na terra indigena Rodeador. Essa terra indígena foi comprada em 1978 para dois outros povos Timbira, os Krikati e Gavião. O governo tinha intenção de transferí-los do seu local de origem para esta terra, porém esses povos se recusaram deixar suas terras e durante muito tempo a Rodeador permaneceu vazia. Para conseguir essa autorização ficou acampado no escritório da FUNAI em Brasília por um mês até conseguir falar com o representante do órgão. Ademar Krenyê revelou que nesse momento sua identidade indígena foi colocada em cheque e esse teria sido o estopim que o levou perceber a importância de começar a se autoafirmar Krenyê. Neste momento eles se autodenominavam genericamente como Timbira. Nas palavras de Ademar, Timbira pode ser qualquer povo, pode ser os Krepunkateyê e eles não poderiam ser confundidos com os Krepunkateyê ou qualquer outro povo Timbira, por isso precisavam se assumir como Krenyê, falar do seu povo e contar a sua história.

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Assim, além do pedido de proteção eles também deram entrada ao pedido de reconhecimento da etnia Krenyê, este foi tanto um processo para fora, em que se apresentam para o Estado, para outros índios e para sociedade nacional como Krenyê, quanto um processo para dentro de autocompreensão (BRUBAKER e COOPER, 2000), se acomodando a novas formas de identificação que os constrói como Krenyê. Desse modo dão início a um processo de resgate da sua história. A memória dos dois mais velhos do grupo, Sr Francisco e D. Maria, torna-se essencial, transformando-os em figuras importantes desse processo, pois foram os únicos que viveram na terra tradicional e experienciaram o início do processo de espoliação do povo. Nesse processo de produção do ser Krenyê passam a levar em consideração as visões externas construídas sobre povos indígenas. Visões muitas vezes romantizadas que constroem os índios a partir de elementos culturais, vestuários, cantos, língua, habitat. Essas visões são construídas pela sociedade civil, mas também fazem parte dos protocolos a serem preenchidos pelas populações indígenas que estão em processo de reconhecimento pelo Estado. Uma outra tomada de posição foi apresentar-se publicamente em eventos ligados a causa indígena, como reuniões oficiais de orgãos do Estado e índios de outras etnias, afirmando sua condição étnica distinta dos demais indígenas sob os quais até então permaneciam à sombra, a exemplo dos Krepymkateje e dos Tentehar. Somam-se a esses cenários, eventos promovidos pelo movimento indígena e o acompanhamento sistemático realizado por instituições de cunho indigenista, em especial o Conselho Indigenista Missionário Conseguiram autorização para habitar a terra indígena Rodeador e foi lá que em 2009, organizaram uma grande reunião chamada “I Encontro dos povo Krenyê”, teve como objetivo discutir o andamendo das suas demandas, formalizar o pedido de demarcação de uma reserva indígena, neste momento demandam a terra indigena Rodeador para que fosse registrada em nome dos Krenyê. Convidaram para essa reunião agentes de alguns orgãos do Estado como, aqueles ligados a causa indigena, ligados a educação, saúde, representantes de associações indígenas, outros povos indígenas com os quais mantém relação, como por exemplo os

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Tentehar, Gavião, Krepunkateyê, Krikati e os Krenyê que vivem fora da região de Barra do Corda. Neste encontro foi organizado a visita à pedra do Salgado, o território tradicional do povo Krenyê. Essa visita a terra tradicional tornou-se elemento importante do processo de reconhecimento étnico pelo Estado. Mostraram a área de onde saíram puderam comprovar a existência de lugares já registrados nas falas dos dois idosos. Reconheceram os lugares das suas aldeias e as mangueiras existentes plantadas por eles, as informações prestadas por eles foi comparada com registros históricos e documentos oficiais, bem como foram reconhecidos por pessoas que já habitavam aquela região no momento da retirada do povo. O encontro foi uma forma de apresentá-los como novos agentes do campo indigenista daquela região, estavam apresentando-se como atores sociais que a partir dalí iam fazer parte do campo indigenísta da região. Uma forma de marcar espaço e inserir-se como agentes do campo social, eles agora iriam disputar com outros índios por recursos do Estado bem como serviriam de parceiro de luta para determinadas reivindicações que pudessem fazer juntos por interesses em comum. Quando iniciam o processo de demanda por direitos, retiram das mãos dos Tentehar a administração de seus recursos e passam eles mesmos a gerenciá-los. Isso parece não ter sido visto de forma positiva pelos Tentehar, e reforça a relação conflituosa com esses índios no interior da terra em que moravam. Meses após o encontro ocorreu um conflito interno aos Krenyê, que teve como resultado o assassinato de uma pessoa do grupo. Tal episódio é aproveitado pelos Tentehar que invadem a aldeia, queimam as casas e expulsam os Krenyê da Terra indígena Rodeador. O assassinato abalou as relações internas, somando-se a isso uma série de acusações de roubo e desvio de recursos dirigidas ao líder levam em 2009, à divisão do grupo em três facções, formadas pelo antigo líder e o atual líder e outra que mantém relação com as duas facções e busca obter ajuda dos dois lados. Quando o grupo desinstitui o líder, saiu em busca de um novo líder na terra dos Krepumkatey. O novo lider é um Krenyê casado com uma índia Krepunkatyê que nesse

