The Kiss of the Spider Woman: Fátima Mendonça\'s Art of Seduction/ O Beijo da Mulher Aranha: A Arte da Sedução em Fátima Mendonça

Share Embed


Descrição do Produto

Fátima Mendonça Assim… assim… assim… para gostares mais de mim More… more… more, so you’ll like me more

Edifício-Sede da Caixa Geral de Depósitos, Lisboa Galeria 1, 18 de Outubro a 18 de Dezembro de 2005 18 October to 18 December 2004, Gallery 1

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

DIRECÇÃO TÉCNICA

Manuel José Vaz Presidente Miguel Lobo Antunes Vice-Presidente Luís Santos Ferro Vogal

Eugénio Sena

EXPOSIÇÃO EXHIBITION COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO PRODUCTION COORDINATION

Horário Fernandes

António Sequeira Lopes Paula Tavares dos Santos

AUDIOVISUAIS

MONTAGEM SETTING UP

Américo Firmino Paulo Abrantes

António Sequeira Lopes (Coordenação coordination)

ILUMINAÇÃO DE CENA

Margarida Mota

Fernando Ricardo (Chefe) Nuno Alves

Fernando Teixeira Heitor Fonseca Ricardo Oliveira

PRODUÇÃO E SECRETARIADO

ASSESSORES

Gil Mendo (Dança) Francisco Frazão (Teatro) Miguel Wandschneider (Arte Contemporânea) Raquel Ribeiro dos Santos (Serviço Educativo) DIRECÇÃO DE PRODUÇÃO

DIRECÇÃO DE CENA E LUZES

MONTAGEM SETTING-UP

MAQUINARIA DE CENA

CARPINTARIA E COLOCAÇÃO CARPENTRY AND POSITIONING

Patrícia Blazquez Mariana Cardoso de Lemos

José Luís Pereira (Chefe) Alcino Ferreira

PREFORMA...

EXPOSIÇÕES

TÉCNICOS AUXILIARES

CATÁLOGO CATALOGUE

António Sequeira Lopes (Produção e Montagem) Paula Tavares dos Santos (Produção) Susana Sameiro (Culturgest Porto) COMUNICAÇÃO

Filipe Folhadela Moreira PUBLICAÇÕES

Marta Cardoso Patrícia Santos Rosário Sousa Machado

Tiago Bernardo Álvaro Coelho FRENTE DE CASA

Rute Moraes Bastos BILHETEIRA

Manuela Fialho Edgar Andrade Joana Marto RECEPÇÃO

TEXTOS TEXTS

Alexandre Melo Ruth Rosengarten TRADUÇÃO TRANSLATION

Richard Trewinnard (para inglês) Teresa Ramos (para português) COORDENAÇÃO EDITORIAL COORDINATION

Rosário Sousa Machado

Catarina Carmona

Teresa Figueiredo Sofia Fernandes

Gráficos do Futuro

SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS E FINANCEIROS

AUXILIAR ADMINISTRATIVO

PRÉ- IMPRESSÃO, IMPRESSÃO E ACABAMENTO

Nuno Cunha

PRE-PRESS AND PRINTING

ACTIVIDADES COMERCIAIS

Cristina Ribeiro Paulo Silva

DESIGN GRÁFICO GRAPHIC DESIGN

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS PHOTOGRAPHIC CREDITS

Rodrigo Peixoto TIRAGEM

500 exemplares ISBN

xxxxxxx

Agradecimentos

Acknowledgments

A Culturgest deseja agradecer, em primeiro lugar, a Fátima Mendonça pela generosa e inestimável colaboração na concepção e organização da exposição e do respectivo catálogo.

Culturgest wishes to thank Fátima Mendonça for his generous and invaluable co-operation in designing and organising this exhibition and catalogue.

A Culturgest e a artista desejam agradecer, igualmente, a Alexandre Melo e a Ruth Rosengarten pela sua preciosa colaboração na concepção dos textos para o catálogo e pelo seu valioso contributo para a compreensão da obra de Fátima Mendonça.

Culturgest and the artist would also like to thank Alexandre Melo and Ruth Rosengarten for their colaboration, writing the texts for this catalogue, and for their insightful contribution to a better understanding of the art of Fatima Mendonça.

A Culturgest e a artista desejam agradecer, ainda, à Galeria 111, a inestimável colaboração para a organização da exposição. A Culturgest e a artista gostariam ainda de deixar uma palavra de agradecimento a todos aqueles que, de diferentes formas, tornaram possível a realização desta exposição e do respectivo catálogo, nomeadamente:

Culturgest and the artist also wish to thank 111 Gallery for it generous co-operation in organising this exhibition. Culturgest and the artist would also like to thank those who helped to make this exhibition and the accompanying catalogue possible, namely:

6

Índice

Index

O Beijo da Mulher Aranha: A Arte da Sedução em Fátima Mendonça Por Ruth Rosengarten

11

The Kiss of the Spider Woman: Fátima Mendonça’s Art of Seduction by Ruth Rosengarten

Pinturas

28

Paintings

Bolos, Sapatos e Partes de Casa Por Alexandre Melo

47

Cakes, Shoes and Parts of the House by Alexandre Melo

Desenhos

48

Drawings

Lista de Obras

58

List of Works

Biografia

62

Biography

7

RUTH ROSENGARTEN

RUTH ROSENGARTEN

O Beijo da Mulher Aranha: A Arte da Sedução em Fátima Mendonça

The Kiss of the Spider Woman: Fátima Mendonça’s Art of Seduction

Uma prótese é um fac-símile, uma peça sobresselente, um acabamento. Quimera e ideal, a prótese perfeita passa por uma coisa que não é. Imitando as suas funções com maior ou menor verosimilhança, é um simulacro e um facilitador, representando o triunfo do artifício sobre a biologia. Pela sua ligação à tecnologia, a prótese é vista como indo mais além das capacidades da acção humana: inquietantemente real, o corpo artificial ultrapassa o nosso próprio corpo e, nesse excesso, torna-se significante. Quer seja um dente de porcelana ou uma perna de fibra de carbono, um microfone ou lentes de contacto, um carro ou um computador, as extensões prostéticas do corpo substituem, modulam ou aumentam as nossas capacidades sensoriais, motoras e intelectuais. O seu potencial enquanto simulacro não só confere a esses objectos um carisma que nos torna conscientes da distância entre o material e o metafísico, como proporciona, tanto ao fabricante como ao utilizador, a excitação presunçosa da invenção de um objecto animado. Freud reconhecia-o ao denominar os homens civilizados “deuses prostéticos” que, com cada instrumento, aperfeiçoam o seu próprio corpo, “[acabando com] as limitações do seu funcionamento.” Barcos, aviões, óculos, telescópios, máquinas fotográficas, gramofones e telefones são por Freud enumerados como “órgãos auxiliares” que, mesmo causando algumas perturbações, tornam o homem “verdadeiramente magnífico.” 1 Contudo, talvez de modo menos previsível, de forma mais subtil, Freud sugere que a prótese é um signo, uma coisa que simboliza um objecto ausente da cena de representação. De facto, ele considera duas outras áreas, sem relação entre si como prostéticas: a escrita e a casa, ambas servindo, tal como o fetiche, para recuperar um órgão perdido. A escrita torna-se, assim, intrinsecamente melancólica, dado que na sua origem está o desejo de substituir “a voz de uma

A prosthesis is a facsimile, a replacement, a completion. A chimera and an ideal, the perfect prosthesis passes for something it isn’t. Standing in for the real and mimicking its functions with greater or lesser verisimilitude, it is a simulacrum and a facilitator, the triumph of artifice over biology. It is in its alliance with technology that the prosthesis comes to be understood as reaching beyond the capacities of human agency: uncannily life-like, the artificial body exceeds our own, and in this excess, signifies. Whether porcelain tooth or carbon-fibre leg, microphone or contact lens, car or computer, prosthetic extensions of the body substitute, modulate or augment our sensory, motor and intellectual capacities. Their simulacral potential not only endows such objects with a charisma that breaches the gap between the material and the metaphysical, but also grants both fabricator and user the hubristic thrill of animated invention. Freud recognized this when he called civilized men “prosthetic gods” who, with every tool, perfect their own bodies, “[removing] the limitations of their functioning.” Ships, aircrafts, spectacles, telescopes, cameras, gramophones and telephones are all enumerated by Freud as “auxiliary organs” which, if troubling, also render man “truly magnificent.” But perhaps less predictably, more subtly, Freud suggests that the prosthesis is a sign, something that stands for an object that is absent from the scene of representation. For he elicits two more unrelated fields as prosthetic: writing, and the home, each serving, like a fetish, to rehabilitate a lost organ. Writing thus becomes inherently melancholic, for at its origin lies the desire to substitute “the voice of an absent person”, while the “dwelling-house” serves to repair an originary exile, standing as a “substitute for the mother’s womb, the first lodging, for which in all likelihood man still

