Toque da Ciência: uma experiência de divulgação científica no rádio e na internet

July 15, 2017 | Autor: Juliano Carvalho | Categoria: Comunicação, Radiojornalismo, Website, Divulgação Científica
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Toque da Ciência: uma experiência de divulgação científica no rádio e na internet

Juliano Maurício de Carvalho¹ Mateus Yuri Ribeiro da Silva Passos² Aline Emi Naoe³ Aline Camargo4 Ana Carolina Lorencetti Chica5 Carolina Bortoleto Firmino6 Clarice Diamantino7 Daniel Gonçalves da Fonseca e Souza8 Maria Carolina Silva Rocha Vieira9 Patrícia Bellini10 Ruy de Salles Oliveira Corrêa Júnior11 _____________________________________

¹Coordenador geral do Toque da Ciência. Professor do curso de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Unesp Bauru. Líder do grupo de pesquisa LECOTEC (Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã). Jornalista graduado pela PUC-Campinas, mestre em Ciência Política pela Unicamp e doutor em Comunicação Social pela Umesp. Correio eletrônico: [email protected] ²Coordenador-executivo do Toque da Ciência. Mestrando em Ciência, Tecnologia e Sociedade na UFSCar, com bolsa FAPESP. Jornalista graduado na PUC-Campinas. Especialista em Jornalismo Literário pela ABJL/Cesblu e em Jornalismo Científico pela Unicamp. Graduando em Estudos Literários na Unicamp. Membro do grupo de pesquisa LECOTEC da Unesp. Correio eletrônico: [email protected] ³Coordenadora-adjunta do Toque da Ciência. Estudante do 8° semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Unesp Bauru. Bolsista ITI-A do CNPq. Correio eletrônico: [email protected] 4Estudante do 2° semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Unesp Bauru. Bolsista de extensão universitária da Unesp. Correio eletrônico: [email protected] 5Estudante do 4° semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Unesp Bauru. Bolsista de extensão universitária da Unesp. Correio eletrônico: [email protected] 6Estudante do 4° semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Unesp Bauru. Bolsista de extensão universitária da Unesp. Correio eletrônico: [email protected]

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Resumo O Toque da Ciência é um produto de divulgação científica do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC) da Unesp, elaborado por alunos graduandos em Jornalismo. Trata-se de programetes diários com 1min30s de duração contendo o relato de pesquisas desenvolvidas em instituições de todo o país. O texto é desenvolvido pelos alunos e negociado com os pesquisadores, procedimento que garante, ao mesmo tempo, uma linguagem acessível ao público e a correção da informação. A locução do texto é feita pelo próprio cientista, conferindo credibilidade ao produto e promovendo a aproximação dele com o público ouvinte, que é o principal objetivo do projeto. A seleção dos pesquisadores participantes é feita por meio de um processo rigoroso, que avalia os índices de produtividade em pesquisa e exige atualidade. Assim, o Toque da Ciência tem propagado as pesquisas mais importantes produzidas no Brasil nos últimos cinco anos e contribuído para melhorar a compreensão pública da ciência. A divulgação dos áudios é feita por meio do website (www.ciencia.inf.br) onde os podcasts podem ser baixados e distribuídos gratuitamente por emissoras de rádio interessadas. Desenvolvido desde o final de 2006, o Toque da Ciência caracteriza uma importante experiência para compreender a importância da comunicação pública da ciência e os desafios dos comunicadores nesse objetivo. Tendo em vista o sucesso do projeto e as perspectivas de novos produtos seguindo sua linha, é importante promover uma reflexão que aponte e discuta os motivos para o bom retorno e também identifique possíveis falhas e desacertos, a fim de aperfeiçoar cada vez mais o programa e colaborar com a elaboração de outros produtos de divulgação científica. Para a análise, foram selecionados os 20 textos mais acessados pela página do projeto, redigidos por 9 pessoas diferentes. Dessa maneira, pode-se identificar os temas que despertaram mais interesse e quais estratégias foram adotadas pelos repórteres para a construção do texto. O sucesso do projeto revela que é possível superar as dificuldades nesse tipo de comunicação sem ofender as fontes envolvidas, apelar para sensacionalismos ou restringir a ciência a determinadas áreas e interesses. A experiência desse projeto, assim, ilumina caminhos para a comunicação pública da ciência, que fornece conhecimento essencial para a cidadania e o pleno exercício do direito à informação. Palavras–chave: Comunicação. Divulgação científica. Radiojornalismo. Website. Jornalismo científico

