Tiento X de primeiro tom de Antonio de Cabezón: um estudo técnico-interpretativo segundo a tratadística de tecla ibérica renascentista

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS - UEMG

RAFAEL SODRÉ DE CASTRO

Tiento X de primeiro tom de Antonio de Cabezón: um estudo técnico-interpretativo segundo a tratadística de tecla ibérica renascentista

Belo Horizonte 2010

RAFAEL SODRÉ DE CASTRO

Tiento X de primeiro tom de Antonio de Cabezón: um estudo técnico-interpretativo segundo a tratadística de tecla ibérica renascentista

Monografia apresentada à Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais para obtenção do título de Graduação em Licenciatura em Música: Habilitação em Educação Musical Escolar. Orientador: Prof. Dr. Sérgio A. Canedo Co-orientador: Prof. Ms. Marco A. Brescia

BELO HORIZONTE 2010

2010 Autorizamos a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho por meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Castro, Rafael Sodré de. Tiento X de primeiro tom de Antonio de Cabezón : um estudo técnico-interpretativo segundo a tratadística de tecla ibérica renascentista. - 2010. 87 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Sérgio A. Canedo. Monografia ( Graduação )– Universidade do Estado de Minas Gerais. Escola de Música, 2010. 1. 1. Música ibérica renascentista. 2. Tiento. 3.Instrumento de Tecla. 4. Antonio de Cabezón. I. Título. CDU: 783.1 CDU: 78.37 Bibliotecária responsável: Gilza Helena Teixeira CRB6/1765

FOLHA DE APROVAÇÃO

Rafael Sodré de Castro Tiento X de primeiro tom de Antonio de Cabezón: um estudo técnico-interpretativo segundo a tratadística de tecla ibérica renascentista Monografia apresentada à Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais para obtenção do título de Graduação em Licenciatura em Música: Habilitação em Educação Musical Escolar.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio A. Canedo Co-orientador: Prof. Ms. Marco A. Brescia Aprovado em:

Banca Examinadora

___________________________________________________________________ Prof. Ms. Domingos Sávio Lins Brandão UEMG

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Moacyr Laterza Filho UEMG

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Antônio Canedo UEMG

AGRADECIMENTOS

Agradeço, em especial:

Ao professor Marco Aurélio Brescia, por me apresentar ao universo do órgão ibérico e me guiar durante esse duro processo de aprendizagem.

Ao professor Sérgio Canedo, pelo convívio e forte apoio durante todo curso de graduação, que culminou na realização deste trabalho.

À Ellen, que tem pacientemente caminhado ao meu lado por todos esses anos, me ajudando sempre com boa vontade.

Aos professores Mário Orsini, Domingos Sávio e Moacyr Laterza, dentre outros, por terem ampliado meu horizonte quanto à música antiga e à pesquisa em música.

Agradeço também aos meus pais, ao colega Antonio Olimpio Nogueira, professores, funcionários e colegas da Escola de Música; Enfim, a todos que, de alguma maneira, me auxiliaram no cumprimento da minha jornada de graduação e na realização deste trabalho.

“Eu não conheço entre os compositores para clavicórdio e órgão de todos os tempos, outro, [além de Antonio de Cabezón,] que por causa de sua espiritualidade musical, profundidade e nobre gravidade de intenção, austeridade, sublimidade de ideias e completa maestria contrapontística, lhe pertença estar mais propriamente em companhia de Bach.”

Willi Apel (1893-1988)

RESUMO

CASTRO, Rafael Sodré de. Tiento X de primeiro tom de Antonio de Cabezón: um estudo técnico-interpretativo segundo a tratadística de tecla ibérica renascentista. 2010. Monografia (Licenciatura em Música - Habilitação em Educação Musical Escolar) - Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte.

Este trabalho visa refletir sobre uma das práticas musicais mais importantes na Espanha renascentista, a arte de tanger instrumentos de tecla, valendo-se para tanto de um estudo acerca de uma obra específica: o Tiento X, de Antonio de Cabezón, renomado músico da época. As condições socioeconômicas e políticas possibilitaram o desenvolvimento de um fazer musical próprio na península ibérica do século XVI. A forte ligação entre música, Estado e Igreja alimentou uma prática organística essencialmente paralitúrgica que sofreu influências e influenciou, ao longo de sua história, diversas outras escolas quanto à organaria e quanto à prática musical. A pesquisa foi realizada com base em estudos teóricos sobre essa prática musical - a nível da forma musical, registração, digitação, ornamentação e temperamento - e considerou, sobretudo, estudos contemporâneos que dão suporte ao estudo da obra aqui abordada. Através dessa pesquisa, buscamos não só uma contextualização da obra e do autor no seu tempo, mas também uma reinterpretação temporal desta obra, que ocorre através da sugestão prática ao final do trabalho.

Palavras-chave: Música ibérica renascentista. Instrumento de tecla. Tiento. Cabezón.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 - Península ibérica de 1270-1492.......................................................................

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Mapa 2 - Reino da Espanha Regni Hispaniae post omium editiones locupletissima 16 d e s c r i p t i o E s p a ñ a , 1 5 9 2 - ? . E d i t a d o p o r J o h a m 16 Bussemecher.................................................................................................................... 16

Figura 1 - Capa do Tratado de Glosas (1553), de Diego Ortiz.......................................

25

Figura 2 - Capa do tratado Declaración de Instrumentos Musicales (1555), de Juan 28 Bermudo........................................................................................................................... 28 Figura 3 - Capa do tratado Arte de Tañer Fantasía (1565), de Tomás de Santa Maria... 34 Figura 4 - Quadro de Ornamentos...................................................................................

53

Figura 5 - Órgão portativo (escultura); século XIV. Museu dos Agostinhos, 57 Toulouse........................................................................................................................... 57 Figura 6 - Órgão positivo de mesa. A Dama e o Unicórnio (tapeçaria). Início do 57 século XVI; Museu de Cluny - Paris...............................................................................

57

Figura 7 - Grande órgão Miguel Hengsberg [1695] e D. Benito Gomes, 1726. Igreja 58 do Mosteiro de Santa Cruz, Coimbra, Portugal............................................................... 58 Figura 8 - Tiento X (edição de Hernando de Cabezón)................................................... 66 Figura 9 - Tiento X (edição de Felipe Pedrell)................................................................

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Figura 10 - Tiento X (edição de Higino Anglés).............................................................

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Figura 11 - Tiento X (edição ornamentada)..................................................................... 75

SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................ 10 CAPÍTULO 1: CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL: ASPECTOS HISTÓRICOS E 13 MUSICAIS NA PENÍNSULA IBÉRICA NO SÉC. XVI.............................................. 13 CAPÍTULO 2: ANTONIO DE CABEZÓN, ORGANISTA DA CAPILLA REAL...... 20 CAPÍTULO 3: A TRATADÍSTICA IBÉRICA DO SÉC. XVI..................................... 24 3.1 Tratado de Glosas (1553), de Diego Ortiz.................................................. 25 3.2 Declaración de Instrumentos Musicales (1555), de Juan Bermudo............ 28 3.3 Arte de Tañer Fantasía (1565), de Tomás de Santa Maria............................ 34 3.4 Comparação dos Tratados Abordados........................................................... 47 CAPÍTULO 4: O ÓRGÃO CASTELHANO E A PRÁTICA ORGANÍSTICA......... 55 CAPÍTULO 5: FORMAS NA MÚSICA IBÉRICA RENASCENTISTA: O 63 TIENTO............................................................................................................................. 63 CAPÍTULO 6: TIENTO X DE PRIMEIRO TOM........................................................ 66 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................... 78 REFERÊNCIAS............................................................................................................... 80 ANEXOS............................................................................................................................ 83

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INTRODUÇÃO

O resgate histórico é um trabalho importante por excelência: através da reconstrução do passado pode-se compreender melhor não só uma sociedade distante da nossa no tempo e espaço, mas também conhecer as próprias origens e as bases que engendram a nossa história.

Embora vários conceitos importantes como política e economia sejam utilizados para relacionar culturas, as artes desempenham um importante papel de reconhecimento, pois é também através do legado artístico que se valoram importantes sociedades do passado. A música, assim como as outras artes, apresenta outra característica que excede a estética e também diz respeito a todos os outros elementos que compõem qualquer organização social. Essa ligação da música com os outros aspectos humanos é lembrada por Harnoncourt, em seu Discurso dos Sons:

Obviamente a música não é intemporal, ao contrário, está ligada ao seu tempo, e como toda expressão cultural do homem, é de importância primordial para sua vida. Durante um milênio, música e vida caminharam juntas no panorama musical do Ocidente, o que quer dizer que a música era parte essencial da vida (...). (p. 24).

Uma das principais diferenças nos registros históricos obtidos através da música e das artes visuais é o distanciamento causado pela natureza das obras em questão: a música, enquanto arte temporal, não existe a todo instante, restando apenas o registro escrito - mero resquício - de uma obra musical. Já as artes visuais, que existem apenas no espaço, sobrevivem ainda como uma viva janela para o passado. A partitura, ao contrário de uma pintura, não é uma obra artística e sim apenas seu registro. Como outros registros, ela é constituída de diversos signos cujos significados musicais podem pertencer especificamente a uma época e a um lugar, o que aumenta as possibilidades interpretativas de diversos sinais grafados em partituras. Se o músico tem realmente a missão de transmitir toda a herança musical - em toda a extensão daquilo que nos interessa - e não só nos seus aspectos estéticos e técnicos, para isso ele precisa adquirir os conhecimentos necessários. Não há outra solução possível (Idem, p. 18).

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Existe uma grande variedade de discursos musicais. Essa diversidade pode ser facilmente percebida ao compararmos obras musicais produzidas em diferentes partes do mundo ou, ainda, ao confrontarmos obras oriundas de diferentes épocas. Segundo Harnoncourt, quanto mais nos esforçamos para compreender e apreender esta música, mais percebemos o quanto ela ultrapassa a beleza e o quanto ela nos perturba e nos inquieta pela diversidade de sua linguagem (Op.Cit., p. 15). As tentativas de resgatar procedimentos interpretativos próprios a uma determinada época são um importante foco de pesquisa musicológica e têm ocupado ao longo do século XX músicos e pesquisadores de renome como Nikolaus Harnoncourt, Gustav Leonhardt, Ralph Kirkpatrick, Macario Santiago Kastner, Dionisio Preciado, Higino Anglés, Montserrat Torrent e Luigi Ferdinando Tagliavini, dentre outros. A partir sobretudo de 1960, vários grupos musicais - do Concentus Musicus Wien, fundado em 1953 por Harnoncourt; aos “novos” Il Giardino Armonico, Hespèrion XXI, Les Arts Florissants e L’Arpeggiata - têm mudado a forma de se entender e executar as obras musicais dos séculos passados. No Brasil esta prática também tem ganhado notoriedade, e em grandes centros universitários há departamentos e cursos especializados em música antiga, além de importantes festivais de tradição como o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga de Juiz de Fora.

Entretanto, a música antiga ainda ocupa um lugar de pouco prestígio na formação acadêmica oficial de músicos, e a situação é ainda mais crítica quando o foco recai sobre um repertório específico. A hegemonia cultural franco-germânica tornou outras manifestações musicais - sobretudo em instrumentos de tecla - menos difundidas no meio musical brasileiro: nas escolas de música brasileiras estudam-se formas como corais, prelúdios, fugas, tocatas, partitas, messes, versets, hymnes e suites, mas dificilmente nos deparamos com formas ibéricas, tais como tientos, versos, fabordones, himnos, diferencias, glosados, batallas, ensaladas, xácaras e pasacalles. Da mesma maneira, autores importantes da música ibérica de tecla como Antonio de Cabezón, Aguilera de Heredia, Correa de Arauxo, Pablo Bruna, Rodrigues Coelho, Juan Bautista Cabanilles, Pablo Nassare, Pedro de Araújo, Carlos Seixas ou Antonio Soler permanecem à margem do repertório de grande parte dos músicos brasileiros que se dedicam à interpretação histórica da música de tecla. A Escola de tecla ibérica do século XVI possui várias peculiaridades: formas diferentes das demais escolas,

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assim como diferenças na registração, ornamentação e até na nomenclatura de diversos termos, diferindo da terminologia franco-germânica que se difunde hoje no Brasil. Os tratados, assim como os compositores dessa escola, aparecem com escassez nas bibliotecas brasileiras e, consequentemente, no repertório de músicos brasileiros, contrariando a importância histórica e a repercussão da música ibérica na América Portuguesa.

Além de uma cultura musical genérica, o bom intérprete carece também de manuais específicos para interpretar obras determinadas. Existem diversos tratados que são em essência verdadeiros manuais de instrução, informando ao músico como ele deve ler e interpretar as obras de certas escolas. Ainda que não seja possível indicar com precisão como determinada obra ou instrumento soavam há quase quinhentos anos, a reconstrução histórica musical envolve uma pesquisa que abrange, além do estudo crítico das fontes musicais, a construção de um arcabouço teórico-interpretativo sólido, que nos permita abordar essas fontes sob uma perspectiva de recriação histórica, à luz da contemporaneidade.

No presente trabalho pretendemos relacionar, portanto, as práticas sociais e musicais na península ibérica do século XVI com o Tiento X de Antonio de Cabezón (ca. 1510-1566), importante músico da Capilla Real de Felipe II, apresentando ao final uma proposta interpretativa do tiento, entre tantas outras possíveis; buscamos, em essência, difundir compositores e tratadistas importantes para a História da Música Ocidental e, em particular, para a história da Península Ibérica e da América Portuguesa.

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CAPÍTULO 1 - CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL - ASPECTOS HISTÓRICOS E MUSICAIS NA PENÍNSULA IBÉRICA NO SÉCULO XVI.

Com o casamento de Isabel de Castela e Fernando de Aragão em 1474, a Espanha consolidou as bases da unidade política do seu território, o que possibilitou seu fortalecimento político, assim como a expansão territorial. Em 1492, Granada, último reduto do poderio muçulmano, caia nas mãos dos Reis Católicos enquanto Cristóvão Colombo zarpava com suas caravelas de Sanlúcar de Barrameda em direção às "Índias", para descobrir e conquistar novos espaços em benefício da fé católica e dos reinos da Espanha (JAMBOU, 1988, p. 3). A descoberta do novo continente e o descobrimento quase imediato de riquezas na América Espanhola influenciaram de forma expressiva a economia da Península. Apesar das diferenças no processo de colonização, este momento é atinente às Américas Portuguesa e Espanhola, que receberam diversas ordens religiosas européias, como Franciscanos, Jesuítas e Carmelitas, mormente, cuja função era a de catequizar os nativos americanos; dentre essas ordens, músicos que trouxeram a religiosa música ibérica e obras originais ou adaptadas de músicos como Antonio de Cabezón e Pedro de Cristo para o novo continente. 1

Esse contexto político-econômico estável tornou o ambiente ibérico - sobretudo o espanhol - propício a mudanças diversas no campo artístico. A transformação arquitetônica do castelo em palácio (GUDIOL, 1964, p. 198), ocorrida no início do renascimento, reflete bem o moral espanhol após a descoberta das Américas e o fim de uma longa batalha contra os mouros.

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Encarte do CD Mil Suspiros Dió Maria - Sacred and secular music from the Brazilian Renaissance, gravadora Continens Paradisi.

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Mapa 1 - Península ibérica de 1270-1492, contendo a divisão territorial dos reinos2 .

Com a integração do Reino de Navarra às coroas espanholas, em 1512, o mapa geográfico moderno da Espanha foi definido. Em 1580, Felipe II, que aproveita seus direitos à sucessão portuguesa, unirá Portugal aos territórios de seu império até 1640, sob o reinado de Felipe IV.

