Timor-Leste: um ano depois da chuva

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Título glosando "After the rain", do músico John Coltrane, disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=Je2tpX6Z-QA
Refletindo sobre o período de confrontação com Fretilin, o partido da oposição
See Gerti Sqapi, "Transitional paradigm as an explanation for the democratization processes", http://ojs.journals.cz/index.php/CBUConference2013/article/view/467/458
ASDT, PSD e PD; passados mais de dois anos, a UNDERTIM também se juntou à Aliança
Consulte: https://www.academia.edu/10172556/Timor-Leste_climbing_towards_the_end_of_the_journey. Após a eleição legislativa de 2012, apenas quatro partidos conseguiram lugares no Parlamento. A Frente Mudança obteve dois, pela primeira vez; o Partido Democrático (PD) conseguiu oito, o mesmo número que tinha na legislatura anterior; a FRETILIN ficou com 25 lugares; e o CNRT ganhou a maioria, com 30 deputados. A disponibilidade imediata da FM e do PD para se juntar ao CNRT, a fim de garantirem estabilidade na governação, foi notável e levou a dois anos e meio de um Governo bem-sucedido (de 8 de agosto de 2012 a 8 de fevereiro de 2015). Apesar de algumas divergências, aqueles partidos continuam a trabalhar em coligação com o CNRT, para garantir a estabilidade do Governo, até ao final do mandato.
O Presidente da República, TaurMatanRuak, consultou o Conselho de Estado (na segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015) e afirmou à saída que tinha aceitado a renúncia do primeiro-ministro Xanana Gusmão e estava a trabalhar na posse do novo Governo. Consulte: http://presidenciarepublica.tl/h-e-president-republic-taur-matan-ruak-accepts-request-resignation-prime-minister/?lang=en
O problema envolvia muito mais questões e a Comissão Independente de Inquérito da ONU publicou um relatório sobre as complexidades da crise. Entre outras observações finais, nele se declara: "A Comissão é de opinião que os violentos eventos de abril e maio foram mais do que uma sucessão de atos criminosos. Foram a expressão de problemas profundamente enraizados, inerentes a instituições estatais frágeis e a um Estado de Direito frágil. Os acontecimentos expõem muitas deficiências e falhas, especialmente nas duas instituições que estiveram no centro da crise, F-FDTL e PNTL, bem como no Ministério da Defesa e no Ministério do Interior, encarregados da respetiva supervisão. A ausência de quadros regulamentares completos e a desconsideração dos mecanismos institucionais existentes, apesar de incipientes, contribuiu significativamente para o surgimento e crescimento da crise", p.74 (consultado em 9 de fevereiro de 2015 em, http://www.ohchr.org/Documents/Countries/COITimorLeste.pdf
Antes disso, Xanana Gusmão declarou no Parlamento Nacional, em Díli, no dia 9 de janeiro de 2014, quando apresentou a proposta de Orçamento nacional, que este seria o seu último discurso sobre o orçamento como Primeiro-Ministro. Depois disso, reiterou que iria renunciar ao cargo durante uma visita de trabalho a Portugal, em janeiro de 2014. A terceira ocasião foi quando discursou na conferência "Identificar os problemas e fornecer soluções", no Centro de Convenções de Díli, em 6 de agosto de 2014; e insistiu, na Conferência Nacional do CNRT, em setembro de 2014. Portanto, os avisos sobre a renúncia eram claros
Cleary, P. 'Peace in East Timor at cost of economic dignity', The Australian, 7 de fevereiro de 2015
A Constituição de Timor-Leste prevê que um novo Governo tem 30 dias para apresentar o seu programa ao Parlamento. Se o Programa for rejeitado duas vezes pelo Parlamento, o novo Governo cai
Desde o início dos anos oitenta, "A Luta" foi concebida como tendo três frentes principais: a Frente Armada, a Frente Clandestina e a Frente Diplomática, mas as três estavam sob o comando unificado de Kay Rala Xanana Gusmão
Este lema galvanizou apoios à reconciliação e à unidade nacionais e, de certo modo, tornou a Frente Clandestina mais eficaz e viabilizou as comunicações entre os componentes da resistência nacional. "Todas as frentes" significa a inclusão de componentes culturais e religiosas, de jovens, trabalhadores e estudantes, todos desempenhando papéis importantes
O debate realizado no CCD, em novembro de 2013, foi dirigido pelo ex-Primeiro-Ministro Mari Alkatiri. Não beneficiou da participação de Mauk Moruk, porque ele se recusou a participar. No entanto, foi relembrada uma parte muito substantiva de eventos importantes da Luta de Libertação Nacional. Os discursos de Xanana Gusmão, Taur Matan Ruak e Lere Anak Timur contribuíram para uma melhor compreensão das complexidades da realidade enfrentada pelos nossos combatentes da liberdade, os corajosos líderes da Luta; da luta;https://www.youtube.com/results?q=Debate+no+Centro+de+Convencoes+de+Dili+com+Mauk-Moruk
As FALINTIL, Forças Armadas de Libertação de Timor-Leste, começaram por ser o braço armado da FRETILIN. Em meados da década de 80, Xanana Gusmão declarou-a uma estrutura autónoma, não partidária, uma força de guerrilha, independente de ideologias partidárias, focada unicamente em unir o povo contra a ocupação
Os membros da Comissão Diretiva da FRETILIN eram Konis Santana, Mau Hunu Bulere Karatiano e Hodu Rankadalak
A 29 de junho de 2004 Durão Barroso anuncia a sua resignação do cargo de primeiro ministro de Portugal; e assumiu o cargo de Presidente da Comissão Europeia em novembro do mesmo ano. Ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Manuel_Dur%C3%A3o_Barroso
Conhecido por "Assembleia da República'"
Nome completo: José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Timor-Leste: um ano depois da chuva

