Trabalhando com Artigo de Opinião: revisitando o eu no exercício da (re)significação da palavra do outro.

June 20, 2017 | Autor: Kátia Brakling | Categoria: Ensino Língua Portuguesa
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TRABALHANDO COM ARTIGO DE OPINIÃO: REVISITANDO O EU NO EXERCÍCIO DA (RE) SIGNIFICAÇÃO DA PALAVRA DO OUTRO1. Kátia Lomba BRÄKLING (LAEL/PUC-SP)

“Um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas, então frase a frase, até a sentença-rio do discurso único, em que tem voz a seca que ele combate.” (João Cabral de Melo Neto)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS Este artigo tem como objetivo realizar um relato crítico-reflexivo do processo de elaboração e desenvolvimento de um projeto de escrita organizado na perspectiva apresentada pelos PCNs de Língua Portuguesa de 3º e 4º ciclos, para possibilitar ao professor uma análise pormenorizada de prática docente organizada a partir de princípios teóricos presentes no documento referido e, ao mesmo tempo, apresentar uma possibilidade – efetivamente realizada – de implementação da proposta em questão. O projeto foi elaborado a partir da adoção de uma concepção enunciativa da linguagem, na qual, entre outras, a noção de gêneros do discurso é orientadora das atividades didáticas organizadas. O trabalho foi desenvolvido com alunos de uma 6ª série – ou 2º ano do terceiro ciclo 2 –, com idade regular para a série, numa escola cooperativa , de fevereiro a agosto de 1998. Procuraremos realizar um relato abrangente, onde se explicitem as articulações colocadas entre as concepções teóricas subjacentes, os objetivos decorrentes – tanto os mais amplos, quanto os específicos de área – e as atividades desenvolvidas.

SOBRE AS RAZÕES, OS MOTIVOS E AS ESCOLHAS A proposta de trabalho organizada foi baseada em algumas reflexões fundamentais. Quais sejam:  Um compromisso claro com a formação de um homem que possa e saiba compreender criticamente as realidades sociais, sabendo olhar para elas a partir de diferentes pontos de vista, comparando-os reflexivamente de maneira a constituir o seu próprio. Mais do que isso, este compromisso implica possibilitar ao aluno vivenciar situações nas quais

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Publicado em A Prática de Linguagem em sala de aula.Org. Roxane H. R. Rojo. Mercado de Letras/EDUC: 2000.

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Escola Cooperativa da Vila Mariana, da Cooperativa Educacional da Cidade de São Paulo, administrada por um Conselho de Pais de Alunos.

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possa apropriar-se desse modo de olhar para o real, para organizar a sua ação para nele atuar, quer na direção de sua transformação ou não.  A compreensão do aluno com o qual trabalhamos como aquele que está num momento sensível de reconstituição de sua identidade – a adolescência –, no qual valores são questionados, recusados, aceitos, abandonados, provocando uma re-significação das relações que as pessoas passam a estabelecer com o outro, com o mundo e consigo próprios.  A compreensão de que a escola é uma instituição social que tem como finalidade ensinar, educar. Na área de Língua Portuguesa, considerando as referências anteriores, ensinar supõe, necessariamente: o

criar uma situação comunicativa intra-sala de aula que possibilite a “colocação em contato” dos diferentes sentidos constituídos pelos diferentes alunos, nos diferentes círculos sociais de que participam – igreja, clube, círculo de amigos da escola, por exemplo. Quer dizer, possibilitar que as diferentes posições sobre os diferentes assuntos discutidos se explicitem, bem como alguns (quiçá todos...) dos valores implícitos e ideologias subjacentes. Essa situação comunicativa – que resolvemos denominar de “conversa argumentativa”, mais um gênero escolar da modalidade oral da linguagem – pressupõe, como em qualquer gênero, aprendizados: que a palavra do outro pode, efetivamente, apresentar-nos sentidos diferentes com os quais podemos ou não concordar; que, para que possamos entrar em contato com esses diferentes sentidos, é preciso ouvir de fato a palavra alheia; que, para que os outros possam conhecer os nossos sentidos, é preciso que os explicitemos; que o comentário do outro sobre a nossa palavra pode introduzir elementos significativos que nos possibilitem rever valores e transformá-los ou consolidá-los;

o

oferecer aos alunos uma proficiência que suponha escrever de maneira analítica, reflexiva e crítica, explicitando suas próprias opiniões a respeito de diferentes temas, com consistência e de maneira muito bem sustentada. Consequentemente, para Língua Portuguesa, as atividades de escrita necessitam privilegiar o trabalho com um gênero no qual as capacidades exigidas do sujeito para escrever sejam, sobretudo, aquelas que se referem a defender um determinado ponto de vista pela argumentação, refutação e sustentação de idéias. Por isso, escolhemos ensinar escrever artigos de opinião. Estes textos circulam em portadores aos quais se pode ter fácil acesso – revistas e jornais diversos, por exemplo – e sua leitura e escrita supõe uma mestria em realizar as operações citadas.

Dessa forma, a escolha pedagógica realizada foi por escrever, com a sexta série, artigos de opinião. Esta, nossa primeira decisão tomada. A segunda referiu-se à modalidade didática de organização do trabalho, da qual falaremos em seguida.

PROJETOS DE LINGUAGEM E SEQUÊNCIA DIDÁTICA: POR QUÊ? Dentre as modalidades didáticas de organização do trabalho que se colocavam para nós como possibilidades, escolhemos os projetos de linguagem, à semelhança da proposta dos PCNs de Língua Portuguesa para o 3º e 4º ciclos. Estes são compreendidos como uma forma de organização do trabalho em Língua Portuguesa pela qual é possível a criação de um espaço intra-escolar de produção de linguagem que apresenta a possibilidade de aproximação das condições de comunicação intra-escolares das condições presentes nas instâncias públicas de enunciação que não a escola. O trabalho é desenvolvido visando a

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elaboração de um produto final – uma revista, um livro, um panfleto, um debate, uma mesa redonda, um folder, um jornal, um almanaque – que tenha uma circulação social efetiva. Constituem-se, assim, numa modalidade didática que cria condições favoráveis à interação verbal pela modalidade escrita da linguagem, de maneira a não descaracterizá-la enquanto objeto social. Para o desenvolvimento dos projetos de linguagem, elaboramos também uma sequência didática específica para o aprendizado de artigo de opinião. Esta modalidade de organização do trabalho é compreendida por nós tal como o propõem Dolz & Schneuwly. A ela nos referiremos mais adiante, em item específico.

