Tradução - Bionomia, bioética e direitos fundamentais (Carlos Lema Añón)

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Ed. 13 (2008)

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BIONOMIA, BIOÉTICA E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Carlos Lema Añón Professor de Direito, Universidade Carlos III de Madrid, Espanha.

Tradução Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

1. A expressão bioética tem sido utilizada há um pouco mais de três décadas para agrupar um rol de reflexões e debates mais ou menos homogêneos, bem como para designar uma disciplina acadêmica mais ou menos institucionalizada. O fato de que a institucionalização da bioética seja ainda um processo aberto e inacabado1 – e, por isso, também objeto de disputas acadêmicas –, assim como a autoridade singular na mediação de conflitos e na configuração dos discursos públicos que reclamam para si os “especialistas em bioética”, e a existência de uma pluralidade de aproximações e paradigmas discursivos – às vezes francamente incompatíveis entre si –, junto com o entrecruzamento de numerosas disciplinas acadêmicas consolidadas que fazem da bioética uma subespecialidade (de diversos ramos como a ética, a medicina, a biologia, a filosofia, a teologia ou o direito), têm contribuído para a ambigüidade e vagueza do termo bioética. Neste sentido, seria preferível a partir de um primeiro momento propor uma denominação alternativa, bionomia, não para eliminar a ambigüidade e vagueza do termo bioética, mas para tornar seu sentido mais preciso e para aproximar estes problemas que serão discutidos nas páginas seguintes. Utilizaremos a denominação de bionomia para nos referirmos à discussão das repercussões sociais dos avanços das ciências da vida e da medicina a partir de uma perspectiva em que se conjuguem pelo menos os aspectos éticos e jurídicos. A observância dos aspectos jurídicos junto com os morais no tratamento dessas questões é tanto mais necessário quando se pretende relacionar todos esses assuntos com a noção de direitos fundamentais. A evidência de que a “bioética” que teria de ser mantida não podendo contrariar os aspectos jurídicos, conflita, em certa medida, com o próprio nome tradicional da matéria: “bioética”. Na própria denominação “bioética” não há qualquer repercussão da vertente jurídica, a não ser quando se refira a uma ética aplicada, neste caso à vida, à medicina e às ciências da vida. Caso seja aceita a *

Traduzido do original em espanhol Bionomía, bioética y derechos fundamentales, com a gentil permissão do autor. 1 Não obstante, o primeiro centro de bioética – The Joseph and Rose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics – foi fundado em 1971 apenas uns meses despois da introdução da palabra bioética no mundo acadêmico (FERRER, J. J; ÁLVAREZ, J. C. Para fundamentar la bioética. Teorías y paradigmas teóricos en la bioética contemporânea. Bilbao: Universidad Pontificia de Comillas – Descleé de Brouwer, 2003, p. 61).

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denominação alternativa de bionomia, esta teria, em princípio, duas partes: “bioética” e “bionomia jurídica”, que, sem dúvida, teria de ser complementada com a “biopolítica2”. Na minha idéia de “bionomia” e na inclusão necessária da vertente biopolítica estaria também implícita a idéia de que esta disciplina há de romper amarras com as versões reducionistas da bioética, que buscam aproximar esta de uma gestão tecnocrática dos conflitos que são gerados neste âmbito. 2. Bom, independente da denominação utilizada ou ainda da orientação de nossas reflexões, porque tem sido comum falar de bioética? Porque têm aumentado exponencialmente o número de publicações, instituições, cursos, títulos, especialistas em bioética3? A palavra “bioética” foi cunhada pelo oncologista norteamericano Van Rensselaer Potter (19714): como um princípio com um caráter mais de “ciência da superveniência” de tipo ecológico, ou como ponte entre as culturas das ciências naturais e humanidades. Contudo, desde então, a “bionomia” tem-se centrado com freqüência nos problemas éticos e jurídicos derivados do cuidado da saúde e das ciências biomédicas: a chamada bionomia “global” que de alguma forma retoma o ponto de vista de Potter. O certo é que claramente desde a década de 1960, os problemas normativos relativos ao cuidado da saúde e ao desenvolvimento das ciências biomédicas (e em 2

Mais além da evidência de que ao tratar sobre bioética e bionomia jurídica está-se tratando de (ou se está pressupondo uma) biopolítica, desde o ponto de vista acadêmico a “biopolítica” não tem tido nem de perto o mesmo êxito que a bioética ou ainda a bionomia jurídica. Tampouco é frequente vincular o tratamento de questões bioética com questões biopolíticas (uma exceção pode ser verificada em: HOTTOIS, G. Essais de philosophie bioéthique et biopolitique. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1999). Do ponto de vista teórico, o conceito de biopolítica e a discussão teórica sobre o mesmo, tem procurado não afrontar, ou afrontar menos as quesotes normativas relativas à regulação sobre as ciencias da vida – e como faz a bioética –, do que analizar o papel da vida e do ser vivo nas lutas políticas ou a manipulação sobre o ser vivo e sobre os corpos como uma estratégia de poder, sobretudo no ponto de vista inaugurado por M. Foucault. Foucault fala de “tecnologia política do corpo” (FOUCAULT, M. Vigilar y castigar. Madrid: Siglo XXI, 1990, p. 33) e de “biopolítica” (num de seus cursos) para se referir ao fato de que na modernidade o controle das condições de vida humana – incluindo a saúde, a alimentação ou a demografia – são expresamente considerados asuntos políticos. Para uma história do conceito de biopolítica ver: ESPÓSITO, R. Bíos. Biopolitica e filosofia. Torino: Einaudi, 2004. Ver também: HELLER, A.; FEHÉR, F. Biopolítica. La modernidad y la liberación del cuerpo. Barcelona: Península, 1995. 3 Uma breve introdução à história da bioética pode-se encontrar em: KUHSE, H.; SINGER, P. What is Bioethics? A Historical Introduction. In: A Companion to Bioethics. Oxford: Blackwell Publishers, 1998, pp. 3-11; com mais detalhe: JONSEN, A. The Birth of Bioethics. New York: Oxford University Press, 1998. Apesar de seu caráter tranquilamente confessional, pode-se encontrar uma perspectiva não anglo-saxã em: RUSSO, G. Storia della Bioetica. Roma: Armando Editore, 1995. Também, com muito mais brevidade, ver: GAFO, J. Historia de una nueva disciplina: la bioética. In: ROMEO CASABONA, C. (coord.), Derecho biomédico y bioética. Granada: Comares-Ministerio de Sanidad, 1998, pp. 87111; GRACIA, D. Fundamentos de Bioética. Madrid: Pirámide, 1995. Este último autor oferece elementos históricos, sobretudo dos “antecedentes” da bioética. 4 Utiliza-a em: POTTER, Van Rensselaer. Bioethics: A Bridge to the Future. Englewood Cliffs, 1971. Em verdade, Potter utilizou a expressão previamente em algum artigo. Tem havido certa polêmica sobre quem introduziu a palavra, já que A. Hellegers a utilizou poucos meses depois num sentido mais próximo do que se tem utilizado. Sobre esta questão: REICH, W. T. The Word “Bioethics”: Its Birth and the Legacies of those who Shaped It. Kennedy Institute of Ethics Journal, n. 4, 1994, pp. 319-335.