Os partidos políticos dividem o povo;
eu também tenho culpas nisso, porque também tenho um partido político

Primeiro-Ministro Kay Rala Xanana Gusmão
Centro de Convenções de Díli, 6 de agosto de 2014

RESUMO
Esta é uma reflexãorealizada precisamente quando passa o primeiro ano do VI Governo Constitucional de Timor-Leste (VIGC), liderado pelo Primeiro-Ministro Rui Maria de Araújo. O propósito não é contar a história de um notável ano de êxitosda nossa governação. Prefiro deixar essa avaliação ao nosso povo. O objetivo aqui é informaras pessoas sobre um processo político complexo, que vem sendo desenhado por experiências que remetem para uma luta de 24 anos pela libertação nacional, e avaliar o papel decisivo desempenhado por Kay Rala Xanana Gusmão.
Agora, em tempo de paz, avaliamos os desafios enfrentados pela coligação que tornou possível o V Governo Constitucional e a convergência mais recente dos dois principais partidos políticos do país –CNRT e FRETILIN. A maneira pouco convencional como o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão tratou da sua sucessão política, baseado na doutrina da política de transição, também conhecida por "paradigma de transição", com base na qual a geração mais velha, dos anos sessenta, passava o comando do país para a geração seguinte, tem sido mal-entendida.
O sucesso do Governo de Rui Araújo deixou clara a necessidade de os céticos compreenderem este paradigma. A maneira como Xanana Gusmão interveio, desde o tempo da luta de libertação nacional, conhecida em Português por "A Luta", também é analisada com brevidade, tal como a forma como ele passou o leme do Governo. Por último, conclui-se que Xanana Gusmão adotou e prossegue o princípio de Frank Sinatra: faço as coisas à minha maneira.
A maneira de Xanana Gusmão fazer as coisas tem conseguido, até agora, manter o país calmo e em paz.

Palavras-chave: Timor-Leste, luta, desenvolvimento estratégico, Xanana Gusmão, CNRT e Fretilin, unidade nacional, reconciliação, estabilidade nacional, democracia, Constituição
TIMOR-LESTE: UMA PAZ DINÂMICA
Quando ouvimos a obra-prima de John Coltrane, "After the Rain", é impossível não nos sentirmos relaxados, tranquilos e em grande harmonia e ficamos sem vontade de experimentar qualquer mudança. Apesar de muitos anos de pequenos conflitos, Timor-Leste também tem desfrutado de paz e harmonia, e ninguém quer mudanças, para evitar perturbar a sensação predominante de paz. E assim foi até que Kay Rala Xanana Gusmão, o Mandela da Ásia, decidiu deixar o cargo de Primeiro-Ministro a meio do mandato.

