Trabalho de conclusão para matéria Introdução à Pesquisa em História I abordando o tema \"Fascismos\".

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Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo  Aluno: ​Paulo Antonio de Araujo Afonso (N° USP ­ 9372217)  Docente:​ Prof. Dr. Francisco Carlos Palomanes Martinho  Disciplina:​ Introdução à Pesquisa em História I      Trabalho de Conclusão    O seguinte trabalho tem como objetivo concluir os estudos primordiais acerca do tema  escolhido como norte para a matéria Introdução à Pesquisa em História I: os fascismos.  Ultimamente  o  termo  “fascista!” é amplamente utilizado nos debates políticos diários,  causando­me  certo  questionamento  sobre  seu  uso.  Estaria  correto  utilizar  esse  termo  como  adjetivo  para  este  ou  aquele  político  de  diferentes  países  em diferentes  situações econômicas  e  sociais  sendo  que  existem  diferenças  entre  os  próprios  políticos rotulados e entre estes e os  fascistas  “históricos”  do  início  século  XX?  Visando  uma  resposta  para  essa  questão,   apresentarei  o  conhecimento  referente  ao  tema  que  adquiri  através  de  leituras  e  longa  metragens indicados ao decorrer do curso.  Primeiramente  é  preciso  esclarecer  que  não  há  plena  concordância  sobre  a  definição  do  conceito “fascismo”. Muitos movimentos que são encaixados no termo surgiram após o de  Benito  Mussolini,  guardando  semelhanças  e  diferenças.  Determinados  historiadores  se  baseiam  nas  semelhanças  em  tentativa  de  enxugar  o  conceito  e  criar  uma  definição  estática,   ignorando  as  importantes  diferenças  que  os  múltiplos  movimentos  fascistas guardavam entre  si.  Comecemos  analisando  tais  semelhanças  que  tornam  compreensível  as  tentativas  de  criação de um único termo “fascista”.   O  governo  fascista  italiano  e  o  governo  nazista  alemão  eram uma poliocracia devido,  por  exemplo,  a  grande  quantidade  de  acordos  que  o  Partido  responsável  pelo   regime  precisava  realizar  para  se  manter  no  exercício  do  poder.  Esse  partido  era  extremamente  nacionalista,  buscando  transcender  o  ser  pessoal  para  o  bem  da   nação  e  de  sua  raça,  praticando inicialmente uma tolerância repressiva com outras raças consideradas “parasitas”.  O  carisma  é uma palavra essencial para o assunto. Líderes carismáticos com discursos  inflamados,  gestos  e  mímicas  são  necessários  para  ordenar  a  ideologia  dos  movimentos  fascistas  que  se  baseiam  em  sentimentos  populares  advindos  do  final  do  século  XIX  já 

disseminados  nos  respectivos  territórios   em  que  surgiram  e  não  em  sistemas  filosóficos  complexos.  Nesse  sentido  escreveu  Edward  Tannenbaum  que  “la  política  intelectual  y  cultural  fascista  reflejó  la  relativa  falta  de  dogmatismo  del  régimen  y  su  preocupación  por  crear una aparencia de respetabilidad.”1  O  conceito  de  “Estado   Dual”  inaugurado  por  Ernst  Fraenkel  também  é  fundamental  para  entender  a  sociedade  fascista  organicista  provinda  da  filosofia  hegeliana  e  do  pensamento  da  época  como  resposta  para  uma  crise  identitária.  Usarei  o  caso  alemão  como  exemplo  para  explicar  esse  conceito:  a  República de  Weimar possuía suas estruturas, como o  exército, mas os nazistas formaram aos poucos “estruturas paralelas”, nomeia Robert Paxton2,  como  a  milícia  paramilitar  chamada  de  ​Sturmabteilung  (SA).  No  caso  italiano  temos  os  Squadristi.  Ou  seja,  os  fascistas  permeiam  no  Estado  através  destas  estruturas  paramilitares  paralelas  até   que  consigam  assumi­lo  para  aplicarem  seus  métodos   através  de  um  pesado  estatismo.  Então  se  pode  entender  que  por  um  viés  de  análise  os  movimentos  fascistas  compartilhavam  determinadas  características  que  podem   ser  definidas  em  cinco,  segundo  Michael  Mann,  sendo  elas  “nacionalismo,  estatismo,  transcendência,  expurgos   e  paramilitarismo.”3  Porém,  quando  se  realiza  análises  de  caso,  os  fascismos  demonstram  raízes  em  crises  econômicas,  militares,  políticas  e  ideológicas  que  revelam  diferenças  significantes  entre  seus  movimentos.   Um   exemplo  surge  quando  analisamos  uma  das  definições marxista para os fascismos.  Uma  das  interpretações  marxistas  constrói  que  o fascismo foi “instrumento da grande  burguesia  em  sua  luta  contra  o  proletariado,  sempre  que  os  meios  legais  disponíveis  ao  Estado  mostram­se  insuficiente  para  contê­lo”.  Michael  Mann,  realizando um estudo  de caso  sobre  a  Alemanha   escreve  que  “os  principais  eleitorados  nazistas,  mesmo  alarmados  pelos  confrontos  de  classe,  não  estavam  muito  diretamente  envolvidos  neles  e  foram   dos  mesmos  afetados  pela  crise  econômica  e  a  privação”4  e  continua,  “Em  grau  limitado  e  variável,  o  fascismo  foi  apoiado  pelas  classes  proprietárias  para  se  defenderem  dos  movimentos 