8

pessoa ausente”, enquanto que “o lar” serve para reparar um exílio originário, representando um “substituto do útero materno, a primeira habitação, à qual, com toda a verosimilhança, o homem ainda aspira, porque nela se sentia seguro e à vontade” Se, para Fátima Mendonça, a casa é simultaneamente um local de segurança e a causa da maior das estranhezas, da mais inquietante familiaridade, unheimlichkeit, é porque a sua obra invoca a relação impossível do sujeito – mais precisamente, do sujeito feminino – com essa primeira habitação maternal. Uma ligação e uma identificação ferozes são perpassadas de rivalidade e de ressentimento e o sustento e o afecto transformam-se em aprisionamento e controlo. Por sua vez, a domus como refúgio, castelo, bunker, ninho ou gaiola, o contentor corpóreo do ego e o centro do império do sujeito, tem sido uma presença constante no universo pictórico obsessivo e obsessivamente absorvente da artista. Torna-se o cenário em que a menina protagonista, desajeitada e vulnerável, ensaia o papel da mulher na qual simultaneamente se quer tornar e que anseia substituir, encenando fantasmaticamente tanto o assassínio que o tornaria possível, como o acto de sedução que viesse finalmente provar ser totalmente passível de ser amada. Os novos trabalhos (2004-2005) de Fátima Mendonça, grandiosos e sufocantes, são a negação da contenda assumida pela artista de que as suas preocupações pictóricas “não têm nada a ver com mães... têm mais a ver com amantes; esta história da mãe não me interessa absolutamente nada.” Esta negação incita-nos a colocar a velha e melindrosa questão: em que medida os artistas são autores das suas enunciações pictóricas e verbais? Interroga até que ponto o inconsciente da própria arte ultrapassa a consciência individual do autor, as suas preocupações assentando num conjunto de ansiedades de carácter psíquico e cultural. De facto, rodeados por estas pinturas enormes e estes desenhos de grande intensidade, sentimo-nos fundir, de forma aterradora, num materno corpóreo, insondável e impessoal. Se algumas das obras anteriores de Fátima Mendonça representam a habitação doméstica como um contentor autónomo e hermético – a versão esquemática da casa no desenho infantil –, aqui é a

longs, and in which he was safe and felt at ease.” If, for Fátima Mendonça, the house is both the locus of safety and the cause of the greatest estrangement, the most acute unheimlichkeit, this is because her works invoke an impossible relation of subjects – more precisely, of female subjects – to that first maternal dwelling. Fierce attachment and identification are slashed by rivalry and resentment; nurturance and holding turn into entrapment and control. In turn, the domus as refuge, castle, bunker, nest or cage, the ego’s corporeal container and the centre of the subject’s empire, has marked an insistent presence in Mendonça’s obsessional and obsessively compelling pictorial universe. It becomes the stage upon which the awkward, vulnerable girl-protagonist rehearses her role as the woman she both wishes to become and longs to replace, fantasmatically performing both the murder that would make this possible and the seduction that might finally prove her lovability to be absolute. Mendonça’s grand and suffocating new works (2004-05) disavow the artist’s own contention that her pictorial concerns “have nothing to do with the mother: they’re more about lovers.... this business with mothers is absolutely of no interest to me.” Such denial prods us to ask that old vexed question: to what degree is the artist author of her own pictorial and verbal enunciations? It thus exposes the extent to which the unconscious of art is in excess of the individual consciousness of its maker, drawing its concerns from a bank of anxieties that are both psychic and cultural. Indeed, to stand surrounded by these vast paintings and intense drawings is to be cast terrifyingly into a fathomless and impersonal bodily maternal. While some of Mendonça’s earlier work represents the domestic residence as a discrete and hermetic container – a child’s schematic version of a house – here it is the pictorial surface itself that becomes home, the place to which the viewer is not so much invited as impelled to return. In turn, that home is figured as unequivocally maternal. The paintings, in their overall vermilion bloom, with their visceral, striated surfaces and their quality of edgeless

9

própria superfície pictórica que se torna a casa, o lugar não tanto para onde o espectador é convidado, como obrigado a regressar. Por sua vez, essa casa é inequivocamente representada como maternal. As pinturas, no fulgor escarlate que tudo cobre, com as suas superfícies viscerais e estriadas e a sua qualidade de clausura sem margem, são evocações pictóricas de um invólucro uterino: resistente, húmido, carnal. E, como que para enfatizar a qualidade de contentor corpóreo e a sua função orgânica, a artista enche as suas casas de sacos e sacolas, casulos e vagens, que, como outras tantas veias e células, impelem para fora todo o vazio. Viajamos por linhas que ondulam, se dobram e enrolam: perdemos o fio da meada e apanhamo-lo, novamente, noutro sítio qualquer, para sermos conduzidos através de uma série de minuciosos acontecimentos retinianos até espaços labirínticos que apelam não só ao olhar como também a um investimento do corpo, simultaneamente oral e táctil; o que serve como mnemónica de um narcisismo primordial, um tempo em que o mundo ainda não tinha sido fragmentado em objectos discretos. A casa representa, neste sentido, uma prótese, ocupando o lugar de uma expulsão formativa, uma brecha constitutiva. Mas é também investida da tarefa simbólica de recuperar a coisa perdida, de curar a ferida. Próteses correctivas, curativas: estas palavras aparecem na caligrafia controlada e cursiva da artista no enorme díptico Casa-Fábrica Tapada. Noutro lugar da tela, a frase, duas vezes escrita como para reiterar essa necessidade e sublinhar a natureza encantatória e prostética da própria escrita, para não ter medo. Uma canção de embalar, um amuleto. Se a casa é terapêutica, um lenitivo para as lesões sofridas no caminho violento que nos afasta do abrigo materno, a sua finalidade é manter o terror à distância, reencenando simbolicamente a perda fundadora ao oferecer uma simulação dessa inaugural circunferência protectora. Contudo, na sua analogia materna, a casa confronta-nos também, assim sugere a obra da artista, enquanto terror: a malha complexa e densa destas obras forma uma rede viscosa da qual, aparentemente, não há fuga possível. No díptico Para Ganhar o Céu, por exemplo, meadas soltas de um preto, encarnado e laranja abrasadores são empurradas umas

10

enclosure, are pictorial evocations of a uterine envelope: tough, moist, carnal. And, as if to emphasize the quality of corporeal containment and organic function, Mendonça fi lls her abodes with bags and sacks, pods and sheaths that, like so many internal cells or vessels, squeeze out all emptiness. We travel along lines that fold, crease, coil; we lose the thread and pick it up again elsewhere, to be led through a series of small retinal events into labyrinthine spaces that appeal not to the eye alone but to a bodily investment at once oral and tactile; that serves as a reminder of a primordial narcissism, a time when the world was not yet parcelled into discrete objects. The home, then, is a prosthesis standing on the site of a formative expulsion, a constitutive breach. But it is also charged with symbolically rehabilitating the lost object, healing the wound. Próteses correctivas, curativas – corrective, curative prostheses: these words appear in the artist’s controlled, cursive script in the large diptych Casa-Fábrica Tapada /Covered House-Factory. Elsewhere on the surface, written twice as if to reiterate this necessity and underscore the incantatory and prosthetic nature of writing itself, para não ter medo – so as not to fear. A lullaby, an amulet. If the house is remedial, a salve to lesions incurred on the wild path leading away from our maternal lodging, its purpose is to hold terror at bay, symbolically redressing the founding loss by offering a simulation of that inaugural protective circumference. However, in its maternal analogy, the home also, Mendonça’s work suggests, confronts us as terror: the intricate, tightly woven surfaces of these works establish a sticky web from which there is, apparently, no escape. In the diptych Para Ganhar o Céu /So as to gain heaven, for instance, separate skeins of scorching black, red and orange are pulled across one another, stretched or slackened, tangling and weaving an arachnoid vortex around a central gap towards which the viewer is dizzyingly propelled. While evocative of numerous of Mendonça’s earlier works constructed along similarly centripetal lines Gosto da Minha Casinha /I love my little house (1999), or

sobre as outras, esticadas ou afrouxadas, entrelaçando e tecendo um vortex aracnóide à volta de um vazio para o qual o espectador é vertiginosamente sugado. Embora remetendo para diversas obras anteriores construídas sobre linhas semelhantemente centrípetas, como Gosto da Minha Casinha (1999), ou a série Para te fazer não tem nada que saber (2002), esta pintura sugere, com o seu centro transparente e vazio, um rasgo no espaço, à semelhança das composições barrocas em abóbadas – de que são exemplo os frescos de Giovanni Battista Gaulli na igreja de Il Gesù, em Roma – que abrem um buraco ilusório no tecto, através do qual desce em cascatas, iluminando as figuras que o ladeiam, a luz celestial. O traço de Fátima Mendonça, ora enfático, ora titubeante, desenha a trajectória desorientada de milhares de asas frágeis sugerindo, com toda a certeza, que ganhar o céu do eterno e cíclico regresso à matéria original acaba por ser, também, uma espécie de inferno incapacitante. Ser apanhado nesta tarefa é desejar evitar simultaneamente o perigo e a sedução do que nos é familiar (pois que maior certeza do que a inquietante familiaridade do corpo materno, e a separação que implica, perigosa e inevitável?). De facto, entrecruzar um espaço de plenitude claustrofóbica com um vazio ameaçador torna-se um convite aliciante tanto à metafísica quanto à racionalidade. A famosa fobia espacial de Pascal, o terror pelo abismo que via sempre ao pé da cama e que, assim reza a história, fora causado por um acidente traumático enquanto conduzia a sua carruagem, precipitou a sua segunda conversão religiosa, dando, no entanto, origem também à escrita de De l’esprit géométrique, a análise teórica da compreensão geométrica do vácuo. Cada vez mais, nos últimos anos, Fátima Mendonça tem vindo a olhar o vazio não com o desejo de sublime contemplação, mas antes com a geometria frenética de um palpável horror vacui. Nas suas raras incursões na pintura de paisagem, na série Gosto da Minha Casinha, a extensão panorâmica não aparece perturbada por nenhuma linha do horizonte e, sem céu, não há respiração possível. Como os alvéolos esmaltados do trabalho de cloisonné, o padrão repetido da terra seccionada patenteia a ordem desregrada da obsessão. As obras

the series Para te fazer não tem nada que saber /There’s nothing to... making it with you, (2002), this painting, with its transparent and empty centre, unusually suggests a tear in space, much in the way that baroque vault compositions, such as Giovanni Battista Gaulli’s frescoes at the Church of Il Gesù in Rome, open up an illusionary hole in the ceiling, through which celestial light cascades onto the flanking figures. Mendonça’s line, emphatic here, flailing there, traces the panicked trajectory of thousands of flimsy wings, surely suggesting that to gain the heaven of an eternal and cyclical return to originating matter is also a kind of disabling hell. To be caught in this work is to wish to ward off the danger that is also the seduction of the already-known (for what greater certainty than the uncanny familiarity of the maternal body, with its threatening and inevitable exit?). Indeed, the interlocking of a space of claustrophobic plenitude with a menacing void is a powerful invitation to both metaphysics and rationality. Pascal’s famous spatial phobia, a terror of an abyss which he always glimpsed at his bedside and which, so the story goes, was caused by a traumatic accident while driving in his carriage, precipitated his second religious conversion but also prompted the writing of De l’esprit géométrique, his theoretical examination of the geometrical understanding of the void. Increasingly over recent years, Mendonça has confronted emptiness not with the desire for sublime contemplation, but rather with the frantic geometry of a palpable horror vacui. In her rare excursions into landscape in the series Gosto da Minha Casinha /I love my little house, the vast panoramic extent is undisturbed by any horizon line and, skyless, also offers no air. Like the enamelled cells of cloisonné work, the repeated pattern of the sectioned land has about it the crazy ordering of an obsession. The works constituting the exhibition Fátifashion – Vestidos de Lã e Bolo /Fátifashion – Dresses of Wool and Pastry (2003) push this fear of the void to an ecstatic extreme. Drawing together anatomy, knitting and intricate patisserie, Mendonça inundates the constraining pictorial rectangle with the rush and swell of tiny, multiplying mounds

