TRADUÇÃO COMENTADA DO ARTIGO “ESPAÇO DE CONFORTO LINGUÍSTICO/CULTURAL DOS SURDOS NA UFSC”, DE DEONISIO SCHMITT.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO – CCE DEPARTAMENTO DE ARTES E LIBRAS - DALi BACHARELADO EM LETRAS-LIBRAS

JONATHAN SOUSA DE OLIVEIRA

TRADUÇÃO COMENTADA DO ARTIGO “ESPAÇO DE CONFORTO LINGUÍSTICO/CULTURAL DOS SURDOS NA UFSC”, DE DEONISIO SCHMITT.

FLORIANÓPOLIS – SC 2012

JONATHAN SOUSA DE OLIVEIRA

TRADUÇÃO COMENTADA DO ARTIGO “ESPAÇO DE CONFORTO LINGUÍSTICO/CULTURAL DOS SURDOS NA UFSC”, DE DEONISIO SCHMITT.

Trabalho apresentado ao Curso de Bacharelado em Letras-Libras da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Letras-Libras. Orientadora: Prof.ª Ms. Silvana Aguiar dos Santos. Coorientadora: Prof.ª Ms. Andréa Michiles Lemos.

FLORIANÓPOLIS – SC 2012

JONATHAN SOUSA DE OLIVEIRA

TRADUÇÃO COMENTADA DO ARTIGO “ESPAÇO DE CONFORTO LINGUÍSTICO/CULTURAL DOS SURDOS NA UFSC”, DE DEONISIO SCHMITT.

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Letras-Língua Brasileira de Sinais pelo Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis, julho de 2012.

____________________________________ Prof.ª Ms. Silvana Aguiar dos Santos Orientadora

____________________________________ Prof.ª Ms. Andréa Michiles Lemos Coorientadora

____________________________________ Prof. Ms. Ernando Pinheiro Chaves Membro externo

Aos meus pais João e Salete, Amigos, amparo e consolo, a prova real do amor de Deus por mim.

AGRADECIMENTOS

Ao Deus, que me transforma e me sustenta com seu braço forte todos os dias. Aos meus pais, João de Oliveira e Maria de Salete, amigos e companheiros fiéis. À Eudenia Magalhães, pelo amor sincero e pelo carinho nesses últimos anos. Obrigado por me dar sentido à vida. Aos meus familiares, pelo apoio e dedicação com que sempre me trataram. Aos meus amigos de fé, manifestação concreta de força e elo com Deus. Aos meus amigos tradutores e intérpretes que me “suportam” sempre, pelo companheirismo e privilégio em compartilhar e aprender juntos. À Mariana Farias, pela amizade e pelas madrugadas regadas a conversas e gravações dessa tradução em DVD. A Diná Souza, kartya Vieira e Elandson Alexandre, por me “fazerem” escrever quando não havia ânimo. A toda equipe docente da Universidade Federal de Santa Catarina, em especial, aos tutores do pólo da Universidade Federal do Ceará, por meio da Coordenadora Vanda Leitão, pelo sumo teórico e pelas extraordinárias orientações. Aos professores: Aline Nunes, Andréa Michiles e Ernando Pinheiro, por todas as valiosas contribuições ao longo da minha formação como tradutor e intérprete da Libras. Aos meus amigos surdos que me ensinaram a amar sua língua e a respeitar sua cultura e identidade – obrigado, sem vocês isso não seria uma realidade. Há um grande número de pessoas que de alguma maneira foram construtores do caminho que me trouxe até aqui. A todas elas, a minha gratidão.

