Trabalho infantil: a negação do ser criança e adolescente no Brasil

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TRABALHO INFANTIL: a negação do ser criança e adolescente no Brasil

ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO JOSIANE ROSE PETRY VERONESE

TRABALHO INFANTIL:

a negação do ser criança e adolescente no Brasil

DISTRIBUIÇÃO:

José Geraldo Ramos Virmond Presidente da OAB/SC Paulo Roberto de Borba Presidente da CAASC Francisco José Pereira Salézio Costa Editores Rodrigo Dias Pereira Capa e Projeto Gráfico Janaina H. da Costa Secretária Executiva Conselho Editorial Dr. Cesar Luiz Pasold (Presidente) Dr. Edmundo José de Bastos Júnior Dr. José Isaac Pilati Dr. Orides Mezzaroba Dr. Osvaldo Ferreira de Melo Dr. Ubaldo Cesar Balthazar Dr. Umberto Grillo

Catalogação na publicação: Bibliotecária Cristina G. de Amorim CRB -14/898

312 páginas

DISTRIBUIÇÃO Rua Paschoal Apostolo Pitsica, 4.860 88025-900 – Agronômica Florianópolis, SC - Brasil Tel.: (48) 3239-3567

Rua Farroupilha, 153 88117-110 – São José, SC Tel./Fax: (48) 3240-1300 www.clc-sc.com.br – e-mail: [email protected]

A HISTÓRIA Quando te encontrei Contei para ti histórias de fadas de castelos encantados. Falei das flores da música da poesia. Mergulhastes neste mundo e nele passaste a ser princesa. Porém, à medida que crescias vias ao teu redor histórias de morte, barracos empilhados, florestas destruídas, versos de dor. Teus olhos imaculados indagavam-me: “Onde está a verdade?” Foi quando te respondi: “Se quiseres e se teu sonho for grande o suficiente farás do mundo uma poesia de amor E os encantos das histórias infantis serão a verdadeira história”. Sorriste então e depois de um forte abraço correste para a roda. (Josiane Rose Petry Veronese)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................. 11 1. RETRATOS DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NA HISTÓRIA DO BRASIL ................................................................. 15 1.1 Para começar a história ....................................................... 15 1.2 As crianças também chegaram trabalhando nas embarcações portuguesas ........................................................ 17 1.3 Os jesuítas e a primeira experiência de educação no Brasil .................................................................................. 21 1.4 A Roda dos Expostos e a marca da institucionalização da infância brasileira .................................................................... 24 1.4 Mudanças no século XIX ...................................................... 27 1.6 As páginas da escravidão ..................................................... 31 1.7 Os aprendizes e marinheiros: trabalho e disciplina militar ..... 35 1.8 O recrutamento infantil pelas fábricas ................................. 39 1.9 A república e as primeiras décadas no novo século XX ........... 44 1.10 O Código de Menores de 1927 e a ditadura no Brasil ........... 61 1.11 A transição dos anos 80 e as novas conquistas.................... 73 1.12 Mas enfim, será possível erradicar o trabalho infantil? ........ 83

2. CAUSAS DO TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .............. 85 2.1. Primeiras linhas ................................................................. 85 2.2. As múltiplas causas ........................................................... 86 3. CONSEQÜÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL ................................. 105 3.1. A anulação da infância ..................................................... 105 3.2. Alimentando um círculo vicioso ......................................... 114 4. A PROTEÇÃO CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO DIREITO BRASILEIRO ............................................................... 121 4.1 Considerações Iniciais ...................................................... 121 4.2 Definindo os conceitos operacionais .................................. 125 4.3 A questão da capacidade jurídica para o trabalho ............... 132 4.4 Condições para o exercício do trabalho .............................. 149 5. CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DE PROTEÇÃO CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL ........................................... 155 5.1 O trabalho perigoso ........................................................... 155 5.2 O trabalho insalubre .......................................................... 161 5.3 O trabalho penoso ............................................................. 169 5.4 Trabalho noturno ............................................................... 172 5.5 O trabalho prejudicial à moralidade .................................... 174 5.6 O trabalho realizado em locais e horários que prejudicam à freqüência à escola ............................................ 177 5.7 Os trabalhos prejudiciais ao desenvolvimento, físico, psicológico, moral e social ...................................................... 178

6. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL ................................................................ 181 6.1 A proteção internacional ................................................... 181 6.2 A OIT e o Direito Internacional do Trabalho .......................... 181 6.3 A origem, os objetivos e a estrutura da OIT ......................... 182 6.4 A OIT e seus instrumentos normativos ................................. 184 6.5 O Tratado Internacional no Direito Brasileiro ...................... 185 6.6 Considerações históricas sobre os limites de idade mínima para o trabalho no direito internacional ........................ 187 6.7 A origem do Direito do Trabalho e as primeiras leis sobre idade mínima .......................................................................... 187 6.8. A Organização Internacional do Trabalho e a idade mínima para o trabalho ....................................................................... 188 6.9. O Brasil e as Convenções sobre idade mínima da OIT .......... 191 6.10. A Convenção nº 138 e a Recomendação nº 182, da Organização Internacional do Trabalho, sobre limites de idade mínima para o trabalho .............................................. 192 6.11 A Convenção nº 182 e a Recomendação nº 190, da Organização Internacional do Trabalho, sobre piores formas de trabalho infantil ...................................................... 211 7. ASPECTOS DESTACADOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL ..................................................................... 219 7.1 Os Fóruns de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil .. 219 7.2 As Diretrizes para uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil ................................................................. 224

8. A PROFISSIONALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE ............................... 237 8.1. Considerações iniciais ..................................................... 237 8.2. Considerações conceituais ............................................... 241 8.3. A capacitação profissional do adolescente ........................ 243 8.3.1. A construção de um conceito de capacitação profissional ....................................................................... 243 8.3.2. Algumas reflexões sobre capacitação profissional ..... 245 8.4. Aspectos legais da capacitação profissional do adolescente ....................................................................... 249 8.4.1. A capacitação profissional no direito internacional ... 249 8.4.2. A capacitação profissional no direito brasileiro ......... 262 8.5. A aprendizagem ............................................................... 277 8.6. O trabalho educativo ........................................................ 284 CONCLUSÃO ................................................................................ 297 REFERÊNCIAS .............................................................................. 301

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INTRODUÇÃO Construir uma história da criança explorada no Brasil é uma tarefa desafiadora, permanente e, praticamente, infindável. A opção pela reconstrução dessa história foi possível a partir de alguns retratos que demarcaram um perfil da infância ao longo dos séculos. Não se pretende transformar a infância em mero objeto de estudo, muito menos acreditar na precisão das imagens resgatadas no passado, nas quais as crianças geralmente poucas oportunidades tiveram para registrar suas falas, sentimentos e desejos. A própria origem latina da expressão infância está ligada a ausência de fala ou àquele que ainda não fala. Não há como negar que a construção social da infância no Brasil foi secularmente reproduzida pelo olhar adulto, geralmente elitista e reprodutor das condições de desigualdade histórica colocando a criança no lugar específico e necessário à imposição de seu poder. A história da infância no Brasil foi construída pela voz adulta de juristas, médicos, policiais, legisladores, comerciantes, padres, educadores exigindo do historiador uma postura crítica na interpretação destes fatos com vistas a superar a visão hegemônica e idealizada de infância brasileira.

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A relação e o lugar ocupado pela criança na história nem sempre foi o mesmo, mascarado pelos estigmas impostos por uma sociedade em mudança. A criança brasileira já foi objeto de muitas designações: órfã, exposta, abandonada, delinqüente, escrava, menor, trabalhadora; mas também pura, ingênua, bela e até promessa de futuro. Esta abordagem procurou estabelecer uma específica atenção sobre os retratos da criança trabalhadora e como ela foi percebida ao longo da história brasileira. Não se trata da história de todas as crianças, mas daquelas representativas do universo infantil que emprestaram significado decisivo para cada um dos momentos históricos. É a oportunidade de dar voz à criança explorada, resgatála como sujeito histórico que um dia alcançaria o status de sujeito de direitos, mas que em sua maior parte foi tratada como objeto, vítima de violência, negligência e opressão. O resgate da imagem infantil requer um exercício de outras dimensões teóricas e conceituais que venham suprir, ainda que parcialmente, a necessidade de compreensão dessa história ainda obscura e, talvez, o resgate de alguns retratos do trabalho da criança seja um dos caminhos ainda pouco percorridos. A compreensão do que atualmente se denomina exploração do trabalho infantil ou mesmo trabalho precoce que, em outros tempos foi chamado de exploração de menores, não pode ser compreendida divorciada da realidade social que lhe emprestou conteúdo ao longo da história brasileira. A análise histórica foi realizada mediante incursão nas

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diversas etapas de desenvolvimento e da legislação relativa ao disciplinamento do trabalho infantil através dos tempos, considerando-se, inclusive, alguns referenciais normativos internacionais. A importância desta breve noção histórica funda-se na sua instrumentalidade, pois fornece subsídios para a reflexão da realidade social e jurídica pelo qual perpassaram gerações de crianças e adolescentes. Os limites desta obra não permitem uma reconstrução histórica exaustiva e sistemática do trabalho da criança e do adolescente no Brasil, mas pretende, ao menos, resgatar momentos, que afirmaram uma imagem social da infância, especialmente àquelas representativas da exploração no trabalho.

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1. RETRATOS DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO DA CRIANÇA NA HISTÓRIA DO BRASIL 1.1 Para começar a história A compreensão do trabalho da criança e do adolescente no Brasil merece vários olhares, ou seja, torna necessária uma leitura interdisciplinar: História, Sociologia, Antropologia e Direito se impõem como norteadoras para a análise deste tema. Evidentemente, a história brasileira não começa com a invasão portuguesa. No entanto, para o estudo do tema este limite foi fixado em razão de um marco importante: a cultura européia da exploração de crianças no trabalho chegou ao Brasil através dos hábitos e costumes que atravessaram o atlântico nas embarcações portuguesas. Esta cultura letrada irá possibilitar os primeiros registros da infância no Brasil, embora a imagem do que hoje se concebe por infância ainda não fosse muito nítida para os europeus que aqui chegavam. A Carta de Pero Vaz de Caminha registrou pela primeira vez a infância no Brasil. Esta carta enviada para Portugal ao Rei Dom Manuel em 1500 descreve a presença de uma mulher com uma criança atada com um pano aos peitos, na qual apenas as perninhas infantis apareciam.

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A imagem da criança ainda aparecia como algo periférico nas imagens e com pouca nitidez. Segundo Marisa Lajolo “é uma imagem fragmentada da criança, metonimicamente entrevista como só pernas a que comparece ao texto, meio como que de passagem, quase que apenas para realçar, por oposição aos panos que a recobrem, a nudez da mãe. Surge, assim, encoberta e incompreendida, a primeira personagem infantil de nossa história, protagonizando o registro inaugural do que poderia um dia vir a ser a história da infância brasileira.”1 Se por um lado, as crianças não atuavam como personagens significativos no imaginário social, por outro sua presença foi marcante e representativa na construção de uma história protagonizada pelos conquistadores portugueses. No período colonial, o ingresso das crianças no mundo do trabalho era extremamente precoce. Informa Mary Del Priore que a partir dos sete anos as crianças já desenvolviam “pequenas atividades, ou estudavam a domicílio, com preceptores ou na rede pública, por meio das escolas régias, criadas na segunda metade do século XVIII, ou, ainda aprendiam algum ofício, tornando-se ‘aprendizes’”.2 O trabalho infantil estava inserido num conjunto de códigos repassados ao longo das gerações que relacionam desenvolvimento/autonomia com responsabilidade/ aprendizado, fatores determinantes para a inserção precoce das crianças no mundo adulto. 1 LAJOLO, Marisa. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez/USF, 1999. p. 230. 2 PRIORE, Mary Del. O cotidiano da criança livre no Brasil entre a Colônia e o Império. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 84-5.

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1.2 As crianças também chegaram trabalhando nas embarcações portuguesas As embarcações portuguesas trouxeram as crianças na condição de trabalhadores. Grumetes e pagens desempenharam papéis importantes nas travessias ao Atlântico rumo às novas terras. Os grumetes geralmente realizavam todas as tarefas realizadas por adultos, mas recebiam a metade da remuneração de um marujo da mais baixa hierarquia da marinha portuguesa. Também eram atribuídas aos grumetes as tarefas mais perigosas e penosas, pois entendiam que perder um miúdo seria melhor que estar desamparado da força adulta nas travessias ao Atlântico. O recrutamento dos pequenos grumetes variava entre o rapto de crianças judias e a condição de pobreza vivenciada em Portugal. Eram os próprios pais que alistavam as crianças para servirem nas embarcações como forma de garantir a sobrevivência dos pequenos e aliviar as dificuldades enfrentadas pelas famílias. O período do expansionismo europeu é marcado pela exploração do trabalho infantil, tanto que “nos séculos XVI e XVII, pelo menos 10% da tripulação das caravelas, urcas e galeões, fossem elas de guerra, mercantes ou de corsários, era constituída por meninos com menos de 15 anos.”3 Neste cenário, a expectativa de vida das crianças era 3 VENÂNCIO, Renato Pinto. Aprendizes da Guerra. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 193.

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brevíssima, em torno dos quatorze anos, isto num contexto em que, dentre os que nasciam com vida, cerca de cinqüenta por cento morriam antes mesmo de completar os sete anos de idade. De acordo com Fábio Pestana Ramos “isto fazia com que, principalmente entre os estamentos mais baixos, as crianças fossem consideradas como pouco mais que animais, cuja força de trabalho deveria ser aproveitada ao máximo enquanto durassem suas curtas vidas.”4 O trabalho infantil nas embarcações era especialmente útil, já que fornecia uma mão-de-obra ágil, de baixo custo e consumidora de poucos alimentos; fator que incentivava o recrutamento entre as famílias portuguesas que sofriam com a fome, mas também o recolhimento de órfãos, desabrigados e pedintes era uma prática habitual. Além do alívio nas responsabilidades com a família, alguns ainda viam o recrutamento de grumetes como uma forma de aumento da renda familiar, pois os pais recebiam soldos em nome das crianças mesmo que estas morressem em alto mar. A opção pelo uso de mão-de-obra infantil nas embarcações foi uma opção tipicamente portuguesa visando solucionar problemas urbanos. As crianças das áreas rurais eram preservadas do recrutamento. Alguns países, como a Inglaterra, supriam a falta de mão-de-obra nas embarcações de outras formas, tais como o uso de escravos negros. O recrutamento era dirigido especialmente aos meninos, pois a presença de mulheres nas embarcações era proibida 4 RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 20.

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e rara. Grumetes e pagens eram obrigados a aceitar abusos sexuais dos marujos rudes e violentos. Crianças, mesmo acompanhadas dos pais, eram violentadas. As órfãs eram preservadas, guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim de manter-se virgens, pelo menos, até que chegassem à Colônia.5 A exploração do trabalho das pequenas crianças consistia em prática habitual e permanente, especialmente àquelas em piores condições econômicas. No transcorrer da Idade Moderna, crianças órfãs, enjeitadas ou mesmo pobres, oriundas sobretudo das “comunidades de pescadores, foram recrutadas quase sempre sem nenhuma preparação ou treinamento prévio. A rude vida do mar era sua escola, sua família e seu destino.”6 Os meninos grumetes eram vítimas de toda ordem de privações; além das pesadas jornadas de trabalho, sua alimentação era deficiente provocando doenças graves que podiam levar a morte como inanição e escorbuto. Também não tinham espaços de privacidade, sendo objeto de abusos e violências provocados pelos adultos. Assim, quando embarcados não deixavam para trás somente a sua terra, mas todas as possibilidades de viver uma infância feliz e saudável. Outro papel relevante desempenhado pelas crianças nas embarcações portuguesas era o de pagem. Os pagens eram embarcados para prestar serviços aos nobres e oficiais du5

RAMOS, Fábio Pestana. Op. Cit. p. 19.

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VENÂNCIO, Renato Pinto. Op. Cit. p. 195.

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rante as travessias, seus serviços tinham características mais leves e podia até possibilitar a ascensão aos cargos da Marinha. Cabia ao pagem satisfazer as vontades da nobreza; serviam as mesas, arrumavam os camarotes e organizavam as camas, preocupando-se especialmente com as condições de conforto dos oficiais nas viagens, o que podia possibilitar uma condição privilegiada em relação aos demais marujos caso ganhassem a simpatia de seus superiores. Os pagens também eram recrutados junto às famílias pobres, mas “a maioria, contudo, provinha de setores médios urbanos de famílias protegidas pela nobreza ou de famílias de baixa nobreza pois, para essas, inserir um filho no contexto da expansão ultramarina como pagem era a forma mais eficaz de ascensão social.”7 A travessia do Atlântico era um desafio, as dificuldades em alto mar aliadas as duras tarefas impostas permitia a sobrevivência de poucos. Mesmo aqueles que chegavam por aqui com vida, pereciam diante das dificuldades como as condições climáticas, a fome, a rígida disciplina e falta de cuidado por parte dos adultos, que os colocava em risco diante dos ataques dos nativos. Portanto, a travessia do Atlântico realizada pelas embarcações portuguesas a partir do século XVI trouxe consigo a violência e exploração contra as crianças e a cultura do trabalho infantil, penoso e perigoso e, também, da submissão, do desvalor da infância, representando fielmente uma história de exclusão que irá se repetir ao longo dos séculos seguintes. 7

RAMOS, Fábio Pestana. Op. Cit. p. 31.

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1.3 Os jesuítas e a primeira experiência de educação no Brasil A experiência mais significativa para a infância no Brasil quinhentista foi a implantação de um sistema de educação pelos Jesuítas. A convergência de interesses voltados à expansão da Igreja e do domínio português proporcionou o cenário adequado para a implantação dessa inédita experiência. Segundo Rafael Cambouleyron, “é bem verdade que a infância estava sendo descoberta nesse momento no Velho Mundo, resultado da transformação nas relações entre indivíduo e grupo, o que ensejava o nascimento de novas formas de afetividade e a própria ‘afirmação do sentimento da infância’ na qual Igreja e Estado tiveram um papel fundamental.”8 Foi justamente esta novidade que fez com que a Companhia de Jesus optasse em trabalhar a criança indígena, esta compreendida como o “papel em branco” ou a “cera virgem”, passível, portanto, de toda inscrição e modelagem.9 Neste novo projeto societário, a infância surge como o espaço necessário para a impressão dos valores europeus cristãos tão necessários à época para a construção de uma nova sociedade. Por isso, nos primeiros momentos a companhia dedicou-se às crianças portuguesas que habitavam o Brasil e, mais tarde, descobre as crianças indígenas com a pureza necessária para inscrever os novos valores almejados indispensáveis a consolidação da conquista portuguesa. 8 CAMBOULEYRON, Rafael. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 58.

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No Brasil colonial, o ensino dos jesuítas proporcionou mudanças significativas na cultura indígena representando mais um espaço de avanço e domínio dos portugueses sobre os nativos. Foi a partir das crianças, que aprendiam a doutrina, a leitura, a música, a escrita e, muitas vezes, um ofício, que padres jesuítas construíram uma educação eminentemente baseada no catolicismo e um modo de vida tipicamente cristão, pois “com os adultos cada vez mais arredios, toda a atenção se voltava aos filhos destes, explicava o então irmão José de Anchieta aos padres e irmãos de Coimbra, em finais de abril de 1557.”10 As mudanças na cultura indígena foram profundas. Segundo Raquel Zumbano Altman, “tão forte é a tentação de aprender a cantar, que os tupizinhos fogem, às vezes, dos pais para se entregarem às mãos dos jesuítas.”11 Desta forma, acreditavam os jesuítas, que “ocorreria assim, algo que poderíamos chamar de ‘substituição de gerações’: os meninos ensinados na doutrina, em bons costumes, sabendo falar, ler e escrever em português terminariam ‘sucedendo seus pais’.”12 Com a intervenção dos jesuítas há a construção de uma nova cultura “pelas manhãs, os meninos iram pescar ‘para si e par seus pais que não se mantêm de outra coisa, relata o padre Nóbrega, em julho de 1559. À tarde, voltavam os 9

CAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. p. 58.

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CAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. p. 58.

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ALTMAN, Raquel Zumbano. Brincando na História. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 241. 12

CAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. p. 60.

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meninos para a escola, havia doutrina para todos da aldeia que acabava ‘com Salve, cantada pelos meninos e a Ave Maria.”13 Entre as novidades trazidas pelos padres estavam as punições corporais. Tais medidas não consistiam em nenhum fato novo no cotidiano da Colônia, uma vez que as correções disciplinares haviam sido introduzidas pelos padres jesuítas, no século XVI. No entanto, este modelo de correção deixava horrorizada a população indígena que não tinha o costume de bater nas crianças. Estas novidades também fizeram os padres jesuítas enfrentarem muitas resistências e dificuldades, pois as novas práticas nem sempre tiveram os resultados esperados. Em alguns momentos, cogitavam até que tudo aquilo poderia não resultar em nada. Entre as novidades implantadas na incipiente experiência de ensino aos indígenas está um rígido sistema de disciplina e controle que envolvia práticas de vigilância constante, delação e castigos corporais, de sorte que era comum o fato de se construir, nas aldeias administradas pelos jesuítas, o tronco e o pelourinho. A Companhia de Jesus olhava para uma formação cristã e uma educação diferenciada aos nativos, mas admitiam que seria até capaz de promover a organização de um clero nativo no Brasil, a partir da identificação dos meninos com maiores habilidades.

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CAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. p. 62.

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A educação jesuítica teve o papel significativo na construção inicial de uma primeira imagem concreta da criança no Brasil. A descoberta da infância como algo diferente do adulto tornará a educação o elemento capaz de focalizar, pela primeira vez, a atenção e cuidados ao desenvolvimento físico e psicológico da criança.

1.4 A Roda dos Expostos e a marca da institucionalização da infância brasileira Ainda no século XVI surgem as primeiras ações de caráter assistencial no Brasil. A Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, criada em 1582, de iniciativa católica, estabelece-se com a missão de atender a todos não fazendo diferenças de idade, sexo, credo e condição. Até os escravos e estrangeiros poderiam ser amparados pelo asilo para enjeitados, que abrigavam meninos no Botafogo até a idade considerada adequada para ser encaminhados a uma profissão. As meninas aprendiam a ler, escrever, costurar, mas viviam em outro estabelecimento no centro da cidade. Iniciativas semelhantes serão criadas ao longo do tempo em outros agrupamentos urbanos do Brasil colonial. Das ações realizadas pelas Santas Casas surgem a primeira iniciativa assistencial de grande abrangência por estas terras, a Roda do Expostos. Não há dúvida que o grande problema social da infância dos primeiros séculos no Brasil é denominada orfandade. A Roda dos Expostos será a alternativa encontrada para a solução do problema que so-

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breviverá ao longo dos séculos. Iniciada ainda no período colonial, seus serviços serão prestados até as primeiras décadas da República. A origem da expressão Roda dos Expostos denota o próprio procedimento para o acolhimento das crianças. Na parede da instituição instalava-se um receptáculo circular com uma almofada em sua base que permitia o depósito do bebê e ao ser girado garantia a preservação do anonimato extra-muro. Ao girar o cilindro a criança era entregue à instituição e a Rodeira era advertida por uma sineta, que avisa a chegada de uma nova criança. Ao receber o novo bebê, a rodeira geralmente encaminhava para uma casa de ama-de-leite até a idade de três anos e estimulava a manutenção da guarda da criança pagando um pequeno valor até os sete anos. Neste momento, já estaria autorizada a exploração o trabalho da criança de forma remunerada ou em troca de casa e comida.14 Por isso, o acolhimento de crianças órfãs e abandonadas acontecia principalmente através de famílias substitutas, já que havia especial interesse no trabalho prestado pelas crianças, mas mesmo assim a institucionalização de crianças foi uma prática de longa freqüência. Seja nas Rodas dos Expostos ou na recepção da criança abandonada pela família, o interesse pelo trabalho da criança vigorava como regra ocultada pela caridade e legitimada pela suposta assistência. 14 MARCILIO, Maria Luiza. A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil. 1726-1950. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez/USF, 1999. p. 72.

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No Brasil, a primeira Roda dos Expostos foi implantada em Salvador em 1726, a segunda no Rio de Janeiro em 1738 e a terceira em Recife, em 1789, na Santa Casa de Misericórdia, portanto, todas ainda no período colonial. As Rodas dos Expostos são uma invenção européia para salvar as crianças abandonadas e órfãs da morte, mas os atuais estudos apresentam dados significativos de doenças e mortalidade de crianças nessas instituições, evidenciando a contradição do papel institucional da roda. De acordo com Miriam Moreira Leite, asilos de órfãos e projetos de regeneração dos pobres e ‘vagabundos’ pelo trabalho e pelo serviço militar já preocupavam os capitães gerais e os governadores das províncias.15 As péssimas condições em que as crianças eram submetidas nas Rodas provocou muito tempo depois, um movimento para sua extinção. Movimento este que foi muito mais fraco no Brasil do que na Europa. Tanto que ao findar do século XIX ainda existiam muitas destas instituições. Informa Maria Luiza Marcílio que a roda do “Rio de Janeiro foi fechada em 1938, a de Porto Alegre em 1940, as de São Paulo e de Salvador sobreviveram até a década de 1950, sendo as últimas do gênero existente nessa época em todo o mundo ocidental.”16

15 LEITE, Miriam L. Moreira. A infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez/ USF, 1999. p. 18. 16

MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 66.

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1.5 Mudanças no século XIX Enquanto no Brasil, no início do século XIX ainda não havia uma preocupação especial com a proteção das crianças contra a exploração no trabalho, a Inglaterra editava a primeira lei em 1802, denominada Act for preservation of health and moral apprentices employed in cotton and others mills.17 É neste contexto que o século XIX consolida a descoberta humanista de que a infância e a adolescência, com suas especificidades, contemplam idades da vida. “Os termos criança, adolescente e menino, já aparecem nos dicionários da década de 1830. Menina surge primeiro como tratamento carinhoso e, só mais tarde, também como designativo de “’creança’ ou pessoa do sexo feminino que está no período da meninice.”18 Ao passo que o termo adolescente, ainda que já existente, não tinha uso comum no século XIX. O período cronológico que demarcava a adolescência situava-se entre 14 e 25 anos de idade; utilizavam-se como sinônimo as expressões juventude ou mocidade.19 Neste período, as crianças da elite já recebiam tratamento diferenciado sendo privilegiado o acesso à educação, pois, em regra, distinguia-se a forma de educar aplicada às meninas daquela voltada aos meninos. Para as primeiras, valorizavam-se os atributos manuais, ao passo que para os segundos, os intelectuais. O tempo de duração também era 17

OLIVEIRA, Oris de. O trabalho da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1994. p. 24.

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MAUAD, Ana Maria. A vida das crianças de elite durante o Império. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 140. 19

MAUAD, Ana Maria. Op. Cit. p. 140.

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diferenciado. Os meninos oriundos da elite, iniciavam sua instrução aos sete anos e só a concluíam com o recebimento do título de doutor (leia-se advogado), obtido no Brasil ou no exterior.20 Por outro lado, persistiam as dúvidas sobre as condições e responsabilidades acerca das crianças abandonadas, pois na medida em que crescia o sentimento de dor pela perda (morte) de uma criança, de igual modo se desenvolve uma preocupação pela sua sobrevivência. Isto desencadeou uma série de procedimentos, de cuidados especiais com os recém-nascidos até que completassem sete anos. No entanto, restava intocável a questão: quem era o responsável por zelar pela criança brasileira?21 Para as crianças pobres parece que mesmo “com a independência do Brasil continuaram a funcionar as três rodas coloniais. Da mesma forma vigoravam ainda as Ordenações Filipinas, pelas quais toda a assistência aos expostos era obrigação das câmaras municipais.”22 Mas não se tratava de uma situação pacífica, pois as Câmaras resistiam à tarefa de assistir as crianças desvalidas. Tanto que em 1828, editaram uma lei, designada Lei dos Municípios, que abria uma possibilidade para as Câmaras desincumbirem-se desta função. Assim, nas cidades em que existisse uma Casa de Misericórdia, a Câmara poderia utilizar seus serviços para a instalação da roda e assistência às 20

MAUAD, Ana Maria. Op. Cit. p. 152.

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MAUAD, Ana Maria. Op. Cit. p. 160.

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MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 60.

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crianças enjeitadas. Nesta parceria, seria a Assembléia Legislativa provincial, e não mais a Câmara, quem entraria com o subsídio para auxiliar o trabalho da Misericórdia. De certa forma, estava-se oficializando a roda dos expostos nas Misericórdias e colocando estas a serviço do Estado. Perdia-se, assim, o caráter caritativo da assistência, para inaugurar-se sua fase filantrópica, associando-se o público e o particular. Algumas rodas foram criadas por meio dessas disposições e por decisão superior.”23 Enquanto isso os nobres preocupavam-se com uma educação disciplinada, mas livre do trabalho para sua prole.24 Mas as respostas aos pobres eram diferenciadas, tendo sempre o trabalho como finalidade. Registra Maria Luiza Marcílio que, por exemplo em Santa Catarina, foi criada em 1828 uma roda de expostos na capital, Desterro, hoje Florianópolis. Nesta localidade, quem tomou para si o encargo de cuidar dos expostos – na ausência da Casa de Misericórida – foi a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos. Os estatutos da casa foram aprovados em 1840. Segundo tal compromisso, a Irmandade “‘se comprometteo tratal-os com todo desvelo e caridade, como filhos da irmandade, fazendo-os visitar a miúdo por seu Mordomo dos expostos, so23 24

MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 60.

Segundo Ana Maria Mauad (Op. Cit. p. 167.), “a dura disciplina de estudos das princesas era estabelecida pelo pai, Dom Pedro II. Iniciando-se às sete horas da manhã e estendendose até às nove da noite com aulas de inglês, francês, alemão, religião, física, botânica, grego, piano, literatura, latim e mais tarde fotografia. O tempo era tão regulamentado e os passeios tão limitados, que a irmã de Dom Pedro II, D. Francisca, a princesa de Joinville, escreveu-lhe: Tema bem sentido de não as cansar e que não falte recreação no meio do trabalho [...] Isto é muito importante para a sua saúde, que sem ela nada é possível fazer-se de verdadeiro trabalho intelectual.”

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correndo-os até que fossem engajados para aprenderem arte, ou officio, fazendo as possíveis diligencias para que desde a idade de 6 annos mandade arranjar as expostas ao serviço de famílias honestas, promovendo-lhes casamentos, e agenciar-lhes dotes, ou esmolas para principio de um estabelecimento’.”25 Enquanto no Brasil ainda não se registra especial preocupação com as conseqüências dos trabalhos realizados pelas crianças, continua-se o processo de exploração como requisito necessário à subsistência. Por outro lado, na Europa surgem as primeiras divergências; começava-se a apontar os malefícios do uso da mão-de-obra infantil como degeneração da classe trabalhadora.26 Mas por aqui, mesmo dez anos mais tarde, a cultura do trabalho continuava a vigorar como valor e norma, pois “em 1838, o marquês de Itahem, ‘instrui os mestres a ministrarem uma educação de acordo com o gênio natural dos filhos do paiz. Com um documento composto por 12 artigos que versavam sobre: 9. Ensinar o monarca a incentivar o trabalho produtivo; 10. Trabalho como princípio e virtude maior;...”27 A declaração da independência do estado brasileiro irá 25

MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 63.

26

MORAES, Antônio Carlos Flores de. O direito à profissionalização e a proteção no trabalho. In: PEREIRA, Tânia da Silva. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Lei 8.069/90 “Estudos sócio-jurídicos”. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 227. Conforme este autor, “[...] em 1828, o Rei da Prússia recebeu do General Von Horn um informe oficial em que declarava: ‘A utilização das crianças esgota prematuramente o material humano e não está longe o dia em que a atual classe trabalhadora não tenha mais substitutivo do que uma massa fisicamente degenerada.’” 27

MAUAD, Ana Maria. Op. Cit. p. 151.

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assinalar um novo perfil nas práticas assistenciais às crianças brasileiras. Tanto que a partir de 1830 inicia-se uma nova forma de assistência. Abandonam-se as ações municipalizadas e as obras laicas. As Províncias são obrigadas a assumir a assistência e a estabelecer contratos com as Santas Casas e/ou ordens religiosas (femininas) que passariam a ser as responsáveis em cuidar das crianças que haviam sido abandonadas nas Rodas.28 A ascensão do liberalismo na Europa em busca do progresso, da ordem e a fé na ciência provocará mudanças significativas na visão política e imagem das crianças pavimentando o caminho para a instalação de uma república na qual a infância será vista como o futuro do país.

1.6 As páginas da escravidão No século XIX, a criança brasileira continuou marcada pelo estigma da escravidão legitimado por um sistema econômico concentrador que ignorava os ideais libertários vigentes na Europa em mudança e reproduzia uma radical desigualdade de classes. Segundo Mary Del Priore, “enquanto pequeninos, filhos de senhores e escravos compartilham os mesmos espaços privados: a sala e as camarinhas. A partir dos sete anos, os primeiros iam estudar e os segundos trabalhar’.”29 Portanto, os meninos das elites recebiam como companheiro para as brincadeiras um menino indígena (curumim) e depois um 28

MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 66.

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PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 101.

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menino negro (muleque) que seria para tudo: do amigo ao cavalo de montaria.30 Embora a imagem da infância burguesa obtivesse um início de atenção, o tratamento às demais crianças continuava diferenciado, brincava-se com elas como se fossem pequenos animais de estimação.31 As conseqüências da reprodução do sistema apontaram efeitos de longo prazo, pois a dualidade de uma sociedade dividida entre brancos (senhores) e negros (escravos) foi a responsável por inúmeras distorções, que se perpetuaram para muito além deste período histórico. Anotemos para a questão do trabalho infantil: “Dos escravos desembarcados no mercado do Valongo, no Rio de Janeiro do início do século XIX, 4% eram crianças. Destas, apenas um terço sobrevivia até os dez anos. A partir dos quatro anos, muitas delas já trabalhavam com os pais ou sozinhas, pois perder-se de seus genitores era coisa comum. Aos 12 anos, o valor de mercado das crianças já tinha dobrado. E por quê? Pois considerava-se que seu adestramento já estava concluído e nas listas dos inventários já aparecem com sua designação estabelecida: Chico ‘roça’, João ‘pastor’, Ana “mucama”, transformados em pequenas e precoces máquinas de trabalho.”32 30

ALTMAN, Raquel Zumbano. Op. Cit. p. 243.

31

PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 96.

32

PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 12. Ainda sobre este tema, José Roberto de Góes e Manono Florentino registram que “apenas 4% dos africanos desembarcados no Valongo, naquela época, possuíam menos de dez anos de idade. [...] no Brasil o ingresso no mundo dos adultos se dava por outras passagens; em vez de rituais que exaltavam a fertilidade e a procriação, o paulatino adestramento no mundo do trabalho e da obediência ao senhor.” (GÓES, José Roberto de, FLORENTINO, Manolo. Crianças escravas, crianças dos escravos. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 178.)

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Embora o trabalho seja a marca principal imposta à infância escravizada, o interesse especial dos senhores estava associado aos adultos. As mulheres, por exemplo, eram agregados aos diversos tipos de trabalho, nas plantações e na casa grande, lugares igualmente freqüentados pelas crianças que ajudavam em todos os tipos de trabalho. A inserção precoce de crianças no trabalho era estabelecida sem maiores questionamentos sobre os prejuízos ao seu desenvolvimento. A freqüente mortalidade de crianças era naturalizada numa sociedade que pouco valorizou a vida na escravidão. O interesse pela criança escravizada estava centrado no seu valor econômico, determinado pelas habilidades desenvolvidas, à medida que uma criança escrava já sabia executar tarefas domésticas como: lavar, passar, servir, além de outras tarefas como consertar sapatos, manejar com a madeira, pastorear, ou mesmo na lavoura, o seu preço no mercado se elevava. A partir dos quatro até os onze anos, a criança passaria a ter, de forma gradual, o tempo ocupado pelo trabalho. Aprendia a ter um ofício ao mesmo tempo em que aprendia a ser escravo. Neste contexto, a “pedagogia senhorial” tinha como atuação privilegiada o trabalho. “Assim é que, comparativamente ao que valia aos quatro anos de idade, por volta dos 11, chegava a valer até duas vezes mais. Aos 14 anos a freqüência de garotos desempenhando atividades, cumprindo tarefas e especializando-se em ocupações era a mesma dos escravos adultos. Os preços obedeciam a iguais movimentos.”33 33

GÓES, José Roberto de, FLORENTINO, Manolo. Op. Cit. p. 184-5.

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Neste modelo societário podemos visualizar três questões interessantes: a utilização de mão-de-obra escrava, uma educação fundamentada na informalidade e um descaso com a vida humana em si, por isso altíssimos eram os índices de mortalidade.34 A reprodução das condições de escravidão passava necessariamente por um controle estabelecido desde a infância, ou seja, toda a estrutura de um adulto escravo formavase em uma criança que havia sido escravizada. Geralmente todos os trabalhos pesados, sujos e penosos eram feitos pelos escravos, alguns trabalhos exigiam até o aprendizado de ofícios específicos e muitos se tornaram habilidosos nas suas atividades, condição que acentuava o valor na mercancia escravista do século XIX. Por outro lado, a educação não era acessível, uma vez que inexistia para a criança escrava qualquer tipo de instrução, de modo que suas habilidades intelectuais não eram estimuladas. Eram os escravos mantidos numa espécie de eterna infância, pois o despontar para a vida, a sua conscientização, poderia ser muito perigosa para o sistema. No entanto, ainda durante a escravidão continuam surgindo novas instituições de atenção à infância. Em 1855, no Maranhão, foi criada a Casa dos Educandos Artífices; em 1861, no Rio de Janeiro, o Instituto dos Menores Artesãos; em 1882, em Niterói, funda-se o Asilo para a Infância Desvalida. Também a partir de 1860 foram criadas Colônias Agrícolas orphanologicas, as quais seguiram os modelos da Fran34

LEITE, Miriam L. Moreira. Op. Cit. p. 22-3.

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ça (Colônia de Mettray) ou da Inglaterra (Colônia Red Hill), em São Luís do Maranhão (1888); na Bahia, Fortaleza e Recife. 35 A ideologia do trabalho como elemento fundamental de uma sociedade associa-se, no Brasil, ao período de transição do trabalho escravocrata para o livre, isto por volta da metade do século XIX. O que equivale afirmarmos que o trabalho escravo, com o fim do sistema escravagista, foi transformado em trabalhador livre, no entanto, continuaria sendo a figura chave do mercado capitalista em que o trabalho constituía-se assalariado.36 Portanto, a transição da escravidão para o trabalho livre não viria significar a abolição da exploração das crianças brasileiras no trabalho, mas substituir um sistema por outro considerado mais legítimo e adequado aos princípios norteadores da chamada modernidade industrial. O trabalho precoce continuará como instrumento de controle social da infância e de reprodução social das classes, surgindo, a partir daí, outras instituições fundadas em novos discursos.

1.7 Os aprendizes e marinheiros: trabalho e disciplina militar Como já foi exposto, o trabalho nas embarcações nunca foi novidade no Brasil, desde a invasão portuguesa com os grumetes e pagens a prática fora habitual. No entanto, a 35 36

MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 75.

RIZZINI, Irene, RIZZINI, Irma, HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. A criança e o adolescente no mundo do trabalho. Rio de Janeiro: USU/Amais, 1996. p. 30.

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idéia de aprendizagem e a figura do aprendiz remanescentes da Idade Média da Europa serão incorporados na realidade brasileira como alternativa para a consolidação de uma estrutura militar nacional articulada com a experiência inicial de assistência brasileira. A aprendizagem já era realizada nas Rodas dos Expostos quando as famílias buscavam crianças para trabalharem como aprendizes. Os meninos geralmente aprendiam profissões como ferreiro, sapateiro, caixeiro, balconista, tais como as corporações medievais de ofício realizavam e para as meninas era reservado o serviço doméstico. As Companhias de Aprendizes Marinheiros ou Aprendizes do Arsenal de Guerra foram constituídas a partir da profissionalização das crianças, especialmente aquelas oriundas de famílias de pequenas posses e, principalmente, dos abandonados e desvalidos. Na época inserir o menino nas Companhias de Aprendizes era uma possibilidade de garantir ao Estado o trabalho disciplinar controlado pela rígida estrutura hierárquica militar. Como continuidade da prática de utilização de crianças nos navios, além das Companhias de Aprendizes, muitos também trabalhavam em navios mercantes, geralmente sem qualquer tipo de preparação ou formação em ofício. No entanto, as Companhias foram a principal inovação reproduzida da cultura européia e, extremamente valorizada pelas elites militares, políticas e econômicas como estratégia de controle social durante o império.

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O desejo de transformação sistemática dos meninos abandonados se fazia através da prática disciplinar, mas pouco sucesso teve em provocar mudanças estruturais ao longo do tempo. Os meninos com idades geralmente entre dez e dezessete anos, cidadãos brasileiros, eram recrutados e muitas vezes, deslocados para longe de sua família e comunidade. Ainda assim, muitos registros apontam a presença de meninos com menos de dez anos participando das ações militares, como por exemplo, aqueles que serviram na Guerra do Paraguai. Da mesma forma, que havia estímulo às famílias de grumetes no período colonial, o Brasil imperial também recompensava financeiramente as famílias, o que poderia aos pais parecer um bom negócio, pois os pequenos teriam também uma oportunidade de acesso ao ensino gratuito nas instituições militares. Neste período, de acordo com Miriam L. Moreira Leite, “tendo em mente que a infância não é uma fase biológica da vida, mas uma construção cultural e histórica, compreende-se que as abstrações numéricas não podem dar contar de sua variabilidade. Dos 8 aos 12 anos, os meninos são considerados adultos-aprendizes e vestem-se (de acordo com a camada social) como tais.”37 O recrutamento forçado operou como estratégia necessária ao controle da infância no século XIX. Isso foi possível em função de toda uma estratégia montada, na qual a política tinha um papel de extrema relevância.38 37

LEITE, Miriam L. Moreira. Op. Cit. p. 19.

38

VENÂNCIO, Renato Pinto. Op. Cit. p. 204.

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O recrutamento através das ações policiais e das oficinas de aprendizes artífices foi um instrumento importante para classificação e escolha do perfil infantil que se deseja incorporar ao sistema. Ao final, encontrava-se uma farta fonte de mão-de-obra barata e, muitas vezes, gratuita que se dedicava aos mais variados todos os tipos de serviço, tais como a limpeza das embarcações até os desejos de conforto dos oficiais, da mesma forma que no período colonial. A guerra foi o caminho traçado aos meninos empobrecidos no século XIX. Garotos eram recolhidos das ruas, ou praticamente retirados de suas famílias para serem submetidos ao perigo das batalhas, como, por exemplo, a guerra contra o Paraguai.39 Havia interesse especial no trabalho das crianças, uma vez que a construção de embarcações tornava imperiosa a presença de um grande número de trabalhadores, especializados ou não. O que forçava a instalação de oficinas para crianças expostas a fim de iniciá-las em ofício de marceneiro, entre outros. Além do que, no interior do estaleiro, a criança convivia com adultos: presos, escravos, degredados.40 Portanto já no século XIX, a aprendizagem consolida-se como instituto voltado à inserção precoce de crianças empobrecidas no trabalho, submetendo os pequenos marinheiros as mais variadas condições de perigo, insalubridade e penosidade, mascarada pelo discurso moralizador do trabalho. 39

VENÂNCIO, Renato Pinto. Op. Cit. p. 208.

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MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 74.

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1.8 O recrutamento infantil pelas fábricas O início da primeira experiência de industrialização no Brasil, ainda no século XIX, articulada com a suposta abolição da escravatura irá conduzir contingente significativo de crianças as fábricas, agora sob o discurso que o trabalho da criança ajuda a família. No século XIX, portanto, era comum o emprego de mãode-obra infantil, sob a justificativa que somente o trabalho moldaria o caráter da criança. E assim, o sentido da infância foi realmente consumido em muitas fábricas, minas e lavouras.41 Ao final do século XIX, com o início do nosso processo de industrialização, tivemos a entrada de um número significativo de imigrantes. Neste período, configura-se uma nova imagem: de crianças nas fábricas. Estas crianças substituíam por um baixíssimo custo o trabalho dos escravos. 42 Esta situação provocava uma vitimização da infância nos acidentes de trabalho, em razão de estarem realizando tarefas totalmente inadequadas para a sua idade, das próprias instalações da fábrica que eram precárias, sem segurança alguma, tornando impróprias tais funções.43 Ao passo que as crianças eram exploradas nas fábricas, 41

RIZZINI, Irene, RIZZINI, Irma, HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. Op. Cit. p. 31.

42

PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 13. Na mesma passagem, exemplo interessante da exploração do trabalho no início do processo de industrialização: “[...] os pequenos imigrantes passavam 11 horas frente às máquinas de tecelagem, tendo apenas vinte minutos de ‘descanso’.” 43 MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Crianças operárias na recém-industrializada São Paulo. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 260.

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ao mesmo tempo instalava-se um sistema educacional no Brasil, voltado especialmente às elites em ascensão. A implantação da indústria e sua expansão cooptaram a mão-de-obra infanto-juvenil, fenômeno este que não ocorreu apenas no Brasil, como também em outros países. Em meados da década de 1870, multiplicaram-se na imprensa de São Paulo anúncios que solicitavam o trabalho de crianças e adolescentes nas fábricas, em especial, no setor têxtil.44 Interessante, neste processo de “surto industrial” é o fato que a partir deste momento a infância tornava-se “visível”, uma vez que exposta em um ambiente que não é o domiciliar. As condições de trabalho nas quais foram submetidas essas crianças nessa época eram realmente desumanas, pois além de uma jornada estafante de trabalho muito além das capacidades físicas de um adulto, as crianças eram submetidas, já desde cedo, à convivência com locais insalubres e perigosos, que muitas vezes abreviavam a própria vida. Essas duras condições serviram como alerta para a necessidade de disciplinamento jurídico do trabalho infantil. Segundo Irma Rizzini, muitas casas (asilos) de caridade foram transformadas em escolas profissionais, patronatos agrícolas e institutos. São fundadas instituições – por industriais – que tinham por objetivo preparar uma mão-deobra a ser ocupada na produção artesanal e fabril. “Foi o caso do Seminário dos Meninos, que em 1874 tornou-se o Instituto de Educandos Artífices, em São Paulo, oferecendo 44

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 262.

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ensino profissional para alfaiates, marceneiros, serralheiros e seleiros.”45 O trabalho infantil evidentemente será reforçado pela ideologia do trabalho moralizador, necessário a subsistência e que, supostamente manteria as crianças afastadas dos vícios e da criminalidade presente em uma sociedade em mudança. O próprio surgimento de um novo Código Penal (o primeiro da República), de 1890, o qual criminalizava a “vadiagem”, explicitava a ideologia que valorizava o trabalho. Ao analisarmos a sociedade brasileira neste período, constatamos que o descaso do Estado para com a educação pública está diretamente associado à ideologia que considerava o trabalho como suporte dignificador das classes pobres. A maciça inserção de crianças nas fábricas e as degradantes condições de trabalho provocaram a edição da primeira norma brasileira a determinar um limite de idade mínima para o trabalho ainda no século XIX. A primeira norma brasileira a determinar o limite de idade mínima para o trabalho foi o Decreto 1.313, de 17 de janeiro de 1891, que fixou o limite em doze anos, mas que nunca foi regulamentado. Segundo Oris de Oliveira, a primeira lei que disciplinou a matéria do trabalho infantil, na Capital Federal, estabeleceu o limite mínimo de doze anos, “salvo a título de aprendizado, nas fábricas de tecidos as que se acharem compreendidas 45 RIZZINI, Irma. Pequenos trabalhadores do Brasil. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 378-379. Descreve Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura que “...em 1890, segundo a Repartição de Estatística e Arquivo do Estado, aproximadamente 15% do total da mão-de-obra absorvida em estabelecimentos industriais da cidade eram crianças e adolescentes.” (MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 262.)