No que concerne à unificação territorial da Espanha sob a união das coroas castelhana e aragonesa, ao casarem-se, os Reis Católicos não criam uma unidade nacional efetiva: cada soberano conserva suas prerrogativas e seu poder independente dentro dos limites de seus respectivos territórios. A unidade da península é somente geográfica, de justaposição de territórios, de reinos, que seguem guardando, durante dois séculos, não somente suas tradições como também seus foros e privilégios, peculiaridades jurídicas e

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Disponível em http://www.learnnc.org/lp/media/uploads/2007/09/1492spain.jpg, visualizado no dia 27/05/2009.

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legislativas. As duas Coroas só recairiam sob o mesmo cetro com Carlos I, embora ambas tenham seguido, de certa forma, independentes e zelosas de seus próprios direitos.

A coroa de Castela reunia três quartos do território da península ibérica e a maior parte da sua população total, de aproximadamente 11.500.000 de habitantes em 1600. A coroa castelhana agrupava os territórios da Galícia, das Províncias Vascongadas, Navarra, Leão, as duas Castelas, Andaluzia e Murcia.

Ao longo do século XVI, Castela se caracteriza por seu maior dinamismo econômico, pelo poder expansivo de sua cultura e de sua política: a conquista dos territórios americanos é um feito castelhano e sua colonização leva a marca de sua Coroa. No decorrer dos séculos, Castela marcará a exportação de órgãos com a nascente organaria hispanoamericana. Naturalmente, dentro da península, as terras da Coroa de Castela não apresentam uma homogeneidade absoluta e entre umas e outras existem diferenças. No entanto, segundo Louis Jambou, sua cultura, idioma e dinâmica econômica, fazem da Coroa de Castela um poderoso integrador em todos os campos; dentre os quais, evidentemente, não estará ausente a organaria, apesar da multiplicidade de centros de criação. A respeito da Coroa de Aragão, escreveu o historiador do órgão espanhol:

A coroa de Aragão se apresenta como a federação de vários reinos: Aragão, Valência e Condado da Catalunha, ao qual estão unidas as ilhas Baleares. Seus próprios organismos representativos, as Cortes, legislam separadamente e com maior eficácia que as de Castela, que cairão em desuso sob o reinado de Felipe II. Cada reino tem suas “cortes” e o único alicerce unificador que os liga ao Rei de Espanha é seu representante, o vice-rei, que vela pela aplicação das diretrizes centrais. Desde logo este fracionamento interno da Coroa de Aragão poderia tender a suscitar uma eclosão cultural múltipla e diversa (JAMBOU, 1988, página 4).

Além dessas considerações políticas, faz-se necessário levar em conta certos elementos naturais da geografia ibérica. O litoral mediterrâneo permite uma comunicação constante entre Barcelona e Valência e um ir e vir permanente de pessoas, bens e ideias. Até o Oeste, Aragão e seu centro Zaragoza, todas as correntes eram constantes, ainda que mais intermitentes em Barcelona e Valência. Herança da política da Reconquista contra os mouros

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na Idade Média, estas implicações e transvases se manterão vivos durante os séculos XVI e XVII (JAMBOU, 1988, p. 4).

Mapa 2 - Regni Hispaniae post omium editiones locupletissima descriptio España, 1592 - ?. Editado por Joham Bussemecher 3.

No campo da música, o intercâmbio entre estes territórios será feito com a mesma freqüência. Já entre as Coroas de Castela e de Aragão, os intercâmbios de músicos não serão excepcionais, ainda que isso não ocasione forçosamente orientações estilísticas distintas. Em ambas as Coroas era vigente, até 1718, a lei de naturalização que proibia ou, pelo menos, dificultava a ocupação de cargos oficiais, civis ou eclesiásticos, em um centro que não pertencesse à Coroa de onde o pretendente fosse natural (GILBERT apud JAMBOU, 1988, p. 4)4. Essa lei, recordada pelos reis em múltiplas ocasiões, se impõe no campo musical principalmente entre os músicos práticos - mestres de capela, organistas, cantores... - das 3

Disponível em http://bdh.bne.es/bnesearch/CompleteSearch.do?text=&field2Op=AND&field1val=Mapas +españa&numfields=3&field3Op=AND&field3=todos&field3val=&field2=todos&field1Op=AND&exact=&ad vanced=true&field1=coleccion&media=&field2val=&pageSize=1&pageNumber=55 (Visualizado em 29/04/10). 4

GILBERT, Rafael. La condición de los extranjeros en el antiguo derecho español apud JAMBOU, Op. Cit., 1988, p. 4.

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catedrais e colegiadas 5 mais que aos organeiros, que se deslocavam livremente para o exercício da sua arte. No entanto, os mestres na arte da organeria assentados e estabelecidos em uma terra não correspondente a sua Coroa serão pouco numerosos e sua atuação se limitará a breves excursões e realizações esporádicas (JAMBOU, Algunos músicos "extranjeros" en Castilla apud JAMBOU, 1988, p. 4)6. Alguns desses mestres viajam muito dentro dos limites das duas Coroas e, exceto os casos de assentamento, as fronteiras entre ambas não são tão impermeáveis para evitar certos transvases, convergências e interferências nas preocupações técnicas e estéticas.

A supramencionada divisão político-administrativa do território espanhol, durante os séculos XVI-XVII, perfila algumas tendências da organaria da Península e impõe, nessa primeira fase de sua evolução, dois grandes blocos, que correspondem às duas Coroas. Assim, Aragão será, em pouco tempo, a ligação entre as escolas catalã-valenciana e a castelhana. Sobretudo em Castela, as peculiaridades de cada território coligado, assim como a divisão eclesiástica em dioceses, favoreceram a eclosão de uma multiplicidade de centros de organaria, a maioria deles correspondentes às sedes episcopais. Nascem ao amparo dos cabidos7 catedralícios e das quarenta e oito dioceses que delineiam a geografia eclesiástica da Espanha no início do século XVI, cujo número, no final do século, ascendeu a cinquenta e três. Naturalmente, não se pode pensar que cada uma destas sedes episcopais corresponda a um centro de organaria. Apesar de estas dioceses terem sido mecenas de numerosas obras de arte, os mecanismos administrativos que empregavam para promover os encargos aos artistas e a realização de suas obras, não são bem conhecidos (JAMBOU, 1988, p. 5).

Esses centros catedralícios ou episcopais não eram únicos: outros nasceram em povoados pequenos sem designação particular para tal implantação, mas seriam instituídos amparados pela vocação musical de um frade, de um monge ou ainda pelo assentamento de 5

Igreja onde há uma corporação (também chamada de Colegiada) de sacerdotes que têm honras, obrigações e funções de cônegos nas igrejas em que não há bispo [HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa]. 6

JAMBOU, Louis. Algunos músicos "extranjeros" en Castilla, in Evolución del órgano español - Siglos XVI XVIII, p. 4. 7

Conjunto de clérigos de uma catedral, igreja ou colegiada [HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa].

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algum organeiro. Neste último caso, tais centros eram marcados por seu caráter efêmero, pois extinguiam-se com o falecimento do seu protagonista. Já os centros oriundos de cenóbios8, mosteiros e conventos eram caracterizados pela sua permanência e tradição. Segundo o musicólogo Macario Santiago Kastner, em Órganos antiguos en España y Portugal: siglos XVI-XVIII, havia vários instrumentos construídos em pequenas cidades e povoados, muitas vezes afastados das principais vias de comunicação que atravessavam a península (1958, página 1). A partir do acima exposto, pode-se concluir que o enriquecimento da Espanha no século XVI, com a descoberta das Américas, a presença de uma Igreja fortemente estruturada e bem distribuída territorialmente, além da importante autonomia existente nos territórios adscritos a suas respectivas coroas, constituíram um ambiente propício ao florescimento de uma arte organária fecunda, norteada por dois conceitos instrumentais solidamente instituídos, seja nos principais meios urbanos, em torno às catedrais e colegiadas, seja ao nível paroquial ou rural.

Foram, precisamente, as particularidades político-administrativas de cada Coroa que parecem ter definido esses dois pólos de organaria no início do século XVI. Nas principais cidades - e em seus ricos e povoados arredores – quer em Castela, quer em Aragão, surgiram duas escolas distintas quanto à práxis organística e à organização do espaço sonoro. Com raízes na idade Média, seus enfoques diferenciados marcaram a história do instrumento durante quase dois séculos. Convém destacar, dentro de ambas as escolas, um outro fator que incide sobre aquele cenário, não somente nesse período como em séculos posteriores, influenciando de maneira decisiva a organaria: são as correntes invasoras externas ou internas que, no processo evolutivo do instrumento, situam-se em períodos chave de sua história, atingindo toda Península.

Vê-se, portanto, que através da disseminação territorial alcançada pelas igrejas e pela independência de seus artífice, o exercício religioso da música contribuiu com a disseminação de um estilo e uma prática musical regular - ainda que heterogênea - por toda península. Com

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Habitação de cenobitas, de monges; convento [HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa].

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isso, depurou-se uma produção artística tanto extensa quanto sofisticada, cujos aspectos merecem um continuado trabalho de abordagem.

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ANTONIO DE CABEZÓN: ORGANISTA DA CAPILLA REAL.

Antonio de Cabezón nasceu na localidade burgalesa de Castrillo de Matajudíos9, próxima a Castrojeriz, provavelmente no ano de 150910, ainda que normalmente se considere como ano provável de nascimento do organista como 1510. Filho de Sebastián de Cabezón e Maria Gutiérrez, possuidores de terras em Castrillo e entorno, Cabezón teve também pelo menos outros três irmãos: Juan, que foi também músico na Corte dos Austrias, e faleceu no mesmo ano que Antonio, em 1566; Diego, que ficou em Castrillo cuidando do patrimônio familiar, e ainda um terceiro filho cuja identidade é desconhecida.

Pouco se sabe sobre a formação musical de Antonio. Acredita-se que a cegueira que o acometeu muito cedo tenha sido um fator decisivo para a sua dedicação à música, apesar de seu irmão Juan, que não tinha deficiência visual, ter sido também organista. É provável que ambos os tangedores tenham aprendido música com algum organista em Castrojeriz, que era então uma próspera e povoada cidade, enriquecida com o comércio de lã.

Durante sua juventude, Cabezón esteve na cidade vizinha Palência, importante sede episcopal, aos cuidados de um bispo da diocese11. Kastner supõe que este “bispo-protetor” tenha sido Esteban Martínez de Cabezón, provavelmente parente de Antonio12 . Em Palência,

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Ainda que não haja prova documental do batismo, o testamento de Hernando de Cabezón, filho de Antonio, consta a seguinte fala: “mando que todos os ditos bens se partam e dividam desta maneira: da metade deles seja feita uma capela em Castrillo que é onde nasceu Antonio de Cabezón, meu senhor pai, que esteja em glória, que é no distrito de Castrojeriz...” 10

Na paróquia de San Esteban de Castrillo só se conservaram os registros batismais a partir de 1532, o que justifica a ausência do registro de Antonio. No entanto, o ano de nascimento pode ser determinado com uma margem razoável de precisão ao ler o epitáfio de Cabezón, o qual data a morte do músico em 26 de março de 1566, então com 56 anos completos. Logo, Antonio só poderia ter nascido entre 27 de março de 1509 e 26 de março de 1510, margem que elege o ano de 1509 como o mais provável. Dada a imprecisão das informações e a existência de uma segunda possibilidade amplamente divulgada, optamos por manter nas demais passagens do texto o ano de 1510, acompanhado de uma indicação de “cerca de”, como o primeiro de Antonio de Cabezón, justamente por ser a hipótese mais utilizada e sustentada pelo musicólogo Macario Santiago Kastner, ainda que haja outra relevante possibilidade. 11

Don Luis Zapata de Chaves, cronista contemporâneo de Antonio, em sua obra impressa Miscelánea o Silva de casos curiosos (1592), escreveu: “Mas voltando aos cegos de agora, ninguém dizem que igualou a Antonio de Cabezón, músico de órgão de Sua Majestade, nem agora nem em tempos passados... Vivia antes que com o rei com um bispo de Palência...” 10 Esteban

Martínez de Cabezón era cônego de Burgos desde 1497 e tomou posse como vigário geral da diocese de Palência em 22 de agosto de 1520, onde provavelmente permaneceu até novembro de 1525.

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Antonio se formou como tangedor virtuoso, e pode ter recebido lições do mestre García de Baeza, que foi recebido como racioneiro organista na catedral palentina em agosto de 1520, além de ter ocupado o posto de segundo organista na catedral de León13. Roig-Francoilí (2010), em seu artigo intitulado Antonio de Cabezón (ca. 1510-1566), nos conta que, aos dezesseis anos de idade, o autor já prestava serviços à corte espanhola, situação que perdurou por 40 anos: serviu ao imperador Carlos V e à imperatriz Isabel de Portugal até 1539, ao príncipe Felipe e às infantas D. María e D. Juana, entre 1539 e 1548, quando se tornou exclusivamente o organista de Felipe II (Cf. p. 3 Op. Cit.).

Cabezón casou-se com Luisa Núñez de Moscoso, natural de Ávila, e teve cinco filhos, todos colocados nas cortes, devido à condição de seu pai: Jerónima, que serviu a Rainha da Boêmia; María, que foi presenteada com vestidos e jóias antes de se integrar à corte da princesa D. Juana de Portugal, graças às habilidades musicais de Antonio numa viagem à Inglaterra com o rei Felipe II; Gregorio, sacerdote, mais tarde capelão de Sua Majestade; Agustín, “cantorzinho tiple” da Capilla Real, que seguramente morreu jovem, pois não é mencionado no testamento do pai, em 1564; e Hernando, músico de tecla como seu pai, sucedendo-o na corte14 . Hernando também editou várias obras de seu pai, e pode ser considerado um dos principais responsáveis pela imortalização do legado cabezoniano.

Antonio desfrutava de grande prestígio na corte espanhola, e isso também se refletia em seu ordenado: enquanto os demais músicos recebiam entre 30.000 e 40.000 maravedis 15 anuais, Cabezón ganhava 110.000 maravedis de Carlos V, número que se ascende posteriormente, com Felipe II, à quantia de 180.000 maravedis pelos serviços prestados sempre como “tangedor de tecla”, dos quais o rei manteve 50.000 à viúva após a morte de Antonio. Em 1552, outros parentes do organista também se integraram à corte: seu irmão Juan, figurando também como “tangedor de tecla”, e Augustín, o “cantorzinho tiple” (QUEROL, Op. Cit., p. 49). Outro grande nome que integrava a Capilla é o de Luis de

13

Toda informação até a presente sentença foi extraída do site da Associação dos Amigos do Órgão Antonio de Cabezón de Burgos (http://www.antoniodecabezon.org/antonio.htm). 14

QUEROL, Miquel. El Emperador Carlos V y la Música. 2005, pp. 48-49.

15 Antiga

moeda espanhola.

22

Narváez, exímio vihuelista. A capilla acompanhou Felipe II a diversas viagens ao exterior, causando a admiração principalmente pelo órgão tocado com “grande suavidade e rareza” 16 pelo “único em este gênero de música, Antonio de Cabezón outro Orfeu de nossos tempos” (ROIG-FRANCOILÍ, Op. Cit., p. 4). Em uma viagem de mais de um ano de duração à Inglaterra, as avançadas técnicas de Cabezón exerceram forte influência sobre a corte londrina, na qual se encontravam, entre outros, Thomas Tallis e William Byrd (Idem).

Cabe ressaltar que não havia nenhum grande órgão numa corte itinerante como foi a castelhana antes de 1561, de forma que Antonio tocava para proporcionar entretenimento musical de câmara ou para funções litúrgicas na capela da corte. Um órgão pequeno e portátil e um clavicórdio teriam sido os instrumentos adequados para essas funções em uma corte que mudava de sede. Entretanto, Cabezón também fazia uso dos grandes órgãos das catedrais e igrejas que acolhiam a corte temporariamente, como o órgão do Imperador, na Catedral de Toledo (Ibidem, p. 5).