Comunicar ciência: um dever jornalístico A comunicação pública da ciência, com o jornalismo como seu principal viabilizador, é essencial para levar à sociedade o conhecimento que, frequentemente, fica aprisionado na academia. Divulgar ciência não é somente atender às expectativas de uma parcela da população que se interessa por ela ou que a produz: trata-se de levar ao público em geral informações que pautarão decisões políticas, que terão impacto em seu modo de vida e que podem representar consequências importantes para toda a sociedade. _____________________________________ Estudante do 6° semestre do curso de Design da Unesp Bauru. Bolsista de extensão universitária da Unesp. Correio eletrônico: [email protected] 8Estudante do 4° semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Unesp Bauru. Bolsista de extensão universitária da Unesp. Correio eletrônico: [email protected] 9Estudante do 4° semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Unesp Bauru. Bolsista de extensão universitária da Unesp. Correio eletrônico: [email protected] 10Estudante do 8° semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Unesp Bauru. Bolsista de extensão universitária da Unesp. Correio eletrônico: [email protected] 11Estudante do 6° semestre do curso de Ciências da Computação da Unesp Bauru. Bolsista de extensão universitária da Unesp. Correio eletrônico: [email protected] 7

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Carlos Vogt (2006) propõe o termo “cultura científica” para abrigar as diversas modalidades de levar a ciência ao público leigo, por meio de meios de comunicação, museus, centros de ciência, jogos educativos etc. Sua premissa, herança de C. P. Snow (1995), é de que a ciência teria se afastado da cultura em geral, pela natureza de seus procedimentos, e o público não conhece ou se interessa por ela por não ter meios de influir nos rumos da pesquisa científica. O debate sobre o aquecimento global e suas conseqüências, a polêmica acerca do consumo de alimentos transgênicos e a discussão ética sobre o uso de células-tronco, no entanto, mostram que existe o interesse do público em se informar e opinar sobre as políticas de C&T. Esse interesse é comprovado também por meio de pesquisas sobre percepção pública da ciência. Há, portanto, uma demanda por trabalhar a comunicação pública da ciência em cursos de comunicação social, nem sempre trabalhada em disciplinas específicas, de modo a capacitar os futuros jornalistas para lidar com a informação científica (Oliveira, 2002). O Toque da Ciência, assim, é um produto pensado para suprir essa demanda e orientar os estudantes, ainda na graduação, sobre os desafios a superar em relação à comunicação pública da ciência. Os entraves do jornalismo científico A palavra ciência inspira nas pessoas sentimentos diversos, que vão do medo ao fascínio. Temse notado que os meios de comunicação, apesar de caracterizarem um dos principais canais de interação entre ciência e sociedade (GREGORY & MILLER, 1998), não tem dado conta dessa função, contribuindo para a permanência de visões restritas e distorcidas sobre ciência. Um exemplo de como isso pode ocorrer está na chamada “mitologia dos resultados” (CASCAIS, 2003). Preocupada em demonstrar a pertinência de determinados assuntos, a mídia frequentemente acaba se focando somente nos resultados e aplicações práticas das pesquisas, ainda que essas possam demorar anos para serem utilizadas com segurança. “Histórias de ‘descobertas’ científicas muitas vezes ignoram os muitos passos entre uma e cem experiências de laboratório bem sucedidas – a produção interminavelmente repetida de um medicamento ou novo aparelho” (BURKETT. 1990, p. 8). Pouco se fala do desenvolvimento das pesquisas e nem em erro. Disso decorre uma visão acrítica da ciência, que a resume a descobertas e como elas podem servir à humanidade. Esses e outros fatores, tais como as analogias e simplificações de conceitos feitos pelos jornalistas, tem como um dos efeitos negativos a ressalva dos cientistas em conceder entrevistas e divulgar suas pesquisas para o público. O jornalista, preocupado com a concisão e impacto da informação, acaba distorcendo a fala do cientista. Gregory & Miller (1998, p.116) relatam que a preocupação com a objetividade faz os jornalistas ignorarem dados e transformar, por exemplo, “isso é muito bom, mas somente sob certas condições” em “isso é muito bom”. Toque da Ciência: uma proposta em divulgação científica O produto Toque da Ciência foi pensado como um programete de áudio com um minuto e meio de duração, o que permite sua fácil inserção durante a programação de emissoras de rádio, um dos meios de comunicação com maior penetração social no país. Seus programetes não pretendem 280