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geral às ciências da vida) têm ocupado um lugar cada vez mais destacado nos assuntos públicos. Provavelmente seria arriscado pretender explicar a origem destas preocupações em poucas linhas, de modo que, humildemente são assinalados alguns fatores relevantes: a) Descobertas e avanços nas ciências biomédicas e na medicina clínica. Nos anos 1960 ocorreu uma série de avanços médicos espetaculares, cuja característica mais chamativa foi a permissão de manter vivos pacientes que de outra forma teria morrido. Pense-se, neste sentido, nas máquinas de diálise, nos ventiladores (pulmonares) artificiais ou nos transplantes de órgãos. Estes avanços, sendo positivos sem ambigüidade, trazem, sem embargo, problemas de distribuição, na medida em que são terapias e tecnologias caras e escassas. Se um hospital tem apenas uma máquina de diálise, por exemplo, ou se dispõe somente de um número limitado de órgãos para transplante, é necessário decidir quem será beneficiado dentre os vários candidatos possíveis. Estas novas tecnologias, portanto, fazem explícita a necessidade de tomar decisões de vida ou morte e de definir critérios justos (ante a evidência de que os critérios que de fato funcionam, com freqüência se baseiam em prejuízos – por exemplo: raciais – ou são simplesmente arbitrários5). De outro modo, estas e outras tecnologias, ao permitir prolongar a vida dos pacientes, ainda que nem sempre em condições ótimas, também tornarão estimulante a questão da tomada de decisões no fim da vida e todo conjunto de problemas relacionados com a eutanásia. Mas não apenas estes avanços são relevantes para que os assuntos bionômicos chamem a atenção pública. As novas tecnologias reprodutivas permitem (sobretudo desde a década de 1980, embora já existisse antes) novas formas de relação entre pais e filhos, como, por exemplo – dentre muitos outros –, o nascimento de um filho que não tenha relação genética com a mulher que gesta. E, inclusive, mais relevantes desde o ponto de vista social, que os resultados espetaculares das tecnologias reprodutivas e também no campo da reprodução humana se produzem descobertas que permitem dizer conscientemente sobre quanto ter ou não ter filhos: é o caso da anticoncepção, da possibilidade de realizar abortos com segurança, ou, em menor medida, das técnicas de diagnóstico pré-natal. Por fim, ainda sem ser exaustivo, não se pode deixar de mencionar o que se supõe ser a revolução genética. Desde inícios dos anos 1970 se desenvolve a tecnologia do DNA recombinante, ou, o que é o mesmo, começa a ter lugar a engenharia genética. b) Conhecimento de abusos na investigação científica e periculosidade das aplicações tecnológicas. Pode-se dizer que nos anos posteriores à segunda guerra mundial tem-se manifestado uma vertente obscura no desenvolvimento científico e tecnológico, ou, com maior precisão, tem-se aumentado a suspeita de que talvez tenha pouco fundamento a confiança em que o progresso científico, tecnológico e material da humanidade está acompanhado de um progresso moral – tal como

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É um exemplo evidente o caso das máquinas de diálise, já que se tratavam de máquinas caras e não era possível atender a todos os pacientes. Em 1962, estabeleceu-se em Seattle um comitê para selecionar os pacientes (chamado o “comitê de Deus”, cujo nome na realidade era “Kidney Center’s Admission ans Policy”): os estudos posteriores demonstraram a influência de prejuízos em relação às pessoas da mesma classe social e etnia que os membros do comitê. Ver: KUHSE, H.; SINGER, P. Op. cit., 1998).

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parecia supor-se desde a Ilustração6. A consideração mais evidente é a de que as atrocidades cometidas pelos nazistas com os prisioneiros dos campos de concentração e de extermínio, nalguns casos pretensiosamente em nome do progresso científico e da experimentação7. A consciência de tais atrocidades é o antecedente de diferentes declarações internacionais para regular os experimentos médicos com pacientes humanos. Mas talvez tenham sido mais perturbadoras outras duas constatações. A primeira é que este tipo de abusos não era exclusivo de regimes totalitários: também em países tão democráticos como Suécia e os Estados Unidos da América – para citar apenas dois exemplos – ocorreram abusos deste tipo (experimentos brutais com membros da minoria afro-americana, exposição a radiações, esterilizações em massa etc.8). A segunda é a consciência do perigo, não dos abusos ou dos maus-usos da tecnologia inclusive em contextos democráticos, e sim da periculosidade intrínseca (em termos de riscos, de acidentes, conseqüências imprevisíveis etc.) de tecnologias tais como a nuclear ou a engenharia genética. A consciência ecológica sobre os limites do crescimento ou sobre as consequências ambientais da utilização de determinadas tecnologias podem também ser incluídas neste ponto. c) Mudanças na moralidade positiva. Algumas das mudanças que influíram no nascimento da bioética como disciplina tiveram mais espaço a nível ideológico ou cultural nos países centrais do capitalismo. Ainda que se trate de um nível muito mais difuso e difícil de quantificar, creio ao menos que podem ser mencionados dois fenômenos: por um lado, a aparição de uma nova forma de conceber a vida e a morte; por outro lado, a crise do chamado “paternalismo médico”. No que diz respeito ao primeiro, às vezes tem-se querido falar de uma mudança da ética da sacralidade da vida para uma ética da qualidade de vida, normalmente atribuindo um valor positivo ou negativo a esta transformação9. Em qualquer caso, a idéia que a vida humana é o valor supremo entra em crise ante a evidência, por exemplo, de que a medicina pode chegar a manter pessoas com vida em condições, por assim dizer, pouco humanas. O caso da progressiva aceitação e reivindicação do direito de dispor da própria vida em situações de grave enfermidade é talvez o caso mais claro em que o valor de manter a vida humana a qualquer preço se perfaz com a afirmação de outras considerações, dentre as quais a da autonomia para decidir 6