SOBRE AS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS As sequências didáticas são aqui compreendidas no interior da proposta de Dolz & Schneuwly3. Trata-se de atividades planejadas para serem desenvolvidas de maneira seqüenciada, com a finalidade de tematizar aspectos envolvidos na produção de textos organizados em um determinado gênero, de maneira a possibilitar aos alunos a mestria na sua escrita. São atividades que têm como objetivo a aprendizagem de características da “estrutura (comunicativa) particular dos textos pertencentes ao gênero” e “as configurações

específicas das unidades de linguagem, que são sobretudo traços da posição enunciativa do enunciador e os conjuntos particulares de seqüências textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura” (op. cit.).

A organização destas atividades prevê uma progressão organizada a partir do levantamento dos conhecimentos que os alunos já possuem sobre o gênero. A partir desse levantamento, um mapeamento das necessidades de aprendizagem é realizado com a finalidade de possibilitar a priorização de aspectos a serem abordados progressivamente, adequando o grau de complexidade da tarefa e do objeto às possibilidades de aprendizagem dos alunos. Tal como nos PCNs de Língua Portuguesa para o 3º e 4º ciclos, o grau de complexidade da tarefa refere-se aos “conhecimentos de natureza conceitual e

procedimental que o sujeito deve ativar para resolver o problema proposto pela atividade” (p. 38). São consideradas tarefas, produzir um texto, revisá-lo tomando em conta diferentes

aspectos, ler um texto, assistir a uma palestra... O grau de complexidade do objeto, “refere-se, fundamentalmente, à dificuldade posta para o aluno ao se relacionar com os

diversos aspectos do conhecimento discursivo e lingüístico nas práticas de recepção e produção de linguagem” (pp.37-38). Deve ser considerado em relação ao sujeito que aprende e aos conhecimentos por ele já construídos.

O desenvolvimento das atividades deve prever, ainda, a organização adequada do tempo de realização e sequenciação das atividades; uma ordenação que permita a transformação das capacidades dos alunos; a colaboração com o outro e a avaliação das tarefas apresentadas.

SOBRE O MOVIMENTO METODOLÓGICO O trabalho desenvolvido baseou-se num movimento metodológico orientado da observação para a análise, para o levantamento de regularidades, o registro, a sistematização do conhecimento e o uso deste em novas produções.

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DOLZ, J. & B. SCHNEUWLY (1996). Genres et progression en expression orale et écrite: Eléments de réflexion à propos d’une expérience romande. Enjeux, 1996: 31-49. Tradução de Roxane H. R. Rojo, mimeo.

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Mais detalhadamente, podemos dizer que as atividades foram planejadas considerando-se o seguinte movimento:  isolamento do aspecto a ser tematizado;  construção de um corpus representativo do aspecto a ser abordado, a partir do qual se possa realizar uma análise do fato lingüístico priorizado, observando possíveis regularidades;  análise do corpus, promovendo o agrupamento dos dados, a partir dos critérios construídos para apontar as regularidades observadas;  organização e registro das conclusões a que os alunos tenham chegado;  apresentação da metalinguagem e aproximação conceitual;  exercícios sobre os conteúdos estudados;  reinvestimento dos diferentes conteúdos tematizados na revisão e refacção do texto já escrito e em nova produção 4.

SOBRE O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO Para o desenvolvimento do trabalho, tínhamos em mente que, além das questões educacionais mais amplas e das questões didáticas, o conhecimento do objeto é imprescindível. Dessa forma, colocou-se para nós a necessidade de aprofundamento no conhecimento sobre o gênero priorizado e de todos os aspectos e operações envolvidos na sua produção. O artigo de opinião é um gênero de discurso onde se busca convencer o outro de uma determinada idéia, influenciá-lo, transformar os seus valores por meio de um processo de argumentação a favor de uma determinada posição assumida pelo produtor e de refutação de possíveis opiniões divergentes. É um processo que prevê uma operação constante de sustentação das afirmações realizadas, por meio da apresentação de dados consistentes, que possam convencer o interlocutor. Nessa perspectiva, acreditamos que se trata de um gênero onde a dialogicidade e a alteridade se evidenciam no processo de produção: não é possível escrever um texto no gênero se não se conseguir colocar-se no lugar do outro, antecipando suas posições para poder refutá-las – negociando ou não com ele –, na direção de influenciá-lo e de transformar sua opinião, seus valores. É, portanto, condição indispensável para a produção de um artigo de opinião, que se tenha uma questão controversa a ser debatida, uma questão referente a um tema específico que suscite uma polêmica em determinados círculos sociais. Do ponto de vista das marcas lingüísticas do gênero, como o nosso corpus de análise foi todo levantado em revistas não técnicas e jornais não especializados, consideramos marcas relevantes:  a organização do discurso quase sempre em terceira pessoa;  o uso do presente do indicativo – ou do subjuntivo – na apresentação da questão, dos argumentos e contra-argumentos;  a possibilidade de uso do pretérito numa explicação ou apresentação de dados;  a presença de citações de palavras alheias; 4

Movimento metodológico proposto também nos PCNs de Língua Portuguesa para o 3º e 4º ciclos, p.79.

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 a articulação coesiva por operadores argumentativos. Do ponto de vista da progressão temática, trabalhamos com possibilidades de organização diferenciadas, a partir da análise de textos diferentes do mesmo autor ou de diferentes autores. Nesta análise, observamos:  a ordem de apresentação da tese, conclusão, argumentos, contra-argumentos;  a ordem de apresentação dos argumentos no que se refere à sua maior ou menor força locucional. Estes, nossos pressupostos iniciais e nossos conhecimentos subjacentes. Passemos, agora, ao relato do desenvolvimento do trabalho.