"Chego á conclusão de que os limites da tradução são única e exclusivamente os limites da competência do tradutor, desde que não se considerem fatores contingentes como tempo disponível, possiblidades de reflexão etc. um bom tradutor, um grande tradutor, pode ter diante de si problemas dificílimos para os quais ele não encontra soluções hoje, e que ele não conseguirá resolver amanha, porém mais dia menos dia, enquanto ele tiver vida, acabará fatalmente chegando a um resultado para muitos dos seus problemas “insolúveis”, e este será a sua solução para o desafio da tarefa”. L.A. da Costa (Org.) Os Limites da Traduzibilidade, p.25

RESUMO Atualmente a tradução e interpretação de línguas de sinais assumem novas formas. A legitimação dos surdos como sujeitos bilíngues pelo Decreto 5.626/05 deu visibilidade à tradução da Língua de Sinais (LS), até então desconhecida por muitos. Partindo desse princípio, o reconhecimento científico dessas traduções se consolidará a partir do reposicionamento teórico dos Estudos da Tradução à língua de sinais - neste caso a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Desde modo, o presente trabalho visa apresentar o desenvolvimento e as discussões por meio da Tradução Comentada do artigo "ESPAÇO DE CONFORTO LINGUÍSTICO/CULTURAL DOS SURDOS NA UFSC" de Schmitt (2008). O presente trabalho adotou, conforme Williams e Chesterman (2002), o modelo de processo e pode ser situado em duas áreas dos Estudos da Tradução, são elas; (i) Análise de texto e tradução (Text Analysis and Translation), como já predita no próprio método da Tradução Comentada (Translation with Commentary), (ii) Processo de tradução (Translation Process), pela própria autenticidade dos processos operacionais realizados na tradução de línguas viso/espaciais. O procedimento tradutório consistiu em dois estágios; 1) Análise dos elementos macrotextuais e microtextuais conforme proposta de Magalhães e Pagano (2000) e 2) Tradução Comentada fundamentada em Williams e Chesterman (op.cit). A tradução do artigo na íntegra foi gravada em vídeo e anexada ao presente trabalho. A análise textual identificou que o artigo tem propriedades de escrita interlingual - tal característica influenciou da modalidade de tradução. Além disso, com a criação de um glossário (glosas) algumas estratégias habituais da interpretação não foram usadas. Desse modo, a Tradução Comentada, conforme descrita aqui, promoveu a identificação de predicados peculiares à tradução em LS. Este trabalho faz parte de uma série de experiências pioneiras que podem colaborar com os pressupostos dos Estudos da Tradução no que diz respeito à tradução de língua de sinais.

Palavras-chave: Tradução. Língua de Sinais. Libras. Tradução Comentada.

ABSTRACT Currently the translation and interpretation of sign languages take new forms. The legitimacy of the deaf like bilingual person happened because of Decree 5.626/05. It showed this type of translation before unknown to many people. Based on this principle, the scientific recognition of these translations will be consolidated from the Theoretical repositioning of Translation Studies to sign language - in this case the Brazilian Sign Language, in Portuguese “Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS”. In this way, this paper presents the development process and the discussions through the technique Translation with Commentary of the paper "ESPAÇO DE CONFORTO LINGÜÍSTICO/CULTURAL DOS SURDOS NA UFSC" by Schmitt (2008). This study adopted the process model developed by Williams and Chesterman (2002), this paper can be inserted in two areas of Translation Studies, they are: (i) Text Analysis and Translation, as Translation with Commentary, (iii) Translation Process, the authenticity of the operational processes made in the performed of the visual languages translation. The procedure consisted of two stages of translation: 1) Analyze the “macrotextuais” elements and “microtextuais” elements as proposed by Magalhães and Pagano (2000) and 2) Translation with Commentary based on Williams and Chesterman (ibid). The translation of the text in its entirety was video recorded and attached to this paper. Identified by analyzings the text that the paper was written with interlingual properties – that characteristic influenced the mode of translation. After the creation of the glossary some common strategies interpretation were not used. A Translation with commentary, as described here, has promoted the identification of the predicate sign language translation. This paper is part of a series of pioneering experiments that can collaborate with the assumptions of Translation Studies regarding the translation of sign language.

Key-words: Translation. Sign Language. Libras. Translation with Commentary.

LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Divisão de vestimenta e contraste.......................................................................

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Tabela 2 - Tabela do glossário..............................................................................................

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Tabela 3 – (Frase 1) “Na verdade, o surdo tem a capacidade de comunicação na Língua de Sinais”................................................................................................................................

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Tabela 4 – (Regionalismo) Sinais de “Cultura” e “Mestrado”..............................................

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Tabela 5 – (Variações) Sinais de “Doutorado” e “Povo”......................................................

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Tabela 6 – Sinal de “Segurança/Seguro”...............................................................................

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Tabela 7 – Datilologias..........................................................................................................

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Tabela 8-

Glossário (sinais das Instituições Educacionais).................................................

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Tabela 9-

Glossário (sinais dos Autores mencionados)....................................................... 46

Tabela 10- Glossário (sinais dos principais conceitos).........................................................

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Tabela 11 – Exemplo de pontuação.........................................................................................

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Tabela 12 – Uso de dêixis........................................................................................................ 50 Tabela 13 – (Termos repetidos) Sinal “Pesquisar” e “Estudar”..............................................

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Tabela 14 – Sinal de “Luta”....................................................................................................

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Tabela 15 – Sinal de “Ouvintismo/ Audismo e Oralismo”.....................................................

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. ASL - American Sign Language. CEFET/GO - Centro Federal de Educação Tecnológica do Estado de Goiás. CEFET-SC – Centro Federal de Educação e Tecnologia do Estado de Santa Catarina. CM – Configuração de Mão. ENM – Expressões não manuais. FENEIS – Federação Nacional de educação e Integração dos Surdos. FUCAP – Faculdade Capivari. GES – Grupo de Estudos Surdos. ILS – Intérprete de Língua de Sinais. INES/RJ - Instituto Nacional de Educação de Surdos do Rio de Janeiro. L1 – Primeira Língua. L2 – Segunda língua. L3 - Terceira língua. LP- Língua Portuguesa. LS – Línguas de Sinais. M – Movimento. MEC – Ministério da Educação. Or – Orientação da mão. PA - Ponto de Articulação. PR – Paraná. RS - Rio Grande do Sul. SC - Santa Catarina. SW – Signgwriting. TILS – Tradutor e intérprete de Língua de Sinais. TILSP – Tradutor e intérprete de Língua de Sinais/Língua Portuguesa.

TLO – Texto da língua de Origem. TLT – Texto da língua traduzida. UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina. UFAM - Universidade Federal do Amazonas. UFBA - Universidade Federal da Bahia. UFC - Universidade Federal do Ceará. UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. UFSM - Universidade Federal de Santa Maria. UnB - Universidade de Brasília. UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina. USP - Universidade de São Paulo. UT - Unidades de Tradução.

Sumário INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 13 1-PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ............................................................................................... 21 1.1 Reflexões sobre o profissional tradutor e intérprete da Libras. ......................................... 25 1.2 Reflexões sobre a fidelidade da tradução. ......................................................................... 27 1.3 Particularidades da Língua de chegada. (LIBRAS) .......................................................... 29 1.4 Modelos de tradução. ........................................................................................................ 31 1.5 Tradução de Língua de Sinais ........................................................................................... 31 2-METODOLOGIA .................................................................................................................... 33 2.1 Procedimentos de tradução................................................................................................ 34 2.1.2 Aspectos técnicos da captação e edição de imagem da tradução. .............................. 34 2.1.3 O autor ........................................................................................................................ 35 2.1.4 Síntese da obra .......................................................................................................... 36 2.1.5 Construção do glossário ............................................................................................. 36 3-PROCESSO DE TRADUÇÃO ................................................................................................ 38 3.1 Processo de análise textual e decisões tradutórias............................................................. 38 3.2 Decisões e posicionamento teórico. .................................................................................. 42 3.2.1) Titulo do artigo ...................................................................................................... 44 3.2.2) Glossário ................................................................................................................ 44 3.2.3) Transformações sintáticas ...................................................................................... 47 3.2.4) Entrevistas .............................................................................................................. 48 3.2.5) Unidades semânticas .............................................................................................. 49 3.2.6) Trechos não traduzidos. ......................................................................................... 51 3.2.7) Estratégias tradutórias. ........................................................................................... 51 3.3 Observações e reflexões sobre a tradução comentada ............................................... 52 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 55 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 57 APÊNDICE..................................................................................................................................62 ANEXO........................................................................................................................................64