Já nos anos 1930, Aldous Huxley imaginou em seu romance A brave new world uma sociedade futura na qual as ciências da vida são utilizadas em massa para o controle social, criando uma sociedade de indivíduos submissos e estupidamente satisfeitos. 7 PELAYO GONZÁLEZ-TORRE, A.Bioética y experimentación con seres humanos. Granada: Comares, 2002, pp. 8 e ss. 8 Não é em vão que algumas das políticas eugenésicas no III Reich foram em boa medida importadas dos EUA. Ver, sobre isso: RIFKIN, J. El siglo de la biotecnologia. Barcelona: Crítica, 1999, pp. 117 e ss.). Em 1966, H.K. Beecher publica no New England Journal of Medicine um trabalho em que são examinados artigos publicados em diferentes revistas científicas e que revelam práticas de investigação eticamente inaceitáveis; ver: BEECHER, H.K. Ethics and Clinical Research. New England Journal of Medicine, 1966, p. 1354-1360). Em 1970, tornou-se público o experimento realizado em Tuskegee, Alabama, onde se havia negado tratamento com antibióticos a afroamericanos portadores de sífilis para estudar o desenvolvimento dessa doença. Ver: GAFO, J. Op. cit., 1998, p. 94. 9 Sobre essa questão: ESER, A. Entre la “santidad” y la “calidad” de la vida. Sobre las transformaciones en la protección jurídico-penal de la vida. Anuario de Derecho Penal, 1984, pp. 747781. Perspectiva radicalmente distinta é a de: SINGER, P. Desacralizar la vida humana. Ensayos sobre ética. Madrid: Cátedra, 2003; onde o autor fala em “desacralizar a vida humana”.

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como viver e como morrer. Esta referência à autonomia nos leva à crise do chamado “paternalismo médico” ou, em uma definição genérica, a crise da concepção tradicional baseada na “recusa a aceitar ou consentir os desejos, opções e ações das pessoas que gozam de informação suficiente e capacidade adequada, para o próprio benefício do paciente10”. Diante da tradição do paternalismo médico, afirmase a idéia de que os pacientes não podem continuar passivos na medida em que são sujeitos autônomos e – sobretudo – titulares de direitos enquanto pessoas, enquanto cidadãos e também enquanto pacientes (direitos dos pacientes). d) Preocupação pelo crescente poder dos meios científicos e técnicos. De alguma forma, pode-se vislumbrar este último fator como uma consequência dos anteriores. À medida que as novas tecnologias biomédicas fazem com que seja necessário tomar decisões não meramente técnicas, mas que implicam em questões valorativas, morais ou políticas, é preciso estabelecer critérios não apenas sobre que decisão tomar, mas também sobre quem tomará as decisões. Trata-se de decisões que não são puramente técnicas, mas que na prática são tomadas por determinados agentes cuja legitimidade de fazê-lo deriva tão-só de seus saberes técnicos, o que não se pode defender. Não apenas porque o público tem-se tornado consciente da possibilidade de abusos, como também porque supondo que tenham as melhores intenções se trataria de um paternalismo injustificado, tanto na medida em que não leva em consideração todos os agentes envolvidos, como também porque o saber técnico não pode ser considerado como fonte de uma iluminação para tomar decisões explicitamente morais ou políticas. Este tipo de preocupação se dá num contexto de crescente tratamento tecnocrático da saúde, da ciência e dos próprios conflitos gerados nestes âmbitos. Esta é a razão pela qual a bioética – e, sobretudo, sua institucionalização – se tem configurado com duplo aspecto, por assim dizer, sobre uma ambigüidade. Pode-se supor e tem-se suposto um contraponto à gestão tecnocrática ao passo em que explicita componentes valorativos; embora, por outro lado, se configure como um modo de integrar de forma pacífica os conflitos que geram estas formas de gestão. Isto é, a bioética propunha integrar na gestão destes problemas determinados valores de caráter moral que não decorressem, por isso, da pura eficácia tecnológica ou burocrática e que atuariam como contrapeso à racionalidade puramente instrumental. Porém, ao mesmo tempo, também cumpriria uma função ideológica, legitimadora e normalizadora ao permitir uma gestão suave dos conflitos surgidos nestes âmbitos ou ao aparentar que são razões morais e não instrumentais as que na realidade regem a gestão da ciência e a da produção de saúde. Neste sentido, não faltam análises que desvelem em determinados esforços normativos no âmbito da bionomia uma tentativa de facilitar e promover os novos tráficos mercantis vinculados aos corpos, à saúde e à vida11. Creio que estes elementos fazem prova do clima em que surgiu a reflexão bionômica há pouco mais de três décadas. Não obstante, e por muitos dos problemas como que mencionamos serem novos, algumas concepções consideram que a bioética é uma versão moderna de uma tradição mais antiga, como é a ética 10

GRACIA, D. Op. cit., 1995. Ver: CAMBRÓN INFANTE, A. Génesis y problemas de la bioética. In: Entre el nacer y el morir. Granada: Comares, 1998; CAMBRÓN INFANTE, A. Biotecnologías, Declaraciones Internacionales y Derechos. Comunição apresentada no XXII Congresso Mundial da Associação internacional de Filosofia do Direito e Filosofia Social. Granada, maio de 2005. 11

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médica – cujo texto fundamental seria o Juramento de Hipócrates, supostamente formulado no século V a.C. e venerado desde pelo menos o século I a.C. Sem negar que haja um conjunto de problemas comuns, a bioética e a bionomia representariam uma ruptura diante à tradicional ética médica, tanto desde o ponto de vista ideológico, como desde o ponto de vista do objeto, e da metodologia. Do ponto de vista ideológico, a ética médica estaria vinculada desde seu início e ainda em distintas formas, com a ideologia do paternalismo médico12, embora a bioética e a bionomia se constituam, de certo modo, como uma ruptura com esta concepção. Contudo, é necessário ir mais além nesta delimitação: desde o ponto de vista de seu objeto, dever-se-ia entender que a ética médica seria hoje parte da bioética, ou melhor, que as questões que tradicionalmente ocupam a ética médica são atualmente parte da bioética ou de um remo da bioética denominado bioética clínica. A ética médica se ocupa tradicionalmente das relações entre médico e paciente, das virtudes de um bom médico ou das relações entre os médicos. Tudo isso seria uma parte, sem dúvida, da bionomia, mas apenas uma parte relativamente pequena que seria ademais tratada de uma perspectiva diferente da perspectiva da ética médica tradicional. De fato, e com isso entramos na diferença metodológica, a bionomia não busca (unicamente) formular ou justificar um código de conduta para determinadas situações. O escopo da bionomia seria, ou deveria ser mais amplo, já que teria um caráter mais crítico e de reflexão sobre os problemas, na procura por sua melhor compreensão e dar aos sujeitos participantes a informação necessária para tomarem suas decisões. Ademais, a bionomia não é apenas ampla em seu objeto, mas também em sua perspectiva, já que não renuncia a colocar questões mais profundas (por exemplo, o valor da vida) que estão dentro das questões por ela tratadas. Por fim, a bionomia – inclusive quando não é explicitamente biopolítica – não deixa de afrontar questões públicas coletivas que superam o marco das relações médicas (assim, quando são enfrentadas questões relativas à política científica). Por isso, a bionomia congrega não apenas filósofos morais ou pensadores religiosos, como também todo um grupo de disciplinas mais ou menos relacionadas. Neste sentido, e mesmo que não seja um pressuposto de qualquer concepção da bionomia, seria importante concebê-la expressamente como uma disciplina crítica, antes que como uma doutrina e de certo modo, também, vinculada a uma filosofia política. 3. Em 1973, em parte devido ao escândalo que se produziu quando foram tornados públicos experimentos como o de Alabama, mencionado na nota oito, nos Estados Unidos criou-se a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais. A comissão teria o encargo de realizar uma regulação que pudesse proteger os direitos dos indivíduos participantes da 12

