Tipos e gêneros textuais: Modos de leitura e de escrita - Revista Signum 2008

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vn.H,m ISSNis16-3083 Número II/1.-Julho de 2008 Volume Temático:Texto e Discurso

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GIFB") pedindoao [...]todotextoé umamáquinapreguiçosa leitor quefaçaumapartedo seutrabalho. (ECO,t994,p.9) nesteartigo,refletir sobreasdiferençasentre as Resumo:Pretende-se, noçõesde tipos e gênerostextuaise suainfluência no desenvolvimento da leitura e da escrita em língua materna, em diferentes níveis de Com isso,busca-se contribuir para minimizar a confrsão escolarização. conceitualque cercao temâ, a qual tem produzido reflexosnegativos sobreos modoscomo textose discursossãotrabalhadosem salade aulagênerostextuais;leitura; escrita Palavras-chave: Abstract: The aim of this article is to reflect about the differences amongnotions of textual typesandtextgenresand their influencesupon the developmentof writing and readingin mother tongue, on different levelsof education.Thus, we ought to contribute to minimíze the conceptualconfusiondriven by this issuewhich hasbrought negative reflexeson the way that texts and discoursesare dealt with in the classrooms. Keywords: text genres;reading;writing

1 Leitura e escrita como práticas sociais Todosnós, ao longo de nossasvidas,construímosdiferentes" históriascomo leitorese escritores.Alguns, por terem a experiênciade vivenciarempráticas viver em ambientesde leitorese,conseqüentemente, de letramento,fazerndaleitura e da escritacompanheirascotidianas. Infelizmente,nem todos têm essaoportunidade.Grande parte dos pelo menos,um grau mediano de instrução,e, ainda, que alcançaram, 2008 Estud. Ling.,Londrina, n. 1.1/1,p.I67-l8),jul. Srcsur,r:

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muiros dos que fazempartedo seletogrupo dos sujeitosconsiderados cultos, têm pouco ou nenhum contato com a leitura e a escritade modo crítico, autônomo e criativo. Isto significafazerusoda iinguagerí em toda suapotencialidade,produzindo, cornpreendendoe fazendo circular textos, discursose sentidos em diferentes níveis de complexidade,grausde formalidade e de adequaçãoconrexrual. Ler e escrever,por exemplo, para amaioria dosjovensque ingressamem um cursode nível superior,funcioniln como ferramentas que resolvem, em certa medida, as demandasdo dia-a-dia,como respondera e-mails,redigir bilhetescur-ros,decodi{icardocumenros, cartazes,avisos etc., mesmo estandorodeadosde códigos,imagense infinitos modosde significação. Nessemomenro, quandosãocobrados a participar, de modo eferivo, das atividadesexigidaspelo mundo acadêmico,surpreendem-secom a constataçãode que secomunicar em suaprópria língua é algo mais amplo do que decifrar mensagens do cotidiano. Mas qual a importância de ler e escÍever,de modo competentee crítico, no mundo contemporâneo?O quesignificapensar a leitura e a escritacomo práticassociais? Essasperguntaspârecemóbvias,principalmenteseo nosso ponto de referênciaé o mundo letrado. De certo modo, aquelesque decifram os letreirosde ônibus,{azemlistasde compras,lêemnotícias brevesno jornal e redigembilhetespara o(a)namorado(a)nãoestão participando de práticassociaisde letramento?Mas issoé suficiente? Paraquemì No mundo cadavezmais aceleradoem que vivemos,no qual a troca de informações,em grandeescala,pode serfeitapor um simplestoque no teclado,e no qual asexigênciasdo mercadodetrabaiho exacerbamos saberesespecializados, comunicar-secompetentemente em nossaprópria línguarem sido um diferencial. SeaÌudirmosà célebreafirmaçãode Paulo Freirede que a leitura do mundo precedea leitura dapalavra,compreendemos que o que o nossograndeeducadorquis nos fazerentenderé queler ultrapassa a mera capacidadede decodificarlerrase relacionálasa sons,e, ainda, ler exigedo leitor-escritorum senridovoltado paraascoisasdo mundo e suarelaçãocom a linguagemque nos constitui como sujeitosem nossarelaçãocom a exterioridade, sobretudocom o ourro.No entanto, analogamenre,como nos lembra Yunes a leitura da palavra QOO2), tambérncondicionaa leitura do mundo. ou melhor. os modoscomo Srcxur.r: Estud.Ling.,Londrina,n. 1l/1,p. 162-1gC, jul.2008

