Trabalho epilinguístico na educação linguística e letramento crítico na língua inglesa

June 24, 2017 | Autor: Maura Dourado | Categoria: Teacher Education, Teaching EFL, Formação De Professores, Ensino De Línguas Estrangeiras
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Trabalho epilinguístico na educação linguística e letramento crítico na língua inglesa Maura Regina Dourado Universidade Federal da Paraíba CAPES/PIBID-Letras-Inglês [email protected]

Neste artigo, defende-se a adoção de uma abordagem crítica de ensino voltada para a educação linguística e para o letramento crítico na língua inglesa no ensino básico regular. Tal defesa baseia-se nas dificuldades que bolsistas do subprojeto PIBID-UFPB enfrentaram para realizar trabalho epilinguístico de uma charge e de um poema. A despeito das atividades de capacitação em abordagem crítica da língua alvo, a opção dos bolsistas foi pela tradução literal ou pelo ensino prescritivo da língua. Palavras-chave: educação linguística; letramento crítico; trabalho epilinguístico

In this article, it is argued for the adoption of a critical teaching approach aimed at English language education and critical literacy in regular basic education. This call is based on the difficulties PIBID fellows faced to carry on epilinguistic work with a political cartoon and a poem. Despite their teaching education on a critical approach to English, their choice was either for literal translation or prescriptive teaching. Keywords: language education; critical literacy; epilinguistic work

...aquele que aprendeu a refletir sobre a lingua[gem] é capaz de compreender uma gramática (...); aquele que nunca refletiu sobre a lingua[gem] pode decorar uma gramática, mas jamais compreenderá seu sentido. (GERALDI, 1999, p.64).

Educação Linguística no ensino de língua inglesa no ensino básico Na última década, as discussões na área de formação de professores no Brasil têm, devido a sua importância inquestionável, se voltado para a construção identitária do professor, o agir docente, a reflexão como instrumento de formação docente, o letramento docente (REICHMANN, 2013), pouco tem sido discutido sobre o conhecimento linguístico e metalinguístico de uso e acerca do funcionamento da língua inglesa, necessários ao professor para a adoção de uma abordagem crítica de ensino de ensino da lingua(gem) em circulação em diversos gêneros textuais, visando à educação linguística. Na Paraíba, a elaboração dos Referenciais Curriculares para o ensino de língua estrangeira no ensino fundamental (PARAÍBA, 2010; MEDRADO;DOURADO, 2015) e no ensino médio (PARAÍBA, 2007) reuniu consultores da UFPB em parceria com professores do estado e município, o que resultou em uma proposta de educação linguística sedimentada em uma abordagem crítica de ensino de língua estrangeira. Nessa perspectiva, o ensino da língua estrangeira deve ser orientado de uma perspectiva reflexiva sobre o uso da língua, o que implica o percurso metodológico uso – reflexão, como evidenciado abaixo. Trabalho Apresentado no V I I I S i g e t 2 0 1 5

Uma vez problematizado o tema e viabilizada a ativação de conhecimento prévio do aluno, cabe ao professor promover a oportunização de práticas de linguagem [...], que possibilitem o aprofundamento do tema e, sobretudo, dos gêneros textuais escolhidos [...]e que permitirão o que denominamos vivência na Língua Estrangeira. É a partir dessa vivência realizada nas e pelas práticas de linguagem que a sistematização e reflexão sobre o uso da língua tornar-se-á possível e relevante. Isso porque a capacidade linguístico-discursiva será construída a partir da reflexão sobre a língua em uso e não a partir de fórmulas e regras abstratas. (PARAÍBA, 2010, p. 121) O primeiro eixo – formas e usos – está relacionado com as modalidades da língua: a oralidade, compreendendo aqui a escuta e sua contraparte, a fala; e a escrita, envolvendo a leitura e a produção textual escrita. O segundo eixo envolve a reflexão/análise lingüística [...] (PARAÍBA, 2007, p.119)