fazer um “ABC da Ciência”, mas tratar de pesquisas atuais feitas nas universidades e institutos de pesquisa brasileiros, uma forma de prestar contas à sociedade a respeito do dinheiro público investido em ciência e tecnologia. O processo de elaboração do programa tem início no contato com o pesquisador por meio de e-mail ou telefone. Esses pesquisadores são selecionados por meio de uma busca na Plataforma Lattes, priozando bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq e pesquisas realizadas no âmbito de programas de pós-graduação com notas 6 ou 7 na avaliação da CAPES. Nesse primeiro contato, descrevem o projeto, convidam o pesquisador para participar e solicitam o agendamento de uma entrevista. Nessa entrevista, o pesquisador escolhe uma de suas pesquisas – recentemente concluída ou em andamento, que já apresente resultados – e a descreve para o repórter. Com as informações obtidas, o repórter elaborará um texto em primeira pessoa descrevendo a pesquisa de maneira atraente, explicando os termos técnicos quando for preciso citá-los e sempre relatando o interesse público da pesquisa, ao tratar de suas aplicações, contexto e potenciais benefícios para um ou mais setores da sociedade. Esse texto é submetido à aprovação do coordenador executivo do projeto e encaminhado ao pesquisador, que irá tecer considerações e, possivelmente, propor alterações. Combinado o texto, o repórter agenda a gravação do texto, um processo feito por telefone, por meio de um programa no computador. É o próprio pesquisador quem faz a narração, concedendo a credibilidade de sua voz ao programa. Essa gravação é veiculada no portal do projeto (www. ciencia.inf.br) e fica disponível para download e veiculação gratuita pelas emissoras de rádio interessadas. Os processos de negociação Um considerável diferencial do projeto em relação a demais veículos de divulgação científica é essa participação ativa dos docentes entrevistados na confecção do produto final (o depoimento em áudio). O método utilizado é o de pesquisa-ação, que compreende a inversão de papéis entre pesquisador e ator social (cf. MORIN, 2004, p.53). Neste caso, o estudante/jornalista torna-se de certo modo pesquisador, entrevistando o pesquisador a respeito de sua tese ou projeto e elencando as informações de relevância, para então entregar-lhe um texto a ser lido e gravado, papel normalmente destinado ao ator social jornalista. Segundo um dos teóricos da pesquisa-ação, André Morin, a metodologia “nasce de uma cooperação estreita entre os diferentes participantes” de preferência a uma estrutura hierarquizada (2004, p.68). Dialogando em igualdade, estudante e docente poderão se enriquecer em intelecto e saber prático. Muito além da mera divulgação, o conteúdo gravado deve contribuir para a ciência como um todo, pois, de acordo com Michel Thiollent, na pesquisa-ação “é necessário produzir conhecimentos, adquirir experiência, contribuir para a discussão ou fazer avançar o debate acerca das questões abordadas” (THIOLLENT, 2003, p.22). A contrapartida do processo, a reação dos docentes foi, inicialmente, permeada por alguns atritos, em especial no tocante aos termos utilizados. Isso evidencia também a importância da implantação do projeto, pois é raro o cientista que possua preparo para lidar com jornalistas, relação essencial à boa divulgação de seu trabalho. Em muitos casos, há discordância entre fonte e repórter quanto ao dado mais importante a ser noticiado, tendo em vista o interesse público, o qual nem 281