lemos e escrevemosas palavras,condicionam os modos como percebemoso mundo. Nessesentido. leitora dos indivíduos significarestiruir[...] resgatara capacidade lhes a capacidadede pensar e de se expressar cada vez mais adequadamenteem suarelaçãosocial,desobstruindo o processode construçãode suacidadaniaque sedá pela constituiçãodo sujeito, isto é, forralecendoo espíritocrítico. (ytlNES, 2002,p.54) Não cabe nesserexto uma discussãosobre o papel da leitura e da escrita em nossa sociedade, nem sobre o fato de que, em muitas

esferasdo cotidiano, fazemos uso limitado das possibilidades comunicativasque a nossalínguaoferece.Assumo, aqui, que esteescrito, mais do que dirigido a acadêmicosou leitores/escritores maduros, volta-separa aquelesque têm pouca ou nenhuma intimidaãe com a nossalíngua em sua modalidade escrira, principalmente o grande número dejovensqueingressamno ensi.nosuperior sem aindasedarem conta disso;e paraos obstinadoscomo eu, professoresou não, que trabalham cotidianamentepara desenvolveressaspráticasjunto aos nossosalunose à sociedade em geral. Esteanigo, portanto, buscateceralgumasreflexõessobreos diferentestextos e formas de discurso que nos rodeiam. buscando esclarecer os conceirosde tipos textuais iên.ro. rexruaisá .o-o .r* " compreensãopode contribuir para o desenvolvimenro de práticasde leitura e escritamais efetivase adequadas àsexigênciascomunicativas do mundo contemporâneo. 2 Ler e escrever: as diferentes faces do texto As discussões contemporâneassobreos diferentesusosda linguagem,na perspectivados .itrdos do discurso, da pragmâcicaou dalingüísticado texto, têm contribuídoparamodificar ou, pelo menos, forçar uma re-olhada nas práticas de ensino de língua marerna, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento da competência comunicativa,oral e escrita,do falante.Ler e escrever,por exemplo, têm sido eleitoseixosfundamentaisa parrir dos quaisrodasasatividades que compõem a unidade da aulade língua sedesenvolvem,pelo menos na teoria e nasorientaçõesfornecidaspelos ParâmetrosCurriculares SrcNun:Estud.Ling., Londrina,n. Il/ l, p. 167-lBO,jul. 2OOg

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ffi {* NacionaispaÍao Ensino de Língua Portuguesa(PCN$. No enranro, sabemosqueaindapersistem,em nossassalasde aula,práticasmecânicas de leiturae produçãode textos,nasquaiso caráterformal e lingüístico rem supremaciasobreos sócio-comunicativose discursivos. O trabalho com a leitura e a escrita envolve uma gamade aspectos,cognitivos, lingüísticos e socioculturais,que precisamser pensadose integradosnaspráticas que desenvolvemos,quer como leitores e produtores de textos, quer como professores- e aqui não incluo apenasos professoresde língua! Nesse sentido, para compreendermoscomo nos comunicamos e interagimoscom o mundo à nossavolta, é necessáriolançar um olhar sobre os modos como produzimos,compreendemose fazemoscircular textos em nossa vida cotidiana. Para isso, é necessárioestabeleceralgumas distinçõesimportantesquanro aosconceitosde tipos e gênerosrextuais, bem como a suarelaçãocom aspráticassociaisdeproduçãoe recepção de textose discursos.Antes disso,no entânto, é importante deixar claro o queentendemospor textoe por discurso,visto que,em muitos momentos,essas duasinstânciasda açãocomunicativasãotomadas como sinônimas.SegundoMarcuschi(2005,p.24),por exemplo: Embora hajamuita discussãoa esserespeito,pode-sedizer qruetexto é uma entidadeconcretarealizadamaterialmenree corDorificadaem algum gênero textual.Discursoê.aquìloque um t.*to produ, r. ^o manifestarem algumainstânciadiscuniva. Assim, o discursoserealiza nos textos. O texto, porranto, é a instância formal de expressão do