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entre aquela idade e a de oito anos incompletos. Esta exceção infirmou todo o alcance da norma geral porque o ramo industrial têxtil, era, de longe, o mais numeroso na Capital da República e em todo o Brasil no final do século XIX”.46 Ora, se existiu a necessidade de uma legislação específica regulando o trabalho infanto-juvenil, esta, evidentemente, resultou da mobilização social e política constituída a partir da verificação quanto à violação da integridade das crianças e adolescentes no decorrer da história. A formulação de uma legislação de cunho predominantemente protetor, estava atenta a garantia da integridade física do trabalhador de modo que fosse suficiente para reproduzir novos trabalhadores operários. A preservação da saúde e higiene decorre especialmente da preocupação de médicos e educadores influenciados pelos ideais higienistas europeus. Após o início do primeiro processo de industrialização no Brasil, a exploração do trabalho infantil começou a provocar o interesse e a preocupação das autoridades públicas, que percebiam as péssimas condições de trabalho das crianças nas fábricas, temiam que dentro de pouco tempo, o próprio sistema capitalista que se instalava poderia ser comprometido. Neste momento, diversas iniciativas surgiram, em busca de um disciplinamento jurídico que possibilitasse a determinação dos primeiros limites de idade mínima para o trabalho. Essas iniciativas iniciaram nos países europeus du46

OLIVEIRA, Oris de. O trabalho da criança, Cit. 1994. p. 64.

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rante transição para o século XIX, simultaneamente ao processo de industrialização, momento este em que se delineava o próprio direito do trabalho. O surgimento dos movimentos operários em virtude das aviltantes e desumanas condições a que eram submetidos os trabalhadores no início do novo modelo econômico de produção irá produzir mudanças importantes como experiências iniciais de controle dos abusos contra os trabalhadores no século XIX. Neste contexto, a dura realidade da exploração das crianças, que assolava a Europa do século XIX, proporcionou que a França em 1841 proibisse o trabalho para menores de oito anos e limitasse em 12 horas o trabalho para menores de doze anos. Seguindo o exemplo, a Áustria adotou uma lei em 1855 e a Suíça editou uma disciplina específica em 1877. Igualmente, em 1882, a Rússia expediu sua primeira lei de proteção e a Bélgica adotou, em 1888, um conjunto de medidas protetoras ao menor trabalhador. Em 1891, Portugal proíbe o trabalho infantil e a Alemanha adota o seu Código Industrial que, igualmente, prevê proteção às crianças envolvidas em atividade laboral.47 No entanto, no Brasil as mudanças ainda serão sentidas posteriormente. A proclamação da República trará um novo olhar em torno da infância, mas a efetiva proteção jurídica contra a exploração no trabalho ainda percorreria algumas décadas para ser consolidada apenas no final do século XX. 47 COLOMBO FILHO, Cássio. Algumas considerações sobre o trabalho de crianças e adolescentes. In: Revista TRT 9a. Região. Curitiba: TRT, v. 28, 1993, p. 109.

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1.9 A república e as primeiras décadas no novo século XX A construção de um estado nacional embasado nos novos princípios republicanos, os ideais positivistas de ordem e progresso, a especialização de uma perspectiva de ciência promovida pelo movimento higienista, a organização do movimento sindical e de uma política internacional de proteção aos trabalhadores são apenas alguns aspectos da nova sociedade que seria desenhada na passagem do século XIX para o século XX no Brasil. O término do sistema escravocrata e o início da República exige a construção de uma nova identidade nacional. Sob a égide das teorias positivistas, tinha a elite brasileira de igualar o nosso país às nações européias. Isto posto, o assistencialismo filantrópico particular ou a caridade provinda das ordens religiosas já se revelavam insuficientes para um período marcado por profundas mutações. Tornava-se imperiosa a ação estatal. De acordo com Cleverton Elias Vieira, “Neste processo de publicização do atendimento à população infanto-juvenil carente, foi determinante a junção da mentalidade higienista que defendia medidas profiláticas para enfrentar as mazelas sociais com os ideais positivistas de progresso.”48 Assim, de um certo modo, a República provocou uma resignificação da infância, uma vez que no ideário republicano, estaria na criança a renovação social. 48 VIERA, Cleverton Elias; VERONESE, Josiane Rose Petry. Limites na educação: sob a perspectiva da Doutrina da Proteção Integral, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 19.

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Inicia-se um período de regulação do espaço e das relações urbanas. Em 1894, o Decreto Estadual n.º 233 estabelece em 12 anos o limite para o início em atividades laborais nas fábricas e oficinas; no entanto, as autoridades competentes poderiam fazer certas exceções, em atividades acessíveis para crianças de 10 a 12 anos de idade. 49 As mobilizações em defesa dos direitos dos trabalhadores já começavam a incorporar a defesa das crianças exploradas no trabalho. Por ocasião das festividades do Dia do Trabalho, em maio de 1898, o trabalhadores reivindicavam: proibição do trabalho para os menores de 14 anos; de todo trabalho noturno, independente da questão da idade, e até mesmo para os adultos naquilo que fosse possível, e que dever-se-ia dispensar um cuidado especial até os 16 anos de idade.50 Se por um lado surge a preocupação contra a exploração do trabalho infantil, por outro começa se estabelecer o discurso da profissionalização.51 A infância passa a ter uma importância especial no olhar da nova república, instala-se uma política jurídica associada a uma higienista, que tinha por objetivo a formação tanto de trabalhadores quanto de cidadãos sadios.52 49

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 272. Nesta época, segundo Irma Rizzini, “levantamentos estatísticos realizados pelo Departamento Estadual de Trabalho de São Paulo a partir de 1894 demonstram que a indústria têxtil foi a que mais recorreu ao trabalho de menores e mulheres no processo de industrialização do país. Em 1894, 25% do operariado proveniente de quatro estabelecimentos têxteis da capital eram compostos por menores.” (RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 377.) 50

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 279.

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RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 379. Na passagem, a autora anota que “em 1899 é criado o Instituto Professora Orsina da Fonseca para o preparo profissional de operárias, de oito a 18 anos.” 52

ABREU, Martha. Op. Cit. p. 290.

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Com a passagem do século XIX para o XX, os jornais paulistanos registravam as reivindicações do operariado, sensível, sobretudo, à situação da infância explorada nas fábricas. A imprensa, em especial a que era escrita pela classe operária, denunciava as condições precárias, desumanas a que eram submetidos os trabalhadores nas oficinas e fábricas, as quais se assemelhavam ao cativeiro dos escravos. “O passado de senhores e escravos de alguns empresários industriais era lembrado e mestres e contramestres configuravam a versão moderna dos antigos feitores.”53 Já no início do século XX, surgiu uma nova forma de filantropia, não mais a do modelo caritativo, mas uma baseada na ciência, portanto, em consonância com a nova realidade que também despontava no sistema social, político e econômico. A ciência, deste modo, passou a desempenhar papel importante no novo cenário social brasileiro. Sob a égide positivista, os indivíduos eram classificados, tipificados, segundo uma base tida por científica, uma vez que embasada em observações e experimentos, procurava-se fazer uma leitura dos corpos e, assim, classificá-los como normais, anormais e degenerados. “Era classificar o tipo segundo divisões inscritas na natureza, que repartiam e hierarquizavam a humanidade. E era – ao que indica a recorrência da tópica da degeneração – operar com parâmetros postos pelas teorias raciais que, desde finais do século anterior, vinhamse constituindo na linguagem principal dos intelectuais bra53

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 279.

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sileiros, no seu afã de pensar as possibilidades de progresso para o país e legitimar as hierarquias sociais.”54 É a partir desta perspectiva que as primeiras décadas do século XX registram o surgimento de instituições, como é o caso do Instituto Disciplinar, fundado em 1902, o qual defendia a concepção de que ao institucionalizar tinha-se a possibilidade de “regenerar por meio do trabalho e para o trabalho a infância e a adolescência que a pobreza estrutural, matriz do abandono, legava à convivência das ruas.”55 O Instituto Disciplinar com sua pedagogia do trabalho será o avesso das reivindicações dos trabalhadores por garantias contra a exploração de crianças nas fábricas. Na realidade, a prática da institucionalização nunca foi novidade no Brasil, pois em São Paulo, por exemplo, já no século XIX, havia uma série de institutos privados de recolhimento de infratores, fundados por ordens religiosas ou pela filantropia ligada à indústria e ao comércio, como o Lyceu do Sagrado Coração de Jesus, o Abrigo de Santa Maria, o Instituto D. Ana Rosa e o Instituto D. Escholastica Rosa, da cidade de Santos. Estes institutos, em regra, tinham por enfoque o ensino profissional dos filhos de comerciantes e operários.56 54 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez/USF, 1999. p. 275. 55

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 277. E ainda: “são comuns nas décadas iniciais deste século, as referências à necessidade de aumentar a capacidade do instituto – que só recebia menores da capital – de estabelecer similares nas cidades do interior, bem como de enfrentar a questão pelo prisma das meninas e adolescentes do sexo feminino, a cujo respeito o Estado mantinha-se omisso.” (MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 278.) 56 SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Criança e criminalidade no início do século. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. p. 222.

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Mas a República traz uma nova justificativa para a institucionalização o combate à ociosidade e a criminalidade como duas faces da mesma realidade, controlados especialmente pelas instâncias do poder judiciário, uma vez que a internação de jovens nos institutos disciplinares tinha por fundamento uma sentença judicial, a qual determinava, inclusive, o tempo de permanência na instituição. A base positivista destas casas determinava que o trabalho, o combate ao ócio seriam as fórmulas da regeneração. Registra Marco Antonio Cabral dos Santos que a rotina dos internos era toda cercada de um complexo de atividades, estabelecidas com rigorosa disciplina: o horário de acordar era às cinco e meia da manhã e, mesmo no inverno, era obrigatório tomar um banho frio e ir para o trabalho, cuja jornada era das seis da manhã às cinco e meia da tarde. No verão, acordavam ainda mais cedo – às cinco horas – e trabalhavam até às cinco horas da tarde. Durante tal jornada estavam incluídas as horas que seriam ocupadas com as aulas e com o descanso após as refeições. Não havia nos regulamentos nenhuma previsão para o lazer, “o que era causa de constantes protestos e conseqüentes punições. As brincadeiras e jogos não eram tolerados, o que impelia os menores a praticá-los às escondidas, mesmo durante o regime de trabalho.”57 A legitimação dos interesses capitalistas pela exploração do trabalho infantil passou a ser realizada pela perspectiva do combate à criminalidade utilizando-se o conceito da ca57

SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Op. Cit. p. 226.

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pacidade de discernimento e de trabalho para o traço da política criminal. No Brasil, desde 1830, com o Código Criminal do Império, os menores de quatorze anos não eram julgados como criminosos pelos atos que praticavam (art. 10, § 1º). Se fosse provado que os que infringiam as normas penais com idade inferior a quatorze anos apresentavam discernimento sobre os crimes praticados, estes eram recolhidos às Casas de Correção, pelo tempo que o juiz entendesse, contanto que tal recolhimento não excedesse os dezessete anos de idade (art. 13). Na realidade, o que temos neste contexto trata-se de uma imputação, só que diferenciada, assim, já podemos visualizar aí os germes originários do menorismo O primeiro Código Penal da República de 1890, foi ainda mais severo, pois ao tratar da responsabilidade criminal, dispôs no art. 27 que os menores de nove anos completos não seriam criminosos, como também, os maiores de nove e menores de quatorze anos, que tivessem agido sem discernimento. Se os de idade entre nove e quatorze anos tivessem praticado atos compreendidos como delituosos com discernimento, seriam recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que o juiz julgasse conveniente, desde que não excedesse os dezessete anos de idade (art. 30). Este mesmo Código considerava a menoridade como circunstância atenuante, nas hipóteses de ter o agente idade inferior a vinte e um anos (art. 42, §11). O Código Penal da República previa o crime de vadiagem, principal argumento para as estratégias de controle

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social da infância. “As ruas da cidade, repletas de trabalhadores rejeitados pelo mercado formal de mão-de-obra e ocupados com atividades informais, era palco de inúmeras prisões motivadas pelo simples fato de as ‘vítimas’ não conseguirem comprovar, perante a autoridade policial, sua ocupação.”58 Enquanto a política criminal, institucionalizava a infância, o movimento dos trabalhadores continuava a denunciar a exploração e reivindicar uma proteção mínima, como redução da jornada de trabalho; aumento salarial, sendo que esta última reivindicação tinha por objetivo possibilitar aos filhos instrução e, conseqüentemente, ascensão social. Reforçava-se neste período toda uma crítica à exploração da mão-de-obra infanto-juvenil nas fábricas. Esta crítica, que se manifestava na imprensa paulistana, tinha como alvo não apenas o empresário, mas também o serviço sanitário, uma vez que era este que deveria fiscalizar. Ainda neste contexto, também os pais foram submetidos a duras críticas, sob o argumento de que estariam explorando seus filhos. Mesmo que na grande maioria dos casos o uso da mão-de-obra de infantes nas oficinas e fábricas tinha por causa principal a própria situação de miserabilidade do operariado num todo, alguns indivíduos apontavam que para além desta questão em si, associava-se a exploração dos filhos por parte de seus próprios pais.59 Merece referência a relação trabalho e criminalidade que 58

SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Op. Cit. p. 222.

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MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 281.

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passa a se constituir já no início do século XX. A idéia de correção associava-se à pedagogia do trabalho. Símbolo disto é a metáfora atribuída a Washington Luiz (então Secretário de Segurança Pública – 1906), para o qual: “questão social é uma questão de polícia.” 60 Se havia todo um discurso a favor do trabalho, a realidade apresentava um quadro nebuloso: as fábricas repletas de crianças e, fora delas, um número expressivo de adultos desocupados. As estatísticas apontavam que, no começo da década de 1910, nas fábricas têxteis da cidade de São Paulo, 30% das vagas eram ocupadas por infantes. O que dava a entender que não existia nenhum tipo de legislação que visasse proteger a pessoa do infante ou adolescente trabalhador. Mas isto não era verdade, o que não havia era um desejo que tal legislação fosse aplicada. “Os dispositivos que regulamentavam a atividade de crianças e adolescentes nas fábricas e oficinas estavam diluídos no conteúdo de um corpo legislativo mais amplo, os Códigos Sanitários do Estado e consistiam de fato, em medidas restritas.”61 Verifica-se que na década de 1910, do Decreto Estadual n.º 2.141/1911, Lei Estadual n.o 1596/1917, com o seu sancionamento em 1918, a legislação possibilita o trabalho noturno aos menores de 18 anos de idade. Sendo que o citado 60 SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Op. Cit. p. 222. “Em seu relatório de 1904, o chefe de polícia Antônio Godoy defendia: a pena específica da vagabundagem é incontestavelmente o trabalho coato. E é uma pena específica, porque realiza completamente as duas funções que lhe incumbem; tem eficácia intimidativa, porque o vagabundo prefere o trabalho à fome; tem o poder regenerativo, porque submetido ao regime das colônias agrícolas ou das oficinas, os vagabundos corrigíveis aprendem a conhecer e a prezar as vantagens do trabalho voluntariamente aceito.” (SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Op. Cit. p. 228.) 61

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 271.

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Decreto Estadual n.º 2.141, estabelecia em 10 anos o limite mínimo para ingresso no trabalho; no entanto, entre os 10 e os 12 anos, a criança poderia executar somente serviços leves.62 Irma Rizzini indica que “em 1912, de 9.216 empregados em estabelecimentos têxteis na cidade de São Paulo, 371 tinham menos de 12 anos e 2.564 tinham de 12 a 16 anos. Os operários de 16 a 18 anos eram contabilizados como adultos. Do número total de empregados, 6.679 eram do sexo feminino.”63 Ao analisarmos o período histórico da República Velha, constatamos que o trabalho realizado por crianças e adolescentes constituiu uma imagem fiel do baixo nível econômico das famílias pertencentes à classe operária, que viviam com salários irrisórios num contexto de vida com custos altíssimos. O quadro geral era de uma odiosa exploração: os salários do trabalhador adulto do sexo masculino eram comprimidos; exploração do trabalho feminino e o valor da mão-de-obra das meninas e adolescentes era ainda mais reduzido, o que demonstra claramente uma dupla discriminação, isto é, de idade e de sexo. Enfim, este quadro era uma resultante do objetivo do empresariado em manter a produção com custos baixos.64 Ainda no início do século XX , ocorreram outras tentativas com vistas à regulamentação do trabalho infantil, como o Projeto Parlamentar no. 4-A, de 1912; o Decreto Municipal 62

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 272.

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RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 377.

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MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 262.

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no. 1.801, de 1917, que tentavam regulamentar, na cidade do Rio de Janeiro, o trabalho dos então designados menores, mas estas iniciativas resultaram, praticamente, infrutíferas.65 Registra Marta Maria Chagas de Carvalho que sob o impacto do movimento operário e greves, ao final da década de 1910, somado ao refluxo da imigração provocado pela Primeira Grande Guerra, cai por terra o mito da imigração. Tal fenômeno teve como efeito permitir que as populações, até então excluídas, fossem escolarizadas, como possibilidade de um efetivo progresso. “Não é outro sentido da ‘descoberta’ feita pelos entusiastas da educação na década de 1920: a de que a educação era o ‘grande problema nacional’ por sua capacidade de ‘regenerar’ as populações brasileiras, erradicando-lhes a doença e incutindo-lhes hábitos de trabalho.”66 No que se refere a uma maior proteção à criança contra a exploração no trabalho, somente em 1917 inicia-se um movimento que visa em particular esta questão. Por exemplo, em São Paulo, o Centro Libertário (ainda do movimento anarquista), criou o Comitê Popular de Agitação contra a Exploração dos Menores nas Fábricas. Fazendo uso de manifestações públicas contra tal exploração, como também defendendo o descumprimento das raras disposições legais sobre a questão. Também os pais eram “chamados” a se inscreverem na luta de forma a exigir melhores salários e condições de trabalho, de sorte a poder sustentar com dig65

MORAES, Antônio Carlos Flores de. Op. Cit. 1992, p. 230.

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CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Op. Cit. p. 283.

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nidade suas famílias, sem precisar explorar a mão-de-obra dos filhos.67 Já a partir de abril de 1917 a imprensa pouco noticiava as ações do comitê mencionado acima. De qualquer modo, toda a movimentação anarquista gerou um processo de insatisfação que se alastrava em São Paulo, a tal ponto que resultou na greve geral de julho quando, além das muitas reivindicações da classe operária, fazia-se presente uma que defendia como requisito para a admissão nas oficinas e fábricas fosse a idade mínima de 14 anos e que para os menores de 18 anos fosse proibido o trabalho noturno. Entre as denúncias levantadas, uma delas referia-se ao descumprimento das normas, como, por exemplo, do Decreto n.º 13.113, de 17 de janeiro de 1891, o qual proibira que crianças trabalhassem na faxina e nas máquinas em movimento. Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura registra já nesta época o discurso de que “‘o lugar desses menores é a escola’, argumentava Cazemiro da Rocha no ano de 1917, em sessão da Câmara dos Deputados em São Paulo.”68 Deste período, podemos apontar algumas normas que visavam à proteção contra a exploração do trabalho de crianças: 67 MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 282. Neste período, de acordo com Edson Passetti, “nos centros urbanos diversas e expressivas greves foram acontecendo em reivindicação de direitos trabalhistas até que em julho de 1917, eclodiu uma greve geral paralisando os setores industriais, comerciais e de transportes em São Paulo. A denúncia a respeito da exploração do trabalho infantil teve muita repercussão. O jornal A Plebe, de 9 de junho de 1917, no seu número 1, noticiou que o Comitê Popular de Agitação contra a Exploração de Menores tem promovido reuniões em vários bairros com o fim de organizar as ligas operárias que, dentro em breve, reconstruirão a união geral dos trabalhadores.” (PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 351.) 68

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 281.

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- Lei Estadual n.º 1.596, de 1917: fixa a jornada de trabalho em cinco horas diárias, para os trabalhadores na faixa etária de 12 a 15 anos; - Decreto Estadual n.º 233, de 1894: jornada de doze horas para o trabalhador adulto. Este decreto determinava intervalos para que o trabalhador fizesse as refeições e proibia para os meninos menores de 15 anos e para as meninas (também mulheres), com menos de 21 anos, o trabalho noturno além das nove horas; - Lei Estadual n.º 1.596, de 1917 e Decreto n.º 2.918, de 1918: exigiam a apresentação de certificado de presença anterior em escola primária e atestado médico de capacidade física. Além do que, de acordo com esses dispositivos, os menores que tivessem entre doze e quinze anos de idade não poderiam trabalhar em fábricas de bebidas alcoólicas (fermentadas ou destiladas), em estabelecimentos industriais insalubres ou perigosos, como também não podiam executar funções que resultassem em grande exaustão, riscos de acidentes, que exigissem conhecimento e atenção específicos e ainda os que fosse lesivos à sua formação moral.69 Embora as mobilizações de 1917 tenham surtido efeito com a aprovação de algumas legislações protetoras à infância, a efetividade ainda estava distante, tanto que em 1919 foi realizado um levantamento em 194 indústrias de São 69

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 272.

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Paulo, o qual verificou que 25% da mão-de-obra empregada era constituída por operários com idade inferior a de 18 anos, sendo que destes, mais da metade era empregada nas tecelagens.70 Edson Passetti destaca que ainda neste ano “o jornal A Plebe, em 10 de setembro de 1919, informou: a exploração dos menores nas bastilhas de trabalho desta capital constitui um dos crimes mais monstruosos e desumanos da burguesia protetora dos animais. [...] Basta permanecer na porta de qualquer fábrica, à hora de principiar ou de cerrar a laboração, para se constatar, que uma enorme legião de crianças, entre os nove e os 14 anos, se definha e atrofia, num esforço impróprio à sua idade, para enriquecer os industriais gananciosos, os capitalistas ladrões e bandoleiros. Em 1917, o que motivou precisamente a formidável agitação operária então verificada, foi a ignominosa e despudorada escravidão e exploração dos menores. Nessa época, a jornada de trabalho em vigor em todos os estabelecimentos manufatureiros era superior a doze horas. Os salários, com que se gratificava o sacrifício imposto a estas crianças, não ia além duns magros quatrocentos ou quinhentos reaes por dia. O rigor disciplinar, enfim tresandava bastante ao que é adotado nas casernas penitenciárias. Hodiernamente, as condições de trabalho para os menores pouco se modificaram. A jornada está, é certo, reduzida a oito horas para 70 RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 377. Em 1919, o Departamento Estadual de Trabalho de São Paulo indica que “considerado o total de trabalhadores absorvidos pelo setor têxtil no estado, 37% eram menores, sendo que, em relação aos estabelecimentos da capital, essa mão-de-obra era estimada em cerca de 40%.” (MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Op. Cit. p. 266.)

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muitas fábricas; os salários aumentaram em muito centro de trabalho, uns tristes reaes. Mas que importa isso? Os mestres, os encarregados, os diretores de fábricas, que para os filhos são todos blandícias e carinhos, para as crianças proletárias mostram-se uns verdadeiros carrascos. [...] Maltratam-se crianças com mais insensibilidade do que se espanca um animal. Edificante, não acham?”71 Também neste ano de 1919 foi instituído o Departamento da Criança no Brasil, que financiado pelo Estado, apurava um grande número de abusos do crescimento desordenado urbano-industrial que em jornadas superiores a 15 horas, explorava sobretudo mulheres e crianças.72 Ainda neste ano, faz-se necessário registrar, no plano internacional, a constituição pelo Tratado de Versalhes a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a finalidade de ser um organismo responsável pelo controle e emissão de normas internacionais determinando as garantias mínimas ao trabalhador. Entre seus principais objetivos estava a melhoria das condições de trabalho e a garantia dos trabalhadores menos protegidos e, principalmente, das crianças. Já no seu ano de constituição a OIT emitiu as Convenções de no. 5, fixando a idade mínima para o trabalho nas indústrias em 14 anos, e de no. 6, que proibiu o trabalho noturno nas indústrias para os menores de dezoito anos; mas o Brasil só depositaria os instrumentos de ratificação em 26 de 71 72

PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 352-3.

PINTO, Fábio Machado. Pequenos Trabalhadores: sobre a educação física, a infância empobrecida e o lúdico numa perspectiva histórica e social. Florianópolis: Gráfica UFSC, 1995, p. 43-4.

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abril de 1934, através do Decreto no 423, que foi publicado mais de um ano depois, em 12 de novembro de 1935. A preocupação com o estabelecimento de limites de idade mínima para o trabalho desde o final do século XIX no Brasil tem a sua importância, pois segundo Oris de Oliveira “fixa-se a idade mínima porque o trabalho prematuro compromete o desenvolvimento físico e psíquico, por sujeitar a criança ou o adolescente a esforços desmedidos e perigosos [...]e por provocar um amadurecimento psicológico forçado, como bem o demonstra estudo da Organização Mundial da Saúde.”73 Nestes movimentos, percebe-se que a partir dos anos 20 se estabelece uma transformação, ainda que sutil, no discurso pedagógico. Os discursos passam a contemplar a educabilidade da criança e as especificidade da natureza infantil. Segundo Marta Maria Chagas de Carvalho, “as figuras da deformação, que assombravam a produção discursiva anterior e que traziam a detecção e controle da anormalidade para o âmago da pedagogia, são como que gradativamente expelidas do campo pedagógico e produzidas como tema e objeto de intervenção de outros saberes e poderes.”74 O cenário brasileiro que se constitui a partir de 1920 passa por transformações significativas em termos de uma nova percepção sobre o problema:

73 OLIVEIRA, Oris de. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. In: CURY, Munir et alii. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. 2a. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 182. 74

CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Op. Cit. p. 280.

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1 – Um movimento encabeçado por médicos e higienistas; 2 – Setores da intelectualidade nacional lideravam um movimento a favor da “causa educacional”; 3 – Surgimento das colônias e patronatos agrícolas, o que permitia uma “limpeza” das ruas, pois as crianças eram recolhidas e nestes locais seriam preparadas para as atividades rurais. A educação popular se assentava no seguinte tripé: campanha educacional, saúde, moral e trabalho. Assim, o trabalho se apresenta como método capaz de determinar hábitos saudáveis. Portanto, o trabalho continuaria a ser a alternativa domesticadora das crianças empobrecidas. Neste cenário as crianças continuavam sendo excluídas do mundo da educação, servindo como mão-de-obra substitutiva do imigrante. A projeção do trabalho como alternativa para a infância continua a ter um aspecto de larga abrangência, envolvendo também o trabalho doméstico e a exploração sexual.75 Paradoxalmente neste mesmo período começava a ser sinalizado um novo caminho para a infância brasileira, uma vez que finda a Primeira Grande Guerra, desponta no cenário internacional, uma nova percepção sobre a infância. Cite75 RIZZINI, Irma. Op. Cit. p. 384. Segundo a autora, “nos processos do Juízo de Órfãos, no início do século, e do Juízo de Menores, a partir da década de 1920, era comum meninas serem tiradas dos asilos para trabalhar em casas de famílias. Era o sistema de soldada, onde a família se responsabilizava em vestir, alimentar e educar a criança em troca de seu trabalho, depositando uma pequena soma em uma caderneta de poupança em seu nome. Se por um lado, as meninas preferiam ir para as casas, porque queriam sair do asilo, as fugas eram comuns, devido aos maus-tratos, à exploração do seu trabalho e ao abuso sexual. Este sistema, administrado pelas fundações estaduais de bem-estar do menor e sob o novo nome de ‘colocação familiar’, foi mantido até os anos de 1980.”

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se, primeiramente a aprovação da Declaração dos Direitos da Criança, na Conferência de Genebra em 1924. No Brasil, sob a égide de Arthur Bernardes, o Estado articula tímidas políticas sociais, como a prevista pelo Decreto n.º 16.272, de 20 de dezembro de 1923, que regulamentava a proteção de menores abandonados e delinqüentes, que reconhecia “a situação de pobreza como geradora de crianças abandonadas e jovens delinqüentes.”76 Ainda, em 1923, o Governo de Arthur Bernardes, editará o Decreto no. 16.300 aprovando o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, que destinou o Capítulo VII ao tratamento do “trabalho de menores”. No entanto, entendemos que se encontra na omissão estatal em matéria de educação profissional nas décadas iniciais da República que o empresariado sustenta a razão de empregar como aprendizes um número relevante de crianças e adolescentes, sendo que o mais interessante é que mesmo sendo visível a exploração, esta escondia-se por detrás de uma cortina assistencialista. Em 1925, são editados a Lei no 2.059 criando o Juízo Privativo de Menores e o Decreto no 3.228 sobre Conselho de Assistência e Proteção do Menor pavimentando o caminho para a adoção de uma legislação capaz de controlar judicialmente a assistência da criança brasileira. No ano de 1926, a questão da criança trabalhadora permanecia em pauta, sendo editado o Decreto no. 5.083, de 1o de dezembro, que manteve a proibição de trabalho aos me76

PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 354.

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nores de doze anos e determinou uma série de limites ao trabalho de menores com idades inferiores aos quatorze anos, dentre esses aqueles realizados em usinas, manufaturas, estaleiros, minas ou qualquer outro tipo de trabalho subterrâneo, pedreiras, oficinas, em qualquer dependência sejam elas públicas ou privadas, de caráter profissional ou de beneficência. O referido Decreto proibiu, ainda, o trabalho aos menores de dezoito anos em serviços danosos à saúde, à vida, à moralidade ou excessivamente fatigantes ou que fossem excessivos às suas forças. No ano seguinte, o trabalho infantil seria objeto de atenção no novo Código de Menores.

1.10 O Código de Menores de 1927 e a ditadura no Brasil O Decreto no 17.934-A de 12 de outubro de 1927 estabeleceu o primeiro Código de Menores da República, elaborado por uma comissão de juristas liderados pelo então Juiz de Menores do Rio de Janeiro José Cândido de Mello Mattos. O novo Código símbolo da cultura menorista produzida desde o início do século regulou o trabalho de menores no capítulo IX, estabelecendo a idade mínima para o trabalho em doze anos, a proibição do trabalho nas minas e de trabalho noturno aos menores de dezoito anos e na praça pública aos menores de quatorze anos, dentre outras limitações. O Código de Menores de 1927 conseguiu corporificar leis e decretos que, desde 1902, propunham-se a aprovar um

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mecanismo legal que desse especial relevo à questão das crianças e adolescente brasileiros, denominados à época como menor. Alterou e substituiu concepções obsoletas como as de discernimento, culpabilidade, responsabilidade, disciplinando, ainda, que a assistência à infância deveria passar da esfera punitiva para a educacional. A preocupação com o desenvolvimento da criança foi elevada a tal grau de importância que a violação dos dispositivos de proteção e limites do trabalho do menor ocasionavam a imposição de multas e, havendo reincidência, até a imposição de prisão celular de oito dias a treze meses, conforme o art. 110 do novo Código. O Código de Menores de 1927 contemplava uma série de distorções: ao mesmo tempo em que proibia o trabalho de infantes de até 12 anos e a sua impunidade até os 14 anos, permitia que os adolescentes cuja idade estivesse entre os 14 e os 18 anos fossem internados em “estabelecimentos especiais”, levando esta categoria a uma espécie de “limbo legal”.77 O novo Código, já em seu art. 1o, definia que: “o menor, de um ou outro sexo, abandonado, ou delinqüente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código”. Constata-se que as medidas eram destinadas apenas àqueles que fossem abandonados ou delinqüentes e, assim, a atribuição do Estado seria a assistência e a proteção daqueles que assim se encontrassem. 77

CORRÊA, Mariza. Op. Cit. p. 79-80.

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O art. 26 do Código de Menores definia o conceito de menor abandonado que envolvia os menores de 18 anos, que entre outras características apontadas, seriam, segundo o inciso V, aqueles : “que se encontrem em estado habitual de vadiagem, mendicância ou libertinagem”. Sendo a vadiagem e a mendicância socialmente reprováveis, a resposta estatal era a assistência que, envolvia, também, a formação ou o desenvolvimento de atividade laboral. Havia, inclusive, o interesse na proteção dos jovens, por isso, o inciso VII, “c” do art. 26, também caracterizava como menores aqueles: “empregados em ocupações proibidas ou manifestamente contrárias à moral e aos bons costumes, ou que lhes ponham risco a vida e a saúde”. No mesmo sentido, o art. 28, fixava quem eram os menores vadios, entendidos como aqueles que: “vivem em casa dos pais ou tutor ou guarda, porém se mostram refratários a receber instrução ou entregar-se ao trabalho sério e útil, vagando habitualmente pelas ruas e logradouros públicos”. A responsabilidade dos pais, também, era ponto de preocupação do novo Código. O art. 34, inciso II, possibilitava a suspensão do pátrio poder, ao pai ou mãe: “que deixar o filho em estado de habitual vadiagem, mendicidade, libertinagem, ou tiver excitado, favorecido, produzido o estado em que se achar o filho, ou de qualquer modo tiver concorrido para a perversão deste ou para o tornar alcoólico”. Entre as medidas aplicáveis aos menores abandonados estavam a assistência e a institucionalização visando fornecer instrução, saúde, profissão, educação e vigilância. Con-

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forme o caso, a autoridade competente poderia determinar que o menor fosse entregue a pessoa idônea ou interná-lo em hospital, asilo, instituto de educação, oficina, escola de preservação ou de reforma. Desta forma, os primeiros trinta anos da República marcaram a concepção de que a criança pobre era a que se situava na nomenclatura abandonada e/ou perigosa, sendo firmado como função do Estado assisti-la. Neste contexto, o trabalho era compreendido como um remédio a livrar-lhe da delinqüência e da corrupção moral. Com a Revolução de 1930, há uma intensificação quanto à edição de legislações garantidoras dos direitos fundados na anterior regulamentação internacional do trabalho, elaborada durante os vários anos de atividade da OIT, resultando numa solidificação do tratamento destinado à idade mínima. Em relação a esse período, revela-se como ponto importante o Decreto n.º 22.042, de 1932, o qual determinava que a idade mínima para o trabalho industrial é de 14 anos. Também neste contexto histórico o discurso da educação passa a ter um certo lugar: fala-se em “educação integral”, esta teria por fundamento a saúde, a moral e o trabalho.78 No entanto, Edson Passetti destaca que “pretendendo domesticar as individualidades e garantindo com isso os preceitos de uma prevenção geral, os governos passaram a investir em educação, sob o controle do Estado, para criar cidadãos a reivindicar disciplinarmente segundo as 78

CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Op. Cit. p. 284.

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PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 355.

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expectativas de uma direção política cada vez mais centralizadora.”79 Sob esta ótica, surgiram muitas associações filantrópicas com vistas a amparar e assistir a infância desamparada. Como exemplo das iniciativas podemos citar a Liga das Senhoras Católicas, o Rothary Club e a Associação Pérola Bygthon.80 Em 1934, o Brasil adota uma nova Constituição de profundo conteúdo social, que inauguraria a proteção constitucional contra a exploração do trabalho infanto-juvenil no Brasil, uma vez que determinava em seu art. 121, § 1o., alínea “d” a “proibição do trabalho a menores de quatorze anos; de trabalho noturno a menores de dezesseis; e em industrias insalubres, a menores de 18 anos...”. Previsão, por óbvio, decorrente da ratificação das convenções nos. 5 e 6 da OIT realizada no mesmo ano pelo governo brasileiro. A Constituição de 1934 também reconhece a instrução como direito de todos independentemente da condição social ou econômica elevando o direito à educação como uma categoria constitucional. O artigo 149 estabelecia: “a educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no país, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.”81 80

MARCILIO, Maria Luiza. Op. Cit. p. 76.

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PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 360.

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Em 1937, a Constituição do Estado Novo com todo seu caráter corporativista não trouxe alterações quanto ao limite de idade mínima para o trabalho, repetindo a redação da Constituição anterior, agora sob o art. 137, alínea “k”, mantendo a garantia social anterior. No campo da educação, a Constituição de 1937 revela a sua inspiração no fascismo italiano, determinando no art. 129: “à infância e a juventude, a que faltarem recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da nação, dos estados e dos municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.” Na área assistencial, em 1938 é criado o Serviço Social dos Menores. Já em 1940, o Brasil irá criar o Departamento Nacional da Criança vinculado ao Ministério da Educação com a finalidade de coordenar as atividades relativas à proteção à infância, a maternidade e à adolescência.82 Ainda sob vigência do Código de Mello Mattos, em 1941, o Decreto 3.779, criou o Serviço de Atendimento ao Menor (SAM) que visava amparar socialmente os menores desvalidos e infratores através de atendimento psicossocial prestados mediante a internação em instituições capazes de recuperar os jovens afastando-os de influências maléficas da sociedade. A implementação do SAM efetivou-se através de uma política nacional centralizadora, resultando num 82 ROSEMBERG, Fúlvia. A LBA, o Projeto Casulo e a Doutrina da Segurança Nacional. In: In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez/ USF, 1999. p. 144.

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modelo praticamente ineficaz e que, em 1964 foi substituído pela Política Nacional do Bem Estar do Menor. No plano internacional, em 1944, durante a realização de sua 26a. Conferência Internacional do Trabalho (CIT), a Organização Internacional do Trabalho adota a Declaração de Filadélfia que destacou, entre seus fins e objetivos, a proteção das crianças como elemento indispensável da justiça social. No ano seguinte acontecerá no México, a Conferência de Chapultepec, quando será adotada a Declaração de Princípios da América. O Brasil subscreve a convenção reiterando o compromisso de ratificar os princípios consagrados nas diversas Conferências Internacionais do Trabalho e expressam o desejo de que essas normas de direito social, inspiradas em elevadas razões de humanidade e Justiça, sejam incorporadas às legislações de todas as nações do continente. Era o novo clima da modernidade que se estabelecia no pós-guerra. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e da ditadura Vargas, a inspiração de um regime democrático estimulado pelos aliados ocidentais abre caminho para uma nova Constituição brasileira em 1946. Em seu artigo 166, a nova constituição reconhece que educação é direito de todos e será dada no lar e na escola, devendo inspirar os princípios e ideais de solidariedade humana. No entanto, a nova Constituição brasileira tratou de flexibilizar os dispositivos com relação à idade mínima para o trabalho ao conceder aos juízes de menores o poder de

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autorizar o trabalho abaixo do limite da idade mínima. Contudo, cumpre registrar que foi elevado, nesse momento, o limite de idade para o trabalho noturno de dezesseis para dezoito anos. Nesse sentido, o art. 157, X, determinou a: “proibição de trabalho a menores de quatorze anos, em indústrias insalubres, a mulheres e a menores de dezoito anos, e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, respeitadas em qualquer caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções admitidas pelo juiz competente.” A década de cinqüenta será um período de grande debate e reflexão, principalmente pela iniciativa dos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro que promoverão, quase anualmente, as Semanas de Estudos dos Problemas dos Menores, visando encontrar um caminho para a questão. Como resultado dos debates e mobilizações da década de cinqüenta os juízes apontam a necessidade de criar uma fundação nacional capaz de estabelecer a política para área. Resgatando princípios da doutrina da segurança nacional articulado entre a Escola Superior de Guerra do Brasil e o National College War dos Estados Unidos, o projeto foi enviado à Câmara dos Deputados no ano de 1961, sendo rejeitada. No entanto, com o golpe de Estado em 31 de março de 1964 a vida democrática no país seria mais uma vez interrompida pelo medo do perigo socialista e a doutrina da segurança nacional da Escola Superior de Guerra ganhará força para estabelecer o autoritarismo no Brasil.

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O assassinato violento do filho do Ministro da Justiça, Milton Campos, no mesmo ano, por adolescentes moradores nos morros no Rio de Janeiro, será a justificativa para o próprio ministro e juristas da área convencerem o Presidente General Castelo Branco a criar a fundação nacional. Desta forma, surge a Lei no 4513 de 01 de dezembro de 1964, instituindo a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM), que colocaria o problema do menor como assunto de Estado, adequando o problema social dos menores e adequando os princípios da Declaração dos Direitos da Criança de 1959 aos interesses do novo governo militar que tomava o poder; iniciar-se-ia uma nova orientação à infância desvalida com a implantação de uma “nova” política – PNBEM – Política Nacional de Bem-Estar do Menor, e a conseqüente instalação da FUNABEM e das FEBEMs (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) nos mais variados Estados. A partir do momento em que a questão da infância recebe o status de problema social, sobre ela recaem as determinações e preceitos da ideologia da segurança nacional. A PNBEM tem, deste modo, toda a sua estrutura autoritária resguardada pela ESG – Escola Superior de Guerra. Tal política, à medida em que se estruturou de forma autoritária e tendo por alvo atrelar e reprimir as organizações trabalhistas, fez com que a questão do “menor” ampliasse o espaço do “bem-estar” do Estado, o qual passou a atuar de modo controlador, reprimindo ou punindo condutas consideradas desajustadas.

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A PNBEM e, por conseguinte, a FUNABEM, serviram, efetivamente, como instrumentos de controle da sociedade civil. No panorama constitucional, a Constituição Federal de 1967, seguida pela Emenda Constitucional no 01, de 1969, ao instituir a assistência ao universo infanto-juvenil, não seguiu no todo as constituições precedentes, determinando duas modificações específicas. A primeira, referente à idade mínima para a iniciação ao trabalho, que passa a ser de 12 anos, e a segunda, instituindo o ensino obrigatório e gratuito nos estabelecimentos oficiais para as crianças de 7 a 14 anos de idade. A postura assumida pelo Estado brasileiro de permitir o trabalho de crianças de 12 anos, a partir de 1967, significou um retrocesso com relação às legislações da maioria dos países. Torna-se importante destacar que o rebaixamento não proporcionou qualquer conquista social em relação à elevação dos níveis de desenvolvimento humano, geração de emprego e renda ou na garantia dos direitos trabalhistas para os adolescentes com idades entre 12 e 14 anos, demonstrando, portanto, que a experiência prática da redução da idade mínima para o trabalho não consistiu numa medida salutar. No âmbito internacional, até o início da década de setenta, a determinação dos limites de idade mínima para o trabalho eram categorizadas, sendo prioritários, por óbvio, os setores nos quais se destacavam a periculosidade, a penosidade e a insalubridade, estando de qualquer forma a legis-

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lação brasileira bastante avançada em relação aos limites internacionais. Em 1967, com o endurecimento do regime militar, houve um efetivo retrocesso no que tange à idade mínima para o trabalho, esta redução para doze anos desconsiderou inclusive, os princípios protetivos adotados pela Organização Internacional do Trabalho, que em suas convenções e recomendações sempre indicou a persecução constante da elevação dos limites de idade mínima para o trabalho. No que diz respeito à Emenda Constitucional no 1, de 1969, esta não representou qualquer avanço em relação ao tema, pois preservou os limites reduzidos anteriormente no seu art. 165, X, fixando: “proibição do trabalho, em indústrias insalubres, a mulheres e menores de dezoito anos, de trabalho noturno a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de doze anos.” No ano de 1973, a Conferência Internacional do Trabalho (CIT) editou a Convenção no 138 com o objetivo de substituir as convenções editadas sobre idade mínima para a admissão em trabalho ou emprego, fixando-se limites únicos para o início do desenvolvimento de atividade laboral e que também obrigando os países membros a perseguir uma política nacional destinada a assegurar a efetiva abolição do trabalho infantil; além disso a estabelecer uma idade mínima para admissão a emprego ou trabalho e a elevar progressivamente esta idade a um limite compatível com o pleno desenvolvimento físico e mental da criança. No entanto, a valorização dos instrumentos fornecidos

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pelo novo tratado internacional não encontrou amparo em todos os países signatários da OIT, entre eles o Brasil, que não ratificou imediatamente a referida Convenção. A Convenção no 138 foi aprovada na 58a Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho e adotada no dia 26 de junho de1973. Considerando seu art. 12, item 2, que prevê sua entrada em vigor doze meses a partir da data de registro da ratificação da convenção por dois países-membros realizado pelo Diretor Geral da organização, a Convenção no 138 entrou em vigor em 19 de junho de 1976. Em 27 de setembro de 1973 foi submetida à análise da Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho, que por meio do Parecer n o 39, de autoria do Consultor Jurídico Marcelo Pimentel, que se posicionou contrário à ratificação da Convenção no 138, da Organização Internacional do Trabalho, sobre idade mínima para admissão no trabalho. Em 28 de agosto de 1974 foi enviado pelo Presidente Ernesto Geisel pedido de autorização para ratificação da Convenção no 138, da Organização Internacional do Trabalho, sobre idade mínima para o Trabalho ao Congresso Nacional, por intermédio de Projeto de Decreto Legislativo. Enquanto tramitava a Convenção Internacional que iria proteger as crianças e adolescentes contra a exploração no trabalho, vigorava no Brasil a Doutrina da Segurança Nacional fundamentada nos velhos princípios da disciplina, moralização e trabalho como elementos necessários à construção de uma nação que desejava alcançar o progresso.

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Experiências como o Projeto Casulo, a Política Nacional de Bem Estar do Menor e outras iniciativas voltadas ao controle, vigilância e repressão das classes populares brasileiras multiplicavam-se sob o controle centralizado dos militares e da tecnoburocracia estatal, práticas que serão consolidadas no Código de Menores de 1979. É de se destacar que, segundo Edson Passetti “desde o Código de Menores de 1927 até a Política Nacional do BemEstar do Menor que ficou consagrada no Código de Menores de 1979 (Lei federal no 6.697, de 10 outubro de 1979), foram mais de sessenta anos usando da prática de internação para crianças e jovens, independentemente de trata-se de regime político democrático ou autoritário.”83 O Código de Menores de 1979 será a perfeita formatação jurídica da Doutrina da Situação Irregular constituída a partir da Política Nacional do Bem-Estar do Menor adotada em 1964. Trouxe a concepção biopsicossocial do abandono e da infração, fortaleceu as desigualdades, o estigma e a discriminação dos meninos e meninas pobres tratandoos como menores em situação irregular e ressaltou a cultura do trabalho legitimando toda ordem de exploração contra crianças e adolescentes.

1.11 A transição dos anos 80 e as novas conquistas A partir de 1980 a situação da infância no Brasil passou a ser motivo de atenção maior não só do Estado mas também 83

PASSETTI, Edson. Op. Cit. p. 358.

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da sociedade que se organizava e exigia transformações de modo a atender as urgentes necessidades. Foi a partir da organização dos vários movimentos sociais, como o Movimento de Defesa do Menor, o Movimento Criança Constituinte, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e a Pastoral do Menor, apenas para citar alguns, que a Constituição Federal de 1988 incorporará uma série de garantias destinadas a crianças e adolescentes. No que se refere à legislação internacional, é de se destacar que em 28 de março de 1986, a Câmara dos Deputados, aprovou o pedido de autorização para ratificação da Convenção no 138, da Organização Internacional do Trabalho sobre idade mínima para o trabalho que tramitava naquela casa desde 1974, mas ainda não seria nesta oportunidade que o instrumento seria efetivamente adotado pelo Brasil. Sobre esta década de profundas mudanças, Mary Del Priore traz importante reflexão: “O que restou da voz dos pequenos? O desenho das fardas com que lutaram contra o inimigo, carregando pólvora para as canhoneiras brasileiras na Guerra do Paraguai; as fotografias tiradas quando da passagem de um ‘photographo’ pelas extensas fazendas de café; o registro de suas brincadeiras, severamente punidas, entre as máquinas de tecelagem; as fugas da Febem. Não há contudo, dúvida de que foi, muitas vezes, o ‘o não registrado’ mal-estar das crianças ante aos adultos que obrigou os últimos a repensar suas relações de responsabilidade para com a infância, dando origem a uma nova consciência sobre os pequenos, que se não é, hoje,

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generalizada, já mobiliza grandes parcelas da população brasileira.”84 Toda a mobilização promovida ao longo da década de 80 irá garantir os novos fundamentos e direitos à infância e a adolescência brasileira, superando os velhos estigmas e contradições do menorismo. A Constituição Federal de 1988, incorpora toda uma luta pelos Direitos da Criança, seja na órbita internacional – de declarações, tratados, convenções, seja na órbita interna, por meio de um processo legislativo que se ocupou da questão da infância e adolescência, situando-a como sujeito de direitos. Com a nova Constituição Federal e a Lei 8.069/90 as crianças e adolescentes passaram a dispor de um conjunto de normas protetivas em função de sua condição especial de pessoa em desenvolvimento. O art. 227 da Constituição Federal dispõe como “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A garantia desse complexo conjunto de direitos regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que instituiu mecanismos eficazes para a implementação das políticas públicas necessárias à sua efetivação. Vale salientar que os direitos infanto-juvenis garantidos na constitui84

PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 14.

