Trabalho Final da Disciplina: Mídias e Dispositivos Midiáticos LP: Textualidades Mediáticas UFMG -PPGCOM 2016/1º SEMESTRE

May 30, 2017 | Autor: Patrícia Dos Anjos | Categoria: Semiotics, Charles S. Peirce, Peircean Semiotics, Artes, Semiotica, Abdução
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Trabalho Final da Disciplina: Mídias e Dispositivos Midiáticos LP: Textualidades Mediáticas UFMG - PPGCOM 2016/1º SEMESTRE Professores Responsáveis:

Carlos Magno Camargos Mendonça Joana Ziller de Araújo Josephson

Aluna: Patrícia Louzada dos Anjos ([email protected]) SEMIOSE EM PEIRCE E O PROCESSO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA: QUAL SUA RELAÇÃO?

Compreendendo semiose como a ação do signo que gera, produz e determina o interpretante (SANTAELLA, 1992), como se correlacionaria, então, o nascedouro de um raciocínio artístico e este processo de construção comunicativa proveniente da ação de determinação de um interpretante? Ao traçar um caminho que responda qual a relação da semiose (PEIRCE, 2008) com a dinâmica da descoberta e da criação na criatividade artística, realizei uma investigação bibliográfica que, como poderá ser percebido, passa por conceitos diversos para, durante este trajeto, desenhar um caminho de busca por uma resposta. Tenho, aqui, uma construção de raciocínio que se fundamenta, inicialmente, na ideia de que operações mentais ocorrem como processos sígnicos (SANTAELLA; NÖTH, 2004), e de que a criação artística é oriunda, também, de um processo racional qualquer. Sendo assim, irei de forma direta para os processos de construção de raciocínio, para, então, desenvolver suas relações no processo artístico. Na ciência de que os processos de construção de raciocínio são a abdução, a indução e a dedução (PEIRCE, 2008), orientei esta discussão de forma centrada apenas na abdução, e esta postura se justifica ao longo do texto. Iniciarei, então, com uma definição geral de abdução. A abdução, como função da imaginação criativa do indivíduo (SANTAELLA; NÖTH, 2004), é a engrenagem pela qual hipóteses são criadas. É antecessora aos processos de verificação, sendo estes, na tríade dos estágios de investigação, outros dois processos subsequentes, que são especificamente, o indutivo (que classifica; raciocina do particular para o geral; possibilita confirmações; busca fatos) e dedutivo (se corretamente empregado, não leva de premissas verdadeiras para uma conclusão falsa; é hipotético) (SANTAELLA, 2004). Ela, a abdução, busca teorias, é explicativa, preparatória e sugere uma generalização. Nela, de uma regra geral lança-se um palpite-hipótese (PINTO, 1995). Em um processo de interdependência na construção de um raciocínio com as categorias de Peirce, tem-se a abdução como a que se apresenta no nível da primeiridade, (a dedução de secundidade, e a indução de terceiridade) (SANTAELLA, 2004) (PINTO, 1995), mas a inferência abdutiva corresponde à terceiridade, ou a um terceiro com teor de primeiro (PINTO, 1995), já que uma inferência abdutiva do que é percebido é um ato de insight (SANTAELLA, 2004). É terceiro com teor de primeiro devido seu caráter remático, de produção de um interpretante não limitado naquilo ao qual ele pode se referir como objeto (PINTO, 1995), é um palpite fundamentado em uma semiose qualquer (PINTO, 1995). A abdução, como a que se refere, então, ao ato criativo de invenção de hipóteses, é o tipo de raciocínio pelo qual a criatividade se manifesta, na ciência e na arte, mas se mostra mais enquadrada no campo da arte, pois esta produz uma verdade que lhe é própria, por ser um principio pelo qual se gera hipóteses ou conjecturas. Por ser conjectura espontânea da razão instintiva, ela introduz qualquer ideia nova, e nasce de um insight. (SANTAELLA, 2004) Este flash de insight, responsável por desencadear o raciocínio abdutivo, é do aspecto de primeiridade, de imediaticidade, frescor, espontaneidade, qualidade, sentimento e impressão. Este impulso dá origem, então, à palpites acerca de uma semiose, fundamentando-se na escolha de um interpretante, formulada com base na experiência (PINTO, 1995), podendo a experiência ser “vista como um contínuo de acontecimentos que vão passando de um estado a outro de percepção ” (DUARTE, 2014). É, então, a abdução, um instinto racional, na capacidade de adivinhar, escolher corretamente a explicação apropriada para fatos que despertem curiosidade (SANTAELLA, 2004). A abdução constitui, então, um modo de inferência sobre o qual se estrutura o raciocínio criativo. Ela é como um guia para o processo de expansão do sensível, da intuição e da experiência do artista. A criatividade trabalha em conjunto com um raciocínio abdutivo, onde o elemento racional esta subjacente à criatividade, e esta razão criativa em conjunto com raciocínio abdutivo está diretamente ligada ao confronto entre mentes criativas e problemas, dúvidas, incômodos e surpresas, que desencadeariam o processo abdutivo, dando-se aí que, a criatividade esta vinculada à surpresa, à ruptura e

