Timor-Leste: o esforço incessant, a glória da jornada

August 30, 2017 | Autor: Agio Pereira | Categoria: Relações Internacionais
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De Timor-Leste.
Debate do Orçamento Geral do Estado 2013.
A Constituição de Timor-Leste define quarto pilares de soberania: o Presidente da República, o Parlamento Nacional, o Governo e os Tribunais, hierarquicamente nessa ordem.
Sublinhado nosso.
"Discurso inaugural de Sua Excelência o Presidente José Ramos-Horta, Parlamento Nacional de Timor-Leste", Gabinete da Presidência, 20 de maio de 2002, pág. 20; citado em A.Pereira, "ForeignPolicyDecisionMaking: Critically evaluate the term 'national interest': the case of Timor-Leste", Academia.edu, pág.12.
K. Gusmão, "Intervenção – Resposta de S.Excelência o Primeiro-Ministro Kay Rala Xanana Gusmão por Ocasião da Moção de Não Confiança", Gabinete do Primeiro-Ministro de Timor-Leste, acedido a 12.32012, http//timor-leste.gov.tl/lang=en, citado em A.Pereira, "Política Externa Tomada de Decisão: Avaliar criticamente o termo "interesse nacional": o caso de Timor-Leste", Academia.edu, 2012, p.9

Li, Minjiang (Ed.) 'Soft Power: China's Emerging Strategy in international Politics', Lexington Books, 2009.
Nye, Joseph, The Powers to Lead, Oxford University Press, Nova Iorque, EUA, 2008.
Ibid.
Existe sempre um outro lado da moeda dos argumentos. Em "Soft Power – China's Emerging Strategy in International Politics", Mingjang Li, incluí uma note de precaução: "O que está faltando em grande parte da discussão existente sobre o "soft power" é o contexto social que tanto suscita como dificulta o crescimento do poder soft ... muitas pessoas concordam que a democracia liberal norte-americana, como uma ideologia, é uma forte fonte de soft power americano porque é muito atraente para as elites político-sociais em todo o mundo. No entanto, ambém pode ser um fator prejudicial entre as elites dominantes que considerem a democracia uma ameaça ao seu poder político nacional..." p.5
CAVR
Na sequência do relatório da CAVR "Chega", Timor-Leste e Indonésia criaram, posteriormente, a Comissão Verdade e Amizade (CVA), diretamente dependente do Chefe de Estado de cada país, e o seu trabalho foi coroado de grande sucesso.
As Universidades também são uma vital fonte de "soft power". Veja o artigo de Richard Murphy "that Roots of Realism and Idealism: US Engagement with the Middle East, 1918 – 1939, 13 Janeiro 2015, http://english dohaiinstitute.org/home/5ea4b31b-155d-4a9f-8f4d-a5b428135cd5/cdf063ee-4c8e-425f-af7e-e52a30cc221e, onde Murphy concorda que a Universidade Americana de Beirute e a Universidade Americana do Cairo "foram e continuam a ser, hoje, um sucesso singular para a extensão do soft power americano."
6 de Janeiro de 2015
Timor-Leste: o esforço incessante, a glória da jornada

Agio Pereira

Todos os dias fazemos progressos. Cada passo deve tornar-se frutífero. No entanto, vamos ter pela frente um percurso que se arrasta incessantemente, sempre em esforço, cada vez melhor. Sabemos que nunca vamos alcançar o fim do caminho. Mas isso, longe de ser desanimador, só reforça a alegria e a glória da jornada.

Sir Winston Churchill
Político britânico (1874 - 1965)


NA SUA REFLEXÃO sobre a governação de 2014, o Primeiro-Ministro Kay Rala Xanana Gusmão defendeu que, embora muito já tenha sido feito, o progresso tem ficado aquém das expectativas de muitos. Posteriormente, Abílio Araújo, empresário e intelectual de Timor-Leste, na sua Carta Aberta de resposta à mensagem de reflexão do primeiro-ministro, sublinhou que o país ainda precisa de Xanana Gusmão ao leme e que, apesar das deficiências, muito tem sido conseguido, graças à sua coragem, visão e perseverança. Ambos os líderes dizem o óbvio: nenhum país do mundo consegue fazer tudo o que os dirigentes pretendem alcançar. Ocorrem sistematicamente imponderáveis, ao ponto de se tornar necessário aceitar que ficar aquém das expectativas integra a própria noção de sucesso. Ou, como disse Churchill, reforça a alegria do esforço continuado para chegar ao final da jornada.