sempre é condizente com a informação mais importante para o pesquisador (LAGE, 2003, p.3). Ainda que o sentido do texto esteja correto, na maioria dos casos os pesquisadores desejam acrescentar dados ou inserir termos científicos. Assim, o processo todo é uma grande negociação entre jornalista e cientista, cada um defendendo a sua maneira de comunicar a pesquisa. Após ser elaborada a versão final do texto, é combinada a gravação com a voz do pesquisador. Nessa etapa, muitos acabam alterando o texto, o que por vezes provoca espontaneidade na fala e, por outras, faz ultrapassar o limite de tempo estabelecido, o que exige um trabalho de edição mais elaborado. Recursos web Na página, há diversas ferramentas diponíveis que se adequam muito bem à proposta do projeto. Há o mecanismo de busca, proporcionando ao internauta a seleção do conteúdo que deseja acessar – pode-se efetuar a busca por palavras, área do conhecimento, pesquisador ou instituição. Os dados sobre essas buscas podem fornecer informações sobre o grau de interesse do público em relação às áreas do conhecimento. Há ainda a ferramenta de RSS, que permite ao usuário receber as atualizações (feeds) do Toque da Ciência. Trata-se de um recurso que é parte do desenvolvimento das novas tecnologias na web e que é cada vez mais utilizado em páginas que atualizam seu conteúdo frequentemente, dispensando o leitor da visita de cada um dos sites que deseja acompanhar. Na página do Toque da Ciência, o internauta ainda pode baixar todo o conteúdo gratuitamente, além de poder sugerir a página para um amigo. Em uma das abas da página, as emissoras interessadas em retransmitir o conteúdo, pode se cadastrar para receber atualizações Repercussão Depois de um período longo de produção e de arquivamento das gravações, foi possível a estréia do portal Toque da Ciência (www.ciencia.inf.br). O lançamento da página foi um dos destaques do I Seminário de Comunicação Científica (Lecomciencia), evento realizado na cidade de Bauru, e teve repercussão em diversos veículos de comunicação, principalmente na internet, em blogs, sites de divulgação científica, páginas sobre ciência e em órgãos de fomento à pesquisa. Atualmente, os podcasts do Toque da Ciência estão sendo veiculados, além do site, nas rádio Unesp FM, Unesp Virtual e MEC AM. O sucesso do projeto incentivou a criação de novas frentes, como o Toque da Ciência Audiovisual, seguindo o mesmo modelo do áudio, com maior duração, o Toque Entrevista, com entrevistas de meia hora em vídeo, e o Toque Revista, com perfis, reportagens e entrevistas. Em 2009, o Toque da Ciência conquistou o primeiro lugar na categoria “Site Jornalístico” no XVI Prêmio Expocom 2009, evento realizado pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação (INTERCOM). Desde a estréia da página, notamos um bom retorno tanto do público como dos pesquisadores. Por meio da ferramenta Google Analytics, obtemos relatórios mensais sobre os visitantes do site e sua interação com ele, de maneira que podemos ter conhecimento sobre o número de acessos, a origem desses acessos e a comparação com meses passados. 282

Depois da participação e divulgação no site, vários pesquisadores escreveram mensagens aos repórteres responsáveis parabenizando pelo trabalho e alguns até sugerindo nomes para o programa. Análise e discussão Tendo em vista o sucesso do projeto e as perspectivas de novos produtos seguindo sua linha, é importante promover uma reflexão que aponte e discuta os motivos para o bom retorno e também identifique possíveis falhas e desacertos, a fim de aperfeiçoar cada vez mais o programa e colaborar com a elaboração de outros produtos de divulgação científica. Para a análise, foram selecionados os 20 textos mais acessados pela página do projeto, redigidos por 9 pessoas diferentes. Dessa maneira, pode-se identificar os temas que despertaram mais interesse e quais estratégias foram adotadas pelos repórteres para a construção do texto. a)

Distribuição por áreas

Segundo a Tabela de Áreas do Conhecimento do CNPq, as grandes áreas do conhecimento podem ser divididas em nove: Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharias, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas, Lingüística, Letras e Artes, e Outros. Os vinte podcasts selecionados se inserem em oito dessas áreas: Grande área do conhecimento Quantidade de podcasts Ciências Exatas e da Terra 9 Ciências Biológicas 2 Engenharias 1 Ciências da Saúde 1 Ciências Agrárias 1 Ciências Sociais Aplicadas 2 Ciências Humanas 3 Linguística, Letras e Artes 1 Outros 0