Após o fim do Conselho Nacional da Resistência Timorense, em 2002, Xanana Gusmão decidiu não ser Presidente da República de Timor-Leste, para aflição da comunidade internacional. Dirigentes como Kofi Annan, Secretário-Geral das Nações Unidas, Colin Powell, Secretário de Estado dos Estados Unidos, e Junichiro Koizumi, Primeiro-Ministro do Japão, entre outros, falaram com Xanana Gusmão, pedindo-lhe para rever a sua posição. Apelaram a que fosse o primeiro Presidente eleito de Timor-Leste – ainda que só por um mandato. Xanana Gusmão acabou por ceder e anunciou a sua candidatura no último minuto. Como se esperava, ganhou a eleição de forma expressiva. Concluiu um mandato como Presidente e decidiu não se candidatar a um segundo.

Em vez disso, criou um novo partido, o Conselho Nacional para a Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), que se apresentou às eleições gerais de 2007 e ganhou 18 dos 65 lugares no Parlamento. Xanana Gusmão preparou, então, o caminho para o CNRT unir forças com outros três partidos e formar o IV Governo Constitucional (IVGC). Essa coligação dirigiu o Executivo durante cinco anos (2007-2012). O CNRT voltou a competir com a Fretilin na eleição de 2012, altura em que ganhou uma maioria confortável, permanecendo no poder até hoje.

Desde o início do mandato que o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão tinha anunciado não pretender ficar até ao final; mas nunca especificou quando iria sair. E não se pode levar a mal aos que sentiam que a renúncia do dirigente podia comprometer a paz e a harmonia, tendo em conta a crise de 2006-2007 (ou recuando mais, o período de violência de setembro de 1999).

Um momento alto do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão foi, seguramente, a maneira como geriu a crise de 2006-2007, quando milhares de pessoas deslocadas internamente (PDI) exigiam uma solução para os seus problemas. Essa crise envolveu complexidades especiais, pois foi originada por um vazio de autoridade causado pelo confronto entre a polícia (PNTL) e o Exército (F-FDTL). O conflito foi buscar elementos de regionalismo e pôs ainda em confronto a política de independência com a da autonomia dentro da Indonésia. Foi uma remanescência da história política recente, em que questões mal resolvidas e antigas feridas ocuparam o vazio e fizeram vítimas entre inocentes que só tentavam viver em paz.

O IVGC, liderado pelo Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, trabalhou de forma inclusiva com todos os setores relevantes da sociedade e conseguiu pôr fim a essa crise nacional, para além de possibilitar o regresso de todos os deslocados às suas áreas de residência. O poder de Xanana Gusmão permitiu que as forças políticas relevantes do país trabalhassem juntas para superar a tragédia. Esse incrível feito, num período relativamente curto de tempo e após menos de dois anos no Governo, confirmou as credenciais do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão como Pai da Nação. Ironicamente, são elas que tornam tão difícil as pessoas aceitarem que chegou a hora de Xanana Gusmão se afastar do leme da governação.

O mais forte indício dado pelo Primeiro-Ministro Xanana Gusmão sobre a sua demissão foi a mensagem do fim de ano de 2014. Era uma reflexão pessoal sobre o futuro do país, a governação e a qualidade da prestação de serviços, bem como do cumprimento das elevadas expectativas da sociedade. A questão pendente da sua demissão foi articulada. Pediu desculpa a toda a gente por quaisquer falhas, especialmente aos seus colegas de Governo e aos membros da coligação. Provavelmente a pensar nas altas expectativas das pessoas, constatou que, embora muito tivesse sido feito, o Governo tinha ficado globalmente aquém da meta traçada. Num aviso antecipado, também pediu desculpa aos partidos políticos da coligação, porque a sua solução para a próxima remodelação não iria de encontro às suas preferências.