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ção recebem um tratamento diferenciado e especial, pois dispõem da primazia de absoluta prioridade, ou seja, significa que a efetivação desses direitos mediante a formulação e execução de políticas públicas devem ser sobrepostos a todas as demais políticas a serem executadas. A promulgação desta nova Constituição democrática, estabeleceu a proibição do trabalho noturno, perigoso e insalubre antes dos dezoito anos e também restabeleceu o limite de idade mínima para o trabalho em quatorze anos, ressalvando a possibilidade de aprendizagem que poderia ser realizada já a partir dos doze anos. Também, fixa a nova Constituição, no art. 227, § 3o., que a proteção especial destinada à criança e ao adolescente envolve, em conformidade com o art. 7o., inciso XXXIII, a garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários e a garantia de acesso ao trabalhador adolescente à escola. Cumpre ressaltar que a busca da efetividade nos novos parâmetros constitucionais inerentes à proteção da infância e juventude é atividade que exige a participação articulada da sociedade e do Estado, não podendo se resumir apenas à fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, pois seria uma visão muito simplista imaginar que situações dessa natureza resolver-se-iam com a fiscalização, uma vez que não é com uma resposta penalizante – mediante autuações e multas – que se alterará condutas firmadas na cultura social. Para que se consiga os fins desejados nesta questão, é necessário que a fiscalização do trabalho alie-se a outras entidades e instituições, como os Conselhos Tutelares,

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o Ministério Público, os Juizados da Infância e Juventude, os sindicatos dos empregadores e, ainda, com os organismos não-governamentais, em especial com os que atuam na defesa de crianças e adolescentes.85 Este indicativo é de extrema importância, pois a transformação da realidade social em busca da efetividade dos princípios normativos garantidores dos direitos infanto-juvenis somente se realizará mediante a articulação das organizações governamentais e não-governamentais em torno da questão. O Estatuto da Criança e do Adolescente dedicou um capítulo para o direito à profissionalização e à proteção no trabalho, o que indica que o tempo da adolescência é o tempo da formação integral, no qual se incluiria, entre outros direitos, o da profissionalização. A nova legislação estabelece como princípios básicos: o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e o respeito a sua condição especial de pessoa em desenvolvimento. Além da regulamentação das normas protetivas previstas constitucionalmente, que resultaram da construção histórico-legislativa das normas de proteção à infância e juventude, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe a sistematização de normas importantes, como as previstas em seu artigo 67, incisos I, III e IV que estabelecem a proibição: 1) do trabalho penoso, 2) do trabalho realizado em lo85 OLIVEIRA, Joélho Ferreira de. O trabalho da criança e do adolescente em condições de risco. Curitiba: mimeo, 1996. p. 04 .

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cais prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do adolescente em horários e locais que não permitam a freqüência à escola aos adolescentes menores de dezoito anos. Ainda preocupou-se em assegurar - no art. 69, I e II - que o direito à profissionalização e à proteção no trabalho do adolescente deve observar o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e à capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho, dentre outros aspectos. Mesmo com uma nova legislação em vigor, a Convenção no 138, da Organização Internacional do Trabalho, sobre idade mínima para o trabalho, continuava enfrentando obstáculos, pois ao ser encaminhado ao Senado Federal, o pedido de autorização para sua ratificação foi rejeitado, aprovando-se o Parecer no 24/91, do Senador Jutahy Magalhães durante Sessão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sendo devidamente arquivado o Projeto de Decreto Legislativo e comunicado à Presidência da República em 23 de agosto de 1991, pela Mensagem SM no 286. Somente em 1993 o Ministro Walter Barelli encaminhou nova proposta de ratificação da convenção juntamente com a Proposta de Emenda Constitucional que pretendia suprimir a expressão “salvo na condição de aprendiz” previsto no art. 7o, XXXIII da Constituição Federal. No entanto, os problemas decorrentes do Processo de Revisão Constitucional previsto naquela época impossibilitou, mais uma vez, a devida ratificação. Em 1994, o Brasil começaria a viver uma experiência sin-

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gular para a prevenção e erradicação do trabalho precoce com a criação do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), uma vez que se constatava que no Brasil havia uma importante lacuna: carecíamos de uma instância que tivesse por objetivo a articulação de diferentes setores da sociedade que tinham estratégias, movimentos comuns, evitando, assim, a duplicação de forças, o que poderia inclusive dividir o esforço de erradicar o trabalho infantil.86 A mobilização empreendida pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação foi de tal abrangência que nos diversos estados brasileiros multiplicaram-se Fóruns Estaduais e Municipais voltados à proteção da criança e do adolescente contra a exploração do trabalho precoce trazendo a tona novas reflexões e alternativas para a questão. Ainda em 1995, em função da gravidade do problema, o Governo brasileiro instituiu, mediante a participação de vários Ministérios, o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, tendo este grupo o objetivo de combater o trabalho forçado e o trabalho infantil, bem como criou o 86 FÓRUM NACIONAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. Trabalho infantil não é brincadeira. Brasília: FNPETI, 2003. p. 13. O problema da exploração do trabalho de crianças e adolescentes no Brasil havia tomado tal proporção, que segundo Rosa Ângela S. Ribas Marinho, o IBGE indicava que “em 1995, das 16,3 milhões de crianças existentes no País entre 5 e 9 anos de idade, 552.185 encontram-se exercendo papel laborativo no mercado de trabalho, em flagrante desrespeito à Convenção Internacional dos Direitos da Criança”. (MARINHO, Rosa Ângela S. Ribas. Fórum Estadual pela Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho/SC - Uma Definição. In: FÓRUM ESTADUAL DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E PROTEÇÃO DO ADOLESCENTE NO TRABALHO/SC. A erradicação do trabalho infantil e a proteção ao trabalho do adolescente. Caderno 1. Florianópolis: Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho/SC, 1997. p 05-6.)

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Grupo Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério do Trabalho, com a finalidade de repressão ao trabalho infantil e forçado. Em 1996, Joélho Ferreira de Oliveira registrava que “em cada seis crianças da população mundial infantil, uma trabalha. Seriam cerca de 100 milhões, mas há quem estime o dobro, 95% dessas crianças vivem em países subdesenvolvidos.”87 E ainda, ressaltava “no Brasil, a taxa de atividade (18%) de crianças na faixa etária 10 a 14 anos só perde para o Paraguai (19%) e o Haiti (24,4%) e supera a de outros países subdesenvolvidos como a Indonésia (11,1%), Marrocos (14,3%), Honduras (14,7%), República Dominicana (15,5%), entre outros.” 88 É de se anotar que em abril de 1996, o Relatório Síntese da Assembléia Ampliada sobre Trabalho Infanto-Juvenil do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) apontou entre os indicativos para sua atuação, no item 4, “b” a ratificação da Convenção 138 da OIT, por não se conflitar com a ordem constitucional brasileira, sendo que neste mesmo ano o governo brasileiro enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Emenda Constitucional no 413/96 propondo a retirada da cláusula que permitia a aprendizagem entre doze e quatorze anos. Contudo houve muitos questionamentos se realmente a exclusão da aprendizagem seria mecanismo eficaz para o combate ao trabalho infantil e se talvez o caminho adequado não seria a rati87

OLIVEIRA, Joélho Ferreira de. Op. Cit. p. 05.

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OLIVEIRA, Joélho Ferreira de. Op. Cit. p. 05.

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ficação da Convenção no 138 da OIT e a elevação da idade mínima para admissão em trabalho ou emprego. Nesse sentido posicionou-se o então Ministro do Trabalho em discurso na Conferência Internacional sobre Trabalho Infantil, realizada em Oslo, Noruega, em outubro de 1997, justificando que o propósito da emenda constitucional seria a ratificação da Convenção 138 da OIT. Neste contexto, também desempenhou papel importante a realização da Marcha Global contra o Trabalho Infantil que mobilizou diversos segmentos da sociedade civil em 99 países do mundo, inclusive no Brasil, tendo como uma das suas diretrizes buscar a ratificação da Convenção no 138, da Organização Internacional do Trabalho pelo maior número de países. Em novembro de 1998, o Fórum Nacional para Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, ao elaborar seu Plano de Ação definiu como necessidade articular, em curto prazo, apoio à ratificação da Convenção 138 da OIT, tendo inclusive no ano de 1999 elaborado parecer conclusivo em favor da ratificação desta convenção. Mas, para a ratificação da desejada convenção, foi primordial a promulgação, em 15 de dezembro de 1998, da Emenda Constitucional no. 20, modificando o sistema de previdência social e estabeleceu normas de transição e determinou outras providências, dentre as quais a alteração dos limites de idade mínima para a admissão em emprego ou trabalho e, portanto, o âmbito de abrangência da capacidade jurídica e das condições para o exercício do trabalho infanto-juvenil, suprimindo todos os obstáculos, até então

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encontrados para a devida ratificação do instrumento internacional. A Convenção no 138 e a Recomendação no 146 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), denominadas respectivamente de “Convenção sobre a Idade Mínima, de 1973” e “Recomendação sobre a Idade Mínima, de 1973”, estão colocados como um dos principais documentos daquela organização internacional. Tal é a importância da Convenção no 138 que foi escolhida como um dos documentos de direito fundamental da OIT. Os caminhos para a ratificação da Convenção no 138 pelo Brasil passaram por um longo período de amadurecimento desde a sua edição em 1973, mas sua adoção culminou com a constituição da Comissão Tripartite, instituída pela Portaria GM/MTE No 341, de 27 de maio de 1999, que apresentou parecer favorável a ratificação da referida Convenção pelo Brasil abrindo definitivamente o caminho para a resolução da desejada ratificação. Outro instrumento internacional importante, foi aprovado pela Assembléia Geral da Organização Internacional do Trabalho reunida no mês de junho de 1999, denominada Convenção no 182, voltada para as piores formas de trabalho infantil, como norma internacional complementar à Convenção 138. Sendo definitivamente ratificadas as duas Convenções no ano de 2000, preenchendo as lacunas que ainda restavam na consolidação de um sistema jurídico capaz de trazer efetividade à proteção das crianças e dos adolescentes contra a exploração no trabalho infantil.

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1.12 Mas enfim, será possível erradicar o trabalho infantil? Os desafios para a erradicação do trabalho infantil no Brasil exigem esforços que devem partir de diversos campos, considerando a influência de fatores que escapam a uma ação centralizada e individualizada em torno do tema, antes de tudo trata-se de um projeto de ruptura social e história em busca da emancipação humana. Além, disso são necessárias radicais mudanças culturais, pois a cultura dominante ainda entende que “‘O trabalho [explica uma mãe pobre] é uma distração para a criança. Se não estiverem trabalhando, vão inventar moda, fazer o que não presta. A criança deve trabalhar cedo’.”89 Esquecendose que o tempo da infância é o tempo do livre gozo, do fazer algo muito especial: brincar. É o tempo do lúdico, das fantasias, das histórias e contos. São nos jogos que se realizam interações sociais, aprende-se que se ganha, mas também se perde e assim, ensaia-se a importância das frustrações e do respeito ao outro. A fria sociedade capitalista apresenta o ato de brincar como algo perigoso e daí se justifica a exploração da mãode-obra infantil. A alternativa está estreitamente vinculada ao exercício da cidadania em busca da emancipação, pois segundo Domenico de Masi “a pedagogia do ócio também tem a sua ética, sua estética, sua dinâmica e suas técnicas. E tudo isso deve ser ensinado. O ócio requer uma escolha aten89

PRIORE, Mary Del. Op. Cit. p. 10.

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ta dos lugares justos: para se repousar, para se distrair e para se divertir.” 90 Desta forma, é preciso ter um novo olhar sobre o processo existencial. “Significa educar para solidão e para a companhia, para a solidariedade e para o voluntariado. Significa ensinar como se evita a alienação que pode ser provocada pelo tempo vago, tão perigosa quanto a alienação derivada do trabalho.”91 Infelizmente, sob a perspectiva de milhares de famílias pobres, o trabalho infantil se apresenta como uma forma de geração de renda. E como esta mão-de-obra precocemente explorada não terá como formar-se, desenvolver-se, capacitar-se, acaba por dar continuidade à miséria e à impossibilidade fática dela fugir. Entendemos por fim que a erradicação do trabalho infantil tem o significado da superação das contradições do excludente sistema capitalista, imposto pelos países centrais, que provocam a reprodução das condições históricas de exclusão social e política, que marcaram a história brasileira de dependência e escravidão e massacraram gerações de crianças e adolescentes, que agora lutam pela efetividade de seus direitos que as protegem contra a exploração no trabalho. Mudanças nos caminhos que a história ainda deverá registrar para a garantia e efetividade do valor fundamental da dignidade da pessoa humana.

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DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. p. 325-6.

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DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. p. 325-6.

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2. CAUSAS DO TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 2.1 Primeiras linhas Para compreender o trabalho da criança e do adolescente no Brasil além de suas características históricas é necessária uma incursão sobre os seus principais fatores determinantes, pois as causas do trabalho da criança e do adolescente são necessariamente complexas. O trabalho infantil, ou seja, aquele realizado abaixo dos limites de idade mínima para o trabalho, constitui fenômeno social multifacetário, sendo necessário para sua compreensão a conjugação de uma generalidade de aspectos que, de acordo com suas combinações, resultam no ingresso de significativo contingente de crianças e adolescentes em idade inadequada no mundo do trabalho. Embora alguns fatores ainda não tenham sido pesquisados e estudados, em toda a sua complexidade, há um conjunto bastante evidente das principais causas desse fenômeno que atinge crianças e adolescentes em todo o mundo. Para a composição de um quadro analítico a respeito do tema foram selecionados os principais aspectos qualitativos, comumente destacados na bibliografia brasileira, acer-

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ca do trabalho infantil, envolvendo especialmente características econômicas, familiares, culturais e educacionais.

2.2 As múltiplas causas Em países emergentes como o Brasil, a causa fundamental de todo o trabalho de crianças e adolescentes reside, com certeza, na condição de pobreza de parcela significativa da população, combinada com um conjunto de outros motivos de ordem cultural e política. Sem dúvida, não é o desejo de trabalhar que submete as crianças e adolescentes à exploração, pois seu custo é elevado no imaginário infanto-juvenil, pois impossibilita o direito de brincar e ir à escola, oportunidades de grande valor para o universo infanto-juvenil. É a precariedade econômica e a luta pela sobrevivência que tem maior força no momento da tomada de decisão. Enfim, sem dúvida a condição de pobreza é a causa fundamental. Embora o conceito de pobreza seja muito amplo e variado na doutrina, um elemento comum que a caracteriza é a impossibilidade ou dificuldade de acesso aos bens, serviços e direitos básicos da pessoa em determinado contexto histórico. Ainda, a pobreza pode ser compreendida como reflexo e resultado de políticas econômicas e sociais que geram e reproduzem as condições de desigualdade social, concentrando a riqueza nos extratos mais elevados e elitizados da população. Em uma sociedade de capitalismo globalizado e

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concentrador é o desejo do lucro e, tão somente, o lucro que mobiliza as forças produtivas, não se importando com as conseqüências humanas e ambientais que possam gerar. Neste contexto, a criança e o adolescente são significados como mera mercadoria no mercado internacional de trocas financeiras. O trabalho infantil está intrinsecamente ligado a esse processo, sendo ao mesmo tempo causa e resultado, provocando um quadro social em que as crianças e adolescentes são impulsionados a trabalhar desde muito cedo, porquanto o motivo mais poderoso para o ingresso na vida laborativa é a possibilidade de alívio da miséria e a satisfação das necessidades essenciais. O desejo por uma oportunidade de trabalho superar qualquer limite, mesmo que seja necessário o esgotamento físico e intelectual, pois se coloca como uma possibilidade de inclusão e, na maioria das vezes, da superação da fome. No Brasil a população sempre começou a trabalhar muito cedo, principalmente impulsionada pela pobreza, pois quanto mais baixa a origem sócio-econômica, maior a possibilidade de ingresso precoce no mundo do trabalho. Para que fosse considerado legitimo esta inserção, o próprio Estado brasileiro constituiu um conjunto de políticas de caráter moralizador que dignifica o trabalho acima de tudo. Neste processo, as constantes tentativas de alívio da situação de pobreza deixam às famílias o recurso ao trabalho de seus filhos como uma das estratégias de sobrevivência, já que a mobilização de todos os recursos disponíveis é o

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único caminho numa sociedade carente de políticas de amparo social. No estudo da relação entre trabalho infantil e escolarização no meio rural, constitui-se um fato similar, o trabalhador criança representa um trabalhador cuja remuneração é baixíssima, considerando que a própria remuneração do trabalhador adulto não possibilita a dispensa da mão-deobra de seus filhos. Levando-se em conta, ainda, que “os pequenos proprietários em situação menos privilegiada na concorrência pela mão-de-obra temporária com as médias e grandes propriedades são levados à incorporação do trabalhador mirim à força de trabalho, independentemente do seu desempenho em relação ao trabalho adulto.”92 Na conjugação de valores entre o ingresso das crianças e adolescentes na escola ou no trabalho, este último tende a prevalecer, pois responde a uma necessidade inadiável para o contexto familiar em questão. Neste tema é comum escutarmos que o ingresso ao mundo do trabalho provoca a exclusão da criança e do adolescente da escola. Ainda que tal preposição seja correta, ela é também incompleta, pois na realidade “é o modelo econômico que cria a pobreza, e esta impulsiona ao trabalho que se mostra incompatível com a escolaridade. E porque não dize-lo: freqüentemente é a escola inadequada, ao tipo de ensino que expulsa a criança ou o adolescente.”93 92

ANTUNIASSI, Maria Helena Rocha. Trabalhador infantil e escolarização no meio rural. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p. 108. 93

OLIVEIRA, Oris. O trabalho infantil. Brasília: OIT, 1994. p. 27.

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Assim, quanto mais carentes de recursos essenciais básicos nas unidades domésticas urbanas, maior será a probabilidade de crianças e adolescentes abandonarem a escola e ingressarem precocemente no mercado de trabalho. O trabalho infantil encontra aliados importantes na sua manutenção, legitimação e reprodução, ou seja, como uma mão-de-obra barata, justificada pelo baixo nível de especialização que se apresenta e por seu tratamento como renda complementar ao trabalho adulto94, o que consiste num atrativo importante para empresas, sobretudo em épocas de crise, quando estas recorrem a todas as formas possíveis de precarização do trabalho com o intuito de subsistir e manter-se integradas à competitividade do mercado globalizado. Segundo a Sentença da Segunda Sessão do Tribunal Internacional Independente Contra o Trabalho Infantil “estamos em condições de afirmar que o trabalho infantil faz parte de uma estratégia do capital internacional cujo objetivo é a redução drástica do custo do trabalho.”95 O fato de parcelas significativas de crianças e adolescentes aceitarem trabalho por uma remuneração muito menor do que seria pago a um adulto, para a realização da mesma atividade, estimula muitos empregadores a preferirem este tipo de mão-de-obra, em que pese a sua ilegalidade. Num contexto mais amplo, o reflexo desse processo é a ocupação dos espaços produtivos por trabalhadores infan94 95

CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 19.

FORUM ESTADUAL EM DEFESA DAS CONVEÇÕES DA OIT. Sentença da Segunda Sessão do Tribunal Internacional Independente Contra o Trabalho Infantil. Porto Alegre: Fórum Estadual, 1999. p. 09.

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tis reforçando os elevados índices de desemprego adulto, bem como, reduzindo os salários oferecidos aos patamares mínimos. A sentença proferida no Tribunal Internacional Contra o Trabalho Infantil, ao constatar a ampla exploração do trabalho precoce no Brasil, registrou que o uso da mão-de-obra infanto-juvenil não corresponde a um fenômeno esporádico: “Ao aumento da pauperização dos trabalhadores e do povo brasileiro, ao aumento do número de adultos desempregados, corresponde um crescimento do número de crianças que trabalham. O capital, para obter o máximo de lucro, vê cada vez mais atrativos na exploração do trabalho infantil.”96 Como as crianças são chamadas a assumirem papéis de adultos, sem possuírem capacidades físicas e psíquicas para o desenvolvimento das atividades requeridas, seu trabalho é avaliado como pouco eficiente em relação ao trabalho adulto resultando numa remuneração inferior até mesmo à eficiência demonstrada, representando um rendimento suplementar para o empregador.97 Além do nível salarial, a extensão da incorporação da criança e do adolescente no mercado de trabalho está vinculada a outro fator de atração, a informalidade. 98 A ampliação significativa dos espaços da informalidade no Brasil 96 BICUDO, Hélio. A sentença. In: Tribunal Nacional Preparatório ao Tribunal Internacional Independente contra o Trabalho Infantil. México 1996. Brasília: Tribunal Nacional, 1995. p. 95. 97

MENDELIEVICH, Elias. El trabajo de los niños. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, 1980. p. 7. 98

CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 38.

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tem provocado a incorporação expressiva de crianças e adolescentes no mundo do trabalho, uma vez que esse campo escapa, em grande parte, dos sistemas de controle e fiscalização do Estado. As crianças e adolescentes apresentam-se como atrativas para o mercado uma vez que consistem numa mão-deobra submissa e indefesa, sem qualquer poder de negociação para exigir melhores condições de trabalho, impostas unilateralmente pelos empregadores. Não tendo condições de participar efetivamente dos sindicados, tendem a não estar representadas.99 As crianças e adolescentes apresentam uma reduzida capacidade de reivindicação, por isso recebem salários menores para produzirem o mesmo e, às vezes, até mais que os adultos. Portanto, a incorporação das crianças e adolescentes no trabalho tem suas possibilidades elevadas, pois o baixo custo, a docilidade, o baixo nível reivindicatório, a obediência e a submissão são fatores que interessam ao capital e seus desejos de lucro ampliado. Não se pode desconsiderar que para a família carente de recursos, a exigência mais urgente é ganhar o indispensável para poder sobreviver. As demais necessidades que não sejam estritamente essenciais à sobrevivência, são satisfeitas somente na medida do possível. No entanto, não se pode esquecer que mesmo as famílias mais pauperizadas não estão imunes à atração por mer99

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 7.

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cadorias e serviços oferecidos, senão impostos pela mídia, como símbolos de bem-estar. Em determinados casos, as necessidades induzidas pelo meio tornam-se mais importantes que as exigências reais. O desejo de satisfação dessas necessidades pode-se apresentar como uma reação a um sentimento de privação ou frustração.100 O desejo de consumo do núcleo familiar, construído socialmente como necessidade, pode ser um fator de estímulo para a inserção precoce dos filhos no mundo do trabalho, embora não seja o fator primordial ou determinante, mas apenas um componente de reforço do processo, num contexto social mais amplo. Embora os fatores econômicos apresentem-se como os principais determinantes do ingresso precoce no mercado de trabalho, não se pode desconsiderar o significado cultural e tradicional do trabalho no imaginário familiar, seja com o aspecto educativo ou moralizador. No entanto, parece que o conteúdo moralizador do trabalho precoce não se presta a todas as classes sociais. Nesse sentido, Marcos Colares e Leila Paiva questionam: “se é verdade que o trabalho fortalece o caráter, por que apenas aos mais pobres é oferecida essa ‘tão importante contribuição à edificação moral’.”101 Em relação à dimensão cultural, Fábio Machado Pinto registra que uma cultura que valoriza o trabalho, no conhecido chavão: “quanto mais cedo melhor!”, constitui um fator 100 101

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 10.

COLARES, Marcos, PAIVA, Leila. Aprendizado, trabalho e dignidade: discutindo perspectivas legítimas de ocupação produtiva para adolescência no Brasil. Fortaleza: Perfil, 2003. p. 36.

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que contribui para a existência (seja o aumento, seja a continuidade) do trabalho infantil. Inclusive, até muitos gestores do sistema público – percebemos isto em muitas capacitações – possuem esta equivocada herança. “Não percebem, com isso, da agressão que é submeter a criança ao trabalho precoce, pois a preocupação final, escamoteada por um discurso assistencialista, é o lucro...”102 O trabalho de crianças e adolescentes está arraigado nas tradições, nos comportamentos de diversos locais, como um vestígio do passado, com uma forte resistência à mudança. Especialmente nos países periféricos, como é o caso do Brasil, considera-se, ainda, muito normal a tradição das crianças, especialmente no meio rural, não ingressarem na escola e começarem a trabalhar em idade muito precoce, independente do grau relativo de pobreza das famílias. Por outro lado, situações como o êxodo rural e a migração levam famílias inteiras à condição de miséria ampliando o número de crianças que precisam trabalhar. No entanto, não são apenas as necessidades econômicas que empurram as crianças e os adolescentes para o mundo do trabalho, os níveis de escolarização dos pais também operam como um fator importante no imaginário do papel que o trabalho pode desempenhar no desenvolvimento das condições familiares. Famílias com reduzidos níveis de escolarização encontram maiores dificuldades para perce102 PINTO, Fábio Machado. A universidade e o trabalho infantil: a produção docente sobre o trabalho infantil na Universidade Federal de Santa Catarina e na Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa, 1997. Dissertação (Mestrado). Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa. p. 53.

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ber as conseqüências do trabalho precoce, ou seja, quanto menor a escolarização dos pais, maior a participação das crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Em muitos casos, a opção pelo ingresso precoce dos filhos no trabalho trata-se de uma deliberação realizada pelos próprios pais, determinada por um ou vários motivos, como a inexistência de escolas próximas ao local de residência, a falta de transporte escolar, as longas distâncias até a escola mais próxima, a necessidade de contar com os recursos financeiros decorrentes do trabalho da criança, a incapacidade de arcar com os custos de educação dos filhos ou, ainda, porque não percebem a utilidade ou o valor da escola.103 O ingresso precoce no trabalho ainda pode ser agravado pelo insucesso escolar das crianças e adolescentes e pela ausência de alternativas ou mesmo pela própria incapacidade da instituição escolar pública em satisfazer as expectativas das famílias. Se grande parte das famílias somente tem condições de enviar seus filhos para a escola durante alguns poucos anos, logicamente estas crianças terão maior dificuldade de aprendizado e remota possibilidade de reintegração escolar futura.104 As crianças e adolescentes trabalhadores também valorizam muito a oportunidade de freqüentar a escola, apontam sempre o desejo de retornar em algum momento de suas vidas ao estudo e reconhecem àquele espaço como símbolo de lazer e bem estar. 103

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 9.

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MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 9.

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No entanto, as crianças e adolescentes brasileiros enfrentam dificuldades em freqüentar a escola, muitas crianças não podem assistir às aulas porque precisam trabalhar; outros alternam o trabalho com a escola, geralmente com resultados muito precários, outros não freqüentam a escola porque seus pais ou família não dispõem de meios econômicos para aquisição dos mínimos materiais necessários, tais como roupas e calçados, que lhes permitam assistir às aulas. Há, ainda, determinados segmentos de crianças e adolescentes que enfrentam a resistência da própria família em relação à freqüência escolar. As crianças que estudam e trabalham simultaneamente, enfrentam muitos problemas. Nas áreas rurais, são comuns as ausências escolares, especialmente nos meses de plantio e colheita, período em que a mão-de-obra infanto-juvenil é mais solicitada, gerando ausências periódicas. Tais ausências geram dificuldades para a reinserção escolar e, muitas vezes, transforma-se em abandonos definitivos.105 De acordo com Rubem Cervini e Freda Burger, “a entrada tardia à escola, os freqüentes abandonos temporários, a repetência, o atraso etário com relação à série e, finalmente, a expulsão definitiva, constituem fases recorrentes do caminho escolar – estigmatizante e corroedor da auto-estima do menino carente e trabalhador.”106 A desvalorização do papel da educação e da escola por parte dos pais, além de dificuldades no oferecimento de 105

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 52.

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CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 37.

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condições adequadas para o ingresso e freqüência das crianças ao sistema escolar, em muitos casos, constitui-se num dos principais estímulos para a efetiva evasão escolar. Pode ser dito que as razões da evasão escolar acentuam-se na medida em que aumenta a idade e são mais ou menos as mesmas razões para que as crianças não sejam envidadas à escola desde o começo de sua vida estudantil.107 No meio rural, há um traço cultural marcante que compreende a escola como puramente teórica e, portanto, inadequada às necessidades do campo. Nesse contexto, além de grande parte das famílias rurais não perceberem as vantagens evidentes da escolarização de seus filhos, estão despreparadas para lidarem com o atraso e o insucesso escolar, decorrente da diferença entre as propostas curriculares e os interesses das crianças e adolescentes, e também, do cansaço provocado pelos trabalhos agrícolas que não favorece a assimilação de conhecimentos. Uma forma específica de arranjo familiar, adotada em determinados setores sociais em busca da sobrevivência, condiciona a disponibilidade da oferta de trabalho de crianças e adolescentes em idade precoce. Esta será determinada pela posição ocupada pela criança ou adolescente na estrutura familiar e, também, a própria posição ocupada pela família na estrutura social mais ampla, sendo influenciada, ainda, pelas próprias condições oferecidas pelo mercado de trabalho.108 107

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 52.

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CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 31.

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É claro que não deveria haver trabalho de crianças e adolescentes, antes poderiam ser apenas atividades criativas e lúdicas, indispensáveis ao ser humano em formação. No entanto, a estas atividades se impõem os trabalhos exercidos por uma necessidade de subsistência, em condições de exploração e com esforços que, muitas vezes, ultrapassam as possibilidades físicas e psíquicas daqueles que o executam, pois geralmente são pesadas, nocivas e muito prolongadas para a capacidade física e psíquica de pessoas em condições peculiares de desenvolvimento. O trabalho substitui as possibilidades de educação, descontração, lazer e bem-estar necessário para a infância e a adolescência.109 Diante do direito ao pleno desenvolvimento impõe-se um dever “moral”, produzido pelo ambiente social, que exige o trabalho desde a mais tenra idade por solidariedade ao grupo familiar, seja para compensar, dentro do possível, o peso econômico de presença da criança e do adolescente na família, ou ainda, para ajudar a manter o resto do núcleo familiar que, em extratos mais pauperizados da população, é geralmente mais numeroso.110 O ingresso do adolescente no “mundo do trabalho” é reforçado pela liberdade de escolha e outras necessidades de consumo pessoal que passam a ter um maior peso quan109

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 3. Segundo Irene Rizzini, Irma Rizzini e Fernanda Rosa Borges de Holanda, “a ideologia do trabalho foi profundamente enraizada em nossa sociedade. O trabalho tornou-se valor inquestionável, mesmo o trabalho exercido em condições indignas e humilhantes. Ao pobre, o trabalho, desde a mais tenra idade, como elemento educativo, formador e reabilitador.” (RIZZINI, Irene, RIZZINI, Irma, HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. Op. Cit. p. 31.) 110

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 8.

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do são atingidos níveis mais elevados de idade, que requerem uma maior autonomia e independência. Em muitos casos, quando uma criança decide trabalhar, ela aceita tal condição, pois acredita que está fazendo algo para ganhar a vida a partir de uma decisão individual. Na realidade está sendo impulsionada para esta atitude pelo conjunto de condições e relações de sua família e de todo o tecido social em que está inserida. Aceita, deste modo, a realização de um papel no qual é vítima e ao mesmo tempo cúmplice involuntariamente de uma situação extremamente injusta.111 Não se pode desconsiderar que as famílias têm proveito direto e indireto da exploração do trabalho das crianças e adolescentes, apesar de não reconhecerem, segundo seu conjunto de valores, que estão cometendo um ato de deliberada exploração. As famílias acreditam que existe um direito natural de aproveitar todos os recursos familiares para a garantia da sobrevivência e que o trabalho acarreta um efeito benéfico para a educação e o desenvolvimento das próprias crianças e adolescentes.112 Grande parte das crianças que trabalham entregam totalmente os ganhos obtidos aos pais ou familiares com que vivem. Em muitos casos, estes recebem o dinheiro diretamente do empregador. Tais ganhos são considerados, no universo ideológico familiar, como uma renda complementar, necessária e indispensável à manutenção das despesas 111

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 5.

112

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 5.

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familiares totais. Em parte desses casos, a família destina pequena parcela do valor obtido para a própria criança como forma de estimular a continuidade da atividade ou para que compre algo para comer, um brinquedo, ou tenha acesso a algum tipo de lazer.113 Em que pese diversas formas de inserção de crianças e adolescentes no mercado de trabalho, permanece ainda o aspecto tradicional de reprodução das condições de ocupação dos pais em relação aos filhos. Embora a composição e a organização das famílias populares apresentem arranjos diferenciados que, em um momento ou noutro, influenciarão na decisão de incorporação das crianças e adolescentes no mercado de trabalho, não se pode considerá-las desorganizadas ou desestruturadas. Ainda que pese o fato de que tais famílias apresentem estrutura e organização próprias, as tensões e incertezas, acentuadas pela situação de pobreza e miséria, geram conflitos e dificuldades específicos. O abandono do núcleo familiar de um dos pais, a maior incidência de doenças nos membros do grupo familiar, invalidez ou falecimento de um dos membros, provocam situações em que se torna necessário socorrer-se da mão-de-obra de todos os filhos.114 A discriminação da mulher no mercado de trabalho, os baixos salários e a instabilidade nas relações de trabalho agravam tal quadro, pois “...para níveis similares de renda, as taxas de inserção dos filhos menores de 17 anos no merca113

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 10.

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MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 9.

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do de trabalho, nas famílias chefiadas por mulheres, são mais altas do que as de qualquer outro tipo de estrutura familiar.”115 O número de filhos também aparece como um fator importante na decisão de incorporação da mão-de-obra: “o padrão observado para o conjunto das áreas urbanas é que, a partir de um irmão, as taxas de atividade são ascendentes até quatro, e daí em diante as taxas tendem a estabilizar-se.”116 Portanto, quanto maior o número de irmãos ou tamanho da família, as possibilidades de ingresso no mercado de trabalho aumentam. No entanto, essas possibilidades vão até determinado ponto, quando então o risco será o mesmo, indiferente do número de membros do grupo familiar. A integração das mulheres ao mercado de trabalho também vem fortalecendo um componente importante no reforço e integração de crianças e adolescentes no trabalho doméstico, seja na realização de serviços prestados em casas de terceiros, seja em atividades realizadas em sua própria casa, como o cuidado e educação dos irmãos mais novos. Neste contexto, o nível de escolaridade da mãe é um elemento importante: quanto maior a sua escolaridade, proporcionalmente diminui a inserção da menina no mercado de trabalho. “E assim, a baixa escolaridade acaba sendo passada de mãe para filha, perpetuando a pobreza.”117 115 LOPES, J., GOTTSSHALK, A. Recessão, pobreza e família – a década pior do que perdida. In: São Paulo em Perspectiva, 4 (1): 1000-109, jan./mar 90. São Paulo: SEADE. Apud. CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 32. 116 117

CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 32.

PARENTE, Maria Pia. Neste município criança não trabalha: o que os prefeitos podem fazer para eliminar o trabalho infantil doméstico e proteger as jovens trabalhadoras. Brasília: OIT/ Fundação Abrinq/ANDI, 2003. p. 23.

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A necessidade social de ocupação das crianças e adolescentes apresenta-se como argumento poderoso em favor do trabalho infantil. Em muitos momentos a criança e o adolescente são observados de maneira estigmatizada e discriminatória, o que leva a serem compreendidos como agentes de risco ou de perigo. Assim, surgem reforços ideológicos à cultura do trabalho infantil como forma de ocupação e manutenção das crianças e adolescentes empobrecidas longe das ruas, das drogas e da ociosidade, ao mesmo tempo em que contingentes significativos trabalham nas próprias ruas, em condições perigosas, penosas e insalubres. É de se destacar ainda que, a falta de políticas públicas que tornem efetivos os direitos sociais de crianças adolescentes tais como, as atividades recreativas, os espaços apropriados para o lazer e diversão, a educação de qualidade, reforça o trabalho das crianças e adolescentes num contexto social que impossibilita o usufruto das mínimas condições de desenvolvimento integral. Sua origem humilde e a responsabilidade de manutenção econômica do grupo familiar fortalecem o caráter discriminatório do trabalho precoce, gerando situações de desigualdade e injustiça, motivadas pela própria origem social. Muitas famílias não dedicam interesse prioritário pela educação de seus filhos. Apesar disso, encaminham as crianças para a escola durante determinada época, com o objetivo de adquirirem uma educação básica ou porque simplesmente a presença das crianças em casa é incômoda.

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Quando percebem uma certa maturidade, força ou disciplina, retiram os filhos da escola para os obrigarem a trabalhar, às vezes com a própria família, outras, fora dela.118 Os processos migratórios freqüentes também se apresentam como condicionantes de reforço ao uso do trabalho precoce. A instabilidade e a insegurança motivadas por uma nova situação ambiental, social e laboral passam a exigir a incorporação de todos os membros do grupo familiar, independentemente da idade, visando à garantia de um mínimo de condições de subsistência.119 A permanência da exploração do trabalho de crianças e adolescentes na história brasileira teve múltiplas causas e interesses: para a família o trabalho realizado pelos filhos era uma forma de aumentar o orçamento familiar, ao passo que para as autoridades públicas era visto como meio de prevenção da criminalidade, pois estaríamos construindo homens honestos e, ainda, para o empregador era uma probabilidade de dispor de uma força de trabalho extremamente barata, portanto, lucrativa e que ao mesmo tempo se sentia “grata por poder aprender uma profissão.”120 As adversas condições dos trabalhadores agrícolas constituem elementos que reforçam a integração do trabalho precoce no meio rural. Em 1996, Luiz Gonzaga Araújo ao declarar seu voto no Tribunal Nacional Contra o Trabalho In118

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 53.

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MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 9.

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CARDOSO, Margarida Munguba. O cenário do trabalho de crianças e adolescentes no Brasil: uma realidade histórica. In: MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Proteção integral para crianças e adolescentes, fiscalização do trabalho, saúde e aprendizagem. Florianópolis: DRT/SC, 2000. p. 12.

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fantil, destacava “a falta de uma reforma agrária que afeta a todos os trabalhadores sem-terra, irmanada à ausência de uma massiva fiscalização através do Ministério do Trabalho, bem como de políticas públicas nas três esferas de governo estão na base do aumento da exploração da mão-deobra infantil. Os empregadores não ficam imunes a tudo isso, já que são eles, de fato os principais infratores desse indesejável delito.”121 A exploração do trabalho de crianças e adolescentes é, portanto, determinada pelo entrelaçamento de um conjunto de causas complexas que envolvem múltiplos fatores econômicos, culturais, sociais e políticos, tais como: interesses do mercado, pobreza e miséria de um grande contingente de famílias, baixo custo da mão-de-obra infanto-juvenil, docilidade e disciplina infantil, reforços culturais e ideológicos, tradição, reprodução das posições ocupacionais, ausência de alternativas de lazer e recreação, migração, composição familiar, desvalorização da educação, ausência de escolaridade em período integral, indiferença e resignação dos diversos segmentos sociais. A exploração da mão-de-obra infanto-juvenil situa-se num grau de incivilização, uma vez que fere a dignidade, o desenvolvimento sadio e completo de milhares de crianças e adolescentes, em especial os oriundos das classes sociais vulneráveis e excluídas.

121 ARAÚJO, Luiz Gonzaga. Declaração de Voto. In: TRIBUNAL NACIONAL PREPARATÓRIO AO TRIBUNAL INTERNACIONAL INDEPENDENTE CONTRA O TRABALHO INFANTIL. MÉXICO 1996. Brasília: Tribunal Nacional, 1995. p. 84.

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3. CONSEQÜÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL 3.1 A anulação da infância O trabalho infantil acarreta conseqüências complexas que atuam sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente e sobre todo o núcleo familiar. Ele ameaça o desenvolvimento físico, aqui compreendida a saúde como um todo – resistência física, visão, audição, coordenação motora; danifica o desenvolvimento cognitivo – desde a alfabetização, o aprendizado e a aquisição de conhecimentos; perturba o desenvolvimento emocional, no que se refere à constituição da auto-estima, da compreensão dos sentimentos de amor, aceitação, dos elos familiares; altera, ainda, o desenvolvimento social e moral, no que diz respeito à identificação com determinado grupo, ao discernimento entre o que é certo e o que não é, à possibilidade concreta inter-relacional, à habilidade de cooperação.122 Crianças e adolescentes estão em processo especial de desenvolvimento. O trabalho precoce afeta diretamente o desenvolvimento físico e psicológico, ao sujeitá-los a esforços perigosos ou que vão além de suas possibilidades es-

122 BORGES, Alci Marcus Ribeiro, CAVALCANTE, Maria Adília Andrade (Orgs). Mapa do Trabalho Infantil no Piauí. Teresina: Ação Social Arquidiocesana/Centro de Defesa João de Barro/ UNICEF/DRT-PI, 1998. p. 21.

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truturais, resultando num pseudo-amadurecimento, pois anula a infância, a juventude e compromete as possibilidades de uma fase adulta saudável. Em geral, as condições de vida das crianças e dos adolescentes que trabalham são muito deficientes. Em razão da carência e pobreza, as crianças e adolescentes são submetidos a trabalhos precários, sem instalações adequadas ou com estruturas inadequadas. Estão inseridas num quadro de carência alimentar, em ambientes que não estimulam o seu desenvolvimento neuropsicomotor, ou o fazem de forma deficitária. O trabalho infantil tende a provocar maior número de doenças infanto-juvenis e sérias deficiências no desenvolvimento e saúde da criança e do adolescente. Características como carência de vitaminas, deficiência de proteínas, anemia, bronquite e tuberculose são muito freqüentes. Embora não sejam enfermidades tipicamente profissionais, são resultantes das péssimas condições de vida e encontram um ambiente muito favorável, quando uma pessoa começa a trabalhar muito cedo. A realização de longas jornadas de trabalho em espaços físicos nocivos contribui para agravar a situação.123 A fragilidade natural das crianças e dos adolescentes, quando exposta a riscos profissionais propriamente ditos, ainda pode provocar dores de cabeça, resfriados, problemas de visão, febre e infecções pulmonares avançadas. A Nota Técnica à Portaria no 06, de 18 de fevereiro de 2000, do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalhador, do 123

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 44.

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Ministério Trabalho e Emprego, afirma que as crianças e adolescentes que trabalham têm como características o retardo no desenvolvimento pondero-estatural, desnutrição proteico-calórica, fadiga precoce, maior ocorrência de doenças infecciosas (gastrointestinais e respiratórias) e parasitárias. Estes prejuízos são agravados pelas condições de trabalho, que leva à formação de adultos de menor capacidade de trabalho e aumentando o contingente de trabalhadores incapazes, parcial ou totalmente, para o trabalho. O trabalho realizado pelo infante provoca muitos prejuízos ao desenvolvimento físico decorrentes dos efeitos do cansaço, do esforço, da falta de higiene e de todos os problemas laborais que são obrigados a suportar. Contatos com o calor excessivo e intempéries e o contato permanente com outras pessoas deixam seqüelas crônicas de difícil tratamento, como problemas cutâneos e pulmonares.124 De acordo com Maria do Carmo Brandt de Carvalho, os trabalhos a que crianças são submetidas em regra são repetitivos, subalternizantes. “Com o passar do tempo, perdem a capacidade motora fina que facilita a escrita, e as demais habilidades não se desenvolvem, pela ausência de estímulos cognitivos e culturais. Não há processamento de novas informações, até porque nem mesmo estas chegam no ambiente de rotina linear em que se encontram.”125 A referida Nota Técnica à Portaria no 06 também constata que em trabalhos em ambientes externos, como o traba124 125

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p.46-7.

CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Trabalho precoce: qualidade de vida, lazer, educação e cultura. In: Serviço Social e Sociedade, ano XVIII, n. 55, nov., 1997. p. 111.

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lho rural, as crianças e adolescentes se expõem a árduas condições climáticas com aumento dos riscos de infecções como tétano, acidentes com animais peçonhentos, desidratação, doenças transmitidas por insetos, queimaduras solares, entre outras. Muitos trabalhos realizados durante a infância e adolescência produzem deformações, mutilações corporais e aprofundam os efeitos de diversas doenças, como infecções, insuficiência cardíaca e infecções de garganta. Em razão da pobreza que os afeta, os pequenos trabalhadores geralmente consomem calorias insuficientes e apresentam deficiências de proteínas, cálcio e vitaminas. Com uma alimentação muito pobre e desequilibrada, especialmente nas zonas urbanas, trabalhando em condições precárias, geralmente desnutridos e mal vestidos.126 O trabalho infantil gera um nível elevado de cansaço, pois a capacidade de resistência da criança e do adolescente ainda é limitada, se comparada às exigências laborais adultas. Sua força muscular é menor que a de um adulto. Quando os mesmos esforço e ritmo do adulto são exigidos da criança ou 126 MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 44. Segundo Maurício Roberto da Silva, “a exploração do trabalho infantil, compromete a infância, circunstanciando constrangimentos múltiplos, gerando alienações multiplicas, e desencadeando, dessa maneira, o dilema e o impasse de ser amplamente alienado, ou seja, ser criança e ser adulto ao mesmo tempo; ser criança empobrecida e trabalhar precocemente; ser criança, adulto e velho e não dispor de tempo para o lúdico; ser criança adultizada envelhecida; ser de forma precária incluída no sistema educacional; ser criança por pouco tempo, perder o resto da infância e a juventude, saltando em seguida para a curta idade adulta e imediatamente para a velhice, sem futuro, isto é, sem possibilidade de inserção no mundo do trabalho e no mundo das novas tecnologias. Além disso, ao mesmo tempo, acumular responsabilidades e pressões que, sem dúvida, deixarão marcas indeléveis na memória, afetando assim o processo de construção da identidade...” (SILVA, Maurício Roberto da. Op. Cit. p. 208.)

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do adolescente, sem oportunidades de descanso equivalente, há grande probabilidade de que venham a sofrer de fadiga intensa, muito mais cedo que um adulto. Assim, muitas crianças e adolescentes em substituição a um momento em que deveriam estar voltados para a socialização e desenvolvimento com o mínimo de tensões, envelhecem prematuramente, sem haver amadurecido como pessoas humanas.127 A Nota Técnica à Portaria no 06 do Ministério do Trabalho reconhece que as empresas que empregam crianças e adolescentes colocam à disposição destes, equipamentos e produtos perigosos, condições insalubres de trabalho com grande quantidade de agentes físicos, químicos, biológicos, além de não disporem de condições de organização do trabalho adequadas à execução de tarefas de forma segura e saudável, tendo como conseqüência excessiva carga física e psíquica, expondo-os a doenças, acidentes de trabalho, deformidades físicas, envelhecimento precoce, retardo no crescimento e desenvolvimento psicológico, abandono da escola e baixa qualificação profissional. O transporte de pesos excessivos, as posições inadequadas afetam o crescimento, com efeitos na estrutura óssea ainda não consolidada. A permanência por longo tempo em posturas forçadas, provavelmente provocará deformações na coluna vertebral. Durante a infância e a adolescência, em ambos os sexos, a força, as resistências e as defesas naturais são muito mais reduzidas. Nessa etapa da vida, o organismo encontra-se em pleno desenvolvimento, sofren127

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 4.

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do adaptações endócrinas que podem ser prejudicadas por certos tipos de esforços e trabalhos cansativos, realizados de maneira sistemática e excessiva ou em condições insalubres e perigosas.128 Quanto mais tenra a idade, maior o risco de envolvimento em quase todos os problemas de desenvolvimento, pois um ser com menor força e resistência torna-se mais vulnerável e influenciável. É evidente que o trabalho precoce e as condições de sua realização, sem considerar os riscos freqüentes de acidentes e doenças, é nocivo para a criança e o adolescente, direta e indiretamente, podendo provocar seqüelas que poderão afetar até a vida adulta.129 Outro aspecto importante a ser considerado como conseqüência do trabalho infantil são os efeitos psicológicos, pois a inserção no mercado de trabalho estimula o abandono da infância, fazendo precocemente ingressarem no mundo adulto. Os prejuízos ao desenvolvimento psicológico e intelectual afetam as crianças e adolescentes trabalhadores, refletindo em todo o seu conjunto de relações pessoais e sociais. As necessidades normais da infância e da adolescência não sendo satisfeitas provocarão um amadurecimento precoce, determinando alterações no equilíbrio psicológico na fase adulta. As responsabilidades inerentes ao trabalho provocam, em suas raízes, a perda dos aspectos lúdicos, primordiais para o desenvolvimento de uma infância saudá128

MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 47.