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INTRODUÇÃO

O fato de existirem milhares de línguas diferentes em nosso planeta evidencia a necessidade da tradução e externaliza a interminável tarefa do tradutor. Essa multiplicidade também ocorre entre as línguas de sinais (LS), contrariando qualquer hipótese de universalidade dessas línguas humanas. A regulamentação da Língua Brasileira de Sinais (doravante Libras), como língua oficial da Comunidade Surda Brasileira, fortaleceu a compreensão da importância de uma abordagem social bilíngue para os sujeitos surdos e consequentemente, favoreceu a reflexão social sobre o papel do Tradutor e Intérprete da Língua de Sinais, o TILS1. Em 2006, a Universidade Federal de Santa Catarina inaugurou o primeiro curso da América Latina com licenciatura em Letras com habilitação em Libras. O curso de Letras-Libras foi instituído em parceria com o Ministério da Educação – MEC e com a Secretaria de Educação à Distância, que tinha como objetivo inicial formar docentes para atuar no ensino da língua de sinais. A primeira edição contou com uma rede de oito instituições de ensino superior conveniadas, possibilitando o oferecimento simultâneo da formação em diferentes regiões do país. Foram 9 (nove) pólos, localizados nas: Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade de Brasília (UnB), Centro Federal de Educação Tecnológica do Estado de Goiás (CEFET/GO), Universidade de São Paulo (USP), Instituto Nacional de Educação de Surdos no Rio de Janeiro (INES/RJ), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em 2008, o curso foi reeditado com uma novidade: além do curso de Licenciatura, foi ofertado mais 450 vagas do Curso de Bacharelado em tradução e interpretação em Letras-Libras para 450 alunos, em 15 pólos sendo distribuídos em todas as regiões do Brasil.

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Em algumas publicações podem ser encontradas outras abreviaturas e siglas para a mesma função. Atualmente, ILS, TILS e TILSP (Tradutor e Intérprete da Língua de Sinais/ Língua Portuguesa) são as mais utilizadas. Essas “siglas” referem-se ao profissional que traduz e interpreta a língua de sinais.

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Atualmente a tradução e interpretação nas línguas de sinais assumem novos caminhos mediados pela legalização da LS e do reconhecimento profissional do tradutor/intérprete. Entretanto, os mecanismos dessas atividades em Libras permanecem desconhecidos. Em parte a concepção equivocada de que as contribuições sobre a tradução/interpretação estejam reservadas exclusivamente aos especialistas – os TILS corroboram para isso. Na realidade, este campo é novo e vasto: antes de se transformar em um assunto para tradutores ou intérpretes, é de fato uma operação fundamental da linguagem. Partindo desse pressuposto, nos tornamos mais capazes de entender o processo de tradução. “O que é traduzir línguas de sinais?” é uma pergunta impossível de responder, sem levar em conta a dimensão histórica que essas línguas carregam em si mesma. No Brasil, a Libras só foi reconhecida em 2002 por meio da Lei 10.436/02. A história da tradução em línguas de sinais é indissociável da história da própria comunidade surda2, uma vez que o reconhecimento do status linguístico das línguas de sinais perpassou por diversas Abordagens Educacionais, que vão desde o Oralismo3 a Educação Bilíngue4. Há poucos escritos sobre a tradução de línguas de modalidade viso/espacial, como é o caso da Libras. É nesse quadro de descobertas, entendida em sentido amplo, que devemos reposicionar as teorias da tradução, a fim de que essa releitura voltada às línguas viso/espaciais desenvolva práticas tradutórias e interpretativas mais específicas às línguas de sinais. Os escritos teóricos sobre a tradução, isto é, os Estudos da Tradução surgiram a partir da sistematização das experiências de seus praticantes. Nessa introdução, são exibidos argumentos de alguns tradutores que, ao refletirem sobre sua tarefa, chamaram a atenção para alguns aspectos pertinentes das inúmeras dimensões que a tradução recobre: Tendo-se bem presente o que possa haver de diferencial na língua de partida com relação à língua de chegada, busca-se exprimi-los através dos recursos próprios desta. Nessa operação transpositiva, visa-se, portanto, menos a uma impossível isomorfia – perfeita simetria no espirito e na letra - do que a uma possível paramorfia – similitude de forma e significado que as 2