Nota-se que, a despeito da grande preferência pelas Ciências Exatas e da Terra e da ausência de textos na categoria Outros, há uma distribuição relativamente uniforme das grandes áreas, que variam de 1 a 3. É interessante observar que as Ciências Exatas, mesmo sendo genericamente consideradas difíceis de compreender e afastadas da realidade cotidiana, foi a que mais teve acessos. Dentro das Ciências Exatas, a área com mais incidência foi a Física. Essa distribuição de grandes áreas do conhecimento comprova que o interesse pela ciência não se restringe a determinados assuntos. Assim, não há porque privilegiar algumas áreas em detrimento de outras, como ocorre em diversos veículos que cobrem ciência. b) Macrorregião 283

A distribuição das pesquisas por região mostrou uma disparidade esperada, já que a região sudeste é, em termos de pesquisa científica, mais desenvolvida. Macrorregião brasileira Quantidade de podcasts Norte 1 Nordeste 3 Sul 3 Sudeste 13 Centro-Oeste 0 c)

Instituições

Das instituições listadas, somente duas são institutos de pesquisa. Todas as demais são universidades e, dentre elas, somente duas são particulares. Dessa maneira, é possível afirmar que boa parte das pesquisas que interessam ao público – ao menos o público do Toque da Ciência –, provém de instituições mantidas com dinheiro público, de maneira que a divulgação dessas pesquisas se caracteriza como um retorno dos investimentos realizados. d) A construção do texto No contato com o pesquisador, de uma maneira geral, os dados solicitados são os seguintes: nome do projeto, objetivos, metodologia empregada/base teórica, resultados, aplicação/interesse público, tempo de pesquisa, colaborações (se houver). Esses elementos são organizados e hierarquizados de diversas maneiras pelos redatores. Dos vinte textos, treze iniciam-se com a apresentação do pesquisador. Trata-se de uma maneira de o ouvinte identificar desde o início da audição quem é, de onde vem e sobre o que pesquisa o cientista. No entanto, o texto que contém a apresentação no final também tem bom potencial de atrair o ouvinte, já que mostra ainda no começo qual o contexto da pesquisa, indicando se é de interesse ou não do receptor. Levando em consideração a citada “mitologia dos resultados”, temos no Toque da Ciência a superação desse modelo, já que a maior parte dos textos concentra-se na descrição da metodologia. Em média, os textos apresentam 10 orações e em 11 dos 20 textos, a maior parte das orações se concentrava na metodologia da pesquisa. Em relação à organização do texto, verificou-se uma grande variedade de estruturas, de maneira que não é possível apontar um padrão. Isso porque, dependendo do tema da pesquisa, é necessário maior foco em determinado aspecto. Quando se trata de temas de conhecimento geral, em que poucos conceitos precisam ser explicados, há mais espaço para a descrição do método, como no exemplo a seguir, em que os trechos em negrito representam as etapas de desenvolvimento da pesquisa. Eu sou ..., pesquisadora do Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Estudamos ao longo de dois anos o comportamento moral de crianças. Tentamos entender como é a cooperação do ponto de vista evolu-

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tivo, ou seja, quais atitudes das crianças são dirigidas a um benefício comum, e quais revelam certo egoísmo. Separamos as crianças em grupos pequenos e grandes. Em ambos, oferecíamos três chocolates a cada uma. A criança tinha a opção de ficar com eles, ou doá-los para um fundo comum. A cada chocolate doado, mais dois eram acrescentados a esse fundo, que depois seria dividido com a classe toda. Ciente das regras, a criança ia para trás de um biombo, e doava ou não os chocolates. Nos grupos menores, percebemos que a generosidade foi maior, porque os indivíduos monitoravam o comportamento dos colegas. Já nos grupos grandes, em que não é tão fácil perceber as doações, a cooperação caía rapidamente, revelando que o egoísmo prevalece quando o indivíduo não percebe um ambiente propício para a cooperação. A literatura sobre comportamento adulto é semelhante: A decisão sobre cooperar ou não está sob controle do grupo social. Em grupos cooperativos, a cooperação é vantajosa, mas deixa de sê-lo quando a maioria não coopera.