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MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 47.

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vel e equilibrada; o trabalho, com todas as regras que comporta, ao provocar a submissão, acaba por resultar na inibição das características específicas do ser criança que é o BRINCAR, expressar fantasias. “Como o brincar cumpre na infância um papel muito maior do que a busca do prazer e diversão, fornecendo a oportunidade de reviver, entender e assimilar os mais diversos modelos e conteúdos das relações afetivas e cognitivas, e como passa a temer ser punida por expressar-se livremente, ocorre um empobrecimento tanto no que se refere à sua capacidade de expressão quanto de compreensão.”130 Uma das características mais visíveis da infância são as atividades lúdicas. A espontaneidade, a liberdade e a ausência de controle rígido estimulam o processo de desenvolvimento harmônico. A criança trabalhadora é compelida a bloquear esses impulsos naturais, que ao longo do tempo atenuam-se, até praticamente desaparecer. A criança passa a se auto-reconhecer como um trabalhador e, portanto, um adulto, prejudicando sua própria identidade infantil, visto que, neste contexto, o ser criança é anulado, pois é na atividade laboral submetida a regras, silenciada. Outro aspecto importante da psicologia infantil é a fantasia. Como no mundo do trabalho não existe espaço para o seu exercício, a fantasia vai desaparecendo da vida mental da criança trabalhadora. A prática de atividades repetitivas, o processo de produção e as atividades requeridas, acabam por sufocar a ca130

LIMA, Consuelo Generoso Coelho de. Op. Cit. p. 20.

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pacidade de criatividade e as possibilidades de superação da realidade, gerando, por conseqüência, o empobrecimento do mundo psíquico da criança, concorrendo para que não se construa a autonomia dos sujeitos envolvidos no processo. A exigência de responsabilidades excessivas em relação ao grau de desenvolvimento da criança e do adolescente agrava este processo. A exigência de tarefas precisas e determinadas para a garantia da produtividade, da regularidade do sistema e dos lucros, gera dupla responsabilidade: a adequada submissão visando atender aos interesses dominantes do capital, bem como, a garantia e permanência na atividade visando garantir a manutenção econômica da família. O exercício do trabalho infantil compromete profundamente o desenvolvimento físico, psíquico e biológico das crianças e adolescentes, etapa que deveria ser tratada com especial atenção, uma vez que determina uma série de arranjos que futuramente serão necessários para o pleno exercício das potencialidades humanas na fase adulta. A criança e, na maioria das vezes, o adolescente, não dispõe de condições próprias para avaliarem os efeitos e impactos de seu ingresso precoce no mercado de trabalho, sobretudo por desconhecerem as reais necessidades e condições relevantes para o seu desenvolvimento integral. Além disso, o trabalho precoce tem efeitos que podem ser avaliados unicamente, em longo prazo, como as condições de reprodução da própria força de trabalho. Segundo Bertrand Russel, a concepção de que os pobres

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têm direito ao lazer é algo que chocava os detentores do poder, do dinheiro. Vejamos que no início do século XIX, na Inglaterra, a jornada de trabalho era de quinze horas para os adultos. Algumas crianças eram submetidas a essa longa e penosa jornada, outros, trabalhavam doze horas. Quando surgiram as primeiras vozes contrárias a tal exploração, “foilhes dito que o trabalho mantinha os adultos longe da bebida e as crianças afastadas do crime. [...] Hoje em dia as pessoas são menos francas, mas o sentimento persiste...”131 Nesta análise, não podemos desconsiderar que os padrões de desigualdades determinados pelo sistema de produção capitalista incide diretamente nas condições de vida dos que vendem a sua força de trabalho. Quanto mais precarizada a relação de trabalho estabelecida, piores serão as condições de vida, por parte do trabalhador. Segundo Maurício Roberto da Silva, “é no limiar de um novo século que a classe que-vive-do-trabalho sobrevive do trabalho e morre sem trabalho é forçada a enviar os filhos precocemente para o processo produtivo de exploração da força humana de trabalho. O fenômeno é inerente à globalização do mundo do trabalho, que tem provocado fortes e marcantes transformações na sociedade contemporânea.”132 Nesse sentido, a Nota Técnica à Portaria no 06 do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalhador, do Ministério do Trabalho e Emprego elucida que as formas de adoecer e de morrer, ou seja, os perfis de morbidade e mortali131

RUSSELL, Bertrand. O elogio ao ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002. p. 29.

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SILVA, Maurício Roberto da. Op. Cit. p. 113.

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dade, das comunidades humanas são determinados pelas condições de vida, nelas incluídas as condições de trabalho. Tratando-se de crianças e adolescentes, este aspecto ganha maior relevância, pois, nestas faixas etárias, a sensibilidade aos fatores ambientais, incluindo os do ambiente de trabalho, é maior. Além disso, a inserção precoce de crianças e adolescentes no trabalho tem um impacto significativo sobre os índices de emprego e ocupação no mercado de trabalho. Quando uma criança ingressa nesse mercado, é muito provável que irá realizar uma atividade que poderia ser garantida aos adultos, em muitos casos, seus próprios pais. O “trabalho da criança tem suas bases assentadas no desemprego estrutural (que afeta o pai/mãe de família), na chamada reestruturação produtiva, no incremento da ciência e da tecnologia dos meios de produção, no mercado mundializado, na desregulamentação da legislação trabalhista, na flexibilização e na terceirização das relações de trabalho, enfim na ‘reorganização’ do capital e na ‘desorganização’ do trabalho aliadas às políticas neoliberais de cortes nos gastos sociais.”133

3.2 Alimentando um círculo vicioso Esse processo gera um círculo vicioso, uma vez que o trabalho infantil aumenta os níveis de desemprego adulto, 133 SILVA, Maria Liduína de Oliveira. Adultização da infância: o cotidiano das crianças trabalhadoras no Mercado Ver-o-Peso, em Belém do Pará. In: Serviço Social e Sociedade, ano XXIII, n. 69, mar., 2002. p. 156.

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pressionando estes mesmos adultos a recorrerem à mãode-obra de seus filhos para garantir a subsistência do núcleo familiar. Evidentemente, de maneira muito precária. Assim, por gerações contínuas assistimos este círculo: trabalho precoce, pouca escolarização, pobreza. No entanto, ocorrem ainda efeitos mais abrangentes, por conta da globalização da produção, conforme explica Haim Grunspun: os países em que há a exploração do trabalho infantil, acabam por ser concorrentes no processo de globalização com outros países, pois a produção é barateada para permitir a sua exportação, e com isso concorre com o trabalho de outros países – importadores. De forma que o trabalho da criança em algum lugar do planeta pode gerar desemprego ou provocar um achatamento salarial do adulto em outro.134 Além disso, o trabalho infantil por ser, em regra, um trabalho realizado à margem da lei, constitui-se sem qualquer garantia trabalhista ou previdenciária e, ainda, comprime os salários a um patamar mínimo, que muitas vezes não garantem sequer condições mínimas para a reprodução da própria força de trabalho. Serve, também, como instrumento poderoso de precarização das relações de trabalho, especialmente nas regiões mais empobrecidas. A realização do trabalho em condições precárias tende a elevar o custo social a patamares significativos, pois as conseqüências à saúde e ao desenvolvimento das crianças e adolescentes em todos os tipos de trabalho refletirão muito 134

GRUNSPUN, Haim. O trabalho das crianças e dos adolescentes. São Paulo: LTr, 2000. p. 33.

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cedo nas necessidades de serviços públicos de atendimento, tais como os serviços de saúde e previdência social. Como se não fosse suficiente, o trabalho infantil ainda se apresenta como um condicionante importante na reprodução do ciclo intergeracional de pobreza, pois, a incorporação no mercado de trabalho compromete as possibilidades de inserção profissional na fase adulta criando cidadãos que serão dependentes dos serviços de assistência social do Estado, reproduzindo as condições de desigualdade social. O evidente impacto do trabalho infantil na educação provoca uma desvantagem e uma significativa redução nas possibilidades de ascensão profissional futura, de maior remuneração, melhor emprego e promoção social. É muito provável que grande contingente de crianças e adolescentes submetidos ao trabalho precoce passe boa parte de sua vida nos extratos mais baixos da população, sempre submetidos a trabalho de níveis inferiores ou ao próprio desemprego.135 As conseqüências para o desenvolvimento educacional também são bastante evidentes. Para grande contingente de crianças e adolescentes, em razão da pobreza familiar, não há outra alternativa que não seja o ingresso precoce no mundo do trabalho. Tal determinação reduzirá significati135 MENDELIEVICH, Elias. Op. Cit. p. 46. De acordo com Andréia Peres e Nair Benedicto, referindo-se a pesquisa Trabalho Infantil: Custos Privados e Sociais, de 1998, realizada por Antônio Carlos Coelho Campino e Maria Dolores Montoya Diaz, da Universidade de São Paulo, “...se uma criança começar a trabalhar aos 7 anos, deverá receber, entre 36,8% e 37,7% a menos do receberia se tivesse ingressado no mercado de trabalho aos 14. Se a comparação for com uma pessoa que começou a trabalhar aos 21 anos, o porcentual de perda atingirá 50%.” (PERES, Andréia, BENEDICTO, Nair. Op. Cit. p. 35.)

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vamente as possibilidades de educação e instrução, pois prevalece a necessidade de garantia da subsistência. Por sua vez, a falta de qualificações e de um nível educacional adequado provocará a reprodução da própria condição de miserabilidade e pobreza. A própria instituição escolar tende a reproduzir este processo de exclusão. A falta de preparo para lidar com a criança trabalhadora, suas condições de existência, valores e meio ambiente, em que pesem os esforços para uma mudança, tendem a fortalecer o processo de exclusão. Além da exclusão da criança e do adolescente trabalhador dos bancos escolares, há um contingente significativo com defasagem escolar, quando relacionadas série e idade. O acirramento desse processo tende a conduzir um crescente abandono definitivo de adolescentes do sistema escolar, fortalecendo e incrementando a exclusão social. Dificilmente as horas exigidas de trabalho são adequadas ao sistema escolar e às necessidades apresentadas para uma educação de qualidade. A dificuldade de freqüência escolar somada à defasagem entre série e idade estimula decisivamente para o abandono escolar, antes da conclusão da escolaridade de nível fundamental. A transitoriedade das relações de trabalho e as constantes migrações também afetam o desempenho escolar, pois no ambiente urbano a criança é utilizada em múltiplos setores, dentre os quais predomina o trabalho doméstico – informal e clandestino. Enquanto na zona rural, em especial nas monoculturas, caracteriza-se a sazonalidade, isto é,

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nas safras o trabalho é requisitado e nas entressafras não o é, o que acaba por constituir um exército de bóias-frias que, muitas vezes, levam também crianças e adolescentes. “Com esse fluxo e refluxo das famílias, a criança tem dificuldade de acompanhar a escola, bem como o serviço médico, o que contribui para a evasão escolar.”136 Assim como a família constitui-se em instância decisória importante quanto ao ingresso dos filhos no mundo do trabalho, também sente seus efeitos. As crianças e adolescentes não têm a oportunidade de conviver adequadamente com seus pais, pois passam grande parte do dia fora de casa e, geralmente, voltam tarde. Elementos que contribuem para a desorganização da vida familiar. Quando uma criança ou adolescente começa a ter um certo ganho monetário, mesmo que seja pequeno, seu prestígio aumenta diante da família, uma vez que contribui para o seu próprio sustento e manutenção, passando a não ser considerada igual às outras crianças e adolescentes, provocando um certo sentido de importância e maior autonomia, que reforçam o interesse pela realização do trabalho. Segundo a pesquisa realizada por Cláudio Carvalho Menezes e Eridan Moreira Magalhães com crianças e adolescentes trabalhadores na fumilcultura no Estado do Rio Grande do Sul, “a criança e o jovem, por necessidade e solidariedade com a família, ingressam no trabalho quase ao mesmo tempo que na escola, mas paulatinamente, a combinação de ambas fica inviabilizada. A escola é secundarizada 136

PINTO, Fábio Machado. Op. Cit. 1997. p. 52.

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e, por volta dos 14 anos, o trabalho se impõe como alternativa mais viável para permanecer no campo com a família e assim, se desenvolve a jovem vendo suas perspectivas limitadas pela baixa escolaridade e sem qualificação profissional.”137 O ingresso precoce numa dimensão que caracteriza a fase adulta, contrário às necessidades de desenvolvimento psicossociais próprios e necessários à idade, aliado às exigências laborais e sociais, irá sufocar características e interesses próprios da infância e da adolescência, subtraindo uma etapa essencial, ou seja, a do pleno desenvolvimento do ser humano, que deveria ser garantido a todas as crianças e adolescentes. Portanto, é necessário que as famílias, a sociedade e o Estado efetivamente percebam as conseqüências trágicas do trabalho infantil e firme o efetivo compromisso em garantir o pleno desenvolvimento integral às crianças e aos adolescentes brasileiros deixando-os livres do trabalho alienado e precoce.

137 MENEZES, Cláudio Carvalho, MAGALHÃES, Eridan Moreira. Crianças e adolescentes na fumicultura/RS, trabalho, escola, saúde. In: Anais do Seminário da Região Sul e Sudeste, Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho na Área Rural: representantes de Órgãos Governamentais e Universidades. Chapecó, 19 e 20 de abril de 2001. Chapecó: DRT/SC, 2001. p. 24.

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4. A PROTEÇÃO CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO DIREITO BRASILEIRO 4.1 Considerações Iniciais O trabalho de crianças e adolescentes tem recebido atenção especial no Brasil como um problema de profundas raízes históricas, sobretudo a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1998, que ao configurar a Doutrina da Proteção Integral, trouxe novos elementos para a compreensão dos direitos e necessidades da criança e do adolescente. Se no processo histórico brasileiro, a doutrina da situação irregular estimulava a exploração do trabalho precoce como instrumento de controle e reprodução das classes populares, atualmente, tal conduta já não encontra mais fundamentos teóricos para sua realização. A adoção dos princípios protetores presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente, trouxe uma nova visão, garantindo direitos ao livre e pleno desenvolvimento físico e psíquico, exercitando em toda a sua plenitude a convivência familiar e comunitária livre da mais absoluta exploração. Com a nova Constituição e a aprovação da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, crianças e adolescentes passaram a

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dispor de um conjunto de normas protetoras em função de sua condição especial de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, em seu art. 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A garantia desse complexo conjunto de direitos foi regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que instituiu mecanismos eficazes para a implementação das políticas públicas necessárias à efetivação desses direitos. Nesse contexto, os direitos infanto-juvenis garantidos na Constituição recebem um tratamento diferenciado e especial, pois dispõem da primazia de absoluta prioridade, ou seja, para a efetivação desses direitos, as políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente devem ser priorizadas a todas as demais políticas. Desse modo, com a promulgação da nova carta constitucional, restabeleceu-se o limite de idade mínima para o trabalho em quatorze anos, ressalvando a possibilidade de aprendizagem que poderia ser realizada já a partir dos doze anos. Determinava o art. 7o, XXXIII, da Constituição Federal de 1998: “proibição do trabalho noturno, perigoso e insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho aos

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menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz.” Há que se lembrar, que por força da Emenda Constitucional n.º 20, de 1998, a idade mínima para o trabalho passou dos 14 para os 16 anos e na condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade (esta questão será melhor aprofundada ainda neste capítulo). Além de manter a garantia de proibição de trabalho noturno e insalubre às crianças e aos adolescentes, inovou a Constituição, ao proibir o trabalho perigoso abaixo desta idade. A nova Constituição estabelece, no art. 227, § 3o, que a proteção especial destinada à criança e ao adolescente envolve, em conformidade com o art. 7o, inciso XXXIII, a garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários e a garantia de acesso ao trabalhador adolescente à escola. Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente, construído mediante a atuação e debate de setores representativos da sociedade civil, que promoveram mobilizações e discussões por quase dez anos, trouxe uma nova visão para o universo infanto-juvenil, tendo por fundamento de que crianças são sujeitos de direitos e, também, propõe uma série de diretrizes que ensejam radicais mudanças em muitos campos. Além da regulamentação das normas protetivas previstas constitucionalmente, que resultaram da construção histórico-legislativa das normas de proteção à infância e juventude, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe a sistematização de normas importantes, como as previstas em seu artigo 67, incisos I, III e IV, que estabelecem a proi-

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bição: 1) do trabalho penoso, 2) do trabalho realizado em locais prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do adolescente em horários e locais que não permitam a freqüência à escola aos adolescentes. Ainda preocupou-se em assegurar - no art. 69, I e II, - que o direito à profissionalização e à proteção no trabalho do adolescente deve observar o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e à capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho, dentre outros aspectos. O Estatuto da Criança e do Adolescente incorporou, já na sua formulação, os princípios protetores da Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), indicando que o ingresso prematuro de crianças e adolescentes no mundo do trabalho provoca prejuízos escolares, além de comprometer o desenvolvimento e a construção da identidade social e política da criança. Diante de tal realidade, o Ministro do Trabalho e Emprego instituiu, por meio da Portaria GM/MTE no 341, de 27 de maio de 1999, Comissão Tripartite para efetuar a análise da Convenção 138 e da Recomendação 146. A partir do parecer favorável estabelecido por consenso na referida Comissão quanto à ratificação, o Brasil avançou ao depositar o instrumento de ratificação junto à Organização Internacional do Trabalho. Essa Convenção é considerada como uma das mais importantes da Organização Internacional do Trabalho, pois é uma das sete normas que integram o rol das convenções de direitos fundamentais, conforme deliberação da Convenção Internacional do Trabalho, realizada em 1998.

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Ainda no plano do direito internacional do trabalho, a Assembléia Geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida no mês de junho de 1999, aprovou a Convenção no 182, voltada às piores formas de trabalho infantil, como norma internacional complementar à Convenção 138, que também foi ratificada pelo Brasil. Resta, ainda, registrar novamente que a promulgação, em 15 de dezembro de 1998, da Emenda Constitucional no. 20, que modificou o sistema de previdência social e estabeleceu normas de transição e determinou outras providências, dentre as quais a alteração dos limites de idade mínima para a admissão em emprego ou trabalho e, portanto, o âmbito de abrangência da capacidade jurídica e das condições para o exercício do trabalho infanto-juvenil. O objetivo deste capítulo será aprofundar a análise do atual sistema normativo referente ao trabalho da criança e do adolescente no Brasil, com base nas recentes alterações normativas, elaboradas e discutidas junto ao Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que têm representado um apoio significativo na discussão, análise e aprofundamento das questões referentes ao arcabouço jurídico relativo ao trabalho infantil.

4.2 Definindo os conceitos operacionais O conceito de trabalho infantil (precoce) é o que melhor expressa a proibição do trabalho infanto-juvenil entendido como todo trabalho realizado por criança ou adolescente com idades inferiores aos determinados pela legislação.

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Portanto, para uma compreensão do preciso conceito jurídico de trabalho infantil é indispensável uma análise dos limites de idade mínima para o trabalho estabelecidos no direito brasileiro. Embora estes limites estejam expressos, de maneira muito clara, na Constituição da República Federativa do Brasil e na Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, há algumas questões de conteúdo relativas ao tema que merecem uma atenção especial. Para tanto se torna necessária à compreensão do conceito de capacidade jurídica para o trabalho. A compreensão da capacidade jurídica para o trabalho requer uma análise de seus pressupostos conceituais e que envolve a terminologia concernente aos sujeitos referidos, mediante a diferenciação histórica e conceitual entre as categorias menor, criança e adolescente. Do mesmo modo, fazse necessária a definição do conceito de capacidade jurídica, suas modalidades e o seu âmbito de abrangência referente às relações de trabalho. A primeira abordagem comporta a definição precisa das categorias integrantes do tema voltado ao trabalho infantil. Assim, é oportuno, primeiramente, definir individualmente estas categorias para, em seguida a sua inter-relação, aterse a um estudo adequado do tema em questão. O momento inicial consiste na identificação subjetiva dos titulares de direitos e obrigações para os quais se concentra este trabalho, a criança e o adolescente, diferenciando-se de outras terminologias normalmente utilizadas pelos operadores do direito.

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A capacidade jurídica será abordada mediante uma análise de seu conceito e conteúdo, diferenciando-se gênero e espécie da categoria apresentada, bem como de seus critérios definidores. Importa, de outro modo, distinguir as modalidades que envolvem os conceitos de trabalho e profissionalização, com o fim de analisar a capacidade jurídica para o trabalho e, por conseqüência, os seus limites determinantes do trabalho da criança e do adolescente no direito brasileiro, os quais têm por fundamento os princípios protetivos da doutrina da proteção integral. Na definição da terminologia, o conceito tradicionalmente adotado pela legislação trabalhista e penal, até então em vigor, utilizava, e em alguns momentos ainda utiliza, o termo “menor” como aquela pessoa com idade inferior a dezoito anos, sob condições específicas. No entanto, as recentes transformações promovidas pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente trouxeram inovações ao categorizar e distinguir as figuras da “criança” e do “adolescente”. A expressão “menor” foi usada como categoria jurídica, desde as Ordenações do Reino, como caracterizadora da criança ou adolescente envolvido em prática de infrações penais. Já no Código de Menores de 1927, o termo foi utilizado para designar aqueles que se encontravam em situações de carência material ou moral, além das infratoras. Em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, destinou-se um capítulo à proteção do trabalho do menor, com

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o intuito de centralizar em uma única legislação o disciplinamento do trabalho da criança e do adolescente. A referida consolidação veio ampliar o conceito de “menor”, que a partir daí passou a envolver todos os trabalhadores com idade entre doze e dezoito anos. Os princípios protetores estabelecidos na Consolidação trataram de sistematizar a regulamentação anteriormente realizada em relação ao trabalho de crianças e adolescentes, somando-se a esta a marcante influência das normas internacionais emitidas pela Organização Internacional do Trabalho que pressionava seus países signatários a um disciplinamento de cunho protetor quanto à questão em análise. Mesmo com o avanço da Consolidação das Leis do Trabalho, em que se ampliou o âmbito de abrangência da categoria “menor”, o Brasil, muitos anos mais tarde, ao adotar o Código de Menores, em 1979, cuidou de destinar novo conteúdo à categoria “menor”, colocando-o sob uma ótica estigmatizante, pois o classificou como pessoa em situação irregular. Com o surgimento do Código de Menores de 1979, surge uma nova categoria: “menor em situação irregular”, isto é, o menor de 18 anos abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta ou autor de infração penal. O diploma de 1979, regulador dos direitos da infância, ao invés de consagrar os princípios emancipadores previstos na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, optou pela persecução de políticas públicas conservadoras,

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direcionando-as ao que se chamava de clientela específica, sob a qual crianças e adolescentes que nasciam num mesmo país e, portanto, deveriam dispor dos mesmos direitos, eram catalogadas como em situação irregular e, sendo “classificadas”, teriam um tratamento político particularizado e diferenciado das demais crianças e adolescentes. A concepção de menor em situação irregular, pressupunha a possibilidade do estabelecimento de um padrão de regularidade ou modelo ideal em que deveriam ser adequados. Por óbvio, era exigir demais da capacidade civilizatória a concretização deste tipo ideal, pois exigia a adoção de um modelo único a ser seguido, eliminando a riqueza encontrada na diversidade humana. Esta reflexão pontuou o debate de diversos segmentos sociais na década 80 no Brasil. Nesse período, organizações representativas da sociedade civil denunciavam o marcante o processo de estigmatização dos então chamados menores. Foi comum em diversos setores sociais identificar aqueles excluídos social e economicamente como menores e contraposição aqueles poucos privilegiados reconhecidos como crianças ou adolescentes. Desse modo, ao invés de garantir uma atenção especial às suas condições pessoais e sociais, acabou por reproduzir a condição de exclusão social e de estigmatização, colocando aquele universo, já desde o nascimento, numa condição de inferioridade frente às demais crianças brasileiras, consideradas por esta visão como em situação irregular, pois em geral não dispunham de meios econômicos e sociais para prover o seu desenvolvimento.

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Mas na formulação da Constituição Federal de 1988, a sociedade já havia se atentado para o tema, tratando de substituir o termo “menor”, carregado de forte estigma e marcado para o direcionamento das políticas públicas a uma parcela específica dos jovens, universalizando a atenção dada à infância e juventude através das expressões “criança” e “adolescente”, reconhecendo-as, a partir daí, como sujeitos de direitos. O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, em seu art. 15: “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.” O reconhecimento desses novos direitos teve por fundamento a Convenção Internacional dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas de 1989, ratificada pelo Brasil através do Decreto 99.710, em 21 de novembro de 1990, que trouxe para o universo jurídico a Doutrina da Proteção Integral. Essa nova concepção situa a criança dentro de um quadro de garantia integral, evidencia que cada país deverá dirigir suas políticas e diretrizes tendo por objetivo priorizar os interesses das novas gerações; pois a infância passa a ser concebida não mais como um objeto de “medidas tuteladoras”, o que implica reconhecer a criança e o adolescente sob a perspectiva de sujeitos de direitos. É oportuno ressaltar que a grande mobilização social, ocorrida em razão da promulgação da Constituição Fede-

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ral de 1988, provocou a regulamentação dos direitos infantojuvenis com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, que passou a definir como criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade, de acordo com o art. 2o. Desse modo, o art. 402 da Consolidação das Leis do Trabalho, que conceitua menor como o trabalhador entre doze e dezoito anos, merece atualização. Já em 1992, a doutrina indicava a revogação do dispositivo em função de sua inconstitucionalidade, decorrente da elevação da idade mínima para o trabalho, efetivada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.138 Apesar de sua revogação, o dispositivo ainda encontra amparo na visão de alguns juristas, saudosos da doutrina da situação irregular. Contudo, salienta-se a necessidade de sua atualização, pois o conceito de menor, em função do Estatuto da Criança e do Adolescente, deve ser desmembrado e compreendido conforme o período etário a que se refere. Assim, sempre que houver a referência ao então “menor trabalhador”, conceituado pela Consolidação das Leis do Trabalho, deve-se substituir a expressão pela categoria criança ou adolescente trabalhadores, conforme o caso que se pretende indicar. Desconsiderando-se, neste momento, as situações de legalidade ou ilegalidade do trabalho da criança e do adolescente, define-se como criança trabalhadora àquela pessoa 138 MORAES, Antonio Carlos Flores de. Trabalho do adolescente: proteção e profissionalização. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 231.

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submetida à relação de trabalho com até doze anos de idade incompletos e, do mesmo modo, adolescente trabalhador aquele que desenvolve atividade laboral com idade entre doze e dezoito anos incompletos. No mesmo sentido deve ser utilizada a expressão “adolescente aprendiz” sempre que se fizer referência ao então chamado “menor aprendiz”. Por adolescente aprendiz, compreende-se a pessoa com idade entre quatorze e dezoito anos, que desenvolve atividades de formação metódica de ofício, em conformidade com legislação especial, neste caso a Lei no 10.097/2000. Estabelecidos os conceitos referentes aos sujeitos, cabe agora uma análise da capacidade jurídica para o trabalho.

4.3 A questão da capacidade jurídica para o trabalho A capacidade jurídica pode ser entendida em dois sentidos que expressam âmbitos de abrangência distintos. A capacidade jurídica em seu sentido amplo pode ser definida como a capacidade de uma pessoa para ser titular de direitos e obrigações ou, de acordo com Karl Larenz, como “a capacidade de uma pessoa para ser sujeito de relações jurídicas e, por isso, titular de direitos e destinatário de deveres jurídicos.”139 Decorre desses conceitos o entendimento de que criança e adolescente são considerados sujeitos de direitos e obrigações. 139 LARENZ, KARL. Derecho Civil - Parte General. Trad. Miguel Izquierd y Macias-Picavea. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1978. p. 103.

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Por sua vez, a capacidade jurídica, em seu sentido estrito, consiste na chamada capacidade de exercício de direitos e obrigações daquele titular de uma relação jurídica. Segundo Carlos Alberto da Mota Pinto, “a capacidade de exercício ou capacidade de agir é a idoneidade para atuar juridicamente é a aptidão para pôr em movimento a esfera jurídica própria, para por actividade própria produzir conseqüências jurídicas no conjunto de direitos e obrigações de que se é titular - exercendo direitos ou cumprindo deveres, adquirindo direitos ou assumindo obrigações, por acto próprio e exclusivo ou mediante um representante voluntário ou procurador...”140 Importa acrescentar que a capacidade jurídica, em seu sentido amplo, está intrinsecamente ligada à figura da personalidade jurídica. É conveniente ressaltar que o pressuposto legal de reconhecimento da condição de pessoa em situação peculiar de desenvolvimento não pode conduzir a uma diferenciação da situação jurídica da criança e do adolescente, colocandoos em patamares inferiores aos do adulto, em prejuízo aos seus direitos mais elementares. Por isso, a capacidade jurídica, em seu sentido amplo, vem expressar a individualização subjetiva em relação aos direitos fundamentais. Este foi o modo de que se serviu o legislador para consagrar a efetividade dos direitos humanos fundamentais desde a concepção, atribuindo, inclusi140 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 3. ed., 1992. p. 193.

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ve, responsabilidades à família, ao Estado e à sociedade para sua efetivação, de acordo com a Constituição Federal no seu art. 227. Quando se faz referência à capacidade jurídica da criança ou do adolescente, indicam-se duas possibilidades: a) a capacidade jurídica lato senso para referir-se que os limites determinantes da capacidade jurídica fazem parte do rol dos direitos subjetivos concedidos pela Constituição e pelas leis das quais crianças e adolescentes são titulares e b) a capacidade jurídica stricto sensu que delimita os modos e as (im)possibilidades quanto ao exercício da gama de direitos e obrigações inerentes a sua condição. Sendo a capacidade jurídica lato sensu pressuposto para a existência de direitos, o tema central desta análise reporta-se à capacidade jurídica em sentido estrito, pois é nesta que se manifesta a complexidade e importância do tema, já que é o fator determinante da possibilidade do exercício ou não de atividade laboral. A determinação dos limites da capacidade jurídica em sentido estrito é fixada com base em critérios determinados, especialmente voltados para etapas próprias de desenvolvimento humano, além de serem considerados aspectos fisico-biológicos, psíquicos, etários e o próprio arbítrio do legislador. E tais limites servem ao objetivo de determinar a capacidade da criança e do adolescente, quanto aos seus direitos e deveres jurídicos. As normas que regulam a capacidade jurídica, em sua natureza, são, nas palavras de Vicente Ráo, públicas e

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insuscetíveis”, uma vez que as partes não podem a seu “bel prazer” alterá-las. “Dessa natureza participam não só as normas que indicam os casos de incapacidade, mas todas as que dispõem sobre a situação dos incapazes, seus direitos e deveres, os direitos e deveres de seus representantes, enfim, todas aquelas que direta ou indiretamente, à incapacidade e às suas conseqüências jurídicas se referem.”141 A necessidade de tratamento das normas como de ordem pública decorre da atribuição de essência protetora na constituição das normas que estabelecem a incapacidade. A incapacidade difere da proibição no preciso momento em que esta visa a coibir ou a vedar um ato contrário ao ordenamento e, aquela apenas impede que determinadas pessoas em condições especiais possam exercer um ato jurídico, não obstando que, em determinados casos, este ato seja realizado por meio de representação ou assistência. O que se visa garantir é a proteção ao incapaz e daí a impossibilidade de alteração dos limites de capacidade pela vontade das partes. Contudo, torna-se prudente salientar que a capacidade jurídica relativa e a incapacidade jurídica não deixam seus titulares à própria sorte, pois trazem à tona um leque de normas protetoras de ordem pública e que objetivam tutelar aqueles que não dispõem de capacidade jurídica plena. Por sua vez, a aquisição da capacidade jurídica tem, muitas vezes, tratamento diferenciado quanto aos limites 141 RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 3. ed. Anotada e atualizada por Ovídeo Rocha Barros Sandoval. São Paulo: RT, v. 1 e 2, 1991, p. 605.

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de idade conforme o ramo da ciência jurídica em questão. Nesse sentido, a capacidade jurídica da pessoa, determinada através de limites etários, diferencia-se quando o exercício de direitos e obrigações diz respeito a questões civis, comerciais, políticas ou penais e, do mesmo modo acontece no tocante a direitos e obrigações decorrentes de questões trabalhistas. No que se refere ao âmbito das relações de trabalho, esta diversidade permanece ainda mais complexa, pois o tratamento da capacidade jurídica para o trabalho da criança e do adolescente tem sua natureza jurídica constituída por parâmetros determinados na Constituição Federal e em várias legislações, tais como, as Convenções Internacionais ratificadas pelo país, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Consolidação das Leis do Trabalho. A capacidade para o trabalho é determinada no mundo fático com base em critérios diversos. Podem ser elencados, inicialmente, os aspectos físicos, psíquicos, biológicos e culturais. Apesar de, numa sociedade capitalista, ser o critério da hipossuficiência econômica o que, via de regra, mais influi na decisão quanto ao ingresso das crianças e adolescentes no mercado de trabalho, este não é o critério jurídico adotado. O critério que fundamenta essas normas no ordenamento jurídico é o da proteção das pessoas em processo de desenvolvimento, sendo esta proteção garantida mediante o estabelecimento de limites de idade em que se permite ou proíbe a realização de trabalho. Esses limites não são cons-

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tituídos apenas arbitrariamente, mas com base no grau de desenvolvimento físico, psíquico, biológico e educacional das pessoas que se pretende atingir. Registram Rubem Cervini e Freda Burger que “a capacidade reguladora (normas jurídicas sobre limitações e condições do trabalho infantil) e de controle (fiscalização da aplicação efetiva dessas normas) são fatores que ajudam a modelar o comportamento das empresas e do mercado em geral.”142 Nunca é demais lembrar que a aquisição da capacidade jurídica para o trabalho está subordinada, no direito brasileiro, aos princípios e normas da doutrina da proteção integral, pois o princípio fundamental na atenção voltada à infância e adolescência, garantida na Convenção dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas e no Estatuto da Criança e do Adolescente, como já foi dito, é o da proteção integral daqueles que se encontram em processo de desenvolvimento, com o intuito de garantir o seu bem-estar físico, mental, moral, espiritual e social. A doutrina da proteção integral funda-se no reconhecimento de direitos próprios e especiais de crianças e adolescentes que, em razão de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, faz-se necessário uma proteção especializada, diferenciada e integral. A infância e a adolescência passam a ser assumidas enquanto sujeito de direitos, devendo ter os mesmos direitos que têm os adultos e que sejam aplicáveis a sua idade, e ainda, contam com direitos 142

CERVINI, Ruben. BURGER, Freda. Op. Cit. p. 19.

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especiais derivados da sua condição específica de pessoa em fase de desenvolvimento. No mesmo sentido configura-se como imprescindível a proteção daqueles considerados como pessoas em situação peculiar de desenvolvimento contra a exploração econômica ou a opressão cultural que submete os valores da educação e do livre desenvolvimento humano às necessidades econômicas imediatas provenientes de um sistema econômico que prioriza o “ter” ao “ser”. Em virtude da relatividade de critérios como os biológicos, físicos, psíquicos, econômicos e culturais, o legislador optou, em função da segurança jurídica do sistema, pelo seu balizamento mediante a utilização do critério etário em função das etapas de desenvolvimento humano, com vistas a garantir um tratamento adequado à realidade das crianças e adolescentes. No Brasil, como na maioria dos países, os legisladores têm determinado normas com limites de idade mínima, como forma de precisar adequadamente os parâmetros ideais da capacidade jurídica para o trabalho. Apesar de a capacidade jurídica constituir-se num instituto normalmente estudado no âmbito do Direito do Trabalho, que regula principalmente as relações de emprego, é de fundamental importância salientar que os limites de idade determinantes da capacidade jurídica para o trabalho envolvem todas as relações diretamente ligadas ao mundo do trabalho e não apenas àquelas restritas as relações de emprego, pois a capacidade jurídica para o trabalho consis-

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te na capacidade de uma pessoa em ser sujeito de relações jurídicas de trabalho e, portanto, titular de direitos e deveres oriundos do seu trabalho. A capacidade jurídica para o trabalho, de acordo com Oris de Oliveira, “estende-se a qualquer modalidade de trabalho em que o adolescente possa envolver-se: em regime familiar, como empregado comum na cidade ou no campo, como aprendiz-empregado, em regime associativo, inclusive o cooperativo, e na condição de autônomo.”143 Destas relações estão excluídas, apenas, as modalidades de profissionalização que estejam exclusivamente integradas no âmbito da educação ou aprendizagem e, por isso, não requerem capacidade jurídica para o seu exercício. Desse modo, pode-se concluir que a capacidade jurídica, ainda que relativa, é requisito e fator determinante para a validade de todas as relações de trabalho. Além disso, o trabalho da criança e do adolescente submete-se a condições determinadas para o seu exercício que objetivam proteger aqueles que se encontram em processo de desenvolvimento. No estudo mais aprofundado dos atuais limites determinantes da capacidade jurídica para o trabalho no direito brasileiro, alguns elementos devem ser considerados. Primeiramente, a elevação dos limites de idade mínima para o trabalho efetuado por força da Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998. Ademais, se encontram no 143 OLIVEIRA, Oris. O trabalho infantil: o trabalho infanto-juvenil no direito brasileiro. Brasília: OIT, 1994. p. 182.

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ponto central desta análise os novos limites que determinam a capacidade jurídica para o trabalho, limites historicamente constituídos sob fundamentos protetivos e que pretendem resguardar o desenvolvimento das futuras gerações, priorizando as políticas públicas básicas e direcionando-as para a educação, reservando-se apenas o trabalho estritamente necessário à formação profissional. Segundo a Nota Técnica à Portaria no 06 do Ministério do Trabalho e Emprego “a opção feita pelo Estado Brasileiro, de postergar a entrada de adolescentes no mercado de trabalho foi acertada. A idade anteriormente preconizada pela Constituição Federal, 14 anos – idade que, em tese, marcaria o fim do primeiro grau nas escolas, refletia uma utopia, pois ignorava alguns incidentes bastante freqüentes, tais como a entrada tardia na escola e mesmo as eventuais reprovações. Ao aumentar a idade para 16 anos, a Emenda Constitucional no 20/98 não só preveniu, em parte, esses percalços educacionais, como também estimulou o aluno bem sucedido a complementar o segundo grau, o que não só o qualifica melhor, como trata de abrir-lhe as portas do mundo universitário, no qual poderá dar um passo decisivo para tornar-se um profissional mais qualificado e ascendente profissionalmente.” A nova determinação dos limites de idade mínima para a admissão em qualquer trabalho fixou novos parâmetros de capacidade jurídica para o trabalho, elevando os níveis de aquisição inferior de quatorze para os dezesseis anos. Como reflexo, o adolescente passa a adquirir capacida-

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de jurídica para o trabalho a partir dos dezesseis anos, sendo que em função de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, nesse período tal capacidade será relativa, ou em alguns momentos, poderá até inexistir em face das condições impostas para o exercício de determinados tipos de trabalho ao adolescente. A capacidade jurídica para o trabalho é determinada em função de limites de idade fixados na legislação. Inicialmente, faz-se necessário indicar que os limites de idade são determinados segundo três critérios: 1) limite de idade mínima inferior para o trabalho: estabelece uma proibição do desenvolvimento de qualquer atividade laboral, incluindo até àquelas voltadas para aprendizagem; 2) limite de idade mínima básica para o trabalho: proíbe o desenvolvimento de qualquer atividade laboral, salvo aquelas direcionadas para a aprendizagem e, 3) limite de idade mínima superior para o trabalho: estabelece a proibição do exercício de atividade laboral em determinadas condições, sendo que a partir da superação deste limite realiza-se a aquisição da capacidade jurídica plena para o trabalho. Com base nesses critérios, a Emenda Constitucional no. 20, de 15 de dezembro de 1998, que alterou o art. 7o, XXXIII, da Constituição da Republica Federativa do Brasil, que passou a vigorar com a seguinte redação: “proibição do trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.” Houve, assim, uma profunda alteração nos limites de

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idade mínima inferior e básico para o trabalho, decorrendo daí a alteração dos limites determinantes da capacidade jurídica para o trabalho da criança e do adolescente. Em face da referida Emenda Constitucional, o art. 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente foi alterado, devendo ser lido conforme a seguinte redação: “é proibido qualquer trabalho abaixo dos dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos”. Desse modo, ficou determinado o limite de idade mínima básico para admissão em trabalho ou emprego em dezesseis anos e a fixação desse limite implica uma proibição ao desenvolvimento de todo e qualquer tipo de atividade laboral abaixo dessa idade, ressalvada a aprendizagem que pode ser desenvolvida a partir dos quatorze anos, por encontrar-se estreitamente ligada à educação e formação técnico-profissional, de acordo com o art. 62 do Estatuto da Criança e do Adolescente que conceitua aprendizagem, nos seguintes termos: “Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”. Atualmente a legislação que remete o artigo estatutário trata-se da Lei no 10.097, de 19 de dezembro de 2000, que trouxe um novo disciplinamento à matéria. Portanto, a determinação de proibição de trabalho abaixo dos limites de idade mínima é o que caracteriza normalmente na situação fática denominada usualmente como trabalho infantil. No entanto, como esta terminologia pode ser interpretada apenas como trabalho da criança e existem tra-

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balhos que são proibidos ao adolescente, há uma tendência no uso da expressão trabalho precoce, que teria um potencial representativo maior,em vista dos atuais limites de idade mínima para o trabalho. Outro aspecto ainda impreciso, referente ao tema, diz respeito ao chamado trabalho em regime de economia familiar. Como o dispositivo constitucional não fez distinção em relação a qualquer tipo de trabalho, o intérprete não deve fazê-lo. Isso não implica que a criança e o adolescente estejam impedidos de realizarem quaisquer tipos de tarefas uma vez que a proibição, está expressamente declarada no art. 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, há ainda que se fazer distinção entre trabalho e tarefa em sentido estrito. Tarefa (stricto sensu) é toda atividade que a criança desenvolve, voltada ao processo de aprendizado e socialização - podem ser citadas, como exemplo, as tarefas domésticas e as tarefas escolares. Por outro lado, quando a atividade realizada pela criança tem como finalidade precípua o ganho econômico individual, de modo a garantir a sua subsistência ou da própria família, diz-se que há o uso do trabalho precoce da criança pela família. Isso significa que, quando a família precisa buscar no trabalho da criança um ganho econômico com o intuito de garantir sua subsistência e tal família está inserida na cadeia produtivo-empresarial, ou seja, os pais estão, mesmo que perifericamente, integrados numa cadeia produtiva mais ampla, seja como empregados, produtores, fornecedores de

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matéria-prima, produtos para determinado setor produtivo agrícola, comercial ou industrial, há a caracterização do trabalho precoce através da família. O trabalho, mesmo que em regime familiar, realizado mediante produção artesanal, agropecuário, comercial ou industrial, mesmo que destinado ao próprio consumo e subsistência da família, deve ser reservado aos adultos, pois é responsabilidade, inclusive da família, a garantia do desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. Quando a lei proíbe o desenvolvimento de qualquer trabalho abaixo dos dezesseis anos, não está vedando realização de qualquer atividade, pois exclui aquelas caracterizadas como tarefas (stricto sensu) em conformidade com o conceito indicado. O entendimento adequado diz que devem ser afastados as crianças e os adolescentes que abaixo do limite de idade mínima estejam laborando em condições que podem ser caracterizadas como trabalho precoce, seja pela família, através da família ou para o próprio consumo. Feita a distinção, importa considerar que, a partir do limite de idade mínima constitui-se a permissão para o trabalho, limitada, evidentemente, por normas protetoras ao trabalho do adolescente. A decorrência natural desse limite proibitivo é a incapacidade jurídica absoluta para o trabalho daqueles que se encontram abaixo do limite de quatorze anos de idade. A medida justifica-se devido ao chamado direito de não trabalhar do qual dispõem as crianças e os adolescentes até essa idade. Não restam dúvidas de que o estabelecimento da fixa-

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ção de uma idade mínima é importante, pois a partir dela o adolescente tem, conforme nos ensina Oris Oliveira, “o direito de trabalhar. Antes da idade mínima o direito resguardado é o de não trabalhar. O não trabalho não é ócio pernicioso, mas deve ser preenchido com a educação, com a freqüência à escola, com o brinquedo, com o exercício do direito de ser criança. O fato generalizado, sobretudo no Terceiro Mundo, do trabalho antes da idade mínima revela apenas uma das faces de uma violência institucionalizada.144 O Estatuto da Criança e do Adolescente garante, em seu art. 16, inciso IV, às crianças e aos adolescentes, o direito de brincar, praticar esportes e divertir-se, fundamentado na Constituição Federal, art. 217, caput e § 3o, que estabelece como dever do Estado o fomento às práticas desportivas e o incentivo ao lazer como forma de promoção social. Cumpre registrar que a elevação do limite de idade mínima para o trabalho, vem ao encontro do dispositivo da Convenção no 138, sobre idade mínima para o trabalho, da Organização Internacional do Trabalho e da Recomendação no 146, pois estabelecem que os países-membros devem ter como objetivo a elevação progressiva, para dezesseis anos, da idade mínima, para admissão a emprego ou trabalho. O Brasil adequou-se à diretriz internacional no momento em que a idade mínima para admissão em trabalho e emprego passou a ser fixada em dezesseis anos, demarcando o limite segundo o qual se encerra a incapacidade jurídi-

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OLIVEIRA, Oris. O trabalho infantil – O trabalho infanto-juvenil, Cit. 1994. p. 182-3.

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ca para o trabalho, o que configura a capacidade jurídica relativa para o trabalho. Da aquisição da capacidade jurídica para o trabalho e do exercício dos direitos e deveres inerentes à atividade laboral, na condição de empregado ou aprendiz, o adolescente tem assegurado seus direitos trabalhistas e previdenciários, conforme estabelecem os artigos 227, II, § 3o, da Constituição Federal e 65 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pode-se concluir que, no ordenamento jurídico brasileiro em vigor, a idade mínima inferior para o trabalho está fixada em quatorze anos, a idade mínima básica é dezesseis anos, momento em que o adolescente adquire capacidade jurídica relativa para o trabalho e a idade mínima superior para o trabalho é de dezoito anos, idade a partir do qual se dá aquisição da capacidade jurídica plena para o trabalho. No entanto, sempre que se tratou da capacidade jurídica no período compreendido entre quatorze e dezoito anos fezse referência a esta como capacidade jurídica relativa, daí a importância de se fixarem os motivos da relatividade da capacidade jurídica para o trabalho. Primeiramente, convém indicar que a aquisição da capacidade jurídica pelo adolescente é relativa em função de este ser reconhecido como pessoa em situação peculiar de desenvolvimento. Desse modo, o ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que concede a capacidade jurídica para o trabalho, exige determinados requisitos para o seu exercício. Em segundo, pode-se destacar que o exercício de atividade laboral do adolescente está condicionado aos deveres

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de cuidado e proteção dos pais ou tutores, tendo estes a obrigação de afastá-lo de todo o tipo de atividade que o coloque em situações de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, em razão do artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil. Por isso, a Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 408, concede ao responsável legal pelo adolescente a faculdade de pleitear a extinção do contrato de trabalho, quando constatar que o serviço possa acarretar-lhe prejuízos de ordem física ou moral. Vale lembrar que o descumprimento dessa obrigação pode resultar na responsabilização dos pais, seja pela ação ou omissão, segundo o art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Do mesmo modo, a Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 437, impõe multa e até a destituição do pátrio poder aos responsáveis legais que infringirem os dispositivos de proteção ao trabalho do adolescente ou de cumprimento da escolaridade obrigatória. Aos responsáveis legais cabe ainda, conforme o art. 434 da Consolidação das Leis do Trabalho, a obrigação de afastar o adolescente de empregos que diminuam consideravelmente o tempo de estudo ou reduzam o tempo de repouso necessário à saúde, à constituição física ou que prejudiquem a formação moral. Outro referencial importante que relativiza a capacidade jurídica para o trabalho do adolescente é o art. 439 da Consolidação das Leis do Trabalho que, reconhecendo sua capacidade jurídica, permite que firme recibo pelo paga-

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mento de salário, mas relativiza essa capacidade ao exigir a assistência dos responsáveis legais no caso de rescisão de contrato de trabalho, que requer a assistência para dar quitação ao empregador pela indenização devida. Há que se recordar que, em função de sua capacidade relativa, o art. 440, da Consolidação das Leis do Trabalho, estabelece que contra crianças e adolescentes até dezoito anos não corre nenhum prazo de prescrição. A assistência nas relações de trabalho de adolescentes tem fundamento na responsabilidade primordial dos representantes legais pela educação e desenvolvimento de sua prole, que deve visar ao interesse maior de proteção do educando. A capacidade jurídica para o trabalho do adolescente é, portanto, relativizada em função do princípio protetivo que deve vincular o exercício de atividade laboral nessa faixa etária, que compreende o período de dezesseis até dezoito anos. No entanto, poderá ser adquirida excepcionalmente, a partir dos quatorze anos, desde que vinculada a um contrato de aprendizagem. Resta por último considerar que a aquisição da capacidade jurídica plena para o trabalho acontece aos dezoito anos de idade, a partir daí a pessoa passa a adquirir plenos direitos e obrigações no âmbito das relações de trabalho. Kátia Magalhães Arruda lembra que, “o trabalhador adulto é livre para vender sua força de trabalho, mas a criança não o é, pois a rigor o que ela vende é sua infância, que não pode ser vendida por ser seu direito fundamental. É como

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vender a vida e a liberdade, nunca mais haverá retorno e não há preço individual, familiar ou social capaz de pagála.”145 Diante do que foi exposto, há que se compreender que a infância e a adolescência são bens indisponíveis e em função de seu elevado caráter social devem, acima de tudo, ser protegidas mediante a abolição do trabalho precoce e a proteção do adolescente trabalhador em condições regulares previstas na legislação.