No dia 26 de março de 1566 faleceu Antonio de Cabezón. Foi enterrado em Madri, no antigo templo do convento de São Francisco (Cf. QUEROL, Op. Cit., p. 49). O epitáfio latino gravado por ordem de Felipe II na tumba de Cabezón dizia: “Neste sepulcro descansa aquele privilegiado Antonio, que foi o primeiro e mais glorioso dos organistas do seu tempo. [...] Morreu, ai!, chorando toda a corte do Rei Felipe, por haver perdido tão rara jóia” (ROIGFRANCOILÍ, Op. Cit. p. 5).

Infelizmente, não subsiste um retrato do ilustre compositor de que aqui se trata:

Em 1734 um incêndio destruiu o Alcázar de Madri, sede da corte real antecessora ao atual Palácio Real. Nesse incêndio foi consumido o único retrato que poderia nos ter chegado de um dos mais insignes compositores da história musical espanhola, Antonio de Cabezón. O retrato do organista cego dos dois monarcas mais poderosos do século XVI, Carlos V e Felipe II, realizados por Alonso Sánchez Coello, se menciona nos inventários do Alcázar até 1700, mas não depois do incêndio (Ibidem, p. 2).

16

Estas falas foram proferidas pelo cronista real Juan Cristóbal Calvete de la Estrella, numa missa solene em Génova.

23

As obras musicais de Antonio de Cabezón aparecem na publicação de Venegas de Henestrosa chamada Libro de Cifra Nueva, de 1557, além da compilação de Hernando das obras do pai, intitulada

Obras de música para tecla, arpa y vihuela de Antonio de Cabezón. Músico de la Cámara y capilla del Rey Don Philippo nuestro Señor, recopiladas y puestas en cifra por Hernando de Cabezón su hijo, ansimesmo músico de camara y capilla de su Majestad, dedicadas a la S.C.R.M. del Rey Don Philippo nuestro Señor... Impresas en Madrid en casa de Francisco Sánchez. Año de M.D.L.XXVIII.

Entre as obras encontram-se peças de caráter litúrgico (como himnos, kyries, versos e fabordones) e secular (glosados e diferencias). A forma musical mais importante desenvolvida por Cabezón pode ser considerada o tiento organístico, que será abordado em capítulo posterior.

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CAPÍTULO 3: A TRATADÍSTICA NO RENASCIMENTO IBÉRICO: ORTIZ, BERMUDO E SANTA MARIA.

Neste capítulo, pretende-se abordar e comparar as três fontes primaciais que fundamentam as escolhas práticas e teóricas empregadas em nosso modelo do Tiento X de Primeiro Tom, de Antonio de Cabezón.

Os seguintes textos terão como referência primária o Trattado17 de Glofas fobre claufulas y otros generos depuntos en la Mufica de Violones nueuamente puestos en luz, de Diego Ortiz, publicado em 1553; Declaraciõ de instrumẽtos muficales, de Juan Bermudo, publicado em 1555; e Arte de tañer Fantafía, asfi para Tecla como para vihuela e todo instrumẽto, en que se pudiere tañer a tres, y a quatro vozes, y a mas, de Tomás de Santa Maria, publicado em 1565.

Apesar de empregar muita cautela ao traduzir e interpretar os textos, dado o distanciamento causado pelo idioma original - espanhol antigo - e sua sintaxe particular, as informações extraídas dos tratados não foram traduzidas literalmente, e sim dentro de uma inferência contemporânea, adequando a pontuação do texto original e modificando a estruturação do mesmo, a fim de preservar o máximo do significado e facilitar o entendimento. Esta tentativa busca, em primeiro plano, atingir o conteúdo das obras em questão, respeitando sua integridade.

17

Nos títulos integrais das obras dispostos acima, buscamos preservar a pontuação e grafias originais, enquanto que, no restante do texto, os títulos apresentarão grafia contemporânea.

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TRATADO DE GLOSAS (1553) DE DIEGO ORTIZ.

Figura 1 - Capa do Tratado de Glosas, 1553

Diego Ortiz (Toledo, ca. 1510 - Nápoles, ca. 1570) foi mestre de capela dos vice-reis espanhóis de Nápoles ao menos desde 1553, indo até, possivelmente, o seu falecimento. Publicou dois livros de música: em 1565, em Veneza, Musices liber primus, dedicado a Pedro Afán de Rivera, duque de Alcalá, então vice-rei de Nápoles. Anteriormente Ortiz publicou, em 1553, o livro de que aqui se trata, sendo editado em Roma em espanhol e italiano. O título da edição espanhola é: Trattado de glosas sobre cláusulas y otros géneros de puntos en la música de violones nuevamente puestos en luz. Desta edição só se conserva um único exemplar, localizado em Berlim. O título da edição italiana é: Glose sopra le cadenze et altre sorte de punti in la musica del violone. A dedicatória, a Dom Pedro de Urríes, foi escrita em Nápoles. O violone de que aqui se trata é a vihuela de arco18, e o livro de Ortiz é a única obra espanhola dedicada a este instrumento. Também é um dos primeiros tratados publicados na 18

Termo genérico para qualquer instrumento cordofone tocado com arco [SADIE, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians].

26

Europa sobre ornamentação, a glosa 19. Pela enorme riqueza de seu conteúdo e pelos exemplos que traz, este tratado é fonte indispensável para o conhecimento da prática musical instrumental do século XVI.20 Para compor o texto abaixo foi utilizado essencialmente o texto contido entre os fólios 3 recto e 72 verso do Tratado, que é composto em essência por curtos textos e numerosos exemplos e quadros de glosas.

Ortiz idealizou seu Tratado de Glosas como um manual de consulta, operado sempre que houver uma clausula21 ou ponto22 importante sobre o qual se deseja glosar. O autor separa as glosas em clausulas - divididas pelos seus respectivos modos e intervalos organizados pelo intervalo melódico e pela duração das figuras rítmicas.

Segundo Ortiz, há 3 maneiras de se glosar:

Considerada a mais perfeita, a primeira maneira se baseia em começar e terminar a glosa no mesmo ponto, antes de chegar ao ponto final.

A segunda maneira se permite um pouco mais de licença, pois quando se muda de um ponto a outro através de uma glosa não há a obrigatoriedade de se voltar ao ponto inicial para passar ao segundo ponto, como no primeiro caso.

A terceira maneira consiste em sair da composição de maneira livre, retornando à obra somente em alguma clausula ou outro momento que o instrumentista já tenha 19

Um termo comumente usado durante o século XVI por músicos espanhóis, para definir uma técnica em voga entre poetas, que designa variações similares às diferencias, mas geralmente sobre um tema menos extenso e religioso (...). O termo foi também utilizado como sinônimo de ornamentação musical, como por exemplo no Tratado de Glosas de Diego Ortiz [SADIE, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians]. 20

Informação encontrada na Biblioteca Digital Hispânica (http://bibliotecadigitalhispanica.bne.es:80/R/ 4QTCDTRD25NRXA5CD9LEBKGE27A8VJRP85IMKE237ILIIMTLQH-05573?func=results-jumpfull&set_entry=000005), visualizada em 15/10/2009. 21

Termo medieval, significando a conclusão de uma passagem (ou a própria passagem assim concluída), utilizado na teoria musical medieval com igual gama de significados [SADIE, Stanley. Dicionário Grove de música: edição concisa]. Seria um termo antigo equivalente à cadência. 22

Nos tratados abordados se utiliza com frequência o termo punto, ou ponto, ao invés de nota. Buscou-se aqui preservar tal terminologia. Também foi utilizada a expressão pontos consecutivos ao invés de graus conjuntos.

27

memorizado. Neste caso, o tangedor23 muitas vezes desrespeita as medidas de compasso. Ortiz condena esta terceira maneira, pois esta não tem perfeição24 alguma.

O segundo livro apresenta várias recercadas25, a tratar das formas de se tocar o violone solo (na primeira recercada) e juntamente com um instrumento de tecla, nas demais. Segundo o autor, há 3 maneiras diferentes de executar tal tarefa:

1: Fantasia: é realizada à maneira dos intérpretes. Entretanto, exige-se em sua execução que quando o violone executar glosas seja acompanhado pelo instrumento de teclas com consonâncias bem ordenadas, ao passo que, quando o violone executar passagens em canto llano26, lhe responda com outras glosas, a modo de contraponto concertado27.

2: Canto Llano: o instrumento de teclas deve executar o acompanhamento com acordes consonantes e contraponto livre.

3: Cosas Compuestas: consiste em transcrever peças polifônicas - tais como o Madrigal e o Moteto - para instrumento de teclas e violone, geralmente com muitas glosas, pasos largos ou mesmo uma voz inteiramente glosada. Ortiz sugere que o instrumento de tecla não execute o tiple28, deixando este a cargo do violone. É possível também o acréscimo de uma quinta voz.

23

Instrumentista; tocador.

24

Neste caso, a palavra perfeição pode ser entendida como clareza.

25Recercada

é uma forma utilizada por Ortiz na qual o autor busca um determinado tipo de ornamentação aplicado a uma matriz musical, seja um tema ou obra definida, seja um ostinato armonico. 26

Cantochão.

27

O mesmo que contraponto imitativo.

28

Voz aguda.

28

DECLARACIÓN DE INSTRUMENTOS MUSICALES (1555), DE JUAN BERMUDO.

Figura 2 - Capa do tratado Declaración de Instrumentos Musicales, 1555.

29

A Declaración de Instrumentos Musicales é um tratado renascentista escrito pelo compositor espanhol Juan Bermudo e uma fonte de informação de primeira importância para o desenvolvimento da música instrumental e evolução do pensamento musical no século XVI. Tudo o que se conhece da vida de Bermudo é através de sua obra. Nasceu em Écija, possivelmente no ano de 1510, e provavelmente foi autodidata quanto à arte musical, uma vez que não era músico de profissão: estudou matemática na Universidade de Alcalá de Henares, onde seguiu o programa clássico das Artes Liberais, Trivium e Quadrivium, como ele mesmo declara, dizendo que “ouviu as Matemáticas” (BERMUDO, Op. Cit., fol. 1 recto). Em 1549 Bermudo publicou o Libro Primero, onde se pode apreciar os progressos da técnica instrumental do momento. Esta primeira edição da Declaración é um resumo do que pretendiam ser quatro livros separados. Um ano mais tarde publica seu livro Arte tripharia; o término tripharia se refere à divisão dos instrumentos musicais, que Bermudo classifica em três grupos: o natural (voz humana), o artificial (instrumentos de cordas ou tecla, com exceção do órgão) e o intermedio (instrumentos de ar, incluindo o órgão). Em 1555 publica o livro chamado Declaración de instrumentos musicales, dedicado a Juan de Zúñiga, conde de Miranda. Nesta edição se inclui uma série de composicões originais com o fim didático de ensinar as técnicas de composição habituais da sua época. Compreende sete livros, ainda que não tenham sido impressos o sexto e o sétimo livros, em função do alto preço do papel. Neles combinam-se muitos dos tratados das edições anteriores, e o quarto livro, dirigido a estudantes da universidade, é um livro de texto de instrução para aqueles que pudessem saber o canto llano e a entonação dos salmos, de órgão, monocórdio e vihuela. O quinto livro, com prólogo de Cristóbal de Morales, inclui composições completas. No colofão se adverte que esta obra contém 12 coisas novas, figurando, em primeiro lugar, uma vihuela de sete ordens 29 com temple30 novo. 31

A presente edição, apresentada pelo musicólogo Macário Santiago Kastner (ed. Bärenreiter, 1955, 142f. Fac-símile), é separada, portanto, em apenas cinco livros: 29

Sete cordas.

30

Temperamento.

31

Informação encontrada na Biblioteca Digital Hispânica (http://bibliotecadigitalhispanica.bne.es:80/webclient/ D e l i v e r y M a n a g e r ? application=DIGITOOL-3&owner=resourcediscovery&custom_att_2=simple_viewer&pid=206425), visualizado no dia 25/01/2010.

30

• Livro I: Alabanzas de Música. • Livro II: De canto llano, De canto de órgano, Del monacordio [clavicórdio], De vihuela. • Livro III: De canto llano, De canto de órgano. • Livro IV: De tañer órgano, De tañer vihuela, De tañer harpa. • Livro V: De composición.

Interessa para este trabalho acerca do Tiento X de Primeiro Tom de Antonio de Cabezón (ca.1510 - 1566) apenas alguns capítulos pertencentes ao quarto livro, pois este trata do modo de tocar profundíssima e certamente todo género de instrumentos de tecla e corda com grandes particularidades, novidades e segredos postos em artifício, e clareza, e primeiro de entender e tocar o órgão: composto pelo muito reverendo padre frei Juan Bermudo e que agora novamente sai à luz. O texto abaixo foi extraído essencialmente do fólio lx. recto ao lxvj verso do presente livro.

O primeiro capítulo deste livro é formado por vários avisos aos músicos:

para ser um tangedor, ainda que entenda todos meus livros, [isto] não basta sem trabalho. A diferença entre os tangedores de arte32 e de uso33 é que o de arte é breve e certo, enquanto o de uso é demorado e de todo incerto. Nunca vi homem que se possa dizer tangedor que não passou vinte anos de estudo contínuo. (BERMUDO, f. lx recto, 1955).

O principal para um tangedor, segundo Bermudo, é a postura das mãos e, por conseguinte, a digitação: com que dedos deve-se ascender e descender para, com facilidade, executar as passagens difíceis, e com quais dedos redoblar34 e em quais teclas. O autor também recomenda um repertório para o aprendizado do órgão, formado primeiramente pelos

32

Tangedores de excelência.

33 Aqueles 34

que não são tangedores excepcionais.

Bermudo faz uso do verbo redoblar, o qual também adotamos em nosso trabalho.

31

villancicos35 sem maior complexidade de Juan Vazques e depois pela música de Josquin [Desprez], de Adriano [Willaert?], de Iachet [?] mantovano, do mestre Figueiroa, de Morales, de Gomberth e de outros compositores semelhantes. Bermudo adverte aos tangedores para não trabalharem músicas compostas sobre o monocórdio36 , pois essas obras contêm grandes faltas, excetuando-se as obras musicais de excelentes músicos: Iaun racioneiro da igreja de Málaga; o racioneiro Villada da igreja de Sevilha; Mosen da vila em Barcelona e Francisco de Soto e António de Cabezón, organistas de sua majestade, entre outros músicos que o autor afirma não apontar simplesmente por desconhecê-los. Quando o discípulo desta maneira entende o monocórdio e a composição de música, tomará gosto pelo contraponto e por todo primor da composição, não se contentando em ser um bom tangedor, será também músico [compositor; improvisador].

Capítulo II: dos redobles37 e com que dedos se executam as consonâncias.

Há dois tipos de redobles na arte de tanger o monocórdio: um é de tom e outro de semitom38. O que determina qual das duas maneiras se vai escolher é o modo e a tecla em que se pretende executar o redoble. Se é um quarto tom, e golpeia a tecla elami [mi], fará o redoble em ffaut [fá natural]: porque é assim este modo. E se golpeia o alamire [lá], pode redoblar na tecla mi de befab [o quer dizer, na prática, lá - si natural - lá], porque esta tecla é a essência deste modo. (BERMUDO, fol. lx. verso). Segundo Bermudo, basta verificar as teclas próximas à nota real que são pertencentes ao modo da música que se executa: nestes pontos, independentemente se o intervalo é de semitom ou de tom, os redobles podem ser feitos.

35

Termo aplicado pela primeira vez no final do século XV para uma forma musical e poética em espanhol vernacular que consiste em várias estrofes (coplas) emolduradas por um refrão (estribillo) no início e no fim, dando uma estrutura global ABA [SADIE, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians]. 36

Clavicórdio.

37

Cf. o quadro de ornamentos na página 53.

