Trabalho, produtividade e desenvolvimento económico: debates e perspectivas da política agrária em Portugal (1945-1974)

May 24, 2017 | Autor: Leonardo Aboim Pires | Categoria: Rural History, Agriculture, Agricultural History
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Trabalho, produtividade e desenvolvimento económico: debates e perspectivas da política agrária em Portugal (1945-1974) Leonardo Aboim Pires (IHC-FCSH/UNL)

INTRODUÇÃO A história económica do Portugal Contemporâneo do século XX desenha-se, sobretudo, a partir de dois eixos: de um lado, uma defesa acérrima das virtudes da industrialização; por outro lado, a perpetuação de uma economia assente em estruturas agrárias não mecanizadas, onde as elites surdamente contestavam os ímpetos industrializantes. Assim, o percurso do desenvolvimento económico português foi feito de avanços e recuos, processo que teve óbvias repercussões nos incipientes sectores industriais portugueses e nas dinâmicas da economia agrária. A comunicação1 que se segue parte do estudo das estruturas agrárias. Nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, a economia portuguesa continuava alicerçada no sector agrícola, correspondendo a 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e a 40% da população activa. Apesar do grande número de trabalhadores envolvidos, “tratava-se de uma agricultura maioritariamente baseada em métodos tradicionais, tecnicamente pouco evoluída e que remunerava mal os respectivos agentes económicos”2. Além disso, estes são anos em que se denota “uma expansão da produção bastante mais lenta do que as outras actividades produtivas e por uma descida acentuada dos efectivos da mão-de-obra nele ocupada”3. A consciencialização governativa para os atrasos estruturais da agricultura levaram a novas leituras e construíram novas perspectivas sobre as realidades agrárias e rurais coevas. Assim, entre 1945 e 1974, operaramse mudanças estruturais no sector primário, desde o quadro económico e social em que se alicerçava até à própria política governativa, não olvidando o início do processo da cooperação europeia do pós-guerra.

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A comunicação insere-se no projecto de pesquisa para a nossa dissertação de mestrado intitulada A Junta Nacional das Frutas: corporativismo, desenvolvimento industrial e modernização agrícola no Estado Novo (1936-1974), sob a orientação científica de Maria Fernanda Rollo (IHC-FCSH/NOVA) e de Dulce Freire (ICS-UL). 2 AVILLEZ, Francisco – A agricultura portuguesa: as últimas décadas e perspectivas para o futuro. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015, p. 14. 3 LOPES, José da Silva – A economia portuguesa desde 1960. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 70.

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Numa carta de 1958, Eugénio Castro Caldas faz ao então Ministro da Presidência, Marcello Caetano, o seguinte pedido: “Se ainda for possível tente salvar o Plano na Agricultura!”4, referindose ao lugar do sector agrícola na elaboração do II Plano de Fomento. Tal apelo leva-nos a interrogar qual o contexto que o suscita. Para responder a esta questão será necessário compreender as directrizes e as linhas de força do sector primário na economia portuguesa das décadas de 1950, 1960 e primeira metade da década de 1970. Partindo da investigação para a nossa dissertação de mestrado, a presente comunicação que aqui se apresenta, fruto da organização de algumas notas avulsas e da sua transformação em texto, visa compreender as dinâmicas da política agrária do pós-guerra, partindo da questão do trabalho rural, da produtividade agrícola e, evidentemente, contributo do sector primário para o crescimento económico português e quais os debates e os contributos individuais (engenheiros agrónomos, políticos e cientistas) que fomentaram a discussão e estabeleceram uma “linha de rumo” para a agricultura portuguesa entre o salazarismo e o marcelismo.