discurso, o modopeloqualossujeitosconstroemsentidos e estabelecem diálogos intersubjetivos. Koch (2OO5a, p. 1Z)nostrazbastante clara essaidéia,quandoconsidera queo rexroé "o próprio lugardainteração e osinterlocutores, comosujeitosarivosque- dialogicamente - nele seconstroem e sãoconstruídos". E, emoutromomento,Koch (ZOOSb, p.27) defrneorexrocomo: verbal constituídade elementoslingüísticos [...]uma manifestação selecionados e ordenadospelosco.enunciadores, durante a atividade verbal,de modo apermitir-lhes,na interação,não apenasa depreenúo de conteúdossemânticos,em decorrênciada ativaçãode processose t 7Q

SrcNrnr: Estud.Ling.,Londrina,n. ll/1,p. 162-180, jul. 2008

(ouatuação) comotambéminteração deordemcognitiva, esratégias deacordocompúticassocioculturais. O texto, dessemodo, é a materialidadedo discurso,suaforma de expressãolingüística,atravésda qual o sujeito constrói Pontesem sua relaçãocom o outro e com o mundo que o cerca' e se(re)velae Nossosalunos,Portanto' e experiências. compaftilhasentidos,saberes produzem discursosatravésdetextos, emtextos. Também com reiaçãoà noçãode gênero,encontramosas denominaçõesgênuotexuul eghero discursivo,adependerdo ponto de teóricasdo autor. De modo geral,asduastêm sido vista e dasescolhas tratadascomo sinônimas,embora,Paraefeitodidático e pelaprópria distinçãoentre texto e discursotratadaanteriormente,eu prefira me reporrar a gênerotextual,anão serquandoa referênciaestásendofeita a outros autores,como Bakhtin, que trabalham com a noção de gênero dadtnav. A reflexãosobregênerotextual tem sido, de certo modo, uma práticarecentee produtiva no meio acadêmicocontemporâneo. por um lado, pelas Ent.e outros motivos, ela foi desencadeada, orientaçõesdifundidaspelosPCNs parao ensinode LínguaPortuguesâ' tambémKleiman (2005),que destacaque como ressaltaBrait QOO2),e um movimento relevantede a proposta dos PCNs desencadeou peìqúsa que visa, entre outras coisas,"descreveruma diversidade considerávelde gênerosa partir dos heterogêneostextos que os atvalízam.". Brait QOO2),no entanto' observa que' embora essâs orientaçõessugiramo ensinode línguamaterna ap:irtff de gêneros discursivos, também contribuem para perPetuar â confusão terminológicaentreosconceitosde gêneroe tipo textual,uma vez que fundem orientaçõesteóricasdiferentes,semuma adequadaexplicação conceitose seusmodos de operar do que vem a sercadaum desses naspráticasde letramento.confusão,aliás,bastantecomum nos livros como nos mosrraa pesquisade Bonini didáticosdeLínguaPorruguesa, de análisede livros venho desenvolvendo que (1ggg),e os trabalhos didáticoscom alunosdo cursode Licenciaturaem Letras. Por outro lado,a crescenteincapacidadedosestudantes'tanto do ensino fundamental quanto do médio, de produzirem e compreenderemtextos,dosmais diferentesgrausde complexidade, visro que a noçãode texto na escolatem sido forçã., essadiscussão, n.1l/1,p.167-180,iu1.2008 Esrud. Ling.,Londrina, Srcxr,v:

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if[ Bakhtin (2000) chama-nos a atençãopara a imponante questãodo estudodos textos lirerários que,como discutirammuiros teóricos da linguagem,semprefoi o ponto de panida quandoo {oco era a questãodo gênero.No entanto, os gênerosliterários,como observa:

reduzidaà estrutura lingüística,e não vista,como seriadesejável,como resultadoda açãohumanade produzir sentidosatravésda linguagem. Os alunosingressosnos cursosde nível superior,dessemodo, trazem sobretudoaqueiesoriundosdo sistema essehistórico de insucesso, público deensino. De modo geral,aquelesquetrâtam de gênero,elegemBahktin como ponto de partida - teórico russo que, no início do século, debruçou-sesobre a noção de gênerocomo a forma dos sujeitos produzirem sentidosatravésde enunciadose discursose suarelação com os corÌtextossócio-históricosque os abrigam.Embora nem sempreasapropriaçõesde seusconceitossejamcoerentes,assuasidéias representamum forte ponto de ancoragem paraa compreensãodo problema. Segundoasidéiasde Bakhtin (2000,p.279):

sempre [...]tantonaAntigüidadecomonaépocacontemporânea, foramestudados peloânguloartísticoliterário desuaespecificidade, dasdistinçôes diferenciais (noslimitesdaliteratura),e intergenéricas nãoenquantotiposparticuÌares quesediferenciam de deenunciados outrostiposdeenunciados, comosquaiscontudotêmemcomum a naÍrLr ezav erbal (lingüística). Essacompreensãoé importante na medidaem que o texto embora literário, mantenha assr.ras quanto ao valor especificidades estéticoe estilísticodo trabalho com a linguagem,tambémincorpora, em seuconjunto, uma sériede gênerosinter-relacionados que,por sua Í ü)rezae características, podem aproximar-sede outrosgênerosnão necessariamente literários.Estudarasformasliteráriascomo gêneros, considerando-se asespecificidades de cadatexto-discurso, auxilia-nos a dissolverasdicotomiastradicionais:literário x não literário,gêneros literáriosx gênerosjornalísticos,argumenrativos erc. A partir de Bakhtin, a noçãode gênerosdiscursivos passoua ser ponto de partida para muitas reflexõessobrea linguagem,em diferentesperspectivase orientaçôesteóricas.Como formas da atividadehumana de comunicar-see interagir com o mundo, os gêneros discursivos(ou textuais),como ressaltaMarcuschiQOOS, p. ZO),"surgem, situam-see integram-sefuncionalmente nas culturas em que se desenvolvem".Dessemodo, sãoformas de açãosocial,práticassóciohistóricasde produção de sentidosatravésda linguagem,as quais "caracterìzam-se muito maispor suasfunçõescomunicativas,cognirivas e institucionaisdo que por suaspeculiaridadeslingüísticase estmturais". Issonão significa,como elemesmo ressalta,queaspropriedadesformais que caracterizamos gênerossejamdesprezadas,uma vezque estas,em muitos contextos,determinam o gênerodo texto e não a suafunção comunicativa;assimcomo o suporte (ambiente)em queo texto aparece, também pode determinar o gênero gueo caracterìza.

Todas asesferasda atiridade humaÍra,por maisvariadasque sejam, estãosemprerelacionadas com a utilizaçãoda iíngua.Não é de surpreenderque o carátere os modosdessautilizaçãosejamtão variadoscomo asprópriasesferas da atividadehumana,o que não contradiza unidadenacionalde uma língua.A utiüzaçãoda língua efecua-se em forma deenunciados(oraise escritos),concretose únicos, qlle emanam dos integrantesduma ou doutra esferada atividade humana.[...] Qualquerenunciadoconsideradoisoladamenteé,claro, individual, mas cadaesferade utilizaçãoda língua elaboraseus/rpos relatipamenteestá"^eis de enunciados,sendoissoque denominamos g&terosdadìsanso. Por serem produtos da atividade humana, os gêneros do

discurso são, para Bakhtin (2000, p. 301), caracterizadospela heterogeneidade, tamaúa asuariqueza,r-ariedade epossibilidadeinfinita de realizaçào:"o querer-dizerdo locuror serealizaacimade tudo na escolha deurn gônerodo dtscurso" . Cadaesferada atividadehumana,desse modo, comportâ um repeftório de gênerosdo discursoque serenova à medida que a esferase desenvolvee sofre mutações.Por sua cliversidade, os gênerosincluem uma variadagamade expressões, que sãoorientadasconforme o conrexroe asintençõesenunciativasdo sujeito.Isto inclui os diálogos,osrelaros,ascârtâs)asordens,os ofícios, asdeclarações, asexposições científicas, os rextosliteráriosetc.;cada um desses, possibilitandoa incorporaçãode variadasformas interrelacionadas. 1,72

