\"Tikun leil tev be-av (BNP, MS IL. 3)\", Luís Urbano Afonso; Adelaide Miranda (ed.), O livro e a iluminura judaica em Portugal no final da Idade Média, Lisboa: BNP, 2015, pp. 145-150 (ISBN 978-972-565-552-8)

July 18, 2017 | Autor: Tiago Moita | Categoria: Hebrew Manuscripts, Jewish Liturgy, Medieval Hebrew Illuminated manuscripts
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18. Tikun leil tet be-av Liturgia para a noite de 9 de Av Espanha ou Portugal. Séc. XV. 64 ff. Pergaminho. Escrita quadrada sefardita. 99x146 mm. Caixa de escrita: 63x85 mm. 1 col. Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, IL. 3

O manuscrito contém uma coleção de 96 poemas penitenciais (seliḥot, sing. seliḥah) destinados à liturgia da festividade de 9 do mês de av (Tishah be-av), um jejum no qual se rememora a destruição do Primeiro e do Segundo Templo de Jerusalém. O seu pequeno tamanho e as indicações de caráter litúrgico, escritas em letra semicursiva, no início de alguns poemas, sugerem o seu manuseio na sinagoga, especialmente no serviço noturno do dia 9, como se infere do próprio título. Entre os poemas penitenciais que o manuscrito oferece, encontramos um conjunto numeroso de qinot (sing. qinah), um tipo de seliḥah centrada na lamentação pela destruição do Templo, enriquecida ao longo dos tempos com abundantes referências à sorte das comunidades judaicas na sua diáspora. É o caso da elegia dezasseis (ff. 12v-14r), com alusões às perseguições suportadas pelos judeus em várias cidades dos reinos de Castela (Zamora, Valladolid, Segóvia, Ávila, Benavente, Leão, Astorga, Palência, Burgos) e Aragão (Valência e Maiorca), nos anos de 1411/1412 (data explicitamente indicada no poema, f. 13v), resultado das efervescentes pregações de Vicente Ferrer e das leis discriminatórias que então se publicam. A inclusão desta qinah, relatando trágicos acontecimentos de começos do século XV, permite-nos datar a produção do manuscrito nesta centúria, possivelmente na segunda metade de 1400. Não obstante, a localização da sua cópia permanece incerta, remetendo-nos os dados codicológicos e paleográficos para o espaço ibérico. Embora a identificação da maior parte dos poemas deste manuscrito permaneça por realizar, o último poema, número noventa e seis (ff. 64r-v), abre com a indicação da sua autoria - «Qinah de Rabi Abraão ibn Ezra» -, uma composição erradamente identificada por Samuel Schwarz como referindo-se à tomada de Lisboa pelos cruzados, em 1147, e à destruição do bairro judaico da cidade (Schwarz,

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1952). Esta leitura criou um mito na historiografia portuguesa, para a qual este seria um documento coevo dos acontecimentos referidos, escrito provavelmente por um judeu que partilhou a sorte dos vencidos, como recentemente apontou José Mattoso, na sua biografia dedicada ao primeiro monarca português (Mattoso, 2006). Na verdade, Abraão ibn Ezra (c. 1089-c. 1167), um dos mais prolíficos escritores hispano-judeus, compositor de inúmeros poemas sacros e profanos, nunca se encontrou em Portugal, embora tenha viajado pelo Norte de África, Itália, França e Inglaterra. A sua poesia foi reunida e publicada em hebraico e inglês por L. Weinberger (1997). Entre os poemas de Ibn Ezra encontra-se o texto do manuscrito em estudo, intitulado Aha yarad 'al sefarad (“Ai de mim! Abateu-se sobre Sefarad”), uma famosa elegia que relata os massacres perpretados contra as comunidades judaicas de Andaluzia e do Norte de África, aniquiladas no decorrer das conquistas almóhades, em meados da década de 1140. O ritmo acelerado da devastação sobre estas comunidades é transmitido pela rápida sucessão de cidades listadas, começando com Lucena (onde Schwarz quis ler a palavra Ulissana como nome dado à cidade de Lisboa) e a destruição da sua famosa academia, seguindo-se Sevilha e outras localidades (Córdova, Jaén, Almería, Maiorca, Málaga, Fez, Tlemcen, Ceuta e Meknès). Estas últimas não são já referidas no códice português devido à perda dos fólios finais, pelo que o texto encontra-se truncado. Por indicação existente na encadernação do códice, o manuscrito pertenceu à coleção de Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814), que o ofereceu a António Ribeiro dos Santos (1745-1818), primeiro bibliotecário da Real Biblioteca Pública da Corte. TIAGO MOITA

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O LIVRO E A ILUMINURA JUDAICA EM PORTUGAL NO FINAL DA IDADE MÉDIA

Bibliografia Correia, 1986; Mattoso, 2006; Nahón, 1990; Schwarz, 1952; Weinberger, 1997.

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