Quando se trata de um tema pouco conhecido, no entanto, boa parte do texto acaba se focando em explicações conceituais e nos objetivos. A seguir, estão em negrito trechos que se focam na explicação de conceitos: Nos livros didáticos, aprendemos que os átomos são compostos por prótons, elétrons e nêutrons. No entanto, prótons e neutrons não são partículas fundamentais, e são constituídos por outras partículas chamadas quarks. Além dos quarks, foram descobertas mais partículas elementares: múon, tau e neutrinos são exemplos dessas partículas menos conhecidas e intrigantes. Elas apresentam massas muito diferentes daquelas dos prótons e elétrons e nós tentamos desvendar o porquê disso. Trabalhamos com modelos teóricos que explicam a origem das diferentes massas como resultado do fato que cada partícula com uma dada massa interage de forma diferente com outras partículas. É algo como pessoas diferentes entrando e saindo de uma sala lotada cumprimentado um número diferente de amigos. Cada uma delas vai demorar um tempo diferente na sala. O tamanho da sala e o número de amigos correspondem aos diferentes modelos teóricos com que trabalhamos. As predições destes modelos podem ser testadas em grandes laboratórios, por exemplo, no centro europeu de pesquisas nucleares. A pesquisa em si não tem aplicação imediata, mas experimentos como esse são os maiores geradores de tecnologia de ponta que se conhece. Um exemplo é o sistema da internet, gerado por causa de uma experiência de física de partículas elementares. Eu sou ..., professor e pesquisador do Departamento de Física da Unesp de São Paulo.

Em 5 dos textos escolhidos, são citados os colaboradores da pesquisa. Trata-se de um dado importante no meio acadêmico, por dar crédito aos outros pesquisadores que colaboraram na pesquisa, mas que não acrescenta significado ao texto, exceto se considerarmos a alusão a instituições estrangeiras como agregadora de valor. Caso semelhante ocorre em relação ao financiamento das pesquisas. Fora do mundo acadêmico, pouco se sabe sobre a relevância de determinadas instituições de fomento, de maneira que essa alusão só contribui para aqueles que têm conhecimento prévio sobre o ambiente acadêmico. 285

Considerações finais O Toque da Ciência trabalha na perspectiva de que a democratização do conhecimento científico não se traduz na simples divulgação de descobertas em manchetes de alarde. É necessário e por vezes mais revelador e instigante a divulgação do processo da pesquisa, os acertos e insucessos de uma empreitada que não necessariamente resulta num produto ou conclusão de aplicação imediata. Tanto o cientista quanto o escritor de ciência acreditam no conhecimento aberto e público dessa realidade. Ciência secreta não é ciência. Ambos acreditam no relato preciso e honesto dessa realidade. O cientista e o redator científico casam o senso de oportunidade na reportagem, embora suas escalas de tempo sejam bastante diferentes. (SAGAN, 1996, p. 72)

Mesmo com alguns conflitos com os pesquisadores – ainda que a sua proposta principal seja a participação dele no processo de elaboração –, o Toque da Ciência segue como uma iniciativa inovadora e que tem apresentado bons resultados. Já somam mais de 100 as publicações no site e, ao todo, mais de 400 pesquisadores foram entrevistados pelo projeto, demonstrando que há por parte da academia interesse em divulgar pesquisas. A análise dos textos revela como é importante que experiências como essa sejam estimuladas desde a graduação. Os estudantes desde cedo se deparam com uma série de desafios e trabalham para que sejam superados, não só no jornalismo científico, mas na comunicação, de uma maneira geral.

Referências CASCAIS, Antonio Fernando. Divulgação científica: a mitologia dos resultados. In: SOUSA, Cidoval M. (org.); MARQUES, Nuno P. (org.); SILVEIRA, Tatiana S. (org). A comunicação pública da ciência. Taubaté: Cabral, 2003. GREGORY, Jane; MILLER, Steve. Media Issues in the Public Understanding of Science. In: __________. Science in Public. Communication, culture and credibility. New York: Basic Books, 1998. p. 104-131 LAGE, Nilson. O Jornalismo Científico em Tempos de Confronto. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 24., 2003, Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2003 MORIN, André. Pesquisa-ação Integral e Sistêmica: uma Antropopedagogia Renovada. Tradução: Michel Thiollent. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. OLIVEIRA, Fabíola. Jornalismo Científico. São Paulo: Contexto, 2002. 286

SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. SNOW, C. P. As duas culturas e uma segunda leitura: uma versão ampliada das duas culturas e a revolução científica. São Paulo: Edusp, 1995. THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2003. VOGT, Carlos. Introdução. In: VOGT, Carlos (org.). Cultura científica – desafios. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2006. p.18-26.

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