Trabalho de Conclusão de Curso em Especialização

May 24, 2017 | Autor: J. de Lima Lopes | Categoria: Legal Methodology
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ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO



FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

Trabalho de Conclusão de Curso em Especialização

José Reinaldo de Lima Lopes

10/11/06

Material elaborado para utilização exclusiva do Programa GVlaw, da Direito GV.

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TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO EM ESPECIALIZAÇÃO

José Reinaldo de Lima Lopes Professor da EDESP Como fazer um trabalho de conclusão de curso de especialização em direito? Esta a pergunta que pretendo responder, indicando quais as expectativas de um professor ao final de um curso dessa natureza e quais modelos podem ser usados ou incentivados. Tratando-se de um curso de especialização, o que o distingue é o grau de aprofundamento e de objetividade que se pretende, em relação aos outros níveis da pós-graduação (mestrado e doutorado). Também o distingue o profissional que se deseja formar. Para o mestrado e o doutorado existe a expectativa de que se formem pesquisadores e professores. No caso da educação continuada da GV, o que se pretende é um profissional atualizado – isto é, conhecedor do debate doutrinário e jurisprudencial mais recente – e criativo – isto é, capaz de oferecer sugestões de solução para casos difíceis ou pouco comuns. O curso em geral comporta algumas aulas de teoria do direito em geral e isso é de grande relevância para a espécie de trabalho que se pretende. Creio que a maneira de pensar do juiz, do advogado e do jurista em geral é semelhante, do ponto de vista lógico. O que varia é a função de cada um no encontro das soluções e a espécie de socialização, convívio e cultura ao qual está exposto. O curso de especialização deveria oferecer uma oportunidade para expor o aluno a visões alternativas e a um ambiente plural. Isto por si já mudaria muistas coisas, embora nem sempre aconteça. Com tal perspectiva é que se pode imaginar o que seria um bom fim de curso, e, portanto, um bom trabalho de fim de curso.

1. Gêneros literários disponíveis Da minha convicção de que juristas, advogados e juízes procedem logicamente de maneira muito semelhante retiro uma primeira idéia para o trabalho de fim de curso. Ele pode revestir adequadamente a forma de um gênero literário forense. Neste incluo tanto as decisões (sentenças e acórdãos), quanto as petições (iniciais e contestações, razões e contra-razões de recursos, etc), quanto pareceres (pareceres propriamente ditos, pareceres de amici curiarum etc). Esta idéia deve ser combinada com outro sempre relevante: o trabalho de fim de curso deve dizer respeito a temas ou casos minimamente polêmicos. Com isto já escapamos dos temas irrelevantes, já resolvidos, banais.

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a. gênero forense Como sabem todos, a forma de pensar do direito, aquilo que transforma o direito em uma disciplina em particular, é sua predicação das coisas, passadas ou futuras, como proibidas, obrigatórias ou permitidas (indiferentes). Esse modo de pensar é tipicamente realizado em uma sentença. A sentença judicial é o exemplar mais claro de manifestação do discurso jurídico, pois ela afirma (especificamente com autoridade) que alguma ação ou ato é proibido, obrigatório ou permitido. Sentenças são, porém, apenas uma dos modos, se quisermos, um dos gêneros literários em que se pode fazer o discurso jurídico. Outros gêneros de caráter forense são as petições iniciais e as contestações, ou seus equivalentes no momento do recurso: as razões de recurso e as contra-razões dos recursos. Dentro desse âmbito forense também podem ser encontrados os pareceres, e, hoje cada vez mais comuns no Brasil, as manifestações dos amigos da corte, o amicus curiae. Sentenças, petições e arrazoados, pareceres, em geral compõem-se de partes determinadas. No caso da sentença essas partes são tradicionalmente o relatório, a fundamentação, o dispositivo. Bem observadas as coisas, porém, qualquer boa peça jurídica contém esses elementos. Há um fato, um caso, uma controvérsia. Esses fatos são sempre histórias e merecem alguma narrativa. Não vou aqui entrar nos muitos problemas da narrativa e de como a narrativa já determina ou não certos viéses. O que importa notar é que seja alguém fazendo uma inicial, alguém respondendo uma ação, um juiz sentenciando um feito ou mesmo um doutrinador procurando estabelecer a melhor solução para um caso hipotético necessariamente elabora alguma história ou narrativa. Evidentemene essa história pode ser bem ou mal elaborada, mas ela não pode faltar em última instância. Dada a narrativa, ou o caso, é preciso confrontá-lo com as soluções possíveis. As partes dão ao fato (ou conjunto de fatos) uma certa interpretação e submetem-no a possíveis soluções. Estamos diante da elaboração da fundamentação. Apresenta-se um caso: o contrato é de execução continuada ou não? É contrato aleatório ou certo? É oneroso ou não? É um contrato que resolve todo o negócio ou o negócio deve ser entendido globalmente e os atos particulares subordinados a ele? Pode-se perguntar, por exemplo, se um mútuo para financiamento é exatamente igual a qualquer mútuo. Um financiamento para capital de giro e um financiamento para expansão de infra-estrutura, ou um financiamento de um projeto, ou a promessa de garantia de financiamento são negócios semelhantes ou não? Devem ou não ser tratados como uma só e mesma coisa jurídica ou não? Estamos diante de um simples negócio indireto ou de uma simulação? Qual a diferença entre essas coisas todas? Qual a conseqüência de tratar como uma coisa ou outra? Dão-se então as boas razões para uma decisão e se decide finalmente.