11

que formam a exposição Fátifashion – Vestidos de Lã e Bolo (2003) levam este medo do vácuo ao êxtase mais extremo. Desenhando o que são, ao mesmo tempo, órgãos anatómicos, trabalhos em malha e bolos elaborados, Fátima Mendonça inunda o rectângulo constrangedor da pintura com uma torrente de múltiplos e minúsculos sulcos e elevações, elos e espirais. Esta malha totalizadora faz unir o plano vertical – o plano da visão, o eixo tradicional da superfície pictórica – ao horizontal que é inclinado para a frente para a ele se juntar (as camas nestas obras, por exemplo, não são perspectivadas, mas aparecem paralelas aos eixos do enquadramento). Independentemente da orientação em que um objecto possa empiricamente ser percebido, se o plano vertical é, tradicionalmente, o plano da beleza e do reconhecimento – Lacan, por exemplo, identifica-o com o espelho que dá à criança o seu primeiro sentimento de individualidade e de coerência, saindo reforçada a sua subjectividade pela sua posição no campo visual – o horizontal é o plano do ‘informe’, da animalidade e da reabsorção na matéria amorfa. Rosalind Krauss e Yve-Alain Bois defenderam que a horizontalidade, enquanto princípio orientador de obras de artistas tão diversos como Jackson Pollock, Jean Dubuffet, Andy Warhol, Robert Morris, Ed Ruscha, Lygia Clark e Cindy Sherman, é o eixo ao longo do qual ‘o informe’ – um conceito primeiramente elaborado por Georges Bataille – é trabalhado. Pois ‘o informe’, nas palavras de Krauss e Bois , não é “nem um tema, nem uma substância, nem um conceito”, mas antes uma operação e, o que é mais, uma operação que “vai contra a corrente do modernismo [...] ao insultar a própria ideia de oposição entre forma e conteúdo” , conceito que é o seu cunho distintivo. Se o modernismo domina a carne através de abstracções, ‘o informe’ inunda de sentido a matéria não delimitada. À excepção das figuras singulares a aparecer nestas obras – a menina nua, ex-líbris da artista, com as suas faces pateticamente vermelhas e de braços abertos, ou a toureira de cintura fina, ou, nos desenhos, a cabeça de uma burra revelando quão estúpida a menina sente que foi – estes trabalhos dilaceram qualquer forma e submer-

12

and furrows, links and loops. This overall mesh binds together the vertical plane – the plane of vision, the traditional axis of the picture surface – with the horizontal, which is tipped forward to meet it (the beds in the recent works, for instance, are not foreshortened but lie parallel to the framing edge). Independently of the orientation in which an object might be encountered empirically, if the vertical is, traditionally, the plane of beauty and recognition – Lacan, for instance, identifies it with the mirror that grants the child its first sense of separateness, coherence and centred individuation, securing subjectivity through its position in the visual field – the horizontal is the plane of the informe, of animality and re-absorption into amorphous matter. Rosalind Krauss and Yve-Alain Bois have argued that horizontality, as the guiding principle of works by artists as diverse as Jackson Pollock, Jean Dubuffet, Andy Warhol, Robert Morris, Ed Ruscha, Lygia Clark and Cindy Sherman, is the axis along which the formless – a concept first elaborated by Georges Bataille – is exercised. For the formless, Krauss and Bois argue, is “neither a theme, nor a substance, nor a concept” but is, rather, an operation, and what’s more, an operation that “[brushes] modernism against the grain [...] insulting the very opposition of form and content” that is its hallmark. If modernism masters the flesh through abstractions, the formless floods unbound matter with meaning. With the exception of the single appearance in these works of Mendonça’s signature naked girl with her pathetically rouged cheeks and arms akimbo, or a cinch-waisted female bullfighter or, in the drawings, a donkey’s head announcing how stupid the girl feels she has been, these works dilacerate form and spill onto the viewer a vertiginous proliferation of fibres and fi laments, meandering lines drawn into eddying vortices and tightening, tentacular curlicues. A calligraphy of stitches pulverizes the gestalt of recognizable contour and performs, so it seems, an operation of horizontality. In their spread of markings so dense as to become almost undifferentiated, in their intensity and repetitiveness, these

gem o espectador numa proliferação de fios e filamentos, linhas sinuosas arrastadas para vórtices vertiginosos e ondulações tentaculares. Uma caligrafia de pontos pulveriza a forma de contorno reconhecível e realiza, aparentemente, uma operação de horizontalidade. A amplitude e a densidade das marcações tornam-nas quase indiferenciadas e, na sua intensidade e repetição, estes rabiscos costuram uma superfície pictórica una e de pouca profundidade. Contudo, mesmo se o vigor manual e a coesão espacial invocam as superfícies totalizantes das drip-pictures dos anos 50, o seu efeito é inteiramente diferente. Desde logo, a utilização do lápis de óleo a par das tintas de óleo permite um controlo manual maior e mais dirigido sobre a superfície pictórica do que o derramamento de tinta viscosa ou líquida. O facto de trabalhar na superfície colocada verticalmente e não horizontalmente (i.e. contra ou na parede, em vez de no chão) revela que a artista não fica seduzida por uma ideia de pintura enquanto pura acção; a noção de que, como Harold Rosenberg disse das pinturas de Jackson Pollock, Willem de Kooning e Hans Hartung; “não há nada que valha a pena pintar. Nem objecto, nem ideia”, o que leva a que um acto de produção possa, ou não “produzir uma imagem que valha a pena ver.” E, enquanto na obra de Pollock, “as meadas constituídas por linhas puras, a verdadeira matéria do desenho, conseguiam minar a finalidade do desenho, que era delimitar um objecto descrevendo os seus contornos” , Fátima Mendonça desenrola os seus novelos de linhas apenas para neles reinstalar forma e sentido. Eu e tu, lemos, como que bordados em branco e azul no meio de correntes e arcos carmins e amarelos doirados que se juntam formando dedos fálicos, sapatos e bolos rechonchudos. Se, desta forma, na maioria destas obras mais recentes, o espaço palimpsêstico nos coloca à beira da abstracção mais avassaladora, da qual a artista se afasta pela inclusão e repetição de palavras encantatórias ou de imagens que se tornaram icónicas no seu léxico formal – mãos com garras flamejantes, corações, vaginas, bocas a formarem beijinhos, sapatos, bolos, montes de excremento em forma de merengues –, em Casa-Fábrica Tapada somos confrontados e, simultaneamente, excluídos de uma forma auto-contida e com

scribbled marks knit the pictorial surface into a unified, shallow space. Yet if such manual vigour and spatial cohesiveness invoke the overall surfaces of drip-pictures, its effect is entirely different. For one, the use of oil-stick together with oil paint exerts, from the outset, a greater and more purposeful manual control over the pictorial surface than does the deployment of viscous or liquid paint. Working upon the surface positioned vertically rather than horizontally (i.e. against or along the wall rather than on the floor), Mendonça clearly is not seduced by the idea of painting as pure action; the notion that, as Harold Rosenberg said of the paintings of Jackson Pollock, Willem de Kooning and Hans Hartung, “there is nothing worth painting. No object, but also no idea”, so that a course of production may, but may equally not, “produce an image worth seeing.” And while in Pollock’s work, “the skeins, constituted of pure line, the very stuff of drawing, managed to undermine the goal of drawing, which was to bound an object by describing its contour”, Mendonça unravels her webs of line only to relocate shape and significance within them. Eu and tu – I and you – we read, as if embroidered in white and blue amidst carmine and marigold chains and hoops that gather together into penile fingers, shoes, plump pastry. If, then, in the majority of these recent works, a palimpsestic space delivers us to the edge of an engulfing abstraction from which the artist withdraws by the inclusion of mesmerizingly repetitive words or of images that have become iconic in her formal lexicon – hands with flaming talons, hearts, vaginas, mouths shaped into kisses, shoes, cakes, meringue-like turds – in Casa-Fábrica Tapada /Covered House-Factory, we are confronted with, and excluded from, a self-contained shape with a clear gestalt. A house that has mushroomed and grown, sprouting excrescences, stuffed with goodies, bloated. Here, as in the other large-scale paintings, there is inspired madness in the detailed execution. Composition gives way to excess, a disturbance of anything that might be called the decorum of painting. Covered in a red and black tarpaulin of

13

contornos precisos: uma casa que intumesceu, germinando excrescências, recheada de doçarias, a rebentar. Aqui, como em outras pinturas de grande escala, a execução detalhada é de uma loucura inspirada. A composição dá lugar ao excesso, à perturbação de qualquer coisa a que se poderia chamar a compostura – o decorum – da pintura. Coberta por uma lona vermelha e preta de tecedura minuciosa, a casa e os seus habitantes ameaçam desaparecer, quer por asfi xia, quer por explosão. Empolada por uma excitação interna, parece estar presa ao solo por nada mais robusto que um frágil cordame de nós, mais parecidos com macramé do que fruto da perícia dos marinheiros. Este é um lar de incansável actividade feminina, onde (o que é típico do mundo pictórico da artista) se fazem bolos e massas. Encomenda de bolos de dedinhos de morango, pronta pode ler-se. Alguns dedinhos queimam-se, mas não faz diferença, cobrem-se, totalmente, de doce de morango ou chocolate, a gosto. A lesão sofrida é, em maior ou menor grau, reparável e a prótese é, na desorientação, fantasiada como a coisa em si, simultaneamente recusa e afirmação do dano sofrido. Como negando a sabedoria assente na experiência, queimar os dedos não importa, o mal pode ser reparado com tinta, substituído proteticamente pela pintura. Fazer malha, croché e bordar; confeccionar bolos e massas e enfeitá-los: as actividades que constituem as metáforas pictóricas elaboradas por Fátima Mendonça são tradicionalmente conotadas com o feminino e aparecem aqui expostas não na sua função de sustento ou agasalho, mas como estratégia de sedução. Um quarto surge forrado do chão ao tecto com a variegação de chocolate e baunilha do bolo mármore, para te receber e te agradar. Um outro quarto é tapado de cobertores e massa de doce em forma de boquinhas. Num dos desenhos, as paredes e o chão, que ocupam a maior parte da superfície, vêm salpicados de lâmpadas, para te ver melhor. A miríade de luzes garante, neste espaço fechado, não dar tréguas nem sossego, ao mesmo tempo em que as palavras ecoam as proferidas pelo lobo quando se prepara para comer o Capuchinho Vermelho. Uma cama é feita de bolo mármore ou coberta com madalenas fofas e em forma