38

Este redoble que Bermudo trata aqui é o mesmo que o quiebro sencillo descrito no Arte de Tañer Fantasía, de Tomás de Santa Maria. A literatura contemporânea também adota o termo quiebro sencillo.

32

Existem redobles com o ponto superior e com o ponto inferior à nota real, embora, segundo Bermudo, diz-se que o redoble feito com o ponto inferior não é gracioso. No entanto, o autor aconselha que o tangedor se exercite em ambos, pois há ocasiões em que ambos podem dar graça à música. Se somente se sabe o redoble com o ponto superior e com ambas as mãos se redobla durante um intervalo simultâneo de oitavo grau, não será boa música. E se, neste mesmo caso, se redobla só com a mão direita, o resultado também é insatisfatório, uma vez que ao tangedor de tal maneira é proibido fazer glosas que deve redoblar tanto quanto puder, e que tenha tanta facilidade com a mão esquerda quanto tem com a direita.

Bermudo recomenda reservar uma hora diária para a prática dos redobles, que devem ser realizados por todos os dedos. No caso das consonâncias de oitava, quinta e terceira obtidas através de um intervalo simultâneo entre duas vozes, consegue-se uma boa harmonia ao redoblar as vozes em sentido contrário, obtendo intervalos consonantes oriundos do ornamento. Se a voz superior executa o redoble com o ponto inferior e uma voz - oitava abaixo - executa o mesmo redoble com um ponto superior, consegue-se um intervalo de sexta. Com intervalos de quinta, pode-se obter uma consonância de terceira, assim como é válido o contrário.

O autor numera os dedos das mãos da seguinte maneira: o polegar é o primeiro; o indicador o segundo; o médio o terceiro; o anelar o quarto; e o dedo mínimo o quinto. Para saber com quais dedos devem-se tomar as consonâncias, Bermudo estabelece algumas regras - que aqui preferimos chamar de recomendações, já que o próprio autor sugere flexibilidade na aplicação das mesmas. São essas:

• Para fazer um intervalo de oitava com qualquer uma das mãos se utilizam normalmente os dedos primeiro e quinto; • Se em uma oitava há três ou quatro vozes, fazem-se duas ou três com a mão esquerda e com a mão direita apenas uma. Sempre que a mão direita puder ficar livre só com o tiple isso deve ser feito para facilitar a execução dos redobles, pois estes no registro mais agudo embelezam muito a música;

33

• As consonâncias de sexta devem ser feitas com os dedos primeiro e quarto ou segundo e quinto; • As consonâncias de terceira algumas vezes são tomadas com os dedos primeiro e terceiro ou com os dedos segundo e quarto; • Quando estiver ascendendo em pasos largos39 com a mão esquerda, deve-se começar com o quarto dedo e seguir com o terceiro, segundo e primeiro. Ao descender, deve-se inverter a ordem. Caso seja necessário repetir esta ordem, tanto ascendente quanto descendente, pode-se repetir a sobredita regra; • Quando a mão direita estiver realizando os pasos largos, deve-se ascender com o primeiro dedo e seguir até o quarto. Para descender, começa-se com o quarto dedo e segue-se até o primeiro. • Durante os pasos largos, a mão que executa tal passagem deve estar preferencialmente solta e livre, sem se ocupar de outras consonâncias. Quando isso não for possível, deve-se executar os passos com os dedos que tiverem mais liberdade.

Capítulo XIII: quem tem licença para aumentar a Música.

Segundo Bermudo, um músico de bom entendimento pode inventar coisas que não foram inventadas ou que não tenha visto; ou se já as tiver visto, comunicá-las de outro modo: o que será um avanço para a arte40. Estes bons músicos têm tal licença porque a arte de bons juízos saiu, e por bons foi aprovada. Sendo assim, os músicos têm licença para aumentar a arte, mas nenhum destes deve contrariar a arte já aprovada.

39

Diatesaron; paso ou passagem melódica formada por quatro pontos consecutivos, o que, modernamente, se conhece por graus conjuntos. 40 A Música.

34

ARTE DE TAÑER FANTASÍA (1565), DE TOMÁS DE SANTA MARIA.

Figura 3 - Capa do tratado Arte de Tañer Fantasía, de 1565.

35

Tomás de Santa Maria (Madri, ca. 1510 - Ribadavia, noroeste da Espanha, 1570), foi um teórico e compositor espanhol. Se tornou frade na ordem Dominicana em Santa Maria de Atocha, Madri, em 11 de março de 1536 e serviu como organista em vários mosteiros em Castela. O autor é principalmente conhecido pelo seu tratado que aborda técnica instrumental, composição e improvisação, Arte de Tañer Fantasía (Valladolid, 1565), o qual, como indicado na página de título e prólogo, foi examinado e aprovado pelos organistas reais António e Juan de Cabezón. Orientado aos instrumentos de tecla, o tratado objetiva dar todos os subsídios necessários à execução de fantasias. Dados os capítulos 13-19, este livro constitui-se no primeiro tratado detalhado de técnica de tecla que se tem conhecimento, abordando a posição das mãos, toque, articulação, digitação (uma surpreendente abordagem progressiva usando os cinco dedos) e os dois ornamentos fundamentais, redoble e quiebro. Nos capítulos 20 a 23 a performance dos trabalhos/obras compostos e a aplicação da glosa é abordada. A primeira parte finaliza com um detalhado tratamento dos oito modos eclesiásticos, naturais e transpostos, os tons salmodiais e os tipos de clausulas.

No segundo livro, são abordados os procedimentos harmônicos, contrapontísticos e estruturais. Os capítulos 1-30 deste livro constituem uma abordagem sistemática para harmonia. Depois de um breve tratamento de dissonâncias, Santa Maria concentra-se nas consonâncias, o que significa não somente intervalos mas também acordes de quatro notas: estes foram classificados de acordo com os intervalos externos e internos, e graus de sonoridade, sistematicamente aplicados na harmonização de vários valores de notas e progressões melódicas, incluindo os fabordones. Nesses capítulos, Santa Maria apresenta a técnica da improvisação de acordes, tocando em consonâncias, baseando-se na supremacia da relação entre duas vozes: tenor (grave) e tiple (agudo), preenchidas com sonoridades verticais, que por sua vez, foram definidas por intervalos contados de baixo para cima. Isso equivale a uma primeira formulação do mesmo princípio que, no século XVII, resultou na familiar técnica de baixo contínuo. Nos capítulos 31-51, Santa Maria oferece procedimentos para construção de peças imitativas a quatro vozes, com ênfase nas técnicas de harmonia. O trabalho é concluído com um aviso aos tangedores iniciantes e com instruções para afinação de clavicórdio e vihuela. Há vários exemplos musicais completos em um tipo de notação vocal na qual cada voz tem seu próprio pentagrama e sua própria clave sem barras de

36

compasso ou alinhamento. Os exemplos vão desde breves progressões até peças completas de 40 a 50 compassos - chamadas exemplos, não fantasias - caracterizando polifonia imitativa em um estilo simples assemelhando-se aos tientos de Cabezón, mas consideravelmente variado.

O texto de Tomás de Santa Maria contém muitas repetições e elaborações sobre o que para nós hoje seria considerado óbvio - sem dúvida um produto da educação escolástica mas o trabalho é magistral por sua clareza e organização sistemática e parece inteiramente original. Arte de Tañer Fantasía fornece uma pesquisa prática e pedagógica aplicada aos mesmos gêneros, princípios estruturais e técnicas de composição que são encontrados em trabalhos de compositores como Antonio de Cabezón. Teóricos posteriores raramente mencionaram a Santa Maria, mas vários, incluindo Artufel, Cerone e Lorente, plagiaram amplamente seu trabalho41.

Ainda que cada capítulo desta obra monumental seja de interesse para a compreensão da teoria e prática musical na Espanha renascentista, por uma questão metodológica fazemos aqui um recorte do que mais interessa ao trabalho, tratando essencialmente de digitação, postura corporal, ornamentação e orientações estéticas. Foram utilizados prioritariamente os fólios

36 verso - 52 recto do primeiro livro. A parte comparativa deste trabalho aborda

questões consideradas em outras partes do livro, e por isso recebem citações mais pontuais, assim como o próximo parágrafo, que trata das propriedades dos modos.

Tomás de Santa Maria separa os modos de acordo com suas propriedades em três grupos distintos: modos de propriedade de natura; propriedade de bemol; e propriedade de bequadrado. Tais propriedades correspondem às claves, sendo assim clave de natura, clave de bequadrado e clave de bemol; o que se entende modernamente como armadura de clave. Destacam-se, entre as três, as claves bequadrado e bemol, por serem contrárias entre si. O canto bemolado é um canto brando, doce e suave. O canto bequadrado, por sua vez, é duro, rézio e áspero (SANTA MARIA, Op. Cit., Livro I; fol. 2 recto-3 recto). Santa Maria também explana sobre os sustenidos utilizados nas clausulas (SANTA MARIA, Op. Cit., Livro I; fol. 41

SADIE, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians.

37

3 verso e 63 recto), cujas funções se assemelham aos sustenidos das escalas melódica e harmônica modernas.

O autor define algumas condições necessárias para tanger fantasias 42. São essas tanger ao compasso; postura das mãos; atacar corretamente as teclas; tanger com limpeza e distinção das vozes; do modo de correr bem as mãos de uma parte a outra, ascendendo até à parte superior e descendendo à parte inferior; do modo de digitar com os dedos convenientes; tocar com bom ayre43 e fazer bons redobles e quiebros.

O primeiro item, tanger ao compasso, trata de respeitar as medidas do compasso, dedicando atenção especial à duração de cada ponto e às medidas de tempo que serão utilizadas em toda música, oriundas do modelo do primeiro compasso. Santa Maria também faz uma recomendação interessante, em especial, aos novos tangedores: a marcação do tempo utilizando o pé, enquanto se tange o instrumento.

Para tratar da segunda condição, postura das mãos, o dominicano adota a numeração dos dedos de ambas as mãos de maneira espelhada e convencional: polegar 1, indicador 2, médio 3, anelar 4, mínimo 5. Também descreve, através de uma série bem ordenada, a postura de mãos conhecida atualmente como pata de gato, embora Santa Maria utilize o termo mão de gato. Entre os dedos e as mãos não deve haver concavidade alguma; e os dedos devem estar flexionados em arco e acima das mãos, o que torna o pulso muito baixo em relação à mão. Enquanto o dedo indicador deve permanecer ligeiramente erguido acima dos demais; médio e anelar devem permanecer sobre as teclas; ao polegar é exigido permanecer abaixado e dobrado para dentro; enquanto o dedo mínimo deve ser flexionado quase encostando na palma da mão. Quando esta postura de encolhimento de alguns dedos não é obedecida e estes dedos permanecem estirados, segundo o próprio autor, os dedos polegar e mínimo não podem tanger satisfatoriamente, porque se entorpecem as mãos e ficam sem força e virtude, como se

42 43

Correlata ao tiento.

O ayre diz respeito à agógica da obra, que fica integralmente a critério do instrumentista de forma a conferir a obra em questão um caráter mais galante ou vivaz.

38

estivessem atadas. Santa Maria também recomenda que os cotovelos fiquem juntos ao corpo, afastando-se do mesmo somente quando necessário.

Sobre atacar corretamente as teclas, Santa Maria tece um grande texto de instruções: • É necessário atacar com a polpa dos dedos, evitando que as unhas tenham contato com o teclado, de forma a propiciar que as vozes soem inteiras, doces e suaves. Isto se deve, segundo o autor, porque a carne é coisa branda, ataca com brandura e suavidade. Além disso, se toca com limpeza, porque como os dedos se assentam nas teclas não podem deslizar ou fugir à nenhuma parte. Outra razão para isso é reduzir os ruídos do atrito entre os dedos e as teclas; • As teclas devem ser atacadas de maneira rézia, com ímpeto; • As duas mãos devem atacar as teclas com igualdade; • Os dedos devem se posicionar próximos às teclas para atacá-las corretamente. Após o ataque, é necessário levantar um pouco cada dedo. Aqui, além de tentar minimizar o deslocamento criado por um movimento muito amplo e a transformação dessa energia em ruído do contato dos dedos com as teclas, Santa Maria recomenda um movimento muito importante especialmente para tanger o órgão, que consiste em deslizar o dedo sobre a tecla até a extremidade da mesma. Tal movimento é recomendado para dar clareza à execução, uma vez que “desliga” as notas (que prologam-se relativamente em função da acústica das igrejas); • As teclas, quando acionadas, devem afundar completamente, excetuando-se o caso do instrumento ser o clavicórdio: os toques levantem bem as cordas, mas de tal maneira que as vozes não saiam do seu tom [...], o que se causa apertando demasiadamente com os dedos; • Depois de atacadas as teclas, os dedos não devem ser pressionados sobre elas nem se afrouxar o toque. Também só devem ser levantados no ponto em que eles partirão para o próximo ataque.

Sobre tanger com limpeza e distinção das vozes, Santa Maria adverte que deve-se tocar sempre desligado, de modo que um dedo que atinja uma tecla se levante antes do ataque do próximo dedo. Os dedos também devem sempre levantar-se após o toque, e de nenhuma

39

maneira sair das teclas, nem encolher ou dobrar os dedos, o que fará grande ruído sobre as mesmas.

No que tange ao modo de correr bem as mãos de uma parte a outra, subindo até à parte superior e descendo à parte inferior, cita quatro condições:

• Encolher bem as mãos; • Inclinar um pouco as mãos para o lado que se transcorre; • Deve-se ascender com a mão direita com os dedos 3 e 444; e descender com os dedos 2 e 3; com a mão esquerda, pode-se ascender com os dedos 2 e 1, embora também seja possível começar a ascender com os outros dedos. Com a mesma mão normalmente se descende com os dedos 3 e 4, devendo sempre em todos os casos o segundo dedo a tocar erguer-se mais alto do que o primeiro dedo que acionou a tecla anterior. Também deve-se deslizar os dedos a cada ponto; • Ao correr as mãos, tanto para a parte superior como para a parte inferior do teclado, os três dedos - 2, 3 e 4 - devem sempre ser mantidos sobre as teclas.

No capítulo Do modo de digitar com os dedos convenientes, o autor oferece uma rica descrição de propostas de digitação. A digitação, como se verá, é descrita de maneira muito sistemática e considera, inclusive, os valores rítmicos que figuram nas obras a serem executadas, além de normas gerais. Os conteúdos descritos por Santa Maria são apresentados a seguir através de um recorte dessas descrições, que visam delinear de forma objetiva os interesses do presente trabalho.

• A mão direita possui um dedo principal, que é o dedo 3. Na mão esquerda, há dois dedos principais, 2 e 3. Tais dedos têm este status pois com eles se começam e acabam os redobles e quiebros com os quais se dá graça à música;

44

Embora os algarismos arábicos sejam utilizados nesta escola como pontos em um sistema de tablaturas, consideramos que aqui seria conveniente substituir a extensa numeração ordinal pela rápida correspondência numeral, para agilizar a leitura e o entendimento da digitação das diversas solfas [melodias] descritas ao longo do texto. Desta forma, entende-se “dedos 3 e 4” como “dedos terceiro e quarto”, correspondentes aos dedos médio e anelar.