A POLÍTICA AGRÁRIA DO PÓS-GUERRA À REVOLUÇÃO Como Ferreira Dias aponta, “a adaptação inexorável da agricultura a novas condições de trabalho e novas concepções de vida é o segundo invariante da economia portuguesa”5. Na sua obra Linha de Rumo, o mesmo autor mostra que “num país principalmente agrícola industrializar os produtos da terra […] de forma a torná-los aptos a concorrer na alimentação de outros países, e fazer isto num grau de qualidade e quantidade que pese na economia é, seguramente, uma boa e lógica base”6. Tal reflexão tem como base as diversas mudanças sociais que ocorriam nesses anos, como por exemplo, o crescimento do consumo alimentar: “de 1,7% ao ano (1953-63) para 3,7% (1963-68) e 6,1% (1968-73)”7, onde a agricultura teria de corresponder as esses desígnios do mercado interno. Também António Júlio de Castro Fernandes mostra que no imediato pósguerra, “nesta fase transitória, e dentro dos limites que se ajustam ao condicionalismo actual, fica larga margem para um esforço de industrialização, porque aquilo que interessa é criar elementos

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Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Marcello Caetano, Correspondência, cx. 19, doc. 3. DIAS JÚNIOR, José Ferreira - Nota sobre a evolução da economia nacional. Lisboa: Ministério da Economia, 1960, p. 1. 6 DIAS JÚNIOR, José Ferreira – Linha de Rumo I e II e outros escritos económico: 1926-1962 (Ed. J.M. Brandão de Brito). Lisboa: Banco de Portugal, 1996, tomo I, p. 213. 7 PORTAS, Carlos A. - «Agricultura». In In BARRETO, António e MÓNICA, Maria Filomena (coord.) – Dicionário de História de Portugal (1926-1974). Porto: Livraria Figueirinhas, 1999, vol. 7, pp. 73-77. 5

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de uma indústria a valer, os técnicos e a técnica”8. Já fora da esfera governamental, Eugénio Castro Caldas comungava igualmente de alguns dos postulados defendidos por Ferreira Dias, alegando que as unidades de produção agrícola “têm de estar em grande dependência do sector industrial da nação para constituírem centros polarizadores do consumo de produtos industrializados”9. Entre o avanço das teses industrialistas e a defesa da conservação do status quo, começam-se a formular algumas questões que pretendem dar resposta à situação agrícola, atendendo ao facto de que “são diferentes os modos de expressão do discurso económico e que são igualmente diversificados os modos de apropriação desses discursos, através dos quais se procura compreender e comandar a realidade económica”10. Seguindo o relato de Domingos Vitória Pires, os anos seguintes ao fim da II Guerra Mundial e a adesão de Portugal ao European Recovery Program levaram a uma “modificação profunda de conceitos, seguindo-se-lhe um processo evolutivo mercê do qual se tornou possível dispor presentemente de uma soma apreciável de elementos sobre os quais se pode raciocinar e proceder à elaboração de planos, mediatos e imediatos”11. Apesar dos esforços e dos proventos da ajuda Marshall, Castro Caldas concluiu que, nos anos finais da década de 1950, “são as duas agriculturas, a velha e a nova, que vivem ainda a par no nosso País Rural, travando o combate de cujo resultado depende o bem-estar e o nível de vida de produtores e consumidores dos produtos da Terra”12. O próprio investimento do Estado na agricultura vai decaindo. Se atendermos aos Planos de Fomentos – cujo objectivos passavam pelo “crescimento do produto, a melhor repartição do rendimento, a correcção dos desequilíbrios regionais”13 - a aplicação de financiamentos foi, entre 1953-58, de 17,4%; entre 1959 e 1964, de 17,3%; entre 1965 e 1967, de 8,2% e entre 1968 e 1973, de 13,5%, embora no III Plano de Fomento, as pescas tenham ficado incluídas nesta percentagem14. De facto, a crescente

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FERNANDES, António Júlio de Castro - «O momento económico». In II Conferência da União Nacional: discurso inaugural e comunicações. Lisboa: União Nacional, 1949, p. 9 CALDAS, Eugénio Castro - «Industrialização e agricultura». In Revista do Centro de Estudos Económicos, nº 18 (1957), p. 165. 10 CARDOSO, José Luís – Pensar a economia em Portugal: digressões históricas. Lisboa: Difel, 1997, p. 208. 11 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, nº 130 (19 de Fevereiro de 1964), p. 3250. 12 CALDAS, Eugénio de Castro – Modernização da agricultura: conferências, palestras e artigos (1952-59). Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1960, p. 201. 13 MOURA, Francisco Pereira de, RIBEIRO, Sérgio – A política económica portuguesa: diálogo entre dois economistas. Lisboa: Seara Nova, 1969, p. 49. 14 LAINS, Pedro – Os progressos do atraso: uma nova história económica de Portugal, 1842-1992. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003, p. 75