Esses fragmentos evidenciam uma proposta de mudança de paradigma do ensino secular, pautado na prescrição gramatical, para uma educação linguística, pautada no uso da língua e os efeitos de sentido criados no e pelo uso. Tal mudança de paradigma é, por Bagno (2002, p.13), denominada “inevitável travessia”. Uma travessia rumo à educação linguística que responda às necessidades linguísticas de uma sociedade cada vez mais global, digital e letrada. Diferentemente do ensino normativo sobre a língua, a educação linguística envolve, entre outros, “a constituição de um conhecimento sistemático sobre a língua, tomada como objeto de análise, reflexão e investigação” (BAGNO, op.cit., p.18). Tal percurso metodológico deve levar em conta, dependendo da necessidade e/ou relevância, atividades diversas de natureza i) linguística (uso efetivo da língua segundo sua função social); metalinguística (conceituação, definição e classificação dos elementos linguísticos) e epilinguística (trabalho reflexivo sobre o uso, o funcionamento da língua e os efeitos de sentido criados por uma ou outra escolha linguística). Para esclarecer a diferença dessas três atividades, recorremos à antiga proposta curricular de São Paulo, que já as diferenciava: [...] quem ensina ou trabalha com a linguagem deve ter muito claro que falar uma língua (usá-la em processos reais de comunicação) não se confunde com trabalhar com a língua (analisar e transformar as expressões em um processo consciente e reflexivo) e muito menos se confunde com falar sobre a língua (SÃO PAULO, 1992, p. 25).

Se por um lado o conhecimento linguístico envolve o uso situado da língua para o cumprimento de um determinado propósito comunicativo em determinadas condições de produção, o conhecimento metalinguístico, orientado pela gramática normativa, envolve aprender sobre a língua por meio de descrição e categorização e aprender a falar sobre a língua. Por outro lado, o conhecimento epilinguístico, orientado pela gramática reflexiva, é construído a partir de atividades que “suspendem o desenvolvimento do tópico discursivo (ou do tema ou do assunto), para, no curso da interação comunicativa, tratar dos próprios recursos linguísticos que estão sendo utilizados, ou de aspectos da interação” (GERALDI, 1997 apud RODRIGUES, 2011, p. 43). Como aporte metodológico para a construção de conhecimento epilinguístico, uma abordagem crítica de ensino da lingua(gem), alinhada ao percurso metodológico uso-reflexão da língua e sobre o seu funcionamento, apresenta-se como sendo especialmente talhada para formar usuários competentes, que, para além de serem capazes de codificar e decodificar, mesmo que em nível básico na língua inglesa, sejam capazes de se envolver em práticas situadas de lingua(gem) e , assim, “agir[em] discursivamente” no mundo globalizado (PCN-LE, 1998, p. 38). Como justifica Edmundo (2013, p.32) “a conscientização crítica envolve ir além do saber ingênuo e do senso comum – confrontar interpretações e valores diferentes”, afinal as escolhas linguísticas são sempre situadas e determinadas pelas condições de produção.

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Apesar de a discussão sobre a lingua(gem) como atividade linguística estruturante, i.e., para além de uma atividade estruturada, já estar consolidada no ensino da língua materna (cf. BEZERRA; REINALDO, 2013), essa discussão não tem sido tangenciada nas discussões e pesquisas relacionadas ao ensino da língua estrangeira, como se pode constatar no caderno de resumos do 10º CBLA (2013), V CLAFPL (2014) e VIII SIGET (2015). Portanto, o objetivo deste trabalho é discorrer sobre as dificuldades de licenciandos de Letras-Inglês do subprojeto PIBID-UFPB, com o ensino dos conhecimentos linguísticos necessários à abordagem crítica de ensino da língua inglesa e, consequentemente, a execução de uma proposta de educação linguística na língua inglesa.