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• Com nenhum dedo polegar deve-se tocar as teclas negras, exceto quando se tange em oitava ou quando não for possível executar tal passagem de outra maneira; • Quando qualquer uma das mãos ascender ou descender em pontos consecutivos, ou pasos largos, de semínimas ou colcheias, os dedos que se utilizam para isso também devem ser utilizados serialmente, seguindo um atrás do outro. Raramente se ascendem ou descendem utilizando os cinco dedos em série: quando muito, se utilizam os quatro dedos principais: 1, 2, 3 e 4; • Quando for ascender em pontos consecutivos, pasos largos de colcheias ou semicolcheias com a mão esquerda, deve-se começar com o dedo 4 e seguir a ordem normalmente: 4, 3, 2 e 1. Se for preciso, deve-se recomeçar a ascender com o dedo 4. Quando a passagem for descendente, deve-se inverter a ordem; • Se a mão utilizada for a direita, em sequências ascendentes de semínimas ou colcheias, os dedos que devem ser utilizados são 3 e 4, ainda que os primeiros pontos possam ser feitos com os dedos 2 ou 1 e 2. Esta regra é geral, e não permite exceções; • Muitas vezes os dedos se mesclam de outras maneiras, as quais não permitem estabelecer regras por causa da grande variedade. Estas ficam ao arbítrio de cada um, segundo a necessidade; • Quando as semínimas, colcheias ou semicolcheias ascenderem ou descenderem através de saltos de qualquer distância melódica, um ou dois dedos devem ser deixados no espaço saltado, pois quando se saltam pontos deve-se saltar dedos, ainda que em muitos casos de saltos de terceira ou de quarta se utilize dedos sucessivos; • Pode-se ascender e descender com os quatro dedos - 1, 2, 3 e 4 - seguindo sempre a ordem ascendente ou descendente. Essa digitação é muito apropriada para colcheias; • Quando com a mão esquerda se ascender a solfa: ré, mi, fá, sol, fá, ré, mi, fá, mi, fá, sol, lá, sol, a qual começa desde Are45 e se ascende, deve-se utilizar os dedos 4, 3, 2, 1, repetindo-os quando necessário; • Da mesma maneira, quando a mão esquerda se tange a seguinte solfa: sol, fá, sol, fá, lá, sol, lá, sol, fá, mi, fá, mi, ré, ut, ré, a qual começa desde Gesolreut e descende, deve-se digitar com os mesmos dedos 4, 3, 2, 1, repetindo-os quando necessário;

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A partir do primeiro lá do teclado (Are), contabilizam-se os intervalos relativos compreendidos entre os pontos da sequência ré, mi, fá, sol, fá, ré, mi, fá, mi, fá, sol, lá, sol, o que, na prática, quer dizer: lá, si, dó, etc.

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• Igualmente, quando com a mão esquerda se tange a solfa ré, ut, ré, mi, ré, mi, fá, sol, lá, que começa com Desolre, se pode executar com duas digitações: a primeira, 2, 3, 2, 1, 4, 3, 2, 1, 2. A outra digitação segue assim: 3, 4, 3, 2, 4, 3, 2, 1, 2; • Quando com a mão direita se descender a seguinte solfa: lá, sol, fá, mi, fá, mi, lá, sol, lá, sol, fá, mi, fá, mi, ré, ut, ré, a qual começa com o signo46 de Ela, pode-se descender com duas opções de digitação. A primeira, da seguinte maneira: 4, 3, 2, 1, repetindo a ordem se necessário; • A outra maneira utiliza somente os três dedos 4, 3 e 2, dispostos da seguinte ordem: 4, 3, 2, 3, 4, 3, 2, 3, repetindo a ordem se necessário; • Sobre as consonâncias, às de terceira podem ser realizadas com qualquer uma das mãos, com três diferentes digitações: a primeira, geralmente utilizada pela mão esquerda, é realizada pelos dedos 1 e 2; • A segunda digitação se realiza com os dedos 1 e 3. Com essa diferença, pode-se redoblar um ponto (o mais grave com a mão esquerda e o mais agudo com a mão direita). Essa digitação é mais utilizada pela mão direita, uma vez que dá mais graça ao ponto mais alto, com redoble ou quiebro; • A terceira digitação acontece com os dedos 2 e 4. A mão esquerda também utiliza esta possibilidade com mais frequência do que a direita; • Quando se tangerem duas ou três terças sucessivas, executadas com uma só mão, a primeira terça deverá ser realizada com a segunda sugestão de digitação (com os dedos 1 e 3) e a próxima deverá utilizar a terceira sugestão de digitação (com os dedos 2 e 4), alternando repetidamente os dedos usados; • As quintas e sextas podem ser feitas com qualquer uma das mãos, com três diferenças de dedos: a primeira, utilizando os dedos 2 e 5. Desta maneira, se pode redoblar ou quebrar o ponto mais alto da quinta e da sexta, quando se utiliza a mão esquerda; e o ponto mais baixo da mesma quinta e sexta, quando a mão escolhida for a direita; • A próxima variação de digitação utiliza os dedos 1 e 4, com os quais as vozes tem igualdade de som;

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Termo correlato a ponto.

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• A terceira maneira de digitar faz uso dos dedos 1 e 3, com os quais se pode redoblar ou quebrar o ponto mais baixo da quinta e da sexta com a mão esquerda e, com a mão direita, o ponto mais alto; • As oitavas podem ser realizadas com qualquer uma das mãos com os dedos 1 e 5, exceto nas primeiras três oitavas curtas, que devem sempre ser tocadas com a mão esquerda com os dedos 1 e 4 ou 2 e 5. Entretanto, quando houver uma terça sobreposta a uma das sobreditas oitavas, as mesmas deverão ser realizadas com os dedos 2 e 5; • Ao executar as consonâncias deve-se considerar os pontos que se seguem, para que os dedos tenham liberdade e disposição para prosseguir com facilidade.

Sobre Tocar com bom ayre, Santa Maria explica como executar as semínimas e colcheias ritmicamente. As sequências de semínimas devem ser executadas como se a primeira estivesse pontuada e a segunda fosse colcheia. O modelo rítmico deve ser seguido por toda sequência, figurando sempre as semínimas de número ímpar como pontuadas;

• As colcheias têm três possibilidades: a primeira trata de pontuar as colcheias de número ímpar e tornar as de número par com valor próximo ao de semicolcheias. Esta variação é adequada às obras que são de contraponto e para pasos largos e curtos de glosas; • A segunda maneira é apresentar as colcheias de número ímpar como valor próximo ao de semicolcheias e pontuando as notas de número par. Esta maneira serve para glosas curtas, que se executam em obras ou fantasias; • A terceira forma de se tocar colcheias com bom ayre consiste em tornar os três primeiros pontos mais curtos e se prolongar na quarta pelo restante do tempo correspondente às quatro colcheias, como se os três primeiros pontos tivessem valor próximo ao de semicolcheias e o quarto como se fosse uma figura pontuada. Esta maneira é a mais galante e serve para glosas curtas e longas; • É desejável que as colcheias não se prolonguem por muito tempo, assim como deve-se evitar que os pontos curtos sejam executadas em grande velocidade.

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Quanto ao modo de fazer os redobles e quiebros, que é a oitava condição, deve-se guardar que redobles são pontos dobrados ou reiterados, os quais só se executam com os dois pontos imediatamente próximos, assim como mi, ré, mi, fá, mi, fá, mi, fá, mi47;

• Da mesma forma, quiebro quer dizer pontos dobrados ou reiterados, assim como mi, fá, mi, fá, mi, fá, mi; ainda que muitos quiebros sejam sencillos e não reiterados, assim como mi, fá, mi ou ainda fá, mi, fá; • O quiebro se diferencia do redoble pois este tem um ponto a mais na parte inferior, cuja solfa faz mi, ré, mi, fá, mi, fá, mi, fá, mi; enquanto o quiebro reiterado não toca o ré, ficando apenas mi, fá, mi, fá, mi, fá, mi; • Os redobles somente são executados em compassos inteiros, isto é, em semibreves. Já os quiebros podem ser feitos em mínimas, semínimas e colcheias. Os redobles também não devem ser muito longos, pois neste caso tornariam a música feia; • Os quiebros reiterados são feitos em mínimas, e os sencillos em semínimas (por causa da brevidade do tempo que há nesse valor), exceto um, que não é reiterado e só se executa em mínimas, cuja solfa é sol, fá, mi, fá; • Os quiebros sencillos não são feitos em todas as semínimas, sendo executados somente em alternância com um ponto sem quiebro, restando um ponto com quiebro e outra sem, e assim sucessivamente; • Uma só maneira há de se fazer redoble, enquanto há seis de quiebros. O redoble se executa sempre juntamente com tom e semitom, diferentemente dos quiebros, os quais são feitos com tom ou semitom, exceto o quiebro de mínimas, que se executa juntamente com tom e semitom, cuja solfa se executa sol, fá, mi, fá; • O quiebro de mínimas, que se faz juntamente com tom e semitom, há de levar necessariamente o semitom à parte inferior e o tom à parte superior, de forma que não é possível realizar este ornamento na nota mi, pois neste caso a solfa seria fá, mi, ré, mi, e o semitom estaria na parte superior e o tom estaria na parte inferior, o que resulta

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Novamente, por uma questão metodológica, foi feito um recorte do conteúdo explicitado em Arte de Tañer Fantasía.

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em má música. Entretanto, o quiebro de mínimas pode ser realizado nos outros cinco pontos que são ut, ré, fá, sol e lá; 48 • O redoble pode ser feito com tom e semitom na parte superior ou inferior, desde que não seja realizado com um tom na parte superior e inferior. Este é proibido; • Quando o redoble for feito com a mão direita, são utilizados os dedos 2, 3 e 4, começando e acabando com o dedo 3; • É de grande primor começar o redoble e o quiebro reiterado de mínimas a partir de um ponto mais alto de onde termina, e este ponto ser tocado sozinho, ao passo que o segundo ponto deve soar com os outros pontos consonantes; • Estas formas de redobles e quiebros e a outra maneira de quiebro de mínimas, que se executam com tom e semitom, são muito atuais e muito galantes, as quais causam tanta graça e melodia na música e contentamento para os ouvidos que parece outra coisa diferente quando se tange sem eles e, portanto, com muita razão deve-se sempre fazer uso destes e não dos outros, que são antigos e não graciosos; • Dos dois quiebros de semínimas, que tanto ao ascender quanto ao descender utilizam dois pontos, há de se notar duas coisas: a primeira é que o dedo que ataca o primeiro ponto depois de ter tocado a tecla não deve se levantar dela, permanecendo fixo sobre a tecla, enquanto o dedo que atingir o segundo ponto deve sair rapidamente de cima da tecla, deslizando-se sobre ela como quem rascunha. O dedo que toca o primeiro ponto deve apertá-la um pouco, afundando a tecla para baixo. O primeiro ponto destes dois quiebros é o que se toca com o dedo que finaliza o quiebro; • A segunda coisa é que o segundo ponto dos sobreditos quiebros devem ser tocados logo atrás do primeiro, de forma a quase atacarem os dois pontos simultaneamente. E note-se que, quando se ascende, não é tão agradável aos ouvidos como quando se descende e, por isso, não deve-se usar esse recurso tantas vezes; • Quatro coisas notáveis se requerem para fazer os redobles e quiebros reiterados de mínimas com toda perfeição, e sem as quais é impossível fazer perfeitamente. A primeira e principal é juntar todos os quatro dedos, que são os dedos 2, 3, 4 e 5, uns com os outros, com o máximo de contato possível entre os dedos. O dedo que ataca o ponto mais baixo do redoble deve ser posicionado mais alto do que o dedo com o qual 48

Segundo o sistema hexacordal arentino, plenamente à época, existem apenas seis pontos a partir do ut; a nossa moderna nota si é considerada como mi.

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se termina o redoble ou quiebro. Isso se entenderá claramente quando o redoble for executado com a mão direita, o que se faz normalmente com os dedos 2, 3 e 4, terminando sempre com o dedo 3. Neste caso, é necessário encolher um pouco o dedo 2 e colocá-lo mais alto que o dedo 3, assim pegando mais o fim do redoble com o dedo 3. O mesmo deve ser feito com todos os quiebros de mínimas e também para os de semínimas, quando a solfa ascender, o que ajuda muito e dá força aos dois dedos que reiteram os dois pontos do redoble e do quiebro, para que com mais perfeição e espírito os executem. Quando os sobreditos redobles e quiebros forem executados com a mão esquerda com os dedos 1, 2 e 3, deve-se encolher um pouco o dedo 3 e colocálo mais alto que o dedo 2. Desta maneira, pegará mais o dedo 2 o fim do redoble e quiebro. Quando se utilizar os dedos 2, 3 e 4, deve-se encolher um pouco o dedo 4 e colocá-lo um pouco mais alto que o dedo 3; • A segunda coisa é retirar das teclas os dois dedos que atacam o ponto mais baixo e o ponto mais alto do redoble e do quiebro de mínimas que é feito com tom e semitom, e assim mesmo deve-se retirar das teclas o dedo que ataca o ponto mais alto dos quiebros de mínimas e de semínimas, executando-os da mesma maneira com ambas as mãos. Somente o dedo que ataca o ponto mais baixo do redoble e do quiebro de mínimas que se faz com tom e semitom, no qual o dedo ataca uma só vez, deve ser retirado um pouco da tecla, e o dedo que ataca o ponto mais alto do redoble e quiebros deve ser afastado ainda para mais longe da tecla, mas somente no fim do redoble e quiebro. Logo após, os dedos devem ser reerguidos e recolocados sobre as teclas, assim como estavam anteriormente; • A terceira coisa é que o dedo que ataca o ponto mais alto do redoble e quiebro deve atacar sempre mais à extremidade da tecla, do que o dedo que está junto a ele, no qual termina o redoble e os quiebros. Desde o princípio do redoble e quiebros reiterados, deve-se retirar os dedos pouco a pouco, até retirá-los totalmente das teclas no fim do redoble e quiebros. Para tal, deve-se começar mais ao meio da tecla, o que é necessário para que o redoble e o quiebro acabem bem delineados; • A quarta coisa é trastornar um pouco a mão que executa o redoble e quiebro para cima, exceto nos quiebros de semínimas, que são executados de forma descendente;

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• Assim mesmo, para dar mais graça à música, sempre deve-se fazer quiebros em todas as semínimas que imediatamente se seguem descendentes depois das mínimas pontuadas; • Para que a música tenha mais graça, e assim possa dar mais contentamento aos ouvidos, é necessário que os redobles e quiebros de mínimas sejam feitos com as duas mãos, isto é, um redoble ou quiebro em cada uma das mãos, respondendo às vezes desta maneira. Isto se entende quando as duas mãos tangerem semibreves ou mínimas que se possam redoblar ou quebrar, assim tangendo em caça49, o que de grande maneira adorna a música; • Quando o tom fugir de algumas teclas brancas ou negras, os redobles ou quiebros que forem utilizados também deverão fazê-lo, tanto o ponto inferior quanto a superior;

É de se notar que, entre todas as sobreditas oito condições para se tanger bem fantasias, há três principais. A primeira e mais importante, sem a qual é impossível tanger com perfeição, é trazer as mãos encolhidas, com os dedos tão próximos uns aos outros quanto for possível, para o qual é necessário trazer encolhidos os dedos 1 e 5 de ambas as mãos, porque deles depende todo o encolhimento das mesmas;

• A segunda coisa é não atacar as teclas do alto, para o qual é necessário trazer os dedos próximos às teclas e além disso depois de tocá-las, levantar muito pouco os dedos; A terceira coisa é atacar as teclas brancas e negras com a polpa dos dedos. Para isso é necessário tanger com o pulso baixo, e também atacar as extremidades das teclas deslizando para fora delas, pois desta maneira soam muito mais as vozes e com maior espírito que tocando apenas no meio das teclas.

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Imitação

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COMPARAÇÃO DOS TRÊS TRATADOS ABORDADOS.

Objetivamos aqui buscar tratados que possam se complementar e conferir uma visão mais ampla da prática instrumental na península ibérica do século XVI. Cada tratado tem uma proposta singular: Ortiz ocupa-se exclusivamente de glosas em seu tratado, com foco no violone solo ou acompanhado de um instrumento de tecla. Neste tratado revelam-se indicações diversas sobre a prática musical em conjunto, com recomendações de recursos variados para acompanhamento e muitas possibilidades de preenchimento e modificação melódica, através das glosas. Pretende ser um manual de consulta é contém principalmente informações práticas de execução de diversos tipos de música, o que é de grande valia na escolha da ornamentação do Tiento X de Primeiro Tom.