Política nacional e democracia
A verdade é que Timor-Leste está a fazer progressos, que muitos até dizem "exceder as expectativas". Aqueles que estiveram no país há alguns anos e voltam agora, depois de longa ausência, em particular os que conheceram os efeitos da crise de 2006, não conseguem acreditar no progresso registado em Timor-Leste e no nível de sucesso na consolidação dos benefícios alcançados. Em 2012, todo o mundo elogiou o país pelo êxito na realização livre, transparente e democrática de eleições. Começou por haver duas rondas de eleições para a Presidência da República. Mais uma vez, o candidato da Fretilin, o principal partido da oposição, foi derrotado. No entanto, daí não resultou nenhum sinal de violência. O candidato derrotado, Dr. Lu-Olo, acatou o resultado com uma nota de grande dignidade, que honrou o seu partido e o país; seguiu-se a eleição geral [para o Parlamento], que também não registou situações de violência, apesar das animosidades políticas e acusações mútuas. O partido liderado pelo então Primeiro-Ministro Kay Rala Xanana Gusmão não só ganhou a maioria dos lugares, como ficou a apenas três deputados de uma maioria absoluta. Além disso, o CNRT derrotou a Fretilin nas urnas, pela primeira vez. A voz do povo foi ouvida: pretendia que o CNRT continuasse a governar e conduzisse o país. A política democrática prosseguiu e o país regista estabilidade e progresso, com vista à consolidação da independência e ao êxito da construção do Estado-nação.

Durante o debate parlamentar sobre o orçamento nacional de 2013, o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão e o ilustre deputado Dr. Mari Alkatiri surpreenderam muita gente, ao declarar o seu empenho numa união de propósitos. Alkatiri foi mais longe na sua declaração à Plenária do Parlamento, dizendo que, enquanto for vivo, nunca permitirá que alguém prejudique Xanana Gusmão. Tal afirmação de ter um propósito na vida pelo qual morrer foi retribuída pelo Primeiro-Ministro, reforçando o sentido do propósito que os dois dirigentes decidiram partilhar. Para aqueles que estavam acostumados ao confronto político de Xanana Gusmão e Alkatiri, este novo paradigma foi difícil de engolir. No forumhaksesuk, um fórum de discussão organizado pelo Partido Democrático, alguns timorenses começaram a analisar esta nova dinâmica de uma forma construtiva. Várias perspetivas críticas foram postas à discussão, sendo expressos diversos pontos de vista. Neles se incluíram o de que o Dr. Mari Alkatiri estaria a reinventar a sua imagem, preparando-se para conduzir os processos do Mar de Timor, ou a agarrar a última opção viável para manter a sua carreira política.

Os pontos de vista críticos apresentados no forumhaksesuk levaram o Dr. Alkatiri a responder, tanto no próprio fórum como na sua última declaração no Plenário do Parlamento, no derradeiro dia de debate do orçamento. Segundo ele, aqueles que criticaram a sua decisão de trabalhar mais de perto com o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão não conseguem captar o interesse nacional. Foi mais longe e afirmou que as mesmas pessoas que criticaram o seu movimento pareciam preocupadas com a perda de oportunidades de explorar a influência sobre o Primeiro-Ministro, para conseguirem posições no governo. Mari Alkatiri retoma frequentemente a visão de que é necessário salvar Xanana Gusmão. A lógica subjacente é a de retirar Xanana da proximidade de alegados elementos corruptos do governo e também, supostamente, do seu forte partido político – o CNRT. Salvar a imagem de Xanana como o principal veterano da luta de libertação nacional significa também salvar o bom nome dos próprios veteranos.