GRACIA, D. Op. cit., 1995. A tradição do paternalismo médico remonta a pelo menos o juramento de Hipócrates, onde se concebe a medicina como uma espécie de sacerdócio, e, neste sentido, ao médico como uma espécie de mediador entre deuses e homens. Esta visão inclui uma identificação entre doença e mal moral, de forma que o médico é um moralista virtuoso. O caráter sagrado exclui em boa medida a noção de responsabilidade médica de caráter jurídico (que de algumas forma unese ao caráter sacerdotal). Evidentemente, as formas do paternalismo médico mudaram durante a histórica, já que no início da Era Moderna, a medicina passou a ser vista mais como uma profissão institucionalizada (o que supõe o monopólio da cura por parte destes profissionais) que como um sacerdócio.

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investigação biomédica. Mesmo diante do caráter temporário da comissão (durou quatro anos), sua influência foi enorme no campo da bionomia. De fato, um de seus informes – o “Informe Belmont” – articulou os princípios que deveriam governas a investigação. Tais princípios foram retomados por uma influente obra de Beauchamp e Childress, Principles od Biomedical Ethics13, onde se lhes conferia uma forma canônica, até o ponto de que atualmente não é incomum falar – de forma abusiva – dos “princípios da bioética” para se lhes referir. Estes princípios (três ou quatro, caso se desdobre ou não o primeiro) são: beneficência/não maleficência, que implica a obrigação de não fazer dano, de aumentar os benefícios e minimizar os riscos; autonomia, que significa o respeito pelas pessoas, por suas opiniões e escolhas; justiça, que supõe a imparcialidade na distribuição de riscos e benefícios. A concepção da bionomia baseada em princípios – ou as concepções, no plural, como adverte o próprio Childress14 – segue sendo provavelmente o marco de referência mais influente atualmente, ainda que não seja o único. Não obstante, o que podemos chamar de principialismo em bionomia tem sido objeto de severas críticas15, muitas das quais são bastante pertinentes. E a nosso juízo, a concepção canônica principialista (e não menos, por certo, que alguns de seus rivais teóricos) deixa sem resposta algumas perguntas básicas, ou as trata por alto, em benefício de uma ortodoxia da bioética que deva ser questionada. Porque há perguntas evidentes que devem ser postas. Em primeiro lugar, como justificar os princípios? Ou, em outros termos, como justificar que sejam estes e não outros os princípios básicos da bionomia? Em segundo lugar, qual a natureza exata destes princípios? Ou, para tornar mais precisa a pergunta, estamos falando de princípios morais, jurídicos ou de ambas as coisas? E, por fim, supondo que estes princípios nos possam ser úteis para a discussão de problemas bionômicos, são eles aplicáveis genericamente a qualquer problema que nos seja apresentado, ou são princípios com um alcance mais ou menos amplo, mas apenas de caráter local? Não me deterei na discussão sobre todas essas perguntas, o que demandaria um estudo mais detalhado, de modo que explorarei apenas a última delas. Isto é, na pretensão, talvez nem sempre formulada, mas operacional em muitas ocasiões de que os “princípios da bioética” têm um alcance tal que os torna suscetíveis de serem aplicados com caráter geral na discussão de quase todos os problemas que se nos 13

Há uma tradução castelhana: BEAUCHAMP, T. L.; CHILDESS, J. F. Principios de ética biomédica. Barcelona: Masson, 1998. 14 CHILDRESS, J. F. A principle-based approach. In: SINGER, P.; KHUSE, H. A Companion to Bioethics. Oxford: Blackwell Publishers, 1998, pp. 61. Efetivamente, a referida comissão nacional identifica três princípios: respeito pelas pessoas, beneficiência e justiça. Beauchamp e Childress identificam quatro princípios primários (respeito pela autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça) junto com várias regras derivadas (“dizer a verdade”, “manter promessas”, “respeitar a intimidade”, “guardar segredos”, “obter o consentimento informado” etc.). R. Veatch fala os princípios de beneficência, respeito aos contratos, autonomia, honestidade, não matar e justiça. H. T. Engelhardt aceita apenas os princípios de autonomia e beneficência, tanto que reduz o de justiça a estes dois últimos. 15 De acordo com Childress (Op. cit, 1998, pp. 68 e ss), algumas destas críticas, expostas desde perspectivas de tipo casuístico, tratariam sobre a tirania dos princípios (Ver: TOULMIN, S. The Tyranny of principles. Hastings Center Report, n. 11/6, 1981, pp. 31-39), do uso acrítico dos princípios, que são invocados como categorias abstratas de modo que parece se poder justificar qualquer posição e também um prejuízo em relação aos casos problemáticos, aos casos difíceis.

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sejam apresentados neste âmbito. Creio que responder a esta pergunta exaustivamente é mais fácil que nos casos anteriores: o alcance desses princípios – em quaisquer de suas formulações – é mais ou menos amplo, mas muito limitado. O âmbito em que mais claramente estes princípios nos podem ser úteis é o da bioética clínica e o da investigação – que, não esqueçamos, é sua origem. Contudo, o jogo destes princípios é particularmente insuficiente nas questões relacionada com a bionomia global, que de nenhuma forma podem ser abordadas satisfatoriamente munidas unicamente com tão limitado aparato conceitual. Não é menos certo, por outro lado, que em geral os princípios se beneficiam de uma formulação genérica e pouco precisa que os torna ao mesmo tempo tão pertinentes para serem manejados em diversas situações, como pouco capazes de concretizar respostas unívocas. Certamente os princípios aparecem como vantajosos naquelas instâncias em que a bionomia se envolve mais em circunstâncias em que se faz preciso tomar decisões, seja para casos individuais ou gerais, que em muitos casos se dá em contextos de desacordos profundos sobre os valores e concepções subjacentes. Argumentação, ponderação, consenso etc. são, com razão, conceitos muito manejados no âmbito da bionomia. Em sociedades onde existe um pluralismo de valores e concepções morais, mas que al mesmo tempo o discurso da “ética” parece gozar de uma nova legitimação (talvez frente ao discurso da “política”) a busca de respostas “éticas” às perplexidades do presente é uma constante e não é de estranhar que tenham proliferado instituições como os Comitês de ética e os “especialistas em bioética16”. Ainda que já tenhamos mencionado anteriormente que o comitê de Seattle tenha surgido nos anos 1960, os primeiros comitês de ética constituíram-se nos anos 1970 nos Estados Unidos, em centros de investigação e em instituições hospitalares, com o objetivo de rever os protocolos de experimentos com seres humanos. A grande punhalada aos comitês de ética nos Estados Unidos foi o caso Karen Quinlan, uma jovem que permaneceu durante muito tempo em estado vegetativo ligada a máquinas que permitiam sua sobrevivência. Ante o pedido de sua família de não continuar com o tratamento que a mantinha com vida, um tribunal decidiu que se não havia possibilidade de que ela retornasse a uma vida consciente e se um comitê de ética hospitalar estivesse de acordo com isso, não haveria responsabilização civil nem penal pela não continuação do tratamento17. Foi a primeira vez que se concedia juridicamente tal decisão a um comitê de ética. Na Europa, nos anos 1980, começaram a aparecer as comissões nacionais de bioética, surgidas da iniciativa dos poderes públicos e de colégios médicos: em alguns casos para abordar uma 16

