Titulação acadêmica: um modo de usar

July 17, 2017 | Autor: Fabíola Tasca | Categoria: Arte, Universidade
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TÍTULAÇÃO ACADÊMICA: UM MODO DE USAR

Fabíola Silva Tasca doutora em artes, professora na Universidade do Estado de Minas Gerais/Escola Guignard, artista.

Resumo: A partir de minha experiência como pesquisadora e docente, busco interrogar algumas possibilidades do artista usufruir do contexto acadêmico, e habitá-lo enquanto um espaço privilegiado para o efetivo exercício da intervenção artística. Abstract: From my experience as a researcher and teacher, I seek to examine some possibilities of the artist enjoy the academic context, and inhabit it as a privileged space for the effective exercise of artistic intervention.

Palavras-chave: artista-etc., pesquisa em arte, arte com universidade/ artist, etc., research in art, art with university

Gostaria inicialmente de me apresentar: meu nome é Fabíola, fui da turma que iniciou o curso de mestrado em artes visuais da Escola de Belas Artes da UFMG, em 2002 e concluí o meu projeto de pesquisa em agosto de 2004. Nesse período, fui bolsista CAPES durante 10 meses. O título de minha dissertação é SEM TÍTULO (PUZZLE: POR UMA LEITURA DE ENIGMAS ARTÍSTICOS CONTEMPORÂNEOS). 1 Em 2011 concluí o meu doutoramento em artes, na mesma instituição mineira. Fui beneficiada pelo Programa Institucional de Bolsas de Doutorado Sanduíche, por meio da qual realizei um estágio de 4(quatro) meses na Cidade do México, onde estive à procura do trabalho de Santiago Sierra. O título de minha tese é: O FATOR SANTIAGO

SIERRA:

CONTEMPORÂNEA.2

POR

UM

CONCEITO

DO

POLÍTICO

NA

ARTE

Esta fala tem a intenção de transmitir a vocês algo acerca da minha experiência de passagem pelos processos de trabalho que regem a ordem acadêmica, bem como pelos ritos e protocolos que a orientam, os quais nos permitem aceder à titulação acadêmica, hoje, um dos requisitos necessários para o exercício docente – uma das ocupações profissionais para o artista. Escolhi, então, começar meu turno de fala pelas palavras de outro artista. Palavras que me ajudaram bastante a entender o que eu queria produzir no mestrado. Em uma passagem de sua dissertação Ricardo Basbaum a define:

...esta dissertação não deve ser compreendida com uma tentativa de solucionar impasses internos a um trabalho plástico – pois este deve sustentar-se por si (...) – mas sim como a colocação do mesmo problema de outro modo, em outro campo de atividades, através

de

uma

estratégia

diversa

de

abordagem

e

desenvolvimento (esta dissertação, porém, também deve se manter de pé sozinha)3

Minha ambição, portanto, foi produzir um texto que pudesse conduzir a atenção do leitor para questões presentes em alguns trabalhos de minha produção, mas um texto que também se oferecesse como análise crítica de alguns elementos, os quais eu percebia como recorrentes na produção contemporânea – a saber: as relações de pertencimento do trabalho artístico em relação aos contextos nos quais se insere. A conexão entre a dissertação e a exposição, que realizei na mesma época da defesa, propunha-se como um projeto de iluminação recíproca. O que ainda parece-me pertinente focalizar é a relativa independência e especificidade de cada uma dessas instâncias. Com isso não pretendo, de modo algum, contribuir para a já tão antiga e conveniente cisão entre teoria e prática, mas, justamente, assinalar que longe de qualquer tipo de subordinação entre esses termos, considero interessante e produtivo

ressaltar uma distinção entre dois regimes de funcionamento do pensamento. Distinção essa que configura outros desafios para a produção do artista na universidade, solicitando certa plasticidade de seu desempenho no exercício acadêmico. Com o termo plasticidade, pretendo sugerir que a tarefa de produzir uma teoria da prática certamente nos confronta com a prática da teoria, suas dificuldades e suas recompensas (essa elaboração eu encontrei no texto de Dominique Chateau) 4

Em seminário realizado no Museu de Arte da Pampulha, em 2002, o qual versava sobre políticas institucionais e práticas curatoriais, Ricardo Basbaum reiterou o seu posicionamento acerca da condição enunciativa do artista contemporâneo afirmando que o deslocamento por atividades como crítica, curadoria, editoração, gestão cultural, enfim, o que ele chama de agenciamentos, delineiam o campo de atuação do artista, enquanto artista, no cenário contemporâneo. Nesse sentido, também a produção de dissertações e teses por artistas compõem um tal “campo ampliado” de ação. Mas justamente com a intenção de concordar com o argumento de Basbaum parece-me mais pertinente marcar certa diferença que a produção de uma dissertação ou tese impõe ao fazer artístico. Assim, em um caráter um tanto provocativo, proponho assinalar não tanto o lugar do artista, enquanto artista, na universidade, mas sim o exercício de um deslocamento que esse lugar lhe propõe; ou impõe? Talvez possamos chamar esse deslocamento do efeito “como se”. Se Kosuth propõe o artista como antropólogo, Benjamin o assinala produtor, Hal Foster o chama de etnógrafo, Bourriaud o entende como semionauta ou ainda o elogia enquanto tradutor, o que poderia descrever o artista “como se” acadêmico? Tanto em minha dissertação como em minha tese, recorri a artifícios discursivos algo similares, os quais consistiam em marcar alguma distância entre o discurso de orientação teórico-crítico que eu ensaiava ali “como se” equilibrista e um discurso da ordem do relato, que ambicionava conduzir o leitor ao estabelecimento de pontes de leitura para o meu trabalho, via percursos de natureza digressiva.