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO A partir das decisões tomadas quanto ao gênero de texto a ser abordado e quanto às modalidades de organização didática, o trabalho foi encaminhado a partir de:  Levantamento das condições de produção (ou parâmetros da situação enunciativa): o

definição do INTERLOCUTOR ao qual o texto se destinará;

o

explicitação da FINALIDADE colocada para a produção dos textos;

o

definição do GÊNERO no qual o texto se organizará;

o

definição do PORTADOR - ou suporte - no qual o texto será publicado;

o

definição do LUGAR DE CIRCULAÇÃO do produto final.

A discussão das condições de produção – acreditamos – deve se dar a partir da explicitação da imagem do leitor construída pela classe (o que interessaria a ele; que relação têm locutor e interlocutor - de maior ou menor proximidade, determinada pelo lugar social que ambos ocupam no contexto enunciativo; que conhecimentos tem sobre o assunto que será discutido no texto; que conhecimentos tem sobre linguagem), articulandoa com a definição de temas a serem tratados, escolhas lexicais mais adequadas, exploração e introdução de recursos gráficos - no texto e no portador - coerentes com suas possíveis expectativas.  Planejamento das etapas e dos prazos do trabalho, prevendo:  Construção de repertório temático: coleta de textos referentes aos assuntos que serão tratados na produções de textos; organização de hemeroteca, onde se arquive os textos encontrados; leitura e estudo dos textos coletados. A pesquisa pode ser realizada pela classe como um todo, de maneira que todos possam colaborar .  Desenvolvimento de seqüência didática: organização de atividades seqüenciadas, cuja finalidade é discutir as características fundamentais do gênero de discurso priorizado para o trabalho, de maneira a possibilitar ao aluno um aprendizado e mestria na escrita do mesmo.  Composição do portador: organização gráfica, montagem, impressão e reprodução.  Publicação (lançamento, distribuição).

RELATO DO TRABALHO DESENVOLVIDO Tínhamos priorizado, portanto, o trabalho com o gênero artigo de opinião: esta a decisão pedagógica inicial. A questão seguinte seria a definição, junto à classe, das demais

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condições de produção dos textos e do desenvolvimento do projeto, que denominamos “Polêmicas de Agora”. O resultado da discussão foi o seguinte: escreveríamos artigos de opinião que seriam publicados numa revista. Debateríamos questões que pudessem interessar aos demais adolescentes alunos da escola, nosso leitor eleito. A revista seria organizada, montada e a publicada pela 6 série, tendo seu lançamento previsto para a “Feira Cultural” que a escola realizaria. O passo seguinte foi a discussão sobre os temas que seriam priorizados. Feito um levantamento inicial, tivemos como resultado: “a sexualidade na adolescência”, “a questão

do aborto e da gravidez na adolescência”, “a doação de órgãos”, “casamento homossexual”, “a existência de vida inteligente alienígena”, “o uso de drogas”, “o desemprego no Brasil”.

Escolhidos os temas, definimos também a necessidade de se estudar sobre eles para poder escrever a respeito. A decisão tomada foi a seguinte: organizados em duplas, os alunos fariam um levantamento do material disponível sobre o tema a ser discutido, montando uma hemeroteca. Uma aula de Língua Portuguesa da semana seria reservada para a leitura e estudo do material coletado. Em seguida, começamos o desenvolvimento da seqüência didática organizada para o aprendizado do gênero.

AS ATIVIDADES PROPOSTAS Orientados pelas finalidades e características dessa modalidade didática e pelos objetivos já explicitados, propusemos uma seqüência de atividades que acabaram por ser organizadas em três grandes blocos de atividades: o estudo inicial do gênero, o estudo para aprofundamento e o estudo para revisão. O primeiro grupo abrange as atividades que visavam oferecer um suporte inicial aos alunos na sua primeira produção. Tratava-se de introduzir uma noção preliminar dessa forma de organização discursiva, com a finalidade de evitar que o desconhecimento completo do gênero funcionasse como um fator “perturbador” do desempenho do aluno. O segundo grupo de atividades abrange os exercícios organizados com a finalidade de aperfeiçoar o desempenho do aluno na produção escrita, pela via do conhecimento mais aprofundado do gênero e das operações discursivas que implica. O terceiro grupo de atividades abrange os exercícios organizados com a finalidade de, por um lado, exercitar o procedimento de revisão, focalizando os aspectos tematizados nos exercícios do grupo anterior; e, por outro lado, possibilitar o aprimoramento dos textos pela incorporação do conteúdo discutido nos textos produzidos.

Estudo inicial do gênero Estudo das características discursivas específicas de um gênero a partir da comparação por estabelecimento de diferenças Tínhamos como objetivo possibilitar aos alunos uma identificação do gênero por meio de aspectos que lhe fossem característicos e que o diferenciassem de outros gêneros. Nesta perspectiva, propusemos aos alunos que apontassem as características discursivas de textos organizados em diferentes gêneros – uma notícia, um conto, um verbete de enciclopédia e um artigo de opinião –, orientados por questões que se referiam aos aspectos discursivos diferenciadores dos mesmos. Algumas delas:

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 Em qual dos textos foi apresentado ao leitor o relato de um fato que realmente aconteceu?  Em qual dos textos é apresentada uma definição ou explicação sobre uma questão específica?  Em qual dos textos o autor não se prende ao real para escrever?  Em qual dos textos o autor apresenta sua opinião sobre um assunto determinado? A cada questão proposta, realizávamos uma articulação entre a resposta apresentada e as marcas linguísticas presentes no texto (dados marcados lexicalmente, de maneira explícita ou não) que pudessem justificar a resposta apresentada. Ao final da análise comparativa, organizamos o conhecimento abordado escrevendo uma caracterização inicial do artigo de opinião, a ser retomada posteriormente para aprofundamento.