4.4 Condições para o exercício do trabalho Além da capacidade jurídica para o trabalho, a atividade laboral da criança e do adolescente é delimitada, também, em função de condições específicas para o exercício de trabalho. Essas condições fixam-se a partir de dois referenciais básicos: o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho, segundo o art. 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente. O respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento fundamenta a proibição do trabalho noturno, perigoso, insalubre, de acordo com o art. 7o, XXXIII, da Constituição Federal, bem como, aquele realizado em locais prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, incluindo, também, aqueles realizados em horários e locais que não permitam a freqüência à escola e 145

ARRUDA, Kátia Magalhães. Op. Cit. p. 107.

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os trabalhos penosos, conforme dispõe o art. 67 da Lei 8.069/90. Já o requisito da capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho vem balizar os limites de profissionalização e trabalho desenvolvidos pelo adolescente que devem, necessariamente, estar conectados à realidade social, econômica e tecnológica do país. Desse modo, a execução de atividades de profissionalização como o trabalho educativo (Lei 8.069/90, art. 68) e a aprendizagem (Lei 10.097/00) devem estar intrinsecamente relacionados ao projeto de políticas de emprego e educação planejados para o país, não havendo sentido a realização de qualquer atividade laboral pelos adolescentes que não tenha por objetivo a formação adequada ao mercado e ao mundo do trabalho. Tal formação, inclusive, não se pode resumir ao repasse de técnicas e conhecimentos específicos, mas deve abranger o estímulo ao desenvolvimento de raciocínio lógico, da análise crítica e do estudo dos conhecimentos acumulados historicamente pela sociedade. Essas duas condições não se reduzem apenas aos princípios, mas em elementos que obrigatoriamente devem ser observados na realização de qualquer política pública referente ao trabalho do adolescente, bem como no estabelecimento de qualquer tipo de relação que envolva a participação de crianças ou adolescentes. A inobservância de qualquer dessas condições gera responsabilidade entre os entes envolvidos, sejam eles a famí-

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lia, o Estado ou a sociedade, pois a violação de qualquer garantia que venha em prejuízo do desenvolvimento de crianças e adolescentes deve ter um tratamento responsável, com objetivo de garantir efetivamente os direitos historicamente conquistados. A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, trouxe um novo paradigma ao universo infanto-juvenil, que consiste no reconhecimento da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direitos. Nesse sentido, estabelece o art. 3o, “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” Esse direito inovador tem conteúdo eminentemente protetivo e afirma não apenas o reconhecimento dos direitos, mas também a preocupação com a garantia do sadio desenvolvimento físico, psicológico, moral e social necessário à formação das presentes e futuras gerações. Dessa concepção decorrem inúmeras normas protetivas baseadas na particularidade daqueles que se situam entre as pessoas em processo de desenvolvimento, pois estão a exigir uma atenção diferenciada e integral, de modo a permitir o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas, buscando-se a superação das dificuldades e contradições ainda tão latentes na realidade social.

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Além das normas protetivas já referenciadas, cabe analisar, pormenorizadamente, as condições restritivas estabelecidas na lei que vedam o trabalho abaixo dos dezoito anos de idade, como mecanismo necessário à proteção contra o trabalho precoce, visando à preservação e garantindo o desenvolvimento sadio das crianças e dos adolescentes. É importante resgatar que, até então, foram analisados dois referenciais importantes concernentes aos limites de idade que determinam a capacidade jurídica para o trabalho: o limite de idade mínima inferior fixado em quatorze anos,- que delimita o período de início da aquisição da capacidade jurídica relativa, condicionada à aprendizagem, e o limite de idade mínima básico de dezesseis anos,- que possibilita ao adolescente a realização de qualquer trabalho, já que a partir desta idade adquire capacidade jurídica relativa para o trabalho, subordinando-se às normas gerais de proteção ao adolescente. Contudo, merece destaque que a aquisição da capacidade jurídica para o trabalho em determinados casos acontece apenas a partir dos dezoito anos de idade, ou seja, a partir do limite de idade mínima superior. É nesse sentido que a Constituição da República Federativa do Brasil estabelece a “proibição de trabalho noturno, perigoso e insalubre aos menores de dezoito anos”, no art. 7o, XXXIII. E o Estatuto da Criança do Adolescente dispõe em seu art. 67: “ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não governamental, é vedado trabalho: I – no-

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turno, realizado entre as 22 (vinte e duas) horas de um dia e as 5 (cinco) horas do dia seguinte; II – perigoso, insalubre ou penoso; III – realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV – realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.” Além da preocupação com a garantia de preservação do pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, não se pode esquecer que a inobservância das normas protetivas destinadas aos trabalhadores tem custo social elevado, pois onera os cofres públicos, exige uma gama enorme de políticas públicas assistenciais e compensatórias, além de prejudicar a própria produção industrial em função do reduzido nível de qualidade de vida do trabalhador. Merece nota, ainda, o art. 67, inciso III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe os trabalhos realizados em locais prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. Embora todo ambiente laboral represente riscos para aqueles que o freqüentem, estes tendem a provocar maior prejuízo às crianças e aos adolescentes em razão de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Por fim, resta destacar a importância social, jurídica e política quanto à observância dos limites de idade mínima para o trabalho uma vez que resguardam a garantia do direito ao pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes e efetivam o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

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5. CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DE PROTEÇÃO CONTRA A EXPLORAÇÃO NO TRABALHO 5.1 O trabalho perigoso O respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, previsto no art. 227 da Constituição Federal, fundamenta a proibição do trabalho perigoso a todos àqueles que tenham menos de dezoito anos, conforme estabelece o art. 7o, XXXIII, da Constituição Federal. Segundo Adalberto Martins, “foi a primeira constituição brasileira a incluir a proibição do trabalho perigoso [...]. As demais se limitaram à proibição do trabalho ‘em indústrias insalubres’.”146 No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente tratou da questão no artigo 67, II, universalizando à proteção ao adolescente independentemente da sua condição de empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica ou assistido em entidade governamental ou não-governamental, pois o trabalho perigoso é proibido às crianças e aos adolescentes, também, em função de seu grau de maturidade psicológica, pois sua 146 MARTINS, Adalberto. A proteção constitucional ao trabalho de crianças e adolescentes. São Paulo: LTr, 2002. p. 109.

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natural distração aumenta a propensão aos acidentes de trabalho. O parágrafo 1o do art. 405 da Consolidação das Leis do Trabalho vinha sendo apontado como inconstitucional desde 1988 uma vez que permitia a realização de aprendizagem em atividades perigosas para adolescentes com idades a partir dos dezesseis anos. Mesmo com o art. 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente que proíbe a aprendizagem em atividades perigosas, a Lei no 10.097, de 19 de dezembro de 2000, para sanar qualquer controvérsia, resolveu o problema definitivamente com a revogação expressa do dispositivo em seu art. 3o, deixando claro que a proteção contra a periculosidade envolve também as atividades em regime de aprendizagem. De acordo com o art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho “são consideradas atividades perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem em contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado.” A art. 405, I da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que ao adolescente “...não será permitido o trabalho: I – nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de quadro para esse fim aprovado pela Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho.” Atualmente, a caracterização das atividades perigosas está regulamentada pela Portaria no 20, de 13 de setembro de 2001, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministé-

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rio do Trabalho e Emprego, que revogou a Portaria no 06, de 05 de fevereiro de 2001. A nova Portaria trouxe quatro modificações. O item 10 estabelecia a proibição dos “trabalhos com utilização de instrumentos ou ferramentas de uso industrial ou agrícola com riscos de perfurações e cortes, sem proteção capaz de eliminar o risco.” A redação em vigor estabelece: “trabalhos com utilização de instrumentos ou ferramentas de uso industrial ou agrícola com riscos de perfurações e cortes, sem proteção capaz de controlar o risco”. O item 19 vedava os “trabalhos com exposição a ruído contínuo ou intermitente, superiores a 80 dB (A) ou a ruído de impacto”, passando a proibir “trabalhos com exposição a ruído contínuo ou intermitente, acima do nível de ação previsto na legislação pertinente em vigor, ou a ruído de impacto.” O item 69 que proibia os “trabalhos em estábulos, cavalarias, currais, estrebarias ou pocilgas” foi restringido, passando a proibir apenas os “trabalhos em estábulos, cavalarias, currais, estrebarias ou pocilgas, sem condições adequadas de higienização.” O item 79, que previa a proibição nos “trabalhos na colheita de cítricos” foi ampliado proibindo a partir de agora os “trabalhos na colheita de cítricos ou de algodão.” A norma em vigor, assim como a anterior, não faz distinção entre atividades perigosas e insalubres relacionando em mesmo quadro os locais e serviços considerados perigosos ou insalubres até os dezoito anos, com exceção dos trabalhos técnicos ou administrativos que serão permitidos, des-

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de que realizados fora das áreas de risco à saúde e à segurança. Arnaldo Süssekind destaca que “a periculosidade se distingue da insalubridade, porque esta, enquanto não houver sido eliminada ou neutralizada, afeta continuamente a saúde do trabalhador; já a periculosidade corresponde apenas a um risco, que não age contra a integridade biológica do trabalhador, mas que, eventualmente (sinistro), pode atingi-lo de forma violenta.”147 De qualquer forma, tanto os trabalhos perigosos, quanto os insalubres permaneceram proibidos àqueles com idades inferiores aos dezoito anos, ficando a distinção sem maior interesse prático. O trabalho perigoso também foi objetivo de atenção da Convenção no 182, da Organização Internacional do Trabalho, que estabelece as piores formas de trabalho infantil. No art. 3o, “d”, a referida normativa internacional, estabelece que as piores formas de trabalho infantil envolvem “trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança”. Para a regulamentação dos trabalhos perigosos, a Convenção estabelece no seu art. 4o que “Os tipos de trabalho a que se refere o artigo 3º (d) deverão ser determinados pela legislação nacional ou pela autoridade competente, após consulta com as organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, levando em consideração as normas 147 SÜSSEKIND, Arnaldo. Segurança e Medicina no Trabalho. In: SÜSSEKIND, Arnaldo, et alii. Instituições de Direito do Trabalho. 16 ed., v. II. São Paulo: LTr, 1996. p. 900.

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internacionais pertinentes, particularmente os parágrafos 3º e 4º da Recomendação sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, de 1999.” Foi neste sentido que o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Portaria no 143, de 14 de março de 2000, instituiu no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, Comissão Tripartite Comissão Tripartite integrada por representantes do Governo, dos Empregadores e dos Trabalhadores, para determinar os tipos de trabalho a serem chamados de “piores formas de trabalho infantil”, a que se refere o artigo 3 da Convenção nº 182 da OIT. O resultado dos trabalhos da Comissão originou a referida Portaria no 20, em 13 de setembro de 2001. A Recomendação no 190, da Organização Internacional do Trabalho, também deu especial ênfase ao trabalho perigoso, no item II, 1, recomendando aos estados-membros que: “ao determinar e localizar onde se praticam os tipos de trabalho a que se refere o artigo 3, d) da Convenção, deveriam ser levadas em consideração, entre outras coisas: a) os trabalhos em que a criança ficar exposta a abusos de ordem física, psicológica ou sexual; b) os trabalhos subterrâneos, debaixo d’água, em alturas perigosas ou em locais confinados; c) os trabalhos que se realizem com máquinas, equipamentos e ferramentas perigosas, ou que impliquem a manipulação ou transporte manual de cargas pesadas; d) os trabalhos realizados em um meio insalubre, no qual as crianças estiverem expostas, por exemplo, a substâncias, agentes ou processos perigosos ou a temperaturas, níveis de ru-

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ído ou de vibrações prejudiciais à saúde, e e) os trabalhos que sejam executados em condições especialmente difíceis, como os horários prolongados ou noturnos, ou trabalhos que retenham injustificadamente a criança em locais do empregador.” No mesmo sentido, a Organização Internacional do Trabalho por meio da Recomendação no 146, sobre idade mínima para o trabalho, recomenda no item 10, 2, que no tocante aos trabalhos perigosos, os estados membros devem realizar: “o reexame periódico da lista dos tipos de emprego ou trabalho perigosos, considerando-se em particular os progressos científicos e tecnológicos.” E, também, no item 10, 1, que devem ser levadas em consideração “as normas internacionais do trabalho referentes a substâncias, agentes ou processos perigosos, envolvendo radiações ionizantes, o levantamento de cargas pesadas e o trabalho subterrâneo.” É necessário destacar que a utilização de equipamentos de proteção individual não descaracteriza a periculosidade, pois o que se está prevenindo é o risco de exposição das crianças e dos adolescentes nessas atividades. Os critérios estabelecidos na portaria ministerial são taxativos. Em relação ao tema, a Ação Civil Pública, promovida pelo Ministério Público do Trabalho da 12a Região, referenciada por Eduardo Alberto Cabral Tavares Marques faz uma importante observação “ao custo social de agressão à saúde física e psicológica da criança e do adolescente que trabalha em condições insalubres, perigosas, físicas e psicologicamente penosas. Mais cedo do que se pensa, as pessoas irão, ainda

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adolescentes, muito cedo, como os jovens ou como adultos, engrossar as filas do órgãos públicos de atendimento à saúde e aos benefícios previdenciários.”148 Além da preocupação com a garantia de preservação do pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, não se pode esquecer que a inobservância das normas protetivas tem custo social elevado, pois onera os cofres públicos, exige uma gama enorme de políticas públicas assistenciais e compensatórias e viola os dois princípios mais fundamentais da Constituição brasileira: a dignidade humana e o direito ao pleno desenvolvimento às crianças e aos adolescentes.

5.2 O trabalho insalubre Assim como o trabalho perigoso, o trabalho insalubre também foi proibido constitucionalmente às crianças e aos adolescentes no art. 7o, XXXIII e estatutariamente no art. 67, II. Há uma tendência na legislação de tratar os dois temas com uma certa semelhança. No entanto, insalubridade e periculosidade não se confundem. Segundo o artigo 189, da Consolidação das Leis do Trabalho, são “consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da 148 MARQUES, Eduardo Alberto Cabral Tavares. Atribuições do Ministério Público do Trabalho em Relação à Criança e ao Adolescente, Florianópolis, 1999. Monografia (Graduação em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina. p. 80.

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natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.” Para o objeto em estudo, importa o art. 1o, parágrafo único, da Portaria no 20, de 13 de setembro de 2001, do Ministério do Trabalho e Emprego ao estabelecer que “a classificação dos locais ou serviços como perigosos ou insalubres decorre do princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, não sendo extensiva aos trabalhadores maiores de 18 anos.” Ao mesmo tempo a legislação estabeleceu duas modalidades de insalubridade: uma para os adultos e outra para as crianças e os adolescentes em razão de sua condição de pessoa em desenvolvimento. Portanto, os trabalhos insalubres proibidos até os dezoito anos serão os previstos na portaria ministerial que tratou igualmente a periculosidade e a insalubridade. Nesse sentido, a distinção terá efeito apenas para fins indenizatórios decorrente da violação da norma protetiva. De acordo com a Portaria em estudo são considerados locais ou serviços perigosos ou insalubres proibidos até os dezoito anos: “1. Trabalhos de afiação de ferramentas e instrumentos metálicos em afiadora, rebolo ou esmeril, sem proteção coletiva contra partículas volantes; 2. Trabalhos de direção de veículos automotores e direção, operação, manutenção ou limpeza de máquinas ou equipamentos, quando motorizados e em movimento, a saber: tratores e máquinas agrícolas, máquinas de laminação, forja e de corte de metais, máquinas de padaria como misturadores e ci-

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lindros de massa, máquinas de fatiar, máquinas em trabalhos com madeira, serras circulares, serras de fita e guilhotinas, esmeris, moinhos, cortadores e misturadores, equipamentos em fábricas de papel, guindastes ou outros similares, sendo permitido o trabalho em veículos, máquinas ou equipamentos parados, quando possuírem sistema que impeça o seu acionamento acidental; 3. Trabalhos na construção civil ou pesada; 4. Trabalhos em cantarias ou no preparo de cascalho; 5. Trabalhos na lixa nas fábricas de chapéu ou feltro; 6. Trabalhos de jateamento em geral, exceto em processos enclausurados; 7. Trabalhos de douração, prateação, niquelação, galvanoplastia, anodização de alumínio, banhos metálicos ou com desprendimento de fumos metálicos; 8. Trabalhos na operação industrial de reciclagem de papel, plástico ou metal; 9. Trabalhos no preparo de plumas ou crinas; 10. Trabalhos com utilização de instrumentos ou ferramentas de uso industrial ou agrícola com riscos de perfurações e cortes, sem proteção capaz de controlar o risco; 11. Trabalhos no plantio, com exceção da limpeza, nivelamento de solo e desbrote; na colheita, beneficiamento ou industrialização de fumo; 12. Trabalhos em fundições em geral; 13. Trabalhos no plantio, colheita, beneficiamento ou industrialização do sisal; 14. Trabalhos em tecelagem; 15. Trabalhos na coleta, seleção ou beneficiamento de lixo; 16. Trabalhos no manuseio ou aplicação de produtos químicos de uso agrícola ou veterinário, incluindo limpeza de equipamentos, descontaminação, disposição ou retorno de recipientes vazios; 17. Trabalhos na extração ou

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beneficiamento de mármores, granitos, pedras preciosas, semi-preciosas ou outros bens minerais; 18. Trabalhos de lavagem ou lubrificação de veículos automotores em que se utilizem solventes orgânicos ou inorgânicos, óleo diesel, desengraxantes ácidos ou básicos ou outros produtos derivados de óleos minerais; 19. Trabalhos com exposição a ruído contínuo ou intermitente, acima do nível de ação previsto na legislação pertinente em vigor, ou a ruído de impacto; 20. Trabalhos com exposição a radiações ionizantes; 21. Trabalhos que exijam mergulho; 22. Trabalhos em condições hiperbáricas; 23. Trabalhos em atividades industriais com exposição a radiações não-ionizantes (microondas, ultravioleta ou laser); 24. Trabalhos com exposição ou manuseio de arsênico e seus compostos, asbestos, benzeno, carvão mineral, fósforo e seus compostos, hidrocarbonetos ou outros compostos de carbono, metais pesados, (cádmio, chumbo, cromo e mercúrio) e seus compostos, silicatos, ou substâncias cancerígenas conforme classificação da Organização Mundial de Saúde; 25. Trabalhos com exposição ou manuseio de ácido oxálico, nítrico, sulfúrico, bromídrico, fosfórico e pícrico; 26. Trabalhos com exposição ou manuseio de álcalis cáusticos; 27. Trabalhos com retirada, raspagem a seco ou queima de pinturas; 28. Trabalhos em contato com resíduos de animais deteriorados ou com glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos ou dejeções de animais; 29. Trabalhos com animais portadores de doenças infecto-contagiosas; 30. Trabalhos na produção, transporte, processamento, armazenamento, manuseio ou carregamen-

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to de explosivos, inflamáveis líquidos, gasosos ou liquefeitos; 31. Trabalhos na fabricação de fogos de artifícios; 32. Trabalhos de direção e operação de máquinas ou equipamentos elétricos de grande porte, de uso industrial; 33. Trabalhos de manutenção e reparo de máquinas e equipamentos elétricos, quando energizados; 34. Trabalhos em sistemas de geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica; 35. Trabalhos em escavações, subterrâneos, pedreiras, garimpos ou minas em subsolo ou a céu aberto; 36. Trabalhos em curtumes ou industrialização de couro; 37. Trabalhos em matadouros ou abatedouros em geral; 38. Trabalhos de processamento ou empacotamento mecanizado de carnes; 39. Trabalhos em locais em que haja livre desprendimento de poeira minerais; 40. Trabalhos em locais em que haja livre desprendimento de poeiras de cereais (arroz, milho, trigo, sorgo, centeio, aveia, cevada, feijão ou soja) e de vegetais (cana, linho, algodão ou madeira); 41. Trabalhos em casas de farinha de mandioca; 42. Trabalhos em indústrias cerâmicas; 43. Trabalhos em olarias nas áreas de fornos ou com exposição à umidade excessiva; 44. Trabalhos na fabricação de botões ou outros artefatos de nácar, chifre ou osso; 45. Trabalhos em fábricas de cimento ou cal; 46. Trabalhos em colchoarias; 47. Trabalhos na fabricação de cortinas, cristais, esmaltes, estopas, gesso, louças, vidros ou vernizes; 48. Trabalhos em peleterias; 49. Trabalhos na fabricação de porcelanas ou produtos químicos; 50. Trabalhos na fabricação de artefatos de borracha; 51. Trabalhos em destilarias ou depósitos de álcool; 52. Trabalhos na fa-

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bricação de bebidas alcoólicas; 53. Trabalhos em oficinas mecânicas em que haja risco de contato com solventes orgânicos ou inorgânicos, óleo diesel, desengraxantes ácidos ou básicos ou outros produtos derivados de óleos minerais; 54. Trabalhos em câmaras frigoríficas; 55. Trabalhos no interior de resfriadores, casas de máquinas, ou junto de aquecedores, fornos ou alto-fornos; 56. Trabalhos em lavanderias industriais; 57. Trabalhos em serralherias; 58. Trabalhos em indústria de móveis; 59. Trabalhos em madeireiras, serrarias ou corte de madeira; 60. Trabalhos em tinturarias ou estamparias; 61. Trabalhos em salinas; 62. Trabalhos em carvoarias; 63. Trabalhos em esgotos; 64. Trabalhos em hospitais, serviços de emergências, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação ou outros estabelecimentos destinados ao cuidado da saúde humana em que se tenha contato direto com os pacientes ou se manuseie objetos de uso destes pacientes não previamente esterilizados; 65. Trabalhos em hospitais, ambulatórios ou postos de vacinação de animais, quando em contato direto com os animais; 66. Trabalhos em laboratórios destinados ao preparo de soro, de vacinas ou de outros produtos similares, quando em contato com animais; 67. Trabalhos em cemitérios; 68. Trabalhos em borracharias ou locais onde sejam feitos recapeamento ou recauchutagem de pneus; 69. Trabalhos em estábulos, cavalarias, currais, estrebarias ou pocilgas, sem condições adequadas de higienização. 70. Trabalhos com levantamento, transporte ou descarga manual de pesos superiores a 20 quilos para o gênero masculino e superiores a 15 quilos para

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o gênero feminino, quando realizado raramente, ou superiores a 11 quilos para o gênero masculino e superiores a 7 quilos para o gênero feminino, quando realizado freqüentemente; 71. Trabalhos em espaços confinados; 72. Trabalhos no interior ou junto a silos de estocagem de forragem ou grão com atmosferas tóxicas, explosivas ou com deficiência de oxigênio; 73. Trabalhos em alturas superiores a 2 (dois) metros; 74. Trabalhos com exposição a vibrações localizadas ou de corpo inteiro; 75. Trabalhos como sinalizador na aplicação aérea de produtos ou defensivos agrícolas; 76. Trabalhos de desmonte ou demolição de navios e embarcações em geral; 77. Trabalhos em porão ou convés de navio; 78. Trabalhos no beneficiamento da castanha de caju; 79. Trabalhos na colheita de cítricos ou de algodão; 80. Trabalhos em manguezais ou lamaçais; 81. Trabalhos no plantio, colheita, beneficiamento ou industrialização da cana-deaçúcar.” É importante mais uma vez lembrar que a permissão para o trabalho de aprendizes em locais perigosos e insalubres do § 1o, do art. 405, da Consolidação das Leis do Trabalho, foi revogado tacitamente pelo art. 7o, XXXIII da Constituição Federal e expressamente pela Lei no 10.097 de 19 de dezembro de 2000. No que diz respeito à revogação do dispositivo, a Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público do Trabalho da 12a. Região, esclarece que “a norma, como se sabe, não comporta exceção, estando, assim, revogadas as disposições de leis ordinárias anteriores, decretos, de portarias

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que permitam ou regulamentam, a partir dos dezesseis anos, trabalhos em locais ou serviços insalubres”149 De acordo com a Súmula 289 do Tribunal Superior do Trabalho, a utilização de equipamentos de proteção individual não descaracteriza a insalubridade. Para a criança e o adolescente o interesse maior está na garantia do seu desenvolvimento, normalmente prejudicado intensamente quando da exposição em atividades insalubres, violando inclusive o direito à saúde previsto no art. 7o, do Estatuto da Criança e do Adolescente. O que a lei proíbe é o desenvolvimento de atividades insalubres, ou seja, aquelas que por sua natureza encontrem-se nessas condições, tendo pouca relevância se efetivamente há a exposição potencial ou risco de exposição. E, acrescenta-se, ainda, o fato de que os equipamentos de proteção individual não neutralizam os agentes insalubres, pois foram estudados tendo como referência o adulto e não o ser humano em formação física, neste caso a criança ou o adolescente. O ambiente de trabalho em si, em maior ou menor grau, caracteriza-se, conforme Joélho Ferreira de Oliveira, por apresentar ”riscos específicos para a saúde e integridade física do trabalhador. Esses riscos são mais evidentes para a criança e o adolescente devido ao seu organismo ser mais vulnerável. Assim sendo, qualquer trabalho, mesmo realizado em condições não insalubres ou perigosas, poderá

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MARQUES, Eduardo Alberto Cabral Tavares. Op. Cit. p. 80.

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ser prejudicial à sua saúde, podendo comprometer seu crescimento e desenvolvimento.”150 A Convenção nº 182, da Organização Internacional do Trabalho, sobre as piores formas de trabalho infantil, traz em seu art. 3º, “d” a proibição aos “os trabalhos em ambiente insalubre que possam, por exemplo, expor as crianças a substâncias, agentes ou processamentos perigosos, ou a temperaturas ou a níveis de barulho ou vibrações prejudiciais a sua saúde.” A Recomendação no 190, que acompanha a citada Convenção, também cuidou do assunto recomendando “atenção especial aos trabalhos que expõem as crianças [...] aos trabalhos em ambiente insalubre que possam, por exemplo, expor as crianças a substâncias, agentes ou processamentos perigosos, ou a temperaturas ou a níveis de barulho ou vibrações prejudiciais a sua saúde”. Os trabalhos insalubres, portanto, devem ser tratados com a mesma atenção dispensada aos trabalhos perigosos, sendo aplicáveis às mesmas regras protetivas para ambos os casos, pois fere a integridade e o direito a saúde das crianças e dos adolescentes.

5.3 O trabalho penoso A proibição às crianças e aos adolescentes para realização de trabalhos penosos é uma inovação estatutária, decorrente do princípio do reconhecimento da condição pe150

OLIVEIRA, Joélho Ferreira de. Op. Cit. p. 06.

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culiar de pessoa em desenvolvimento e da proteção constitucional contra toda forma de exploração do artigo 227. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 67, II estabeleceu a proibição da realização de trabalho penoso em qualquer condição, envolvendo o empregado, o aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não governamental, sendo esta relação exemplificativa e não exaustiva uma vez que a abrangência principiológica da norma visa a proteção integral. A doutrina tem apontado a inexistência de norma regulamentadora específica definindo o conceito e os limites do trabalho penoso previsto para fins de adicional na remuneração do trabalho adulto de acordo com o art. 7o, XXXIII da Constituição Federal. Magnólia Ribeiro de Azevedo explica que “quanto à proibição do trabalho penoso [...] não existe, ainda, regulamentação, muito embora esses trabalhos sirvam para fins de concessão das aposentadorias especiais, isto é, as que são concedidas com 15 (quinze), 20 (vinte), 25 (vinte e cinco) anos de atividades, cujo ambiente de trabalho exponha o trabalhador aos agentes nocivos, capazes de causar danos à sua saúde ou à sua integridade física, e que são, especificamente, contempladas pelo Direito Previdenciário.”151 No entanto, no caso específico das crianças e dos adoles151 AZEVEDO, Magnólia Ribeiro de. O dano moral: uma investigação sobre a violação dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho. Tese de Doutorado. Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. p. 234.

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centes para o trabalho penoso é aplicável o artigo 390 da Consolidação das Leis do Trabalho que veda a realização de “serviço que demande emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos, para o trabalho contínuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos, para o trabalho ocasional.” Amauri Mascaro do Nascimento destaca, embasado no parágrafo único do artigo citado, que “não se aplica esta exigência se a força utilizada for mecânica ou não diretamente aplicada.”152 Antônio Carlos Flores de Moraes adota posição semelhante: “quanto às condições penosas de trabalho, a CLT veda ao menor de 18 anos, nos termos do § 5o, do art. 405, combinado com o art. 390 e seu parágrafo único da CLT, o levantamento de peso superior a 20 quilos para o trabalho contínuo e 25 quilos para o trabalho manual. Não está compreendida nesta determinação legal a remoção de material feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, de carros de mão ou quaisquer aparelhos mecânicos.”153 Para fins de classificação das atividades consideradas penosas, enquanto não se estabelecer a necessária e desejada regulamentação específica, além dos limites já citados, aplica-se a mesma relação das chamadas piores formas de trabalho infantil prevista na Portaria no 20, em 13 de setembro de 2001 do Ministério do Trabalho e Emprego.

152 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 718. 153

MORAES, Antonio Carlos Flores de. Op. Cit. p. 78.

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5.4 Trabalho noturno O trabalho noturno tem seus limites estabelecidos no art. 7 , XXXIII, da Constituição Federal, que proíbe sua realização para todos aqueles com idades inferiores aos dezoito anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente tratou de disciplinar a questão no art. 67, I, ao proibir a realização do trabalho noturno ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não governamental, definindo o como o trabalho realizado entre as vinte e duas horas de um dia e às cinco horas do dia seguinte. No mesmo sentido, dispõe os artigos 73, § 2o e 404 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo este limite fixado para o trabalho urbano originária da exploração do trabalho nas indústrias têxteis do início do século que, funcionando em turnos de revezamento, utilizavam a mão-de-obra de infanto-juvenil independentemente dos horários. No que se refere aos limites, Oris de Oliveira assevera que a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente aplica-se exclusivamente nas atividades urbanas.“Conforme a Lei 5.889/73, o horário noturno é das 20h de um dia às 5h do dia seguinte, na lavoura, e das 20 h de um dia às 4h do dia seguinte, na pecuária. Não paira dúvida de que estes horários foram fixados tendo em conta as peculiaridades e os costumes da vida e da atividade rural. Daí nos inclinarmos a julgar que esses limites não são atingidos pela norma do Estatuto, que teve em vista exclusivamente o trabalho urbano.” 154 o

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OLIVEIRA, Oris de. O trabalho infantil: o trabalho infanto-juvenil, Cit. 1994. p. 198.

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Este é o entendimento de Valentin Carrion, que baseado nos artigos 7o e 8o da Lei no 5.889, de 08 de junho de 1973, sobre o trabalho rural, afirma “proíbe-se o trabalho noturno do menor de 18 anos entre 21 horas e 5 horas na lavoura e entre 20 e 4 horas na pecuária”.155 Contudo, Adalberto Martins, apresenta solução ao tema que nos parece mais adequada aos princípios da proteção integral: “entendemos que continua prevalecendo o critério da norma mais favorável, que deve ser aplicado levando-se em consideração o desmembramento do art. 67, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do art. 7o da Lei 5.889 em duas normas. Impõe-se, destarte, a conclusão que na pecuária, o menor de dezoito anos não pode trabalhar após as vinte horas (art. 7o, da Lei n. 5.889/73) e também não poderá fazê-lo antes das cinco horas (art. 67, I, do ECA).”156 A Recomendação no 146 da Organização Internacional do Trabalho, sobre idade mínima para o trabalho, no seu item 13, 1 também tratou do trabalho noturno ao recomendar a “c) à concessão, sem possibilidade de exceção, salvo em situação de real emergência, de um período consecutivo mínimo de doze horas de repouso noturno, e de costumeiros dias de repouso semanal.” O trabalho noturno foi caracterizado pela Convenção no 182, da Organização Internacional do Trabalho, no seu artigo 3o, “e”, como uma das piores formas de trabalho infantil, da seguinte forma: “os trabalhos em condições particular155

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 28 ed. Atualizada por Eduardo Carrrion. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 260. 156

MARTINS, Adalberto. Op. Cit. p. 116.

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mente difíceis, como trabalho por longas horas ou noturno, ou trabalho em que a criança é injustificadamente confinada às dependências do empregador.” A Recomendação no 190, que acompanha a convenção acima citada, destaca atenção especial aos trabalhos que expõem as crianças aos trabalhos em condições particularmente difíceis, como trabalho por longas horas ou noturno, ou trabalho em que a criança é injustificadamente confinada às dependências do empregador. Portanto, a realização do trabalho noturno, de acordo com a legislação brasileira em vigor, é vedado à criança e ao adolescente sem qualquer tipo de exceção, uma vez que prejudica e viola o direito ao pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, caracterizando-se, ainda, como uma das piores formas de trabalho infantil.

5.5 O trabalho prejudicial à moralidade A Lei no 8.069/90, em seu artigo 3o, veio garantir às crianças e aos adolescentes “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” e, para que tal medida se tornasse possível estabeleceu a proibição para a realização de trabalhos prejudiciais à formação e ao desenvolvimento moral no art. 67, III. A previsão está fundamentada na Convenção Internacional dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas que garante a proteção integral daqueles que se en-

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contram em processo de desenvolvimento, com o intuito de garantir o seu bem-estar físico, mental, moral, espiritual e social. A Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 405, § 3o, traz relação exemplificativa, mas não exaustiva, dos trabalhos prejudiciais à moralidade, nos seguintes termos: “a) prestado de qualquer modo em teatros de revista, cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos; b) em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes; c) de produção de composição, entrega ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autoridade competente, prejudicar sua formação moral; d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas.” Contudo, pelas características das previsões celetistas é notória sua desatualização, justificando o caráter exemplificativo das modalidades, restando aos aplicadores realizar a devida atualização nos ditames do princípio da proteção integral. O art. 80 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que “os responsáveis por estabelecimentos que explorem comercialmente bilhar, sinuca ou congênere ou por casas de jogos, assim entendidas as que realizem apostas, ainda que eventualmente, cuidarão para que não seja permitida a entrada e a permanência de crianças e adolescentes no local, afixando aviso para orientação do público.” Ora, se a legislação limita até freqüência nestes estabele-

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cimentos, não haveria sentido em permitir a realização do trabalho em face de seus evidentes efeitos prejudiciais ao desenvolvimento das crianças e adolescentes. A Convenção no 138, da Organização Internacional do Trabalho também determina que não será inferior a dezoito anos a idade mínima para a admissão a qualquer tipo de emprego ou trabalho que, por sua natureza ou circunstâncias de execução, possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral do jovem, conforme está disposto no art. 3o, item 1. É com especial atenção que devem ser incluídos como trabalhos prejudiciais à moralidade todas as formas de exploração sexual comercial enquadradas como piores formas de trabalho infantil, nos termos da Convenção no 182 da Organização Internacional do Trabalho, incluindo também a utilização, procura e oferta de criança para fins de prostituição, produção de material pornográfico ou espetáculos pornográficos, tendo importância especial nos dias atuais o aumento desse tipo de exploração, notadamente em redes como a internet. Nada mais são do que trabalhos não apenas prejudiciais à moralidade, mas ao pleno e sadio desenvolvimento. Da mesma forma, devem ser consideradas como atividades prejudiciais à formação e à moralidade a realização de trabalhos relacionados às atividades ilícitas, com especial atenção à utilização de crianças e adolescentes no tráfico de drogas. Por isso, a Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 408, concede ao responsável legal do adolescente a faculda-

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de de pleitear a extinção do contrato de trabalho, quando constatar que o serviço possa acarretar-lhe prejuízos de ordem física ou moral. Vale lembrar que o descumprimento desta obrigação pode resultar na responsabilização dos pais seja pela ação ou omissão, segundo o art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Aos responsáveis legais cabe ainda, conforme o art. 434 da Consolidação das Leis do Trabalho, a obrigação de afastar o adolescente de empregos que prejudiquem a formação moral.

5.6 O trabalho realizado em locais e horários que prejudicam à freqüência à escola O Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece, com base no art. 53, o direito à educação como garantia o pleno desenvolvimento. Para efetivamente garantir esse direito, estabeleceu proibição, em seu art. 67, inciso IV, “a realização de qualquer trabalho realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.” Nesta opção valorativa, o legislador tratou de deixar claro que na opção entre o trabalho e a educação, a prioridade na formação da criança e do adolescente deve ser realizada pela educação. Nesse sentido, a própria Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, no art. 227, § 3o, que o direito à proteção especial destinada ao adolescente trabalhador envolve a garantia de acesso à escola, significando, portanto, que todo adolescente trabalhador deve, necessariamente, estar matriculado na escola. Tal disposição não se resu-

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me apenas aos casos de cumprimento da escolaridade obrigatória, mas também é necessária a garantia de acesso ao ensino médio. Com o mesmo objetivo, o art. 427 da Consolidação das Leis do Trabalho, estabelece: “O empregador, cuja empresa ou estabelecimento ocupar menores, será obrigado a conceder-lhes o tempo que for necessário para a freqüência às aulas.” É importante ressaltar que, em relação ao adolescente trabalhador, não basta apenas a garantia de freqüência à escola, mas também a efetiva disponibilidade para o acompanhamento das atividades educacionais, mediante a viabilização de tempo necessário para a realização de tarefas, trabalhos e exames escolares. Por isso, a atividade laboral do adolescente não pode ser realizada em locais que em função da distância ou dos horários em que são prestados possam inviabilizar a sua efetiva participação nas atividades escolares, assim objetiva-se, ao menos, sua formação educacional do nível fundamental fornecendo possibilidade de acesso aos níveis mais elevados.

5.7 Os trabalhos prejudiciais ao desenvolvimento, físico, psicológico, moral e social O Estatuto da Criança e do Adolescente fez questão ainda de assinalar a proibição a qualquer tipo de trabalho que venha prejudicar o desenvolvimento físico, psicológico, moral e social, isso porque, pretende garantir condições plenas de desenvolvimento à todas as crianças e adolescentes

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afastando-as de situações que, mesmo não previstas na legislação, pudessem provocar prejuízos que venham comprometer a proteção integral que lhes é garantida. Orienta, portanto, a adoção do princípio da proteção integral como elemento interpretativo das normas de proteção à criança e ao adolescente em relação ao mundo do trabalho.

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6. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL 6.1 A proteção internacional A proteção internacional contra a exploração do trabalho infantil tem proporcionado instrumentos importantes para o Brasil. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, possibilitou a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, no que se refere ao tema trabalho, é a atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho que tem possibilitado as conquistas mais importantes na proteção de crianças e adolescentes contra a exploração no trabalho.

6.2 A OIT e o Direito Internacional do Trabalho A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o organismo responsável pelo controle e emissão de normas referentes ao trabalho em todo o mundo, determinando as garantias mínimas do trabalhador. Sua composição envolve representantes dos trabalhadores, dos empregadores e dos governos da grande maioria dos países. É indispensável conhecer suas atividades principais para uma correta compreensão da necessidade erradicação do tra-

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balho infantil e proteção dos direitos do adolescente trabalhador.

6.3 A origem, os objetivos e a estrutura da OIT Não só a Revolução Industrial marcou os séculos XVIII e XIX , mas também, a desumana exploração do trabalho infantil. A origem da indústria moderna traz consigo uma crueldade, a exploração do trabalho das crianças. Sir. F. M. Eden, citado por Karl Marx, em sua obra O Capital, destaca a necessidade da escravização das crianças para transformar a exploração manufatureira em exploração industrial, afirma que milhares de braços de crianças – pequenas e ágeis – eram recrutados e transformados em súditos. Tinha-se por costume que o mestre (na realidade um ladrão de crianças) as alimentasse, vestisse e alojasse nas casas de aprendizes, localizadas junto à fábrica. A concepção da exploração era tamanha que eram designados superiores que tinham por função vigiar o trabalho das crianças, fazendo-as trabalhar até a exaustão, uma vez que o salário destes “feitores” (fiscais) era proporcional à quantidade de trabalho que podiam sugar dos infantes. Como conseqüência tinha-se um ambiente cruel: muitas crianças eram açoitadas, postas a ferro e torturadas, outras eram privadas de alimento, trabalhavam em excesso, conduzindo a situações em que morriam por esgotamento e outras sentiam-se impelidas até mesmo ao suicídio. “Os lucros dos fabricantes eram enormes, mas isso apenas aguçava-lhes a voracidade lupina. Come-

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çaram então a prática do trabalho noturno, revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo da noite; o grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo mundo diz em Lancashire, que as camas nunca esfriam.”157 Diante dessa realidade, o século XX tem início com a preocupação pública voltada para o trabalho infantil, desenvolvido, em larga escala, nas fábricas dos países que se industrializavam. Este foi um dos estímulos para a formação da Organização Internacional do Trabalho, criada em 1919, pelo Tratado de Versalhes. Entre seus principais objetivos estava a melhoria das condições de trabalho e a garantia dos trabalhadores menos protegidos e, principalmente, das crianças. Na 26a Conferência, realizada em 1944, a OIT adota a Declaração de Filadélfia, que destaca entre seus fins e objetivos a proteção de crianças como elemento indispensável da justiça social. Em 1946, a OIT passa a integrar o sistema da Organização das Nações Unidas, conforme o previsto na 26a Conferência, como um organismo especializado na área do trabalho. A sua estrutura tripartite, isto é, constituída por governos, empregadores e trabalhadores, fornece a possibilidade da definição das normas através de uma discussão ampla e democrática. Este modelo difundiu-se mundialmente. No Brasil, define-se, hoje, a grande maioria das políticas públicas através do debate em conselhos, espaços democráticos

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MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Difel, 1988. Livro I, v. II, Cap. XXIX, p. 875-6.

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que ampliam as possibilidades de participação da sociedade nas decisões públicas.

6.4 A OIT e seus instrumentos normativos A Organização Internacional do Trabalho tem por atribuição a emissão de normas internacionais de trabalho que podem se dar através de Resoluções (que não criam obrigações para os Estados-membros), Convenções e Recomendações. Conforme o preâmbulo da Convenção 138 e da Recomendação 146, de 1973, sobre a idade mínima de admissão a emprego: “A convenção é um instrumento sujeito a ratificações pelos Países-membros da Organização e, uma vez ratificada, reveste-se da condição jurídica de um tratado internacional, isto é, obriga o Estado signatário a cumprir e fazer cumprir, no âmbito nacional, as suas disposições. A Recomendação, por sua vez, embora não imponha obrigações, complementa a Convenção e, como expressa o próprio termo, recomenda medidas e oferece diretrizes com vistas a viabilização da implementação, por leis e práticas nacionais, das disposições da Convenção”. As convenções podem ser, ainda, do tipo promocional que são aquelas que estabelecem programas ou medidas objetivas que devem ser cumpridas pelos Estados-membros dentro de determinado prazo.

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6.5 O Tratado Internacional no Direito Brasileiro Especificamente no Brasil, o tratado internacional é inserido no ordenamento jurídico interno através de um Decreto Presidencial, publicado no Diário Oficial da União, passando a compor o ordenamento jurídico brasileiro, na mesma hierarquia das leis ordinárias. No entanto, há o reconhecimento da hierarquia constitucional, quando fizerem previsões relativas à ampliação dos direitos e garantias fundamentais. Vale salientar que, as normas da OIT são muito difundidas através dos estudos dos doutrinadores e isso acaba por influenciar na elaboração de normas em vários países, atingindo, geralmente a composição das normas constitucionais.

6.6 Considerações históricas sobre os limites de idade mínima para o trabalho no direito internacional Para a adequada compreensão da exploração do trabalho infantil devemos nos reportar a origem deste tipo de exploração. Estabelecer um marco inicial desse tipo de atividade não é tarefa fácil, isso porque o trabalho infantil, mesmo que de forma diferenciada, sempre foi utilizado. Contudo, pode-se estabelecer alguns marcos históricos, priorizando, aqueles em que a exploração tornou-se mais evidente. Isto passou a acontecer, simultaneamente, as fases evolutivas da organização industrial capitalista.

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Leo Huberman destaca quatro fases da organização industrial: o sistema familiar, o de coorporações, o doméstico e o fabril.158 O sistema familiar era aquele em que as famílias (e incluem-se aqui as crianças) produziam para seu consumo e não para a venda. Posteriormente, passou-se ao sistema de coorporações, este novo modelo era composto por um mestre artesão, considerado chefe e responsável pelas atividades lá desenvolvidas. O chefe de coorporação era auxiliado por poucos trabalhadores e por crianças, estas conhecidas como aprendizes. No sistema doméstico a atividade produtiva era realizada na própria casa, sob a coordenação de um mestre artesão, geralmente o proprietário dos instrumentos necessários à produção, e que mantinha as relações com os empreendedores, ou seja, aqueles que geralmente forneciam a matéria-prima. Essas atividades envolviam toda a família e, como o ganho era proporcional a produção, o emprego da força de trabalho das crianças era tratado como uma necessidade. Por fim, adveio o sistema fabril no qual o trabalhador diante da criação de novas necessidades de consumo,vai para nas fábricas submetendo-se a exploração capitalista industrial. A necessidade de mão-de-obra somada à insuficiência dos valores pagos aos adultos leva a utilização do trabalho infanto-juvenil. As precárias condições em que eram submetidas às crianças proporcionaram o surgimento das primeiras medidas protetoras. 158

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 20. ed., 1985. p. 125.

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6.7 A origem do Direito do Trabalho e as primeiras leis sobre idade mínima O Direito do Trabalho, é fruto da revolução industrial e, conseqüentemente, do liberalismo. Surge com base nos movimentos operários em virtude da aviltante e desumana condição a que eram submetidos os trabalhadores no início do novo modelo econômico de produção. Assim, o Direito do Trabalho constitui-se num instrumento de controle dos abusos contra o trabalhador do século XIX. Nesse momento são elaboradas as primeiras leis preocupadas com a idade mínima para o trabalho. A primeira medida protetora que se tem registro foi editada em 1802 na Inglaterra, sendo denominada “health and morals of apretices” (lei que versava sobre a saúde e moral dos aprendizes) que estipulou a jornada máxima em 12 horas para os menores de 12 anos da indústria têxtil. A França, por sua vez, em 1841, proibiu o trabalho para menores de 08 anos e limitou a 12 horas o trabalho para menores de 12 anos. A Áustria adotou uma lei em 1855 e a Suíça teve uma específica em 1877. Igualmente, em 1882, a Rússia expediu sua primeira lei de proteção e a Bélgica adotou, em 1888, um conjunto de medidas protetoras ao menor trabalhador. Ao passo que, em 1891, Portugal proíbe o trabalho infantil e a Alemanha adota o seu Código Industrial (gewerbeordnung) que, também, prevê proteção as crianças envolvidas em atividade laboral.159 159

COLOMBO FILHO, Cássio. Op. Cit. p. 109.