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redefinição de hábitos através do processo abdutivo (SANTAELLA, 2004). Podemos afirmar, então, com segurança, que a criação artística trabalha de forma abdutiva (PLAZA, 2003). Bom ressaltar que intuição aqui não é adotada como um acesso direto ao pensamento, já que toda percepção necessária à implementação da criação é interpretada. É tomada aqui como vinculada à associação de ideias que só se efetiva por intermédio da experiência colateral de um sujeito, sendo experiência colateral uma experiência prévia fundamental para se conhecer um objeto, como a intimidade prévia com aquilo que o signo denota. A experiência colateral é fundamental no processo de entendimento, complementação e fortalecimento de uma compreensão da relação objeto signo, e deve ficar evidente aqui que experiência colateral não é intimidade, familiaridade com o sistema de signos, mas com aquilo que o signo denota (CP – 8.179). A experiência colateral diz respeito a algo externo ao signo, externo ao interpretante, mas que ajuda o interprete no processo de interpretação desse interpretante. Na tentativa de encontrar acessos ao objeto em si, a mente do interprete, atingida pelo interpretante, recorre à experiência colateral, que é externa ao signo porem parte de seu contexto de entendimento. A experiência colateral desenvolve um elemento a mais em busca de objetos e interpretantes ideais, onde “Toda exata parte da compreensão de um signo para a qual a Mente interpretadora necessitou de observação colateral acha-se fora do Interpretante” (CP-8.179). A experiência colateral é fundamental no processo de designar signos e interpretantes, sendo também uma consequência da produção de signos, portanto ela é produto e produtora de semiose. (LINS, 1998) Assim sendo, o artista tem à disposição diversidades de linguagens expressivas, inúmeras possibilidades de trabalhar com o signo criado em um suporte que se apoia na intenção de constituição do interpretante em determinadas direções, onde a experiência colateral do artista orienta-o na tentativa de conduzir semioses. Deste modo, voltando ao processo criativo, temos que a criatividade possui como dinamizador esse quase raciocínio (SANTAELLA, 1992) que é a abdução. Sendo o tipo mais frágil de argumento lógico, a abdução produz uma verdade do admirável e do sensível da razão (SANTAELLA, 1993 apud MOURA, 2002). A abdução, em seu caráter de primeiridade, é um lampejo, é ao mesmo tempo insight e inferência. É nela onde os juízos perceptivos devem ser tomados como inferência abdutiva. A sugestão abdutiva é uma introvisão, é uma hipótese que nasce da reunião daquilo que nunca tinha sonhado reunir, de diferentes que já estavam em nossas mentes, para dar origem à ideia que lampeja a nova sugestão diante de nossa contemplação, de uma nova hipótese extremamente falível (PEIRCE, 1990). Em uma colaboração entre sensível e inteligível (PLAZA, 2003), o instinto abdutivo nas descobertas humanas possui relação intrínseca com uma intuição, tendo aqui que a intuição significa uma cognição, qualquer espécie de cognição, determinada por algo fora da consciência. É interessante ressaltar que a intuição, em si, não esta fora da consciência, e que podemos ter intuições, contudo, não podemos é ter a certeza de que são intuições originárias, pois elas não podem ser tomadas como ponto de partida infalível na construção de um conhecimento. (SANTAELLA, 2004) Bem, ao falar em arte como processo racional, especialmente por suas referências constantes ao sensível e ao inteligível , entro invariavelmente em um caminho que desemboca na contextualização da inscrição do pensamento deste processo. Lembro, então, que só pensamos em signos, já que todo pensamento é signo, todo pensamento se dirige a algum outro pensamento, que determina um outro, sucessivamente. Logo, ao termos um pensamento, a presença de imagem, representação, sentimento ou concepção em nossa mente, servirá como signo, como uma manifestação fenomenológica de algo que pode ser tanto externo quando algo de nós mesmos. No pensamento, então, o artista aparece como signo, como ele mesmo é naquele determinado momento. Não há pensamento (ou cognição, ou signo) que não seja precedido por um pensamento anterior. O artista, então, ao se tornar consciente de que está tendo um novo pensamento, se tentar especificar o momento exato em que se deu conta do pensamento que está tendo, ele não consegue, já que não pode estar certo de que não houve um momento anterior a esse em que ele teve o pensamento. (SANTAELLA, 2004) O pensamento, então, é um evento, um ato da mente, na sua imediaticidade, ele é simples e inanalisável, pois um significado só pode existir e aparecer no momento em que o pensamento é interpretado, pensado, representado, num pensamento subsequente. Como processo ininterrupto, é onde se relacionam o signo-pensamento 1, o objeto, o pensante precedente, e o pensamento subsequente no qual o signo é pensado. O pensamento em si mesmo, a sensação em si mesma, o sentimento em si mesmo estão na imediaticidade, sendo esta a impossibilidade de conhecimento, pois é só na relação dos nossos estados mentais, em diferentes instantes, que há representação e cognição. (SANTAELLA, 2004) O pensamento, assim como toda ação mental, se conforma à uma inferência, seja dedutiva, indutiva ou abdutiva, podendo se conformar a um misturar destas inferências. E a intuição e as sensações do artista? Bem, a intuição e as sensações também são uma cognição, e a cognição só existe em um processo contínuo que se expressa em inferências, e inferências só são possíveis a partir do material ofertado por um objeto externo. Não há inferência sem signos. Não há conhecimento sem interpretação, os conteúdos da consciência, ou o que se apresenta a ela, são conhecidos apenas por meio de uma ação mental. Não conseguimos discriminar entre o que vimos e o que inferimos, entre o que é dado intuitivo e o que é dado 1

