TEXTURA E COMPOSIÇÃO DOS CALCRETES DO MEMBRO SERRA DA GALGA (FORMAÇÃO MARÍLIA, BACIA BAURU) NA REGIÃO DE UBERABA - MG

June 4, 2017 | Autor: Thiago Marinho | Categoria: Paleontology, Paleopedology, Sedimentary geology and stratigraphy
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TEXTURA E COMPOSIÇÃO DOS CALCRETES DO MEMBRO SERRA DA GALGA (FORMAÇÃO MARÍLIA, BACIA BAURU) NA REGIÃO DE UBERABA - MG Lorena da Fonseca Sampaio1, Patrick Francisco Führ Dal’Bó2, Giorgio Basilici3, Thiago da Silva Marinho4 1

Geóloga, Programa de Pós-Graduação em Geologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e-mail: [email protected] 2 Professor Adjunto, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e-mail: [email protected] 3 Professor Associado, Universidade Estadual de Campinas, e-mail: [email protected] 4 Professor Adjunto, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, e-mail: [email protected]

RESUMO Calcretes são acumulações secundárias de carbonato de cálcio próximas à superfície, que ocorrem como resultado de processos pedogenéticos e diagenéticos, formando uma grande variedade de morfologias e texturas. Na região de Uberaba (MG), calcretes ocorrem em rochas da Formação Marília (Neocretáceo da Bacia Bauru) e tem sido foco de muitos estudos. O objetivo deste estudo é investigar a origem dos calcretes que ocorrem no Membro Serra da Galga da Formação Marília, e compreender a evolução paleoambiental e as relações entre processos de sedimentação, pedogênese e diagênese meteórica (processes vadosos e freáticos) que ocorreram na unidade. Como resultado, foram distintas litofácies relacionadas a processos fluviais, a ambientes de planície de inundação e paleossolos, entre os quais ocorrem níveis de cimentação carbonática em diferentes graus, sob a forma de revestimento de clastos, substituição parcial a total do material parental, nódulos e laminações. Microscopicamente, foi possível a distinção de microtexturas do tipo alfa – associada a processos abiogênicos – e do tipo beta – associada a processos biogênicos. Entre as microtexturas do tipo alfa, foram observadas feições de substituição de grãos siliciclásticos, texturas do tipo grãos flutuantes – representativas de crescimento deslocativo do carbonato - e franjas carbonáticas ao redor de grãos, apontando processos diagenéticos vadosos e freáticos em seu desenvolvimento. Entre as microtexturas do tipo beta estão feições alveolares e rizólitos, as quais se encontram substituídas por carbonato microcristalino e cimentadas por calcita microespática. A ocorrência de feições do tipo alfa e do tipo beta sugere que processos de precipitação de carbonato abiogênicos e biogênicos se sobrepõem ou ocorrem simultaneamente nestas rochas. Os processos abiogênicos estão relacionados a eodiagênese, na qual a precipitação de carbonato é promovida sob intensa circulação e evaporação da água presente nos estratos ou ao longo do nível freático. Processos biogênicos de precipitação do carbonato ocorrem por influência de raízes e micro-organismos. Palavras-chave: Carbonatos continentais, pedogênese, diagênese, Neocretáceo.