14

intricate weave, the house and its inhabitants threaten to disappear, whether through asphyxiation or detonation. Bulging with internal excitation, it seems to be grounded by nothing more robust than delicate rigging, its knots closer to macramé than to the sailor’s craft. This home is a teeming factory of feminine activity, typically, in Mendonça’s picture-world, of baking and pastry-making. “Order of strawberry-finger cakes: ready” Encomenda de bolos de dedinhos de morango, pronta we read. Alguns dedidnhos queimam-se, mas não faz diferença, cobrem-se, totalmente, de doce de morango ou chocolate, a gosto. “Some of the fingers get burnt, but never mind, they can be completely iced in strawberry or chocolate, to taste.” The injured part is replaceable, more or less, and the prosthesis stands in panicked fantasy as the thing itself, at once a denial and affirmation of damage. As a disclaimer to the wisdom supposedly garnered through experience, getting one’s fingers burnt doesn’t much matter, the harm can be painted over, or indeed prosthetically replaced by the painting itself. Knitting, crocheting and embroidery; baking, pastry-making and icing: the activities that constitute Mendonça’s metaphors of pictorial facture are traditionally gendered and are here deployed not in order to provide sustenance or warmth, but as strategies of seduction. A room is covered from floor to ceiling with the variegated chocolate and vanilla streaks of marble cake so as to receive you and to please you (para te receber e te agradar). Another chamber is entirely lined in woollen blankets and sweet dough shaped into mouths. In one of the drawings, the walls and floor constituting most of the surface are dotted with lamp bulbs all the better to see you (para te ver melhor). The myriad lights ensure that we find neither seclusion nor relief in this enclosure, while the words echo those of the wolf before proceeding to eat Little Red Riding Hood. A bed is fabricated out of marble cake or covered in soft, breast-like madeleines or stuffed with fanciful, invented pastries (strawberry fingers, bull’s kisses). These entice the targeted lover and equally threaten him with glutting, with an unbearable surfeit of sweet-

de peitos, ou cheia de bolos fantasiosamente inventados (dedinhos de morango, beijinhos de touro). Estão lá para atrair o amante visado, mas ameaçam-no igualmente de fartura, com um excesso de doce e afectos sufocantes. A rede de secreções pegajosas deve excitar a presa, de modo a apanhá-la. Farpas de bolo de morango, para por mim te apaixonares, lemos nestas obras. Mas farpa é, simultaneamente, uma lasca, uma coisa partida e um anzol, um gancho. Para Fátima Mendonça, a própria pintura acaba por se tornar uma cilada: um lugar de encantamento, um ardil. Os materiais da actividade doméstica, aproveitados como instrumentos de sedução, não são apenas mutuamente permutáveis – um fio de lã metamorfoseando-se num filamento de chocolate ou numa baba de compota vermelha – mas transformam-se concomitantemente nas substâncias da própria realização da pintura. Um conto de fadas torna-se uma promessa ou um pesadelo: o mundo da artista está repleto de materiais instáveis que ganham materialidade enfática do próprio médium utilizado. Algodão, lã, carne, chocolate, compota, borracha, resina, massa, excremento – todos eles transformando-se uns nos outros, todos a acabarem na subserviência da viscosidade da tinta de óleo, da intencionalidade do lápis de óleo. Se a perda o tornou deficiente, se esconde o vazio que sente com o excesso, ou o nega pela acumulação de fetiches (sapatos, malas, jóias, dedos em massa), o sujeito feminino da obra da artista transforma em instrumentos de sedução os sinais, mesmo os da sua submissão e da sua carência. Nada mais almeja do que atrair o objecto desejado para o seu espaço. A cama ocupa todo o quarto, sendo o convite a uma intimidade tão temida quanto desejada. “É um sítio fechado que é teu,” diz a artista, “para conquistares o outro, de onde mostras as tuas coisas de mulher.” Mostrar a coisa feminina é também exibir a perda negando, ao mesmo tempo, de forma fetichista, a carência com o excesso mais voluptuoso. Essa exibição é tão atractiva – e enfurecedor – como o vermelho o é para o touro, levando o objecto visado a um extremo de desejo e de fúria. “Fazes ali uma espécie de tourada [...]. Não é por acaso que aparecem aqui uns sapatos de uma toureira, e aparece também uma toureira como se fosse um desenho

ness and fuggy warmth. The tangle of sticky secretions must excite the prey in order to ensnare him. Farpas de bolo de morango, para por mim te apaixonares, we read in one of the works. Shreds of strawberry cake, so as to make you fall in love with me. But farpa is both something shredded or torn and a barb, a hook. For Mendonça, the painting itself becomes that snare: a place of enchantment, a trap. The materials of domestic activity, deployed as tools of allure, are not only mutually transmuted – a yarn of wool metamorphosing into a fi lament of chocolate or a dribble of red jam – but are equally transformed into the viscid substances of picture-making itself. A fairytale become both promise and nightmare, Mendonça’s world is fi lled with unstable material granted the emphatic concreteness of her medium. Cotton, wool, flesh, chocolate, jam, rubber, resin, dough, excrement – all mutually transfigured, all finally subservient to the viscosity of oil paint, the purposefulness of the oil-stick. If she is crippled by loss, if she camouflages her void with excess or disavows it by the accumulation of fetishes (shoes, bags, jewellery, pastry fingers) Mendonça’s female subject makes seductive the very signs of her submission and lack. She longs for nothing more than to lure the chosen lover into her space. The bed occupies the whole room, an overwhelming invitation to a procedural intimacy both dreaded and desired. “It’s a closed space that is just yours,” the artist remarks, “from which you can achieve your conquest and display your women’s things.” To show your woman’s thing is also to make a spectacle of your want, while fetishistically disavowing lack by luxurious surfeit. Such a display is as tantalizing – and enraging – as a red rag to a bull, its intended object stirred to both lust and rage. “It’s a sort of bullfight you perform,” she says. “It’s not by chance that you see here a pair of bullfighter’s shoes, there a female bullfighter, as if drawn on the wall.” Embodying the ritual structure of gender relations, the traditional figure of the bullfighter is ambiguously gendered, bringing together stereotypes of macho bravado with feminine seductiveness. Mendonça’s girlbullfighter’s dance is a sinuous, eroticized flirtation with danger,

15

de parede.” Dando corpo à estrutura ritual das relações de género, a figura tradicional do toureiro é sexualmente ambígua, juntando em si estereótipos da fanfarronice machista e do encanto feminino. A dança da menina toureira de Fátima Mendonça representa o namoro erotizado com o perigo, com a morte. Ao desafiar o homem a mergulhar em emaranhamentos inextricáveis, ela espera ser objecto da profusão dos seus afectos e, no entanto, o que quer é não só amálo, como aniquilá-lo. Nesta sedução coreografada – nesta tentativa de provocar e, simultaneamente, pacificar o objecto que ateia o desejo – reencena um velho enredo familiar: a tentativa de sedução de alguém cuja atenção se encontra, também, noutro lugar. Pois o que acontece quando, nus e desprotegidos, acabados de chegar ao mundo, somos confrontados com o perigo de sermos engolidos pelo próprio amor que nos alimenta? Quando aquele que nos sustenta ameaça submergir-nos e aniquilar-nos? Idealmente, a dependência e o desamparo em que nos encontramos perante a ascendência materna são moderados pelas atenções que presta a um outro. Não é só que o pai, poderoso e fálico, salve a criança tanto da omnipotência como da impotência. É antes que, na triangulação, o outro, a pessoa que ocupa o lugar paternal, ao ser objecto de desejo da pessoa que nos presta tantos cuidados e atenções, nos salva simultaneamente de sermos abafados e de uma dívida eterna. E assim, “o rival, que era o nosso pai”, observa Gerard Pommier [...]“retira-nos parte da atenção que exigimos, mas o medo que sentíamos de sermos esmagados por uma dívida monstruosa transforma-se em gratidão para com o herói viril que mantém uma relação reservada e estóica com o amor. Ao escaparmos de um perigo, corremos de certeza para um outro, e a nossa preferência sexual forma-se nesse momento; ou somos tomados de amor pelo nosso salvador, e, consequentemente, feminizados [...] ou, pelo contrário, iniciamos uma luta com esse rival que viera, no entanto, ao nosso socorro. Tanto para as mulheres, como para os homens, tudo começa nesse instante decisivo.” De facto, se optarmos por identificar-nos com a posição feminina, a nossa gratidão e o nosso amor são também perpassados de