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Após o surgimento das primeiras leis protetoras sentese a necessidade internacional de universalizar princípios básicos de Direito do Trabalho. A OIT é quem vai viabilizar o entendimento entre os diversos países para a unificação de certas garantias fundamentais ao trabalhador.

6.8 A Organização Internacional do Trabalho e a idade mínima para o trabalho O espírito humanitário empreendido pela Organização Internacional do Trabalho, desde seu surgimento, preocupou-se principalmente com o direcionamento de suas atividades para as situações consideradas mais aviltantes, proporcionadas pelo capital, como a exploração da mão-de-obra infantil. Os informativos da organização nos revelam que “desde a sua fundação, a OIT tem dispensado especial atenção ao trabalho infantil, como o demonstra, principalmente, a adoção de convenções e recomendações internacionais que regulam a idade mínima para o emprego infantil. A primeira destas medidas foi adotada pela Conferência Internacional do Trabalho, em 1919.”160 A Conferência Geral da OIT, realizada em 29 de outubro de 1919, convocada pelo Governo Norte Americano em Washington, estabeleceu a idade mínima de 14 anos, para admissão nos trabalhos industriais, através da Convenção 160 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. A OIT e o Trabalho Infantil. Brasília: OIT, s.d.

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de no 5. Na mesma Conferência é adotada a Convenção no 6 que trata do trabalho noturno dos menores na indústria, proibindo-o aos menores de 18 anos. Todavia, as referidas convenções continuam a permitir o trabalho de menores em alguns casos, conforme prevêem o art. 2o, dos dois instrumentos citados, os quais, inclusive, têm idêntica redação: “As crianças menores de 14 anos não poderão ser empregadas, nem poderão trabalhar, em empresas industriais, públicas ou privadas ou em suas dependências, com exceção daquelas em que unicamente estejam empregados os membros de uma mesma família.” Percebe-se, assim, que o dispositivo legal continuou a permitir a exploração do trabalho infantil, mas esta exploração pode-se dar somente mediante a vigilância dos pais, ou seja, o chefe de família poderia dispor do trabalho de sua prole desde que o empreendimento seja de modelo exclusivamente familiar. Leo Huberman destaca uma pesquisa realizada pelo State Departament of Labor dos Estados Unidos, numa indústria metalúrgica, em Connecticut, no ano de 1934, portanto, num período já bastante avançado da industrialização e no qual existiam garantias legais contra o trabalho infantil, mas o resultado obtido é desolador. O universo pesquisado foi de 246 trabalhadores, com idades entre dois e dezesseis anos e constatou a um grande número de crianças trabalhadoras, algumas até mesmo de dois, três e quatro anos de idade.161 Este é um indicativo de que na verdade, mesmo diante da 161

HUBERMAN, Leo. Op. Cit. p. 128.

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iniciativa de caráter internacional, as indústrias ainda se beneficiavam do trabalho infantil, não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. Uma das dificuldades para o controle da exploração do trabalho infantil é a fiscalização estatal, que encontra obstáculos para efetuar uma inspeção eficiente em todo o complexo industrial de seus países em face da extensão territorial e o sempre crescente número de indústrias. Assim, por opção política, destinam-se às normas protetoras da exploração do trabalho infantil um caráter muito mais intimidatório do que punitivo. A limitação a certos setores econômicos, se constituía noutra dificuldade encontrada, pelas convenções internacionais que tratavam da idade mínima para o trabalho. No entanto, em 1973, a Conferência da Organização Internacional do Trabalho adota a Convenção 138, que pretende substituir gradualmente as convenções editadas sobre o tema. O objetivo principal era um eficaz controle da exploração do trabalho infantil. A partir daí a abolição dessa mãode-obra deixou de ser uma utopia e passou a fazer parte de uma realidade possível, principalmente pelo caráter flexível e unificador da Convenção 138. No entanto, a efetiva valorização dos instrumentos fornecidos pelo novo tratado internacional não encontrou amparo em todos os países signatários da OIT, entre eles o Brasil, o que demonstrou a falta de vontade política para a ratificação da referida Convenção que ocorreu apenas ao final do século XX.

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6.9 O Brasil e as Convenções sobre idade mínima da OIT As Convenções no 5 e no 6, entraram em vigor no âmbito internacional em 13 de junho de 1921, mas o Brasil depositou os instrumentos de ratificação apenas em 26 de abril de 1934, conforme o Decreto de promulgação no 423, de 12 de novembro de 1935. A partir dessas Convenções, o Brasil passa a ratificar apenas algumas deliberações da OIT em processos que perduram por vários anos, quando não por décadas. Mesmo assim, percebe-se que as políticas gerais são adotadas no direito interno brasileiro. Verifica-se que o avanço relativo à idade mínima para o trabalho é limitado, priorizando apenas os setores nos quais se destacam a periculosidade, a insalubridade ou o direcionamento político-econômico do país, como se pode constatar nas convenções ratificadas pelo Brasil até meados da década de 60. Neste período foram estabelecidos limites de idade mínima para o trabalho em atividades que envolviam as categorias dos trabalhadores marítimos, paioleiros, foguistas, industriários, não-industriários, pescadores, e os trabalhos realizados em locais subterrâneos. Segundo Oris de Oliveira, o “direito brasileiro agasalha, nas grandes linhas, as normas das convenções da OIT sobre a matéria, embora não tenha ratificado todas”.162 Neste contexto, ganha especial importância o estudo das Convenções 162

OLIVEIRA, Oris. O Trabalho Infanto-Juvenil no Direito Brasileiro. São Paulo: LTr, 1994. p. 54.

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no 138, sobre idade mínima para o trabalho e a no 182, sobre piores formas de trabalho infantil e ações imediatas para sua eliminação, recentemente ratificadas pelo Brasil. A ratificação das Convenções no 138, sobre idade mínima de admissão ao emprego, editada em 1973 e promulgada no Brasil em 15 de fevereiro de 2002 pelo Decreto no 4.134, e a Convenção no 182 sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação, editada em 1999 e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12 de setembro de 2000, ambas da Organização Internacional do Trabalho, trouxeram novos instrumentos político-jurídicos para o fortalecimento das ações de prevenção e erradicação do trabalho precoce.

6.10 A Convenção no 138 e a Recomendação no 182, da Organização Internacional do Trabalho, sobre limites de idade mínima para o trabalho A Convenção no 138, sobre idade mínima para o trabalho, integra o rol das sete Convenções da Organização Internacional do Trabalho sobre direitos fundamentais. Embora sua adoção ainda esteja restrita a um pequeno número de países, suas normativas representam um avanço significativo em defesa dos direitos da criança e do adolescente em todo o mundo. No Brasil, a recente ratificação trouxe mais um instrumento jurídico importante articulado com os avanços no campo infanto-juvenil. A magnitude da Convenção no 138 é tal, que o Fórum

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Nacional para Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, em seu Plano de Ação, elaborado em novembro de 1998, definiu como necessidade articular, em curto prazo, apoio à ratificação da Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho163, tendo, no ano de 1999, elaborado parecer conclusivo em favor da ratificação dessa convenção. No mesmo sentido, em documento elaborado pela Comissão Preparatória do Tribunal Internacional contra o Trabalho Infantil, realizado em São Paulo, no mês de maio de 1999, indicava que no ano de 1995 milhares de assinaturas foram entregues ao governo federal solicitando a imediata ratificação da Convenção 138 da OIT.164 Por sua vez, o Ministério do Trabalho e Emprego instituiu a Comissão Tripartite apenas em 27 de maio de 1999, através da Portaria no 341, com a finalidade de efetuar a análise da Convenção 138 e da Recomendação 146 da OIT, sobre idade mínima de admissão ao emprego, que finalizou os trabalhos apresentando parecer favorável à ratificação. A Convenção no 138 foi editada com o objetivo de concentrar em um único instrumento limites gerais de idade mínima para o trabalho, que pudessem ser adotados pelos países-membros da Organização. Para que medida de tal abrangência fosse possível foram inseridas duas ordens de normas: as gerais, de aplicabilidade necessária pelos países que viessem a ratificar a convenção, estabelecendo requisi163 BRASIL. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Plano de Ação. Brasília: mimeo, 1998. 164 COMISSÃO PREPARATÓRIA DO TRIBUNAL INTERNACIONAL CONTRA O TRABALHO INFANTIL Relatório do Trabalho Infantil no Brasil. s.l.: mimeo, 1999.

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tos e compromissos mínimos que os países pudessem vir a assumir; e flexíveis, que se prestassem à adaptabilidade das realidades locais mediante o compromisso de persecução de políticas nacionais que fornecessem condições aos países para que se atingissem os limites propostos pela convenção. Dentre as normas de aplicabilidade necessária, a Convenção no 138 determina, em seu artigo 1o, a todo país-membro o comprometimento em assegurar uma política nacional de erradicação do trabalho infantil e em elevar, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem. Este é o núcleo fundamental da Convenção no 138, a partir do qual todo o mais decorre. É ele que fixa os parâmetros de balizamento na definição da idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho, assentando-se em três pontos fundamentais: a) política nacional de abolição do trabalho infantil; b) elevação (e fixação) progressiva da idade mínima; c) garantia ao pleno desenvolvimento físico e mental. Em relação à política nacional de eliminação do trabalho infantil, o Brasil tem demonstrado um crescimento nos esforços relativos ao tema, em destaque a elaboração de documento pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil denominado “Diretrizes para a Formulação de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil”.165 165 BRASIL. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Diretrizes para Formulação de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. Brasília: FNPETI, OIT, UNICEF, 2000.

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Quanto ao critério de elevação progressiva da idade mínima para o trabalho, o próprio processo histórico-legislativo brasileiro é suficiente para demonstrar que a preocupação com a elevação destes limites esteve sempre presente, culminando com a promulgação da Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998. No entanto, a riqueza da Convenção no 138 não se esgota na elevação progressiva dos limites de idade mínima para o trabalho, vai mais além, ao vincular a elevação a limites às necessidades de pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, e também, a garantia de acesso ao ensino público e gratuito. Nesse sentido, é imperioso resgatar os elementos do art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil, que em essência demonstra como as políticas nacionais, já estão sendo direcionadas para o mandamento do art. 1o da convenção, necessitando, contudo, o aperfeiçoamento das políticas públicas em busca da efetividade dos direitos de crianças e adolescentes, que a partir do compromisso do governo e da sociedade civil poderão ser devidamente implementadas de modo eficaz. Cabe, ainda, registrar algumas diretrizes propostas na Recomendação no 146, complementar à Convenção no 138, tais como as previstas no item 2: “a) o firme compromisso nacional com o pleno emprego, a promoção do desenvolvimento voltado para o emprego rural e urbano; b) a extensão progressiva de medidas econômicas e sociais destinadas a atenuar a pobreza; c) a garantia de padrões de vida e

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renda às famílias para que se torne desnecessário o recurso à atividade econômica das crianças; e) o desenvolvimento e a progressiva extensão, sem qualquer discriminação, de medidas de seguridade social e de bem-estar familiar destinadas a garantir a manutenção da criança, instituindo, inclusive os diversos tipos de abonos de família; f) o desenvolvimento e a progressiva extensão de meios adequados de ensino, de orientação e formação profissional adequadas, na sua forma e conteúdo, às necessidades das crianças e adolescentes; g) o desenvolvimento e a progressiva extensão de meios apropriados à proteção e ao bem-estar de crianças e adolescentes, inclusive dos adolescentes empregados, e à promoção do seu desenvolvimento. Destaca-se, ainda, a importância da garantia e obrigatoriedade da freqüência escolar em tempo integral e a participação em programas de orientação profissional ou de formação, ao menos até a idade mínima para o trabalho, estabelecida nas leis.” Cabe salientar que na formulação das políticas públicas, crianças e adolescentes devem ser considerados como portadores de uma universalidade de direitos que promovam o desenvolvimento em condições de igualdade, superando-se, assim, as políticas de caráter meramente assistencialista destinadas a apenas uma parcela estigmatizada/marginalizada da população que, até então, poucos resultados positivos trouxeram. Deve ser dada atenção especial, a uma formação isenta de riscos, pois se a lei proíbe o trabalho em atividades perigosas, insalubres, penosas e igualmente proíbe a realização de formação profissional nessas condições.

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Para a efetiva aplicação da Convenção no 138 devem ser tomadas medidas para: o fortalecimento da fiscalização do trabalho, inclusive com a formação de fiscais para a detecção e correção nos abusos cometidos no emprego de crianças e adolescentes; o fortalecimento de serviços para a melhoria dos treinamentos realizados em empresas e a sua fiscalização; o destaque ao papel que pode ser desempenhado pelos fiscais no fornecimento de informações e no assessoramento para a aplicação das disposições da convenção; a coordenação entre as fiscalizações no trabalho e em treinamento realizados em empresas, devendo o poder público articular as ações e políticas voltadas para a educação, a formação, o bem-estar e orientação de crianças e adolescentes. As convenções internacionais voltadas para a promoção social encontram parâmetros de legitimidade exatamente no momento em que procuram estabelecer mecanismos para a melhoria do desenvolvimento humano, mediante a garantia de direitos que promovam a proteção integral de todos os seres humanos. Portanto, um dos princípios elementares das convenções internacionais, em especial aquelas voltadas aos direitos humanos, encontra sustentação na progressividade e aperfeiçoamento das medidas atinentes à proteção humana. Assim, na interpretação das convenções deve ser considerada, necessariamente, a perspectiva de ampliação no espectro de abrangência a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, nunca o contrário. A Convenção no 182 traz a integração da concepção de

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piores formas de trabalho infantil que deve ter um significado na ampliação da proteção das crianças e adolescentes e, ainda, servir como suporte para uma maior facilidade quanto à realização de direitos. A aplicação e a interpretação da Convenção no 182 devem estar profundamente articuladas com os princípios da Doutrina da Proteção Integral elencados na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção no 138 da Organização Internacional do Trabalho, pois são normas de proteção complementares. A Convenção no 182, articulada com a Convenção no 138, veio possibilitar novos instrumentos para a eliminação do trabalho precoce. A Convenção no 138 exige que, mediante a ratificação, os países deverão especificar em declaração anexa uma idade mínima para admissão a emprego ou trabalho, envolvendo inclusive os meios de transporte registrados no território, de acordo com o art. 2o, item 1, tarefa realizada por meio de declaração de previsão da idade mínima básica para o trabalho. No entanto, não devemos acreditar que uma questão desta complexidade, que é a da exploração do trabalho infantil, resolve-se tão somente com fiscalizações, multas, autuações. Na concepção de Joélho Ferreira de Oliveira, para que, efetivamente, obtenha-se um resultado positivo, “a fiscalização do trabalho tem que se aliar com outras entidades, especialmente os conselhos tutelares, com o Ministério Público, com os juizados da infân-

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cia e da adolescência, com os sindicatos dos empregadores e dos empregados e com organizações não-governamentais, sobretudo as que têm atuação destacada em defesa da criança e do adolescente. Experiências bem sucedidas têm demonstrado que tudo isso pode ser feito sem abrir mão da autoridade e da imparcialidade de que os agentes da inspeção do trabalho estão investidos para fiscalizar.”166 Uma segunda norma de aplicabilidade necessária consiste no art. 2o, item 3, que exige a fixação da idade mínima num limite superior à idade de conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos. Desse modo, a Convenção no 138 estabelece dois critérios de exigência quanto à idade mínima para o trabalho: que não seja inferior à idade de conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, inferior a quinze anos. A finalidade desse dispositivo destina-se à fixação de limites mais elevados de idade mínima para o trabalho, estabelecendo-se o patamar mínimo em quinze anos. Portanto, a norma convencional coaduna-se com a ordem constitucional brasileira, pois em razão do art. 208, I, da Constituição da República Federativa do Brasil, o término da escolaridade obrigatória é o referente ao ensino fundamental, o que em condições normais ocorre aos quatorze anos. Sendo o limite de idade mínima estabelecido, por força do já citado art. 7o, XXXIII, em dezesseis anos, compreendese este limite, denominado básico, como o referencial a se fixar como o limite de idade mínima para o trabalho, não 166

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existindo contradição entre o dispositivo constitucional e a Convenção, pois as duas previsões se complementam, eis que o limite fixado pela Constituição brasileira é superior ao estabelecido na Convenção. A Convenção no 138 situa-se, também, como norma de aplicabilidade necessária e refere-se ao limite de idade mínima superior, estabelecendo que não será inferior a dezoito anos a idade mínima para a admissão a qualquer tipo de emprego ou trabalho que, por sua natureza ou circunstâncias de execução, possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral do jovem, conforme está disposto no art. 3o, item 1. O referido artigo, ao estabelecer o limite de idade mínima de 18 (dezoito) anos para qualquer emprego ou trabalho que possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral do jovem, encontra perfeita harmonia com o art. 7o, XXXIII, da Constituição Federal, quando esta preceitua a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 (dezoito) anos e também com o artigo 67, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por sua vez, o artigo 6o da Convenção especifica regras de inaplicabilidade dos limites de idade mínima (básico e superior) para os trabalhos realizados em regime de aprendizagem e orientação vocacional desde que realizados com maiores de quatorze anos, após consulta às organizações de empregadores e trabalhadores, estando, assim, em perfeita consonância com o limite estabelecido no art. 7o, XXXIII, da Constituição Federal, que permite a aprendizagem a partir dos quatorze anos de idade.

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A previsão do artigo 9o e dos seguintes classifica-os como normas de aplicabilidade necessária, pois tratam das medidas que deverão ser tomadas para a garantia da efetiva vigência das disposições da Convenção, da revisão de diversas Convenções anteriores sobre o tema, das obrigações dos países-membros e da entrada em vigor da Convenção, já ocorrida em 19 de junho de 1976. A Convenção no 138 incorporou, como já foi dito, uma série de normas de caráter flexível, com vistas à ratificação do tratado por um maior número de países. Tais normas não exigem sua aplicabilidade, mas os países cujas condições de desenvolvimento educacional e econômico não estiverem suficientemente desenvolvidos, poderão utilizá-las por determinado prazo e mediante condições específicas, devendo haver o compromisso de adaptar-se às regras gerais dentro de determinado período temporal. Por força das alterações constitucionais ocorridas com a promulgação da Emenda Constitucional no 20, atualmente o Brasil não mais precisa, de modo geral, fazer uso dessas prerrogativas, uma vez que os parâmetros de idade mínima para o trabalho estão em condições superiores às exigidas pela convenção. Nesse contexto, insere-se o art. 2o, 4, que permite ao paísmembro, cuja economia e condições do ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas, mediante a consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concernentes, definir, inicialmente, uma idade mínima de quatorze anos.

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No mesmo sentido, estabelece o art. 2o, item 5, que deverá todo país-membro que definir uma idade mínima de quatorze anos, incluir em seus relatórios a serem apresentados sobre a aplicação da Convenção, que subsistem os motivos da providência ou que renuncia ao direito de se valer da disposição a partir de uma determinada data. Importa registrar que, após a elevação dos limites de idade mínima para o trabalho, promovida pela Emenda Constitucional no 20, não se faz mais necessário o uso da prerrogativa prevista nesse artigo e que possibilita a adoção de um limite de idade mínima de quatorze anos. No mesmo diapasão, apresenta-se o artigo 3o, 3, como norma de caráter flexível ao estabelecer que poderão as leis, os regulamentos nacionais ou as autoridades competentes, mediante consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concernentes, autorizar emprego ou trabalho a partir da idade de dezesseis anos, desde que estejam plenamente protegidas a saúde, a segurança e a moral dos jovens envolvidos e lhes seja proporcionada instrução ou formação adequada e específica no setor da atividade pertinente. Tal norma reflete essa característica importante da Convenção 138 que é a sua flexibilidade, de modo a permitir que os países-membros se adaptem aos seus comandos. Quando a convenção utiliza-se do verbo “poder” abre ao país-membro uma faculdade que pode ou não ser aproveitada, não se tratando, assim, de uma obrigatoriedade. Dessa forma, estabelece a possibilidade de, progressivamente, e conforme a necessidade de cada país-membro, autorizar

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o trabalho perigoso ou insalubre a partir de 16 dezesseis anos em determinadas atividades. Para o Brasil, tal necessidade de redução não mais se faz presente, eis que a própria constituição estabeleceu em dezoito anos a idade mínima para trabalhos insalubres ou perigosos, sendo desnecessário o uso da prerrogativa. Quando o artigo 4o, 1, fixa que a autoridade competente, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concernentes, poderá, na medida do necessário, excluir da aplicação desta Convenção um limitado número de categorias de emprego ou trabalho, a respeito das quais se levantarem reais e especiais problemas de aplicação, apresenta mais um dispositivo de caráter flexível, que faculta sua adoção se realmente existirem problemas especiais de aplicação da Convenção em determinados setores da atividade econômica, não sendo necessário o Brasil valer-se desta disposição, eis que ausentes os reais e especiais problemas de aplicação. No mesmo sentido, apresentam-se as disposições constantes nos artigos 4o, 2, 3, e 5o que se caracterizando como normas flexíveis representam faculdades que podem ou não, serem adotadas pelos países-membros da Organização Internacional do Trabalho conforme suas conveniências e oportunidades. Não se fazendo necessário o uso dessas prerrogativas de limitação de alcance da Convenção previstas nesse artigo em face da determinação constitucional brasileira de limites de idade mínima, que não permitem a diferenciação por setores de atividade econômica e apenas por

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condições de segurança, saúde e moralidade do trabalho. E apresentam-se mais abrangentes que as exigências mínimas da Convenção. É oportuno ressaltar a norma prevista no artigo 7o, 1, que permite a leis e regulamentos nacionais a autorização de serviços leves a partir dos treze anos de idade, desde que não prejudiquem a saúde e o desenvolvimento, bem como a freqüência escolar. Esta norma insere-se, sem dúvida alguma, dentro do caráter flexível da Convenção no 138. É de se ver que, existindo norma constitucional que disponha expressamente sobre o tema, com a definição precisa de seus contornos, tal faculdade não se fará necessária, mantendose os atuais níveis de idade. Por sua vez, reveste-se de extrema importância a previsão do art. 7o, 2, ao estabelecer que as leis ou regulamentos nacionais poderão permitir emprego ou trabalho a pessoas que não tenham ainda concluído a escolaridade obrigatória, mas que já superaram o limite de idade mínima básica. Portanto, o disposto neste art. 7o, parágrafo 2o, permite a flexibilização do critério de conclusão de escolaridade obrigatória, quando ultrapassado o limite de idade mínima básica, no caso do Brasil, 16 anos, para que a possibilidade de atraso escolar não seja impedimento para a aquisição da capacidade jurídica para o trabalho, não apresentando, qualquer contradição com o texto constitucional, devendo, no entanto, a autoridade competente definir atividades em que o emprego ou trabalho poderá ser permitido e ainda o número de horas e as condições que serão desempenhadas.

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Em relação à Recomendação no 146, digno de registro é o preâmbulo sobre Convenções e Recomendações, editados pela Organização Internacional do Trabalho, pois esclarece que a Recomendação, por sua vez, embora não imponha obrigações, complementa a Convenção e, como expressa o próprio termo, recomenda medidas e oferece diretrizes com vistas à viabilização da implementação, por leis e práticas nacionais, das disposições da Convenção. Por sua vez, a Convenção no 138 da Organização Internacional do Trabalho trouxe em seu núcleo a definição de políticas nacionais de abolição do trabalho infantil, a elevação (e fixação) progressiva da idade mínima e a garantia ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem. Estando o Brasil firme nos mesmos propósitos através de sucessivas e constantes atualizações de sua legislação e nas ações promovidas pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em conjunto com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, que apoiaram a decisão favorável à necessidade histórica de ratificação da Convenção no 138, que muito poderá contribuir com a erradicação do trabalho precoce no Brasil. Esgotados os principais pontos da Convenção no 138, resta uma análise da Recomendação no 146, editada conjuntamente com a respectiva Convenção, que embora esta não imponha obrigações, recomenda medidas e oferece diretrizes com vistas à implementação por leis e práticas nacionais das disposições das Convenções. A análise e o estudo da Recomendação no 146 da Organi-

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zação Internacional do Trabalho ganham relevância no exato momento em que o país passa a implementar a Convenção no 138. A importância da recomendação eleva-se, pois as suas diretrizes fornecem subsídios concretos para a efetividade das políticas indispensáveis à erradicação do trabalho precoce e a conseqüente proteção dos direitos das crianças e adolescentes. A Recomendação no 146 parte do pressuposto de que a efetiva abolição do trabalho infantil e a progressiva elevação da idade mínima para admissão em emprego constituem apenas um aspecto de proteção e do progresso de crianças e adolescentes. Indica, portanto, a necessidade de articulação das diversas políticas públicas, em especial aquelas que visam efetivar os direitos infanto-juvenis. Destacou-se como um dos pontos fundamentais da Convenção no 138 a formulação de uma política nacional de combate ao trabalho infantil. Nesse âmbito, a Recomendação no 146 salienta que deve ser conferida destacada prioridade “à identificação e ao atendimento das necessidades de crianças e adolescentes na política em programas nacionais de desenvolvimento e à progressiva extensão das medidas correlacionadas para criar as melhores condições possíveis para o desenvolvimento físico e mental das crianças e dos adolescentes”. A Recomendação no 146 indica algumas medidas exigidas para a efetivação desses direitos, tais como: o firme compromisso nacional com o pleno emprego, a promoção do desenvolvimento voltado para o emprego rural e urbano; a

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extensão progressiva de medidas econômicas e sociais destinadas a atenuar a pobreza; a garantia de padrões de vida e renda às famílias para que se torne desnecessário o recurso à atividade econômica das crianças; o desenvolvimento e a progressiva extensão, sem qualquer discriminação, de medidas de seguridade social e de bem-estar familiar destinadas a garantir a manutenção da criança, instituindo, inclusive, os diversos tipos de abonos de família; o desenvolvimento e a progressiva extensão de meios adequados de ensino, de orientação e formação profissional adequadas, na sua forma e conteúdo, às necessidades das crianças e adolescentes; o desenvolvimento e a progressiva extensão de meios apropriados à proteção e ao bem-estar de crianças e adolescentes, inclusive dos adolescentes empregados, e à promoção do seu desenvolvimento, de acordo com o item 1 da referida Recomendação. Destaca, em seu item 4, a importância da garantia e obrigatoriedade da freqüência escolar em tempo integral e a participação em programas de orientação profissional ou de formação, ao menos até a idade mínima para o trabalho estabelecida nas leis. A Recomendação no 146 estabelece no item 3 que “devem ser objeto de especial atenção às necessidades de crianças e adolescentes sem família ou que não vivam com suas próprias famílias, e de crianças e adolescentes migrantes que vivem e viajam com suas famílias. As medidas tomadas nesse sentido devem incluir a concessão de bolsas de estudo e formação profissional.”

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Ressalta-se que, na aplicabilidade deste dispositivo da recomendação, deve-se considerar especialmente os princípios da Doutrina da Proteção Integral, abstendo-se da realização de políticas sociais discriminatórias. Em relação às medidas necessárias para a implementação dos limites de idade mínima para o trabalho, a Recomendação no 146 pouco avança, restringindo-se, apenas, a recomendar medidas aos países que optarem pela adoção das normas de caráter flexível. No tocante aos trabalhos perigosos, a Recomendação destaca duas medidas relevantes: - o reexame periódico da lista dos tipos de emprego ou trabalho perigosos, considerando-se em particular os progressos científicos e tecnológicos; segundo o item 10, 2, e também a consideração das normas internacionais do trabalho referentes a substâncias, agentes ou processos perigosos, envolvendo as radiações ionizantes, o levantamento de cargas pesadas e o trabalho subterrâneo, conforme o item 10, 1. Em relação às condições de emprego, no caso do Brasil, de adolescentes, a Recomendação indica no item 12, (1) que: devem ser tomadas medidas para que sejam asseguradas condições de trabalho satisfatórias, que sejam mantidas estas condições e, ainda, realize-se um rígido controle. Também recomenda o item 12 que devem ser tomadas medidas para proteger e fiscalizar as condições em que são fornecidos orientação profissional ou treinamento dentro das empresas, instituições de formação e escolas de ensino

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profissional ou técnico, estabelecendo-se padrões para a sua proteção e desenvolvimento. Em relação às condições de emprego, destaque especial é destinado pelo item 13, 1: “a) ao provimento de uma justa remuneração, e sua proteção, tendo em vista o princípio do salário igual para trabalho igual; b) à rigorosa limitação das horas diárias e semanais de trabalho, e à proibição de horas extras, de modo a deixar tempo suficiente para a educação e formação (inclusive o tempo necessário para os deveres de casa), para o repouso durante o dia e para atividades de lazer; c) à concessão, sem possibilidade de exceção, salvo em situação de real emergência, de um período consecutivo mínimo de doze horas de repouso noturno, e de costumeiros dias de repouso semanal; d) à concessão de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas e, em qualquer hipótese, não mais curtas do que as concedidas aos adultos; e) à cobertura de planos de seguridade social, inclusive de acidentes de trabalho, assistência médica e planos de auxílio-doença, quaisquer que sejam as condições de emprego ou de trabalho; f) à manutenção de padrões satisfatórios de segurança e saúde e de instrução e controle adequados.” Para a garantia da aplicação da Convenção no 138 devem ser tomadas medidas para: o fortalecimento da fiscalização do trabalho, inclusive com a formação de fiscais para a detecção e correção nos abusos cometidos no emprego de crianças e adolescentes (item 14, 1, a); o fortalecimento de serviços para a melhoria dos treinamentos realizados em

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empresas e a sua fiscalização (item 14, 1, b); o destaque ao papel que pode ser desempenhado pelos fiscais no fornecimento de informações e no assessoramento para a aplicação das disposições da convenção (item 14, 2); a coordenação entre as fiscalizações no trabalho e em treinamento realizados pelas empresas, devendo o poder público articular as ações e políticas voltadas para a educação, a formação, o bem-estar e orientação de crianças e adolescentes (item 14, 3). A Recomendação no 146 propõe que especial atenção seja dispensada: à aplicação de disposições referentes a emprego em tipos perigosos; à proibição de emprego e trabalho de crianças e adolescentes durante as horas de aula, enquanto forem obrigatórios o treinamento e a educação. Disposições estas já completamente incorporadas pela legislação pátria, nos artigos 7o, XXXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil e no art. 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A Recomendação no 146 destaca, no item 16, a e b, a necessidade de adoção de medidas facilitadoras para a verificação das idades mediante a manutenção de registros públicos de nascimento, que inclua a emissão de certidões; a obrigatoriedade dos empregadores manterem registros e documentos com indicação de nomes e idades à disposição das autoridades competentes, incluindo o registro referente aos adolescentes que desenvolvem atividades de formação profissional. Por fim, indica, em seu item 16, c, que medidas especiais devem ser tomadas para a verificação de idade de “crian-

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ças e adolescentes que trabalham nas ruas, em bancas, em lugares públicos, no comércio ambulante ou em outras circunstâncias que torne impraticável a verificação de registros de empregadores.”

6.11 A Convenção no 182 e a Recomendação no 190, da Organização Internacional do Trabalho, sobre piores formas de trabalho infantil A Convenção no 182, da Organização Internacional do Trabalho trata das piores formas de trabalho infantil e ações para a sua eliminação. O aspecto mais relevante localiza-se na definição das “piores formas de trabalho infantil”. A adoção desta expressão resultou em muita discussão e debate, principalmente, por parte de organizações da sociedade civil, a partir do entendimento de que não existem formas piores de trabalho infantil, pois todas as formas são igualmente prejudiciais ao desenvolvimento das crianças. No entanto, a expressão não pretende dar margem a possíveis indicações de qualquer forma de trabalho infantil que seja melhor, mas estabelecer prioridades de ação para aquelas formas que exigem uma ação enérgica e imediata, pois se estas não forem tomadas poderiam provocar prejuízos irreversíveis ao desenvolvimento das crianças e adolescentes. Torna-se importante destacar que as ações e prioridades voltadas para as chamadas piores formas de trabalho infantil não excluem a necessidade, também prioritária, de eliminação de toda e qualquer forma de trabalho precoce

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que prejudique o desenvolvimento físico, psicológico e biológico de crianças, já que a terminologia utilizada está fundamentada no conceito internacional de criança, que compreende toda pessoa com idades entre zero e dezoito anos. Deve-se destacar que a adoção da Convenção 182 não substitui a Convenção no 138, por se entender esta última como norma fundamental da Organização Internacional do Trabalho, que dispõe de instrumentos para a efetiva abolição do trabalho infantil. A abolição das piores formas de trabalho infantil deve levar em conta a importância da educação fundamental e gratuita e a necessidade de promover a reabilitação e integração social das crianças, atendendo-se ao mesmo tempo, às necessidades econômicas e sociais das famílias. Para tratar da questão, o Ministério do Trabalho e Emprego constituiu Comissão Tripartite, através da Portaria no 143, de 14 de março de 2000, nos seguintes termos: “compete à Comissão definir a lista dos tipos de trabalho considerados como piores formas de trabalho infantil, encaminhando suas conclusões, no prazo de sessenta dias a partir de sua constituição, para apreciação do Ministro do Trabalho e Emprego.” A integração da concepção das piores formas de trabalho infantil pressupõe o estabelecimento dos princípios sob os quais devem estar assentados os novos conceitos, bem como, a sua inter-relação com os demais institutos jurídicos. Não se reinventa o direito na adoção de cada nova normativa internacional, apenas se incorpora ao ordenamento

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mediante a submissão aos princípios e normativas gerais, fazendo-se a sistematização e correlação com o sistema jurídico existente. O conhecimento e a delimitação dos princípios norteadores de qualquer sistema jurídico torna-se fundamental para a compreensão adequada da nova dimensão proporcionada pelas diretivas internacionais. Portanto, faz-se necessário a análise destes princípios para a compreensão do tema. A Convenção no 182 dispõe em seu preâmbulo que se trata de uma convenção complementar à Convenção no 138. Assim, o princípio previsto na Convenção no 138 da “elevação progressiva dos limites de idade mínima para o trabalho” deve ser o norte na formulação das diretrizes e ações políticas. Em segundo lugar, a política nacional de combate ao trabalho infantil é um compromisso que os governos assumem com a adoção da Convenção no 138, devendo esta ser direcionada para toda e qualquer forma de trabalho infantil, realizada abaixo dos limites de idade mínima para o trabalho. Nesse contexto, a Convenção no 182 vem estabelecer algumas prioridades de ações que deverão estar inseridas nos programas de combate ao trabalho infantil. Jamais as piores formas de trabalho infantil devem ser o único referencial para a formulação dos programas, pois sendo assim, estaria adotando-se apenas a Convenção complementar e excluindo-se a geral. Aplicar o complemento do que não existe é promover a inversão das prioridades. Não mais se pode admitir que o Brasil paute suas em políticas compensatóri-

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as e isoladas, que normalmente custam muito caro e poucos resultados apresentam. A aplicação e a interpretação da Convenção no 182 devem estar profundamente articuladas com os princípios da Doutrina da Proteção Integral elencados na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho. De outro modo, estar-se-á correndo o risco na concentração de esforços para o ressurgimento da Doutrina da Situação Irregular, já por muitos anos implementada no Brasil, da qual os prejuízos provocados ainda hoje se fazem sentir por toda a sociedade. Assim como a Convenção no 138, a Convenção no 182 foi editada com o objetivo de estabelecer limites abrangentes que pudessem ser adotados pelo maior número de paísesmembros da Organização Internacional do Trabalho. Essa flexibilidade ocorre porque, em decorrência do avanço e aperfeiçoamento já alcançado no ordenamento jurídico de alguns países, como é o caso do Brasil, em muitos momentos são encontradas diretrizes nas convenções internacionais que já foram adotadas ou seus patamares mínimos superados anteriormente pelos países signatários. Como uma convenção consiste num instrumento genérico, deve ser capaz de atender às diversidades encontradas nas mais variadas regiões do planeta, em muitas situações, com a adoção de uma convenção internacional, poderia se ter a impressão de que a convenção estaria significando ou provo-

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cando um retrocesso na legislação protetiva, conquistada a duras lutas pela sociedade. Entretanto, realizando-se uma análise profunda sobre a questão, não é isso o que acontece. Ao adotar uma convenção internacional, o país está aceitando as normas e disposições que ampliem o âmbito de abrangência da proteção, no caso da infância e adolescência, principalmente, em razão da superioridade dos princípios estabelecidos na Doutrina da Proteção Integral. Seria um contra-senso a adoção de uma convenção internacional que significasse um prejuízo ao desenvolvimento, conquista e realização de direitos num determinado país. Daí a importância dos princípios na interpretação e implementação das convenções. São os princípios que estabelecerão o norte para a integração das disposições convencionais no ordenamento jurídico. A Convenção no 182 tratou de definir, no seu art. 3o, qual o entendimento a ser dado às piores formas de trabalho infantil, entendidas como: “a) todas as formas de escravidão ou prática análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, sujeição por dívida ou servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou compulsório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados b) os trabalhos subterrâneos, debaixo d’água, em altura perigosas ou em espaços confinados; c) os trabalhos com máquinas, equipamentos e instrumentos perigosos ou que envolvam manejo ou transporte manual de cargas pesadas; d) os trabalhos em ambiente insalubre que possam, por exemplo, expor as crianças a substâncias, agentes ou

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processamentos perigosos, ou a temperaturas ou a níveis de barulho ou vibrações prejudiciais a sua saúde; e) os trabalhos em condições particularmente difíceis, como trabalho por longas horas ou noturno, ou trabalho em que a criança é injustificadamente confinada às dependências do empregador.” Especialmente nos últimos anos houve no Brasil um profundo debate sobre as chamadas formas intoleráveis de trabalho infantil, chegando-se ao consenso de que toda forma de trabalho infantil é intolerável. Por outro lado, ampliouse o conhecimento relativo às piores formas de trabalho infantil. Nesse processo alguns consensos foram estabelecidos, como o reconhecimento de que todas as formas de escravidão ou práticas análogas são consideradas como piores formas de trabalho infantil. A Convenção no 182 fez questão de exemplificar algumas formas características, mas não exaustivas para referenciar que tipo de trabalho se pretende abordar. Embora a Convenção sobre Trabalho Forçado, de 1930, e a Convenção Suplementar das Nações Unidas sobre Abolição da Escravidão, do Tráfico de Escravos e de Instituições e Práticas Similares à Escravidão, de 1956, já tenham tratado do assunto, a Convenção no 182 ressaltou sua importância ao apresentar referência a este tipo de trabalho ou exploração no tocante às crianças e aos adolescentes. Todas as formas de exploração sexual podem ser enquadradas como piores formas de trabalho infantil. Mesmo estando a exploração sexual num âmbito que nem sempre

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pode ser perfeitamente caracterizada como trabalho, mas realmente como exploração, o destaque da Convenção no 182, conferido para a utilização, procura e oferta de criança para fins de prostituição, produção de material pornográfico ou espetáculos pornográficos, tem sua importância especialmente com o aumento desse tipo de exploração, notadamente em redes como a internet. Nada mais são do que trabalhos não apenas prejudiciais ao desenvolvimento, como também, à moralidade. Considera-se, também, como piores formas de trabalho infantil, todas as atividades consideradas ilícitas pela legislação penal. E, ainda, todos os trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança, podem ser considerados como piores formas de trabalho infantil. Refere-se a Convenção aos trabalhos insalubres, perigosos e, mais uma vez, prejudiciais à moralidade, ampliando, dessa forma, a abrangência na classificação das piores formas de trabalho infantil, incorporando, assim, os princípios norteadores da Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas. A Recomendação no 190, da Organização Internacional do Trabalho, que acompanha a convenção em análise, destaca atenção especial aos trabalhos que expõem as crianças aos abusos físicos, psicológico ou sexual; os trabalhos subterrâneos, debaixo d’água, em alturas perigosas ou em espaços confinados; os trabalhos com máquinas, equipamentos e instrumentos perigosos ou que envolvam o manejo ou

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transporte manual de cargas pesadas; os trabalhos em ambiente insalubre que possam, por exemplo, expor as crianças a substâncias, agentes ou processamentos perigosos, ou a temperaturas ou a níveis de barulho ou vibrações prejudiciais a sua saúde; e os trabalhos em condições particularmente difíceis, como trabalho por longas horas ou noturno, ou trabalho em que a criança é injustificadamente confinada às dependências do empregador. A definição dos tipos de trabalho considerados como piores formas de trabalho infantil foi tarefa de grande responsabilidade, pois havia a preocupação de ser excluída alguma atividade relevante. Por isso, na formulação da lista incluiu-se o maior número de atividades conhecidas atualmente como prejudiciais ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, fundamentadas nas normas de segurança e medicina do trabalho, em especial a experiência acumulada pelos Auditores Fiscais em suas atividades cotidianas. As Convenções da Organização Internacional do Trabalho relativas ao trabalho da criança e do adolescente vêm consolidar o arcabouço jurídico sobre o trabalho precoce no Brasil, disponibilizando, desse modo, instrumentos capazes de fortalecer o combate às piores e a todas as demais formas de trabalho infantil.

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7. ASPECTOS DESTACADOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL A construção de um conjunto de políticas públicas capazes de prevenir e erradicar do trabalho infantil na realidade brasileira está em construção. Podem ser destacados como protagonistas nesse processo a constituição dos Fóruns Nacional e Estaduais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, bem como a constituição de Diretrizes para uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, exigida pelo conjunto da sociedade brasileira e integrada no ordenamento jurídico a partir da ratificação das Convenções nos 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho.

7.1 Os Fóruns de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil A constatação das conseqüências do trabalho infantil, aliada aos novos conceitos vinculados à doutrina da proteção integral, previsto no art. 227, da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como, o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos proporcionaram um novo olhar sobre a infância e adolescência bra-

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sileira, constituindo avanços como a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, é oportuno recordar que até a metade da década de 80, ainda que a legislação proibisse o trabalho infantil, havia uma tolerância dessa prática exploratória tanto por parte da sociedade quanto por parte do Estado. O que assistimos durante muitos anos na área da infância resumia-se, como já analisamos nos capítulos precedentes, em “preparar” os “menores” para atuar no mercado de trabalho em funções que não exigiam um grande preparo escolar e, portanto, mal remuneradas, ou, a inserção de crianças e adolescentes nos chamados “programas sociais” que compunham a estrutura assistencialista dos Municípios e unidades federadas. Somente a partir da década de 90 é que se consolida uma nova dinâmica, com vistas a uma real eliminação do trabalho infantil. A necessidade de uma maior mobilização social capaz de pressionar as diversas instituições em torno da prevenção e erradicação do trabalho infantil veio constituir um importante movimento social em defesa dos direitos da criança e do adolescente, consolidando a constituição do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Em novembro de 1994, foi criando o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, tendo o apoio da OIT e do UNICEF. A instituição do referido Fórum tinha por objetivo a união da sociedade e do poder público, como um espaço aberto de discussão, articulação e busca de alternativas para tão complexo tema.

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O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação Infantil passou a desenvolver suas atividades visando à concentração de esforços dos três níveis de governo e de organizações representativas da sociedade civil. O desenvolvimento da metodologia de ações integradas proporcionou a mobilização das organizações locais para realizar um levantamento da situação do trabalho da criança e do adolescente, visando sensibilizar os participantes dos Fóruns e governos para a criação de Comissões e Fóruns Regionais, compostos por representantes da sociedade civil e do poder público. Como primeira etapa desse trabalho foram constituídos, gradativamente, nos diversos estados da federação, Fóruns Estaduais de Combate ao Trabalho Infantil que, de acordo com o Fórum Nacional, foram criados para atuarem como “instância aglutinadora e articuladora dos agentes sociais envolvidos em políticas e programas, que atuam na formulação de medidas que previnam e erradiquem o trabalho infantil no País.”167 Como a metodologia de constituição dos Fóruns Estaduais resultou em intensa participação dos diversos segmentos do Estado e da sociedade civil, foi constituída uma Rede Nacional de Combate ao Trabalho Infantil que passou a aglutinar diversas instituições de abrangência nacional e os respectivos Fóruns Estaduais. O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil estabeleceu como metas “elaborar diagnósti167

BRASIL. Fórum Nacional. A metodologia, Cit.

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co, contemplando dados qualitativos e quantitativos, com vistas a promover estudo de alternativas econômicas para cada região e promover o planejamento estratégico para identificar as propostas de projetos e atividades nos diferentes setores.”168 A partir daí, passou a identificar a disponibilidade de recursos técnicos e financeiros dos membros do Fórum Nacional, do governo federal, estadual e municipal e de outras entidades locais, para a implementação de projetos e atividades, elaborando documentos, consolidando as propostas identificadas pelas entidades locais. Outrossim, procurou selecionar e detalhar, por setor, os projetos e atividades necessárias à execução das ações integradas. Para tanto, foram negociadas parcerias entre os participantes do Fórum Nacional com o governo federal, estadual e municipal com o fim de obter recursos para o financiamento dos projetos e definir mecanismos de acompanhamento, monitoramento e avaliação. Quando iniciou suas atividades, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, estabeleceu como objetivos: a) elaborar e socializar estratégias de atuação na prevenção e erradicação do trabalho infantil; b) promover por parte de empregadores, empregados e respectivas associações uma mobilização com vistas ao estabelecimento por negociações coletivas, regras que determinem a eliminação do trabalho infantil; c) conjugar esforços (integralizando-os) com os diversos atores e áreas na defe168

BRASIL. Fórum Nacional. A metodologia, Cit.

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sa dos direitos da criança e do adolescente; d) influir nos meios de comunicação de massa com o objetivo de sensibilizar a sociedade e instâncias de poder, dando visibilidade ao problema do trabalho infantil; e) criar e manter um banco de dados que contenha e divulgue informações a todas as pessoas envolvidas com o assunto e, com isto, facilitar e orientar a implantação de políticas de erradicação do trabalho infantil em todo o território nacional. O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil é constituído por uma Coordenação Colegiada e as demais entidades participantes da Rede Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. O Fórum ainda conta com o apoio da Organização Internacional do Trabalho e o UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância. Em 1998, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil participou da criação, a partir da Campanha “Criança no Lixo, Nunca Mais”, que tem por meta erradicar o trabalho infantil no lixo em todo o Brasil. A referida campanha se constituía como convite à toda a sociedade brasileira, para que esta não mais permitisse o uso da mão-de-obra infantil nos lixões e catação de lixo nas ruas.169 Além das ações referentes ao Plano de Ações Integradas, formulado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradica169 FÓRUM NACIONAL LIXO E CIDADANIA. Criança no Lixo, Nunca Mais. Brasília: FNLC, 1998. Segundo Cristina Porto, Iolanda Huzak e Jô Azevedo, em 1999 foi “criado para retirar as crianças dos lixões, o Fórum Lixo e Cidadania reúne hoje 49 instituições governamentais e nãogovernamentais do país todo. Naquela época, o escritório de Brasília do Unicef identificou 45 mil crianças e jovens trabalhando nos lixões. Desde então, 17 estados organizaram seus fóruns, e o sistema de bolsa-escola e jornada ampliada já retirou mais de 13 mil crianças dos lixões de 194 municípios brasileiros.” (PORTO, Cristina, HUZAK, Iolanda, AZEVEDO, Jô. Trabalho infantil, o difícil sonho de ser criança. São Paulo: Ática, 2003. p.18.)

