“Trabalho de Campo” – 7: Há 4** ANOS DOS ALMEIDA-FERRAZ

July 18, 2017 | Autor: Fernando Brito | Categoria: Heráldica Portuguesa
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“Trabalho de Campo” – 7: Há 4** ANOS DOS ALMEIDA-FERRAZ

Quereres Sempre ver As rodas de madeira e metal Que sulcaram A rocha que vês

PEDRO THEMUDO DE ABREU, Inédito, 2015

Há 4** ANOS DOS ALMEIDA-FERRAZ Fernando Brito Vítor Guedes

Cheiro a queimadas. Franqueado o portão dos 7 mineiros de bronze (do Pejão), vai o automóvel por um túnel de verdura, da quinta do Rendufe (Germunde) até à quinta do Almeida Ferraz (Fornelo), um jardim! Muros de xisto e trepadeiras Gloire de Marengo e Ficus Repens, e montículos de folhas e ramos queimados delas, donde saem fumos perfumados. Rendufe (barão 25/10/1824; conde 13/10/1852), no ângulo do solar, escudo de bico esquartelado: I. Ferraz II. Lima III. Silva IV. Castro. Coronel de nobreza. O barão teve casa na Rua da Flores, do Porto, a uns passos do solar do Ferraz Bravo, e era também Ferraz – Simão da Silva Ferraz de Lima e Castro.

Almeida Ferraz Bravo, na fachada da casa de turismo de habitação, escudo “manuelino” esquartelado: I. e IV. Ferraz II. Um leão por Bravo (?) III. Almeida. Estava 2001. O Dr. Amorim Coelho e seus Pais compraram as propriedades do Pejão, e nelas avultam as antigas quintas de Fornelo e Germunde. Imaginam-se bem as consequências do abandono, mais dificilmente a enormidade dos trabalhos de limpeza e consolidação empreendidos pelo Dr. Amorim! Em pouco será a encanto do turismo. O último empenho dele foi para a reunião – agora –, de toda a gente, que pudesse trazer memória da Quinta de Fornelo e da Quinta de Germunde: toda a gente: o padre Sacadura Botte, neto dos Moreira Aranha da Casa da Póvoa, seu proprietário, família que também deteve Germunde; as criadas do antigo Pejão; o senhor dos álbuns de família cheios; o Pai e a Mãe do Dr. Amorim. Reunião com jantar; e que trouxessem, prevenidos, as suas memórias, como que as multas para este jantar. Inevitável, também a presença do Rio, longe, largo pela barragem; já não: magro e nervoso, que só em lembrança. Que as Pessoas tenham História Diferente para Contar, dos Dias Passados (mas não perdidos). Vamos conversar então. O Menino Que Vendia Amendoins sentou-se na areia, ao lado do Construtor de Castelos.

– Antes de estares aqui, à sombra desta mangueira, estavas onde? – perguntou o Construtor de Castelos ao Menino que Vendia Amendoins.

– Estava à sombra desta mangueira – respondeu o Menino. – Não se consegue ir além da sombra da mangueira. Não se consegue sequer subir à mangueira. Sobese e sobe-se e está-se sempre no mesmo lugar. Se conseguíssemos subir à mangueira, poderíamos espreitar para além do rio. Aqui só as pessoas mudam. A gente fecha os olhos e as pessoas mudam. Não é assim contigo?

– Sim – concordou o Construtor de Castelos. – É assim, creio, com toda a gente, mas insisto em repetir a pergunta porque pode ser que outra pessoa tenha história diferente para contar. O que achas que existe para além do rio?

– Acho que não existe nada. – Eu acho que nem o rio existe, é apenas uma imagem. – Pode ser. De resto, para que nos serve um rio cuja água não conseguimos tocar? Ficam ambos a contemplar o horizonte durante um largo momento. Então o Construtor de Castelos disse:

– E nós existimos realmente? – Existimos sim! – assegurou o Menino que Vendia Amendoins. – Existimos, mas não realmente. Se realmente existíssemos sentiríamos dor.

– Dor?! Eu sinto dor. – Dor de barriga? – Não, não sinto dor de barriga. – Dói-te a cabeça? – Não, isso também não. Dói-me outra coisa a que não sei muito bem dar um nome. Acho que me dói o meu passado.

– Ah, o passado! O passado existe sem existir, como aquele rio. Julgas que está lá, podes vê-lo, mas não consegues mergulhar nele. Ninguém mergulha no passado.

– Não sei. As águas dos rios afastam-se, não desaparecem. Apenas mudam de lugar. Talvez aconteça algo semelhante aos dias que deixamos para trás: não se extinguem, ocultam-se num outro lugar.

[JOSÉ EDUARDO AGUALUSA, Camaleões, 2015]

O Padre Botte disse:

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