Há uma grande variedade de comitês de bioética se considerarmos suas funções, composição, método de trabalho etc. Não obstante, talvez seja conveniente, desde já, mencionar os que sejam os três principais tipos de comitê de bioética: a) as comissões nacionais de bioética, que emitem informes com caráter geral e assessoram os poderes públicos; b) os comitês de bioética hospitalar, que se ocupam das questões concretas que surgem na prática hospitalar; c) os comitês de investigação clínica, encarregados de avaliaar os projetos de investigação com seres humanos. Pode-se objetar que esta divisão não abarca toda a tipologia de comitês existentes, embora a tomemos como base para sermos conscientes desde já que estamos nos referindo a coisas distintas quando falamo de comitês de ética. 17 MORENO, J. D. Ethics Committees and Ethics Consultants. SINGER, P.; KHUSE, H. Op. cit., 1998, p. 477. Uma importante discussão sobre o caso de Karen Quinlan, pode-se ler em: DWORKIN, R. El dominio de la vida. Una discusión sobre el aborto, la eutanasia y la libertad individual. Barcelona: Ariel, 1993.

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questão concreta (Inglaterra, Alemanha), noutros com um caráter mais geral e permanente (França, Itália, Portugal)18. É característica comum dos comitês de ética seu caráter plural e interdisciplinar. Contudo, não ficam claras, quais são exatamente suas natureza, legitimidade e atribuições. É tradicional que os comitês de ética hospitalar tenham três funções: exame de casos controvertidos, elaboração de critérios de atuação e educação do pessoal sanitário19. Porém, como assinala A. Cambrón – numa reflexão que tem maior alcance que a referida unicamente a estes comitês: É preciso superar a retórica que encobre os enunciados de sua criação para descobrir os “outros” interesses que subjazem – não precisamente éticos: antigos, uns, genuinamente novos, outros, derivados do tráfico biossanitário introduzido nas sociedades de mercado atuais. São interesses que necessitam não serem tornados públicos e serem protegidos. Por um lado, é preciso não tornar público que as novas práticas com o corpo questionam os princípios éticos e os valores predicados sub specie aeternitatis e, por outro, é necessário lhes dar cobertura legal que regularize esses novos tráficos restaurando, por sua vez, a legitimidade perdida pelos cientistas e pelos operadores biossanitários, que se mostram mais interessados na obtenção de segurança e benefícios rentáveis para si e para a bioindústria que por incentivos éticos. [...] Ante a complexidade e os interesses em jogo, o executivo optou por criar órgãos de consulta, cujas opiniões pouco o comprometem, embora contribuam para legitimar práticas profissionais arriscadas sem impedir a obtenção de benefícios para as biotecnologias20.

Assim, de acordo com A. Cambrón, o processo de institucionalização dos comitês éticos sempre havia respondido na Europa às mesmas exigências: a) a necessidade de prosseguir as investigações sem limitar a “liberdade” dos cientistas, fundamentalmente a serviço de interesses bioindustriais; b) a elaboração de discursos de legitimação de novas práticas, mesmo que não entrem em conflito com os discursos tradicionais sobre a vida e a morte; c) o reforço do discurso dos “direitos” individuais para facilitar o acesso privado às novas descobertas; d) a regulação de novos tráficos sem produzir censuras radicais com os valores morais tradicionais. Entretanto, como se pretende mostrar aqui, a bionomia não pode ser uma postura vedada a especialistas, inclusive se, na melhor das hipóteses, forem especialistas sobre os “princípios da bioética” ou sobre os direitos humanos. Neste sentido, creio que é necessário começar a fazer – também – uma reflexão bionômica radicalmente consciente dos desafios biopolíticos de nosso tempo, numa perspectiva que seja capaz de pensar publicamente de um ponto de vista específico, das implicações de nossa enorme capacidade de atuar sobre a biosfera e sobre as condições da existência humana. Alguns dos riscos de nossa crise de manifestam num duplo fracasso: na incapacidade de gerir o progresso técnico para colocá-lo a serviço da vida humana, e em nossa incapacidade para conceituar sem catástrofe o 18

CAMBRÓN INFANTE, A. Funciones y limitaciones de las comisiones nacionales de bioética. In: CASADO, M. (ed.) Bioética, Derecho y sociedad. Madrid: Trotta, 1998, p. 75. 19 MORENO, J. D. Op. cit. 1998, p. 478. 20 CAMBRÓN INFANTE, A. Op. cit., 1998, pp. 76-77.