INTRODUÇÃO Calcretes são acumulações secundárias de carbonato de cálcio que ocorrem em zonas vadosas próximas à superfície terrestre e podem ser formados por processos pedogênicos, de oscilação do lençol freático ou ambos. Em calcretes, é comum a ocorrência de feições e características transicionais típicas de mais de um tipo genético, controlados em sua maior parte pelo material de origem, posição do lençol freático e tempo de exposição subaérea, formando um espectro contínuo de fácies entre estes ambientes (Wright e Tucker, 1991; Alonso-Zarza, 2003). O principal objetivo deste estudo é investigar a gênese dos calcretes que ocorrem no Membro Serra da Galga da Formação Marília (Neocretáceo da Bacia Bauru) na região de Uberaba (MG), assim como compreender a evolução paleoambiental e as relações entre processes de sedimentação, pedogênese e diagênese meteórica (processes vadosos e freáticos) que ocorreram na unidade. A FORMAÇÃO MARÍLIA NO TRIÂNGULO MINEIRO A Formação Marília é composta por arenitos grossos a conglomeráticos, com teor variável de matriz, camadas de lamitos subordinadas, presença de nódulos e notável cimentação carbonática (Soares et al.,1980). Segundo Barcelos (1984), é subdividida em três membros: Ponte Alta e Serra da Galga, os quais afloram na parte leste do Triângulo Mineiro, e Echaporã, aflorante na parte oeste. Os principais trabalhos de caracterização litoestratigráfica da Formação Marília na Bacia Bauru levam em consideração o grau de cimentação de suas rochas, porém estudos posteriores indicam que este não é um critério adequado, sugerindo esta como uma unidade indivisa (Andreis et al., 1999; Capilla, 2002). As acumulações de carbonato de cálcio na Formação Marília foram reconhecidas pela primeira vez como calcretes por Suguio (1973), e, partir de então, muito se discute a respeito dos processos envolvidos na sua gênese, como nos trabalhos realizados por Suguio e Barcelos (1983), Alves (1995) e Fernandes (2010). O presente estudo foi conduzido nas áreas de afloramento do Membro Serra da Galga, nas cercanias do município de Uberaba – MG. Nessas áreas, foi realizado o levantamento de seções estratigráficas em afloramentos-chave, escolhidos de acordo com as melhores exposições rochosas, incluindo cortes de rodovia e pedreiras inativas (Figura 1). Adicionalmente às descrições, foi realizada a coleta de amostras orientadas das litofácies e principais horizontes de concentração secundária de carbonato de cálcio para a confecção de lâminas delgadas para estudos petrográficos e caracterização dos principais constituintes, texturas e feições diagenéticas. A descrição teve como foco a identificação de microfeições e micromorfologias relacionadas aos processos diagenéticos e pedogenéticos. As camadas de arenito com maior grau de cimentação que integram a Formação Marília são mais expressivas no Membro Ponte Alta, unidade estratigraficamente abaixo ao Membro Serra da Galga. Elas ocorrem sob a forma de acumulações secundárias com grande continuidade lateral e com limite superior bem definido em contato abrupto com o Membro Serra da Galga. Tais acumulações de carbonato foram descritas sob a forma de perfis estratigráficos que podem alcançar espessuras de 2 a 7 metros. As litofácies que integram o Membro Serra da Galga foram descritas e interpretadas como depósitos fluviais, planícies de inundação e horizontes de paleossolos - classificados como vertissolos. Em geral, este membro pode ser caracterizado pela diminuição no conteúdo de carbonato de cálcio em relação ao Membro Ponte Alta, ressaltando as estruturas sedimentares primárias pouco ou não observáveis no membro inferior, bem como níveis fossilíferos – coprólitos e fragmentos de vertebrados - e estruturas de paleossolos, de incipientes a bem desenvolvidas. As litofácies fluviais são caracterizadas por arenitos finos a grossos, subangulosos, por vezes conglomeráticos, com graus de cimentação variados – de cutãns, nódulos e vênulas de calcita espática a camadas fortemente cimentadas. Apresentam coloração branca à rosada e frequentes bioturbações avermelhadas, as quais conferem aspecto mosqueado às camadas. Por vezes, apresentam estratificações cruzadas acanaladas, que se cortam em sets que variam de 5 a 60 cm de espessura, com sentido de paleocorrente para oeste, com vetores variando de sudoeste a noroeste.