Ambas as partes podem ter razão. Podem estar ambas certas, por não haver um debate amplo e profundo sobre o que é verdadeiramente o interesse nacional, em Timor-Leste, neste momento e conjuntura. Talvez salvar o bom nome dos veteranos possa ser legitimamente encarado como fazendo parte do interesse nacional. De vez em quando, os políticos reinventam-se para se manterem relevantes. Debater esta nova conjuntura pode também ajudar a determinar o rumo do país, daqui para a frente. Como dizem alguns, a fusão da Fretilin com o CNRT pode ser perigosa, porque pode matar a democracia. No outro lado do espectro, encontramos o argumento de que a fusão é vital para a consolidação da independência nacional. Esta perspectiva baseia-se na noção de que o maior risco para o interesse nacional é ter dois partidos fortes, com laços históricos e de resistência, a tentar constantemente minar-se um ao outro. E se esta política polarizada continuar para além da era de Xanana Gusmão e Mari Alkatiri, o país pode reentrar num labirinto de crises, no ciclo de conflitos a que regressa muitas vezes a maioria dos países em situações de pós-guerra e de pós-conflito – como se isso refletisse inevitavelmente uma lei da natureza. O dilema poderá ser que nutrir a democracia também é um interesse nacional vital de Timor-Leste.

Então, quais são as principais características da nova conjuntura? A construção do Estado é a necessidade estratégica do país. Viabilizar esse processo constitui a pedra fundamental para o sucesso do desenvolvimento nacional. Como o primeiro-ministro Xanana Gusmão diz muitas vezes, Timor-Leste está agora a deixar o nível da construção da paz e da reconstrução nacional para encetar o da construção do Estado. Isso significa que o ambiente social e político subjacente é agora propício ao reforço da operacionalidade das instituições do Estado, nomeadamente dos órgãos de soberania, da Polícia, das Forças Armadas, do aparelho da Função Pública, da Comissão Anti-Corrupção e do Provedor de Justiça. No entanto, as instituições que defendem os valores de um Estado-nação não são fáceis de construir; leva décadas e gerações a garantir o seu crescimento e sustentabilidade. Adotar atalhos pode levar ao fracasso e Timor-Leste sabe o perigo dos atalhos para resolver questões políticas fundamentais. Durante um quarto de século, o país lutou pela sua independência e desenvolveu com êxito uma resistência poderosa como característica nacional, que ainda hoje ajuda a transformar desafios difíceis em elementos positivos de unidade nacional e de paz sustentada.

Neste processo, a fragilidade pode também ser uma constante. Trata-se de uma consequência da fraca cultura institucional, que percorre dos militares à polícia, do Governo ao aparelho da administração pública, da elite política à sociedade civil em geral. Fragilidade não significa falta de conhecimentos, de capacidade ou de vontade política. Timor-Leste tem desses ingredientes em abundância, para seguir por diante. Fragilidade é uma consequência da dificuldade de mudar as mentalidades, trocando uma relação de dependência por uma de independência; de ativismo político por boa cidadania; e a compreensão da cidadania em termos de responsabilidade, como contribuintes e como construtores do Estado.

Fragilidade também pode ter como consequência perder-se de vista o sentido fundamental do dever de servir o povo, a qualquer preço, e sucumbir a interesses pessoais de curto prazo. É ainda falta de empenho na superação das desvantagens decorrentes da fraca experiência política. Fragilidade também pode ser uma consequência da perda de visão do sentido fundamental do dever de servir o povo, permitindo assim que muitos de tornem vítimas de interesses pessoais de curto prazo e tambéma falha em investir na superação das desvantagens decorrentes da falta de experiência política. Por último, mas não menos importante, fragilidade também pode significar exigências excessivas para atender os "direitos" dos cidadãos e minando a importância vital da entrega de resultados com base no dever de "servir" a Nação, refletindo sobre o famoso apelo de J. F. Kennedy aos seus compatriotas americanos: "Meus compatriotas americanos, não perguntem o que seu país pode fazer por vocês, perguntem o que vocês podem fazer pelo vosso país".