Os Referenciais Curriculares Estaduais do ensino básico da Paraíba Nos Referenciais Curriculares Estaduais do ensino fundamental (2010) e médio (2007) da Paraíba são fornecidos conceitos teóricos e orientações metodológicas para a operacionalização de uma proposta de educação linguística na língua inglesa. Grosso modo, destacam-se a questão de lingua(gem) situada, representada como uma atividade cognitiva, social, histórica e cultural, desenvolvida pelos sujeitos em determinadas condições de produção. Essa concepção teórica de lingua(gem) requer o desenvolvimento de capacidades usar a lingua(gem) de forma comunicativo-discursiva por meio de uma variedade de gêneros textuais que circulam em diferentes esferas discursivas, além de requerer adoção de uma postura crítica e responsável em relação aos usos da lingua(gem) em diferentes contextos sociais e culturais. No tocante às orientações metodológicas, o ensino deve levar em conta práticas de linguagem orais e escritas, as quais, no ensino fundamental, devem ser voltadas para o desenvolvimento de capacidades de linguagem específicas: capacidades de ação, que abrangem aspectos da linguagem relacionados ao contexto de produção, capacidades discursivas, que abordam a análise do plano textual e dos mecanismos de organização do texto, e capacidades linguístico-discursivas, que se referem ao estudo das estruturas linguísticas mobilizadas para a construção textual dos gêneros trabalhados. No ensino médio, as orientações metodológicas são voltadas para o desenvolvimento de capacidades de 1. uso da lingua(gem) e, particularmente, da língua inglesa em instâncias privadas e públicas, de modo a possibilitar a inserção efetiva dos alunos em práticas sociais e no exercício da cidadania; 2. reflexão sobre a natureza e o funcionamento da lingua(gem) da língua inglesa; construção da consciência e identidade social, a partir da interação com o outro (estrangeiro), com outras formas de pensar e ver o mundo.

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência Letras-Inglês (UFPB) Diferentemente do estágio, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), enquanto programa extracurricular, vem se consolidando como política pública e orgânica na área de formação de professores. Alinhado aos documentos oficiais nacionais e estaduais de ensino fundamental e médio, o subprojeto PIBID Letras-Inglês faz uma proposta de educação linguística (c.f. http://1drv.ms/1zbEWYG), ancorada nos estudos de letramento crítico (COPE; KALANTIS, 2000) e numa abordagem crítica de ensino da lingua(gem) inspirada em Fairclough (op.cit.) e Dourado (2009), com percurso metodológico uso seguido de reflexão sobre a língua. Com vinte e cinco (25) bolsistas, três (03) supervisoras de três escolas distintas e duas (02) coordenadoras da UFPB, o grupo se divide em dois subgrupos. O subgrupo alvo desta pesquisa é composto de 13 bolsistas que atuam em duas escolas estaduais de ensino médio e cuja coordenadora é a autora deste texto. Além de leituras mensais, semanalmente são discutidos os temas de relevância social a serem trabalhados, os textos, i.e, os gêneros textuais selecionados e os planos de aula elaborados. São nessas ocasiões que são percebidas tanto a facilidade com que os bolsistas já abordam a questão do posicionamento crítico do aluno, como também as dificuldades que têm para identificar qual aspecto linguístico-discursivo deve ser trabalhado a serviço do letramento crítico e da educação linguística na/pela língua inglesa.

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Em linhas gerais, as orientações metodológicas a serviço de uma abordagem crítica de ensino da lingua(gem) envolvem tanto o plano macro quanto o plano micro. O plano macro envolve problematização do tema, ativação de conhecimento prévio, oportunização de práticas de linguagem orais e escritas para o aprofundamento do tema e dos textos trabalhados, sistematização e reflexão sobre o uso da língua e, por fim, a ressignificação do tema. O plano micro envolve um olhar sobre o gênero textual selecionado (função social, estrutura composicional, estilo) e questões de lingua(gem). Como já mencionado, nesse momento, deve haver uma suspensão no desenvolvimento do tópico discursivo, para que sejam tratados escolhas e recursos linguísticos utilizados, o que automaticamente torna a língua em uso objeto de reflexão e de ensino.