16

with death. Inviting the man to plunge into inextricable entanglements, she hopes his affect will be lavished upon her, yet her desire is both to love and annihilate him. In this choreographed seduction – in this bid simultaneously to provoke and pacify that which inflames desire – she replays an old family plot: the seduction of someone whose attention is also somewhere else. For what happens when, raw and unprotected, newly arrived in the world, we are confronted with being engulfed by the very love that sustains us? When the very one who nurtures us threatens to overwhelm and extinguish us? Ideally, the dependency on, and helplessness in the face of the ascendant mother is tempered by the attention she lavishes upon another. It is not merely that the powerful and phallic father saves the child from either omnipotence or impotence. It is rather that, in triangulation, in being the other object of desire of the one who lavishes care upon us, the paternal place-holder saves us from being both stifled and eternally indebted. And so, “the rival that was our father”, observes Gerard Pommier deprives us of a part of the attention that we demand, but our fear of being overwhelmed by the monster of debt is thus transformed into gratitude toward the virile hero who is in a stoic standoff with love. Escaping from one danger, we assuredly run into another one, and our sexual preference is formed at this moment; either we are seized by love for this savior, and as a consequence feminized [...] or else we engage in combat with this rival who came nevertheless to our rescue. For both women and men, everything proceeds from this decisive moment. Indeed, if we choose to identify with the female position, our gratitude and love are also injected with a resentful sense of the father’s overreaching power, for it is he who, after all, also caused our first injury, our earliest sense of a fractured world. Without him, mother love would have been all ours. Caught in this double bind, Mendonça pictures heterosexual feminine desire as a mixture of gratitude and vindictiveness, healing love and punitive anger. The seduction her work performs is directed at a male object gesturing

um sentimento de ressentimento para com o poder abrangente do pai, pois é ele, afinal, o causador da primeira ofensa, o momento em que, pela primeira vez, sentimos o mundo a fracturar-se. Sem ele, o amor materno teria sido só nosso. Presa no paradoxo dessa situação, a artista retrata o desejo feminino heterossexual como um misto de gratidão e de espírito de vingança, de amor apaziguador e de zanga punitiva. A sedução que a sua obra encena dirige-se a um objecto masculino que remete para um agente paternal, simultaneamente salvador e inimigo, e de quem a vulnerável protagonista tem de obter a atenção exclusiva e a compensação absoluta. Reencenado o cenário clássico da carência feminina confrontada com a fantasia da potência masculina – a fantasia de uma posição estruturalmente poderosa que oferece a possibilidade da escolha – o sujeito feminino implícito nestas pinturas encena uma série de passos ritualizados. Seduzir, ser desejada e possuída e, finalmente, atacar. Começa por moldar os caminhos que trazem o homem até ela. “Tu aqui, no meio destes bolos todos, tu acabas a obrigar a pessoa a seguir o caminho que tu queres,” afirma a artista. Tal como o trilho de migalhas de Hansel e Gretel, as bostas de bolo levam o cavaleiro andante até ao seu prémio, ágil e mortal... Caminho para andares e não te cansares, meu amor. Caminho para andares e não te perderes, meu amor. E então confecciona próteses. Centenas de próteses. Uma almofada rebenta com sacos que, por sua vez, estão cheios de bolo de morango. Próteses perfeitinhas de massa de bolo são visualmente individualizadas em Casa-Fábrica (Mostruário), uma colecção e amostragem dos motivos obsessivos da artista: a casa, nos ares, por efeito de um balão ou de uma bomba; membros e órgãos, fragmentos desarticulados de um corpo estilhaçado, enumerados como outras tantas coisas na lista de um padeiro. Nessa fecunda e sinistra proliferação, o corpo é despedaçado e as suas partes constituintes, apresentando ainda a evidência sangrenta da amputação, refeitas como doçarias. A prótese, ao dar à protagonista, ávida e ardilosa, “pernas mais altas”, ao permitir-lhe ser o invólucro perfeito e imaculado de mulher, dá-lhe a possibilidade de “fazer a vontade do outro.” Para alguém

towards a paternal agent as both saviour and enemy, from whom her vulnerable protagonist must obtain exclusive attention and exact reparation. Re-enacting a classic scenario of female lack confronted with the fantasy of male prowess – the fantasy of an enabling structural position and the access to choice that it offers – the implicit female subject of these pictures stages a series of ritual moves. To lure, to be desired and possessed, and then to strike. First, she shapes the paths that will lead the man to her. “Here, amidst all these cakes, you manage to force the person [you want] to follow the path you have made,” Mendonça proclaims. Like Hansel and Gretel’s trail of crumbs, the droppings of cake take the errant man to his lithe and lethal prize. A path so that you don’t get tired, my love. A path so that you don’t get lost, my love. Then she confects prostheses. Hundreds of them. A pillow bursts with bags which are, in turn, crammed with legs of strawberry cake. Proteses perfeitinhas de massa de bolo – perfect prostheses made of cake-dough – are visually itemised in Casa-Fábrica (Mostruário) /House-Factory (Show-case), a collection of samples of Mendonça’s obsessional motifs: the house, airborne whether by balloon or bomb; the limbs and organs, disarticulated fragments of a shattered body, enumerated like so many items on a baker’s check-list. In the fecund and sinister proliferation, the body is torn asunder, its constituent parts, still bearing the bloody evidence of amputation, reconfigured as sweetmeats. The prosthesis, allowing Mendonça’s hungry, scheming protagonist to have “longer legs”, to be a perfect, unscarred capsule of desirable womanhood, enables her to “comply with the wishes of the other”. For someone like her, “someone who is lacking something”, the prosthesis offers the possibility of transformation, a supplement, “something you can change and add on so as to please the other.” And what would please that other more than to know that the being whose neediness is so terrifying should in fact be not wanting but complete? What more soothing than the unimpaired, flawless image that holds in place the illusion of maternal plenitude and that prevents the confrontation with difference from being

17

como ela, “alguém a quem falta qualquer coisa”, a prótese oferece a possibilidade de transformação, “alguma coisa que tu podes sempre mudar e acrescentar para agradar ao outro.” E o que poderá agradar mais àquele outro do que saber que o ser cuja necessidade é tão aterradora afinal nada precisa, por ser perfeito? O que é mais apaziguador do que a imagem intacta que mantém a ilusão da plenitude materna e que impede que se encare a diferença como falha? A prótese segue a lógica do fetiche, o objecto simbólico através do qual, como Freud o descreve, o rapazinho nega a possibilidade de castração, tal como é exposta no corpo feminino, encarado como incompleto, fantasiado enquanto memória, mesmo se outrora visto como íntegro. O fetichismo, por outras palavras, é “uma forma perversa de transposição simbólica”, fornecendo ao sujeito masculino um substituto do falo materno ausente. Esse simulacro satisfaz a fantasia narcísica de que as perdas não são irrevocáveis, de que os objectos perdidos podem ser recuperados – ou, melhor, de que nada, afinal, se perdeu. Mas, enquanto penhor elegíaco, enquanto testemunho de uma perda, o fetiche que a prótese é não só recupera o objecto perdido, como se torna na sua perpétua memória. No esquema clássico, nem os homens, nem as mulheres saem vencedores na sua relação com a carência. De facto, o encontro entre homem e mulher tem como destino a impossibilidade total, pois um lembra ao outro a perda real ou potencial sofrida. De acordo com a tradicional masculinização do fetiche, a artista constrói uma mulher cujo desejo é ser completa: tão protesticamente perfeita que não representa qualquer ameaça para o macho insuspeito. (O facto de ficar aquém desse seu desejo – que possamos definir simultaneamente o objectivo a que se propõe e o seu falhanço – é uma das proezas da obra da artista.) Indubitavelmente, a teia densa da própria superfície pictórica – tapando todos os buracos e cavidades, ligando todas as brechas – funciona como a negação fetichista da ausência. Mas, no centro da sua teia, a aranha enquanto mãe aparentemente fálica urde um outro estratagema, a manha que evita a ferida irremediável: a reivindicação dos seus custos. “As mulheres só se dão ao trabalho de provocar

18

comprehended as lack? The prosthesis follows the logic of the fetish, a symbolic object through which, as Freud described it, a boy disavows the possibility of castration as displayed by the female body, perceived as incomplete, fantasized as maimed but once integral. Fetishism, in other words, is “a perverse form of symbolic transposition”, furnishing the male subject with a surrogate of the missing maternal phallus. Such a simulacrum satisfies a narcissistic fantasy that losses are not irrevocable, that lost objects can be retrieved – or indeed, that nothing was lost in the first place. But as elegiac token, as memorial to a loss, the prosthetic fetish both rehabilitates the missing object and stands as a perpetual reminder of it. In the classic schema, neither men nor women triumph in their relation to lack. Indeed, the encounter between women and men, Mendonça’s paintings tell us, is destined to spectacular impossibility, for each reminds the other of real or potential loss. In accordance with the traditional masculinization of the fetish, Mendonça shapes a woman whose desire is to be complete: so prosthetically perfect as to represent no threat to the unsuspecting male. (That she falls short of such a desire – that we are able to pinpoint both her objective and its failure – is one of the feats of Mendonça’s work.). Indeed, the tight weave of the pictorial surfaces themselves – covering all gaps and cavities, bandaging over all wounds – acts as a fetishistic disavowal of lack. But from the centre of her web, the spider as apparently phallic mother has another stratagem, a ruse to ward off her own irremediable injury by claiming its cost. “Women only go to the trouble of provoking men,” writes Pommier, “in order to obtain a greater degree of enjoyment so that men can get what they deserve.” Mendonça’s works perform, in other words, men’s worst fantasies in relation to women: their endless, carnivorous voracity, a need whose outcome is revenge and whose effect is nothing short of fatal. “I’ve always been greatly affected by those creatures that, after mating... well, he has to flee very quickly, or she’ll eat him”, she has commented. It is, then, not by chance that Mendonça has chosen food as a central image and a binding metaphor. The abundance of food in

os homens”, escreve Pommier, “com a finalidade de conseguirem obter um maior grau de prazer, para que os homens tenham o que merecem.” Na obra de Fátima Mendonça, concretiza-se, por outras palavras, a pior das fantasias masculinas em relação às mulheres: a da sua voracidade ilimitada e carnívora, a de um desejo que termina em vingança e que tem consequências fatais. “Eu fico muito impressionada, por exemplo, com aqueles bichos na natureza que, depois de acoplarem, ele tem que fugir muito depressa, se não ela come-o,” comentou recentemente. Não é, pois, por acaso, que a artista escolhe a comida como imagem central e metáfora unificadora. A abundância de alimentos na sua obra é, numa primeira instância, a materialização da fantasia do materno enquanto fonte infindável de sustento, pois é a satisfação do desejo oral que, num primeiro momento une a criança à mãe. Entre o mundo externo que lhes deu origem e o corpo interior em que muito rapidamente se transformam as coisas que comemos, a nossa fome e a sua saciedade, são também emblemáticas do conflito existente entre o desejo de autonomia e o desejo de assimilação. Por outras palavras, se o ego se constitui através de uma série de identificações com objectos a ele externos, a comida revela-se como o sinal físico dessa incorporação psíquica. Como primeira expressão da ligação emocional a outra pessoa (a sua enunciação seria “para ser alguém, tenho de ser como tu”), a identificação tenta reabilitar um objecto perdido, original (“se te como, não só desaparecerás como, ao tornares-te parte de mim, serás recordado através da minha existência”). Esta é a lógica da refeição totémica descrita por Freud em Totem e Tabu, em que os filhos canibais comem o pai, não só para o vencerem, como para assumirem o poder. Contudo, a identificação primordial, tal como Diana Fuss destacou, “[reencena] na fantasia, a relação infantil da criança com a mãe, uma relação de necessidade e exigência baseada na gratificação oral”. Fátima Mendonça representa o desejo masculino – ou melhor, representa o que espera que seja o desejo masculino, uma visão que justifique a sua estratégia – como a disponibilidade infinita, mesmo se prudente, para o apelo da dádiva materna.