Para além de instituições fracas e dos demais perigos mencionados anteriormente, o país enfrenta outros desafios reais. Como a maioria dos países, Timor-Leste debate-se com falta de recursos, em particular no fornecimento de energia sustentável, em prol do desenvolvimento nacional de longo prazo. Como a maioria dos países, Timor-Leste tem um défice de receitas fiscais com que satisfazer as exigências do seu povo. A maioria da população não é contribuinte e o país depende principalmente das receitas do petróleo, que partilha com a Austrália e as empresas petrolíferas. Como a maioria dos países, Timor-Leste também enfrenta um défice de recursos humanos qualificados, com a formação adequada à actividade económica e ao mercado de investimento, tão necessários quando o país se esforça por garantir a sua sobrevivência a longo prazo. Como muitos países, Timor-Leste também se confronta com o dilema recorrente de encontrar as pessoas certas para pôr nos lugares certos, de modo a maximizar a produtividade e a qualidade dos serviços prestados à sua população. Específica de Timor-Leste é a batalha que enfrenta pelo estabelecimento das fronteiras marítimas com a Austrália, que tem sido objecto de um processo notoriamente carenciado de "ethos" e retidão da parte da Austrália.

Em suma, há que entender as necessidades do interesse nacional, para que haja boa articulação e seja bem operacionalizado pelas políticas e ações. O ex-Presidente Ramos-Horta manifestou a sua interpretação de interesse nacional da seguinte forma:

"... Um país pequeno e vulnerável precisa de uma política externa dinâmica, criativa e pragmática, inspirada pelo interesse nacional, nomeadamente no que se refere à nossa segurança interna e externa, à paz e à estabilidade, e ao bem-estar económico do nosso povo. Reconhecendo que fazemos parte de um mundo globalizado, com interdependências cada vez mais complexas, lidar com investimentos, turismo e comércio, tecnologias de informação, ciência e questões de saúde faz parte das exigências a que uma nova nação necessita de responder, para se manter um Estado viável."

O primeiro-ministro Xanana Gusmão vai ainda mais longe:

"O interesse nacional significa desenvolver a Nação! O interesse nacional significa defender o progresso, a estabilidade política, a estabilidade económica e a segurança interna. O interesse nacional significa defender os interesses de todos os cidadãos timorenses. O interesse nacional também significa a criação de um clima de unidade e coesão, bem como promover a reconciliação".

Em relação às duas perspectivas acima, pode-se argumentar que os planos quinquenais do Governo, incluindo o anterior, do quarto Governo Constitucional liderado pelo Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, lançaram as linhas mestras para servir os interesses nacionais.

A estratégia
Para o primeiro-ministro Xanana Gusmão, esta nova conjuntura – de acção política concertada com a oposição – é condição sine qua non para assegurar a viabilidade da consolidação da independência. A construção de um aparelho de Estado saudável requer partilha de sacrifícios de todos os cidadãos e depende da adoção de estratégias políticas corretas. Esta nova conjuntura é uma estratégia fundamental nesse sentido. Por um lado, é verdade que ter os dois maiores partidos em sintonia pode prejudicar a democracia liberal; por outro, pode ser produtivo, no sentido em que o país pode concentrar-se em estratégias de desenvolvimento nacional, voltadas para a obtenção de resultados. A única coisa que os céticos precisam de fazer é seguir o que Winston Churchill disse um dia: "Por mais bela que seja a estratégia, temos de olhar de vez em quando para os resultados". Neste processo evolutivo, que para alguns evolui depressa de mais, é preciso monitorizar os resultados. No final de 2014, a julgar pelos esforços concertados com vista ao Orçamento Nacional de 2015, os resultados continuaram a ser satisfatórios, a democracia não morreu e o desenvolvimento continua a mover-se em direção ao final da jornada.

