Tipo Natural

September 30, 2017 | Autor: Teresa Marques | Categoria: Natural Kinds
Share Embed


Descrição do Produto

“Tipos Naturais”. João Branquinho, Desiderio Murcho and Nelson Gonçalves (eds.) Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, São Paulo, Martins Fontes, 2006.

Teresa Marques Universidade de Lisboa [email protected]

tipos naturais Chamam-se termos para tipos naturais a termos gerais usados para designar espécies ou géneros animais, substâncias orgânicas, minerais ou químicas, isto é, para quaisquer tipos de itens que não sejam artefactos humanos, por exemplo, «tigre», «líquido», «água», «ser humano». São termos que designam um conjunto de indivíduos, objectos ou substâncias agrupados numa certa categoria natural sob uma designação comum. Um problema central associado a estes termos é a dificuldade de explicar como uma palavra que designa um tipo natural adquire o poder de se aplicar a um número potencialmente infinito de indivíduos; por exemplo, como nos permite o significado de um termo como «tigre» referir só e apenas certos animais? É uma tese clássica encarar termos para tipos naturais como aplicáveis a certos objectos apenas

na

PROPRIEDADES.

circunstância

em

que

esses

objectos

exemplifiquem

certas

Essas propriedades são encaradas como as CONDIÇÕES NECESSÁRIAS

e suficientes para um objecto cair sob a desinação de um certo termo geral ou comum. Por exemplo, é considerado como uma condição para que algo seja um tigre que seja um mamífero, um felino, que tenha cerca de três metros de comprimento, que seja alaranjado com riscas pretas, que tenha grandes presas, que viva na Ásia, etc. Hilary PUTNAM (1975) pretende argumentar contra o que considera ser a abordagem tradicional à semântica dos termos para tipos naturais. Segundo Putnam, existem duas teses erradas que é necessário abandonar a favor de uma teoria correcta do carácter semântico desses termos. Tradicionalmente supõe-se que I) o conhecimento do significado de um termo ou palavra consiste em estar num certo estado psicológico ou mental e que II) o significado de um termo determina a sua EXTENSÃO (aquilo a que a palavra correctamente se aplica). Estas teses implicam que a extensão de uma palavra é determinável por um estado mental particular. Pretendendo mostrar que ambas as teses atrás são incorrectas e que a extensão de um termo para um tipo natural está longe de ser determinável pela capacidade cognitiva de um indivíduo em isolamento, Putnam recorre ao argumento da TERRA-GÉMEA. Suponha-se que existe um planeta noutra galáxia em

tudo igual à Terra, que tenha evoluído do mesmo modo, contendo exactamente os mesmos indivíduos, os mesmos países, e no qual se falam as mesmas línguas que as existentes na Terra, mas no qual aquilo a que os falantes de portuguêstg (português da terra gêmea) chamam «água», não é molecularmente constituído por H2O, mas tem outra constituição, mais complexa, que chamaremos XYZ. Aquilo que os terráqueos-gémeos dizem ser água apresenta todas as características superficiais da água na Terra, isto é, de H2O: enche oceanos e lagos e barragens, cai como chuva, é usado como gelo em bebidas, usa-se para lavagens e para cozinhar, as pessoas vão a termas de XYZ, etc. Putnam argumenta que: I) ainda que XYZ seja designado pelo mesma palavra que H2O («água»), na realidade XYZ não é água, pois só aquilo que é constituído maioritariamente por H2O é correctamente chamado «água»; e II) os terráqueos-gémeos associam exactamente as mesmas propriedades com a água que os terrestres, possuindo os mesmos conceitos associados ao termo «água», estando no mesmo estado mental que os terrestres ao falarem em água, referindo-se contudo a uma substância diferente. «Água» não significa XYZ, ou melhor, água não é XYZ. Pretende-se assim provar que associação por parte de um indivíduo de certas propriedades com uma palavra não só não determina a extensão de uma palavra, como aquilo que uma palavra significa não pode depender unicamente das capacidades mentais de um indivíduo. Daí o slogan que os significados não se encontram na cabeça. Putnam apresenta uma nova teoria para a semântica de termos para tipos naturais. A determinação da extensão de um termo para um tipo natural como «água» obedece a um padrão semelhante ao seguinte: apontando para um exemplar de um tipo natural (água) define-se ostensivamente o termo. O exemplar de água indicado tem uma relação de semelhança (ou a relação de ser a mesma substância ou tipo de coisa) com outros exemplares do mesmo tipo; a definição ostensiva constitui assim uma condição necessária e suficiente (mas demonstravelmente incorrecta, no caso de aquilo que é indicado não ser um exemplar do tipo designado, por exemplo alguém por engano apontar aguardente em vez de água) para que algo seja água: se algo é para ser tomado como água, tem que exemplificar a relação de ser o mesmo líquido que o exemplar indicado. Esta relação de semelhança é uma relação teórica, pois pode requerer intensa investigação científica para que seja estabelecida. A relação em que os termos para tipos naturais entram revela um aspecto fundamental da sua semântica. Putnam propõe que termos para tipos naturais são INDEXICAIS,