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Os gênerostextuais,por seremconstmtosde sujeitosculturú' e, portanto, refletirem asdemandasdos contextossócio-históricose_ sócio-comnnicativosque os envolvem,freqüentementeser"not"* J incorporam novas formas de significação,que sãofruto dasmudanças e exigênciasda sociedadeem movimento. Basta-nosimaginar,por exemplo,a infinidadedenovos gênerostextuaissurgidosem decorrência do advento dasnovastecnologiasda comunic açãoe da informação, sobretudoo que nosproporcionou a grande"janela"da internet. Para Marcuschi(2005),dessemodo, emboraosgênerospossuamalto poder preditivo, porque revelam práticas de produção de senridos compaftilhadas socialmente,são também reveladoresdas ações humanase, portanto, do seupoder criativo e mutável,como já nos revelavaBalçhtin (2000). A noção de gênero,tal como a vimos tratando aqui, não oferece maiores dificuldades de compreensão, sobretudo se a relacionarmos com a infinidade de textos e modos de significação, oral, escritoe visual que encontÍamosdisponíveisno mundo à nossa volta. A questãocrucial,no enrânto,é estabelecer a distinçãoentre os significadosdegêneroe t;po textuaLprincipalmentepelo emaranhadode definiçõese confusãoterminológica que cercamos rermos na literatura existentesobreo temae, principalmente,nos manuaisdidáticosparao ensinode língua portuguesae redação. Muitos dosque discutemessadistinçãopartem da premissa bakhtinianade que "a comunicaçãoverbal só é possívelpor algum gênerotextual", como afirma Marcuschi(2005,p. 22).Paraesteauror, ao lado dessaafirmaçãoestáuma concepçãode língua como "forma de açãosociale histórica que, ao dìzer,também constirui a realidade t...]. É nesteconte*to qr:ã os gênerostextuaisse constituem como açõessócio-discursivaspara agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo". A clistinção,porranto,entreg&rcrotexuul e tipo textua/tem em suabasea concepçãode línguacomo instânciada interaçãohumana,a qual nos constitui e também o mundo à nossavolta. Tudo o que fazemose dizemosatravésda linguagem,dessemodo, é produtoda açãode sujeitosque falam de um determinadolugar social,cultural e histórico. Sobre essadistinção)uma dasmais relevanresé a proposta por Marcuschi (2005,p.22), a qual integra a visãode muitos teóricos

que se debruçaramsobre o tema.l Segundo o autor, tipo textual por: caÍâcterlza-se

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SrcNuu: Estud.Ling.,Londrina,n. lI/1, p. 167-lB0,jul. 2008

Uma especie deseqüência teoricamentedefini dapelanaturezaltngtìtrttra de suacomposição{aspectos lexicais,sintáticos,temposverbais, relaçõeslógicas).Em geral,os tipostextualsabrangemcercade meia dúziadecategorias coúecidas como:narração,argtmmtaúo, exposição, daoìgo,injttngo.'1 Gênerotatua/, por suavez, representalia os" tãtos materialindos que encontramos em nossa vida diârra eque âpresentam características