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importância conferida à indústria subalternizou o investimento estatal na agricultura, contribuindo para algumas dificuldades no sector, onde o “benéfico intervencionismo estatal fatalmente […] admitido”15 por Salazar teve diversos matizes na sua aplicação na realidade económica, não esquecendo a liberalização económica possibilitada pela adesão ao FMI, AO Banco Mundial, ao GATT e, sobretudo, à EFTA. A partir dos anos 60, já o investimento privado entrou numa “crise de confiança – passageira na sua fase mais aguda – que atingiu muitos capitalistas portugueses”16, mas também estrangeiros, onde, evidentemente, a agricultura se ressentiu. No estudo efectuado por Luís Salgado de Matos, o capital social estrangeiro aplicado no sector primário era de apenas 4%, enquanto no sector das indústrias transformadoras rondava os 31% e na indústria química oscilava entre os 48% e os 72%. Esta situação poderá ser explicada por uma série de barreiras institucionais como “o elevado preço da terra, circuitos de comercialização complicados e inextricavelmente misturados com as realidades político-sociais, atraso das indústrias alimentares”17. Para além do papel do Estado na organização da política agrária, é importante perceber igualmente a questão do papel do campesinato. A grande parte da população agrícola estava associada ao minifúndio e a explorações familiares, embora também se verificassem pontuais investimentos empresariais em unidades agrícolas. Sociologicamente, a população agrícola viva com “[…] o peso constante de um trabalho duro e pautado por uma larga rotina anual; as relações de parentesco e compadrio entre os diferentes grupos sociais […]; o facto de, culturalmente, não ultrapassarem o universo da aldeia nas decisões que tomam”18. Destarte, a ausência de mobilidade social, os parcos rendimentos auferidos e a ameaça do desemprego criam as condições para uma crescente migração das populações rurais, quer para os centros urbanos que despontavam, quer para a França, Alemanha, Luxemburgo, entre outros países. Mas é importante relembrar que com o início da Guerra Colonial, a partir de 1961, teve igualmente impactos na rarefação da mão-de-obra agrícola. Mas, se há facto que marca a sociedade portuguesa nos campos nos anos 60 e 70 é o êxodo, para a emigração e para os centros urbanos, calculando-se a saída de cerca de 1,4 milhões de portugueses entre 1960 e 1973. A desertificação dos campos e a paulatina litoralização contribuíram para um declínio da agricultura, não sendo de estranhar que “em 1960, o sector agrícola ocupava ainda 41,6% da população activa; sete anos depois, 15

SALAZAR, António de Oliveira – Discursos e notas políticas: 1928 a 1966. Coimbra: Coimbra Editora, 2015, p. 760. 16 MATOS, Luís Salgado de – Investimentos estrangeiros em Portugal. Lisboa: Seara Nova, 1973, p. 100. 17 MATOS 1973: 148. 18 BAPTISTA, Fernando Oliveira - «A agricultura e a questão da terra - do Estado Novo a Comunidade Europeia». In Análise Social, vol.. XXIX, nº 128 (1994), pp. 907-921.