tais como as palavras «agora» e «isto». (No exemplo de «água», conta 2

como água aquilo que é a mesma substância que a água que encontramos por aqui, quer aquilo que se designará como água se encontre noutro planeta ou a séculos de distância). Na teoria de Putnam inclui-se a hipótese da divisão do trabalho linguístico. Os membros de uma comunidade linguística possuem meios de distinguir se algo cai sob uma certa designação, mas cada um não é necessariamente capaz de distinguir individualmente, com certeza absoluta, se um item é de um certo tipo ou não -- por exemplo, se uma pedra é um diamante ou outro cristal. Para tal requerse a opinião de especialistas. A comunidade parece assim, na proposta de Putnam, dividir-se entre especialistas em certas áreas e leigos. A determinação do significado de um termo e da sua extensão requer a cooperação entre os diferentes membros da comunidade (especialistas e leigos). Os critérios que contam para determinar e reconhecer se algo pertence à extensão de um termo pertencem à comunidade linguística como um todo, mas o trabalho de determinar quais as CONDIÇÕES NECESSÁRIAS

e suficientes que fornecem o significado de um termo, e

assim, aquilo a que o termo se aplica, é dividido pela comunidade. Normalmente, à determinação do significado de uma palavra está associado o desenvolvimento científico e a descoberta da estrutura física dos exemplares de um certo tipo natural, a qual pode passar a contar como uma condição necessária e suficiente para

que

algo

seja

considerado

sob

a

mesma

designação

desse

tipo;

argumentavelmente, essa estrutura física constitui a ESSÊNCIA desse tipo natural. Saul KRIPKE (1972) defende, numa proposta semelhante à de Putnam quanto à indexicalidade de termos para tipos naturais, que estes termos são DESIGNADORES RÍGIDOS.

Uma vez identificada a composição da água, por exemplo, a palavra «água»

refere (rigidamente) qualquer substância com a mesma composição molecular, mesmo nas circunstâncias contrafactuais em que se chama «água» a XYZ e não a H2O. Um MUNDO POSSÍVEL em que aquilo que as pessoas designam por «água» seja XYZ, e no qual não exista H2O, não é um mundo possível em que existe água. É admissível que os utentes de palavras como «tigre» ou «água» associem um conjunto de descrições com o termo que usam, e que essas propriedades ou descrições podem ter alguma utilidade para reconhecer os exemplares designados, mas estas palavras não fixam a referência ou a extensão de termos para tipos naturais. TERESA MARQUES BIBLIOGRAFIA

Kripke, S. (1972) «Identity and Necessity» in M. Munitz, org., Identity and Individuation. Nova Iorque: Nova Iorque University Press 3

Kripke, S. (1980) Naming and Necessity. Oxford: Blackwell Putnam, H. (1970) «Is Semantics Possible?» in H. Kiefer & M. Munitz, orgs., Language, Belief and Metaphysics. Albany: State University of Nova Iorque University Press. Putnam, H. (1975) «The Meaning of «Meaning’» in Mind, Language and Reality: Philosophical Papers, Vol. 2. Cambridge: Cambridge University Press.

4

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.