def:ndasporconteúdos,propriedadesfuncionais,esilo sócio-corrutnicativas e composiçãocaracterística". Depreende-sedessasdefinições que os tipos textuais sáo limitados, enquantoos gênerostexktaisquaseque infinitos, formando um inventário aberto de possibilidadestextuais-discursivas.Como exemplode gênerostextuais,Marcuschi (2005)destaca:telefonema, sermão,cartas(esuasvariantes),romance,bilhete, aula expositiva, receita,horóscopo,resenha,listade supermercado,edital de concurso, piada,notíciajornalísticaetc.Paraalgunsautores,como Adam (apud a/ é substituída p or seqüênciat extual, Bonini, 2A02),a noçãode t ipo texu.t opçãoeleitapor múos teóricos;inclusive,algumasvezes,sendout Lhndt como expressão sinônimade tipo textual. A panir dessadistinção,podemoscompreender queosgêneros textuaìsseorientampor critériosexternos,sócio-culturais,contextuais, comunicacionais, enquantoos tipos textuaispor critérios internos, formais (estruturaise lingüísticos).Nessesentido, os tipos e gêneros diferempor suanaturezaconstitutiva,a primeira, de carâterformal, e a segunda,de carátercontextuale discursivo,respectivamente. Por suapróp rianaturezaconstitutiva,um gêneroou conjunto de gênerosnão representaum referencialmonolítico e imutável. Ao contrário, como represertaçãoe reflexo de contextos sóciocomunicativos e discursivos diversos, caracteriza-se pela heterogeneidade e flexibilidadede limites. A razão de podermos I Vide Swales, 1990;Adam, 1990;Bronck art, 1999;apud Marcuschi,2005. 2O tipo injuntiaoincluiria asseqüências queseorganizamem função de ações futuras,como ordens,pedidos,perguntasimpositivasetc. t75

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ã estabelecercerro conjunto coerentede gênerosnão sedeve ao fato rigidase bem delimitadas,mas a destesâpresentaremcaracteristicas seu caráter recorrente em contextosmais ou menos similaresde comunicação,refletindo açôessociaistípicasde cadacultura. Como afirma Marcuschi (2005,p. 3C),"os gênerosnão sãoentidadesnaturais como asborboletas,aspedrx, os rios e asestrelas, massãoartefatos culturaisconstruídoshistoricamentepelossereshumanos".Dessemodo, quando dominamos um gênerorexrual,não dominamos formas lingüísticas apenas,mas modos particularesde realtzar,atravésda linguagem,açõessociais. IJm gênerotextual, portanto, não pode serdeterminadopor propriedadesexclusivase imalentes.Basra-nos lançarum olharpara a infinidade de textos que nos rodeiam, orais e escritos.Um anúncio publicitário deixade seranúnciopor serexpressoem forma de receita? E o que dizemos dascartasem forma de poema?Jáos tipos rexruais, sãomais ou rnenosestáveis,nas dialogamentre si na constituiçãode diferentesgênerostextuais.Urn artigo deopinião,por exemplo,embora apresentea tipologia de baseargumenrativa,pode incluir seqüências narrativas,expositivas,descritivase injuntir.as.Todos os tipos na composiçãode um só gênero. Referindo-sea essapossibiÌidade de hibridismo, ranro dos tipos quanto dos gêneroste:rtuais,é que Marcuschi (2005,p.31) apresenta-nosasnoçõesde inteiextïa!íríxde inter-gêneros (um gênerocom a função de o utro) e aheterogatàdade ttpológtca(xnqênero com apresença de váriostipos). No primeiro caso,er-idenciamos situaçõesem que há a fusão ou mesclade funçõese fornas de gênerosdiversosem um dado gênero,e, no segundo,percebesea realrzação de váriasseqüências tipológicasem um único gêne:o. No entanto,mesmoxsumi-cdoqueum gênerotextualadmite uma infinidadede possibilidades cliscursivas, alémde relaçõesintergêneros,a dependerdosdifer;ntescontexrosdeprodução,circulação e recepção,é possível,paraefeitodidá:ico-pedagógico, esrabelecer um arcabouçomais ou menoscoerentedetipos ou seqüências textuaise de gênerosa elesrelacionados.não pe:dendode vista,no entanto,que ao lidarmos com a linguagen:como instânciade interaçãohumana, estamosdiante do inesperado,do íresmo que pode ser outro â dependerdascircunstâncias e dasexiEáncias contextuais.