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segundo dados oficiais, esta percentagem teria descido para 33,5%, acentuando-se ao mesmo tempo a transferência de população activa para o sector industrial”19. Com o quadro social atrás descrito, surgem alternativas para contornar as dificuldades vividas pela população agrícola coeva, desde a sua formação até à protecção social aos trabalhadores rurais. Partindo da questão da preparação técnica dos agricultores, João de Mota Campos faz a seguinte descrição do mundo do trabalho rural: “O ensino agrícola em Portugal, nos seus diversos graus, não corresponde inteiramente às imperiosas necessidades de progresso no sector agrário. […] O que importa salientar, por agora, é a falta de preparação eficiente de operários rurais qualificados numa época em que a agricultura é forçada a enveredar cada vez mais pelo caminho da especialização e em que, por isso, tenderá a reduzir-se o emprego do trabalho braçal desqualificado […]”20. Também Joaquim Vieira Natividade destaca que “os que conhecem os enormes progressos da ciência agronómica, as suas fecundas conquistas e o valor das ferramentas oferecidas à técnica […] não podem deixar de ficar dolorosamente impressionados com o contraste entre aquilo que se sabe […] a oposição flagrante entre os progressos alcançados e as tristes realidades dos nossos campos”21. Atendendo a estas questões, a investigação científica agronómica sofre algumas alterações devido às mudanças na estrutura da Junta de Investigações Agronómicas e a criação de ligações entre o Ultramar e a Estação Agronómica Nacional. A divulgação científica fez-se também através dos modernos métodos de propaganda, onde a criação do programa radiofónico Rádio Rural e o do programa televisivo, transmitido pela RTP, TV Rural, são sintomáticas da nova atitude governativa face à agricultura. Mas além dos contributos individuais que venho apontando ao longo da comunicação, a percepção de uma maior ligação entre ciência e desenvolvimento económico encontraram espaço de afirmação no período cronológico em análise. Depois da extinção da Estação Agrária Central, em 1936, os estudos económicos sobre a agricultura ficaram a cargo dos organismos corporativos de coordenação económica, acentuando uma certa dispersão nos estudos realizados, notando-se uma lacuna na construção de uma ideia concertada sobre a economia da terra em Portugal. É neste contexto que surge como caso mais notório de uma nova visão sobre a ciência, o Centro de Estudos da Economia Agrária da Fundação Calouste Gulbenkian, criado em Setembro de 1957. 19

ALMEIDA, Carlos e BARRETO, António – Capitalismo e emigração em Portugal. Lisboa: Prelo, 1970, p. 26. 20 CAMPOS, João Mota – Fomento frutícola. Lisboa: Secretaria de Estado da Agricultura, 1962, p. 11. 21 NATIVIDADE, Joaquim Vieira - A ciência agronómica e as realidades agrárias. Lisboa: Tipografia Alcobacense, 1959, p. 1.

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Esta instituição congregava uma série de engenheiros agrónomos, como Henrique de Barros, Eugénio de Castro Caldas, Luís Quartin Graça, Mário Pereira e Manuel Bobone, criando-se um think-tank no campo dos estudos da economia agrária portuguesa. Entre os seus objectivos contavam-se, não só a análise meramente económica da questão rural, mas também, uma percepção sociológica da vida nos campos. Assim, ao longo dos seus anos de actividade, quer na ditadura, mas também no regime democrático, a sua acção baseou-se na “definição de caracterização dos tipos de exploração agrícola […] análise científica da repartição do rendimento social-agrícola […] estudo das formas de exploração rústica […]”22. Apesar da atenção dada às mudanças sociais que poderiam possibilitar um maior aproveitamento económico agrícola, é possível verificar no rasgo cronológico em análise, “[…] não se tem assistido a um substancial aumento da produtividade do trabalho nos campos […]” 23 e a formação bruta de capital fixo24 era muito reduzida quando comparada com a indústria ou os serviços. Assim, verifica-se que o Produto Agrícola Bruto (PAB) no PIB sofre uma desaceleração nas décadas de 1960 e 1970. No que concerne à produtividade física da agricultura, há aumento na cultura do milho e do arroz, mas os efeitos da desertificação rural são significativos, com a diminuição da extensão de cultivo. Embora no cômputo geral, não se tenha verificado um grande aumento da produtividade, se atendermos a nível mais circunscrito, verificamos que, ao contrário da produtividade física, a produtividade em termos de força de trabalho aumentou, uma clara consequência do êxodo rural e da absorção do subemprego que grassava em muitas zonas rurais, sobretudo no Sul. Como mostra José da Silva Lopes, “pode estimar-se grosseiramente que a produtividade da mão-de-obra agrícola aumentou em média, cerca de 4% ao ano”25, no período entre 1960 e 1973. Num contexto de estagnação e formulação de novos postulados a serem seguidos, o governo português promoveu novas políticas no sentido de um maior equilíbrio da produtividade agrícola. Uma das questões prementes foi a colocação dos produtos agrícolas nos mercados externos. Atendendo à sua introdução, Valentim Xavier Pintado referiu que “uma das preocupações dominantes […] é, a da modernização e da procura de eficiência do sistema de produção e distribuição, como única via de assegurar às populações um nível satisfatório de 22

BARROS, Henrique de - «Antecedentes e criação do Centro de Estudos de Economia Agrária: breve notícia histórica». In Centro de Estudos da Economia Agrária: 25 anos. Oeiras: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, pp. 1- 44. 23 ALMEIDA e BARRETO, 1970, p. 28. 24 O capital fixo consiste no capital físico que não é consumido durante um ciclo de produção. São os edifícios, máquinas e equipamentos. 25 LOPES 1996: 74.