this work is, in the first instance, a materialization of the fantasy of the maternal as endless provision, for it is the satisfaction of the oral drive that first binds child to mother. Existing between the external world that has generated it and the body’s interior into which it will soon be integrated, the things we eat, our hunger for them and our satiation are also emblems of our conflicting desires for both autonomy and assimilation. In other words, if the ego is formed through a series of identifications with objects external to it, food presents itself as the physical badge of such psychic incorporation. As the earliest expression of an emotional tie with another person (its enunciation would be “to be someone at all, I must be like you”), identification attempts to rehabilitate a lost, original object (“if I eat you, you will both disappear and, by becoming a part of me, be memorialized by my very being.”) This was the logic of the totem meal described by Freud in Totem and Taboo, in which the cannibal sons eat the father in order both to vanquish him and embody his power. But the most primal of identifications, as Diana Fuss has pointed out, “[restage] in fantasy the child’s infantile relation to the mother, a relation of need and demand based on oral gratification.” Mendonça represents male desire – or rather, she represents her hope of what male desire might be, a vision that justifies her strategy – as an infinite, if cautious, availability to the appeal of maternal bounty. Contrariwise, she represents female subjectivity as offering such plenitude as a ruse, a covering that masks not only want but also an annihilating rage. The coupling of sex and death implicit in these works – in their gory colours, in the sustained evidence they offer of the artist’s intensely physical assault on canvas or paper – exposes the extent to which the transmission of power is predicated upon a fantasmatic murder. The mutuality of desire and aggression, harking back to earliest investments and entanglements in the family, erupts in Mendonça’s work as an inevitable condition of subjectivity. Submerging the viewer in a smothering enclosure, these paintings and drawings invite a synaesthetic dissolution of discrete sensations. In the catastrophic seduction they stage, in

19

De forma oposta o sujeito feminino oferece, na sua obra, essa tal plenitude, mas apenas por manha, como pano que esconde não só a necessidade e o desejo, mas também a raiva mais aniquiladora. A ligação entre sexo e morte implícita nestas obras – nas suas cores sangrentas, na evidência constante que nos dá da forma intensamente física com que a artista ataca as suas telas e folhas de papel – revela até que ponto a transmissão do poder pressupõe o acto fantasmático de assassínio. A reciprocidade do desejo e da agressão, remetendo para as primeiras ligações e investimentos familiares, irrompe na obra da artista como a condição inevitável da subjectividade. Afogando o espectador numa clausura sufocante, estes desenhos e pinturas convidam a uma dissolução ‘sinestética’ de sensações distintas. Na catastrófica sedução que encenam, na sua mistura de prazer e abjecção, na saturação dos vazios, no equilíbrio entre a materialidade do traço e a repetitividade obsessiva do motivo, realizam, provocatoriamente, operações antagónicas, enrolando e desenrolando os fios que ligam o desejo à sua expressão.

their blending of pleasure with abjection, in their saturation of all voids and their playoff between the materiality of trace and the obsessive repetitiveness of motif, they provocatively perform antagonistic operations, for they both draw together and unravel the threads that bind desire to its expression. July 2005

Julho 2005

1 Sigmund Freud, Civilization and its Discontents (1930), The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (henceforth SE), trad. James Strachey traduzido do alemão coord. ed. de James Strachey, London: The Hogarth Press, 2001, (1964),) XXI, pp. 91-2. [Nota da tradutora: todas as traduções de obras publicadas são da responsabilidade da própria] 2 Ibid. p. 91. 3 Em conversa, Março 2005. 4 Ver Anthony Vidler, Warped Space: Art, Architecture, and Anxiety in Modern Culture, Cambridge, MA and London, England: The MIT Press, 2001, pp.17-24. 5 Rosalind Krauss and Yve-Alain Bois, Formless: A User’s Guide, New York: Zone Books, 1997, pp. 15-16. 6 Harold Rosengberg, ‘The Concept of Action in Painting,’ Artworks and Packages, New York: Dell Publishing Co., 1969, pp. 213-4. 7 Hal Foster, Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois, Benjamin Buchloh, Art Since 1900: Modernism, Antimodernism, Postmodernism, New York: Thames & Hudson, 2004, p.357. 8 Em conversa, Março 2005. 9 Gerard Pommier, Erotic Anger: A User’s Manual, trad. Catherine Liu, Minneapolis: University of Minnesota Press, 2001, p. 13. 10 Em conversa, Março 2005. 11 Rosalind Krauss e Yve-Alain Bois, ibid. p. 55. 12 Gerard Pommier, op. cit. p. 48. 13 Em conversa, Março 2005. 14 Diana Fuss, Identification Papers, London and New York: Routledge, 1995, p. 38

20

1 Sigmund Freud, Civilization and its Discontents (1930), The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (henceforth SE), transl. James Strachey translated from the German under the general editorship of James Strachey, London: The Hogarth Press, 2001, (1964),) XXI, p. 91-2. 2 Ibid. p. 91. 3 In conversation, March 2005. 4 See Anthony Vidler, Warped Space: Art, Architecture, and Anxiety in Modern Culture, Cambridge, MA and London, England: The MIT Press, 2001, pp.17-24. 5 Rosalind Krauss and Yve-Alain Bois, Formless: A User’s Guide, New York: Zone Books, 1997, p. 15-16. 6 Harold Rosengberg, ‘The Concept of Action in Painting,’ Artworks and Packages, New York: Dell Publishing Co., 1969, p. 213-4. 7 Hal Foster, Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois, Benjamin Buchloh, Art Since 1900: Modernism, Antimodernism, Postmodernism, New York: Thames & Hudson, 2004, p.357. 8 In conversation, March 2005. 9 Gerard Pommier, Erotic Anger: A User’s Manual, transl. Catherine Liu, Minneapolis: University of Minnesota Press, 2001, p. 13. 10 In conversation, March 2005. 11 Rosalind Krauss and Yve-Alain Bois, ibid. p. 55. 12 Gerard Pommier, op. cit. p. 48. 13 In conversation, March 2005. 14 Diana Fuss, Identification Papers, London and New York: Routledge, 1995, p. 38

PINTURAS PAINTINGS

Casa-fábrica tapada Covered house-factory (díptico diptych), 2004–2005

22

23

Salinha forrada a bolo-mármore Room lined with marble-cake (díptico diptych), 2004–2005

24

25

Assim… assim… assim… para gostares mais de mim More… more… more, so you’ll like me more (tríptico triptych), 2004–2005

26

27

Caminho para andares e não te perderes, meu amor A path to follow so you don’t get lost, my love (díptico diptych), 2004 - 2005

28

29

Para te lidar, meu amor Making it with you, my love (díptico diptych), 2004-2005

30

31

Para ganhar o céu So as to reach heaven (díptico diptych), 2004-2005

32

33

Parede de cobertores de lã, massa de bolo e bocas Wall of wool blankets, cake-dough and mouths (tríptico triptych), 2004-2005

34

35

Cama enchida de pezinhos com sapato de bolo de morango Bed filled with little feet with strawberry-cake shoes, 2004-2005

36

37

Travesseiro (pormenor) Bolster (detail) (tríptico triptych), 2004-2005

38

39

Cama enchida de “beijinhos” de boi Bed filled with ox “kisses” “kisses”, 2004-2005

40

41

Travesseiro de próteses de bolo de morango Prosthetic bolster made of strawberry cake, 2004-2005

42

43

Casa-fábrica (mostruário) House-factory (show-case) (díptico diptych), 2004-2005

44

45

ALEXANDRE MELO

ALEXANDRE MELO

Bolos, Sapatos e Partes de Casa

Cakes, Shoes and Parts of the House

Falemos da escrita infantil, as dificuldades, facilidades, curvas e contracurvas da caligrafia em vias de ser aprendida, apertada em cadernos pautados com duas linhas paralelas muito próximas. As letras e as palavras obtidas juntando as letras no tempo em que ainda se acredita ser possível aprender a escrever. Em que se acredita ser possível vir, um dia, a escrever bem como se houvesse uma maneira certa, boa, de escrever. O envelhecimento destruirá esta ilusão carregando a escrita de cada um com uma acumulação de traços neuróticos, por vezes no limite da legibilidade, e que se tornam quase assustadores, sobretudo se aceitarmos entendê-los como expressões de traços específicos de personalidade. É provável que a maior parte das pessoas devam ser consideradas assustadoras e isso já está contido nas suas infâncias, mas só se nota depois. Enquanto aprendemos a desenhar letras como as que Fátima Mendonça usa para escrever palavras e frases nas suas pinturas, estamos a procurar acertar, estamos a procurar conter e controlar tudo o que é preciso dentro de um espaço delimitado pelo desenho da própria letra, pelas linhas, pelas margens, pela folha, pelo caderno, pela escola. O trabalho de controlo e contenção é ao mesmo tempo um trabalho físico e institucional. O controlo físico passa pela domesticação do corpo que tem que aprender a pôr as mãos, os gestos e os dedos na posição adequada. O controlo institucional é a habituação aos primeiros processos de socialização, na escola, a que a aprendizagem da escrita está associada. Quando mais tarde, hoje, nestas pinturas, se convoca esta modalidade depurada do escrever ou desenhar o objectivo continua a ser o de conter, controlar, acalmar, dar a qualquer coisa uma razão de ser simples e enunciável. Mas veremos adiante que isso é impossível como uma visão de conjunto da pintura de Fátima Mendonça demonstra de modo eloquente. Os conteúdos das frases aqui legíveis estão directamente relacionados com os desenhos que as acompanham e que, também eles,