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 ​TANNENBAUM, Edward R.​ La experiencia fascista: Sociedad y cultura en Italia 

(1922­1945). Madrid: Alianza Editorial, 1975.  2  Paxton apresenta o conceito das “estruturas paralelas” fascistas em seu livro “A Anatomia  do Fascismo”, suas respectivas informações estão presentes na bibliografia.  3  MANN, Michael. ​Fascistas. Rio de Janeiro: Record, 2008.  4  ​Idem, pg. 272. 

operários,  mas  esta  não  pode  ser  considerada  uma  explicação  genérica muito convincente do  fascismo”5. Pode­se notar  que tal definição marxista não se aplica à Alemanha onde se tratava  mais  de  uma  manutenção  de  poderes,  como  em  uma  sociedade  estamental,  do  que  uma  sociedade  de  classes,  porém,  a  definição  poderia  melhor  se  encaixar  na  Itália,  onde  a luta de  classes  estava  mais  presente  e  os  fascistas  adquiriam  apoio  em  maior  escala  na  zona  rural  onde o socialismo bem organizado ainda não estava presente.  Além  do  estudo  de  caso,  comparações  também  são  muito  viáveis  ao  se  tratar  de  análises  dos  movimentos  fascistas.  Comparando  o  fascismo  italiano  e  o  nazismo  alemão  se  pode  notar  diferenças  como:  os  italianos  mataram  maior  número  para  subir  ao  poder  do  que  quando  governavam  enquanto  foi  o  contrário  na  Alemanha  nazista;  os fascistas  chegaram ao  poder  se  utilizando  da  força  enquanto  os  nazistas  utilizaram  mais  a  democracia  eleitoral;  os  fascistas  tiveram  maior  apoio  dos  proletários  do  que  os  nazistas  pela  acirrada  luta  de classes  que  ocorria  na   Itália;  os  fascistas foram menos expurgadores e  racistas  do  que os nazistas por  não  terem  territórios  tomados  e  fronteiras  ameaçadas;  os  italianos  tinham  seus  eleitores  e  adeptos  mais  na  zona  rural  enquanto  o  cerne  do  eleitorado  nazista  era  primordialmente  protestante  e  secundariamente  rural6  e  por  último,  escreveu  Tannenbaum  que  “existió  bastante  menor  convicencia  interclasista  en  los  grupos  juveniles  fascistas  que   en  los  de  la  Alemania  nazi”7  apesar  des  esportes,  como  o  futebol,  terem  sido um importante ponto para a  criação  e disciplinação das massas8 .  Pode­se  então  concluir  que  o  termo  “fascista”  não  deve  ser  usado  no  singular.  Houveram  pontos  iguais  entre  os  movimentos  fascistas de diferentes países mas eles também  guardam  significantes  diferenças  que  não  caberiam  espremidas  em  um  único  e  genérico  conceito. O uso atual do termo é  compreensível e possível devido as cicatrizes que os regimes  fascistas  deixaram  na  sociedade  contemporânea  correspondente  a  suas  atrocidades  somado a  demonização  que   os  vencedores  da  Segunda  Guerra  Mundial  realizaram  com  os  países  que  possuíram  esse  tipo  de  governo.  O  documentário  soviético  Obyknovennyy  fashizm  (“O  Fascismo  de  Todos  os  Dias”,  1965)  demonstra  claramente  a  questão  da  demonização  dos  vencidos  quando,  por  exemplo,  o  narrador  utiliza gravações de discursos efusivos  dos líderes   ​Idem, pg. 481.   I​ dem 257.  7  T ​ ANNENBAUM, Edward R.​ La experiencia fascista: Sociedad y cultura en Italia  (1922­1945). Madrid: Alianza Editorial, 1975, pp. 181.  5 6