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Ora, tudo isto pode ser feito em forma de um parecer, em forma de uma petição, em forma de uma sentença. Muitas vezes a dúvida estão na extensão do conceito (será que negócio indireto abrange negócios desta espécie?); outras vezes as dúvidas estão nos fatos (ocorreu ou não isto, foi ou não feita a promessa nestes termos?); casos há em que a dúvida diz respeito às conseqüências (jurídicas ou empíricas) da decisão proposta. Conforme a dúvida a melhor resposta dependerá de coisas diferentes. Uma dúvida conceitual pode exigir longas discussões de autores, de doutrinas, de teorias. Uma dúvida sobre as conseqüências poderá exigir uma crítica lógica à determinação dos termos, ou o exame da ‘evidência empírica’ fornecida por alguma outra disciplina (finanças públicas, medicina social, psicologia, criminologia, economia, etc). Como dizia Portalis, ao apresentar o projeto de Código Civil ao corpo legislativo francês, em alguns casos a injustiça é patente pelos termos do contrato, outras vezes a injustiça só se determina por outras disciplinas, que não o direito ou a moral. Uma cláusula contratual pode em si mesma ser evidentemente injusta, mas o preço de um negócio (a ‘onerosidade excessiva’) não pode ser determinada a não ser pelo exame de circunstâncias de fato.

b. ensaios doutrinários Se saímos do gênero forense, bons textos de direito podem ser também os ensaios de dogmática. Volto a chamálo pelo seu nome mais tradicional, de doutrina. A doutrina era justamente a regra de decisão acompanhada de sua justificativa. A doutrina, hoje conhecida no Brasil como dogmática, comporta a definição de termos e conceitos e sua aplicação na solução de controvérsias. Em geral as controvérsias podem ter um caráter bem expressamente de caso, ou também podem ser apenas doutrinárias. Um bom ensaio pode ser um texto crítico e reflexivo, em que um autor longamente argumenta sobre algum tema controvertido. Temas não controvertidos não geram bons ensaios. Um ensaio doutrinário adquire sentido, sabor e finalidade apenas quando referido a problemas práticos, no sentido amplo que a palavra tem na tradição filosófica clássica. No curso de especialização creito que o ensaio doutrinário poderia vir em circunstância muito especiais, mas não o tomaria como o primeiro modelo. Nestes ensaios, o candidato pode expor controvérsias entre autores, entre escolas, e ele mesmo sugerir até mesmo mudanças de rumo nas controvérsias que encontra. Por exemplo, nas discussões sobre ‘onerosidade excessiva’ pode mostrar em que dois autores ou dois tribunais divergem – mostrando qual a noção que têm de preço adequado, preço justo, preço de mercado, etc. e qual a noção que têm da natureza do negócio. Em seguida, pode mostrar que a controvérsia não está suficientemente esclarecida, porque, por exemplo, nenhum dos autores ou dos tribunais examinou adequadamente a circunstância relevante da prática social ou da publicidade que se fazia dos negócios. Nesses ensaios cabe sempre algum trabalho de direito comparado, desde que feito com as ressalvas necessárias, ou seja, se o que se vai comparar é apenas a expressão verbal da legislação, ou se também será levado em conta o direito propriamente dito, ou seja, completo com suas instituições. Assim, por exemplo, uma comparação entre

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a responsabilidade civil nos Estados Unidos e no Brasil deveria levar em conta que lá o sistema de responsabilidade civil foi encarregado de uma função punitiva, tendo em vista que a ação penal é discricionária e vários casos de negligência grave não são tratados como matéria penal. Assim, o processo e a ação civis cumprem um papel de intimidação além do papel de restauração patrimonial da vítima. Poderíamos estender os exemplos para praticamente qualquer campo do direito.