Na Declaración de Instrumentos Musicales, de Juan Bermudo, o foco instrumental recai sobre diversos instrumentos, além de abordar composição e teoria musical. Pode ser considerado o mais enciclopédico entre os três tratados aqui abordados, pela diversidade dos temas abrangidos. Também é o livro que se apresenta mais conservador dentre os três abordados, pelos modelos canônicos de que se utiliza. Esse autor também reconhece Antonio de Cabezón como um músico de excelência (BERMUDO, 1555. fol. lx. recto), o que o torna um autor obrigatório na elaboração de um trabalho acerca da obra de Cabezón, ainda que muitas de suas ideias sejam contrárias às ideias dos demais tratadistas aqui abordados.

Já em Arte de Tañer Fantasía, de Tomás de Santa Maria tem como foco as fantasias (ou tientos), abordando principalmente os instrumentos capazes de executar polifonia - com destaque para os instrumentos de tecla - e a teoria musical em voga na época. É o livro que mais se aprofunda em questões técnicas e musicais dentre os abordados, e conta com a revisão do próprio Antonio de Cabezón. Também apresenta grande sistematização e preocupação pedagógica e pode ser considerado a obra que mais se alinha com a proposta do presente trabalho e, por isso, a mais utilizada na elaboração das propostas práticas do Tiento de que aqui se trata.

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Arte para iniciantes.

Com a exceção de Diego Ortiz, os outros tratadistas abordados fazem questão de ressaltar que seus trabalhos - ou parte deles - são direcionados especificamente aos iniciantes, podendo os bons tangedores usar de outros meios que não estejam descritos em suas obras. Logo, não são raros os trechos destinados aos iniciantes nas obras de Santa Maria e Bermudo. Bermudo aborda ali assuntos os mais diversos neste aspecto, como horas de estudo e sobre os professores, inclusive com uma indicação de custo-benefício:

(...) tome por conselho especial de não aprender isto de bárbaros tangedores, porque por toda a vida faltará algo. Mais vale pagar o dobro do dinheiro a um bom tangedor [...] do que pagar pouco a alguém que não sabe colocar as mãos no órgão (Ibidem).

O mesmo autor também sugere um repertório - não de obras, mas de gêneros e autores, de maneira ampla - para ser trabalhado pelos tangedores iniciantes (ibidem), enquanto Santa Maria inclui em seu tratado oito exemplos - fantasías - para serem aprendidos. As recomendações aos iniciantes no Arte de Tañer Fantasía, a propósito, são mais precisas que em Bermudo, e incluem digitações detalhadas, especificações para ornamentação, quadro de glosas e muitos exemplos gráficos.

Escalas e consonâncias.

Alguns dos itens amplamente abordados por Santa Maria e Bermudo consistem no aprendizado do teclado, digitação e consonâncias (Ibidem; SANTA MARIA, 1565, Livro I, fol. 36 verso). O conhecimento dos modos é considerado de grande importância por ambos os autores por conferir ao instrumentista a capacidade de distinguir os pontos que devem ser utilizadas nas ornamentações (BERMUDO, Op. Cit., fol. 1x verso; SANTA MARIA, Op. Cit., Livro I, fol. 60 recto). Tomás de Santa Maria, por sua vez, atribui propriedades de caráter aos modos. Tais características podem ser entendidas como um possível predecessor da Teoria dos Afetos barroca, e muito dizem a respeito da maneira de se tocar uma obra musical, uma

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vez que apresenta ao intérprete novos dados apenas através da escolha feita pelo compositor dos tons utilizados. Já Diego Ortiz não cita diferenças entre os modos: embora haja glosas específicas para certos tons, o autor também menciona glosas genéricas que podem ser utilizadas em todos os signos [modos] (ORTIZ, 1553. fol. 19 recto).

Digitação.

Para Bermudo, como já foi dito, a postura das mãos e a digitação são as coisas mais importantes para se tanger bem. Santa Maria também figura estes dois itens como alguns dos mais importantes para se tanger instrumentos de tecla (SANTA MARIA, Op. Cit., Livro I, fol. 36 verso). Ambos os autores explicam as digitações da oitava curta, bem como da oitava estendida. Também enumeram os dedos das mãos da mesma maneira, o que viabiliza explicações mais complexas acerca da digitação empregada.

Ornamentação, improvisação e legitimidade.

Os três tratadistas exprimem suas opiniões estéticas com certa frequência sobre como tanger, principalmente no que diz respeito a utilização de ornamentos. Argumentos como "isso torna a música graciosa" são recorrentes nas obras de Bermudo e sobretudo em Santa Maria, enquanto que, em Ortiz, são proferidas recomendações - e por vezes exigências estéticas com menor entusiasmo.

Em todos os tratados abordados, o tom é a referência para os pontos que devem ser utilizados para os ornamentos, embora quando se trata especificamente de glosas os autores separam também por intervalo e ocasião - há glosas especiais para as clausulas - que também são subordinadas aos modos. Seguindo esta mesma ideia, nem mesmo uma glosa “livre” deverá se opor ao tom.

A sistematização de Santa Maria em comparação aos demais tratadistas é aqui revelada nas denominações redoble e quiebro, cada uma com diversas possibilidades e

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diferenças, enquanto que, para Bermudo, o quiebro é um tipo de redoble. Neste aspecto, as recomendações bermudianas são sempre mais vagas: este autor se limita a dizer que quiebros (chamados por ele de redoble) com o ponto inferior, normalmente tidos como deselegantes, podem ser também graciosos (BERMUDO, Op. Cit., fol Ix. verso); enquanto Santa Maria enumera as possibilidades em que cada modalidade de quiebro é ideal (SANTA MARIA, Op. Cit., Livro I. fol. 45 verso).

Apesar da natureza distinta de cada livro, há vários pontos em comum entre eles, como o rigor com o qual os três tratadistas empregam quando sobre a marcação do compasso - ainda que haja várias possibilidades de distribuição rítmica dentro do compasso: tanger com bom ayre, uma das condições de Santa Maria para se tocar bem (Idem, fol. 45 verso), também é citado por Ortiz, através de glosas que descrevem o mesmo processo (ORTIZ, Op. Cit., fol. 24 verso).

Em um dos pontos de divergência estética entre os autores, Bermudo afirma sua preferência pelo caso em que os redobles são feitos em sentido contrário por ambas as mãos, fazendo com que um intervalo de oitava gere um de sexta, um de terceira gere uma consonância de sexta e vice-versa (BERMUDO, Op. Cit., fol. lxj. recto). Santa Maria, por sua vez, prefere que os redobles sejam feitos pelas duas mãos, mas gerando imitação - uma voz de cada vez - e não consonâncias derivadas dos ornamentos. Como de praxe, Tomás de Santa Maria ainda cita as condições em que isto deve ser feito: neste caso, quando as duas mãos tangerem semibreves ou mínimas (SANTA MARIA, Op. Cit., Livro I. fol. 51 verso).

Outro ponto relevante na obra de Santa Maria é o seu empenho para explicar detalhadamente a postura corporal e os ornamentos utilizados. Esse autor também reconhece as limitações da partitura ao explicar as maneiras de se executar os quiebros, justificando desta maneira a ausência de exemplos em um caso específico: estes sobreditos dos quiebros não se pode apontar, e portanto não se pode colocar exemplos deles (Idem, fol. 49 recto).

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A imprecisão da escrita e a falta de registro junto a obra, principalmente no que tange a indicações práticas de agógica ou mesmo glosas, apontam um caminho obscuro que tenta delinear uma sonoridade desconhecida, indicada por fontes plurais e às vezes mutuamente exclusivas. Neste âmbito, muitas questões diretamente relacionadas à práxis são levantadas. Consideramos, por exemplo, diversas indicações de ornamentação, como a utilização de glosas de naturezas muito distintas (da mais perfeita à mais complexa), sugeridas por Ortiz; Já para Bermudo, o tangedor não deve jamais executar glosas de qualquer natureza (BERMUDO, Op. Cit., fol. Ix. verso). Este autor se mostra mais rígido e canônico que os demais, não só pelos escritos em seus tratados como por suas obras, que se opõe ao ousado estilo cabezoniano, repleto de cromatismos e invenções harmônicas. Ao passo que o Arte de Tañer Fantasía, revisado por Cabezón, não faz nenhuma menção sobre o que se deve ou não glosar, abordando somente como glosar e em quais figuras - semibreves, mínimas e semínimas, neste caso (SANTA MARIA, Op. Cit., livro I. fol 58 recto). Todavia, para Santa Maria, a glosa não é tida como o adorno mais relevante, lugar ocupado pelos quiebros e redobles. Para Bermudo, estes são os substitutos perfeitos das glosas para ornamentar uma obra.

O fato de a glosa, assim como de outros ornamentos, ser uma escolha do intérprete e não do compositor - sugere um limite tênue entre os papéis de ambos no fazer musical do século XVI. Práticas como colocar obras vocais no monocórdio reforçam esta ideia, uma vez que as transcrições para instrumentos de tecla imprimem recursos diferentes numa obra que não foi concebida como tal.

Segundo HARNONCOURT, a improvisação não pode ser separada da prática musical até o fim do século XVIII (Cf. Op. Cit., p. 20). Uma das ideias mais atraentes sobre a natureza das glosas e dos ornamentos em geral é, portanto, que tais recursos se constituem como uma prática improvisativa, ainda que os tratadistas não entendam os tangedores, necessariamente, como improvisadores [compositores]. Ortiz, por exemplo, condena a maneira mais livre de se glosar (Op. Cit., fol. 3 verso), pois é a que mais se distingue da música original, ainda que exija maior conhecimento e habilidade por parte do instrumentista. Por outro lado, glosas menores que reiteram a origem real são muito bem vistas, pois só

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enriquecem a música sem prejudicar o entendimento da mesma. Já Juan Bermudo atribui uma distinção ao tangedor que possui o conhecimento necessário para executar essas glosas, apontando ainda uma certa ascendência do instrumentista que passa a entender os mecanismos modais e contraponto, sendo desta maneira consumado músico [compositor, improvisador] (BERMUDO, Op. Cit., fol. Ix. verso). Estas glosas livres do terceiro tipo eram muito realizadas por Antonio Cabezón, e podem ser contempladas principalmente em seus glosados50. A principio, as glosas podem também se configurar como pequenas improvisações melódicas inseridas num contexto de uma obra. Esta seria uma provável razão para a ausência de registros desses recursos inseridos na própria música, quando alheios à estrutura formal de uma peça.

O Capítulo XVIII da Declaración de Instrumentos Musicales (fol. lxvj. verso), que trata da licença para aumentar à arte, confere autenticidade a muitas questões interpretativas da prática contemporânea da música renascentista ibérica, desde que sejam respeitados os consensos presentes nos tratados. Logo, a não-rigidez em relação às normas de execução musical explicitada por Bermudo abre precedentes para a legitimidade de uma grande variedade de casos omissos, que devem ser solucionados com base no juízo estético de cada instrumentista, desde que estes não contrariem a teoria já consolidada.

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Forma musical ibérica em que a música é apresentada pela primeira vez sem muitos adornos e depois é reexposta inteiramente glosada.

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Figura 4 - Quadro de Ornamentos.

Os exemplos abaixo foram extraídos dos três tratados abordados no presente trabalho. Aqui são apresentados os ornamentos sugeridos pelos três autores em questão para serem empregados em obras da escola renascentista ibérica.

Como os ornamentos não são representados graficamente pelos autores do século XVI e ainda podem sofrer alterações de andamento ou ayre, a relação entre os valores temporais não é absoluta, sendo apenas uma das aproximações possíveis. O número de reiterações dos redobles e quiebros reiterados é também discutível. Para as glosas, vide os anexos na página 83.

Redobles (Santa Maria)

Redobles Reiterados (Santa Maria)

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Quiebro de Mínimas (Santa Maria)

Quiebros Sencillos (Santa Maria e Bermudo, sendo conhecido por este como redobles)

Quiebros Reiterados (Santa Maria e Bermudo, sendo conhecido por este como redobles)

Quiebros Sencillos e Reiterados (Bermudo, sendo o ornamento conhecido pelo autor como redoble)

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CAPÍTULO 4: O ÓRGÃO CASTELHANO E A PRÁTICA ORGANÍSTICA.

De acordo com a definição fornecida pelo organista e musicólogo Marco Aurélio Brescia, em sua dissertação de mestrado intitulada Catalogue des Orgues Baroques au Brésil: Architecture et Décoration:

O órgão é um instrumento aerófono de teclas, essencialmente composto por tubos que cantam sob a ação do ar comprimido que lhes é enviado; cada uma das teclas do teclado corresponde a um ou mais tubos, e faz, a princípio, escutar um som determinado. Tubos e ar, por um lado, teclas e teclados, por outro, não são suficientes para fazer soar um órgão: o organismo intermediário que liga essas diferentes partes é o someiro, caixa retangular hermeticamente fechada, sobre a qual se implantam os tubos e em cujo interior se encerra a válvula correspondente à cada uma das teclas; o someiro recebe o vento que lhe é enviado por um ou mais foles. Uma vez que o fole é acionado e o ar é enviado pelo conduto porta-vento à arca de ventos do someiro, para que um órgão soe, é necessária a abertura simultânea do registro correspondente a um jogo de tubos determinado e da válvula correspondente à uma tecla determinada (DUFOURCQ apud BRESCIA, Op. Cit., p. 12) 51.

Os registros constituem outra parte importante do instrumento que, como nos lembra BENETT, no livro Instrumentos de Teclado (1985), acionam os conjuntos de tubos e dizem quais não devem soar por meio de botões ou puxadores (p. 13).

Entre os tubos e o someiro há as réguas de registros, uma para cada jogo de tubos. As réguas se acham ligadas aos registros por alavancas. Assim, sempre que um botão for acionado, a régua se deslocará para o lado. Os furos ao longo dela alinham-se, neste instante, com as extremidades dos tubos, tornando possível a entrada de vento nestes. Há, no entanto, sob a extremidade de cada tubo, uma tampa ou válvula dobradiça, chamada palheta, que impede o suprimento de ar. Somente quando o organista apertar a tecla é que uma série de varetas, denominadas tirantes, abrirá a palheta, deixando que o vento se dirija para o tubo e faça a nota soar. Os tubos dos outros jogos ligados a este teclado permanecem em silêncio, uma vez que os furos de suas réguas não coincidem com as extremidades deles até que sejam puxados os botões que lhes são correspondentes (BENNET, Op. Cit., pp. 13-14).

Segundo Nobert Dufourcq, à partir do século XVI a história do órgão pode ser dividida em três períodos principais: a primeira, a mais longa, concerne ao órgão clássico (do

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DUFOURCQ, Nobert. L’Orgue, Paris, Presses Universitaires de France, 1970, p.42 apud BRESCIA, p.12.

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século XVI ao século XVIII); a segunda, ao órgão romântico (século XIX); e a terceira, ao órgão neoclássico (século XX), onde se nota um tipo de síntese entre as duas primeiras concepções (DUFOURCQ apud BRESCIA, Op. Cit., p. 13).

A história do grande período dito clássico se divide em dois períodos secundários: durante o primeiro, que termina ao início do século XVII, o organeiro se dedica às experimentações para alcançar a maestria, no segundo.

O instrumento da Renascença é um órgão de transição que pode ser entendido como um campo de experiências na busca de novas sonoridades. No século XVII, no entanto, sistematizam-se regras específicas que vão perdurar até por volta de 1840; os organeiros do Grand Siècle saberão combinar, numa magnífica síntese, os princípios da Idade Média e os caprichos do século XVI 52. Este instrumento conheceu seu apogeu na Europa entre 1680 e 1740, e não sofreu nenhuma transformação relevante após esta data quanto a estrutura ou mecanismos interiores. Denomina-se Órgão Barroco este instrumento cuja sistematização foi completada no século XVII, durante o qual ocorreram as mais diversas manifestações do Barroco, e cuja estrutura permaneceria praticamente inalterada até o século XIX, apesar de nesses quase 250 anos de existência ativa o instrumento ter sido revestido por caixas pertencentes a estilos diferentes do Barroco propriamente dito, como o Rococó e o Neoclássico (BRESCIA, Op. Cit., p. 13).