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momento estava sendo cacique desta aldeia. A pedido da comunidade ele aceita o posto e retorna para junto dos Krenyê. Eles o consideram inteligente e digno de ocupar essa posição, pois sabe lidar com os órgãos do Estado e brigar pela causa indígena. O novo líder é considerado pelo seu povo como “honesto” e “bondoso” na medida em que sabe dividir os recursos com a comunidade e explica todas as suas ações. Após o conflito e divisão interna, as três facções passam a habitar áreas diferentes da cidade de Barra do Corda. Ademar retorna, junto com sua família para a terra indígena Rodeador e constrói lá sua aldeia. A aldeia é formada por seus filhos e os parentes da sua mulher, que é não indígena. A facção ligada ao Raimundo consegue comprar um sítio, com o dinheiro da aposentadoria dos idosos, na zona rural da cidade e passa a viver lá, compondo um conjunto de seis famílias, incluindo Sr Francisco e D. Maria. E na periferia da cidade moram mais três famílias, que mantém relações com as duas outras facções. Ora apoiam uma ora apoiam a outra. Junto a divisão ocorre uma série de acusações trocadas entre os diferentes grupos. O atual grupo, líder do movimento acusa o antigo líder de não ser índio Krenyê, pois seu pai é índio Tentehar e sua mãe seria branca. Junto a questão do sangue vem também a acusação de que o antigo líder não sabe a língua, não sabe os cantos, e nem sabe como realizar as festas, não sabe os mitos do povo. Enquanto isso o Ademar se defende dizendo que se não fosse a mistura os Krenyê não existiriam mais, pois os casamentos interétnicos foram a única opção quando se viram em um grupo reduzido de pessoas sem a possibilidade de parceiros para trocas matrimoniais. Ademar acusa o Raimundo, atual líder do movimento, de ter abandonado o seu povo e ter vivido junto aos Krepunkatayê, enquanto ele, Ademar, estava ao lado dos Krenyê e deu inicio a todo processo de demanda identitária e por direitos que Raimundo não sabe nada a respeito de como tudo começou.

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Ao mesmo tempo ele se defende como sendo um bom líder, pois tem boas relações com funcionários locais dos orgão do Estado, com os outros índios da região, com pessoas importantes da região e que, segundo ele, se ele estivesse a frente do movimento já teriam conseguido a terra. E acusa a esposa do Raimundo, índia Krepunkatyê e o orgão indigenista missionário de serem cupados pela briga e divisão do povo. Assim, parece que as relações estabelecidas entre as pessoas constrói como Krenyê aqueles que estabelecem um sistema de parceria e colaboração com todos do pequeno grupo a frente do movimento, por outro lado eles julgam ser de fora aquele que se afastou demais e não contribui para o bem estar do grupo. Quando Ademar saiu da liderança disse a todos, agora eu vou cuidar só do meu povo, que é a minha família, vocês cuidam de vocês. Essa frase é sempre repetida quando eles citam que Ademar não é um Krenyê. Em uma conversa com D. Maria, ela afirma: Ele disse que vai cuidar só do povo dele, mas o povo dele são tudo branco, só tem branco naquela aldeia, são os parentes da mulher dele. E ele é Guajajara. Só tem dois Krenyê naquela aldeia, são os netos da Vilanir. D. Maria refere-se a dois bebes que nasceram do casamento da filha do Ademar com o neto de D. Maria, filho da Vilanir, sua filha. De modo que o fato de Ademar ter deixado de ajudá-los parece ser o motivo pelo qual passaram a considerá-lo como não Krenyê, porém usam a questão do sangue e conhecimentos sobre a cultura ou a língua como justificativa para sustentar seus argumentos. Entretanto, existem também não indígenas ao lado do grupo que está na liderança do movimento e estes não são colocados em cheque por não saber a língua ou a cultura, pois isso tudo pode ser aprendido. E toda vez que estão cantando ou dançando chamam esses brancos para fazer parte da cantoria. Ou quando vão fazer alguma manifestação eles sempre estão ao lado para ajudá-los. Vejo que dentro desse processo de subjetivação. tanto singular quanto coletiva, (BHABHA, 2005) que dão inicio a novos signos de identidade, os Krenyê oscilam entre a produção de uma identidade Krenyê e a gestão de relações de poder.

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A produção da identidade Krenyê se dá em bases essencialistas, que os divide e os classifica de acordo com quem tem sangue Krenyê ou quem sabe cantar, falar a língua sabe os mitos etc. Esses traços podem ser moldados, negociados produzidos. Já a “gestão de relações de poder”, são as “propriamente políticas”. Sendo assim, são “relações que produzem a diferença” (Gallois, 2007), que apesar de se utilizar de elementos culturais não podem ser negociadas da mesma maneira, e administram fronteiras que constroem e desconstroem grupos e pessoas.

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