Estudo das características próprias do gênero a ser estudado a partir da comparação por estabelecimento de semelhanças A partir de diferentes artigos de opinião, foi solicitado aos alunos que apontassem as características discursivas semelhantes entre eles e entre estes e o estudado anteriormente. Foram orientados por questões propostas com a finalidade de conferir as características levantadas na atividade anterior e aprofundar a análise. As questões referiam-se a aspectos como a localização da presença da opinião pessoal do escritor; a identificação da questão em debate; o reconhecimento da posição defendida pelo autor; a identificação da opinião à qual o autor se opunha; as formas de sustentação de opinião apresentadas; a localização de dados apresentados para a sustentação; a forma utilizada pelo autor para rebater as opiniões contrárias à sua. Da mesma forma que na atividade anterior, a cada resposta apresentada, houve uma referência às marcas lingüísticas e discursivas que poderiam estar relacionadas a ela. Ao final da discussão, foi proposta uma retomada da caracterização anterior do gênero realizada na ATIVIDADE 1, com a finalidade de aprofundá-la, incorporando os novos elementos abordados.

Produção de um primeiro texto Considerando a caracterização do gênero já realizada, foi solicitada aos alunos a produção de um primeiro texto, a partir das condições de produção definidas. Uma primeira questão levantada e discutida tão logo começaram a primeira produção foi a necessidade de formulação de questões polêmicas a partir dos temas levantados, dado que no levantamento inicial apenas os temas é que foram escolhidos. Da discussão, as seguintes questões polêmicas foram elaboradas:

 “Mortalidade materna, infantil e o aborto: a legalização resolve?”;  “Diante da crise do sistema de saúde e do perigo de corrupção sempre presente, devese ou não apoiar a doação de órgãos?”;  O uso de drogas na virada do milênio: questão de prazer, necessidade ou para impressionar?”;  “No Brasil não existe desemprego”: conto de fadas do ministério?”;

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 “O hábito faz o monge?”;  “Vou votar no fulano porque está em primeiro lugar nas pesquisas”. Você concorda?”;  “Clonagem humana: o avanço científico e a ética.”;  “Existe mesmo vida extraterrestre?”;  “A legalização do casamento homossexual: moralidade e democracia.”;  “A pena de morte pode ser a solução para o problema do alto índice de criminalidade e violência do país””.5 Definidas as questões controversas, a primeira produção foi realizada. Depois disso, foi feito um levantamento dos aspectos que os alunos já haviam aprendido sobre o gênero e daqueles que ainda precisariam aprender. Foi, portanto, um levantamento de necessidades: conteúdos que precisariam ser abordados que orientaram a organização das atividades posteriores. Estas necessidades referiam-se tanto aos conhecimentos discursivos e lingüísticos específicos do gênero, como também a outros aspectos gramaticais (ortografia, acentuação, morfossintaxe, semântica) ou procedimentais (revisão em processo, revisão posterior, utilização dos conhecimentos já sistematizados na revisão), mais amplos e gerais. A partir desse levantamento, organizamos tanto a seqüência didática para aprofundamento nas questões próprias do gênero, quanto atividades seqüenciadas outras para o trabalho das questões mais gerais.

Análise coletiva das primeiras produções a partir da caracterização já realizada pela classe Para esta atividade, organizamos uma apostila com cópias das produções dos alunos e, tendo como parâmetro a caracterização já realizada, analisamos coletivamente algumas delas. A análise dos textos esteve baseada na identificação de aspectos como:  existe uma questão polêmica que está sendo debatida?  o autor apresenta uma posição a respeito?  o que diz para sustentar sua opinião?  o que diz para descartar opiniões contrárias à sua?  pode-se dizer que este texto é um artigo de opinião?  falta alguma coisa para este texto ser considerado um artigo de opinião? Os alunos cujas produções foram discutidas coletivamente realizaram anotações a respeito dos comentários feitos, anotações estas que deveriam orientá-los na refacção do texto. Os demais partiriam das orientações oferecidas na análise coletiva para a análise e refacção da produção própria.

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Este tema não foi, na realidade, previsto no levantamento coletivo inicial, mas sim numa atividade intermediária, preparada com a finalidade de discussão da forma pela qual diferentes autores estabeleceram a progressão temática em seus artigos. Os artigos com esse tema, no entanto, acabaram por compor a revista da classe.

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Estudo para aprofundamento Conhecendo a história do gênero A finalidade desta atividade é propiciar ao aluno uma compreensão mais aprofundada das características do gênero, marcando a historicidade do processo de sua constituição: sua origem e as características do momento histórico de sua constituição; as transformações que já sofreu; fatos sociais que contribuíram para a constituição do gênero desta ou daquela forma; transformações em curso; etc. Para este projeto, pouco material conseguimos obter, a não ser aquele que se referia à história da opinião no jornalismo em geral e referências ao gênero constantes de manuais de redação de alguns jornais de grande circulação em São Paulo. De qualquer forma, lemos e discutimos o material conseguido e ampliamos a discussão sobre a caracterização do gênero.

Trabalhando com diferentes aspectos discursivos e linguísticos Iniciamos, a partir deste momento, o trabalho com os elementos e operações constitutivas do gênero, com a finalidade de aprofundamento da compreensão inicial dos alunos. Neste sentido, exercícios que tematizavam esses aspectos foram propostos, na tentativa de possibilitar aos alunos a apropriação desse conhecimento, que deveria, posteriormente, ser incorporado na revisão da produção inicial. Alguns dos aspectos abordados foram:  as operações de sustentação, refutação e negociação;  o “esquema” de organização textual utilizado por diferentes autores;  tipos de argumentos e efeitos de sentido produzidos no interlocutor;  seleção de dados relevantes para a operação de sustentação de argumentos;  identificação de contra-argumentos;  adequação entre argumentos e contra-argumentos e a posição defendida e refutada pelo autor;  adequação de argumentos em relação à situação de enunciação e ao interlocutor presumido;  força dos argumentos selecionados e ordem seqüencial dos mesmos no texto;  estabelecimento da progressão temática;  operadores argumentativos e o estabelecimento da coerência e da coesão do texto;  tipos de operadores e função correspondente: marcar refutação, concessão, oposição;  a pessoa do discurso e a marca lingüística presente no texto (usos de 1 a pessoa - plural e singular -, terceira e da indeterminação e efeitos de sentidos produzidos);  utilização adequada de verbos declarativos, apreciativos, depreciativos;  o uso dos tempos verbais na progressão temática. Algumas atividades propostas:

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 dada uma lista de argumentos, selecionar aquele(s) que seria(m) mais adequado(s) para a defesa de uma determinada posição em relação a uma questão polêmica específica;  apresentados determinados argumentos, selecionar, em uma lista, dados adequados para a sua sustentação na defesa de determinada posição (considerando a especificidade da situação de comunicação);  apresentada uma situação enunciativa, analisar, a partir de uma lista, que tipo de argumento seria mais adequado utilizar para convencer um interlocutor específico;  a partir de uma relação de dados - gráficos, tabelas, declarações -, formular argumentos que pudessem ser sustentados pelos dados na defesa de determinadas posições, em determinada situação enunciativa. Na abordagem de alguns dos aspectos selecionados, foi necessária uma discussão gramatical subjacente, que pudesse sustentar a discussão e funcionar como suporte para a reflexão coletiva. Colocou-se, nesta situação:  a discussão sobre a pessoa gramatical do discurso, sistematizada de maneira articulada com a discussão sobre os tempos verbais utilizados pelos autores na produção dos artigos;  a discussão sobre os operadores argumentativos e a decorrente tematização sobre a quais classes gramaticais pertenceriam;  pontuação interna do período e a conseqüente abordagem de sintaxe;  concordância verbal e nominal, coesão do texto e os processos de anáfora;  acentuação e regularidades observáveis;  algumas questões ortográficas e as regularidades observáveis.

Estudo para revisão Retomada dos aspectos abordados ao longo do trabalho Este foi o momento de retomada dos registros realizados em cada uma das oficinas ou atividades desenvolvidas, os quais sintetizavam os aspectos do conhecimento que haviam sido abordados. A finalidade dessa retomada é a organização de material de referência que possa auxiliar os alunos no processo de revisão dos seus textos, quando estarão produzindo a versão final dos mesmos. Estes registros orientam, ainda, a definição ) de critérios para a correção e avaliação das produções finais, garantindo transparência na orientação do processo avaliatório. Neste momento, organizamos um material que era, na verdade, um “compilado” dos registros organizados pela classe sobre os aspectos discutidos, quer fossem registros próprios ou de outros autores (textos pesquisados que organizavam o conhecimento, retirados de materiais escritos de referência: gramáticas, por exemplo). Lemos, revisamos e realizamos anotações pessoais sobre aspectos importantes de serem considerados em função, também, das anotações realizadas nos processos de análise coletiva do primeiro texto e de análise e revisão de textos intermediários, produzidos no bloco referente às oficinas de aprofundamento.

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Revisão final do texto, refacção e avaliação De posse do material teórico de apoio, bem como de suas produções iniciais, os alunos revisaram os seus textos, no sentido de melhorá-los o máximo que lhes fosse possível: corrigiram erros, reescreveram trechos, reorganizaram os enunciados, redefiniram parágrafos, acrescentaram dados, mudaram linhas de argumentação, enfim, tudo o que lhes parecesse ser necessário realizar para tornar o seu texto mais adequado para o leitor eleito, para o portador definido e para a finalidade priorizada. Depois da revisão e da refacção dos textos foi realizada uma auto-avaliação e uma avaliação pela professora, a partir de uma ficha elaborada com base nos aspectos discutidos, sistematizados no material de apoio. Essa ficha fazia alusão aos aspectos e elementos discursivos e lingüísticos abordados.

REFLEXÕES: O TRABALHO REVISITADO “Que rio é este pelo qual corre o Ganges?” Pretendemos, a seguir, analisar o trabalho desenvolvido, tomando como referência os resultados obtidos quanto ao produto (Borges) apresentado efetivamente pelos alunos. Pretendemos, também, apontar algumas necessidades que se colocaram durante o desenvolvimento do trabalho como um todo, quer refiram-se à adequação dos princípios adotados, quer relacionem-se a condições para a implementação de uma prática docente deles decorrente. [relação com os PCNs?] Se tínhamos como objetivo verificar a pertinência e aplicabilidade de um trabalho organizado a partir dos pressupostos anteriormente colocados – apresentados nos PCNs de Língua Portuguesa para o 3º e 4º ciclos –, bem como a adequação da organização e tratamento didático proposto pelo grupo de Genebra para o ensino de Línguas, os resultados parecem nos autorizar a confirmar a eficácia de um projeto como esse. A análise da produção inicial e da produção final de um aluno pode ilustrar essa afirmação. Saliente-se que a produção que apresentaremos não representa a média da classe, em termos de qualidade. Ao contrário, é um texto considerado abaixo da média. Será aqui analisado porque, se comparado à produção final da aluna, fica evidente a melhora de sua proficiência, o que serve aos nossos propósitos. A produção final, no entanto, já se inclui dentro da média da classe, embora tenham sido produzidos artigos, por outros alunos, com uma qualidade bastante superior. Produção Inicial

Os adolecentes estão preparados para ter uma vida sexual responsável?6 (1) A vida sexual representa grande coisa para alguns e apenas diversão para os outros. (2) A cada vez mais, adolecentes de idade acima de 15 anos até 18. (3) Esta é a idade onde eles acham que não há responsabilidade. 6

Os números entre parênteses referem-se aos parágrafos originais do texto.

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(4) As vezes alguns adolecentes se preservam e seguem conselhos dos pais; outros acham

que sexo é pura diversão e acabam tendo consequência - como se contaminar com o virus HIV, levando a aids, ou até mesmo uma gravidez.

(5) As vezes o sexo se torna rotina e psicologos acham que não está tendo amor ou

responsabilidade.

(6) Este tema é polêmico por isso psicólogos e os próprios adolecentes dão o seu

depoimento.

(7) A psicóloga Rosely Sayão acha que o adolecente passou pela infância e estando na

puberdade, ela acha normal que adolecentes sejam tão desesperados, e querem logo fazer sexo.

(8) Um adolecente de 17 anos acha que hoje em dia a maioria dos adolecentes estão na

fase “festa” que tudo é só diversão.

(9) Outro adolecente acha que não que é uma coisa gostosa e que em alguns casos

existem amor, e a maturidade depende da pessoa.

(10) Estes foram depoimentos de 3 pessoas que tem opinião diferentes e preferem que cada

um se identifique com cada pensamento.

(11) Meninas que não sabem como falar para os pais que carregam camisinha na bolsa. E se

elas não estão preparadas para dialogar com os pais não estão preparadas para usar.