No que diz respeito às dimensões e à utilização dos instrumentos, há três tipos de órgão que marcaram sua história: o portativo, o positivo e o grande órgão. O portativo é um instrumento de pequenas dimensões que pode ser facilmente transportado - daí o seu nome usando um cinto amarrado em volta do pescoço do organista ou sobre o joelho do mesmo: o portativo requer unicamente a presenta do organista, que manobra o fole com a mão esquerda enquanto sua mão direita tange o teclado.

O positivo apresenta dimensões mais significativas que o portativo e comporta um número maior de tubos, o que, salvo o caso do positivo de mesa, dificulta-lhe o transporte. 52

DUFOURCQ, Nobert. L’Orgue, Paris, Presses Universitaires de France, 1970, p. 42 apud BRESCIA, p. 14.

57

Este instrumento requer a colaboração de duas pessoas: o organista, que toca o instrumento; e o foleiro, que aciona os foles. O positivo, largamente utilizado nos palácios da nobreza ou ou nas casas dos comerciantes ricos, tornou-se na Renascença o instrumento preferido da burguesia, e só seria substituído pelo cravo, enquanto instrumento doméstico, no século XVIII. Ao contrário do portativo, que tinha desaparecido quase completamente, o positivo sobreviveu em duas formas: incorporado ou justaposto ao grande órgão, do qual constituiria o segundo manual; ou como um instrumento independente, para a execução de música profana (SONNAILLON, Bernard apud BRESCIA, p. 15)53.

Figura 5 - À esquerda, órgão portativo (escultura); século XIV. Museu dos Agostinhos, Toulouse. Figura 6 - À direita, órgão positivo de mesa. A Dama e o Unicórnio (tapeçaria). Início do século XVI; Museu de Cluny - Paris.

O surgimento do grande órgão marca uma evolução importante na organaria. Na segunda metade do século XIII o papel do órgão nas igrejas (que ocorre concomitantemente ao desenvolvimento da música polifônica) torna-se dominante e exige dos instrumentos sonoridades mais ricas e variadas, destinadas a dar suporte ao coro ou substitui-lo; ou para

53

SONNAILLON, Bernard. L’Orgue : instrument et musiciens, Paris, Éditions Vilo, 1984, p. 18 apud BRESCIA, p. 15.

58

conduzir ou sustentar o canto congregacional. Desta forma, os vários locais de culto se esforçam para remodelar e ampliar seus órgãos, ou construir instrumentos maiores.

Figura 7 - Grande órgão Miguel Hengsberg [1695] e D. Benito Gomes, 1726. Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, Coimbra, Portugal.

A crescente importância dos números de registros e o consequente impacto sonoro elevou a estrutura a outro patamar de dimensões, agora muito superiores à altura de um homem, e confiar ao organista na console um grande número de comandos (Ibidem).

59

Como já foi dito no primeiro capítulo, a Espanha possuía duas orientações estilísticas distintas quanto à prática organística, definidas essencialmente pelas características políticoadministrativas de cada região: a escola catalã-valenciana e a castelhana; ainda que estas escolas não se mantivessem estritamente dentro de suas fronteiras, dada a mobilidade dos mestres organeiros, o que justifica certa unidade, sobretudo quanto à organaria. O produto desta unidade é, fundamentalmente, o teclado de meio registro, sobre o qual escreveu o compositor Francisco Correa de Arauxo, em 1626: “invenção célebre muito em voga no reino de Castela, embora em outros não conhecida.” (JAMBOU, 1988, p. 143). A invenção do manual partido ocorreu entre 1560 e 1570, em Castela, e os organeiros responsáveis por esta produção pertencem à dois grupos: um nativo, formado por Gastar e Manuel Marín, Gaspar de Soto, Juan de la Fuente e Melchor de Miranda; e outro flamengo, composto por Gilles Brevós e seus filhos, Jorge e Guilhaume de Lupe, Claudio Giron e Liger de San Forte (BRESCIA, Op. Cit., p. 60).

A divisão do manual, mais comumente realizada entre c` (dó 3) e c`s (dó#3), reserva a execução dos graves à mão esquerda e dos agudos à mão direita, o que exigiu uma grande transformação do mecanismo interior do instrumento: o someiro também se divide e os puxadores de registro espelham-se a ambos os lados do manual, exceto nos casos de registros solistas (Ibidem). A principal característica advinda da partição do manual é a oposição ou contrastes de timbres, contraste entre blocos (baixos e tiples) e, sobremodo, contraste entre voz solista (baixo ou tiple) e bloco ou massa sonora oposta, o que reflete uma mudança do pensamento estético da época: passa-se de um princípio acumulativo de timbres do órgão a um princípio seletivo de diversos registros, o que permite uma notável multiplicação de planos sonoros a partir de um instrumento que, na maior parte dos casos, possui um só teclado (Ibidem, p. 61).

Pela incompatibilidade de datas (Antonio morre em 1566, enquanto a invenção do manual partido deu-se entre 1560 e 1570), infere-se que o órgão de Cabezón ainda é um instrumento fruto de experimentos recentes e que ainda não possui parte das tecnologias do próximo século - embora tenha ainda muitos dos elementos que proporcionarão o apogeu do

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órgão seiscentista. Dessa forma, é possível concluir que ele não conheceu o teclado partido, ao menos, ao nível da sistematização do mesmo.

A trajetória da organeria ibérica seguiu, como em vários outros países europeus, uma evolução que tendeu ao monumental, à multiplicação de planos sonoros instrumentais ou de determinados tipos de registro, além de modificações mecânicas que buscavam otimizar o tanger do organista (Ibidem, p. 62).

Sobre o órgão ibérico no século XVI, Hernando de Cabezón, filho de Antonio, acrescenta: o som das vozes vai para cima, e não para baixo como nos demais instrumentos 54. Embora as obras de Antonio de Cabezón sejam indistintamente dedicadas a instrumentos de tecla, harpa ou vihuela, segundo a edição original de Hernando, de 1578, no conteúdo das obras nota-se uma clara preferência aos instrumentos de tecla:

Isto se deve em parte a perfeição que atribuem ao órgão não só como instrumento acompanhante, capaz de emular por si só a polifonia vocal mais avançada em seu momento e enobrecer com ele o culto divino. Também porque se trata de uma construção humana que reproduz e reforça as leis harmônicas da natureza: pode emitir o som básico; a oitava; a oitava duplicada, a quinta duplicada, a terça duplicada e misturas diversas com distintas combinações de harmônicos pares e ímpares. Poderíamos dizer que se trata do primeiro sintetizador de som da história. (VALLEJO,Op. Cit.).

Já o clavicórdio e similares eram utilizados principalmente para o estudo diário porque, segundo Hernando, o órgão tem muita grandeza [grandiosidade; grande volume sonoro] e não consente ser tocado por mãos rudes e principiantes, nem exercitar-se na gramática de ensinar nem na moléstia de aprender e estudar. (Cf. VALLEJO, Op. Cit.).

As obras do século XVI para instrumentos de tecla não apresentam clareza quanto à definição de um instrumento no qual deveriam ser obrigatoriamente executadas: a música manuscrita ou impressa é frequentemente descrita apenas como música para clavier, na França, Tastatur, na Alemanha ou música para tecla, na Espanha, apresentando em algumas 54

VALLEJO, Presentación. La Descripción del Gesto Interpretativo en los Tratados Musicales del Siglo XVI in Seminário da Universidade Complutense de Madri (03/04/2008).

61

ocasiões múltiplas possibilidades de execução instrumental, como é o caso do livro que contém as obras de Antonio de Cabezón (JAMBOU, 2008, p. 236). Também fica evidente que a música utilizada num ambiente litúrgico também poderia ser executada ao instrumento de câmara. Por outro lado, nem toda música executada nos instrumentos de câmara eram admitidas nos templos: nos estatutos da Santa Igreja Metropolitana de Zaragoza..., de 1607, os organistas são advertidos para que toda música que eles toquem no templo seja séria e fundada em cantochão conforme os tons e adequadas à solenidade, e que nunca se toque coisa ridícula nem indigna do canto eclesiástico (Ibidem).

No que tange ao temperamento55 utilizado nos tempos de Cabezón, Santa Maria fornece informações preciosas através da sua descrição de como se deve afinar o monocórdio:

de três maneiras se afina o monocórdio, é a saber, em terceiras, em quintas e em oitavas [...]. ...Note-se que a sobredita quinta, que se dá desde cefaut grave a gesolreut agudo, não há de ficar perfeitamente afinada, uma vez que o gesolreut agudo, há de ficar um pouquinho mais baixo [...] (SANTA MARIA, 1565, Livro II, fol. 122 recto, verso).

O temperamento a que o autor se refere é o mesotônico. Como nos diz ASSELIN, em sua obra Musique et Tempérament: historicamente, a denominação mesotônica era empregada para definir o temperamento mesotônico de terças puras com uma diminuição das quintas de 1/4 de coma sintônico 56 (ASSELIN, Op. Cit., p. 75). O autor também enumera as características desse temperamento recorrente no Renascimento e no início do Barroco:

• 8 é o número máximo de terças maiores puras: mib-sol, sib-ré, fá-lá… até mi-sol#; • 1 quinta do lobo que excede o valor puro [sol#-mib]; • 4 terças maiores inutilizáveis (que são, na verdade, 4 quartas diminutas); • Gama cromática muito desigual. (Idem, p. 76).

55

Segundo ASSELIN, o temperamento é um compromisso consistente em uma certa alteração de intervalos, a partir de seus valores acusticamente puros, e que devem satisfazer a inalterável e rigorosa condição da oitava pura. A técnica mais ismples para obter essas alterações de intervalos consiste em intervir sobre o tamanho da quinta ou sobre o tamanho do seu complemento à oitava, a quarta. No temperamento igual, por exemplo, é necessário inserir 12 quintas iguais dentro dos limites da oitava pura. Essa inserção é possível reduzindo cada quinta (...) [1984, pp. 40-41]. 56

O coma sintônico aparece de diferença de quatro quintas consecutivas e acusticamente puras, que não podem dar uma terça maior (Op. Cit., p. 37). Ex.: dó-sol, sol-ré, ré-lá, lá-mi; cujo mi, em relação ao dó, é mais alto do que seu valor puro. Essa diferença é a medida de um coma sintônico.

62

Uma sonoridade bem particular é obtida através dessas características instrumentais, aliadas e complementares às características essencialmente musicais, tais como a forma, que será o tema do próximo capítulo.

63

CAPÍTULO 5: FORMAS NA MÚSICA IBÉRICA RENASCENTISTA: O TIENTO

Os espanhóis cultivavam fundamentalmente três gêneros formais de música: de um lado os Versos - aos que se deve juntar os Fabordones - de caráter eminentemente litúrgico, utilizados nas celebrações religiosas in alternatim com o cantochão; de outro, as diferencias, constituídas de ciclos de variações sobre melodias populares ou baixo ostinato; e os Tientos: obras musicais para tecla, harpa ou vihuela, normalmente a 4 vozes, ainda que se possam encontrar tientos a 3, 5 ou 6 vozes. Os Tientos são compostos de uma série de seções normalmente monotemáticas em imitação - em estilo canônico ou fugal - sobre temas diversos, a exemplo da fantasia e do ricercar italiano. Entretanto, o Tiento integra também elementos da canzona, do capriccio e da toccata, dos quais pode-se apontar, respectivamente: o caráter de glosado57 do qual deriva o Tiento; uma certa extravagância cappriciosa sobretudo nas passagens de ligação entre seções distintas e um certo virtuosismo instrumental, nas mesmas passagens inter-seções, em contraste com o rígido contraponto das seções circunvizinhas. O Tiento também não tem estrutura muito definida e se baseia sobretudo sobre o rigor da escrita contrapontística, podendo ter apenas uma, mas ainda duas, três ou mais seções, apresentar ou não diferenças de tempo – compasillo, compás mayor, proporción sexquiáltera, prolação – perfeita, imperfeita58 -, etc (Cf. NASSARRE, 1700, p. 31).

Segundo testemunhos meramente literários do século XV e, posteriormente no século XVI, vihuelísticos, a origem do Tiento remete ao ambiente musical palaciano. No entanto, com o surgimento do Tiento organístico, entre 1530 e 1560, a utilização de uma linguagem musical intrinsecamente ligada aos modos e às monodias gregorianas influenciou de maneira expressiva as aplicações polifônicas que nortearam a prática musical a partir do século XVI.

57

Forma musical que deriva da prática de colocar no monacórdio (ou no órgão, harpa ou vihuela) madrigais de cariz franco-flamengo. 58

A prolação perfeita ocorre quando cada figura rítmica - denominada então figura perfeita - vale três das figuras menores. Ex: uma breve dura o equivalente a 3 semibreves. Há modos de cantar, nos quais todas as figuras maiores (máxima, longa, breve e semibreve) são imperfeitas, chamados comumente de compasillo e compás mayor. Nestes casos, cada figura equivale a duas das figuras menores. Ex: uma breve dura o equivalente a 2 semibreves. No compasillo, a semibreve preenche sozinha um compasso. No compás mayor, são necessárias duas semibreves para preencher um compasso inteiro (Cf. NASSARRE, Op. Cit., pp. 32-44 e pp. 57-60).

64

Apesar da íntima relação do Tiento com a Igreja, apenas o compositor e organista do Rei, Diego Del Castillo59 (segunda metade do século XVI) alude às orientações litúrgicas acerca deste gênero, posicionando-o no interlúdio entre Epístola e Evangelho e durante o Ofertório:

Para os Graduais e oferendas, não há obrigação de Observar tom particular, e assim se poderão tocar os tientos, dos quais existe grande quantidade nos Dois livros de cifra [hoje estão ambos desparecidos]. Não somente, servirão os tientos para isto mas também por ser de música muito artificiosa de engenho e Soltura de mão. o Religioso que os utilizar, encontrará grande variedade de tipos de Música com as quais é possível se aperfeiçoar (Diego Del Castillo in Monasterio del Escorial, Biblioteca, iij.&.6. 16, apud JAMBOU, 2008, pp. 243, 244).

Embora este seja o único testemunho sobre o destino litúrgico da forma Tiento no século XVI, é muito clara a relação dos Tientos de Cabezón com seus modelos nos tons gregorianos, assim como é certa a origem de alguns dos seus motivos ou temas no cantochão. Estes fatos fundamentam a obra deste compositor no decorrer do ofício religioso, ainda que nenhum registro musical carregue em seu título sua função litúrgica, conforme pode ser observado na edição de Hernando de Cabezón das obras de seu pai.

A escolha da registração dos Tientos ao órgão representa muitas possibilidades a medida em que essas obras se apresentam sob os mais diversos aspectos: Tiento de lleno60, Tiento de medio registro61 , Tiento de falsas 62. No que tange ao trabalho proposto, como já foi dito anteriormente, sabe-se que o órgão de Cabezón não possui o manual partido, invenção esta que só será realizada no final do século XVI e consolidada no século XVII63: um Tiento cabezoniano, portanto, não poderia ser partido, ou de lleno (que por definição, se opõe ao

59

Organista titular dos paradigmáticos órgãos construídos por Gilles Brebos e filhos no mosteiro de San Lorenzo de El Escorial (c. 1587). 60

Tiento em que todas as vozes têm igualdade e devem ser tocadas indistintamente por ambas as mãos.

61

Tiento em que uma voz, geralmente a mais aguda ou a mais grave, tem caráter solista e, portanto, deve ser tocada com um registro sonoro diferente. 62

Tipo de Tiento que tende a uma grande expressão musical através de dissonâncias conhecidas como falsas. As notas que configuram as falsas soam em lugar de consonâncias antes de se resolverem nessas. 63

Cf. capítulo 4.