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vida”26, onde o consumo alimentar se convertia numa questão de capital económico, e não de sobrevivência, consequência da mudanças sociais dos “trinta gloriosos anos” do capitalismo. Um dos sectores agrícolas que mais beneficiou da exportação neste período foi o sector fruto-hortícola, com especial destaque para a indústria do concentrado de tomate. Em 1966, o Secretário de Estado da Indústria, Manuel Rafael Amaro da Costa, acentuando a convicção “de que o melhor caminho para se conseguir ainda uma maior expansão da indústria de transformação de produtos horto-industriais, particularmente de tomate”27, emite o despacho orientador sobre a indústria do concentrado de tomate, de modo a fomentar a criação de unidades vocacionados para esta indústria, ainda que dentro das normas do regime legal do condicionamento industrial, reformulado em 1965. Além disso, o comércio exportador atentava, de forma incisiva, sobre as feiras e exposições internacionais, consideradas como “lugar de troca, intercâmbio de mercadorias e também de ideias, ponto de cruzamento de métodos e objectivos, estes certames constituem periodicamente uma janela aberta para a expansão comercial”28. A participação portuguesa nestes eventos era periódica, a que se somava a realização, em território português, da Feira Nacional de Agricultura, feita pela primeira vez, em 1963. A mecanização agrária foi um desses tópicos a que o governo se mostrou atento. Como Luís Quartin Graça afirmou “só racionalizando os métodos da exploração, introduzindo a mecanização e procurando industrializar a agricultura, e por outro lado instalando as indústrias em pleno”29, se poderia modernizar, definitivamente, o sector primário. É neste sentido que surge o decreto-lei nº 48.168, de 28 de Dezembro de 1967, onde se determinava que esta seria uma medida transversal a todo o sector primário, onde “as grandes e pequenas obras de regadio e de drenagem até às operações mais simples, mas indispensáveis”30 seriam levadas a cabo, de modo a promover a sua utilização nos campos portugueses. Outras das medidas tomadas pelo governo de Oliveira Salazar foi o cooperativismo agrícola, onde a partir da década de 1950, mostrava ser a forma mais viável de criar relações e mecanismos para incrementar a ligação dos agricultores e produtores ao mercado e ao comércio, mas também para arregimentar e assegurar a estandardização das normas de qualidades. Todavia, o sistema corporativo mostrava ser hesitante quanto à eficácia do cooperativismo, onde a lógica política de 26

Serviço Informativo da Junta Nacional das Frutas, nº 341, (Outubro de 1970), p. 6. Despacho orientador sobre a indústria de concentrado de tomate. Lisboa: Tipografia Jorge Fernandes Lda., 1966, p. 3. 28 Serviço Informativo da Junta Nacional das Frutas, nº 297 (Fevereiro de 1967), pp. 5-6. 29 GRAÇA, Luís Quartin – Economia agrícola e seu fomento. Lisboa: Instituto de Altos Estudos Militares, 1957, p. 18. 30 Serviço Informativo da Junta Nacional das Frutas, nº 310 (Março de 1968), p. 7. 27