I’d like to talk about children writing: the difficulties, the easy bits, the twists and turns of the letters as the children learn to write, the letters squeezed up tight in notebooks that have two very close parallel lines, the letters and the words created by joining the letters at a time when you still believe it’s possible to learn to write, a time when you believe that one day you’ll be able to write well, as if there were a “good” or “correct” way to write. Age will later destroy this illusion, weighing the individual’s handwriting down under a pile of neurotic lines that are sometimes only barely legible and that can be almost terrifying if we see them as expressions of specific traits of personality. In fact, most people probably should be considered terrifying, and although we only see it later, this aspect forms part of their infancies. When we’re learning to draw letters like the ones that Fátima Mendonça uses to write words and sentences in her paintings, we are trying to establish, hold and control everything necessary within a space that is defined by the act of drawing the letter itself, by the lines, the margins, the sheet, the notebook and the school. The work involved in controlling and holding is simultaneously a physical and an institutional task. The physical control involves taming the body, which has to learn to put its hands and fingers in the right position and make the right movements, while the institutional control means getting used to the initial stages of socialising at school, which is linked to learning to write. Even subsequently – more specifically now – when the paintings recall this elementary way of writing or drawing, the goal is still to establish, control, calm and give something a simple and expressible raison d’être. We will later see that this is impossible, as a global vision of Fátima Mendonça’s painting eloquently proves. The content of the writings in her work is directly related to the accompanying drawings, which also have echoes of children’s

47

guardam os ecos da memória dos desenhos infantis. A principal referência é a representação do corpo humano, a figura humana, em particular os braços, as mãos, os dedos, as pernas, os pés, os cabelos. Muito do que já dissemos sobre a experiência infantil da escrita pode alargar-se a uma análise da prática do desenho infantil, mas para nos aproximarmos de um registo de menor generalidade vamos agora abordar algumas das formas desenhadas com mais frequência por Fátima Mendonça. Esta identificação permite sugerir um universo específico de temas, tópicos e formas que nos autorizam a começar a atribuir características específicas à configuração desta infância em particular. É claro que não falo da infância de Fátima Mendonça que não conheço nem vem a propósito, mas de uma representação da infância que se pode construir a partir de uma determinada leitura do trabalho de Fátima Mendonça. Falaremos então de bolos, sapatos e partes de casa sabendo que na relativa arbitrariedade desta escolha de tópicos há tanto de exercício de liberdade do comentador como de respeito pelo de qualquer modo inatingível imaginário privado da artista. Em quase todas as infâncias há bolos. Em muitas infâncias há recordações mais ou menos fascinadas dos momentos em que estivemos a ver alguém, uma avó, mãe, tia, irmã, vizinha, a fazer bolos. Momentos em que nos ensinaram ou deixaram ajudar a fazer bolos. Os bolos são uma das poucas coisas a cuja feitura qualquer criança terá podido assistir desde o princípio. Regra geral chega-se a meio, na melhor das hipóteses. Fazer bolos é uma actividade comunitária, pressupõe pessoas, uma cozinha, uma casa, um ambiente doméstico, o que antigamente se chamava um lar. É uma coisa de festas e de risos, digo eu, e isto é uma coisa boa. Fazer bolos também é uma actividade muito física. Para além do trabalho manual propriamente dito, mais sofisticado do que à primeira vista se possa pensar, há uma mobilização geral dos sentidos. O tacto com que é preciso misturar os ingredientes, a visão que guia o prazer das manipulações, o olfacto que traz encanto à atmosfera envolvente e o paladar que faz as aferições fundamentais.

48

drawings. Her main point of reference is imagery of the human body or the human figure – especially the arms, hands, fingers, legs, feet and hair. Much of what was said about the child’s experience of writing can equally be extended to an analysis of the way children draw. However, moving towards a more specific register, I will examine some of the forms that Fátima Mendonça draws more frequently, an identification that suggests a specific world of themes, topics and forms which make it possible to attribute specific characteristics to the structure of that specific childhood. Evidently, I am not here talking abut Fátima Mendonça’s childhood, of which I know nothing (nor yet is it relevant), but about an image of childhood that can be built up from a specific interpretation of Fátima Mendonça’s work. I will deal with cakes, shoes and parts of the house, fully aware that this relatively arbitrary choice of topics involves equal use of the observer’s freedom and respect for the artist’s unassailable individual imagination. Cakes are a part of almost every childhood. Many childhoods include memories (with varying degrees of fascination) of seeing somebody – a grandmother, mother, aunt, sister or neighbour – making a cake, of a time when they taught us how to make cakes or let us help in the process. Cakes are one of the few things that any child may have helped to make from a young age. As a general rule, you get half way through this process at best. Making cakes is a communal activity: it needs people, a kitchen, a house, a domestic environment, what used to be called a home. It is a time that I believe is for celebration and laughter, which can only be good. Making cakes is also an intensely physical activity. Besides the manual work per se, which is more complex than it may initially seem, all the senses are involved. Touch is needed to mix the ingredients, sight guides the pleasure in handling the ingredients, the smell creates a magical environment and taste helps in making the vital adjustments. As for hearing, just imagine someone singing or chattering. While all of this sounds delightful, the evidence

No que diz respeito à audição basta imaginar que havia alguém a cantar ou a falar. Tudo isto me parece agradável e, no entanto, tudo indica que as pinturas de Fátima Mendonça não são agradáveis. O que nos remete para uma outra dimensão do processo de produção de bolos: aquela em que eles se tornam perigosos. A famosa tarte à la crème do cinema mudo é um exemplo cómico da dimensão subversiva da utilização dos bolos mas a explosão violenta é algo cuja possibilidade real está contida no processo de fusão de ingredientes, expansão de volume e mudança de estado que corresponde à produção de um bolo. Um erro nas proporções, e a massa transforma-se em veneno ou começa a crescer para além dos limites da forma que devia acomodá-la, escorre para o fogão, cria o risco de um incêndio que pode queimar os bolos, as mãos, os pés. Mas no fim de tudo a casa nunca chega realmente a explodir. A pintura de Fátima Mendonça não é uma pintura expressionista. É uma pintura que começa com coisas muito simples, mas como é evidente nos recentes trabalhos de grande escala, permite que elas se expandam de forma hiperbólica seguindo excessos rítmicos e obstinações formais decorrentes da própria prática do processo de desenhar. A prática artística pode ser um exercício benéfico de violência e essa pode ser uma das suas funções. É isto que acontece nas pinturas de Fátima Mendonça. Escolhi a referência aos bolos por ser mais extravagante. A mesma demonstração poderia ter sido feita através do que nas suas pinturas é memória e presença das vicissitudes da representação da figura humana nos desenhos infantis que acompanham, a par e passo, a descoberta pela criança das proporções certas, erradas, desejáveis ou indesejáveis, do seu próprio corpo e dos outros corpos que se lhe vão deparando. Os sapatos demasiado grandes ou demasiado pequenos, demasiado altos ou demasiado rasos, são uma forma privilegiada de especulação a respeito das desmesuras do corpo, com a mais-valia de potenciais fi xações fetichistas que nem é preciso comentar. Há um tempo muito breve em que, tal como com as letras, se julga que as medidas dos corpos vão um dia poder estar certas. O tou-

suggests that Fátima Mendonça’s paintings are anything but delightful. Rather, they propose another dimension in the process of making cakes, one where they become dangerous. The famous custard pie from silent fi lms is a comic example of the subversive capacity of using cakes, but there is always a real possibility of a violent explosion when mixing ingredients, as the volume expands and there is a change in state when a cake is made. One mistake in the proportions and the dough becomes poisonous or starts to overflow its baking tray, sliding down the sides and into the oven, creating a fire risk that can burn the cake, the hands or the feet. Yet ultimately, the house never really blows up. Fátima Mendonça’s painting is not expressionistic. She starts with very simple things, but as her recent large works show, she allows them to expand exponentially, using rhythmic exaggerations and repeated forms that derive from the very practice of drawing. Artistic practice may involve the beneficial use of violence, and this can also be one of its functions. This is what happens in Fátima Mendonça’s paintings. Although I chose to talk about cakes, because they are the most extreme case, the same point could equally be demonstrated through what appears in her paintings as the memory and presence of change in depicting the human figure in the children’s drawings that accompany every single step of the child’s discovery of the right or wrong, desirable or undesirable proportions of his/her own body and of the bodies that appear around him or her. The shoes – too big or too small, too tall or too flat – are a superlative way of speculating about the body’s excesses of scale, with the added value of potential fetishist obsessions that need no comment. As is also true of the letters, there is a very short period of time when we believe that the body’s various sizes may just one day work out right. The bullfighter – or better still, the female bullfighter – may well appear as an ideal figure: a male or female sportsperson and dancer held firmly inside a tight-fitting costume, but making grand movements that are full of light and colours.

49

reiro, ou melhor, a toureira, tem todas as hipóteses de surgir como uma figura ideal: desportivo e bailarino, masculino e feminino, estreitamente contido nos seus trajes cintados, mas desenrolando-se em movimentos expansivos, pleno de brilhos e de cores. O desenho não consegue representar o corpo com a perfeição que se desejava. O corpo não aparece ou aparece, mas afinal não era aquele: o que tinha sido prometido. O sapato era tão alto e gigantesco que o pé não conseguiu entrar lá para dentro e o corpo inteiro acabou por desaparecer: caiu por um buraco no meio de uma pintura. Noutras situações o corpo ficou tão apertado que acabou por ser desmembrado e, então, para o reconstruir é preciso recorrer a uma fábrica capaz de produzir uma infinidade de próteses. A fábrica é a casa. Mas ninguém nos assegura que as próteses sejam compatíveis nem que o resultado final seja satisfatório. Deixemos então os bocados dos corpos e as alternativas próteses pendurados nas paredes, formando paredes, enfeitando as camas, enchendo sacos, colchões e almofadas, atulhando e asfi xiando o espaço, uns por cima dos outros na superfície das telas pintadas. Aproximamo-nos aqui dos cenários do cinema gore com as suas voluptuosas combinações de sangue e vísceras variadas. Os corpos virados de dentro para fora, como uma luva arrancada à pressa a uma mão, e depois usados para estofar paredes. Uma outra hipótese de protecção consiste em encher por completo o espaço como quem recheia um bolo até não restar qualquer vazio onde possa crescer a inquietação. Era para ser tudo muito simples. “Tu” e “Eu” deitados lado a lado felizes para sempre ou pelo menos por enquanto. Não é assim. Se fosse, talvez não houvesse pintura, nem arte, nem quase nada.