Um elemento da sua "reflexão" foi o seu mea culpa, "lamentando" a criação do seu próprio partido, o CNRT, no contexto do confronto com a Fretilin. Esta notável autocrítica, ilustrativa do ditado que dá o reconhecimento dos erros como prerrogativa de uma pessoa com força de caráter, tinha sido apresentada anteriormente, numa reunião alargada, no Centro de Convenções de Díli (CCD), a 6 de agosto de 2014; aí, o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, no discurso de encerramento, afirmou: "Os partidos políticos dividem o povo; eu também tenho culpas nisso, porque também tenho um partido político."

Numa reunião à porta fechada, também no CCD, em 19 de dezembro de 2014, o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão alertou os participantes, maioritariamente funcionários públicos de topo, que 2015 traria um evento muito importante; e pediu-lhes para não se deixarem surpreender. No entanto, nem todos entenderam que em causa estava a sua futura renúncia ao cargo e a remodelação radical do seu Governo. Na mesma reunião, apelou a todos os funcionários públicos para agirem na defesa dos interesses do povo; e para não se tornarem militantes de partidos políticos.

Nessa altura, Timor-Leste já estava a atravessar momentos complicados da política nacional. Um dos motivos era a falta de preparação: depois de anunciar, em diferentes ocasiões, que iria demitir-se do cargo de Primeiro-Ministro, a realidade abateu-se finalmente sobre as pessoas – "Xanana demitiu-se – está feito e não há volta a dar". A reação foi, como se esperava, resistir à sua saída e insistir para que Xanana Gusmão permanecesse no cargo até ao final do mandato, a 8 de agosto de 2017. Outra razão foi Xanana Gusmão, não só anunciar a sua demissão, mas convidar membros do Comité Central do partido da oposição, a FRETILIN, a entrarem para oGoverno, incluindo para o cargo de Primeiro-Ministro, apesar de todos o fazerem a título pessoal, não em representação do seu partido político. A terceira razão foi Xanana Gusmão, antes de anunciar a sua renúncia, ter convidado 25 membros do Governo a demitir-se. O que todos fizeram. O que não tinha sido entendido é que o Primeiro-Ministro tinha decidido retirar-se do cargo. O seu próprio partido, o CNRT, deu-lhe carta branca para decidir a remodelação e o novo Governo, mas não gostaram que isso incluísse a demissão de Xanana Gusmão de Primeiro-Ministro.

Este novo Governo é um "governo inclusivo", o que pode beneficiar mais o país do que a clássica política de adversários, inerente aos sistemas democráticos liberais, nomeadamente na Europa Ocidental e na Austrália. Fora das fronteiras de Timor-Leste, sobretudo em países como a Austrália e a Nova Zelândia, onde esse tipo de política de opositores corre no sangue dos políticos, a inovação introduzida em Timor-Leste não foi entendida. Como já afirmei antes, Xanana Gusmão estava a adotar o princípio de Frank Sinatra: faço as coisas à minha maneira.

O V Governo Constitucional (VGC) resultou da combinação de forças dos três partidos políticos: CNRT, Partido Democrático (PD) e Frente Mudança. O CNRT do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão tinha ganho a maioria dos votos na última eleição (2012) e dispõe de 30 lugares, a 3 da maioria absoluta. O PD obteve 8 lugares e a Frente Mudança 2. Combinados, têm 40 (quarenta) lugares de 65 (sessenta e cinco), uma maioria muito confortável no Parlamento Nacional. A Coligação ocupa ainda as três posições-chave naquele órgão de soberania: o presidente e os dois vice-presidentes.

O Programa do Governo para o mandato de cinco anos passou sem qualquer dificuldade, o Orçamento Geral anual também passou sem grandes dúvidas e a solidariedade entre Governo e Parlamento, apesar da separação de poderes, mantinha-se forte. O Orçamento Geral para 2015 foi aprovado por unanimidade: os 65 deputados votaram a favor. No entanto, na sua declaração de voto, o deputado Mari Alkatiri reiterou que o seu voto tinha como condição uma remodelação do Governo.

A questão de saber porque o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão escolheu aproximar-se da FRETILIN – no que muitos viram "entregar o Governo aos quadros da Fretilin" –, é razoável. No entanto, a resposta não é linear e qualquer tentativa simplista falha, por ignorar o processo de luta pela libertação nacional, que incutiu uma cultura política única a Timor-Leste.