Essareflexão,no entanto, mais do que fornecermodelos acabadose organizadosde como compreendeia infinidadede textos e discursosque circulam à nossavolta, pode nosauxiliara tornar mais coerentesaspráticasde ensino de ieitura e produçãode texros,em diferentescont€xtos,institucionais,ounão. 3 Gêneros de textos, modos de leitura e de escrita A adequadacompreensãodo que significamos ripos e os gênerostextuais,e dasdiferençasque apresenram enrresi, possui,a meu ver, duasvantagensteóricas,asquais serevelamem aplicações práticas. Em primeiro lugar, auxilia-nos a desfazera confusão terminológica e conceitualque cercaessas definiçõese,em certâmedida, incoerências as teóricaspresentesnos mareriaisdidáticosdestinadosao ensinode Língua Portuguesae nodmanuaisde redação,osquaisinsistem em desenvolverpráticasde leitura e escritabaseadas na classificação tipológicatradicional,largamentedifundida, representada pelananação, ducrição e díssertação, sem incorporar a noção de gênerotextual como instrumento cleanálisee valorizaçãoda capacidade humanadeinteragir atravésda linguagem.Em segundolugar,por contribuir paraorientar as açõesde professores,pesquisadores e teóricosinteressados em práticaspedagógicasque busquem,mais do quetudo, desenvolvera competênciasócio-comunicativa,oral e escrita,dosalunos,em qualquer nível de formaçãoescolar.ParaBakhtin (2000,p.282): Ignorar a neturezado enunciadoe asparticularidadesde gêneroque assinalama variedade do discurso em qualquer âreado estudo lingüísticolevaao formalismo e à abstração, dewirtua a historicidade do estudo,enfraqueceo víncuio existenteentrea línguae a vida. A iínguapenetranavida atrav& dosenunc'iados concrerosqueareiliza:r', e é também atravésdos enunciadosconcretosquea vidapenetrana língr"ra. Textos e discursos circulam manifestados por gêneros textuais, e estes,por sua vez, incorporam marcas tipológicas que se organrzamcle moclo heterogêneo. Os nossos alunos devem prodr,rzir textos, portanto, e não enunciados soltos. Mas o que ainda acontece, I

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de modo geral, nas atividades de leitura e escrita que têm lugar em sala de aula é bem diferente disso. jul.2A08 StcNu,v: Estud.Ling.,Londrina,n. ll/1,p. L67-180,

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Os livros didáticosparao ensinode Língua Ponuguesa. "rW manuaisde redação,ou queapresentamorientaçôespara a produção S i de textos, trazemumainfinidadede gênerostextuais,embora..,.rt 'jï ï não sejamabordadosadequadamente em suasespecificidades, quando j I não sãoexpÌoradosâpenascomo prerexropara atividadesde análise , I lingüística.Aspectosimponanresquecaracrerìzamadiversidade dos .. ! gêneros textuais que circulam à nossa volta, como estrutura I composicional,conteúdoveicuiado,estilo,situaçãocomunicativa,tipo I de suporte, entre ourros,deixamde seranalisadosem detrimentoãe I aspectossuperficiaisda esrnituratextual e de informaçõesrecuperadas I na superfíciedo texto. t De acordo com pesquisa realizadaporBonini (1998),por I exemplo,que analisouoito coleçõesdemateriaisdidáticosdestinados I ao ensino de Língua Portuguesano nível médio, os livros, de modo i geral,voltam-separâ a caracterìzação dos gênerosliterários e, quando i procuram inovar, incluindo noçõesdetipo textual e gênerotextual, I não os exploram como expressões daaçãosocialdeproduzir sentidos i atravésda linguagem,mascomo formasabstratas,dasquaisos alunos I devem "decorar" ascaracterísticas. Considerando-se, como tem sido i amplamentediscutido, o imporrantepapel que rem o livro didático ï como orientador daspráticasdesenvolvidas em salade aula,não é it )^^^-^ -:-- pâra -- -, o - ensino ^ ^ - ^ ^ ^ - ' :A- ^ :^^ ^ - ^ - ,^ difícil ' { ; fí^ :l prevermos asconseqüências dessas constatações de leitura e produção de textosna escola. lJm exempÌo claro disso é o fato de que os alunos que chegamao nível superior,em suamaioria,trazemde suasexperiências escolares idéiase concepções equivocadas de linguagem,de leitura e de texto, quevão determinarosmodoscomo elesfazemusoda língua. Aiém disso,apresenramuma competênciametagenérica,como a definem Koch e Elias (2006),pouco desenvolvidâ,o que os rorna incapazesde compreendergênerostertuaismaiscomplexos,como os casosem que há o processode hibridizaçãointer-gêneros,ou seja,a composiçãode gênerosdiferentes na consrruçãode um terceiro.Em minhasexperiências com alunosunir-ersitários, por exemplo,percebi que elesapresentamgrandedificuldadede seliberrar daspráticasde produçãotextual difundidaspelaescola,asquais,via de regra,Íesumemse à elaboraçã.ode modelos enrijecidos de rextos, ...j, .rtrrrt.rm composicional,modo de organìzação do conteúdo e estilo reperemse,independenremenre da especificidade do conrexrode produção ou da suafunçãosócio,comunicativa. 178