Em geral, os nódulos observados ocorrem sem distinção do material parental, tanto nos depósitos aluviais como nos paleossolos. Alguns apresentam substituição parcial, pois ainda é possível observar grãos siliciclásticos internos ao mesmo, embora corroídos. Apresentam cor branca (N9), com dimensões entre 0,3 a 3,5 cm e formas ovaladas ou irregulares. São, em geral, bem desenvolvidos, fortemente cimentados, com alta dureza e baixa densidade, podendo estar coalescidos ou isolados. Vênulas de dimensões milimétricas de calcita espática e microcristalina comumente os cortam.

Figura 1. Área de estudo e localização geográfica da seção colunar - ao lado - levantada em corte da rodovia BR050 (km 153). Os depósitos de planície de inundação são constituídos de arenitos finos a médios, cimentados por carbonato de cálcio, de coloração branca a esverdeada (56Y7/1), com níveis lamíticos que apresentam laminações crenuladas interpretadas como MISS (microbially induced sedimentary structures). Os horizontes de paleossolos são constituídos por areia fina a média, com grãos subangulosos de quartzo, fracamente cimentado e levemente efervescente a HCl 10%. Grãos de quartzo são límpidos e outros revestidos por oxi-hidróxidos de ferro. Ocorrem estruturas cuneiformes e em blocos subarredondados maiores que 10 cm, fracamente desenvolvidas, que se subdividem em blocos menores de 4 a 5 cm. São horizontes fortemente bioturbados e que podem apresentar estruturas laminares. As estruturas laminares ocorrem em horizontes de paleossolos em que os materiais de origem são arenitos muito finos, lamíticos, fortemente cimentados por CaCO3. As estruturas variam de 1 a 3 mm de espessura e são cortadas por vênulas sub-horizontais de calcita espática de 1 a 2 mm de diâmetro. CARACTERIZAÇÃO PETROGRÁFICA Os arenitos do Membro Serra da Galga foram classificados como subarcósio, subarcósio lítico e sublitarenito, segundo McBride (1963). As micromorfologias dos calcretes refletem os processos abiogênicos ou biogênicos que precipitaram o carbonato de cálcio, as quais podem ser classificadas em microtexturas alfa ou beta, respectivamente.

A cimentação carbonática ocorre em graus variados nesta unidade. Microtexturas do tipo alfa incluem cimentação pontual ou pervasiva por carbonato de cálcio cristalino/microcristalino, preenchendo poros por calcita espática e substituindo grãos (Figura 2-A). Ocorrem grãos fantasmas e grãos corroídos imersos em matriz carbonática microespática a espática (floating grains), indicando não somente a atuação de processos de substituição, mas também de crescimento deslocativo (displacive) do carbonato de cálcio (Figura 2-B). Franjas carbonáticas ao redor dos grãos também são comuns, podendo indicar processos freáticos ou influência de processos microbiais em sua formação (Figura 2-C). Associados à cimentação, são comuns feições de infiltração mecânica de argilas, na forma de cutãs envelopando grãos e o próprio cimento. Outro aspecto notável associado à microfeições do tipo alfa, foram crescimentos sintaxiais de quartzo, os quais ocorrem de forma pontual e podem ser relacionados a solubilidade da sílica quando em ambientes alcalinos.