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impensável, como a capacidade já real de autodestruição (armas nucleares, controle parcial dos processos bioevolutivos, crise ecológica). Há dois assuntos que particularmente me parecem uma mostra de que qualquer tentativa de reduzir os problemas da consideração técnica dos especialistas não faz senão ocultar a dimensão profundamente política e que tratarei em seguida. É, em primeiro lugar, a necessidade de pensar os problemas sociais da ciência, da tecnologia e da biotecnologia de uma perspectiva que caia na dicotomia do cientificismo/anticientificismo ou ainda da racionalidade/irracionalidade. Trata-se do reconhecimento da ambigüidade social dos processos tecnocientíficos sem que isso conduza a posições hostis ou desconfiadas sobe a ciência ou os cientistas. Em segundo lugar, a consideração da proteção da saúde e do direito à proteção da saúde entendido como universal, a partir do exame das condições sociais de possibilidade do mesmo. 5. Mais acima foi mencionado que entre os fatores que haviam contribuído para o desenvolvimento da bionomia estava a consciência do perigo não apenas dos abusos ou dos maus usos da tecnologia, como também da periculosidade intrínseca da mesma em termos de riscos, de acidentes, de conseqüências imprevisíveis etc. Acaso se tenha de precisar o alcance desta afirmação relativa à periculosidade, para não confundir com atitudes “anticientíficas” inúteis e pouco desejáveis, já que aqui não se está referindo a isso. A ciência e a tecnologia têm sido introduzidas desde a modernidade tanto nos processos produtivos como na vida diária. Vê-se, ademais, um processo de industrialização da ciência, que se manifesta em dois sentidos: ao nível da organização das investigações, e ao nível das aplicações da ciência. Com isso, a ciência – ou o que alguns autores denominam “tecnociência” – se converte plenamente numa força produtiva, e talvez até na força produtiva primordial21. Efetivamente, “tecnociência” se converte num vocábulo que indica como atualmente a diferença entre ciência e técnica – uma das grandes articulações do pensamento ocidental desde a Grécia antiga – aparece esfumada. Existe um processo de cientifização da técnica e de tecnificação da ciência, enquanto a contemplação teórica dá o lugar dominante a uma relação ativa de manipulação e de reconstrução da realidade que situa a representação teórica a serviço da atividade manipuladora22. “Tecnociência” seria um conceito apropriado para designar a atividade científica contemporânea, porquanto assinale ao mesmo tempo o enlaçamento dos aspectos e a preponderância do técnico. A progressiva indissolubilidade entre ciência e técnica, e ainda a preeminência desta última, tem tornado dificilmente sustentável a pretensão de bondade intrínseca de uma ciência separável da ambigüidade ou do mau uso da técnica. Ao mesmo tempo, os novos avanços e possibilidade da tecnociência têm uma dupla face: proporcionam conhecimentos e recursos valiosos, que são, também, perigosos, por serem, de algum modo, imprevisíveis. Isso é assim porque o conhecimento das conseqüências de 21

SANTOS, B. Sousa. Towards a new common sense. Law, science and politics in the paradigmatic transition. New York-London: Routledge, 1995, p. 8. 22 HOTTOIS, G. El paradigma bioético. Una ética para la tecnociência. Barcelona: Anthropos, 1991, p. 24

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determinadas atuações tecnocientíficas ou de manipulações técnicas cientificamente fundamentadas não é nem de perto tão rico (nem tão “científico”) como o que permite realiza-las: há uma assimetria entre a capacidade de atuar e a capacidade prevê. A tecnociência é, também, em si mesma, e já não apenas em virtude de possíveis maus usos, portadora – junto com benefícios e esperanças – de riscos e perigos (de se pensar na física nuclear, ou na engenharia genética). A chamada “crise da ciência”, que é uma crise de legitimação, não é tanto – ou ao menos no que aqui interessa – uma questão teórica ou epistemológica: o saber científico é em qualquer caso o saber mais rico de que se dispõe. A questão carrega uma ambigüidade político-moral, que suporta riscos – como advertiu pioneiramente M. Sacristán: “provavelmente proporcionais à sua qualidade epistemológica23”. Até certo ponto, estes aspectos têm-se manifestado numa “crise de legitimação” da ciência, para o que se tem buscado vias de solução provenientes do interior ou não da comunidade científica: daí os comitês de ética, ou as declarações sobre experimentos com seres humanos, limitações legais a determinados experimentos, ou, em geral, a atividade de reflexão e de regulação sobre a bionomia e a bioética. É preciso destacar que em muitas ocasiões, os avisos sobre as conseqüências perigosas ou imprevisíveis de determinadas tecnologias têm vindo dos próprios cientistas: é o caso da energia nuclear, da engenharia genética, das conseqüências ecológicas de determinadas tecnologias. Na medida em que isto tem se apresentado assim, é importante a manutenção da tensão moral e da capacidade crítica e autocrítica por parte dos cientistas e das comunidades científicas. Quanto menos como condição da informação e participação do conjunto das provas. Sem embargo, a própria subordinação organizativa, financeira e as prioridades da atividade científica com respeito a grandes centros de poder político, militar ou econômico não parecem que possam senão dificultar essas atitudes. E é com independência da “crise da ciência”, ou da atividade regulamentatória, de controle e de autocontrole, ou dos debates e reflexão que tenham suscitado, em realidade se tem acrescentado alguns dos fenômenos apontados. A configuração da tecnociência como força produtiva tem acentuado sua subordinação a lógicas de mercado, e – com isso – também se afasta a possibilidade de participação pública no desenho das prioridades. Os tópicos da “responsabilidade social da ciência” ou da “democratização da ciência” têm de ser, portanto, repensados e reconstruídos. 6. Em nosso contexto histórico não faz sentido falar de bionomia e direitos humanos sem se referir ao direito à proteção da saúde. Efetivamente, no modelo do Estado liberal europeu do século XIX, o Estado se desvinculava da proteção da saúde dos indivíduos e unicamente se ocupava genericamente da saúde pública (saneamento, epidemias etc.): as pessoas tinham tratamento médico segundo sua capacidade de pagá-lo, o que na prática excluía a maioria. Não obstante, uma das principais características dos chamados “Estados sociais” europeus tem sido a participação do Estado na promoção e proteção da saúde da população, mediante a extensão de sistemas públicos de saúde e mediante o progressivo reconhecimento e positivação de um direito à proteção da saúde. De fato, o direito à proteção da saúde, assim como outra série de direitos conexos, como o direito ao meio ambiente, está previsto 23

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tanto nas constituições24 como em diferentes declarações internacionais de direitos. Contudo, a positivação de um direito, inclusive a nível constitucional, e, sobretudo, quando se trata de um direito social de prestação, não assegura sua garantia. Com efeito, mais relevante que a mera positivação foi um esforço orçamentário e organizativo destinado a tornar real e efetivo o predicado direito à proteção da saúde. Assim, na segunda metade do século XX, nos países do “norte” ocorreram sensíveis incrementos no gasto público em proteção da saúde, que permitem uma considerável expansão em dois sentidos. Por um lado, com o aumento dos beneficiados pelos sistemas públicos sanitários, tendendo à universalização do serviço. Por outro, com a extensão das prestações, tendendo a cobrir cada vez mais serviços, considerando os significativos avanços tecnológicos e terapêuticos ocorridos nas últimas décadas. Estes fenômenos expansivos traduziram, sem dúvida, uma importante melhora da saúde do povo, sobretudo se atentarmos aos indicadores com que habitualmente são realizadas as comparações, tais como a expectativa de vida, ou a mortalidade infantil. Deve-se destacar, por outro lado, o efeito redistributivo advindo do estabelecimento de um sistema público de assistência sanitária e o progressivo caminho até sua universalização. Pelo menos nas duas últimas décadas, mesmo que se venham abordando certas medidas para frear esta participação estatal, por meio de mecanismos de limitação do gasto sanitário, incidindo uns sobre a demanda ao mercantilizar novamente25 os bens e serviços; ou retirar o incentivo aos profissionais da saúde em relação ao uso de determinados recursos. Temos falado, em geral, de “direito à proteção da saúde”, embora a própria denominação deste direito e, conseguintemente, seu conceito, significado, alcance normativo e as técnicas jurídicas para sua proteção, estejam longe de estar claros e de suscitar um consenso mínimo. Assim, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, reconhece em seu artigo 12 que: “os Estados Partes no presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa ao desfrute do mais alto nível possível de saúde física e mental26”; e, no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 1946 afirma-se que: “O desfrute do nível de saúde mais elevado possível é um dos direitos fundamentais do ser humano, sem distinção de raça, religião, credos políticos, condição social ou econômica”. Apesar da heterogeneidade das formulações, caso se tome como referência o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos que parece 24