No entanto, para ser justo com os céticos, temos de reconhecer que a monitorização qualitativa de resultados pode ser uma tarefa dececionante. Por exemplo, se o país andar mais depressa em termos de execução do Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), isso pode não significar que a causa determinante fosse a aproximação dos dois maiores partidos. Pode simplesmente significar que foi atingido um dado patamar e que uma nova dinâmica se tornou possível. Pode também significar que os fatores externos que dificultavam o processo de desenvolvimento estratégico são agora menos acutilantes. Pode também significar que a população e o aparelho administrativo do Estado estão mais maduros, permitindo que as responsabilidades sejam cumpridas de uma forma mais precisa e orientada para os resultados. Quaisquer que sejam as análises e conclusões, a verdade é que a paz e o desenvolvimento têm de andar de mãos dadas, permitindo uma melhor utilização das qualidades e condições de que o povo de Timor-Leste dispõe, como sejam: um Estado-nação, kick-off para o desenvolvimento estratégico e para avançar no sentido da consolidação da sua independência nacional.

A construção do Estado também significa bater-se por garantir que o Estado tem capacidade para proteger a soberania nacional. Isso exige diplomacia inteligente, desenvolvimento adequado e eficaz utilização de 'soft-power'; e uma economia forte que, por sua vez, viabilize um aparelho militar e uma sociedade civil mais fortes, com impacte sobre a eficácia do policiamento, sobretudo na criação de um ambiente nacional saudável de lei e ordem. A construção do Estado também significa reforçar a cobrança de impostos e aumentar gradualmente a qualidade da educação da sua população mais jovem. A construção do Estado também significa capacidade para atrair investimento estrangeiro de qualidade e tomar as melhores decisões possíveis para acomodar tanto as exigências dos trabalhadores internacionais como as necessidades dos trabalhadores nacionais. Parafraseando o ex-Presidente Ramos-Horta, Timor-Leste só conseguirá ser bem-sucedido se reconhecer as realidades de pertencer a um mundo globalizado, com interdependências cada vez mais complexas, o que exige lidar com investimentos, turismo e comércio, tecnologia da informação, ciência e doenças, como parte das prioridades de uma nova nação, para poder permanecer um Estado viável.



Soft power
Uma vez que o interesse nacional, tal como foi formulado pelo Primeiro-Ministro Xanana Gusmão e o ex-Presidente Ramos-Horta, implica necessariamente com o desenvolvimento da Nação; e também significa defender o progresso, a estabilidade política, a estabilidade económica e a segurança interna, neste ambiente cada vez mais globalizado, em que as ameaças à segurança estão cada vez mais interligadas: um Estado-nação relativamente pequeno, como Timor-Leste, precisa de recorrer a diplomacia inteligente e usar ao máximo o seu "soft power", o poder de persuasão.

Assim sendo, pode-se perguntar: o que é exatamente o "soft power"? Há peritos que salientam o facto de ser a arte de convencer os outros a adotar uma dada estratégia, sem necessidade de recorrer à coerção ou à força militar. Alguns avançam como exemplo os Estados Unidos da América, em que esta arte sai prejudicada devido a um excesso de especialização e ao hábito de recorrer sistematicamente ao poder militar, à força das armas, para quebrar a vontade dos inimigos, subjugá-los e fazê-los adotar aquilo que consideram preferências estratégicas. "Soft power" é, pois, a capacidade de um Estado-nação para influenciar os resultados de uma forma inclusiva e manter o foco no objetivo pretendido, sem esgotar o orçamento nacional, como aconteceria se fosse dada preferência à utilização de meios militares.Quando analisam o "soft power" na China, por exemplo, os especialistas realçam que "o discurso chinês sobre 'soft power' tem-se concentrado principalmente nas suas emanações e utilidade potencial para a estratégia da política externa chinesa. Já a principal avaliação do estado do 'soft power' da China feita por analistas chineses destaca que ainda é um elo fraco da China na sua busca de um poder nacional mais forte e abrangente." Em matéria de negócios estrangeiros e cooperação, a narrativa da China concentra-se no respeito e benefício mútuos. Isso significa cooperação sem interferência nos assuntos internos de outros países, nomeadamente os que beneficiam de programas de cooperação da China. Investir em "soft power" também pode ser uma estratégia que a China vê como benéfica para a sua imagem internacional, porque, se for bem concebida e posta em prática com sucesso, produz uma diferença marcante entre a abordagem não-militar da China e dos Estados Unidos.