Passado um ano, em 16 de fevereiro de 2016, é evidente que o Governo liderado pelo Dr. Rui de Araújo ultrapassou as expectativas. Muitos pensaram que este Governo estaria destinado ao fracasso, por misturar muitos partidos políticos e quadros da oposição no desempenho de papéis cruciais. No entanto, norteado por um espírito patriótico, dando todos o melhor esforço possível dentro das circunstâncias, o Primeiro-Ministro Rui de Araújo tem todos os motivos para se orgulhar da sua liderança.

Fator particularmente importante tem sido a manutenção de um espírito de corpo, uma equipa que trabalha em conjunto, com um propósito comum, para levar o país para diante. Em latim, diziam: unus pro omnibus, omnes pro uno ou seja, "um por todos, todos por um"; este lema tem dado energia a todos os membros do VIGC, para se garantirem resultados. Como disse o Chefe do Executivo na sua reflexão sobre a passagem deste ano de governação: têm-se conseguido resultados, mas os efeitos precisam de mais tempo para se fazerem sentir. Assim, para aumentar o espírito de corpo e ajudar a ultrapassar os maiores constrangimentos do Conselho de Ministros, por minha sugestão, acrescentou: "o fracasso não é uma opção".

INTERESSE NACIONAL E CONTINUIDADE
O êxito do primeiro ano do VIGC confirma que Xanana Gusmão nunca dá um passo sem calcular os riscos inerentes. O facto de ele ter consultado os seus parceiros de coligação, incluindo concordar em discordar, e propôs o Dr. Rui Maria de Araújo para Primeiro-Ministro ao Presidente da República, Taur Matan Ruak, significa que, em termos do interesse nacional, tinha a certeza de que tudo iria correr bem; que o novo Governo iria ser seguro. E tem sido, há já mais de um ano.

O Primeiro-Ministro Rui de Araújo prossegue o programa do Governo de Xanana Gusmão, com alguns ajustamentos. Para o próximo ano e meio, não se espera que seja substancialmente diferente, exceto mais dinâmico e mais orientado para a tecnologia global. O apoio contínuo ao Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), aprovado pelo Conselho de Ministros e o Parlamento Nacional em 2011, continua a ser o principal esteio deste Governo.

Além disso, contar com Xanana Gusmão no Executivo, na pasta do Planeamento e Investimento Estratégico, significa que ele continua a desempenhar um papel no apoio à estabilidade da governação. No entanto, esse papel pode ser limitado, devido à necessidade de se concentrar na política e planificação de setores vitais, tais como o planeamento urbano e a eficiência energética, a gestão territorial e os municípios. O investimento estratégico requer concentração na atração de investimento estrangeiro de qualidade, crucial para a criação de postos de trabalho. O emprego vai aliviar a pobreza e ajudar a cumprir as metas nacionais. Xanana Gusmão tem, pois, minimizado os riscos associados à sua estratégia de saída.

O Ministro Xanana Gusmão, também considerado Ministro-Mentor do VIGC, tem a supervisão de diversas áreas-chave, incluindo o planeamento integrado e a garantia de uma execução bem-sucedida do PED. É uma ação que complementa a supervisão do Primeiro-Ministro, bem como de outros Ministros de áreas importantes, como as obras públicas e planeamento urbano; petróleo e recursos minerais; e transportes e comunicações.

Como vem acontecendo desde o IVGC, o melhoramento da eficiência e eficácia na prestação de serviços é de suma importância para o Governo. Isso significa que o Ministro Xanana Gusmão tem de investir o seu tempo no apoio ao Primeiro-Ministro, no sentido de garantir que os fundos especiais, empréstimos, aprovisionamento, Censo e estatísticas são feitos com qualidade e para benefício do povo. Se, enquanto Primeiro-Ministro, ele se consumia na incessante atividade de superar obstáculos intransponíveis e satisfazer as elevadas expectativas do povo, no novo papel como Ministro e Ministro-Mentor, continua a não ter folgas.
Outro fator de risco pode advir da estabilidade nacional e da segurança interna. Por isso, a prioridade é garantir que os Ministérios do Interior e da Administração Estatal funcionam bem, com uma liderança forte, para que todas as estruturas governamentais, nos treze municípios do país, sejam conduzidas de acordo com prioridades claras, definidas pelo Governo. Timor-Leste está muito pacífico e estável há já mais de oito anos. O IVCG conseguiu transformar o ambiente de fraca segurança resultante da crise de 2006 em segurança efetiva e na renovada confiança do povo nas instituições do Estado.