O desafio do trabalho epilinguístico Embora o conceito de abordagem crítica de ensino da lingua(gem) seja compreendido por professores em formação, a percepção de qual aspecto linguístico deve ser explanado a partir de um texto alvo e a condução de atividades de natureza epilinguística ainda são obstáculos a serem transpostos. A seguir, discutiremos duas atividades representativas do desafio que os bolsistas enfrentam para o trabalho epilinguístico. A primeira atividade envolve uma charge acerca do conflito entre israelitas e palestinos, publicada na revista Week em 1º de agosto de 2014. A escolha do texto e a questão proposta fizeram parte do simulado preparatório para o ENEM, que é uma das atribuições dos bolsistas do ensino médio. Por questões de direitos autorais, retextualizamos, na medida do possível, a charge em tela, que retrata dois personagens estereotipados, “representantes” do povo israelita e do povo palestino. Ambos partilham um mesmo livro de História, intitulado na lombada ‘Mid East History’, que se encontra aberto ao meio, à frente dos representantes. Na capa da frente, lado direito do leitor, porém esquerdo do livro aberto, o título ‘The Palestinians’, com tipo e tamanho da fonte idênticos ao título do livro na lombada. Na contracapa, lado esquerdo do leitor, porém direito do livro aberto, o título ‘The Israelis’ também com tipo e tamanho da fonte idênticos ao título do livro na lombada. Ambos os representantes partilham não apenas o livro, mas uma mesma fala, proferida simultaneamente, como representada pelos rabichos de um mesmo balão de fala, que se encontra entre os dois representantes. Nele, linguisticamente marcada, temos If you only knew our History! A questão envolvia compreensão do uso de if-clause [oração subordinada adverbial condicional] do 2º tipo, presente no balão de fala. Podemos terminar a fala do balão “If you only knew our History” da seguinte forma: a) things will be different. b) things could be different. c) things would have been different. d) things could have changed. e) things would be the same.

As orientações metodológicas para o tratamento da charge envolveu a problematização sobre o conflito entre israelitas e palestinos por meio de ativação de conhecimento prévio do tema, construído, ou não, nas disciplinas de história e geografia, a visão do mundo ocidental sobre o conflito, os acontecimentos que provocaram a publicação da charge em agosto de 2014, sua função social e suas condições de produção. Após a pré-leitura, os bolsistas iniciaram a leitura da charge com as questões de linguagem não verbal (a representação dos atores sociais que espelham o povo israelita e palestino, o livro lido por ambos: capa e dorso), e a linguagem verbal presente no balão de fala comum aos dois personagens; a fala propriamente dita, marcada pela if-clause. As construções condicionais (NEVES, 1999) ou enunciados da forma ‘se S1, S2’(GERALDI, 1978), apoiam-se numa relação hipotética, ou seja, lidam com situações imaginárias. A partir de determinadas condições de produção, o usuário da língua considera algo como sendo possível, provável ou impossível no momento atual, passado ou futuro. A situação de condição pode ser marcada por conjunções como if Trabalho Apresentado no V I I I S i g e t 2 0 1 5

[se], as long as [desde que], unless [a menos que]. Gramáticas de uso da língua inglesa descrevem que orações condicionais podem ser divididas em 3 tipos: abertas, hipotéticas e retóricas (BIBER, 2005, p. 373). Em orações condicionais do 2º tipo, também chamadas de hipotéticas ou irreais, que é o caso da oração na charge, o falante trata de uma situação possível ou hipotética (ex: Se você simplesmente) enquanto indica um possível desfecho para a dada situação, que ainda não foi realizado no tempo presente da fala (as coisas poderiam ser diferentes). Um exemplo fornecido por Carter; McCarthy (2006, p. 449) bem semelhante inclusive à situação em tela no simulado é If I knew what you wanted, maybe I could help you [se eu soubesse o que você queria, talvez eu pudesse ajudá-lo]. A observação das aulas ministradas por dez bolsistas revelou que no ‘calor da ação’ (cf. PERRENOUD, 2002), no que tange à linguagem verbal que demanda o trabalho linguístico e epilinguístico, como delineado na proposta do subprojeto, a opção foi ora pela tradução, ora pela apresentação de exemplos com os quatro tipos de if-clause da língua inglesa, trabalhando a língua apenas de uma perspectiva metalinguística, i.e., um saber sobre a língua, como pode ser depreendido das imagens utilizadas:

Figura 2: esboço de um dos bolsistas

• •

Figura 3: explicação da internet utilizada por uma das bolsistas

Eu compraria – I would buy Eu viajaria – I would travel ...

Figura 4: ensino explícito do futuro do pretérito, pautado no método gramática e tradução, utilizado por um dos bolsistas

Argumenta-se que para evocar o uso do segundo tipo if-clause no contexto de produção da charge seria necessário, após a contextualização e ativação do conhecimento do aluno sobre o conflito, a explanação do gênero charge e a sua função social, as condições de produção do texto etc, a oportunização de situações hipotéticas relevantes aos alunos (por exemplo: “se eu soubesse...; “se eu tivesse, ...”, “se eu Trabalho Apresentado no V I I I S i g e t 2 0 1 5

ganhasse... ). O objetivo seria viabilizar o engajamento discursivo do aluno no uso comunicativo desse tipo de construção para posterior reflexão sobre as situações hipotéticas criadas pelos alunos e efeitos de sentido. Cumpre destacar que, dessa perspectiva de ensino, nada garantiria que no momento de uso da língua, oportunizado pela atividade linguística, realizado na própria língua materna, o uso do condicional viria à tona. Se levarmos em conta o fenômeno da variação linguística da língua portuguesa e a variante não padrão da língua, muito provavelmente os alunos não construiriam enunciados como ‘se eu soubesse, eu faria de forma diferente’ ou ‘se tivesse dinheiro, eu compraria ....’, mas sim enunciados como os que foram criados durante a quarta aula experimental, que fez o percurso do uso (trabalho linguístico na L1 e L2) para a reflexão (na L2). Em aula, os alunos produziram o enunciado ‘Se eu tivesse dinheiro, eu comprava um monte de coisas / eu viajava.’. É justamente esse insumo oriundo da atividade linguística que permite avançar para o nível seguinte na abordagem reflexiva e crítica da lingua(gem), por meio da qual o aluno pode ser confrontado com outras formas linguísticas pela mediação pontual do professor tal como – comprava ou compraria? Viajava ou viajaria? Para a atividade epilinguística, portanto, cumpriria ao bolsista saber que a if-clause na língua inglesa “se você simplesmente soubesse a nossa história”, construída pelo pretérito imperfeito do modo subjuntivo, pede oração principal construída pelo futuro do pretérito “as coisas poderiam ser diferentes”. Diferentemente, a oração construída pelos alunos em sala a partir da atividade linguística ‘se tivesse dinheiro eu comprava’, ao invés de ‘se tivesse dinheiro eu compraria’, pode indicar a intenção de compra como algo mais certo enquanto que ‘compraria’ “indicaria algo como apenas provável”, o que encontra respaldo na interpretação semântica de Martin e Nef (1981 apud Coroa, 1985, p. 58) para quem o futuro do pretérito “inscreve o processo em um vir-a-ser carregado de incertezas”. Geraldi (1999, p. 63-64) argumenta que uma atividade epilinguística como a aqui proposta é mais fundamental “do que aplicação de fenômenos sequer compreendidos de uma metalinguagem de análise construída pela reflexão de outros” à medida que desperta a consciência do aluno para o uso da sua própria língua e os efeitos de sentido criados nela e por ela. Feito isso, está pavimentado o caminho para o mergulho na língua alvo e, da perspectiva, então, da variante padrão, refletir e perceber o efeito de sentido criado por would buy [compraria] e a não aceitabilidade na língua inglesa de ‘used to buy’ [comprava]. A dificuldade identificada no final do ano de 2014 redirecionou as atividades teórico-metodológicas e o trabalho semanal relacionado ao linguístico-discursivo (percepção, ensino e trabalho epilinguístico) durante o ano de 2015 (cf. ROLIM, OLIVEIRA, DOURADO, 2015). A segunda atividade analisada foi realizada em agosto de 2015 e é também representativa da dificuldade na percepção de qual linguísticodiscursivo deve se tornar objeto de ensino nessa proposta à luz dos objetivos traçados para a aula. Como parte integrantes de sequência didática para tematizar ‘guerra e conflitos’, o poema ‘Rosa de Hiroshima’, traduzido para a língua inglesa, foi selecionado. Em consulta via Messenger para feedback sobre plano de aula, uma das integrantes da dupla foi solicitada a especificar o aspecto linguístico-discursivo que seria trabalhado. Quatro fragmentos da fala da bolsista no bate papo do Messenger com a orientadora denunciam a incerteza:

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Figura 5: Bate-papo no Messenger Quando indagado sobre qual aspecto linguístico-discursivo deveria ser alvo de reflexão, considerando o objetivo traçado, o resposta foi unânime: “os adjetivos, por serem abundantes nas primeiras e segundas estrofes”. O grupo também negligenciou a função do adjetivo na canção. Vejamos

Think of those children Mute, telepathic Think of those girls Blind, inexact Think of those women Tattered, altered Think of those wounds As fiery roses

But, oh, do not forget The rose, the rose The rose of Hiroshima The hereditary rose The radioactive rose Stupid and useless The cirrhosis rose The atomic anti-rose With no color, no perfume No rose, no nothing

Quadro 1: Poema Rosa de Hiroshima (Vinícius de Moraes) A resposta evidencia a dificuldade na percepção do linguístico-discursivo que deve se tornar objeto de ensino. No caso da primeira estrofe, defendemos o pensar sobre as vítimas, que são crianças, meninas e mulheres, além de feridas (wounds). O uso marcado e repetido de ‘think of’ destaca a ação, esse pensar sobre as vítimas e também as feridas, que, por sua vez, são qualificadas de forma expressiva por adjetivos pospostos. A reincidência do sintagma nominal no padrão ‘determinante (those) + núcleo do sintagma nominal (em negrito) + pós modificadores [post modifiers] (adjuntos adnominais, que no poema são morfologicamente representados por adjetivos). Embora os sublinhados coloridos que foram usados nos slides em sala de aula não possam ser fielmente representados nessa versão impressa, vejamos o trabalho com o linguístico-discursivo proposto neste subprojeto. Propõe-se no caso da primeira estrofe, um olhar crítico sobre a reincidência do sintagma nominal no padrão ‘determinante (those) + núcleo do sintagma nominal (em negrito) + pós modificadores [post modifiers] (adjuntos adnominais, que no poema são morfologicamente representados por adjetivos) e efeitos de sentido criados. Um olhar atento sobre essa construção denuncia um ‘pensar’ (vide uso marcado e repetido de ‘think of’) sobre as vítimas, que são crianças, meninas e mulheres, além de feridas (wounds). Observe o negrito a seguir: Think of those children Mute, telepathic Think of those girls Blind, inexact Trabalho Apresentado no V I I I S i g e t 2 0 1 5