2. A completude do raciocínio e a clareza do texto Um exercício importante no trabalho de fim de curso, seja sob qualquer forma ou gênero, é o da completude do raciocínio. Será sempre necessário que o autor diga exatamente o que pretende dizer e naquilo que se propôs seja o mais completo possível. Não interessa tanto a citação de autores. O hábito de a cada parágrafo dizer o que disse um outro, especialmente um estrangeiro, deve ser evitado. Os autores devem ser usados como ilustração de um argumento, exceto quando são eles próprios os objetos do estudo. Argumentos devem ser conduzidos por si e deve-se explicar as razões no próprio texto. Certa vez li um texto em que o autor falava do ‘realismo jurídico’ de certo jurista brasileiro. Ora, a expressão ‘realismo jurídico’ refere-se normalmente a duas escolas de pensamento bem diferentes entre si: ou ao realismo americano, que floresceu nas primeiras décadas do século XX, ou ao realismo escandinavo, mais importante na segunda metade do século XX. As duas têm características comuns, mas também muitas coisas distintas, inclusive no escopo, pois uma pretende ser uma corrente crítica ao formalismo doutrinário, a outra uma teoria geral do direito em oposição a outras teorias gerais ou mesmo filosofias do direito. Tratar de ‘realista’ um autor do século XIX exigiria, no mínimo, uma explicação um pouco mais longa do que fora feita no texto que tive a oportunidade de ler. Além disso, o texto deve ser claro, deve ter por finalidade realmente o querer fazer-se entender. Há várias maneiras de não fazer-se entender. Uma pretende desmontrar inutilmente a familiaridade com os dicionários e, por que não?, com estilos literários antigos, talvez como prova de erudição,talvez como tentativa de intimidação. Vejam o texto seguinte: “Lobrigar nesses átimos toda a complexidade da hipótese normativa do ICM é entregar-se, imbele, aos desacertos algumas vezes leigos e inconseqüentes do legislador; é navegar em mares de escolhos; é seguir pelo caminho das dúvidas e incertezas e regressar pela vereda sombria das hesitações. Quando se recorre à perífrase é porque falta o termo próprio, e o intérprete não pode ficar sob o signo da insegurança, em assuntos desse timbre. Há de desapegar-se da estreiteza textual, para galgar o altiplano do Direito; desadorar o esquema verbal, em obséquio da organização que lhe abriga, dá sentido e tom de juridicidade." Seria português ou javanês? Para que isto? Por gosto? Bem, então a crítica que se pode fazer ao texto é seu anacronismo. Soa a quinhentismo ou seiscentismo maneirista, típico de uma cultura de corte que valoriza certas formas da oratória e que impressiona sobretudo em sociedades pouco letradas em que o domínio das letras pertencendo a uns poucos intimida a maioria. Desde Walt Whitman, Pessoa ou Carlos Drumond de Andrade a literatura abandonou a forma parnasiana. O tempo da literatura de salão, que ia bem no Segundo Império, passou.