“Na cadeia infinita de semioses, a cognição é, portanto, um 'signo-pensamento […] traduzido ou interpretado por subsequente.' (CP, 5,284).” - (NÖTH, 2003)

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modificado pelo intelecto, mesmo que haja intuição originária, não temos meios de saber se elas são, de fato, originárias. (SANTAELLA, 2004) Como já brevemente citado, há na criação artística um instinto racional, a ocorrência da abdução. Bom ressaltar que o instinto é dado pela experiência colateral, mediado pelo contexto. A experiência colateral, como qualidade de sentimento (primeiridade), relação de alteridade (segundidade), mediação (terceiridade), se estabelece na relação do homem com o mundo e com o passado, num confronto de força, de reação a algo (segundidade). A experiência sensível é um fenômeno naturalmente humano (DUARTE, 2014), e o acesso ao sensível permite que a mente se abra à ele, donde ele é imediato. Na representação, a semiose tem início em qualidades que determinam para a mente signos de potencialidade, que são representadas pela qualidade. Os signos gerais pressupõem réplicas sensíveis que constituem-se no percepto, pelo qual a mente é invocada a produzir o conceito (SILVEIRA, 2004). Podemos tomar um signo em sentido amplo, onde seu interpretante seja uma ação ou uma experiência, e seu interpretante seja mera qualidade de sentimento (MACHADO, 2005). É fundamental ressaltar que tudo tem início em um percepto, que se força sobre o artista [CP 1.253]. O saber sensível, enquanto raciocínio perceptual, em conjunto com uma procura por algo inteligível, constitui o cenário do pensamento criativo (PLAZA, 2003). Se, no início deste texto, considerei a criação artística como processo racional, e já indiquei que esta racionalidade é abdutiva, aqui eu afirmo. Tendo em vista que o artista, dentro deste processo racional terceiro com teor de primeiro, cria tendo como meta uma hipótese que nem sempre será verdadeira, já que depende do processo semiosico daquele que consumirá sua obra. A obra de arte, em sua origem, aparece como representação mental para o artista, ela, então, em seu caráter mental é um representamen, um veículo do signo (SANTAELLA; NÖTH, 2004). O artista, como aquele que vê com os olhos abertos da mente, também percebe aquilo que esta preparado para interpretar, em uma impossibilidade de separar aquilo que cria de sua experiência, bem como de sua experiência colateral. Ao criar, ele avalia, e esta avaliação, feita durante o processo produtivo, mantêm seu trabalho, enquanto construção do próprio olhar, dentro de um rumo. O artista que cria para produzir significado, proporcionar conhecimento, provocar experiência, tem como fundamental manter sua criação dentro de uma determinada direção, para garantir, ou tendenciar, a experiência que ele calcula que ocorrerá. A intenção do artista, inseparável da finalidade, se caracteriza como ideias, e, como tal, possuem vida generativa (MARQUES, 2004). Como ser semiótico, o artista não só produz, como