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 Idem, pp. 172. 

fascistas  para ridiculizar todo o regime. Assim se deu o processo que uniu o que há de  pior no  termo  “fascista!”  e  por  causa  dele  se  deve  tomar  três  cuidados  básicos  ao  tratar  do  tema  ou  utilizá­lo no dia a dia.    Os  fascistas  precisam  ser  levados  a  sério,  escarnecê­los  diminui  a   capacidade  de  análise  sobre  suas  ações  e  palavras  que  ainda  por  cima  nem sempre  são concordantes. Como  dito  anteriormente,  os  nazistas  inicialmente  utilizaram  a  democracia  eleitoral  para  chegar  ao  poder,  ou  seja,  possuíam  propostas  românticas  porém  viáveis  para  uma  parcela  do  povo  alemão  do  período.  Eles  receberam  votos.  A  chacota  retira  do  historiador  a  possibilidade  de  questionamentos  fundamentais  de  análise  como  “de  que  maneira  os  fascistas  conseguiram  adeptos?”,  afinal   na  sátira  o  riso  basta.  Em  segundo  lugar,  há  diferenças  entre  fascistas,  conservadores   e  reacionários.  Os  conservadores  eram  parlamentares  e  tolerantes,  sabemos  que  os  fascistas  funcionavam  através  de  ditaduras  com  partido  único  e  da  tolerância  repressiva  citada  anteriormente  no  texto.  Os  reacionários  eram  autoritários  e  restauradores,  querem  a  volta  do  Antigo   Regime  e  da  Tradição,  os  fascistas  são  autoritários  mas  auto  denominam­se  “modernizantes”,  utilizando  sem  prescrição  a  palavra  “novo”  na  política.  O  terceiro  cuidado   é  não  realizar  generalizações.  Nem  todos  alemães  foram  nazistas  e  nem  todos  italianos  fascistas,  por  exemplo,   na  Itália  o  Dopolavoro  foi  a  instituição  por  onde  os  fascistas  visavam  permear  na  sociedade,  alguns  a  viam  como  uma  grande  burocracia  partidária  onde  só  poderiam  viver  e  trabalhar  normalmente  se  participassem  de  suas  atividades,  inclusive  escreve  Tannebaum  “os  próprios  jovens  italianos  não  se  viam  atraídos  pelas  atividades  fascistas,  como  os  clubes,  por  terem  características  muito  militares  e  regradas,  preferiam  se  ver  como  apaixonados  do  que  como  militares”9 .  Não  eram  todos  que  aderiam  ao  partido  por  afinidade  ideológica,  mas  sim  porque  cada  vez  mais  se  tornava  um  requisito social.  Os  intelectuais  do  século   XX  tornaram  possível  pensar  os  fascismos  através  do  desapego  de  valores  iluministas  das  elites.  Hoje,  os  intelectuais  precisam  agir  como   força  contrária,  não  permitindo  que  sejam  repensados,  afinal,  como  escreveu  Francisco  Teixeira10 ,  “o  fascismo  não  é  um fascismo  histórico,  ele dura até hoje” com diferenças e semelhanças do  que foi a quase um século. 

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 ​Idem, pp. 169.   ​Francisco Carlos Teixeira da Silva escreveu tal frase em um artigo, as informações estão 

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presentes na bibliografia do trabalho. 

  Bibliografia     TANNENBAUM,  Edward  R.  La  experiencia  fascista:  Sociedad  y  cultura  en  Italia  (1922­1945). Madrid: Alianza Editorial, 1975.      MANN, Michael. ​Fascistas. Rio de Janeiro: Record, 2008.      PAXTON, Robert O. A Anatomia do Fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007.      SILVA,  Francisco  Carlos Teixeira da.  Os fascismos.  In: ​O século XX. Vol. 3: O tempo  das crises: Revoluções, fascismos e guerras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.      Filmografia      OBYKNOVENNYY  Fashizm.  Direção:  Mikhail  Romm.   130   minutos.  1965.  Disponível  em  https://www.youtube.com/watch?v=8P7W­xCRRGA.  Acesso  em  12  jul.  2016.     

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