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ção do Trabalho Infantil, destaca-se como de extrema importância a elaboração do documento Diretrizes para Formulação de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, resultado do trabalho conjunto com vinte e sete Fóruns Estaduais reunidos em Brasília no mês de julho de 2000. O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil tem realizado reuniões itinerantes pelas diversas regiões do Brasil, como forma de aglutinar os agentes responsáveis pela formulação e execução das políticas públicas de combate ao trabalho precoce, em torno de ações concretas.

7.2 As Diretrizes para uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil As diretrizes para uma política nacional de combate ao trabalho infantil estabelecem que uma política pública capaz de erradicar o trabalho precoce, foi definida inicialmente em seis eixos básicos: “1. integração e sistematização de dados sobre trabalho infantil; 2. análise do arcabouço jurídico relativo ao trabalho infantil; 3. promoção da articulação institucional quadripartite (governo, organizações de trabalhadores e de empregadores e organizações não-governamentais); 4. garantia da escola pública gratuita de qualidade para todas as crianças e adolescentes; 5. implementação dos efetivos de controle e fiscalização do trabalho infantil e; 6. melhoria da renda familiar e promoção do desenvolvimento local integrado e sustentável.”170 170

BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, cit. 2000. p. 09.

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Como já foi apontado anteriormente, há grandes dificuldades de aferição precisa deste fenômeno multifacetário caracterizado como trabalho infantil. Ainda que um significativo número de pesquisas e estudos vem sendo realizado nos últimos anos, o Brasil carece de uma política de integração e sistematização dos dados sobre o trabalho precoce, existe, portanto, uma imprecisão de informações. A abrangência de pesquisas importantes como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas áreas rurais da Região Norte durante a década de 1990, também contribuiu para o acirramento das desigualdades regionais, pois a ausência de dados tem provocado a dificuldade de proposição de alternativas ao trabalho infantil naquela região. Existem, também, poucos dados relativos aos impactos e resultados dos programas, projetos e ações desenvolvidas pelas diversas instituições, especialmente em relação à continuidade de tais experiências. É mister que as pesquisas sobre trabalho infantil procurem uma visão mais global e articulada com os diversos campos do saber. Análises qualitativas sobre a dimensão do trabalho infantil, seus fatores determinantes e a correlação com o arcabouço jurídico e as políticas públicas desenvolvidas, ainda são muito raros. A inserção de critérios como etnia e gênero podem trazer respostas significativas para o enfrentamento do problema. Se um dos principais fatores determinantes do trabalho infantil reside na situação de pobreza familiar, nada mais

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adequado que as pesquisas identifiquem e analisem as atividades econômicas ou não-econômicas realizadas por crianças e adolescentes e a relação destas atividades com a cultura e a tradição familiar, como subsídio para a superação da reprodução do ciclo intergeracional de pobreza. A sistematização e a integração de dados sobre o trabalho infantil requerem, portanto, a definição de conceitos e metodologias de pesquisa para a produção e melhoria dos dados e informações; o fortalecimento das instituições existentes, responsáveis pela realização de pesquisas primárias; a classificação dos fatores determinantes ou interferentes na realização do trabalho precoce, o estabelecimento de um sistema de monitoramento e avaliação. Uma política pública efetivamente comprometida com a prevenção e erradicação do trabalho infantil deve estar amparada num conjunto de dados suficientes para identificar a realidade social, econômica e cultural das crianças, adolescentes e famílias. O segundo eixo, apontado nas Diretrizes para a Formulação de uma Política Nacional Combate ao Trabalho Infantil, consiste na análise do arcabouço jurídico relativo ao trabalho infantil. As recentes transformações no arcabouço jurídico trouxeram um novo patamar à questão que merece análise cuidadosa embasada nos princípios da doutrina da proteção integral. O sistema de garantia de direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente constitui um poderoso instrumento de inclusão social. O desafio está colocado no reco-

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nhecimento social desses novos direitos e das estratégias necessárias a sua operacionalização. De acordo com as diretrizes, “o arcabouço jurídico disponível no Brasil, que trata do trabalho infantil, pode ser considerado de um grande pragmatismo, isto é, pode ser implementado sem grandes dificuldades pela forma como é proposto e atribui competências e responsabilidades aos diversos atores sociais e políticos que devem estar envolvidos de forma conjunta e integrada em sua proteção e erradicação.”171 Nesse sentido, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e os Fóruns Estaduais têm prestado uma contribuição relevante ao promoverem um número crescente de seminários, colóquios, encontros para a discussão e esclarecimento de temas jurídicos voltados à proteção dos direitos da criança e do adolescente. Chamar os diversos segmentos da sociedade e do Estado para assumirem um conjunto de responsabilidades compartilhadas, estabelecendo espaços de decisão democráticos e participativos, proporcionando o fortalecimento de todo o processo de formulação, execução e gestão das políticas públicas é o processo eficaz quando se pretende a garantia de direitos da criança e do adolescente. A articulação interinstitucional quadripartite, considerada como terceiro eixo das diretrizes, visa promover esse processo. Tal articulação entre organizações de trabalhadores e de empregadores, do governo e de organizações da 171

BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit., 2000. p. 26-27.

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sociedade civil se constitui em um instrumento de conscientização social, de um espaço de reivindicação, de garantia da eficácia e efetividade das ações, de concentração e legitimação de esforços comuns, de superação de dificuldades e divergências por meio do trabalho coletivo e de sensibilização dos diversos setores sobre a questão do trabalho infantil. A ampliação da articulação institucional requer a identificação e sensibilização das diversas instituições interessadas e capazes de contribuir para a efetiva eliminação do trabalho infantil. Evidentemente, existe um conjunto de políticas públicas básicas essenciais à realização dos direitos da criança e do adolescente. A garantia de uma escola pública de qualidade é apontada pelas diretrizes como uma ação central na erradicação do trabalho infantil. A garantia de acesso igualitário entre meninas e meninos na escola, o fornecimento de condições de freqüência, permanência e sucesso escolar são desafios colocados à escola pública brasileira. O Brasil permanece com um elevado índice de defasagem série/idade, e alta evasão escolar, especialmente das crianças e adolescentes trabalhadores, como se depreende na análise da dimensão do trabalho infantil. Nesse sentido, as diretrizes registram que “esse déficit educacional é mais qualitativo do que quantitativo, no sentido de que a escola não consegue atender às reais necessidades das crianças e, muito menos, oferecer alguma perspectiva razoável de futuro.”172 172

BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 32-3.

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O fortalecimento de uma educação de qualidade, que tenha condições de contribuir com a erradicação do trabalho infantil, requer a consolidação de programas que permitam a complementação da renda familiar, como também a implantação/desenvolvimento de programas sócioeducativos no período complementar à escola. As diretrizes consideram ainda imprescindíveis algumas ações básicas, notadamente nas regiões que utilizam o trabalho infantil em larga escala, que visem: a) Reavaliação do modelo de escola multisseriada; b) Garantia de pontualidade e de merenda escolar com qualidade; c) Investimento nos programas de alfabetização de jovens e adultos; d) Estabelecimento de parcerias entre a escola e outras instituições com o objetivo de constituição de programas educativos complementares à escola; e) Ampliação do número de creches e pré-escolas; f) Melhoria e ampliação da rede de escolas existente. Ao fazermos referência à melhoria da educação, devemos estar atentos que, para falarmos em freqüência e permanência do alunado na escola, é preciso que se criem programas de aceleração de aprendizagem; que os professores e demais agentes educacionais tenham formação continuada e melhores salários; elaboração e implantação de projetos pedagógicos adequados à criança e ao adolescente; oferta de transporte, vestuário e material escolar; incentivo “às famílias por meio de programas de orientação psicossocial,

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de melhoria da renda, de formação e qualificação profissional, de apoio técnico e com linhas de financiamento para alteração das bases produtivas onde as atividades econômicas perderam a rentabilidade e competitividade no mercado.”173 Outro aspecto relevante demarcado pelas diretrizes está concentrado na implementação dos efetivos de controle e fiscalização. A articulação interinstitucional estabelecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministérios Públicos Estaduais, tem representado um significativo impacto no afastamento do trabalho infantil. Já em 1995, em função da gravidade do problema, o Governo brasileiro instituiu, mediante a participação de vários Ministérios, o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, tendo este grupo o objetivo de combater o trabalho forçado e o trabalho infantil, bem como criou o Grupo Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério do Trabalho, com a finalidade de repressão ao trabalho infantil e forçado. Posteriormente, o Ministério do Trabalho e Emprego criou no âmbito das Delegacias Regionais do Trabalho nos estados da federação, Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente – GECTIPAS. Estes grupos, além da atividade de controle e fiscalização, realizaram diagnósticos claros da situação da criança e do adolescente trabalhador nos diversos setores

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BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 40.

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de atividade econômica, proporcionando uma maior atenção à formulação e execução das políticas públicas. O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, tem atuado junto aos sindicatos de trabalhadores e empregadores e firmado Termos de Ajustamento de Conduta, comprometendo o setor empresarial e suas respectivas cadeias produtivas a não utilizarem o trabalho de crianças e adolescentes em idade proibida, estabelecendo, inclusive, sanções pecuniárias em favor dos Fundos da Infância e da Adolescência em caso de descumprimento do termo. O Conselho Tutelar como “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente...”, conforme garante o art. 131, da Lei 8.069/90, tem contribuído na fiscalização e erradicação do trabalho precoce. Nesse sentido, as diretrizes recomendam que os Conselhos Tutelares devem “ser criados em todos os municípios; ser capacitados para atuarem em relação às irregularidades no trabalho de crianças e adolescentes; ser instrumentalizados para promover estratégias e procedimentos para a punição, pelos órgãos competentes, dos infratores que utilizam o trabalho infantil.”174 Combater o trabalho infantil não implica somente o mero afastamento da criança ou do adolescente do trabalho. Questionar o trabalho precoce, representa uma tentativa de superação do status quo. Se a pobreza familiar consiste no principal fator determinante do trabalho precoce, é imprescin174

BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 45.

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dível uma política pública comprometida com a melhoria da renda familiar e a promoção do desenvolvimento local integrado e sustentável. Diante dessa preocupação, as diretrizes ressaltam que “...não se pode esperar muito mais tempo para oferecer e implementar alternativas de mudança das situações que provocam a pobreza das famílias e que impõem a ocorrência do trabalho infantil. A adoção de medidas imediatas e eficazes no atendimento às necessidades sociais básicas das famílias deve ter caráter de urgência.”175 Deve ser garantida, também, a facilitação do acesso a fontes de financiamento, micro-crédito, crédito popular, fortalecendo a iniciativa e a constituição de novos empreendimentos como formas de geração de renda, que deveriam, alcançar, especialmente, as famílias mais vulnerabilizadas. A qualificação profissional articulada com o resgate do processo educacional fortalece a capacidade de desenvolvimento humano e superação das condições de diversidade atuais. O acesso a terra e a valorização do trabalho no campo são reivindicações importantes que merecem ser atendidas. “A reforma agrária é um componente fundamental da estratégia de desenvolvimento rural e está intimamente ligada à política de redistribuição de terras e valorização do trabalho rural.”176 Recomenda-se, ainda, “o fomento à criação e desenvolvimento de empreendimentos ou iniciativas de grupos de 175

BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 51.

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BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 54.

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trabalhadores ou de comunidades, seja do mercado informal urbano, seja do meio rural, constitui um incentivo importante para a geração de empregos e de renda, quando orientados e estimulados ao melhor aproveitamento das novas oportunidades abertas no mercado.”177 Programas de renda mínima são iniciativas importantes e, segundo Cristovam Buarque, “faz parte de uma idéia óbvia: se as crianças serão adultos pobres porque não estudam no presente, e se não estudam porque são pobres, a solução é quebrar o círculo vicioso da pobreza pagando às famílias pobres para que seus filhos estudem, no lugar de trabalharem.”178 Os programas de transferência de renda para as famílias mais fragilizadas têm apresentado resultados positivos, seja através do antigo Programa Bolsa Escola, hoje Bolsa Família, ou do próprio Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Por fim, resta assinalar que “esta nova maneira de olhar o desenvolvimento aponta para novos modelos de gestão e de institucionalização das políticas públicas e, conseqüentemente, de erradicação do trabalho infantil, que prioriza investimentos capazes de incrementar a economia local e melhorar a qualidade de vida das famílias, por meio de uma gestão participativa,”179 O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) 177

BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 55.

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BUARQUE, Cristovam. A segunda abolição. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 59.

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BRASIL. Fórum Nacional. Diretrizes, Cit. 2000. p. 57.

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foi uma resposta do Ministério da Previdência e Assistência Social, através da Secretaria de Estado de Assistência Social (SEAS), às necessidades apresentadas pela sociedade com vistas à erradicação do trabalho infantil. O Programa focaliza a família mais vulnerabilizada pela pobreza e exclusão social e destina-se a crianças e adolescentes com idade entre 07 e 14 anos, submetidas ao trabalho insalubre, degradante, perigoso e ou penoso, ou seja, atende apenas as chamadas piores formas de trabalho infantil. As crianças e adolescentes participantes do Programa devem freqüentar a escola e, no contraturno, ou seja, no horário oposto ao da escola, devem ser encaminhadas à Jornada Ampliada, que consiste em programa sócio-educativo em meio aberto. A Jornada Ampliada desenvolve atividades em dois núcleos, denominados básico e específico. O núcleo básico busca o enriquecimento do universo informacional, cultural, lúdico, de crianças e adolescentes por meio de atividades complementares e articuladas entre si, destacando aquelas voltadas ao desenvolvimento da comunicação, da sociabilidade, de habilidades para a vida, de trocas culturais e atividades lúdicas; apoio à criança e ao adolescente em seu processo de desenvolvimento, fortalecendo a auto-estima, em estreita relação com a família, a escola e a comunidade. O núcleo específico está voltado para o desenvolvimento de uma ou mais atividades artísticas, desportivas e de aprendizagem, tais como: atividades artísticas, em suas diferentes linguagens, que favoreçam a sociabilidade e pre-

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encham as necessidades de expressão e trocas culturais; práticas desportivas que favoreçam o autoconhecimento corporal, a convivência grupal e o acesso ao lúdico; atividades de apoio ao processo de aprendizagem por meio de reforço escolar, aulas de informática, línguas estrangeiras; educação para a cidadania e os direitos humanos, educação ambiental e outros, de acordo com os interesses e as demandas, especificidades locais e capacidade técnico-profissional de cada município; ações de educação para a saúde, priorizando o acesso a informações sobre riscos do trabalho precoce, a sexualidade, gravidez na adolescência, uso de drogas, DST/AIDS, entre outros. Apesar da riqueza desta experiência que está sendo implantada no Brasil, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ainda encontra como desafios: o atendimento de todo o tipo de trabalho precoce, bem como, a toda criança que esteja submetida a qualquer tipo de trabalho. Isto implica a responsabilidade dos governos em parceria com a sociedade civil, para que o país tenha condições de superar esta enorme chaga social. Ainda, o referido Programa não deve ser executado como uma nova forma de institucionalização de crianças e adolescentes oriundos das famílias de baixa renda, uma vez que esta perspectiva constitui-se como discriminatória e excludente. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil deve estar orientado como um novo conjunto de oportunidades à criança e ao adolescente, privilegiando o direito à convivência familiar e comunitária.

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Ismael Francisco de Souza ainda destaca que pactos setoriais têm sido assinados por setores empresariais consoante suas atividades econômicas com vistas a prevenir e erradicar o trabalho infantil em suas cadeias de produção. Neste contexto, “as organizações de trabalhadores têm realizado mobilizações, programas e projetos voltados à proteção da criança e do adolescente contra a exploração do trabalho. As ONGs têm executado um conjunto de programas e projetos inovadores, tais como as políticas de atendimento do Movimento de Organizações Comunitárias da Bahia (MOC), o Programa Empresa Amiga da Criança da Fundação Abrinq e ações de mobilização para prevenção e erradicação do trabalho precoce do Instituto Ócio Criativo no Estado de Santa Catarina.”180 Neste processo é indispensável o fortalecimento da participação da sociedade civil. O estímulo para a constituição e manutenção de organizações comunitárias, especialmente àquelas orientadas sob a perspectiva da defesa de direitos constitui-se em um salto qualitativo nas ações neste campo e poderão ser referências importantes na construção de um mundo livre do trabalho precoce e, portanto, que efetive os direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

180 SOUZA, Ismael Francisco de. As ações dos Conselhos Tutelares na Prevenção e Erradicação do Trabalho Precoce: a experiência do Município de Criciúma. (Relatório de Pesquisa). Criciúma: Universidade do Extremo Sul Catarinense, Diretoria de Pesquisa, Programa de Iniciação Científica (PIC), 2005. p. 17.

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8. A PROFISSIONALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE 8.1 Considerações Iniciais Ainda que o tema da profissionalização do adolescente seja usualmente analisado junto às questões relativas ao trabalho precoce, sua abordagem merece uma análise individualizada, pois caminha em outra direção. A necessidade de profissionalização, hoje, é elemento freqüente na discussão sobre políticas sociais e vista com simpatia pela opinião pública. A profissionalização é apresentada como a solução para as diversas mazelas sociais. Assim, diz-se que: a prisão não ressocializa porque os detentos não têm acesso à profissionalização, que as pessoas portadoras de deficiências devem ser profissionalizadas para sua integração social, da mesma forma os adolescentes devem ser profissionalizados para terem seu futuro garantido. Repete-se diuturnamente que jovens devem ser educados, qualificados, formados, devem aprender um novo ofício ou profissão como se essa fosse a salvação de todos os problemas. Entendemos que essas afirmativas parecem dizer o óbvio, no entanto não é tão fácil de ser analisada e, muito menos, aceita como uma verdade inconteste. A necessidade da profissionalização é um destes “totalitarismos” que es-

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magam a mais entusiástica voz que a ela se oponha. Podemos indagar que elementos, interesses e concepções de sociedade escondem-se por detrás da profissionalização, que lhe dá este vigor para suplantar inclusive modelos históricos, econômicos e sociais? Para compreender é necessária uma inserção histórica, no sentido como a questão tem sido posta no tempo e no espaço. A profissionalização tem sua origem nas Corporações de Ofício, nas quais crianças e adolescentes eram colocados em contato com o “mundo do trabalho” por meio da aprendizagem, ou seja, a constante observação e o acompanhamento do trabalho dos pais era o modo de aquisição do conhecimento. Na fase adulta, os então aprendizes transformavam-se em profissionais. Esse modelo proporcionava a reprodução das classes sociais com base na predeterminação profissional conforme a tradição familiar. Assim, as aptidões, os interesses e os potenciais inerentes à personalidade de cada criança eram suplantados em detrimento de um valor superior da coletividade: a reprodução do modelo econômico social. A reprodução da estrutura social corporativamente rígida era mantida através da profissionalização, desenvolvida especificamente conforme a classe social do aprendiz. Eram as Corporações de Ofício, detentoras do poder político, que garantiam a inserção das crianças na aprendizagem desde muito pequeninas, para iniciar o relacionamento com as técnicas e procedimentos de sua futura atividade. Dessa forma, era substituída a formação humanística em detrimen-

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to do aprendizado exclusivo de técnicas que possibilitariam, apenas, o correto e adequado exercício de uma atividade futura. A aprendizagem servia para a continuidade das desigualdades econômicas, sociais e culturais e para crescente desumanização do homem. Situação que todos indistintamente estavam sujeitos. Com a formação do Estado moderno e a concentração do monopólio da força política, esse novo modelo toma para si a atribuição de definir a atuação de cada classe social e o espaço a ser ocupado na produção, distribuição e consumo das riquezas. Assim, a vontade do soberano garantia a rigidez da escala social. A tradição familiar e as condições objetivas de subsistência constituíam o fator determinante de quem seria nobre, guerreiro, sacerdote ou comerciante. A partir daí a própria estrutura tratava de educar (profissionalizar) o indivíduo para o exercício de sua função. Com o advento da Revolução Industrial e o conseqüente fortalecimento da burguesia, a profissionalização se sujeita às características do novo modelo industrial. As especificidades de cada máquina e a necessidade de controle e manuseio das mesmas passam a estabelecer o conhecimento válido a ser distribuído aos homens. Os interesses do capitalismo industrial definem o modelo de profissionalização a ser empreendido, executando-o através de precário treinamento para adultos e crianças em suas próprias fábricas, resultando numa valorização social do conhecimento conexo a profissionalização dos trabalhadores, isto é, o indivíduo deve saber o necessário para a execução do trabalho nas fábricas.

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O ser humano busca o conhecer. Ocupar as massas com conhecimentos técnicos ou meros procedimentos é uma forma de apaziguar os ânimos, impedir o auto-conhecimento humano, dificultar a conscientização política era reproduzir a necessária alienação. A profissionalização torna-se adequada como meio de alienação e controle, fundamentais para a exploração capitalista industrial que se constituía. Do acirramento das relações entre capital e trabalho emerge o chamado Estado do Bem Estar Social. O avanço do Estado nas relações privadas pretendia a proteção do cidadão garantindo-lhe o atendimento a suas necessidades básicas. Juntamente com os Direitos Sociais, o Estado diante da nova ordem estabelece, também, como sua atribuição a garantia da profissionalização em parceria com as indústrias. O entendimento consistia em garantir a subsistência do indivíduo que, inexoravelmente, teria que se sujeitar ao “mundo do trabalho”. Proporcionar a aquisição de conhecimentos específicos era a forma de facilitar o acesso aos espaços produtivos. É com base nestes princípios que na década de 1940, o Brasil institucionalizou a aprendizagem aos adolescentes. Com a instituição da aprendizagem o Estado passou a investir, seus limitados recursos, também, na profissionalização, atendendo sobremaneira aos interesses dos detentores do capital, que passam a dispor de uma mão-de-obra qualificada, sem precisar fazer investimentos próprios. Esta postura entra em contradição com os próprios princípios do Welfare State, pois destina-se recursos oriundos de impostos de toda população, para uma atividade - a profissio-

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nalização - que, em suma, apenas proporciona o aumento de lucros de uma pequena classe social, prejudicando o atendimento em outras áreas de interesse público como educação e saúde. É neste contexto que surge o modelo de aprendizagem a ser aplicado aos jovens, já que desde sua origem no Brasil seu propósito sempre foi muito claro: a domesticação dos filhos do operariado.

8.2 Considerações conceituais Pensar a questão da profissionalização do adolescente importa, inicialmente, em definir e precisar o âmbito de abrangência de seus conceitos. O Brasil, assim como a maioria dos países do mundo, adotou o critério etário para a caracterização jurídica das etapas de desenvolvimento humano. Para a adequada compreensão do objeto principal desta análise é necessária a precisa definição da profissionalização. Para tanto classificaremos a expressão visando à construção de um conceito, destacando suas características principais. A doutrina apresenta divergências na classificação das formas, procedimentos ou modalidades que colocam o adolescente em contato com o “mundo do trabalho”. Contudo, inicialmente podemos definir que a relação entre o adolescente e o trabalho constitui-se de duas maneiras: a primeira através da profissionalização, ou seja, através da prepara-

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ção para a inserção em determinado trabalho, profissão ou atividade econômica; a segunda por meio da efetiva inserção na atividade laboral produtiva, nos limites estabelecidos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Consolidação das Leis do Trabalho. Neste capítulo, nos interessa exclusivamente a profissionalização e suas modalidades. A profissionalização é uma garantia constitucional que têm amplo espaço de abrangência e compreende diversas modalidades previstas na legislação ordinária em vigor. Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/90: prevê a aprendizagem, o trabalho educativo e a capacitação profissional; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394/ 96 traz a figura da educação profissional e o ensino técnico. Todas estas modalidades têm suas peculiaridades específicas que visam, efetivamente, implementar o princípio da profissionalização. Neste sentido entendemos a profissionalização como gênero composto por determinadas espécies que se diferenciam entre si pela metodologia aplicada, os objetivos que pretende atingir, a adequação a realidade dos atores envolvidos e o momento histórico de sua execução. Assim, esquematicamente, temos a profissionalização como categoria ampla que envolve variadas modalidades específicas que a torna efetiva. O gênero profissionalização exprime um princípio com finalidade determinada que é o acesso ao mundo produtivo do trabalho. Algumas espécies de profissionalização atendem de maneira mais completa as finalidades desta garantia. Entretanto, cada uma tem suas

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características próprias e adequadas à realidade e ao momento histórico de sua execução. Nesta obra serão aprofundados os estudos em torno de três categorias conceituais importantes: a capacitação profissional, a aprendizagem e o trabalho educativo.

8.3 A capacitação profissional do adolescente A capacitação profissional é uma dimensão específica da profissionalização. Na verdade, os conceitos das espécies de profissionalização são análogos, ou seja, têm em comum ponto de semelhança já que todos pretendem atingir a efetiva profissionalização.

8.3.1 A construção de um conceito de capacitação profissional A definição de certos limites conceituais acerca da capacitação profissional pode ser estabelecida a partir da análise dos termos baseado no conceito de “capacidade profissional” de José Cretella Junior, que a considera como “o conjunto de conhecimentos necessários e suficientes para que alguém seja julgado apto à prática de alguma profissão, pública ou privada”.181 Inicialmente, compreende-se que capacidade é uma aptidão, uma qualidade que a pessoa tem de satisfazer um 181 CRETELLA JR. José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 1993. p. 281.

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fim, ou ainda, o volume que preenche o interior de um corpo. A capacitação entendida como aptidão seria o processo de absorção de conhecimentos mínimos e necessários para que o sujeito esteja apto a desenvolver uma atividade. Sob tal perspectiva a capacitação profissional seria o processo que proporcionaria a aptidão para o desenvolvimento de determinada atividade laboral. Portanto, a finalidade da capacitação profissional está intimamente vinculada à aptidão inicial para o exercício de atividade que proporcione geração de trabalho ou renda. Pode ser compreendida, também, como o volume de conhecimentos que se adquire visando o desenvolvimento de determinado tipo de trabalho. Estes conhecimentos não são quaisquer tipos de saber, mas sim técnicas e procedimentos ensinados sistematicamente visando o exercício de determinado trabalho. A capacitação profissional pode ser entendida, ainda, em dois sentidos: um lato e outro estrito. A capacitação lato sensu, seria a aquisição de conhecimentos básicos para o exercício de qualquer atividade profissional. Esta aquisição inicia desde os primeiros anos de vida, fortalece-se com a escola, a TV, a família, enfim todos os meios de ensino e aprendizagem. Aqui a capacitação profissional faz parte do processo educativo da criança, do adolescente e do adulto em toda sua complexidade e abrangência. Em stricto sensu, a capacitação profissional consiste na aquisição de conhecimentos técnicos específicos adquiridos através de cursos ou programas voltados à profissionaliza-

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ção com as finalidades de proporcionar a geração de renda ou acesso ao mercado de trabalho. A capacitação visa possibilitar um primeiro contato com conhecimentos técnicos e procedimentais visando transformar os sujeitos sem preparação ou formação profissional e escolar em mão-de-obra capaz de integrar o mercado produtivo.

8.3.2 Algumas reflexões sobre a capacitação profissional Há alguns aspectos característicos da capacitação profissional que a diferencia das demais espécies de profissionalização. São estes elementos que estabelecem os limites ideais para a implementação de programas/projetos de capacitação profissional. Os elementos destacados a seguir não estão expressamente previstos no ordenamento jurídico, não são obrigatórios, mas se constituem no resultado da acumulação histórica das experiências desenvolvidas sobre a questão e por isso devem ser considerados. Normalmente, no Brasil, a capacitação profissional é tratada como uma medida emergencial destinada a atender uma população em estado de precariedade econômica e que tem seu acesso restrito às condições mínimas de subsistência e a fontes de geração de renda, devido a um mercado de trabalho competitivo e limitado. É neste sentido uma ação política compensatória, ou de integração, que se desenvolve em um modelo de Estado que proporciona efetivas possibilidades de inclusão social e de inserção do sujeito na esfera da vida cidadã.

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A ausência das políticas públicas básicas por parte do Estado, exige que este mesmo Estado estabeleça medidas ou ações compensatórias, no intuito de garantir um mínimo de capacidade de integração ao denominado mercado capitalista. Este tipo de ação, de caráter meramente assistencialista, oculta a incapacidade política de integração social da população neste mercado capitalista globalizado. Contudo, o acesso de todos a esta inserção é limitado pelas condições próprias do capitalismo dominante em conseqüência do desemprego conjuntural, estrutural e tecnológico. A manutenção destas expectativas de capacitação como estratégia de inserção consolida uma forma particular de controle social de uma população excluída historicamente para que diante da situação de exclusão não provoque um processo instabilidade social. O discurso da competitividade, que mitifica a exclusão, legitimando a reprodução e a desigualdade de classes no Brasil. No mercado capitalista não há espaço para todos. Neste contexto, os programas e projetos de capacitação profissional perdem seus referenciais, pois não apresentam condições efetivas de inserção social por uma questão estrutural do sistema. No entanto, mesmo assim as propostas de capacitação profissional tradicionalmente realizadas no Brasil, insistem na possibilidade de consolidarem-se como estratégias que forneçam condições semelhantes para competir. Por outro lado, estas medidas compensatórias têm sido pautadas pelo princípio da emergencialidade, ou seja, na

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necessidade urgente de atendimento de uma significativa população em situação de risco pessoal e social. Não se deve desconsiderar a importância das medidas compensatórias e emergenciais, já que as mesmas são necessárias como mecanismos de inclusão e pelas características de formação do Estado brasileiro, mas a política de estado não pode ser resumida apenas a este tipo de ação. Ainda nos dias atuais o discurso e a prática da profissionalização adolescente continua a ser mais abrangente do que a preocupação com a geração de emprego e renda para os adultos. Em relação ao tema, é de se destacar que as experiências de capacitação profissional estão cada vez mais atentas à questão da acessibilidade, qual seja: sua realização das atividades de profissionalização diretamente nas próprias comunidades. A realização de cursos e programas comunitários locais facilita a participação, fortalece as ações, suprimindo a dificuldades como deslocamento e transporte, eliminando despesas consideráveis, que normalmente são colocadas como um obstáculo à participação da população mais excluída em outras modalidades de profissionalização. Da mesma forma, o desenvolvimento dos cursos nas próprias comunidades traz aspectos inovadores e essenciais: a integração, a organização e a participação comunitária. O local de realização dos cursos de capacitação, geralmente centros comunitários ou espaços próprios do município, estabelece um locus privilegiado que proporciona a participação mais efetiva na decisão dos problemas locais e na organização, de maneira a constituir uma instância legíti-

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ma, com o poder de exigência ao poder público do atendimento as reais necessidades daquela comunidade. É neste sentido que a capacitação profissional pode ser constituída como elemento integrante e formador da cidadania. Outro aspecto a ser ressaltado é a liberdade procedimental dos cursos de capacitação profissional. Esta liberdade procedimental é o que garante a execução de projetos adequados à realidade comunitária, respeitando-se as peculiaridades locais, fazendo-se que se desenvolvam atividades conexas ao perfil de cada comunidade, que deve ser constatado através de estudos e diagnósticos prévios, proporcionando a constante avaliação dos projetos, bem como, a adaptação sistemática as rápidas transformações produtivas do mercado. Nesse sentido, na visão de Oris de Oliveira, seria mais adequada a “formação de base polivalente que propicie maior versatilidade para passar do exercício de um ofício para outro, sobretudo nas épocas de crise e desemprego. O bom senso exige que qualquer implantação de um programa de profissionalização seja precedida de um estudo sobre as condições do mercado de absorver a mão-deobra qualificada que dele sairá.182 A capacitação profissional do adolescente é uma espécie de garantia mínima que o poder público deve garantir ao cidadão, contudo a implementação de projetos nesta área deve observar alguns cuidados como, o respeito às diretrizes gerais do ordenamento jurídico e, principalmente, aos 182 OLIVEIRA, Oris. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. Coord. Munir Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez. São Paulo: Malheiros, s. d., p. 204.

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princípios da Doutrina da Proteção Integral, normatizados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Portanto, através do reconhecimento do adolescente como sujeito de direitos e, que a profissionalização é um direito subjetivo em virtude da garantia da proteção integral, a análise a seguir será direcionada na verificação da real garantia destes direitos na legislação.

8.4 Aspectos legais da capacitação profissional do adolescente A capacitação profissional do adolescente tem gênese em diversos institutos normativos e, portando, este item está voltado à análise sistemática das previsões legais, considerando, as Convenções e Recomendações internacionais, a Constituição Federal, assim, como a legislação infraconstitucional de modo a localizar e constituir o objeto jurídico em questão. Para uma melhor sistematização foram mantidas algumas referências do direito brasileiro, já analisadas anteriormente visando proporcionar maior clareza ao texto.

8.4.1 A capacitação profissional no direito internacional Assim, como na questão da idade mínima para o trabalho, é a Organização Internacional do Trabalho que estabelece através de Convenções e Recomendações as diretrizes para a profissionalização no âmbito internacional. Além da

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capacitação profissional, também são utilizados nos diplomas internacionais os termos: orientação profissional, formação profissional e aprendizagem. Diversas Recomendações conexas aos princípios da capacitação profissional foram emitidas pela Organização Internacional do Trabalho.183 Entretanto, como é característico de uma recomendação não gerar obrigatoriedade no cumprimento de suas normas, fixando apenas diretrizes políticas para os seus países-membros, esta análise será concentrada nas Convenções ratificadas pelo Brasil e na Recomendação no 150, considerada mais importante para este estudo. A primeira convenção internacional a tratar especificamente sobre capacitação profissional foi adotada em 1936, sob o número 82, e versava sobre a capacidade profissional mínima para os capitães e oficiais da Marinha Mercante. A matéria somente foi entrar em pauta novamente na Organização Internacional do Trabalho em 1948 com a organização do serviço de emprego, firmado na Convenção 88 de São Francisco. Já em 1958 foi editada a Convenção no 111 sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão. 183 Sobre o tema foram elaboradas as seguintes Recomendações: 1921 - no 15 - Desenvolvimento do ensino técnico na agricultura, 1935 - no 45 - Desemprego de menores, 1937 - no 56 Ensino profissional para a construção de edifícios, 1939 - no 57 - Formação profissional e n o 60 - Aprendizagem, 1946 - no 77 - Organização da formação profissional para o serviço do mar, 1949 - no 87 - Orientação profissional, 1956 - n o 101 - Formação profissional na agricultura e no 102 - Serviços sociais para os trabalhadores, 1958 - no 111 - Discriminação em matéria de emprego e ocupação, 1962 - no 117 - Formação profissional, 1964 - no 122 - Política de emprego, 1966 - no 126 - Formação profissional de pescadores, 1970 - no 136 - Programas especiais de emprego e de formação de juventude e sua participação no desenvolvimento e no 137 - Formação profissional de tripulantes marítimos, 1975 - n o 150 - Orientação profissional e formação profissional no desenvolvimento de recursos humanos.

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Matéria abordada, também, na Convenção 117, de 1962, que estabelecia os objetivos e as normas da política social. No interesse de incentivar as nações do mundo a alcançarem o pleno emprego e a elevação dos níveis de vida, em 1964 a Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em sua 48a sessão, adota a Convenção no 122, fixando diretrizes para a política de emprego mediante a garantia de acesso à população de qualificações necessárias para ocupar um emprego conveniente. Em 1966, a Convenção no 125 adotou normas suplementares a Convenção sobre capacidade profissional mínima para capitães e oficiais da Marinha Mercante (1936), definindo critérios para a emissão de certificados de capacidade dos pescadores. Por fim, no ano de 1975 são formuladas a Convenção no 142 e a Recomendação no 150 que tratam da orientação profissional e formação profissional no desenvolvimento de recursos humanos. A Conferência da Organização Internacional do Trabalho, reunida em 6 de outubro de 1936, resolveu adotar diversas proposições relativas ao estabelecimento, por cada um dos países marítimos, de um mínimo de capacidade profissional dos oficiais da marinha mercante através da Convenção no 53 que entrou em vigor no âmbito internacional em 29 de março de 1937, tendo o Brasil depositado o instrumento de ratificação a 12 de outubro de 1938. Este é o marco inicial mais importante da concepção acerca do discurso sobre a capacitação profissional. O art. 3 pre-

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via que ninguém poderia ser contratado para exercer a função de oficial da marinha mercante sem possuir certificado probatório de sua capacidade para o exercício daquelas funções. Percebe-se que a preocupação não está voltada somente para o aprimoramento dos conhecimentos individuais daqueles trabalhadores, mas principalmente para a elevação do nível profissional da atividade sob o controle da autoridade pública do território em que o navio estivesse matriculado. É nesse sentido que o art. 4o determina que ninguém receberia certificado de capacidade se não atendesse os requisitos fixados em suas alíneas a, b e c. A alínea “a” requer o alcance da idade mínima exigida, para o exercício da função. Isso porque a própria Organização Internacional do Trabalho já havia adotado, em 1920, a Convenção de no 7 que estabelecia a idade mínima em 14 anos para a admissão no trabalho marítimo. O segundo requisito para a aquisição de capacidade profissional era a experiência profissional que deveria alcançar um mínimo exigido para a aquisição do certificado, ficando a cargo de cada país estabelecer quais eram as experiências profissionais mínimas. A alínea “c”, vinculava a capacidade profissional a aprovação em exames organizados e fiscalizados pelas autoridades competentes, visando comprovar a aptidão necessária para o exercício da função. Essas diretrizes servem, inicialmente, para fixação de três aspectos a serem considerados na execução de projetos de

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capacitação profissional de adolescentes. Nesse sentido deve-se observar o limite de idade mínima para o trabalho, ou seja, é adequado que somente os adolescentes a partir de 14 anos sejam submetidos as atividades de capacitação profissional. Da mesma forma, deve ser considerada a importância da escolaridade, seja a permanência do adolescente na escola ou a reintegração aos bancos escolares daqueles que não tiveram acesso ou foram vítimas da evasão. E também, a realização de exames, não só para avaliar o conhecimento profissional adquirido pelo adolescente, mas verificar a adequação dos projetos as necessidades do mercado de trabalho. Em 1946, a Organização Internacional do Trabalho adota a Declaração de Filadélfia, que destaca entre seus fins e objetivos a busca efetiva pela justiça social, afirmando que todos os seres humanos, sejam qual for sua raça, credo ou sexo, têm direito ao progresso material e desenvolvimento espiritual em liberdade e dignidade, em segurança econômica e com oportunidades iguais. No mesmo caminho deste alvorecer humanitário do pós-guerra é que em 1948 é editada pela Organização das Nações Unidas, com o voto de 46 países, incluso o Brasil, a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Visando o efetivo comprimento das diretrizes afirmadas nestas declarações a Organização Internacional do Trabalho, em 1948, decidiu adotar diversas disposições relativas organização do serviço de emprego através da convenção no 88, realizada na cidade americana de São Francisco. Esta

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convenção entrou em vigor no âmbito internacional em 27 de fevereiro de 1951, sendo aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro em maio de 1956, através do Decreto Legislativo no 24, depositando os instrumentos de ratificação junto a OIT em 25 de abril de 1957. A Convenção no 88 estabelece em seu art. 6o que o serviço de emprego deve ser organizado de maneira a assegurar a eficácia de recrutamento e da colocação de trabalhadores, mediante o registro de pretendentes a empregos, a anotação de suas qualidades profissionais, ajudando-os a obter, caso necessário, orientação, formação ou readaptação profissional. No mesmo sentido, o art. 8o, garante a adoção de medidas especiais visando os adolescentes na integração desses no quadro de serviços e empregos e de orientação profissional. Assim, a referida convenção proporcionará a estruturação, no Brasil, do Serviço Nacional de Emprego (SINE), que passou a formular iniciativas próprias e características visando não só o encaminhamento ao mercado de trabalho, mas também, a formação e a capacitação profissionais de adultos e adolescentes. Atendendo, inclusive, aqueles que se encontram em situação de desemprego. Outra importante Convenção, que irá através dos anos refletir nos ordenamentos jurídicos dos países-membros da OIT, é a de número 111, que trata da discriminação em matéria de emprego e profissão, que entrou em vigor, no âmbito internacional em 15 de junho de 1960 e, após ter sido aprovada pelo Congresso Nacional em 1964, possibilitou

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que o Brasil depositasse o instrumento de ratificação em 26 de novembro de 1965. No intuito de garantir os direitos humanos fundamentais, o art. 1o, “a”, o direito internacional optou por vetar: “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.” Da mesma forma pretende garantir, em sua alínea “b”, o direito de igualdade de acesso, proibindo: “qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão...” Entretanto, o item 2, fixa que: “as distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação”. Esta foi uma forma de se garantir o acesso a profissões mais especializadas, somente àqueles que suprissem os requisitos mínimos de qualificação obtidos através do sistema educacional de cada país. Este princípio, posteriormente, difundiu-se pelos ordenamentos jurídicos que ao garantirem a liberdade de trabalho, ofício ou profissão ressalvavam o requisito da capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. No mesmo momento, houve a preocupação da definição de políticas para a redução das desigualdades no acesso a capacitação profissional, com vistas a implementar o direi-

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to à igualdade. O art. 2o, da Convenção no 111 estabelece que: “qualquer membro para o qual a presente convenção de encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria”. Portanto, a capacitação ou a qualificação profissional pretende ser o mecanismo adequado para promover a redução das diferenças e discriminações relativas ao trabalho e emprego, proporcionando, assim, a acesso de todos ao tipo de profissão mais recomendado conforme suas aptidões pessoais. No ano de 1964, entrou em vigor a Convenção no 117, sendo que o Brasil depositou seus instrumentos de ratificação apenas em 24 de março de 1969. A referida convenção definia os objetivos e normas da política social. Na sua parte V, firmou como um dos fins da política social a supressão de qualquer discriminação em oportunidades de formação profissional. A Convenção no 117 trouxe um importante marco teórico para a capacitação profissional do adolescente, já que destinou sua parte VI à educação e formação profissional. Determina o art. XV: “serão tomadas as disposições adequadas, na medida em que o permitam as circunstâncias locais, a fim de desenvolver progressivamente um amplo programa de educação, de formação profissional e de apren-

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dizado, de modo a preparar eficazmente as crianças e os adolescentes de ambos os sexos para ocupações úteis”. Cumpre salientar que a formação profissional foi prevista não só para os adolescentes, mas também, para as crianças. A diretriz internacional deve ser adotada com ressalvas, sendo considerada válida sua pretensão mediante o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento físico e intelectual que é a criança. Nesse sentido, o item 2, da citada convenção ao determina que: “as leis e os regulamentos nacionais fixarão a idade de término do período de escolaridade, bem como a idade mínima e as condições de emprego”. Estes limites já foram objeto de análise no estudo das Convenções no 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho. O art. XVI, item 2, é o referencial da distribuição de competência na definição de políticas públicas para o trabalho e emprego, que hoje no Brasil, dispõe de legislação própria, inclusive com fundos e conselhos específicos para a questão. O texto internacional originário fixava que: “as autoridades competentes se encarregarão da organização ou do controle de tal formação profissional, após consultarem as organizações de empregadores e empregados do país de onde provêm os candidatos e do país onde se realiza a formação em apreço”. A partir da constituição de uma série de convenções relacionadas ao emprego, a Organização Internacional do trabalho adotou a Convenção no 122 unificando, num instrumento apenas, a política de emprego. A principal garantia

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procurava garantir que, conforme o Art. 1, item 2, alínea “c”: “haja livre escolha de emprego e que cada trabalhador tenha todas as possibilidades de adquirir qualificações necessárias para ocupar um emprego que lhe convier e de utilizar, neste emprego, suas qualificações, assim como seus dons, qualquer que seja sua raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social.” Com a formulação da Convenção no 125 sobre os Certificados de Capacidade para os pescadores estabeleceu-se um outro princípio básico e necessário da capacitação profissional em todas as áreas, ou seja, a garantia da emissão de certificados comprobatórios da participação em cursos profissionalizantes. Entretanto é a Convenção no 142, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo no 46, de 23 de setembro de 1981, o marco mais importante referente à profissionalização, pois definiu especificamente diretrizes para a orientação e formação profissional no desenvolvimento de recursos humanos. É nesse momento que os países signatários da Organização Internacional do Trabalho assumem o compromisso internacional de adotar e desenvolver políticas e programas coordenados e abrangentes de orientação profissional e de formação profissional, estreitamente ligado ao emprego. O art. 1o, item 2, destaca que na execução dessas políticas devem ser considerados: “a) as necessidades de emprego, oportunidades e programas em âmbito regional, b) o estágio e o nível de desenvolvimento econômico, social e

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cultural, c) o relacionamento recíproco entre o desenvolvimento de recursos humanos e outros objetivos econômicos, sociais e culturais.” Reafirma, também, que os sistemas devem ser abertos, flexíveis e complementares de educação vocacional, técnica e geral, de orientação profissional e educacional e de formação profissional conexas ou não ao sistema de educação formal. Possibilitou, dessa forma, a compreensão da capacitação profissional lato sensu e stricto sensu, ou seja, a execução de capacitação envolvendo todos os meios de ensino e aprendizagem e, também, a capacitação profissional destinada especificamente para a execução de determinada atividade, ensinada através de cursos dissociados do ensino formal. Outro aspecto a ser salientado, é a garantia de informação à população sobre os seus direitos e deveres referentes às leis trabalhistas e acordos coletivos estarem conexos com os conteúdos de capacitação profissional, que efetivamente, seriam muito mais apropriados se estivessem inseridos no currículo comum do ensino fundamental. Como é característico de toda convenção ter uma recomendação que lhe acompanhe, será analisada a seguir a Recomendação no 150, emitida conjuntamente com a Convenção no 142, que também trata da orientação e formação profissional. No mês de outubro do ano de 1975 foi apresentado um documento provisório para a apreciação na Reunião Conjunta da Organização Internacional do Trabalho e da

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UNESCO sobre a recomendação no 150 que, a partir das discussões elaboradas nesta reunião tomou forma definitiva. Nesse sentido, o Departamento Nacional do Serviço Nacional da Indústria elaborou o documento de no 3 que estabelece as idéias básicas sobre a formação e a orientação profissional recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho. É com base neste documento que será analisada a capacitação profissional a partir das diretrizes da formação profissional, bem como, os princípios da orientação, visando integrar o conteúdo da profissionalização. No âmbito das Disposições Gerais da referida Recomendação é estabelecido em seu item 1, o princípio de aplicação geral, ou seja, é direcionada sua aplicação tanto a jovens como para os adultos e em todos os ramos de atividade econômica. Para a Organização Internacional do Trabalho os termos orientação e formação profissional têm o objetivo de: “descobrir e desenvolver as aptidões humanas para o trabalho e que, em união com as diferentes formas de educação, tem também por objeto desenvolver as aptidões individuais e coletivas para compreender e dominar o ambiente de trabalho e o meio social.” Esta disposição destaca o fundamento segundo o qual deve se desenvolver todo projeto de orientação e capacitação profissional que é a articulação das diferentes formas de educação, ou seja, a integração da educação escolar com os conteúdos técnicos e indispensáveis ao exercício de uma profissão ou atividade econômica.

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O segundo aspecto a ser destacado é a intenção internacional do desenvolvimento de aptidões, não só individuais, mas também as coletivas visando dominar o ambiente de trabalho e o meio social, através da compreensão. Este aspecto deve ser efetivamente observado pelos formuladores e aplicadores dos projetos de profissionalização de adolescentes, já que habitualmente o que ocorre é o inverso, ou seja, a dominação e o controle do sujeito pelo ambiente de trabalho e, também, pelo meio social a partir da manutenção e reprodução da ignorância quanto aos direitos básicos e fundamentais do homem. A aplicação prática desta disposição no cotidiano dos participantes de cursos de capacitação é o que proporcionará a construção da autonomia dos sujeitos do meio de opressão resultantes do crescente processo de exclusão social. É recomendado aos países-membros a adoção de políticas e programas completos e coordenados estabelecendo uma relação entre os projetos e a oferta de emprego, através dos serviços públicos. Portanto, estabelece-se a necessidade prévia de pesquisa e diagnóstico com o objetivo de verificar quais as áreas oferecem oportunidades de emprego e, a partir daí, elaborar os conteúdos programáticos visando a capacitação dos sujeitos para a futura integração no espaço produtivo em questão. Contudo, destaca-se como um dos pontos essenciais verificar se aqueles espaços produtivos são adequados a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento de que dispõe o adolescente. A Organização Internacional do Trabalho recomenda que

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as políticas e os programas deveriam: “animar e ajudar todas as pessoas, sobre uma base de igualdade e sem discriminação alguma, a desenvolver e utilizar suas aptidões para o trabalho em seu próprio interesse e de acordo com suas aspirações.” Neste sentido deve ser considerado o avanço tecnológico, a superação da exclusão digital e do acesso aos meios de informação. Atenta ao tema, a Organização Internacional do Trabalho destaca que seus países-membros deveriam: “assegurar o acesso ao emprego produtivo, incluindo o trabalho independente, que corresponda às aptidões e aspirações pessoais do trabalhador e facilitar ao mesmo tempo a mobilidade no mercado de empregos.” Devem, portanto, as propostas de capacitação profissional serem geradoras de oportunidades capazes de promover a efetiva inserção social e ao mesmo tempo garantir a ampliação do desenvolvimento das capacidades e habilidades profissionais.