(12) propaganda MTV (13) Em fim definimos que o sexo se identifica com a pessoa e com a maturidade, não pela

idade, mais sim pela cabeça que cada um tem.

(14) - Nós fizemos uma pesquisa, para ver com quem foi a primeira vez de adolecentes

alguns responderam

(15) Fiquei com a menina e “rolou” (16) Foi um menino da praia que eu estava de “rolo” (17) Foi meu amigo do colégio (18) Foi com uma prostituta (19) Estas são frases de adolecentes que perderam a virgindade cedo de modo

deságradavel.

(20) - Perguntamos com que idade eles consideram um jovem preparado para relação sexual

13 anos - 1.1 14 anos - 5.3 15 anos - 13.7 16 anos - 22.1 17 anos - 36.8 (21) - Uso da camisinha.

Sempre - 53.8 nem sempre - 38.5 nunca - 7.7 (22) Adolecentes que acham que a 1 vez, foi frustrante e outros acham que foi inesquecível.

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(23) São adolecentes que acham que pensam e fazem o que querem e que nem sempre

acontecera responsabilidades com eles, que já uma transa é uma grande responsabilidade. Fonte: Revista “Pais e teens” depoimento: Rosely Sayão pesquisas: Eugênio Chipkevitch, diretor do instituto paulista de adolescência. Rê (04/98)

Ao analisarmos o texto de Rê, logo nos chama a atenção a citação da fonte, uma marca que, certamente, não é de artigo de opinião. No entanto, mais do que classificar o texto como pertencente ao gênero tematizado no projeto, interessa-nos analisá-lo, para que possamos identificar quais elementos discursivos típicos do gênero o texto apresenta, quais marcas lingüísticas podem ser identificadas como índices das operações enunciativas esperadas, que aspectos não se encontram bem resolvidos e necessitam, portanto, ser trabalhados mais detalhadamente. Uma análise como esta permite, portanto, a identificação: a) de quais aspectos envolvidos na produção de um artigo de opinião foram apropriados pelo produtor, quer isso se deva ao trabalho de estudo inicial, quer a contatos anteriores com o gênero; b) quais aspectos precisarão ser aprofundados ou introduzidos para discussão. Para a reflexão que ora realizamos, uma análise desta natureza possibilita a comparação da proficiência da aluna numa situação inicial de produção com a de uma situação final, o que permite a identificação de saberes transformados na direção de uma melhora de qualidade na produção do gênero. No entanto, a análise que pretendemos realizar não pretende esgotar todos as possibilidades e nem ser muito rigorosa: serão abordados os aspectos mais significativos para o objetivo da discussão colocada neste artigo. A questão controversa que a aluna pretende debater está colocada explicitamente no título do texto. Sobre esta, assume uma posição que parece pautar-se na idéia de que a maior ou menor preparação do adolescente para uma vida sexual responsável não se relaciona diretamente com a idade, mas com a maturidade, a “cabeça” de cada um (parágrafo 13). Para defender esta posição, a aluna apresenta atitudes e opiniões diversas a respeito do assunto, num movimento de contraposição, evidenciado nos parágrafos de 1 a 10, excetuando-se o 2 e o 3, onde parece que a autora quis localizar a faixa etária na qual a polêmica se localiza: o intervalo compreendido entre 15 e 18 anos. Nos parágrafos 1, 4 e 5, a autora polariza seriedade e importância X diversão; seguir o conselho dos pais X diversão e conseqüências; rotina X amor e responsabilidade. Para sustentar essa posição, nos parágrafos 7, 8 e 9; a aluna apresenta depoimentos de três pessoas, os quais são introduzidos no parágrafo 6. No parágrafo 10, há uma sinalização, pela fala do outro, da posição que defenderá a seguir. Para concluir a série de depoimentos que sustentam a posição explicitada no parágrafo 13, no 11 e 12, a autora se refere à propaganda veiculada na MTV, que parece confirmar a tese de que não é porque se carrega camisinha na bolsa, que se está preparado para assumir responsabilidades; alguns até podem estar, mas não são todos. A partir do parágrafo 14, a autora relata dados de uma pesquisa que, a julgar pelo que foi colocado no parágrafo 14, teria sido feita pela dupla que pesquisou o assunto. No entanto, são dados que conseguiram a partir da leitura da fonte. Podemos, inclusive

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interpretar o travessão colocado neste e no parágrafo 20 como marca – ainda que inadequada– de introdução do discurso de outrem no discurso próprio, do texto da reportagem no artigo de opinião. Do parágrafo 13 em diante, o que acontece é uma apresentação de dados que supostamente teriam maior credibilidade junto aos interlocutores, inclusive por alguns serem quantitativos (ainda que não tenham sido interpretados adequadamente), os quais poderiam estar conferindo maior “força” à posição defendida. Considerando que a apresentação da tese da autora encontra-se no parágrafo 13, introduzida, inclusive, por um enfim – o que revela uma intenção de concluir, finalizar o texto –, parece ser possível interpretar que esta, após a produção desse parágrafo, deu uma olhada em seu texto e achou que seria necessário introduzir mais dados, e dados de maior credibilidade — conseguidos, por exemplo, por meio de uma pesquisa, que costuma conferir um “caráter de verdade” a declarações. Podemos concluir que a aluna sabe que um artigo de opinião organiza-se a partir de uma questão controversa e que nele há a defesa de uma determinada posição e que é preciso apresentar dados que possam sustentar essa posição, se se pretende, efetivamente, convencer o interlocutor. Mais do que isso, é preciso negociar com aqueles que possuem posições contrárias: o tempo todo a aluna apresenta opiniões antagônicas, para concluir nem por uma ou por outra, mas por uma posição intermediária. O que ela não sabe é como fazer a articulação adequada entre os enunciados de modo a garantir coesão ao seu texto ao escrever um artigo de opinião, bem como realizar uma progressão temática adequada à finalidade colocada: o convencimento do seu interlocutor. Precisa aprender a utilizar operadores argumentativos e articuladores textuais em geral, de modo a não provocar um efeito de fragmentação dos enunciados; precisa saber identificar os referentes, para evitar problemas de concordância verbal e nominal; precisa resolver algumas questões de pontuação interna da frase, de acentuação e de ortografia. Na produção final a aluna não manteve o mesmo tema. Optou (e isso foi possível, dada a organização do trabalho) por escrever sobre Pena de Morte, tema de uma produção intermediária, não previsto no levantamento coletivo inicial. Esta alteração, acreditamos, deveu-se à exaustiva discussão do primeiro tema, que, devido ao grande interesse manifestado pelos alunos em geral, resultou na organização de uma mesa redonda da qual participaram um aluno, um pai de aluno e dois especialistas no assunto: um psicólogo e a sexóloga Roseli Sayão. Assim, optou-se por documentar a mesa redonda na revista (esta e mais uma, realizada com a finalidade de discutir questões relacionadas a gênero, organizada com composição semelhante) e o artigo acabou tratando de um outro tema de interesse da aluna. A questão polêmica definida foi “A pena de morte pode ser a solução para o