65

Tiento partido), ou ainda de falsas 64. Ainda assim, pode-se inferir que esses Tientos sem especificação possuem as características de um Tiento de lleno, além de apresentarem em alguns casos muitas falsas, que constituem o recurso expressivo máximo do estilo. Segundo a organista Montserrat Torrent 65 , a escolha da registração deve considerar as seções dos Tientos, sendo que as obras de uma única seção não deve comportar mudanças de registro. Para os Tientos de várias seções, quando há trocas de compasso entre binário e ternário não é necessária a troca de registros, pois a própria estrutura musical já oferece os elementos de contrastes. Quando, nos Tientos de duas ou três seções, cada uma delas ao final possuir cadências conclusivas, a troca se faz imprescindível, através de um aumento gradual ou mesmo uma mudança de timbre (Cf. TORRENT in KASTNER, Op. Cit., p. 200). Não encontramos quaisquer indicações mais precisas sobre a escolha dos registros nos Tientos nos tratados renascentistas abordados.

64 65

Esta nomenclatura só aparece posteriormente, com Aguilera de Heredia (1561-1627).

TORRENT, Montserrat. Registración de la Musica de órgano de los siglos XVI y XVII in KASTNER, Macario Santiago. I Congreso Nacional de Musicologia. Zaragoza, 1981. p. 200.

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CAPÍTULO 6: TIENTO X DE PRIMEIRO TOM.

Figura 8 - Tiento X (edição de Hernando de Cabezón).

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FONTES.

Este tiento foi publicado em 1578 por Hernando de Cabezón junto a outras peças de Antonio e outros autores, em Obras de música para tecla, arpa y vihuela de Antonio de Cabezón, dedicado ao rei Filipe II.

Além desta edição em tablatura, dois musicólogos - Felipe Pedrell (1841-1922) e Higino Anglés (1888-1969) - editaram essa obra em notação musical contemporânea. Ainda assim, há algumas diferenças entre as duas edições, como é possível observar nas duas partituras de ambas, expostas logo abaixo. Em geral, trata-se de casos de semitonia subentendida, o que sempre permite interpretações distintas.

Esta obra está inserida num precioso compêndio denominado Hispaniae Schola Musica Sacra, (...) Vol. XVII. Antonius A. Cabezón, realizada por Pedrell em 1897. Sobre o tiento em questão, o musicólogo diz:

É dos mais curtos, porém não dos menos interessantes da coleção Tientos ou Prelúdios66 . Nota-se a peregrina figuração harmônica dos compassos 21 e 22 e da surpresa que causa para uma época tão distante da nossa o acorde de sétima dominante que aparece no compasso 55. (PEDRELL, Op. Cit, p. 2).

66

Esta obra se apresenta em versão bilíngue: no texto em francês o autor utiliza a palavra “prélude”, provavelmente por não ter um vocábulo mais apropriado nesta língua para a palavra ibérica “tiento”, que é utilizada no texto em espanhol. Possivelmente Pedrell optou por “prélude” como uma referência à forma pouco rígida do tiento.

68

Figura 9 - Tiento X (edição de Felipe Pedrell).

69

Figura 10 - Tiento X (edição de Higino Anglés).

O musicólogo Higino Anglés, por sua vez, editou e publicou a obra de Hernando sob o título Antonio de Cabezón: obras para tecla, arpa y vihuela. Este autor também enumera os tientos, sendo este o de número X. Este dado é relevante para a identificação da obra, uma vez

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que não há numeração de referência para as obras e o autor ainda possui outro tiento de primeiro tom inserido no mesmo livro. O musicólogo ressalta em sua edição que este é o tiento mais curto entre os quatorze da presente coleção, e que a fórmula do compasso do mesmo é apresentada com um C sem cortar. (p. II Op. Cit.). Esta edição foi adotada como base para os trabalhos de análise, digitação e ornamentação do presente trabalho.

ABORDAGEM SUCINTA DO PRIMEIRO TOM.

Para Tomás de Santa Maria, é necessário que os tangedores compreendam todos os modos. O autor ainda aponta que, sem eles, é impossível tanger sem cometer falhas graves, saindo a cada paso do tom e andando peregrinando por caminhos errados, com o qual se ofendem os ouvidos (SANTA MARIA, Op. Cit., Livro I, fol. 60 recto).

Se utilizam oito tons - ou modos ou ainda composições - sendo divididos entre modos maestros e discípulos, sendo os de número ímpar sempre maestros e os de número par, discípulos. O Primeiro e Segundo modos fenecem67 em Desolre; o Terceiro e Quarto em Elami; Quinto e Sexto em Fefaut; Sétimo e Oitavo em Gesolfeut (Op. Cit., fol. 60 recto).

A estrutura de um modo é formada por um diapason, que é a junção de duas consonâncias principais: um diapente68 e de um diatesaron69 . Para que o diapente seja parte essencial de um modo é necessário que o mesmo, além de conter os 5 pontos, seja composto por três tons e um semitom. Para o diatesaron, é necessário - além de ter quatro pontos - ser composto por dois tons e um semitom, para que a oitava na composição dos modos seja corpo perfeito, e produzido, ou constituído das duas sobreditas consonâncias: convém ter cinco tons e dois semitons menores (Cf. BERMUDO, 1555, fol. lxxj. recto). Uma vez que o tiento de que aqui se trata foi concebido no modo maestro de Desolre, nos deteremos nesse modo em particular. 67

Termo comum à época que designa a conclusão tônica da obra.

68

Este termo designa o intervalo de quinta entre um ponto e outro ou ainda os pontos consecutivos que formam um intervalo de quinta. 69

Este termo designa o intervalo de quarta entre um ponto e outro ou ainda os pontos consecutivos que formam um intervalo de quarta.

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Na formação do diapason dos modos maestros, o último ponto do diapente coincide com o primeiro ponto do diatesaron e se forma sempre de baixo para cima (SANTA MARIA, Op. Cit., Livro I, fol. 60 verso). O diapason do primeiro modo é formado, portanto, por um diatesaron que possui bemi (propriedade de bequadrado) e por um diapente de propriedade de natura (SANTA MARIA, Op. Cit., Livro I, fol. 60 recto, verso).

Como pode ser constatado a partir do Tratado de Glosas de Diego Ortiz, o primeiro modo abriga diversas possibilidades de semitonação: há glosas em Dlasol que contém si bemol (Cf. Op. Cit., fol. 9 recto) ou natural ou sustenido (Cf. Op. Cit., fol. 12 recto e 13 verso) e dó natural ou sustenido (Cf. Op. Cit., fol. 9 recto e 15 verso), ainda que não sejam compatíveis entre si alguns desses semitons na mesma frase. Estes casos são considerados mutanças, que são modulações entre as propriedades de bequadrado, natura ou bemol (Cf. SANTA MARIA, Livro II, fol. 4 recto). Este recurso possibilita que haja clausulas que feneçam em outras notas diferentes do ré, e garante a possibilidade de, por exemplo, elevar o fá em meio tom, o que diminui a distância entre o fá e o sol sustenido que fenece em lá, como ocorre no compasso 47 da versão ornamentada do Tiento X.

BREVE ANÁLISE.

Airecillo: o motivo estilístico.

Muito do discurso dos tientos é passível essencialmente da compreensão melódica e sobretudo harmônica, a considerar que, sob um ponto de vista rítmico, a maior parte das figuras presentes neste e em outros tientos se constituem de mínimas e semibreves. No entanto, há alguns recursos rítmicos - além dos quiebros, redobles, e glosas - que ajudam a condução do discurso musical dessas obras. Pode-se considerar, entre outros, a célula rítmica composta por uma mínima pontuada e uma semínima, que ajuda a dar movimento ao discurso em diversos momentos e pode ser utilizado inclusive para enriquecer temas melódicos ou criar e resolver falsas. Essa célula pode ainda ser apresentada em outras figuras - como uma

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semínima pontuada acompanhada de uma colcheia - e, num ponto de vista prático, se relacionam com tanger com bom ayre descrito por Santa Maria e tem semelhanças com o estilo francês. Este pequeno motivo genérico será utilizado largamente ao longo de todo tiento.

O TIENTO X.

Este tiento possui duas seções com materiais temáticos distintos. A primeira se desenvolve através de um tema cuja solfa é lá-sol#-lá-sol-fá-mi, como mostra a partitura abaixo:

O tema, que ainda é apresentado uma quarta abaixo, é exposto por todas as quatro vozes em imitação nos 13 primeiros compassos. A imitação também pode ser considerada um elemento importante deste tiento, uma vez que possibilita o recurso expressivo das falsas (como no compasso 5) e garante coerência melódica ao discurso temático. Além do tema completo, pode-se considerar como relevante o motivo exposto pelos três primeiros pontos (lá-sol#-lá), uma vez que este será utilizado em quase toda a obra. Esse floreo é o primeiro elemento motívico/temático que é dado a ouvir e mantém-se como elemento de coerência dentro do trabalho imitativo.

A separação da exposição temática inicial do restante da obra é nítida e se dá através de uma clausula no compasso 14, que finaliza a frase em ré. A partir desse ponto, nota-se certa variação temática no desenvolvimento: uma solfa corrente é ré-dó-ré-mi-fá; mostra-se assim uma inversão da segunda parte do tema, mantendo o elemento temático do floreo no início do movimento. Isso ocorre nos compassos 15, 16, 17 e 18 (baixo); 16, 17 e 18 (tenor com solfa a partir do ponto lá) e 18, 19 e 20 (tiple; a partir do lá e suprimindo o penúltimo

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ponto). O tema ainda é retomado pelo contralto nos compassos 15, 16, 17 e 18 (suprimindo apenas o penúltimo ponto); e pelo tiple, com uma pequena variação rítmica, a partir dos compassos 20, 21 e 22. O motivo que inicia o tema também é variado e serve como enredo melódico para a formação da clausula do compasso 25, que finaliza dessa vez em Alamire.

A partir da segunda metade do compasso 26 se introduz outra seção do tiento. Um novo material melódico é apresentado:

O motivo ascendente de três pontos é derivado da variação que ocorreu nos compassos 15, 16, 17 e 18; e, por conseguinte, da inversão do primeiro tema. A precisão rítmica já estava presente no compasso 18, nas vozes tenor e contralto. Todas as vozes expõem

integralmente o novo tema, com exceção do baixo, que varia o final temático

invertendo as figuras rítmicas e mudando o movimento sonoro no compasso 30, dando início a um passeio harmônico no qual cada uma das vozes ocupa um plano de altura distinto.

Na segunda metade do compasso 43 o contralto começa uma ascendência de três pontos em mínimas, enquanto o tenor retoma o primeiro tema, que seguirá passando por todas as vozes até culminar na clausula final, finalizando em uma harmonia composta apenas por consonâncias de oitava e quinta (sem a presença da terceira), típica de várias obras de Cabezón e, enfim, do período.

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DIGITAÇÃO E ORNAMENTAÇÃO

Toda a digitação foi feita com base nas recomendações de Santa Maria e Bermudo, assim como a ornamentação - com exceção das glosas entre pontos, que foi baseada na obra de Ortiz e das glosas de clausula, que foram extraídas de outras obras do próprio Cabezón.

Os números que estão acima das notas indicam os pontos que devem ser tocados com a mão direita, enquanto os números que estão abaixo referenciam os dedos da mão esquerda. No último compasso, a proposta de digitação para a mão esquerda evidencia que se trata de um manual com oitava curta. Para a execução em um teclado de oitava estendida, no entanto, deve-se utilizar o dedo mínimo (5) ao invés do anelar (4).

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Tiento X (edição ornamentada).

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Tiento X (edição ornamentada).

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Tiento X (edição ornamentada).

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CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ainda que a sugestão de interpretação do Tiento X seja uma forma de concluir de maneira direcionada todas as discussões estabelecidas ao longo do texto, faz-se necessário abordar aqui de maneira condensada os problemas encontrados na aplicação dos tratados à obra. Uma vez que os tratados já foram comparados entre si no final do capítulo 3 (página 47), este assunto não será considerado nas conclusões finais.

Embora haja várias possibilidades historicamente corretas de interpretar e ornamentar o referido tiento, as questões de cunho estético foram aqui amplamente consideradas. Segundo Harnoncourt, os conhecimentos musicológicos não devem constituirse um fim em si mesmos, mas apenas proporcionar-nos os meios de chegarmos a uma melhor execução que, em última instância, será autêntica se a obra for expressa de forma bela e clara (Op. Cit., p. 19). Dessa forma, buscou-se desenvolver um discurso musical coerente, que ressaltasse as qualidades e os efeitos expressivos já presentes na obra.

Excetuando-se as glosas de clausula, utilizamos apenas duas glosas em semicolcheias, uma vez que saindo de uma sequência rápida de notas corre-se o risco de cessar o movimento ao deparar-se com uma sequência longa de notas de maior duração. Já nas clausulas, que realmente separam as frases do tiento, este recurso foi utilizado em abundância.

Os redobles, uma vez que só podem ser realizados em semibreves, foram utilizados somente para marcar a entrada das vozes, ainda nos primeiros compassos. Não foi utilizado nenhum redoble reiterado, ainda que do ponto de vista musicológico esteja correto, pois o mesmo dá a ideia de que uma obra de grande envergadura vá se desenvolver a partir de então. Como se trata do menor entre os tientos da coleção, este efeito que garante um interessante colorido foi desprezado. No entanto, um quiebro reiterado aparece já na entrada do baixo, cuja digitação não permitiria um redoble.

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A grande preocupação no emprego dos redobles, quiebros e glosas foi que estes ornamentos não estancassem o ritmo da obra, claramente pautado até cada uma das clausulas. Ainda, tais recursos foram utilizados para conferir um caráter mais dinâmico ao tiento. No compasso 28, por exemplo, optou-se por fazer uma glosa no tenor, mesmo no meio da execução de um tema, priorizando assim o movimento. Outra preocupação - principalmente em relação às glosas - é que elas não interferissem nas falsas presentes na obra, que constituem um relevante efeito de expressão. Por isso, o tiple não foi glosado no compasso 47. O quiebro bermudiano que transforma consonâncias de terceira em uníssono também foi usado tanto quanto possível, conforme a recomendação do autor anteriormente referenciada, uma vez que aporta mais espírito às vozes. Nos pasos, foi utilizado o recurso de quiebros alternados ou ainda o ayre, uma vez que a figura pontuada impulsiona o discurso que se direciona para cima ou para baixo. Pela mesma razão, o baixo no compasso 53 ganhou um ayre extra e imitou o contralto. A imitação confere primor à obra e seu uso, enquanto adorno feito pelo instrumentista, foi sugerido por Santa Maria, quando ambas as mãos executarem quiebros ou redobles. Uma glosa utilizada no compasso 56 pelo tiple também foi imitada invertida pelo tenor no compasso seguinte, conduzindo assim à glosa da clausula final.

Todos os problemas e situações expostas acima apresentam várias soluções satisfatórias. Este trabalho - que não teve a ambição de demonstrar como essa prática musical deve ser feita, e sim como pode ser feita - busca delinear o que poderia ser a música de Cabezón. Embora seja baseado em tratadistas contemporâneos de Antonio, à presente monografia só é possível esboçar uma prática musical de quase quinhentos anos atrás. Muito menos pretensioso do que dizer como era, este trabalho tentou conferir uma ideia concreta do que pode ser a música de Cabezón hoje, e afirmar através de uma prática múltipla e dinâmica que a música antiga é também contemporânea.

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* De acordo com: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e documentação: referências: elaboração. Rio de Janeiro, 2002.

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ANEXO A - Fac-símile das sugestões de glosas presentes nos fólios 20 verso - 24 verso, do Tratado de Glosas de Diego Ortiz.

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