8.4.2 A capacitação profissional no direito brasileiro A compreensão da capacitação profissional no direito brasileiro envolve a análise do direito constitucional que enseja a compreensão de dois aspectos fundamentais: a liberdade de exercício de trabalho ofício e profissão e o direito à profissionalização. A busca da natureza jurídica da capacitação profissional comporta a análise da evolução histórica da liberdade de

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exercício de trabalho, ofício e profissão. A gênese desse instituto encontra-se já na primeira constituição brasileira. Em 1824, o art. 179, XXIV, da Constituição Política do Império determinava que: “nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, á segurança, e saúde dos Cidadãos”. Em 1891, a Constituição Republicana, por sua vez, trouxe inovação ao trato da matéria, reflexo dos pensamentos positivistas, vigentes. Segundo Pontes de Miranda, “o Apostolado Positivista do Brasil opunha, peremptoriamente: ‘a República não admite privilégios filosóficos, científicos, artísticos, clínicos ou técnicos, sendo livre no Brasil o exercício de todas as profissões, independente de qualquer título escolástico, acadêmico ou outro, seja de que natureza for’.”184 Assim, à época, a Constituição demarcou em seu artigo 72, § 24, que: “é garantindo o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”. Não se exigindo qualquer pressuposto ou requisito legal. Foi a partir da necessidade de se estabelecer pressupostos, requisitos e condições para o exercício de profissão, que em 1934, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, no art. 113, no 13, determinou que: “é livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer, ditados pelo interesse público.” 184 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Borsoi, 3 ed. 1960. p 480.

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É com base neste princípio que se fundam os marcos iniciais de exigências de capacitação profissional para o exercício de emprego ou profissão, já que o legislador constituinte passou a valorá-la enquanto elemento distintivo no acesso a algumas profissões. A distinção, com base na capacidade técnica, tinha seu sentido estreitamente vinculado a difusão de cursos de nível superior no país, e visava a reserva e destinação adequada, das profissões liberais, em difusão naquele momento histórico. A Constituição do Estado Novo, decretada em 10 de novembro de 1937, pelo governo de Getúlio Vargas, em seu art. 122, no 08, alterou a redação do texto anterior, mas preservou seu conteúdo, assegurando aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, mediante: “a liberdade de escola de profissão ou do gênero de trabalho, indústria ou comércio, observadas as condições de capacidade e as restrições impostas pelo bem público, nos termos da lei.” Há de se ressaltar que além das condições de capacidade, concede-se, agora, o poder ao Estado, de restrição ao exercício de atividades contrárias aos seus interesses, diga-se de passagem, notadamente fascistas. Em 1946 foi promulgada a nova Constituição democrática que, igualmente, mantinha os princípios da previsão anterior. Entretanto, estabelece que, caberia à lei indicar quais as condições de capacidade para o exercício de atividades laborais. Nesse sentido, enuncia o art. 141, parágrafo 14; o qual dispõe que: “é livre o exercício de qualquer profissão,

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observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”; sendo que, esta mesma redação foi mantida pela Constituição de 1967, em seu art. 150, § 23, assim como na Emenda Constitucional no 1, de 1969, no art. 153, § 23. A exigência de capacidade, para a ocupação de determinadas profissões, não é mero critério excludente àqueles que não possuíam os requisitos necessários, uma vez que, tal norma apresenta, em seu anverso, um princípio muito importante, qual seja, a necessidade de capacitação profissional dos cidadãos, visando possibilitar o livre acesso às profissões aspiradas, de acordo com as aptidões individuais. Essas possibilidades de acesso poderiam ser proporcionadas das mais variadas formas, seja pela educação formal, seja por cursos específicos de capacitação ou, ainda, através do instituto da aprendizagem previsto na Consolidação das Leis do Trabalho. No entanto, a interpretação extensiva dada ao princípio legal e a efetiva implementação prática não foi genericamente adotada, encontrando-se, muito mais a cargo do esforço e das condições sócio-econômicas individuais a responsabilidade de escolha da profissão ou trabalho almejado. A Constituição Federal de 1988 não traz expressamente a referência à capacitação profissional, já que a redação dos dispositivos, até então, em análise, foram alterados. O art. 5o, XIII estabelece que: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Como se pode perceber, a Emenda Constitucional no 1, de 1969, utilizava o termo

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capacitação, mas o legislador constituinte entendeu por bem substituí-la por qualificação. Nesse sentido, pode-se considerar que a interpretação extensiva dada à capacitação profissional nas legislações anteriores, entendendo-a, também, como um direito à profissionalização, que poderá ser exercido mediante a qualificação e capacitação profissional. Contudo, existem divergências acerca do conteúdo de tal dispositivo, já que pode ser considerado, segundo José Afonso da Silva: “um simples direito individual, não aquilo que a doutrina chama de liberdade de conteúdo social, pois que ali não se garante o trabalho, nem tampouco as condições materiais para a investidura num ofício ou para a aquisição de qualquer profissão.” 185 E ainda: “O dispositivo confere liberdade de escolha de trabalho, de ofício e de profissão, de acordo com as propensões de cada pessoa e na medida em que a sorte e o esforço próprio possam romper as barreiras que se antepõem à maioria do povo.”186 Aspecto merecedor de destaque funda-se na fixação de limites ao exercício de determinadas profissões, auferidas pelo referido artigo, quando dispõe sobre a exigência do atendimento às qualificações profissionais impostas em lei. Garante, dessa forma, o exercício de profissões regulamentadas apenas àqueles que atenderem os pressupostos legais estabelecidos pela norma federal, ou seja, fixa a competên185 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 13. ed., 1997. p. 249. 186 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 13. ed., 1997. p. 249.

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cia privativa da União legislar sobre o exercício de profissões, de acordo com o art. 22, XVI. No mesmo sentido explica José Cretella Júnior que no nosso país, é da competência da União, por meio de lei federal, estabelecer “as condições de capacidade para o exercício de profissões liberais, como as profissões de médico, advogado, engenheiro, cirurgião dentista. Entre essas condições, verdadeiro pressuposto para o exercício, é o diploma expedido por estabelecimento de ensino superior credenciado.”187 Por fim considera-se que, a capacitação profissional do adolescente não encontra sua natureza jurídica no art. 5o, XIII, por este ser um direito meramente individual (e não um direito social) ou ainda por ser uma regra restritiva que tem por escopo garantir o exercício de determinadas profissões àqueles que atenderem os requisitos legais ou já se encontram em idade necessariamente produtiva. É de se destacar que a profissionalização nem sempre foi entendida como direito subjetivo do cidadão. A análise da evolução constitucional indica que esta, em alguns momentos, sequer foi considerada e, em outros era compreendida como um dever do cidadão para com o Estado. As constituições de 1824 e 1891 não fazem referências a qualquer espécie de profissionalização, sendo que a única menção acerca da formação dos jovens é direcionada para a prestação de assistência do Estado quanto ao acesso às escolas e às condições mínimas de ensino primário. 187 CRETELLA JR. José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 1993. p. 208.

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No mesmo sentido, a Constituição de 1934 preocupa-se com o acesso ao ensino. Contudo, em seu art. 138 incumbe concorrentemente à União, aos Estados e aos Municípios: “a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar; b) estimular a educação eugênica; c) amparar a maternidade e a infância; d) socorrer às famílias de prole numerosa; e) proteger a juventude contra toda exploração, bem como contra o abandono físico, moral e intelectual; [...]; g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais.” O texto apreciado não importa necessariamente na execução de qualquer prática de profissionalização, mas as indicações possibilitaram a constituição de um sistema assistencial à criança e ao adolescente, fundamentados tanto nas diretrizes internacionais, quanto no Código de Menores adotado em 1927. A Constituição do Estado Novo de 1937, ampliou as garantias para a assistência por parte do Estado em relação às crianças e aos adolescentes. Previa o art. 127: “a infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento de suas faculdades...” Além da garantia de manutenção do direito a educação primária, surge aqui a primeira referência a profissionalização, considerando-a como dever prioritário do Estado, sendo destinada às classes menos desfavorecidas e imple-

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mentada através de instituto do ensino profissionalizante e, subsidiando, inclusive às iniciativas individuais e de associações particulares e profissionais. Esta é a previsão do art. 129: “[...]O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares ou profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados[...]” Este modelo de assistência e profissionalização é o executado rotineiramente nos dias de hoje, mesmo diante das diversas transformações legais acerca da matéria. A profissionalização, a contrário sensu, do princípio de igualdade no tratamento de crianças e adolescentes garantidos na atual constituição, ainda se destina aquelas classes menos favorecidas, ou como se refere na atualidade, em situação de risco social e econômico. Da mesma forma, também são, em sua maioria, as organizações não governamentais que executam projetos nesta área. Cumpre ressaltar a instituição naquele momento histórico dos princípios da aprendizagem considerando-a como um dever das indústrias e dos sindicatos. Por sua vez, a Constituição promulgada em 1946, não se referiu expressamente a profissionalização, dedicando ape-

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nas um inciso à aprendizagem no capítulo dedicado à educação e cultura. Assim, o art. 168, IV, diz que a legislação de ensino adotará o princípio que determina: “as empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer[...]”. A obrigatoriedade dada à aprendizagem, em 1946, é mantida na Carta Constitucional de 1967, sob o art. 170, Parágrafo Único, com a seguinte redação: “as empresas comerciais e industriais são ainda obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores”. A consolidação do instituto da aprendizagem, vale lembrar, uma modalidade da profissionalização, deve-se às diretrizes da Recomendação no 60, de 1939, editada pela Organização Internacional do Trabalho. Da mesma forma, a Emenda Constitucional no 1, manteve a obrigatoriedade das empresas comerciais e industriais na manutenção da aprendizagem, referindo-se também a qualificação de seus trabalhadores e, portanto, ampliando o âmbito de abrangência constitucional da profissionalização, conforme prevê o parágrafo único do art. 178: “as empresas comerciais e industriais são ainda obrigadas a assegurar, em cooperação, condições de aprendizagem aos seus trabalhadores menores e a promover o preparo de seu pessoal qualificado.” Para compreender a real dimensão do direito à profissionalização, cumpre recordar que em 1959, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas enunciou a De-

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claração dos Direitos da Criança, sendo reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, instrumentos que influenciaram profundamente a Constituição Federal brasileira de 1988 no sentido instituir um efetivo direito à profissionalização. No mesmo sentido, em 20 de novembro de 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que gerou obrigatoriedade de aplicação daqueles princípios aos seus países-membros. O Brasil ratificou esta Convenção em 26 de janeiro de 1990, devido a consonância da nova constituição com os princípios internacionais. A regulamentação dos direitos infanto-juvenis, ainda naquele ano, através da Lei 8.069 - o Estatuto da Criança e do Adolescente - foi outro reflexo importante das diretrizes universais. Os princípios internacionais articulados à mobilização e participação dos mais variados meios representativos da sociedade civil brasileira, influíram sobremaneira, na garantias constitucionais referentes à criança e ao adolescente em 1988. Essa grande mobilização que resultou no já citado art. 227, também cuidou de prever o direito à profissionalização como direito fundamental. Portanto, a profissionalização é entendida como um direito subjetivo, que tende a ser implementado através de suas diversas modalidades como a aprendizagem e o trabalho educativo orientados pelos princípios da capacitação profissional.

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O legislador constituinte optou por não definir no Texto Maior as respectivas modalidades da profissionalização, deixando a cargo do legislador ordinário fixá-las. Assim, em outubro de 1990, através da Lei 8.069 - o Estatuto da Criança e do Adolescente, dedicou um capítulo ao direito à profissionalização e à proteção no trabalho, envolvendo os artigos 60 a 69. Neste contexto, interessa, sobremaneira, o art. 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece: “o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros: I respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.” O primeiro ponto a ser destacado é que a diretriz legal fixa a atenção no respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, ou seja, os executores dos programas de profissionalização devem estar atentos a adequação das metodologias e das estruturas locais às características peculiares dos adolescentes, de modo a não prejudicar o desenvolvimento físico, moral e psicológico daqueles que estão em processo de formação. O segundo aspecto a ser ressaltado é a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho, prevista no inciso II, do art. 69. Justamente, nesta previsão legal que se reconhece a importância da capacitação profissional do adolescente. No entanto, o enunciado pode ser compreendido de duas maneiras. A primeira forma visualiza a capacita-

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ção profissional como um fim em si mesma, ou seja, a capacitação seria desenvolvida através de um curso específico que possibilitaria o acesso ao mercado de trabalho, conforme as aptidões e potencialidades individuais de cada adolescente. Já a segunda forma entenderia a capacitação como o meio através do qual os princípios gerais da profissionalização seriam implementados visando atingir um objetivo final, ou seja, a formação integral do sujeito, visando não só capacitá-lo profissionalmente, mas também, fazer com que esta capacitação tenha efeitos práticos mediatos e imediatos no acesso à fontes de geração de renda. Considerando a capacitação profissional como meio e, não como fim, surgem diversas possibilidades de integrá-la às demais modalidades de profissionalização, fazendo-se, assim, cumprir a intenção do princípio legal superior e satisfazem de forma mais abrangente os interesses coletivos. Dessa forma, a capacitação profissional é requisito não só da profissionalização, mas também, da proteção ao trabalho do adolescente, fazendo-se entender que o trabalho do adolescente deve, necessariamente, estar vinculado ao pleno desenvolvimento de suas aptidões. Lembra Antonio Carlos Flores de Moraes que: “[...] de nada adiantará o seu trabalho, se o futuro adulto não receber uma formação que o capacite para a realidade do mercado de trabalho”.188 Também, nesse sentido Wilson Donizeti Liberati ao relaci188 MORAES, Antonio Carlos Flores de. O direito à profissionalização e a proteção no trabalho. In: Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069 - “Estudos Sócio-Jurídicos”. Coord. Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 240.

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onar os artigos 60 e 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente destaca: “nota-se o direito à profissionalização do adolescente e à sua proteção no trabalho, observados o respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e sua capacitação profissional adequada. Aí está a chave de toda a estrutura para salvaguardar a idade mínima para o início da atividade laboral.”189 Portanto, o trabalho do adolescente deve estar amparado na garantia dos elementos necessários a sua capacitação. Assim, o adolescente exercerá a faculdade, que lhe é típica, de trabalhar ou não. Se o trabalho for importante para a sua formação deve desenvolvê-lo, caso contrário deverá dedicar-se as melhores oportunidades de desenvolvimento social e humano. Se a profissionalização é o direito fundamental do adolescente, cabe defini-la. Baseado na Convenção 142 e na Recomendação 117 da OIT, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca diz que: “a profissionalização é definida como um processo metódico em que se alternam experiências teóricas e práticas com uma sucessão de tarefas gradualmente mais complexas e tendentes à aquisição de um trabalho qualificado ou de uma profissão”.190 Coloca-se como requisito da profissionalização a alternância de experiências, bem com a crescente complexidade 189

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 3. ed., s.d. p. 41. 190 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O direito à profissionalização: corolário da proteção integral das crianças e adolescentes. In: Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: RT. out/ dez, 1996. n. 96. p. 17.

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no desenvolvimento de tarefas, não se justificando como experiência de profissionalização, àquelas atividades repetitivas ou rotineiras. Destacando-se, ainda, a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. Percebemos, também neste contexto, que o Estatuto da Criança e do Adolescente se posiciona no rompimento de paradigmas, ou seja, rompe com a “cultura” do assistencialismo e propõe uma nova leitura: a da profissionalização e a da proteção do trabalho do adolescente enquanto política pública. Sob esta perspectiva, tal profissionalização e proteção, segundo Eliane A. Maranhão de Sá devem ser compreendidas “em sua interface como o caminho para a emancipação humana, considerando que a primeira tem sua dimensão política global (social, política, cultural), negando o treinamento e o domínio de habilidades como etapas isoladas da educação básica.”191 Portanto, entende-se que os instrumentos legais para a efetiva profissionalização estão claramente definidos, cabendo ao poder público e a sociedade destinar esforço para implementá-los, visando adequar a realidade econômica e produtiva aos princípios fundamentais da legislação. Não se pode esquecer, porém, que nesta preparação profissional “devem ser integrados paradigmas com o foco no mercado de trabalho e não no posto de trabalho, na garantia da empregabilidade real e no vínculo estreito com o ensino básico. A Escola fundamental é universal e deve garantir a 191 SÁ, Eliane A. Maranhão de. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários jurídicos e sociais. Coord. Munir Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez. São Paulo: Malheiros. 2. ed. s.d. p. 205.

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satisfação das necessidades básicas das crianças e adolescentes. Devemos considerar o potencial de cada um, sua história, sua cultura e as possibilidades da comunidade local. Torna-se emergente que a escola efetive uma proposta curricular atualizada com a nova realidade, apresentando a interface com a profissionalização.192 O poder público deve, também, garantir os mínimos sociais às famílias, para que os jovens possam dedicar-se a escola e a profissionalização, evitando o ingresso precoce no mercado de trabalho.193 A execução dos projetos sociais de profissionalização devem estar atentos e fundamentados nos princípios previstos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Consolidação das Leis do Trabalho, assim como, nas leis de assistência social e do trabalho e emprego. A capacitação profissional deve priorizar o aspecto educativo colocando o adolescente como sujeito e, não mais, como objeto do ensino profissionalizante. Nesse sentido as atividades devem ser direcionadas não só para a população carente, mas deve ser pensada de maneira adequada para que possa ser ampla e atingir a todos. Assim, certamente, estaria se definindo as políticas públicas conforme os princípios da doutrina atual da proteção integral. Por fim, resta destacar a importância da conexão entre a capacitação profissional e os currículos escolares, priorizan192 CONANDA. Relatório Síntese Assembléia Ampliada sobre o Trabalho Infanto-Juvenil. Brasília: mimeo, abril, 1996. p. 4. 193 CONANDA. Relatório Síntese Assembléia Ampliada sobre o Trabalho Infanto-Juvenil. Brasília: mimeo, abril, 1996. p. 05.

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do, acima de tudo, a formação básica e humanística, através da diversidade de conteúdos e a adaptação das estruturas administrativas às necessidades dos educandos, propiciando uma escola mais criativa e inovadora que estes novos tempos estão a pedir.

8.5 A aprendizagem O instituto da aprendizagem é o mais tradicional instrumento de profissionalização do adolescente no Brasil. Anteriormente à análise propriamente dita desta questão, são necessárias algumas considerações de ordem genérica que diz respeito a esse instituto de origens suficientemente complexas. O avanço tecnológico decorrente do processo de industrialização e concorrência passou a exigir dos trabalhadores uma melhor qualificação para o desempenho de suas funções. Mais do que cursos profissionalizantes específicos, o novo “mundo do trabalho” está a exigir trabalhadores com formação escolar ampla e diversificada, a capacitação voltada ao protagonismo juvenil, ao empreendedorismo, bem como, o acesso às estratégias educacionais articuladas com geração de renda e a garantia de condições de pleno desenvolvimento. Diretrizes necessárias para a formulação de políticas públicas de atenção à adolescência. Apesar de o sistema educacional constituir-se muitas vezes como um instrumento de exclusão social, no momento em que não fornece condições adequadas para a forma-

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ção escolar daqueles que mais necessitam, faz-se necessária a inversão no processo de definição das políticas públicas com vistas a ampliar o âmbito de atuação das políticas educacionais em relação ao adolescente trabalhador. As políticas públicas endereçadas ao adolescente não podem se restringir ao mero conjunto de ações emergenciais e compensatórias que visam a integração do adolescente no mercado de trabalho. Devem, antes de tudo, ser instrumentos capazes de fornecer os subsídios indispensáveis ao seu pleno desenvolvimento. A profissionalização deve proporcionar a aquisição de um conjunto de conhecimentos necessários para que alguém seja julgado apto à prática de alguma profissão pública ou privada. Esses conhecimentos devem ser definidos segundo as condições e necessidades do novo mundo do trabalho, voltados, principalmente, àquelas atividades que requeiram uma formação mais diversificada. Portanto, qualquer atividade laboral em que o adolescente esteja envolvido deve priorizar a sua capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. A operacionalização desta capacitação profissional pode ser realizada mediante o instituto da aprendizagem. Para Oris de Oliveira, este instituto se constitui na “fase primeira de um processo educacional (formação técnicoprofissional) alternada (conjugam-se ensino teórico e prático), metódica (operações ordenadas em conformidade com um programa em que se passa do menos para o mais complexo), sob orientação de um responsável (pessoa física ou

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jurídica) em ambiente adequado (condições objetivas: pessoal docente, aparelhagem, equipamento).194 A aprendizagem ganha relevância, no contexto estabelecido a partir da promulgação da Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998, no exato momento em que é a única modalidade de trabalho permitida ao adolescente com idade entre quatorze e dezesseis anos. A nova redação do art. 7o, inciso XXXIII, da Constituição Federal, ao não permitir a realização de aprendizagem abaixo dos quatorze anos de idade, revogou o art. 64 do Estatuto da Criança e do Adolescente, eliminando do ordenamento a chamada “bolsa de aprendizagem”, em face da garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários para os aprendizes maiores de quatorze anos previsto no art. 65.195 Do mesmo modo, está revogado o art. 80 da Consolidação das Leis do Trabalho, que possibilitava o pagamento de meio salário mínimo ao adolescente aprendiz196, pois ao se assegurar os direitos trabalhistas e previdenciários, está se garantindo, também, o direito constitucional quanto à proibição de diferença de salários por motivos de idade, previsto no art. 7o, XXX. Se a lei maior não faz discriminações, não cabe a lei infra-constitucional fazê-la. 194

OLIVEIRA, Oris. Op. Cit., p. 89.

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Determinava o art. 64 da Lei 8.069/90: “Ao adolescente até 14 (quatorze) anos, de idade é assegurada bolsa de aprendizagem.” Determina o art. 65 da Lei 8.069/90: “Ao adolescente aprendiz, maior de 14 (quatorze) anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários”. 196 Estabelecia o art. 80 da CLT: “Ao menor aprendiz será pago salário nunca inferior a ½ (meio) salário mínimo regional durante a primeira metade da duração máxima prevista para o aprendizado do respectivo ofício. Na segunda metade passará a perceber, pelo menos, 2/3 (dois terços) do salário mínimo”.

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Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 62, a aprendizagem consiste em “formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.” No entanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, não trouxe tratamento específico à modalidade da aprendizagem, optando pela adoção do amplo instituto da educação profissional.197 No entanto, visando um novo disciplinamento da matéria, foi aprovada a Lei no 10.097, de 19 de dezembro de 2000, referente à aprendizagem. De acordo a nova lei, o art. 428, da Consolidação das Leis do Trabalho passou a definir que “contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.” O contrato de aprendizagem caracteriza-se como contrato especial, realizado pelo adolescente com idade entre 14 e 18 anos e requer a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social. Caso o aprendiz não tenha concluído o ensino obrigatório, ou seja, o fundamental, deverá estar matriculado e freqüentando à escola. Faz-se necessário para o 197 BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Senado Federal: Brasília, 1996. Capítulo III, arts. 39-42.

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desenvolvimento da aprendizagem, inscrição em programa específico, sob orientação de entidade que detenha qualificação em formação metódica técnico-profissional, de acordo com a Lei 10.097/00 e a nova redação do art. 428, § 1o da Consolidação das Leis do Trabalho. Em razão da proibição constitucional, do art. 7o, XXX, referente à discriminação salarial por critério de idade, ao adolescente é garantido, ressalvada condição mais favorável, o salário mínimo hora, nos termos da nova redação do art. 428, § 2o, da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como, os direitos trabalhistas e previdenciários, garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 65. Como a aprendizagem destina-se à formação técnico-profissional não poderá ser realizada por período superior a dois anos, por disposição do art. 428, § 3o, da Consolidação das Leis do Trabalho atualizado pela Lei 10.097/90. A formação técnico-profissional exigida para caracterizar a aprendizagem realiza-se segundo a Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 428, § 4o, por “atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho.” Para tornar possível a realização da aprendizagem pelo significativo contingente de adolescentes brasileiros, a nova lei da aprendizagem estabeleceu na Consolidação das Leis do Trabalho, art. 428, § 4o, que “os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número

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de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.” A nova redação do art. 430, da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe: “na hipótese de os Serviços Nacionais de Aprendizagem não oferecerem cursos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabelecimentos, esta poderá ser suprida por outras entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica, a saber: I - Escolas Técnicas de Educação; II - entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.” Como a nova lei passou a permitir a realização de aprendizagem por organizações da sociedade civil, exigindo a qualificação para tal, essas entidades deverão contar com estrutura própria para o desenvolvimento da aprendizagem, visando manter a qualidade do processo de ensino, acompanhando e avaliando os resultados. Tais entidades, ao contratar adolescentes, estão dispensadas do cumprimento da quota de aprendizes, já que, em sua maioria, são entidades de caráter meramente assistencial. Ao concluir o curso de aprendizagem, o adolescente receberá um certificado, conforme dispõe o art. 429, § 1o da Consolidação das Leis do Trabalho. Em referência a este tema, Benedicto Rodrigues dos Santos destacava, em 1997, um problema resolvido hoje pela nova

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lei: “uma visão, mesmo que panorâmica, sobre o sistema de formação profissional no País pode nos deixar perplexos e reafirmar a necessidade de fazer mudanças substanciais neste quadro. Desde Getúlio Vargas, quando se criou, em 1942, o SENAI e SENAC, se tem delegado à classe patronal a tarefa de formação de mão-de-obra especializada e necessária às indústrias e ao comércio. Hoje, estes dois órgãos detêm a exclusividade da formação ou da supervisão dessa formação profissional, e isso significa que o regime de aprendizagem só pode ser instituído sob a sua chancela.”198 Com as recentes alterações, o aprendiz poderá ser contratado por empresa ou qualquer das entidades das organizações qualificadas para o desenvolvimento de atividades técnico-profissionais, segundo o art. 431, da Lei 10.097/2000. A duração do trabalho do aprendiz está limitada ao máximo de seis horas diárias, não sendo possível prorrogação ou compensação de jornada. Aos adolescentes que já concluíram o ensino fundamental, a jornada poderá ser de até oito horas diárias, desde que computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica. Oris de Oliveira ressalta que “a condição de aprendiz deixa de existir quando terminado o curso em que esteja matriculado, quando esgotado o prazo de duração da aprendizagem ou quando o adolescente completa 18 anos de idade.”199 198 SANTOS, Benedicto Rodrigues dos. A regulamentação do trabalho educativo. In: Cadernos ABONG – Subsídios à Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, São Paulo, no 18, 1997. p. 184-5. 199

OLIVEIRA, Oris. Op. Cit. p. 193.

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Sem dúvida alguma, a alteração substancial que a Emenda Constitucional no 20 trouxe ao regulamento do trabalho do adolescente foi o pleno reconhecimento dos direitos trabalhistas e previdenciários ao adolescente aprendiz, mediante o reconhecimento da capacidade jurídica a todos os adolescentes trabalhadores, pois além de valorizar a educação na faixa etária compreendida entre os quatorze e dezoito anos, mediante o instituto da aprendizagem, eliminou a discriminação em função da idade200 ao extirpar do ordenamento a bolsa de aprendizagem, já potencialmente inconstitucional, que servia, muitas vezes, ao mascaramento da relação trabalhista e a exploração laboral dos adolescentes com idade entre doze e quatorze anos, período em que normalmente deveriam estar se dedicando ao cumprimento da escolaridade obrigatória.

8.6 O trabalho educativo O trabalho educativo enquadra-se na modalidade aprendizagem escolar. Em face das constantes distorções ocorridas na execução de tais programas será realizada uma análise pormenorizada desta modalidade de profissionalização, de modo a explicitar o seu conteúdo face os limites determinantes da capacidade jurídica. A devida caracterização do “trabalho educativo” prevista no art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente colo200 Estabelece o art. 7o, XXX da Constituição Federal a proibição da diferença de salário, de exercício de funções e critérios de admissão em função da idade.

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ca-o predominantemente no âmbito da educação e profissionalização, não se desconsiderando que parte de seu conteúdo localiza-se no âmbito do trabalho. Consiste na verdade num instrumento voltado especificamente para a profissionalização. Alguns autores indicam que suas raízes históricas remontam ao ano de 1986, quando foi instituído pelo Governo Federal, através do Decreto-Lei 2.318, de 30 de dezembro de 1986, o Programa Bom Menino, com o objetivo de propiciar a execução de serviços a título de iniciação de trabalho e em locais apropriados na empresa. O Decreto-Lei citado previu, igualmente, a criação de um Conselho Nacional de Promoção Social e de comitês municipais encarregados do cadastramento e conseqüente encaminhamento dos menores considerados em situação irregular aos programas de bolsa de iniciação ao trabalho. Vale lembrar que a Constituição em vigor naquela época estabelecia a aquisição da capacidade jurídica relativa para o trabalho em doze anos, mas o referido Decreto-Lei, desconsiderando a norma constitucional, passou a compreender que o trabalho do “menor assistido” não caracterizava relação de emprego e, portanto, o menor trabalhador, por ser assistido, não gozaria dos direitos trabalhistas e previdenciários, percebendo apenas pelo trabalho prestado a chamada “bolsa de iniciação ao trabalho”. Desse modo, “criou-se uma discriminação não em razão da idade, sexo, cor, credo religioso, mas fundamentada na pobreza, rotulada de situação irregular. A época um industrial observou

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muito bem: quem admitisse menores assistidos e não-assistidos, aos quais se atribuíam as mesmas tarefas, teria a difícil incumbência de explicar aos primeiros porque não recebiam a gratificação natalina, o amparo previdenciário, por exemplo, quando a única explicação objetiva era afirmar que não tinham tais direitos só porque assistidos, porque eram mais pobres e necessitados”.201 Na verdade, o referido programa, baseado nas idéias de trabalho e ensino para o “menor”, teve resultado diverso do pretendido, pois criou uma figura atípica, o trabalho na empresa sem vínculo empregatício, ou seja, havia na relação os requisitos do liame laboral (subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade), mas não era garantida a contrapartida: o reconhecimento na integralidade dos direitos trabalhistas e previdenciários. O Programa Bom Menino através da ampla divulgação pela mídia como a solução para os menores em situação irregular difundiu-se através de milhares de projetos por todo o país. E era sinal indicativo da preocupação social com a crescente miserabilidade das camadas sociais. Contudo, os novos paradigmas firmados pela nova Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente determinando precisamente a capacidade jurídica para o trabalho da criança e do adolescente, evidenciaram as distorções provocadas pelo Programa Bom Menino, de modo que, em 10 de abril de 1991, deu-se a revogação expressa do

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OLIVEIRA, Oris. O trabalho da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1994. p. 166.

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Dec. 94.338/87 e, conseqüentemente, do Programa Bom Menino. A partir da extinção do Programa Bom Menino, as entidades que desenvolviam programas de profissionalização e encaminhamento de adolescentes ao mercado de trabalho passaram a vislumbrar que o trabalho educativo previsto no art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente consistia na verdade numa possibilidade de continuidade de seus projetos. Por consistir num instituto inovador, o trabalho educativo passou, a partir daí, a ter interpretações diversas, sendo até compreendido (equivocadamente) como o ressurgimento do Programa Bom Menino, ocultando muitas vezes uma típica relação de emprego. No entanto, Antônio Carlos Gomes da Costa adverte que “O trabalho educativo, embora historicamente tenha sua raiz no trabalho social, com crianças e adolescentes encontrados em estado de necessidade, não pode e não deve, de maneira alguma, ser reduzido a este aspecto de sua evolução.”202 Houve, também, aqueles que diante da possibilidade de flexibilização da legislação se viesse a abrir caminho à exploração da mão-de-obra infanto-juvenil, defendiam que o ideal seria a própria revogação do dispositivo. Por outro lado, a aprovação da nova lei 10.097/00 atualizando a aprendizagem, tornou desnecessária a regulamentação do dispo202 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. In: CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 203.

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sitivo, pois deslocou o trabalho educativo para o âmbito exclusivo da aprendizagem. O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, no art. 68, os requisitos para o desenvolvimento de programa social que tenha por base o trabalho educativo: 1) que a responsabilidade do programa deva ser de entidade governamental ou não-governamental sem fins lucrativos e 2) assegure ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada. Quando a lei estabeleceu como uma das possibilidades o requisito da realização de programa de trabalho educativo por entidades não-governamentais sem fins lucrativos, tornou-se evidente que estão excluídas as possibilidades de execução de tais programas por entidades com fins lucrativos e, deste modo, as empresas. Nesse sentido destaca Viviane Colucci: “o trabalho educativo insere-se exatamente na modalidade escola, não admitindo, segundo a doutrina que se edificou em relação ao tema, a sua execução em empresas, exatamente porque o caráter produtivo não pode, a teor do dispositivo legal que o regula, sobrepor-se ao aspecto pedagógico. No âmbito da empresas, o que se almeja não é precipuamente formar profissionalmente o adolescente, mas produzir [...] Não vislumbra a lei, pois, outra hipótese de trabalho no espaço físico da empresa que não seja a do estágio (modalidade de profissionalização considerada escolar) ou a que se realiza através dos Serviços Sociais, em que a

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empresa promove a aprendizagem com a supervisão dos Serviços Nacionais...” 203 Portanto, o dispositivo não pretende permitir o exercício de atividade regular remunerada sem o liame contratual de vínculo empregatício, mas dar condições - formação técnico-profissional - para futuramente o adolescente, mediante a aquisição de capacidade jurídica para o trabalho, desenvolver atividade laborativa nos termos da legislação. Para evitar possíveis controvérsias, o próprio legislador tratou de conceituar o trabalho educativo, no art. 68, §1º, da Lei 8.069/90: “Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo”. Desse modo, o trabalho educativo somente será caracterizado naqueles projetos de cunho pedagógico em que as atividades educacionais superem as atividades laborativas, sendo incompatível sua realização no âmbito de qualquer empresa, pois esta somente existe em função da lucratividade oriunda do trabalho realizado. O que o artigo 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente veio regulamentar foi o trabalho das entidades que atuam como escolas-produção. Oris de Oliveira esclarece que “os processos produtivos de uma empresa e de uma escola-produção são radicalmente diferentes, porque na empresa visa-se aos lucros em condições de concorrência, ao passo que na escola produção a 203 COLUCCI, Viviane. Considerações sobre o Programa de Trabalho Educativo instituído pelo Município de Blumenau. Florianópolis: mimeo, 1996.

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preocupação fundamental é a transmissão de uma qualificação profissional.”204 A realização de programa de trabalho educativo deve estar direcionada para a educação e encontra-se no âmbito da profissionalização, que não se confunde com trabalho, pois é etapa de preparação para este. Desse modo, a formação do adolescente em programa de trabalho educativo não requer a existência de um contrato de trabalho educativo, mas sim inscrição no respectivo programa de profissionalização que deve ser realizado numa escola ou entidade congênere. O fato do instituto se situar no âmbito da profissionalização e não do trabalho não impede que o adolescente receba remuneração pelo trabalho efetuado ou tenha participação na venda dos produtos de seu trabalho, o que não desfigura o caráter educativo do programa, nos termos da Lei 8.069/90, art. 68, § 2o., devendo, em qualquer caso, prevalecer o aspecto educativo sobre o produtivo. Segundo Antônio Carlos Gomes da Costa, para a determinação da preponderância do aspecto educativo sobre produtivo dois critérios devem ser observados: “o primeiro diz respeito ao número de horas de atividades orientadas para a produção e aquelas voltadas para a formação do educando; o segundo, à natureza, ou seja, o caráter das atividades laborais realizadas em termos de ritmo e estruturação de modo a permitir uma real aprendizagem por parte do tra204 OLIVEIRA, Oris de. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. cit., p. 193.

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balhador educando, ou seja, as atividades laborais devem ajudar e não prejudicar o processo aprendizagem/ensino”.205 Viviane Colucci adverte que, freqüentemente, “tais programas nominados ‘educativos’ prestam-se ao mascaramento do contrato de trabalho, porque presentes os requisitos configuradores do liame laboral...” 206 . Nesse sentido, ainda, adverte o parecer do Ministério Público do Trabalho: “a predominância do aspecto produtivo no desempenho do trabalho dito “educativo” acarreta os efeitos do vínculo empregatício, aos quais englobam o registro na CTPS, o recolhimento de encargos sociais, além do pagamento de verbas trabalhistas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e legislação complementar.”207 Cabe, destacar, também, que determinada corrente doutrinária entende que o trabalho educativo deve ser destinado àqueles “adolescentes que não tiverem condições pessoais (por analfabetismo, despreparo mínimo na esfera disciplinar ou educativa ou de outra natureza)” de se beneficiar da modalidade da aprendizagem. No entanto, um dos méritos do Estatuto da Criança e do Adolescente foi o amparo, sem qualquer tipo de distinção, 205 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. In: CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 203. 206 COLUCCI, Viviane. Regulamentação ao art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Ministério Público do Trabalho - 12a Região/mimeo, 1996. s.p. 207 COLUCCI, Viviane. Regulamentação ao art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Ministério Público do Trabalho - 12a Região/mimeo, 1996. s.p.

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a todas as crianças e adolescentes, revogando-se a doutrina da situação irregular segundo a qual as políticas sociais deveriam ser direcionadas apenas aos então chamados menores em situação irregular. Assim, não há porque diferenciar o público alvo do programa de trabalho educativo com base nas condições pessoais do adolescente, pois assim se estariam utilizando princípios atualmente incabíveis. Outra característica importante do Trabalho Educativo é o sentido de complementação do processo educativo de ensino e educação regular, que deve ser prioritário na formação do adolescente. Portanto, os Programas não devem ser considerados como medida punitiva aos adolescentes com atraso escolar ou que se evadiram da escola, mas como um meio de (re)integração ao sistema educacional, estímulo e acompanhamento das atividades escolares. Além disso, o programa de trabalho educativo deve ter uma função emancipadora, na qual o adolescente deve ser compreendido como o sujeito do processo de aprendizagem, evitando, como tem sido prática, “a utilização do trabalho como controle social e/ou como função disciplinadora na socialização da criança.”208 O regime de trabalho educativo diz respeito ao trabalho que “o adolescente executa numa entidade governamental ou não governamental que o capacita para o exercício de uma atividade regular remunerada. Nessa circunstância, o adolescente não trabalha para a entidade como se essa fos208 SANTOS, Benedicto Rodrigues dos. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho, cit., p. 184-5.

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se sua empresa empregadora; a relação jurídica que se estabelece entre ambos é a de aluno-escola, embora o Estatuto [...], não exija, sem excluir o desejável, que a entidade assuma formalmente a condição de escola regularmente inscrita como tal. Basta que efetivamente promova a capacitação. E para que a caracterização de escola apareça bem distinta, as exigências pedagógicas devem prevalecer sobre o aspecto produtivo”.209 Não se configura, desta feita, como trabalho educativo, a atividade desenvolvida pelo adolescente em empresa, pois nesta o adolescente pode estar apenas em duas situações: como empregado a partir dos dezesseis anos ou como aprendiz a partir dos quatorze anos, nos termos da Lei no 10.097/00. Programas de entidades, sejam elas governamentais ou não governamentais sem fins lucrativos, e que tenham por objetivo o encaminhamento de adolescentes para empresas com a finalidade de realizar atividade sob a denominação de trabalho educativo estão desenvolvendo ações flagrantemente ilegais, pois não se espera que o trabalho educativo se realize nas empresas e nem que estas entidades funcionem como “bancos de emprego”. Aquelas que assim agirem devem ser responsabilizadas e os adolescentes terão seus direitos trabalhistas e previdenciários reconhecidos, e se estes ainda não atingiram os limites de idade mínima para o trabalho devem ser, também, afastados imediatamente da atividade.

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OLIVEIRA, O. O trabalho da criança e do adolescente. cit., p. 140.

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Ora, o dispositivo que prevê o trabalho educativo vem permitir que estas entidades desenvolvam programas e projetos de profissionalização e capacitação profissional, podendo inclusive comercializar os produtos ou serviços produzidos, desde que não sejam oriundos dos trabalhos desenvolvidos pelos adolescentes, pois a finalidade lucrativa não deve e nem pode ser seu objetivo principal, pois a prioridade é a formação do adolescente. Segundo Viviane Colucci “englobam-se, ainda, na modalidade de trabalho educativo, as cooperativas escolas, reguladas pela lei no. 5.471/71, que têm por fim educar os alunos dentro dos princípios do cooperativismo.”210 Segundo Antônio Carlos Gomes da Costa, a instituição do trabalho educativo no Estatuto da Criança e do Adolescente, “nos dá a base legal para a organização de escolas-cooperativas, escolas-oficinas, escolas-empresas, dirigidas a qualquer tipo de educando e não apenas às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social”.211 Essa idéia, ainda que presente, deve ser tomada com o devido cuidado sob pena de violar os princípios fundamentais de proteção contra a exploração no trabalho. Outro aspecto importante é que o regime de trabalho educativo superou os referenciais paradigmáticos da edu210

COLUCCI, Viviane. A erradicação do trabalho infantil e a proteção ao trabalho do adolescente. Caderno 1. Florianópolis: Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho/SC, 1997. p 15. 211 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Capítulo V - Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. In: CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 203.

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cação pelo trabalho e educação para o trabalho. Nesse sentido dispõe a parte final do art. 68 indicando que o programa “deve assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada”. O texto legal é bastante claro ao evidenciar que o programa deve priorizar a capacitação profissional, ou seja, um processo alternativo entre as atividades de educação e trabalho com a finalidade de garantir o exercício futuro de atividade regular remunerada. Estabelecendo-se como finalidade o exercício de atividade regular remunerada, o programa de trabalho educativo não se deve restringir a atividades mecânicas e repetitivas que, geralmente, contribuem muito pouco no preparo para a qualificação e o acesso às oportunidades do mercado de trabalho. As rápidas transformações no modelo econômico de produção, decorrentes do avanço tecnológico, devem ser consideradas na definição do modelo de capacitação a ser adotado, priorizando uma formação diversificada pautada em conteúdos que facilitem a inserção futura no mercado produtivo. Outro critério de cunho educativo importante é a necessidade de elaboração e acompanhamento do projeto de equipe interdisciplinar formada preferencialmente por pedagogo, assistente social e psicólogo, respeitando e estimulando a participação dos adolescentes em todas as fases de planejamento, execução e avaliação. Deve haver uma preocupação constante por parte dos aplicadores e fiscalizadores da lei para que o Programa de

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Trabalho educativo não faça renascer os equívocos constatados pela execução do antigo Programa Bom Menino.212 A garantia do adequado desenvolvimento educacional nos programas de trabalho educativo deve, primeiramente, ser das entidades governamentais e não governamentais sem fins lucrativos que executam os programas, pois têm a atribuição de executar suas ações fundadas nos princípios da doutrina da proteção integral adotada no direito brasileiro. Quis o legislador proporcionar através desse instituto a ampliação das formas e metodologias necessárias à devida preparação para a capacitação profissional que atenda às necessidades sociais, sem desconsiderar a importância quanto à formação educacional dos adolescentes, que teriam mediante o instituto do trabalho educativo uma possibilidade de capacitação muito rica e transformadora, podendo, inclusive, conhecer novas técnicas e procedimentos, que normalmente podem ser realizadas mediante o instituto da aprendizagem, neste caso aprendizagem escolar.

212 Segundo Pedrinho Guareschi este programa referia-se: “exclusivamente ao trabalho alienado, como se fosse o único tipo de trabalho, isto é: - onde a pessoa trabalha no que não é dela; - onde o fruto de seu trabalho não lhe pertence; onde ela não planeja, não possui visão do todo, apenas executa tarefas; onde ela não decide, apenas obedece; onde ela não se dá conta das relações de dominação e exploração a que está sujeita; e finalmente, trata-se dum trabalho que, por todas esses características, leva à alienação mental, pois destrói o específico do homem, que é a iniciativa, a espontaneidade, originalidade, criatividade, isto é, a vida, transformando a pessoa em mera peça autômata duma grande linha de montagem.” GUARESCHI, Pedrinho A. O “Programa do Bom Menino” ou de como preparar mão-de-obra barata para o capital. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 27, out., 1988., p. 131.

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CONCLUSÃO Esta obra reflete um compromisso com a proteção integral da criança e do adolescente, em consonância com os direitos fundamentais amparados pela Constituição da República Federativa do Brasil e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança. O objeto de estudo focalizou a compreensão do trabalho infantil como um fenômeno interdependente de complexas relações culturais e sociais, nas quais o Direito se apresenta como um dos elementos constitutivos da realidade. A perspectiva teórica apontada evidencia as relações políticas, econômicas, culturais e jurídicas subjacentes à realidade histórica pela qual se consubstanciou o direito de proteção à criança e ao adolescente contra a exploração do trabalho infantil . A origem etimológica da palavra trabalho está associada à versão latina tripalium, um instrumento usado para tortura dos escravos. O conceito de trabalho envolve complexas e diferenciadas acepções. Já a origem etimológica da palavra infância está associada à idéia daquele “que não pode falar”. No entanto, Rousseau, desde o século XVIII, definia este período em limites mais abrangentes relacionando a um tempo de preparação para a vida adulta. Nos

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dias atuais, a idéia de infância está associada à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento das quais são portadores crianças e adolescentes. Embora o conceito internacional de infância esteja perfeitamente correlacionado ao sujeito criança, no Brasil, a partir da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, são reconhecidos dois períodos de desenvolvimento distintos, definindo crianças como sendo as pessoas até doze anos e os adolescentes como pessoas com idade compreendida entre doze e dezoito anos. Nos últimos dez anos, em atividades que desenvolvemos no Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente – NEJUSCA - da Universidade Federal de Santa Catarina, foram produzidos uma série de pesquisas sobre o trabalho infantil no Brasil. Muitas dessas construções acadêmicas contribuíram para a transformação concreta da vida de muitas crianças e adolescentes brasileiros, tais como àquelas exploradas na produção do fumo, maçã, madeira, móveis, sapatos, bem como nas olarias e na montagem de prendedores de roupas. São estudos, portanto, que não ficaram isolados a uma mera discussão, alienada da realidade concreta, vez que denunciam as perversas condições de exploração em que se encontram milhares de crianças, que têm a sua infância sendo roubada com a realização de funções que não deveriam ser por elas realizadas e sim pelos adultos. Sabemos que a erradicação do trabalho infantil não se dará somente com o afastamento da criança e do adolescente do trabalho, pois esta ação precisa estar articulada com

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um conjunto de medidas jurídicas e políticas de proteção e atendimento às crianças, aos adolescentes bem como às suas famílias. A investigação jurídica sobre o tema encontra a sua justificativa na necessidade de compreensão e sistematização das alternativas e caminhos para a erradicação do trabalho infantil no Brasil, resgatando os princípios e regras do Direito da Criança e do Adolescente e analisando o sistema de garantias de direitos como instrumento efetivo e indispensável para a transformação social. Por fim resta expormos que a prática da exploração da mão-de-obra infantil implica em roubarmos de nossas crianças e adolescentes algo que lhe é inerente: o direito de brincar, pois é no mundo das brincadeiras, do faz-de-contas que a criança desenvolve a sua criatividade. Criatividade esta que é fundamental se pensarmos mais adiante, em uma sociedade que pretenda ser desenvolvida, emancipatória, enfim, uma sociedade efetivamente cidadã.

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