A tentativa de assassínio de 11 de fevereiro de 2008 – quando o Presidente José Ramos-Horta foi alvejado e foi feita uma tentativa para atingir também o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, na mesma manhã – ironicamente levou a uma maior unidade e estabilidade. Sobretudo depois da rendição do grupo de Salsinha e dos membros que restavam dos apoiantes do falecido Alfredo Reinado. Pequenos conflitos podem ocorrer esporadicamente mas, desde a época de Reinado e Salsinha, tudo aponta para o facto de as instituições do Estado, bem como a sociedade civil de Timor-Leste, serem capazes de limitar danos colaterais indesejados para a estabilidade nacional e a paz.

UNIDADE NACIONAL
Desde o tempo da luta pela libertação nacional – muitas vezes referida em Português por "A Luta", que durou 24 anos – a unidade nacional tem desempenhado um papel vital na garantia da sobrevivência da nação. Convergência de ideias, prioridades, sentido de missão e, acima de tudo, ações voltadas para prosseguir a causa da libertação nacional conduziram ao fim do sofrimento do povo. A realização de um referendo em 30 de agosto de 1999, recolheu do povo uma vitória clara para a independência nacional. Sem unidade nacional, a votação teria sido impossível e, mesmo que fosse viabilizada, a vitória nas urnas não seria assegurada.

A unidade nacional não foi uma conquista fácil. O caminho foi duro e, por vezes, sangrento. Exigiu uma transformação radical das mentalidades e das estruturas herdadas da resistência armada e requer reformas políticas. Isso foi conseguido, porque o objetivo da libertação nacional se tornou um objetivo nacional, abrangendo todos os elementos da sociedade timorense. Significou perdão, mas também atuações corajosas em todas as frentes, para levar o país para diante. Acima de tudo, a nação precisava de um líder que não andasse ao sabor do vento, mas que fosse um transformador, capaz de mudar ideologias, estruturas e mentalidades para encontrar as soluções adequadas para servirem de inspiração das pessoas. Isto significou combinar unidade nacional com os melhores recursos humanos disponíveis, em cada fase da luta, com vista a garantir a sobrevivência da nação.

A unidade nacional passou também necessariamente por um processo de reconciliação. Desde 1975 a sociedade timorense estava fraturada e enfrentou uma guerra civil em agosto do mesmo ano. Mais tarde, com o prolongamento da ocupação indonésia, muitos daqueles que tinham sido inicialmente favoráveis à intervenção da Indonésia foram ficando cada vez mais insatisfeitos com as políticas e comportamento do Governo do ocupante. Começaram a refletir sobre o seu futuro e a tomar consciência de que era melhor trabalhar em conjunto com a Resistência nacional, para mudar a situação. Ter um inimigo comum viabilizou o caminho para a reconciliação nacional.

A violência divide sempre as pessoas e a reconciliação só é possível quando os dirigentes encontram um propósito comum. Para os timorenses, perceber que a integração poderia significar o desaparecimento como nação possibilitou a galvanização de energias e apoios em vários níveis da sociedade, garantindo que a resistência não desaparecia. E assim, o lema nacional passou a ser: "A luta continua em todas as frentes". Os partidos políticos convergiram em propósito e ação, alguns pró-integracionistas mudaram de posição, o moral nacional reforçou-se e "A Luta" ficou mais forte. O movimento da juventude começou a ganhar força e um líder, Kay Rala Xanana Gusmão, tornou-se mais conhecido e valorizado. E assim, a nação sobreviveu ao processo de genocídio.