50

No drawing can show a body with the desirable level of perfection. The body either doesn’t appear or it does, but when it does, it isn’t what had been promised. The shoe was so tall and gigantic that the foot didn’t fit and the entire body ultimately disappeared, falling though a hole in the middle of a painting. In other cases, the body is squeezed so tightly that it was ultimately dismembered, leading to a visit to a factory that can produce an infinite number of prosthetics so that the body can be rebuilt. The factory in question is the house, but nobody guarantees that the prosthetics are mutually compatible or that the end result will be satisfactory. Let’s leave the body parts and the alternative prosthetics hanging on the walls, creating walls, decorating beds, fi lling bags, mattresses and pillows, blocking up and stifling the space, one on top of another on the surface of the painted canvases. This is not far removed from scenes that might appear in gore fi lms, with their voluptuous mixture of blood and various internal organs. These are bodies that have been turned inside out, like gloves hurriedly ripped off hands and then used to cover the walls. Another potential means of protection is to fi ll the space completely, like someone putting the fi lling in a cake until there isn’t a single space where disquiet can grow. It was all going to be very easy: you and me, lying side by side, happy for ever more, or at least for the time being. It doesn’t work like that. If it did, perhaps there would be no painting, or no art, or hardly anything at all.

DESENHOS DRAWINGS

52

53

54

55

56

57

58

59

60

Lista de Obras Pinturas Paintings Casa-fábrica tapada Covered house-factory (díptico diptych), 2004 – 2005 [p.?] Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 255 x 415 cm Salinha forrada a bolo-mármore Room lined with marble-cake (díptico diptych), 2004 - 2005 Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 280 x 475 cm Assim... assim... assim... para gostares mais de mim More...more... more, so you’ll like me more (tríptico triptych), 2004 - 2005 Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 280 x 556 cm Caminho para andares e não te perderes, meu amor A path to follow so you don’t get lost, my love (díptico diptych), 2004 - 2005 Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 255 x 415 cm Para te lidar, meu amor Making it with you, my love(díptico diptych), 2004 - 2005 Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 255 x 280 cm Para ganhar o céu So as to reach heaven (díptico diptych), 2004 - 2005 Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 280 x 475 cm

Parede de cobertores de lã, massa de bolo e bocas Wall of wool blankets, cake-dough and mouths (tríptico triptych), 2004 - 2005 Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 280 x 660 cm Cama enchida de pezinhos com sapato de bolo de morango Bed fi lled with little feet with strawberry-cake shoes, 2004 - 2005. Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 280 x 185 cm Travesseiro (pormenor) Bolster (detail) (díptico diptych), 2004 2005 Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 280 x 476 cm Cama enchida de “beijinhos” de boi Bed fi lled with ox “kisses”, 2004 - 2005. Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 185 x 280 cm Travesseiro de próteses de bolo de morango Prosthetic bolster made of strawberry cake, 2004 - 2005 Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 200 x 260 cm Casa-fábrica (mostruário) House-factory (show-case) (díptico diptych), 2004 - 2005 Óleo e lápis de óleo sobre tela Oil and wax crayon on canvas 255 x 560 cm

Desenhos Drawings

61

Sem título Untitled, 2005 Lápis de óleo e lápis de cor sobre papel Wax crayon and coloured pencil on paper 160 x 160 cm Sem título Untitled, 2005 Lápis de óleo e lápis de cor sobre papel Wax crayon and coloured pencil on paper 164 x 243 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 42 x 59 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 42 x 60 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 51 x 70 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 57 x 60 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper

62

42 x 59 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 42 x 53 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 43 x 61 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 42 x 111 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 43 x 61 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 43 x 61 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 43 x 61 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel

Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 43 x 61 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 51 x 70 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 42 x 59 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 51 x 70 cm

Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 43 x 61 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 38 x 51 cm Sem título Untitled, 2005 Lápis de óleo e lápis de cor sobre papel Wax crayon and coloured pencil on paper 315 x 179 cm

Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 51 x 70 cm Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 72 x 39 cm 20 Sem título Untitled, 2004 Lápis de óleo, lápis de cor, canetas de feltro e aguarela sobre papel Wax crayon, coloured pencil, felt pen and watercolour on paper 33 x 39 cm

63

FÁTIMA MENDONÇA

1964 Nasceu em Lisboa, Portugal Born in Lisbon, Portugal 1990 Licenciou-se em pintura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa Completed a degree in painting at the Lisbon Higher School of Fine Arts 1992/94 Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian Scholarship from the Calouste Gulbenkian Foundation

Exposições Individuais 1991 Galeria 5, Coimbra, Portugal Portugal 1994 Galeria de Arte Periférica, Massamá, Portugal Portugal 1995 Galeria de Arte Periférica, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 1996 A Casa do Desarranjo The House of Disorder, Galeria de Arte Periférica, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 1998 Câmara Lenta Slow Motion, Casa Fernando Pessoa, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal O Circo (estudos para um Grande Amor) (The Circus: studies for a Great Passion), Galeria de Arte Periférica, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 1999 Gosto da Minha Casinha I Love my House, Galeria Fernando San-

64

tos, Porto Oporto, Portugal Portugal 2001 Eu tenho medo: lá, lá, lá, lá, lá... (I’m scared, la, la, la, la, la...), Galeria 111, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 2002 Para te fazer não tem nada que saber (It’s so easy to make you), Galeria 111, Porto Oporto, Portugal Portugal 2003 Fátifashion – Vestidos de Lã e Bolo (Fátifashion – Wool and Cake Dresses), Galeria 111, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal

Exposições Colectivas 1992 VI Bienal de Artes Plásticas, Vila Nova de Cerveira 6th Plastic Arts Biennial, Vila Nova de Cerveira, Portugal Portugal 1995 Galeria Arte Periférica, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal ARCO’95, Galeria de Arte Periférica, Madrid, Espanha Spain Forum Atlântico, Galeria de Arte Periférica, Santiago de Compostela , Espanha Spain VIII Bienal de Artes Plásticas, Vila Nova de Cerveira 8th Plastic Arts Biennial, Vila Nova de Cerveira, Portugal Portugal Lisboa Fora de Horas Lisbon after Hours, Centa, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 40 ème Salon d’Art Contenporain de Montrouge 40th Montrouge Contemporary Art Salon, Montrouge, França France FAC (Feira de Arte Contemporânea Contemporary Art Fair), Galeria de Arte Periférica, FIL, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 1996 ARCO’96, Galeria de Arte Periférica, Madrid, Espanha Spain FAC (Feira de Arte Contemporânea Contemporary Art Fair), Galeria de Arte Periférica, Exponorte, Matosinhos, Portugal Portugal 1997

ARCO’97, Galeria de Arte Periférica, Madrid, Espanha Spain II Bienal Arte Jovem 2nd Young Art Biennial, Câmara Municipal da Maia, Maia City Council, Maia, , Portugal Portugal ?????, Junta de Castilla y Léon, Valladolid, Espanha Spain II Bienal de Arte Criativa de Rijeka 2nd Rijeka Creative Art Biennial, Croácia Colectiva do 3o. Aniversário (3rd Anniversary Collective), Galeria de Arte Periférica, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal II Forum Atlântico, Galeria de Arte Periférica, Corunha, Espanha Spain FAC (Feira de Arte Contemporânea Contemporary Art Fair), Galeria de Arte Periférica, FIL, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal Bringing up Baby, onde???, Cidade do Cabo Cape City, Joanesburgo Johannesburg, África do Sul South Africa 1999 ARCO’99, Galeria Arte Periférica e Galeria Fernando Santos, Madrid, Espanha Spain Ida e Volta Return Trip, Museu de Arte Moderna de Salvador da Baía, Brasil FAC (Feira de Arte Contemporânea Contemporary Art Fair), Galeria Fernando Santos, FIL, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 2000 Feira de Colónia Cologne Fair, Galeria Fernando Santos, Colónia Cologne, Alemanha Germany 2001 ARCO’01, Galeria Fernando Santos, Madrid, Espanha Spain Circos Globulos, selected works from the Babilonia Wilner collection, Babilonia Wilner Foundation, California, E.U.A U.S.A. 8 Pintoras Portuguesas 8 Portuguese Painters, Fundação Bissaya Barreto Foundation, Coimbra, Portugal Portugal FAC (Feira de Arte Contemporânea Contemporary Art Fair), Galeria 111, FIL, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 2002 ARCO’02, Galeria 111, Madrid, Espanha Spain

Arte Contemporânea – Novas Aquisições Contemporary Art – New Acquisitions, Culturgest, Caixa Geral de Depósitos, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal Geração XXI – Cinco Artistas Portugueses em Macau Generation 21 – Five Portuguese Artists in Macao, Galeria de Exposições Temporárias do Instituto para os Assuntos cívicos e Municipais Temporary Exhibition Gallery of the Institute for Civic and Municipal Issues, Macau Macao 2003 ARCO’03, Galeria 111, Madrid, Espanha Spain Colecção de Arte Contemporânea da Caixa Geral de Depósitos Collection of Contemporary Art at the Caixa Geral de Depósitos, Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz, Espanha Spain Colectiva, Galeria111, Porto Oporto, Portugal Portugal FAL’03, Galeria 111, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 2004 ARCO’04, Galeria 111, Madrid, Espanha Spain FAL’04, Galeria 111, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal 2005 ARCO’05, Galeria 111, Madrid, Espanha Spain Em redor do papel Around the paper, Galeria 111, Porto Oporto, Portugal Portugal Frente-a-Frente Face to Face, Galeria 111, Lisboa Lisbon, Portugal Portugal

65

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.