Figura 2. A) Feldspato parcialmente substituído por carbonato de cálcio. B) Grãos siliciclásticos fortemente corroídos por cimento carbonático, o qual substitui o fundo matricial e confere textura de grãos flutuantes pelo crescimento deslocativo da calcita. C) Franjas carbonáticas isópacas ao redor de grãos siliciclásticos. D) Rizólito constituído por carbonato microcristalino e estrutura interna similar a microcodium. (A, B e C - fotomicrografia sob nicóis cruzados; D - fotomicrografia sob nicóis paralelos). Nas rochas do Membro Serra da Galga, microtexturas beta são representadas por estruturas alveolares e rizólitos (Figura 2-D) constituídos por calcita microcristalina, os quais têm seus poros preenchidos por calcita microespática. Os rizólitos apresentam ainda microestruturas similares a microcodium. Pedotúbulos com preenchimento descontínuo e bioturbações de invertebrados são frequentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Na região de Uberaba, os arenitos com variados graus de cimentação do Membro Serra da Galga foram interpretados como depositados em contexto paleoambiental aluvial e a cimentação está relacionada a processos diagenéticos e pedogenéticos. Os processos abiogênicos estão vinculados a eodiagênese e são caracterizados pelas microtexturas alfa, as quais indicam processos freáticos representados por grãos substituídos e flutuantes em uma matriz microespática também fortemente substituída. Processos pedogenéticos estão ligados às feições alveolares e rizólitos, incluídas nas microtexturas do tipo beta. O fato de feições do tipo alfa ocorrerem associadas a feições do tipo beta, sugere que houve sobreposição de processos diagenéticos sobre processos pedogenéticos prévios, e vice-versa, durante a formação dos calcretes, ou que os mesmos ocorreram simultaneamente, em posições topográficas diferenciadas. Os processos envolvidos na formação das franjas carbonáticas necessitam de mais estudos, já que as mesmas sofreram recristalização por processos de cimentação posteriores que dificultam essa distinção apenas por análises petrográficas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALONSO-ZARZA, A. M. (2003). Palaeoenvironmental significance of palustrine carbonates and calcretes in the geological record. Earth-Science Reviews 60, 261-298. ALVES, J. M. P. (1995). Petrologia e diagênese do Membro Ponte Alta, Formação Marília, Cretáceo da Bacia do Paraná, na região do Triângulo Mineiro. Dissertação de Mestrado, Departamento de Geologia, Universidade Federal de Ouro Preto, 102 p. ANDREIS, R. R., CAPILLA, R., REIS, C. C. (1999). Considerações estratigráficas e composição dos arenitos da Formação Marília (Cretáceo Superior) na região de Uberaba (MG). Simpósio sobre o Cretáceo do Brasil, 5, Simposio sobre el Cretacico de América del Sur, 1, Serra Negra, Brasil. Boletim do 5° Simpósio sobre o Cretáceo do Brasil. Rio Claro, Unesp. p. 449-456. BARCELOS, J. H. (1984). Reconstrução paleogeográfica da sedimentação do Grupo Bauru baseada na sua redefinição estratigráfica parcial em território paulista e no estudo preliminar fora do estado de São Paulo. Tese de Livre Docência, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, 190 p. CAPILLA, R. (2002). Mapeamento geológico, caracterização litofaciológica e estratigráfica das sucessões siliclásticas da formação Marília na região de Uberaba-MG. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Geologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 136 p. FERNANDES, L. A. (2010). Calcretes e registros de paleossolos em depósitos continentais neocretáceos (Bacia Bauru, Formação Marília). Revista Brasileira de Geociências, 40 (1), 19-35. MCBRIDE, E. F. (1963). A classification of common sandstones. Journal of Sedimentary Petrology, 33 (3), 664 – 669. SOARES, P. C., LANDIM, P. M. B., FULFARO, V. J., NETO, A. F. S. (1980). Ensaio de caracterização estratigráfica do Cretáceo no estado de São Paulo: Grupo Bauru. Revista Brasileira de Geociências, 10 (3), 177-185. SUGUIO, K. (1973). Formação Bauru: calcários e sedimentos detríticos associados. Tese de Livre Docência, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, 2 v., 236 p. SUGUIO, K., BARCELOS, J. H. (1983). Calcretes of the Bauru Group (Cretaceous), Brazil: petrology and geological significance. Boletim IG, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, 14, 31-47. WRIGHT, V. P., TUCKER, M. E. (1991). Calcretes: an introduction. Wright, V. P., Tucker, M. E. (Eds.), Calcretes. IAS Reprint Series, 2. Blackwell, Oxford, p. 1-22.

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