EM BENEFÍCIO DA NAÇÃO
Durante a luta pela libertação nacional, houve ocasiões em que Xanana Gusmão, na sua qualidade de Comandante e dirigente nacional, foi forçado a tomar medidas drásticas, para garantir que "A Luta" continuava, sem derrotas desnecessárias. Teve, por exemplo, de substituir alguns comandantes que não estavam a ter o desempenho necessário ou cujo comportamento punha em risco a vida dos guerrilheiros; e promover outros para preencher os lugares vagos. Alguns consideraram essas decisões unilaterais. Mas foram, na realidade, decisões legítimas, feitas no cumprimento do dever e em resposta aos ditames da guerra e à necessidade de garantir a sobrevivência; e sempre porque a luta exigia que tais decisões fossem tomadas.

A reorganização da Resistência foi uma das principais decisões que Xanana Gusmão teve de tomar. Declarar as FALINTIL não-partidárias e criar uma Comissão Diretiva da FRETILIN foram algumas das extraordinárias decisões tomadas por Xanana Gusmão durante a luta, consultados outros dirigentes, como Mau Hunu Bulere Karataiano, Hodu Rankadalak e Nino Konis Santana, os dois últimos já falecidos. Vivia-se num contexto de guerra de libertação, numa época em que não existiam telemóveis, nem Skype ou redes sociais. As circunstâncias impunham tomadas de decisão, para garantir que a luta nacional do povo timorense permanecesse viável e à procura de uma solução pacífica, justa e abrangente no âmbito do Direito Internacional.

Pode-se dizer que a transição na direção do Governo de Timor-Leste tem semelhanças ou precedentes em Portugal. Quando o Primeiro-Ministro Durão Barroso decidiu aceitar o convite para se tornar Presidente da Comissão Europeia, o cargo de maior prestígio da União Europeia, o Presidente Jorge Sampaio aceitou que ele fosse substituído por Santana Lopes e a governação prosseguiu – trabalhando, como sempre. Depois de ouvir a coligação do PSD /CDS-PP, o Presidente deu posse a Santana Lopes. Passado algum tempo, houve eleições antecipadas. Desentendimentos no interior da coligação levaram o Presidente Sampaio a dissolver o Parlamento e a convocar novo ato eleitoral. O Partido Socialista venceu as eleições com maioria absoluta e José Sócrates tornou-se Primeiro-Ministro. No entanto, a transição de Durão Barroso para Santana Lopes não tinha provocado sobressaltos.

A decisão do Presidente português de concordar com o pedido da coligação para substituir o Primeiro-Ministro por outro membro do seu partido também pode ser vista como tendo sido movida pelo interesse nacional. Durão Barroso ter-se tornado Presidente da Comissão Europeia foi uma mais-valia para Portugal, aumentando o prestígio do país, o seu "soft-power". No caso de Timor-Leste, Xanana Gusmão afastou-se para dar à nova geração oportunidade de receber o testemunho, tomando contacto com os complexos meandros da governação, o que também é do interesse nacional.

CONCLUSÃO
Em suma, dirigir a resistência nacional para salvar a nação, tornar-se o primeiro Presidente eleito após a libertação nacional, assumir a responsabilidade do Executivo do país durante sete anos e meio, por meios democráticos, dirigir e melhorar a preparação da nova geração para assumir as responsabilidades necessárias para fazer avançar o país constituem tarefas gigantescas, sem paralelo na história mundial recente. Um homem conseguir cumprir todas essas tarefas, com uma coragem inquebrantável, é um autêntico milagre.

A iniciativa de sair de Primeiro-Ministro, para passar essa responsabilidade para um membro do Comité Central do partido da oposição, ainda que a título individual, certamente gerou confusão. Já era esperado que assim fosse. Se os partidos políticos dividem o povo, como afirmou Xanana Gusmão, é porque esta nação muito jovem, recentemente recuperada de um quarto de século de violência, precisa de se manter alerta, para prosseguir a luta pela consolidação da sua independência e soberania, conquistada através de sangue, lágrimas e sofrimento generalizado.

Houve quem se insurgisse contra Xanana Gusmão por ter tomado ações pouco convencionais para fazer o país avançar. Se as críticas eram mal-intencionadas, só podem ter vindo de quem reflete o que Shakespeare escreveu: "Nunca vi uma voz tão cheia saída de um coração tão vazio, mas já lá diz o ditado:'Quanto mais vazia a carroça, mais barulho ela faz'."




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