problema do alto índice de criminalidade e violência do país?”. Produção Final

Barbaridades dos novos tempos (1) Nos últimos anos, o índice de criminalidade vem aumentando muito nas grandes

metrópoles brasileiras. Essa situação tem levado algumas pessoas a pensar na implantação da pena de morte no país. Essas pessoas pensam que se a pena de morte for aplicada no país tudo vai melhorar, mais não é bem assim.

(2) Quem pensa que se com a aplicação da pena de morte a criminalidade vai diminuir, se

engana. Acontece o oposto. Nos E.U.A., tudo mostra que isso é verdade, pois lá a pena

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capital está implantada desde 1976. E, como conseqüencia, o índice de criminalidade não diminuiu e as agressões a policiais aumentaram. (3) Quando o governo mata um condenado, está cometendo o mesmo crime que ele. (4) O que seria necessário é resolver os problemas de base, como a economia do país. Se

esses problemas fossem resolvidos uma pessoa não roubaria para alimentar sua família. Casos como esse estão acontecendo agora no nordeste onde está acontecendo uma grande seca.

(5) O governo tem que refletir muito na hora de condenar um preso à pena de morte

porque pode estar acusando um inocente e, como essa pena é irreversível, não poderá corrigir possíveis enganos.

(6) Se nas penitenciárias existissem trabalhos para os presos, eles poderiam ajudar a

economia produzindo seu próprio alimento.

(7) A pena de morte não é a solução. Se os problemas de base são os causadores de tudo

temos que resolvê-los um por um começando pelos mais “difíceis”, colocando na cabeça das pessoas que acreditam que a pena de morte á a solução, a solução correta. Rê (08/98)

Analisando o artigo, podemos afirmar que a posição defendida pela aluna está explicitada no parágrafo 7: a pena de morte não é a solução para o problema do alto índice de criminalidade e violência do país; para resolvê-lo é preciso atacar a causa do mesmo: os problemas de base, como a economia, a seca do nordeste, que geram a fome (parágrafo 4). Para defender essa posição, a autora se utiliza dos seguintes argumentos: a comparação com os E.U.A., onde a pena de morte foi implantada em alguns estados há algum tempo, de tal forma que já se pode analisar os seus efeitos (parágrafo 2); o fato de a implantação da pena funcionar como uma autorização legal para o governo matar como um criminoso (parágrafo 3); a questão da irreversibilidade da pena e a impossibilidade de correção da ação, caso haja um engano no julgamento (parágrafo 5). No parágrafo 6, há uma tentativa de negociação com quem afirma que manter um criminoso na penitenciária custa muito ao Estado, posição esta implícita no texto, possível de se inferir pela afirmação de que eles – os presos – produziriam a sua própria alimentação e, dessa forma, contribuiriam para a economia. Até agora, a análise mostra que os aspectos dos quais a aluna já tinha se apropriado, mantêm-se. A diferença evidente está na forma de organização textual; no estabelecimento da progressão temática e na articulação dos enunciados, onde se pode perceber a utilização de operadores argumentativos vários e adequados. A aluna inicia o texto localizando o leitor quanto à situação da qual a questão polêmica emerge e, ao mesmo tempo, já sinalizando qual será a posição defendida no texto. Apresenta, nos parágrafos seguintes, argumentos, em ordem decrescente de poder de convencimento: começou pelo mais forte, do qual possui dados objetivos, e foi decrescendo em força, até explicitar a sua conclusão final, justificada pela retomada de argumentos do parágrafo 4. Nessa organização, é evidente a utilização adequada dos operadores argumentativos no estabelecimento de relações entre as frases e de concessivas. É evidente também a diminuição de inadequações quanto à concordância verbal e nominal (na verdade, inexistentes), bem como de pontuação, ortografia e acentuação.