Então, detive-me na tarefa da leitura de obras em cujas conversações eu me imaginava. Queria pertencer a determinados territórios conceituais e discursivos, e assim procurei neles me inserir. Foi, assim, fazendo uso desses expedientes e, claro, pelas constantes vias da dúvida que fui encontrando, cavando e escavando as possibilidades de minha atuação como artista no contexto da universidade. Com essas considerações quero dizer que entendo/acredito que a instituição universitária pode ser um espaço privilegiado para a criação artística, entendida enquanto forma discursiva, a qual nos permita combater “processos de bloqueio e recuperação de alguns trabalhos”, pode ser um espaço que nos permita agir criticamente acerca da própria posição da arte na sociedade, enfim, pode ser um espaço a partir do qual possamos contribuir para uma fruição mais inteligente tanto de nossos trabalhos quanto dos trabalhos de outros artistas, nos propondo assim a consumi-los enquanto “fatos culturais polarizadores de debates e leituras críticas.” (essas reflexões eu encontrei no texto de Ronaldo Brito)5 Entendo a presença do artista na universidade como um elemento dinamizador de possíveis intervenções tanto no contexto do saber universitário, como no registro do imaginário coletivo sobre as possíveis relações entre arte e sociedade, arte e política, arte e comunicação, arte e cultura, etc. Para especularmos algumas possibilidades de relações mais vascularizadas entre esses termos todos, escolhi concluir com as palavras de John Rajchman que encontrei em um texto no qual ele se dispõe a analisar alguns aspectos do trabalho de Michel Foucault:

... poderia ser possível o tipo de pragmatismo voltado para coisas sendo feitas - no qual elas não são conhecidas, no qual quem somos ainda não está disponível para ser apreendido para a experimentação, na qual ainda não conhecemos quem ou o que somos no processo de nos tornarmos: é ainda possível ou útil pensar ou agir naquelas zonas nas quais as forças ainda não

estão determinadas do pondo de vista do arquivo? Minha resposta à qual acrescento uma condição pragmática é – eu certamente gostaria que fosse assim .6

Para concluir, quero retornar ao início desse texto e colocar algumas questões que, certamente, são mais fáceis colocar que resolver, mas que se não são colocadas corremos o risco de repetir lugares-comuns e reafirmar, mesmo involuntariamente, a velha cisão entre teoria e prática, entre corpo e mente, entre criação e interpretação. As perguntas são as seguintes: 

Como utilizamos a experiência acadêmica para produzir discursos sobre arte?



O que significa falar sobre o próprio trabalho?



Se enquanto artistas recusamos as pretensões de totalidade e autoridade que muitas vezes o discurso da academia insinua, não precisaríamos recusar também as premissas de liberdade e autonomia às quais o termo artista muitas vezes nos conduz?

Afinal, lançando mão das palavras de Anna Maria Gausch, em um sagaz texto sobre Santiago Sierra: Mais do que um “criador de sociedades” ou um “espelho passivo” da mesma, o artista é apenas um membro da comunidade, que não deveria se isolar das condições do ambiente em que vive, nem tampouco evitar as “responsabilidades éticas e políticas” de sua inserção neste espaço.7

São questões muito complexas, eu sei, mas, espero que possam servir à ambição de pensarmos se há mais alguma espécie de benefício que as titulações acadêmicas para

artistas podem oferecer, para além da imediata e não menos importante questão de facultarem a candidatura a um ou outro concurso.

1

TASCA, Fabíola Silva. Sem título (Puzzle: por uma leitura de enigmas artísticos contemporâneos). 2004. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2

TASCA, Fabíola Silva. Por um conceito do político na arte contemporânea: o Fator Santiago Sierra. 2011. Tese (Doutorado em Artes) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 3

BASBAUM, Ricardo Roclaw. Convergências e Superposições entre texto e obra de arte. 1996. 130 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) - Escola de comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 4

CHATEAU, Dominique. A autonomia da teoria. In: ZIELINSKY, Mônica (Org.). Fronteiras: Arte, Crítica e Outros Ensaios. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p.185-194. 5

BRITO, Ronaldo. Análise do Circuito. In: BRITO, Ronaldo. Experiência crítica. (Org.) Suely Lima. São Paulo: Cosac&Naify, 2005. 6

RAJCHMAN, John. Foucault pragmático. In: PORTOCARRERO, Vera e BRANCO, Guilherme Castelo (Orgs.) Retratos de Foucault. Rio de Janeiro: Nau. 2000. p.68-87. 7

GAUSCH, Anna Maria. Santiago Sierra. Um nuevo modo de activismo cultural. Teleskop, Arte, v. 1, n. 3, 2003. Disponível em: http://www.teleskop.es/boletines/01/arte/cuerpo03.htm>. Acesso em 08 abr. 2004.

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