Think of those women Tattered, altered Think of those wounds As fiery roses

Mas essas vítimas e feridas não são genéricas, elas são especificadas de forma expressiva por adjetivos pospostos, a saber mudas e telepáticas para as crianças, cegas e inexatas para as meninas, xx e alteradas para as mulheres e finalmente como rosas cálidas no caso das feridas. Não há como se desconsiderar como o poeta nos instiga, na 2ª estrofe, a não esquecermos [do not forget] a rosa [rose] de Hiroshima à medida que ele desconstrói a brandura de uma rosa pelos adjetivos que remetem à bomba e, portanto, a uma anti-rosa “radioativa”, “inválida”, “inútil”, “estúpida”, sem cor, sem perfume, sem nada. Cumpre reiterar que tudo isso é realizado na língua, na/pela construção sintática do sintagma nominal [noun phrase] cujo núcleo é a rosa [rose em negrito] e pré e pós modificadores [pre e postmodifiers] em itálico. É justamente essa adjetivação pelos pré-modificadores que constrói a anti-rosa [anti-rose em negrito], ou seja, a bomba atômica. The rose, the rose The rose of Hiroshima The hereditary rose The radioactive rose Stupid and useless The cirrhosis rose The atomic anti-rose With no color, no perfume No rose, no nothing

Não há como se desconsiderar como o poeta nos instiga, na 2ª estrofe, a não esquecermos [do not forget] à rosa [rose] de Hiroshima à medida que ele desconstrói a brandura de uma rosa pelos adjetivos que remetem à bomba e, portanto, a uma anti-rosa “radioativa”, “inválida”, “inútil”, “estúpida”, sem cor, sem perfume, sem nada. Cumpre reiterar que tudo isso é realizado na língua, na/pela construção sintática do sintagma nominal [noun phrase] cujo núcleo é a rosa [rose em negrito] e pré e pós modificadores [pre e postmodifiers] em itálico. É justamente essa adjetivação pelos pré-modificadores que constrói a antirosa [anti-rose em negrito], ou seja, a bomba atômica.

Considerações finais Uma aula de língua inglesa dessa perspectiva envolve práticas de letramento em que ideologias, valores e identidades são construídas discursivamente. Essa visão está relacionada ao modelo de letramento ideológico proposto por Street (1994) e implica que nas práticas de letramento, os participantes aprendem sobre o mundo social, sobre quem são e sobre o seu interlocutor. Isso se dá na relação com o outro na e pela lingua(gem). Encampar, portanto, uma proposta de educação linguística e, consequentemente, letramento crítico na língua inglesa demanda, portanto, oportunizar atividades de natureza linguística (uso) e epilinguística (reflexão sobre os efeitos de sentido uso), o que, por sua vez, implica mudanças na formação linguística do professor. A formação linguística necessária ao professor, construída por disciplinas de língua inglesa no curso de Letras-Inglês, não pode continuar seguindo os parâmetros da formação linguística de um curso de idiomas, que visa formar usuários da língua, proficientes nas quatro habilidades. Afinal, em se tratando de formação de professor de língua, cabe a construção de saberes linguístico-discursivos (DOURADO, 2014, 2007), que capacitem o professor em formação a ter competência linguística (de uso e engajamento em práticas situadas de lingua(gem)), epilinguística (saber oportunizar reflexão sobre os efeitos de sentido criados no e pelo uso da língua) e metalinguístico (saber falar sobre/explicar sobre a língua e seu funcionamento). Mas para além disso, cabe ao professor em formação e em serviço o discernimento de quais são as necessidades reais na língua inglesa de um aluno brasileiro. Se houve um momento histórico em que, a partir da tradição grafocêntrica, julgou-se que o aluno brasileiro precisava ler textos técnicos, hoje, numa sociedade hipersemiotizada, marcada por processos de globalização e TICs que se renovam constantemente, precisamos reavaliar as necessidades reais dos nossos alunos, bem como da sociedade. Apesar da crise econômica mundial dos últimos anos, o país tem vivido momentos sem precedentes com possibilidades reais de mobilidade social e internacional, internacionalização das universidades, mercado Trabalho Apresentado no V I I I S i g e t 2 0 1 5

e turismo internacional crescente etc. Uma proposta de educação linguística, visando ao letramento crítico, pautada no uso da língua nos diversos gêneros textuais, nos moldes deste e de outros PIBIDs, tem valor inalienável para a sociedade brasileira.

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