Ver o artigo 43 da Constituição espanhola de 1978; ver, também, a Constituição italiana de 1947, a francesa de 1958, e a portuguesa de 1974. A Lei Fundamental de Bonn de 1949, não obstante, não reconhece explicitamente um direito deste tipo. As primeiras inclusões constitucionais, como a mexicana (1917), alemã de Weimar (1919) e espanhola republicana (1931), ocorreram junto com outros direitos de caráter igualmente social. 25 Para o conceito de “desmercantilização” como definidor das políticas de bem-estar, ver: OFFE, C. Contradicciones en el Estado del Bienestar. Madrid: Alianza, 1990. 26 O texto completo é este: “Artigo 12.1. Os Estados-Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa ao disfrute do mais alto nível possível de saúde física e mental. 2. Entre as medidas que deverão adotar os Estados-Partes no Pacto, a fim de realizar plenamente este direito, figurarão as necessárias para: a) a redução da mortalidade infantil, e o desenvolvimento saudável das crianças; b) o melhoramento em todos seus aspectos da higiene no trabalho e do meio ambiente; c) a prevenção e o tratamento das enfermidades epidêmicas, endêmicas, profissionais e de outra índole, e a luta contra elas; d) a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de doença”.

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distinguir pelo menos três elementos diferentes significativos aos efeitos da configuração de um direito à proteção da saúde: a) direito a um nível adequado que assegure saúde e bem-estar; b) direito à assistência médica e serviços sociais necessários; c) direito a auxílio-doença (para enfrentar a enfermidade na medida em que supõe uma perda dos meios de subsistência – trabalho – por circunstâncias independentes da vontade). É de se destacar, mesmo assim, o conceito de saúde da OMS: um “estado completo de bem-estar físico, psíquico e social, e não apenas ausência de enfermidade”. Apesar dos inconvenientes de sua generalidade e de seu caráter ilimitadamente expansivo, tem certas vantagens e enfatiza determinados aspectos que não devem ser esquecidos. Diante de outras concepções da saúde, apresenta a novidade de abandonar a visão puramente médica: proteger e promover a saúde não apenas uma questão médica nem limitada à assistência sanitária, mesmo porque há outros esforços e políticas públicas que podem contribuir em grande medida para este objetivo. Assim, esta concepção integra a proteção da saúde de um modo geral, abarcando sua dupla vertente individual e social (isto é: ainda que em última instância a saúde se refira à saúde dos indivíduos, existem fatores que são sociais – e o que talvez seja mais importante, modificáveis – que sobre ela incidem). Com isso, entende-se que a saúde implica também na existência de condições para o desenvolvimento das pessoas e que é inseparável da paz, eliminação da pobreza, redução do desemprego, conservação do meio ambiente etc. Significa prestar atenção à existência de uma correlação entre a saúde das pessoas e o desenvolvimento sócio-econômico. Esta concepção se opõe à que se baseia na oposição saúde/doença e que entende simplesmente a saúde como ausência de enfermidade. E, ademais, neste sentido, parece direcionar o entendimento para a possibilidade de se guiar por estratégias, as quais não sejam meramente curativas, como também mais amplas como a “promoção da saúde27”. Contudo, o abismo entre o direito proclamado e os fatos é seguramente um os mais amplos que podemos encontrar no catálogo de direitos humanos. Por este motivo, trata-se, seguramente, de uma das questões mais relevantes e urgentes no âmbito da bionomia e dos direitos. A magnitude do problema é conhecida, mas não é inoportuno recordar algumas cifras. Cerca de 18 milhões de pessoas morrem por ano em virtude de doenças curáveis e 1/3 da humanidade morre prematuramente por causas relacionadas à pobreza. Caso atentemos para um indicador como a expectativa de vida ao nascer, esta é superior aos 80 anos em países como Austrália, Japão, Suécia ou Suíça, mas é de menos de 40 anos em países como Maláui, Serra Leoa ou Zimbábue, de modo que são 28 os países em que a expectativa de vida é menor que 50 anos28. Sem dúvida a causa mais importante destas mortes é a pobreza, porque a prática totalidade da mortalidade e da enfermidade evitável se produz em países pobres e entre seus habitantes mais pobres. Nesta medida, a luta pelo respeito ao direito à proteção da saúde está amplamente vinculada com a luta contra a pobreza e a desigualdade. Por isso, há duas estratégias distintas para enfrentar este problema: 27

BERLINGUER, G. Questioni di vita. Etica, scienza, salute. Torino: Einaudi, 1991, p. 170. PNUD. Informe sobre desarrollo humano 2005. Barcelona: Mundiprensa, 2005. Disponível em: http://hdr.undp.org/reports/global/2005/espanol/. 28

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ou bem as direcionadas para a erradicação da pobreza extrema, ou bem as orientadas para assegurar o acesso universal a tratamentos médicos, tanto preventivos como curativos. Todavia, há que se considerar que estas estratégias podem ser complementares, já que a erradicação da pobreza extrema reduziria enormemente a incidência global de muitas enfermidades, de modo que um maior acesso aos tratamentos essenciais reduziria a pobreza extrema, permitindo aos pobres trabalhar e organizar-se para seu avanço econômico29. As dificuldades para o acesso aos remédios e tratamentos médicos essenciais é uma realidade que se pode constatar a nível mundial, pois um terço da população mundial não tem qualquer acesso a medicamentos essenciais. Isso é patente desde o desenho das prioridades de investigação biomédicas. O fato de que estas prioridades venham definidas por lógicas de mercado e não pode critérios de justiça ou de necessidades políticas de saúde, tem como resultado que segundo a OMS 95% do dinheiro gasto em investigação biomédica no mundo se destine a enfermidades que ocorrem quase que exclusivamente em países desenvolvidos e que representam apenas 7% do total de enfermidade e morte. Inclusive em relação aos medicamentos que curem as doenças mais prevalentes e que têm sido desenvolvidos, tais não estão disponíveis para quem deles necessita. O sistema atual de patentes (TRIP), baseado nos acordos da Organização Mundial do Comércio de 1994, estabeleceu uma altíssima proteção dos direitos de propriedade sobre os desenvolvimentos farmacêuticos e sobre o saber médico, até gerar-se um regime praticamente monopolista que dificulta o acesso, inclusive, aos medicamentos essenciais, o que gera um sistema extremamente injusto. Os esforços desde uma perspectiva bionômica que pretendem proporcionar um marco teórico que possa dar conta da relação entre proteção da saúde, justiça global e os direitos humanos não são muito numerosos. A atenção que se tem prestado a tais questões é muito inferior à que têm suscitado muitos outros assuntos importantes, embora marginais em seu impacto real, o que é seguramente uma das principais objeções em relação à bioética30. Nos últimos anos e a origem, sobretudo, da catástrofe da AIDS na África e das ações globais de denúncia sobre as limitações de acesso aos medicamentos, tem surgido um debate público a nível global com certas manifestações acadêmicas31. Assim, entre os exemplos de propostas deste tipo, J. 29