Joseph Nye, o pai da tese do "soft power", ao refletir sobre liderança, na sua obra "The Powers to Lead", esclarece que" 'soft power' não é sinónimo de influência, embora seja uma fonte de influência... é também a capacidade para seduzir e atrair. A atração muitas vezes leva à aquiescência. Em termos comportamentais, o 'soft power' é um poder atrativo. Em termos de recursos, os recursos de 'soft power' são os ativos – tangíveis e intangíveis – que produzem tal atração." Comparado com o poder puro e duro, que repousa sobre incentivos e ameaças, Nye afirma que o "soft power" consegue "alcançar os resultados que se quer, atraindo os outros, em vez de os manipular com incentivos materiais. Coopta as pessoas em vez de as coagir." Esta tese é particularmente importante para a "guerra contra o terrorismo", em que, muitas vezes, o uso de força resulta em mais violência e intermináveis pequenas guerras em várias frentes inesperadas, incluindo o fenómeno dos "lobos solitários", hoje vivido em países desenvolvidos.

O "soft power" de Timor-Leste faz parte da sua própria história, com a luta de quase um quarto de século, o êxito da paz e da reconciliação com a Indonésia e a Austrália, e a política de unidade e reconciliação nacional. Estas características de Timor-Leste ajudam a fortalecer o seu poder de persuasão. Além disso, o elevado padrão, internacionalmente reconhecido e valorizado, do trabalho da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação, bem como a Comissão bilateral de Verdade e Amizade, e os Prémios Nobel da Paz do Dr. José Ramos-Horta e D. Carlos Ximenes Belo, fazem parte do "soft power" de Timor-Leste. Dirigentes históricos de calibre sem precedente, como Kay Rala Xanana Gusmão e outros, incluindo respeitados líderes da Igreja, na coexistência pacífica das diferentes religiões, apesar de uma igreja católica dominante, todos trabalhando em conjunto de forma convergente no sentido de tornar viáveis a democracia e o desenvolvimento nacional, contribuem para o fortalecimento do "soft power". Uma sociedade como a de Timor-Leste, hoje lutando por justiça social, apesar dos constrangimentos institucionais e sociais causados pela sua própria história, compreende naturalmente a importância do "soft power". O que falta fazer é projetar a riqueza desses componentes vitais para o resto do mundo, para que Timor-Leste e os seus dirigentes sejam levados a sério e respeitados, sempre que apresentem as suas narrativas sobre a paz, reconciliação e desenvolvimento, com particular benefício para os países mais frágeis.

Concluindo, Timor-Leste tem vindo a fazer progressos constantes, todos os dias, tal como defendia Churchill: "Todos os dias fazemos progressos". Tanto internamente como além-fronteiras, Timor-Leste tem vindo a afirmar a sua autoridade, apesar de ser um pequeno Estado-nação que busca consolidar a sua independência na ponta mais distante da Ásia. É encorajador ver que o progresso de Timor-Leste também reflete o princípio de tornar cada passo frutífero, não apenas maximizando o impacte do uso do seu poder de persuasão, mas aumentando o próprio "soft power". Refletindo também o princípio de que nunca iremos alcançar o fim do percurso, o primeiro-ministro Xanana Gusmão, na sua primeira reunião do Conselho de Ministros, pediu aos seus ministros para procurarem atingir 90% dos resultados, de modo a que, quando só conseguir alcançar 75%, isso tiver sido um êxito. Tendo em mente a democracia dinâmica que tem vindo a ser alimentada em Timor-Leste, cada dia é certamente uma conquista, maior ou menor; isso garante que o êxito do desenvolvimento do país a longo prazo, independentemente de quem estiver no comando. Há e haverá sempre obstáculos a superar; mas o principal dever de todos é alimentar as sementes já plantadas, pois só alimentando-as elas poderão dar frutos.

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