também olha com um olhar equívoco e incerto (ABRIL, 2010). O artista reproduz algo que alguma vez já se fez presente em sua consciência (SANTAELLA; NÖTH, 1997), cria a partir e em função de perceptos (SANTAELLA, 2004), e em seu processo semiosico de criação, ele aponta para o passado e para o futuro (NÖTH, 2003). Ele produz a partir de uma inferência abdutiva, de um insight (SANTAELLA, 2004), com a proposta de conduzir aquele que consome sua arte por um determinado caminho cognitivo, mas reconhecendo que cada pensamento é da natureza de um signo (NÖTH, 2003), especialmente se trabalhar com imagens conceituais (ABRIL, 2010). 2. REFERÊNCIAS ABRIL, Gonzalo. A semiose Alegórica em Textos Verbovisuais. In: LEAL, B. S.; GUIMARÃES, C.; MENDONÇA, C. (Org.). Entre o Sensível e o Comunicacional. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 167-178 DUARTE, Eduardo. Um estatuto Científico para a Experiência Sensível. In: PICADO, Benjamim; MENDONÇA, Carlos Magno Camargos; FILHO, Jorge Cardoso (Org.). Experiência Estética e Performance. Salvador: Edufba, 2014 LINS, Aline Grego. A importância da experiência colateral na semiose e no processo comunicativo. Revista Symposium. vol. 37. n3, janeiro/junho-1998. p.52-59 MACHADO, Maria Ângela de Ambrosis Pinheiro. As categorias fenomenológicas de C S Peirce: uma lanterna sobre a experiência no processo da criação artística do clown. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia, São Paulo, Volume 2, Número 2, p. 84-90, TEXTO 11_22, julho/dezembro, 2005 MARQUES, Lauro José Maia. Da Fenomenologia À Semiótica: A Obra De Arte Em Processo. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia, São Paulo, Volume 1, 2004 MOURA, Maria Aparecida. Semiótica e mediações digitais: o processo de criação e recepção de hipermídias. 2002. 247 f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2002 NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 2003 PEIRCE, C. S. (1931-1958) Collected papers of Charles Sanders Peirce. Ed.by C. Hartshorne and P. Weiss (v. 1-6); Arthur Burks (v. 7-8). Cambridge, MA: Harvard University Press. 8 v. [CP] __________. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2008. PINTO, Júlio. 1, 2, 3 da Semiótica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995

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PLAZA, Julio. Arte/Ciência: Uma Consciência. Revista ARS, v.1, n. 1. São Paulo, 2003. SANTAELLA, Lúcia. A assinatura das coisas. Rio de Janeiro: Imago, 1992. _________________. O Método Anticartesiano de C. S. Peirce. São Paulo: Editora UNESP, 2004 SANTAELLA, Lúcia; NÖTH, Winfried. Comunicação e semiótica. São Paulo: Hacker, 2004. ________________________________. Imagem: Cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 1997. SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. Observe-se o Fenômeno: Forma e Realidade na Semiótica de Peirce. Cognitio, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 194-199, jul./dez. 2004.

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