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Talvez, porém, a pretensão dos juristas seja oferecer textos herméticos, de tal modo que deles se possam tirar quaisquer sentidos, de modo a não se comprometer com nenhuma solução em particular. Uso aqui as palavras de Umberto Eco, que resumem o que hoje penso sobre o assunto do hermetismo nos textos jurídicos. “O pensamento hermético afirma que nossa língua, quanto mais é ambígua e polivalente, e quanto mais usa símbolos e metáforas, tanto mais é particularmente adequada para nomear a Unidade onde ocorre a coincidência dos opostos. Mas, onde a coincidência dos opostos triunfa, o princípio da identidade entra em colapso. Tout se tient. (...) Conseqüentemente, a interpretação é indefinida. A tentativa de procurar um significado final inatingível leva à aceitação de uma interminável oscilação ou deloscamento do significado.” (ECO, 2001, p. 37). “A idéia expressa por Paul Valéry, de que il n’y a pas de vrai sens d’um texte, é uma idéia hermética.” (ECO, 2001, p. 40). “Descobrimos no hermetismo antigo e em muitas abordagens contemporâneas algumas idéias inquietantemente similares, ou seja: um texto é um universo aberto em que o intérprete pode descobrir infinitas conexões; a linguagem é incapaz de apreender um significado único e preexistente: o dever da linguagem é, ao contrário, mostrar que aquilo de que podemos falar é apenas a coincidência dos opostos; a linguagem espelha a inadequação do pensamento: nosso ser-no-mundo nada mais é do que ser incapaz de encontrar qualquer significado transcendental. Qualquer texto, pretendendo afirmar algo unívoco, é um universo abortado, isto é, obra de um Demiurgo desastrado (que tentou dizer que ‘isso é isso’ e fez surgir, ao contra´rio, uma cadeia ininterrupta de transferências, em que ‘isso’ não é ‘isso’)” (ECO, 2001, p. 45). “Para salvar o texto – isto é, para transformá-lo de uma ilusão de significado na percepção de que o significado é infinito – o leitor deve suspeitar de que cada linha esconde um outro significado secreto: as palavras, em vez de dizer, ocultam o não-dito; a glória do leitor é descobrir que os textos podem dizer tudo, exceto o que seu autor queria que dissessem; assim que se alega a descoberta de um suposto significado, temos certeza de que não é o verdadiero; o verdadeiro é um outro e assim por diante; os hylics – os perdedores – são aqueles que terminam o processo dizendo ‘compreendi’.” (ECO, 2001, p. 46). Em linha semelhante, permitam-me oferecer-lhes as palavras de Karl Popper: “Há muitos anos, eu costumava prevenir meus alunos quanto à idéia amplamente difundida de que alguém entra na universidade a fim de aprender como falar e escrever de maneira impressionante e incompreensível. (...) E a maioria destes estudantes que, durante seus estudos universitários, ingressa num clima intelectual que aceita tal gênero de valoração, talvez sob a influência de professores os quais, por sua vez, forma moldados num clima semelhante – está perdida. Eles aprendem e aceitam inconscientemente que uma linguagem altamente impressionante e difícil é o valor intelectual por excelência. Há pouca esperança de que eles jamais venham a compreender que estão errados; ou que existem outros padrões e valores, valores tais como verdade, a busca da verdade, a aproximação à verdade por intermédio da eliminação crítica do erro, e clareza. Nem descobrirão que o padrão de compreensibilidade impressionante choca-se atualmente com os padrões da verdade e do racionalismo crítico. Estes últimos valores dependem de clareza. Não se pode distinguir verdade e falsidade, não se pode distinguir uma resposta adequada a um problema de uma irrelevante, não se pode distinguir boas e más idéias, não se pode avaliar criticamente as idéias, sem que sejam apresentadas com clareza suficiente. Mas enquanto tudo se fizer na admiração implícita do brilhantismo e da capacidade de impressionar, tudo isto (eu quero dizer tudo mesmo) será, ‘na melhor das hipóteses’, um falar impressionante, eles desconhecem qualquer outro valor. Eu suspeito que em algumas das ciências sociais e das filosofias mais ambiciosas, e especialmente na Alemanha o jogo tradicional, que se tornou em larga escala um padrão inconsciente e inquestionado, é de formular as maiores trivialidades em linguagem altissonante.” (POPPER, 1978).

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3. Uma sugestão Gostaria de completar com uma sugestão: pedir que os trabalhos de fim de curso de especialização não sejam somente ‘monografias’ no sentido tradicional do termo. Poderiam ser, com toda propriedade, pareceres de pelo menos duas espécies. Uma seria a forma própria do parecer como resposta a uma questão jurídica formulada por alguém em vista da solução de um caso. Nessa mesma linha seria possível formular pareceres de ‘amicus curiae’. Outra espécie aceitável seria a do parecer na forma da exposição de motivos de um projeto de mudança na legislação, essa forma bastante usada mas pouco elaborada nas faculdades de direito. Qualquer que seja a fórmula adotada (parecer, exposição de motivos) o trabalho seria acompanhado de uma explicação paralela, na qual o aluno exporia a estratégia de sua resposta, a motivação da questão, em resumo, seriam os lugares em que a ‘metodologia’ ou o capítulo metodológico tradicional poderiam ser mais explicitados. Nesse texto paralelo poderia concentrar-se, freqüentemente, as conversas com orientadores, além da interlocução sobre o sentido mais focado do parecer ou da própria motivação do projeto. Referências bibliográficas ECO, Umberto. (2001) Interpretação e história, in Interpretação e superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes. POPPER, K. (1978) A Lógica das ciências sociais. (trad. Estevão R. Martins e outros). Brasília – Rio de Janeiro: Ed. UnB – Tempo Brasileiro.

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