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dirimir e mitigar possíveis conflitos sociais e da constituição de possíveis focos de resistência ao regime se sobrepunha à noção de desenvolvimento económico nacional. Assim, “o incentivo público à constituição de organizações típicas de uma economia social foi retórico e pleno de contradições”31. Apesar de, para o governo, ser uma solução viável, o cooperativismo agrícola revelou-se inócuo, dadas as resistências quer dos agricultores quer dos proprietários, bem como “o seu desinteresse em relação ao papel dos grémios e Casas do Povo”32. A elite política do regime, na voz do engenheiro agrónomo José Gamelas Júnior, demonstrava que “não restam dúvidas que se reconhece dever nacional acelerar o passo e tomar medidas sérias e claras, que dinamizem o sector primário, projectando-o numa integração vertical. É que a agricultura não é só produção: pretende-se, porque é fundamental, que vá cada vez mais para a industrialização e comercialização em termos competitivos”33. Para que o cooperativismo agrícola fosse uma via para o crescimento económico concertado era necessário actualizar a legislação, criar uma estrutura unificada (uniões adstritas a federações) e fazer uma planificação, de âmbito regional, construindo um quadro cooperativo para uma futura planificação nacional, facto que não ocorreu. Apesar de alguns avanços sobre a questão da modernização da agricultura, alguns constrangimentos estruturais permaneciam, de onde se destaca a questão da divisão fundiária e a discussão em torno de uma reforma agrária. Entre as figuras que se destacou neste estudo desta possibilidade foi Henrique de Barros. Partindo dos “agravamentos notórios de certos defeitos tradicionais da estrutura agrária nacional”34 e excluindo o pendor socializante adstrito ao conceito de reforma agrária, Barros demonstra que a mera reformulação dos circuitos comerciais e mudança nos objectivos da produção, não constitui uma reforma da propriedade rústica. Para alcançar este último tópico, este engenheiro agrónomo elenca algumas das questões nas quais se devia basear uma reforma agrária: “combate à excessiva concentração da produção fundiária mediante a fixação […] de limites máximos de superfície autorizada […] combate à exagerada divisão da propriedade […] à dispersão e pulverização da propriedade […] protecção especial às médias e pequenas propriedades e empresas agrícolas; máximo desenvolvimento, com activo auxílio por parte do Estado, da organização cooperativa […] luta tenaz contra o absentismo injustificado dos proprietários […] realização, em larga escala, e em ritmo acelerado, duma política

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GARRIDO, Álvaro - Cooperação e solidariedade: uma história da economia social. Lisboa: Tinta-da-China, 2016, p. 242. 32 GARRIDO 2016: 243. 33 JÚNIOR, José Gamelas – Aspectos fundamentais de uma política agrária: cooperativismo agrícola. Aveiro: Comissão Distrital da Acção Nacional Popular, 1973, p. 33 34 BARROS, Henrique de - Sobre o conceito de reforma agrária. Porto: Clube Fenianos Portuenses, 1949, p. 9.

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de colonização interna […] promulgação dum estatuto legal do inquilinato agrícola [e] dum código de protecção ao trabalhador rural”35. Entre o feixe de soluções apontadas por Henrique de Barros, vemos que o Estado Novo realizou algumas, com especial destaque para a questão da colonização interna e o fomento do cooperativismo. Mas a reforma da estrutura agrária foi sendo sucessivamente adiada, conduzindo a algumas situações que dificilmente seriam ultrapassadas, dado o espartilho jurídico-político e social do regime salazarista. Além disso, além da colonização interna, não se registou entre os anos 50 e 70, qualquer tipo de projecto “que visava uma intervenção estatal nas relações de propriedade”36. Em conclusão, se atendermos a definição sociológica de mudança como “fenómeno colectivo resultante da acção de certos indivíduos, grupos ou movimentos que se identificam como elementos activos ou agentes de mudança” e que “tais elementos influenciam o curso da história da sociedade a que pertencem e desempenham por isso uma acção histórica” 37, os anos finais do Estado Novo são marcados por uma mudança económica, no campo dos seus agentes. Contudo, a praticabilidade de muitas ideias preconizadas esbarrou na estrutura ditatorial, onde a preservação da ordem se mostrava como pedra de toque na tomada de decisões políticas. A reforma do sector primário era fundamental contudo a nível económico, a ausência de um programa concertado não facilitou os anseios de modernidade veiculados por sectores intelectuais, quer dentro do regime, quer no campo oposicionista.

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BARROS 1949: 33-35. BAPTISTA, Fernando Oliveira – A política agrária do Estado Novo. Porto: Edições Afrontamento, 1991, p. 376. 37 CRUZ, Raul Dias da - «Mudança social e industrialização». In Centro de Estudos da Economia Agrária: 25 anos. Oeiras: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, pp. 217- 230. 36

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