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Do ponto de vista do estabelecimento da coesão, apenas encontramos problemas em relação aos parágrafos 3 e 6, os quais não foram articulados adequadamente aos anteriores e posteriores. No sexto, esta articulação está falha, até pela omissão da posição que está sendo refutada. Ainda que esta análise não tenha se esgotado, é possível que se perceba a evidente melhora da qualidade do texto e, conseqüentemente, a maior proficiência da aluna na escrita de artigos de opinião. Diante de tais resultados, a única conclusão possível é a da adequação da proposta teórico-metodológica. Durante o desenvolvimento do trabalho, no processo de organização das oficinas, algumas necessidades foram se colocando e, em função delas, a proposta inicial foi sendo reformulada. A seguir apontaremos algumas delas.  Em função da carga horária dada para o curso – seis horas-aula semanais – , e das demais atividades desenvolvidas paralelamente, o trabalho prolongou-se e, se o tempo inicialmente previsto era de quatro meses, acabou por se estender por mais dois meses. Há que se considerar, no entanto, que um dos meses foi julho (férias).  Foi necessário, em função das necessidades diagnosticadas a partir da produção inicial dos alunos, introduzir atividades que tematizassem aspectos não diretamente relacionados aos discursivos (questões ortográficas, de acentuação e outras questões gramaticais). Dessa forma, se pensarmos na proposta original na qual esta se inspirou, há diferenças significativas. Na verdade, a proposta desenvolvida não foi um exercício de replicação da proposta de Genebra, mas uma articulação da proposta de Genebra com uma proposta de trabalho em desenvolvimento e recomendada pelos PCNs de Língua Portuguesa7. O que esta reflexão parece mostrar é que esta articulação é, não só possível, como necessária. Por exemplo, ao termos que desenvolver um trabalho com as questões propriamente gramaticais, houve necessidade de se realizar um descolamento das questões discursivas. Um cuidado que foi necessário, nesse sentido, foi o de promover o retorno à questão de origem, para que este conteúdo não se perdesse dos demais, ficando descontextualizado e sem finalidade evidente.  Além disso, durante o desenvolvimento do trabalho, entre a primeira versão do texto que seria publicado e a última, outros textos foram produzidos e sobre temas diversos. Isso se mostrou especialmente interessante, dado que a manutenção da mesma discussão temática mostrou-se cansativa para os alunos, provocando um desinteresse generalizado no início.  Outra diferença refere-se à finalidade explicitada para a produção do texto quando esta encontra-se circunstanciada num projeto: a “publicação efetiva”; quer dizer, uma publicação que se assemelha àquela que se realiza em outras situações de enunciação externas à escola, nas quais se enuncia por meio do gênero trabalhado. Esta característica conferiu significado especial às atividades de revisão desenvolvidas, ressaltando a necessidade desse procedimento ao se tentar garantir a construção de determinados sentidos no processo de leitura. Não se trata, no entanto, de ignorar a possibilidade – ou de não se reconhecer a necessidade e importância – de desenvolver propostas de trabalho circunstanciados em situações “de simulação”. Trata-se apenas de reconhecer a necessidade de organizar a prática docente de maneira a contextualizar da melhor forma possível o trabalho com gêneros específicos, sobretudo quando se trata de gêneros presentes costumeiramente em situações não- escolares. 7

Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa - Terceiro e Quarto Ciclos. MEC/SEF, 1998.

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 De fundamental importância é a organização dos registros sistematizadores do conteúdo abordado em cada oficina/atividade: são instrumentos autonomizadores no processo de revisão e refacção dos textos e orientadores da avaliação.  É absolutamente fundamental o trabalho com a constituição de repertório temático. Esta não precisa se dar a partir, unicamente, de textos do mesmo gênero. Por outro lado, precisa acontecer paralelamente ao processo de constituição de repertório sobre o gênero. Esse processo possibilita também a realização de um trabalho de leitura bastante profícuo. Finalmente, vale considerar que este é um trabalho para o qual o professor necessita ter uma grande disponibilidade para pesquisa de material e organização das atividades, sobretudo se considerarmos que, por ser uma prática inovadora, organizada a partir de articulações teóricas recentes, pouco material de referência existe disponível, principalmente no que se refere à caracterização dos gêneros do discurso. No entanto, não consideramos isto como um problema específico da prática organizada no interior destas referências teóricas. Na verdade, toda e qualquer prática deveria prever momentos de produção de material, discussão, análise e reflexão sobre o trabalho, se a intenção for realizar um ensino de qualidade efetiva. É, sim, uma dificuldade que pode ser superada, se um trabalho coletivo for realizado na escola – o que possibilita a divisão e compartilhamento de tarefas –, circunstanciado num projeto educativo claro, apoiado por assessorias específicas que desenvolvam um trabalho de apoio crítico constante ao professor. Um projeto que ofereça as condições objetivas e os recursos materiais necessários para o desenvolvimento de qualquer trabalho de qualidade: acervo temático (livros, revistas, jornais, internet); número de alunos por classe compatível com a qualidade da intervenção educativa que se pretenda; uma jornada compatível com a qualidade do trabalho que se almeja, pelo menos. O resultado obtido com os alunos no desenvolvimento desse projeto, acredito, deve funcionar como uma justificativa que não se pode ignorar, se o que se deseja é a mestria dos alunos. Isto posto, sem que pretendamos apelar para o senso comum das costumeiras discussões sobre a Educação no nosso país, resta-nos dizer que há uma necessidade premente de atenção, por um lado, para as condições nas quais o professor vem trabalhando; e, por outro, para a formação que a ele vem sendo oferecida. Mais do que isso, há a necessidade premente de desenvolvimento de pesquisas e materiais que possam subsidiar, efetivamente, o trabalho do professor e o trabalho com o professor, para além das orientações gerais, sempre necessárias, mas também sempre insuficientes. Significa dizer, ainda, que a implementação de parâmetros curriculares como estes propostos supõe a implementação de uma política educacional que preveja a efetiva articulação de ações entre as diferentes instâncias de poder – federal, estadual e municipal – , as quais possam redesenhar o cenário no qual a ação docente se realiza. Sobretudo, significa compreender, quer seja na organização de pesquisas para conhecimento da prática docente, quer seja nas ações de formação do professor, a unidade indissolúvel da totalidade da ação educativa circunscrita no seu espaço real.

BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA

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BAKTHIN, M. (1952-53a). Os gêneros do discurso. In M. M. Bakhtin (1997). Estética da criação verbal. (pp.277-326). São Paulo (SP): Martins Fontes; 2ª edição; maio de 1997. BAKHTIN, M. (V. N. Volochinov) (1929). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo (SP): Hucitec; 6ª ed.; 1992. DOLZ, J. & B. SCHNEUWLY (1996). Genres et progression en expression orale et écrite: Eléments de réflexion à propos d’une expérience romande. Enjeux, 1996. Tradução de Roxane H. R. Rojo, mimeo. VYGOTSKY, L. S. (1930). Internalização das funções psicológicas superiores; In L. S. Vygotsky (1989). A formação social da mente (pp. 59-66). São Paulo (SP): Martins Fontes; 3ª ed.; 1989. VYGOTSKY, L. S. (1933). El problema de la consciencia. In L. S. Vygotsky (1982). Obras Escogidas. Vol I: 119-132. Madrid: Aprendizage/Visor; 1991. VYGOTSKY, L. S. (1934). Pensamento e Linguagem. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1991. VYGOTSKY, L. S. (1935). Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In L. S. Vygotsky (1989) 3ª ed.. A formação social da mente. (pp.89-104). São Paulo (SP): Martins Fontes; 1989.

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