POGGE, Th. Human Rights and Global Health: A research programme. Metaphilosophy, vol. 36, n. 12, 2005, pp. 183-84. Sobre isso, ver, também: DANIELS, N.; KENNEDY, B.; KAWACHI, I. Justice is Good for Our Health. Boston Review, vol. 25, n. 1, 2000. E, especialmente: WILKINSON, R. G. Unhealthy Societies. The Afflictions of Inequality. London: Routledge, 1996. Como adverte Wilkinson, existe um importante vínculo entre a desigualdade social e as diferenças de saúde que é independente da pobreza. Assim, as diferenças de saúde entre países ricos e pobres poderia ser explicada por fatores mateirias relativos à ausência de recursos; sem embargo, a existência de importantes diferenças de saúde dentro dos países, inclusive nos países desenvolvidos, não poderia ser explicada por fatores diretamente materiais na medida em que a diferença de recursos em relação aos países pobres segue sendo enorme inclusive para as pessoas de pior situação social, senão pode fatores sociais que traçam uma correlação entre a saúde e a posição social de forma que seriam as desigualdades intrasociais os fatores mais relevantes. Resumidamente, “in the developed world, it is not the richest countries which have the best health, but the most egalitarian” (p. 3). 30 Ver: FARMER, P. Pathologies of Power. Health, Human Rights and the New War on the Poor. Berkeley: University of California Press, 2003, esp. Capítulo 8. 31 Assim, por exemplo, D. B. Resnik iniciou a polêmica com: RESNIK, D. B. Developing Drugs for the Developing World: an Economical, Legal, Moral, and Political Dilemma. Developing World Bioethics, vol.1, n. 1, 2001. Neste trabalho, o autor assume a controvertida tese de que sendo sumamente

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Dwyer argumentou recentemente que em termos de promoção da saúde, do ponto de vista de uma consideração da justiça global, seria necessário levar em conta três deveres: o dever de não prejudicar (por exemplo: o dano ambiental ou as guerras), o dever de refazer os acordos internacionais (redefinindo as estruturas e normas que determinam situações de injustiça) e o dever de assistência32. Por sua vez, Th. Pogge propôs um sistema que pretende ser concreto, realista e factível para reformar o sistema de incentivos para a investigação de novos medicamentos essenciais, na medida em que o atual sistema de incentivos para a investigação farmacêutica é “profundamente problemático do ponto de vista moral”. E, o é porque se bem corrige a impossibilidade de incentivar a investigação farmacêutica que têm os sistemas de livre mercado, o faz à custa de estabelecer um sistema de excessiva proteção para o titular dos direitos de patente que é irracional desde o ponto de vista coletivo. Pogge propõe seguir uma estratégia baseada na idéia de bens públicos: os resultados de novos desenvolvimentos de medicamentos essenciais deveriam ser postos à disposição de qualquer companhia livremente, o que baixaria seus preços até quase seus custos marginais de produção. Paralelamente, e para evitar que se acabe com os incentivos para a investigação farmacêutica, a companhia inventora poderia gozar de um direito de patente que fora compensado com fundos públicos, embora de forma proporcional ao impacto da invenção sobre o número global de enfermidades. Este último, permitiria atrair investigação até as condições de saúde cujos efeitos adversos na humanidade pudessem ser reduzidos mais eficazmente em termos de custos33. Não podemos estar seguros de que estas propostas sejam “factíveis e realistas”. Talvez sejam apenas uma forma de debater e pensar estes assuntos, para enfrentar o enorme desafio intelectual e político que supõem. De qualquer modo, devemos recordar neste ponto dois artigos que também fazem parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O artigo 27.1 afirma que “toda pessoa tem direito de [...] participar no progresso científico e nos benefícios que dele resultem” e o artigo 28 estabelece que “toda pessoa tem direito a que se estabeleça uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades proclamados nesta Declaração se façam plenamente efetivos”.

importante a disponibilidade de medicamentos essenciais nos países pobres, é necessário que isso se combine com a existência de benefícios para as grandes companhias, à medida que se crê que nestes países estão as perspectivas para um clima adequado para os negócios. Tanto D. Brock (BROCK, D. Some Questions About the Moral Responsibilities of Drug Companies in Developing Countries. Developing World Bioethics, vol. 1 n. 1, 2001) como N. Daniels (DANIELS, N. Social Responsibility and Global Pharmaceutical Companies. Developing World Bioethics, vol. 1 n. 1, 2001) e de forma mais radical L. Justo (JUSTO, L. A Patent to Kill? Comments on Resnik. Developing World Bioethics, vol. 2 n. 1, 2002) são contrários, por um lado, à posição de Resnik, que é por um apelo pouco realista à “responsabilidade social” das companhias farmacêuticas – que na prática é uma limitação de suas responabilidade –, como também ao fato de que as condicione à criação de um clima apropriado aos negócios. Ver, também: STERCKX, S. Patents and Access to Drugs in Developing Countries: an Ethical Analysis. Developing World Bioethics, vol. 4, n. 1, 2001; RESNIK, D. B. The Distribution of Biomedical Research Resources and International Rustice. Developing World Bioethics, vol. 4 n. 1, 2004; COHEN, J. C.; ILLINGWORTH, P. The Dilemma of Intellectual Property Rights for Pharmaceuticals: the Tension Between Ensuring Access of the Poor to Medicines and Committing to International Agreements. Developing World Bioethics, vol. 3, n. 1, 2003; ASHCROFT, R. E. Access to Essential Medicines: a Hobbesian Social Contract Approach. Developing World Bioethics, vol. 5, n. 2, 2005. 32 DWYER, J. Global Health and Justice. Bioethics, vol. 19, n. 5-6, 2005, pp. 460-475. 33 POGGE, Th. Op. cit., 2005, pp. 182-209.

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