Srcxlrr:Estud. Ling.,Londrina, n. l1/1,p. 167-lgO,ju1. 2008

Gênerosde textos diferentesexigemprocessosde leitura e escritadiferentes.A panir dessacompreensão,fórmulas de leitura e modelos de escrita, como as famosasredaçôesescolaresou as de vestibular,de nadaservem,a não sercontribuir para a dissertações portanto,criarespaços nasinstituições alienaçãodosalunos.É necessario, parapactosde leitura e deescrita,tal comopropõem Paulino escolares um elo et al. (ZOOt),que ressaltamo fato de que cadatexto estabelece diferentecom o leitor, e é o tipo de texto, o gêneroe, por vezes,o suporte onde ele estásendoveiculadoque orientam essarelação.No dizer deEco (1994,p. 9), asrelaçõesentre leitor-texto,escritor-texto como num jogo, cujasregrasmodificam-seatravósdos estabelecem-se entre os participantes.Paraele:"[...] todo texto é pâctosestabelecidos uma máquinapreguiçosapedindo ao leitor quefaçauma parte closeu ffabalho". Parasubvertermospráticasde ensinodelínguaenrijecidase e semqualquer centradasna leitura e na produçãodetextosmecânicas significadopara o aluno,é precisopensara linguagemem uso como instânciafundamentaldavida, atravésda qual nosfazemoshumanose "dizemos"o mundo e quem somos.A partir daí,ler e escreverpassam a ser açõesque clialogamcom nossavivência ciiáriae com o que pensamosdo mundo. Ler e escreverum mundo todo de possibilidades, muitasentretantosgênerospossíveis.

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(Dítcursíua I

Kariny Cristina de SouzaRAPOSO (PUC-Minas / CNP{

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Resumo: Neste trabalho objetivo situar asexpressões idiomáticasdo portuguêsbrasileiroem uma abordagemdiscursiva,mostrando como construímoslingiiisticamentea argumentaçãousandoessasexpressões. Tento explicitar como o locutor, ao proceder àorganrzaçãotertual do discurso, faz prevalecer a orientação no sentido de determinada conclusão.A exemplificaçãodessesmovimentos é feita a parrir da anfise de um corpuscompostopor EnunciadosProferidospor Políticos extraídodasrevistasVejae kto E. Pararanto, utilizo os pressuposros da Análise do Discurso, observando como a construção de tais enunciadosseprocessaem nível argumentâtivo,sendouma estratégia rtthzada,pelolocutor, parapeÍsuadiro público-alvo. Palavras-chave:expressões idiomáticas;discurso;argumentação.

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Abstract: The scopeof this paper is to analyzeidiomatic expressions of the Portuguesespoken in Brazil and show how argument is linguisticallybuilt in such idioms. The analysesdeparrfrom different enunciationsto makeit explicit that when the writer organizeshis speech he purposelydirectsit towards an intendedconclusion.The corpusof the anaiysesis the discou':seof speechesdelivered by politicians and publishedin Veja andkto E magazlnes. To achievesuch a goal discourse analysispA) theoriesand principlesprovide the basesfor demonstraring how the constructionof argumentin thoseenunciatesis carriedout, as argumentis considereda strategylargely usedto persuadepeople to corroboratecertainissues. Keywords: idiomatic expressions; discourse;argumenr.

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tEste anigo discuteum dos aspectossobreasExpressões Idiomáticastratados em minha dissenaçãode mestrado. 180

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jul. 2008 SrcNurr: Estud.Ling.,Londrina,n. Il/ \p. 181-200,

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