Para Perlin (2003), Comunidade Surda é constituída hibridamente de surdos e ouvintes que fazem parte dos mesmos interesses e utilizam a mesma língua de sinais. 3 O Oralismo segundo Goldfeld (1997) é uma filosofia educacional que percebe a surdez como deficiência que deve ser minizada através da estimulação auditiva. 4 Para Silva (2004), o Bilinguismo parte do princípio de que o surdo deve dominar, enquanto língua materna, a língua de sinais, que é a sua língua natural, e como L2 a língua oficial de seu país.

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idiossincrasias dos dois franqueados pela ponte tradutória permita. (PAES, 1983 apud BATALHA; PONTES, 2007:10). De minha parte, defino a tradução como “um processo interpretativo e comunicativo que consiste na reformulação de um texto com os meios de outra língua e que se desenvolve em um contexto social e com finalidade determinada”. (ALBIR, 2001 apud PAGANO et all, 2000: 26) O tradutor não é limitado somente pela gramática, pelos padrões lexicais da sua língua e pela sua habilidade como textualizador, mas sofre também, restrições impostas pelo texto preexistente, pelo seu tom e conteúdo, com os quais ele pode não estar de acordo, assim como impostas pela organização textual, ainda que em outro código. (COSTA, 2005: 30)

Tais argumentos indicam algumas premissas sobre a célere tradutória e sobre as quais vão se debruçar os estudiosos e teóricos do assunto: a primeira delas é que a tradução é uma prática social comunicativa; a segunda é que o conceito de tradução é bem mais amplo do que a simples passagem de uma língua para outra; e a terceira, é que a tradução é sempre possível e a intraduzibilidade não existe. A importância e a coerência dessas premissas estão no deslocamento operado na própria questão sobre a tradução. Ricoeur (1998), procura substituir o clássico dilema da “intraduzibilidade” por uma alternativa prática: fidelidade versus traição, o que implica admitir que a prática da tradução continua sendo uma operação arriscada sempre em busca de sua teoria. No entanto, durante muito tempo preconizavam que a poesia era intraduzível, considerando uma ligação intrínseca e indissociável entre forma e sentido. Tal ideia foi refutada por autores como o mexicano Paz (1971) e o francês Derrida (1997), que colocam a tradução no centro da atividade humana, sendo responsável pelo avanço das civilizações. Em virtude disso, a tradução e as múltiplas possibilidades que ela abre para a linguagem tornou-se peça-chave na construção científica de diversas teorias sobre a essencialidade dos significados. O tradutor é aquele que força um caminho de comunicação entre duas subjetividades linguísticas – se adotarmos a concepção do filólogo alemão Humboldt (1988), para qual a língua refletia então uma realidade específica e intransponível -, e cria um “idioma-centauro”, ou seja, uma mutação entre a língua de partida e a língua de chegada. Isto para teóricos como Steiner (STEINER, 1978), é um estatuto próprio para o texto traduzido, um “traducionês”, como reivindicou também o crítico e tradutor brasileiro José Paulo Paes (1990). É o tradutor que faz a passagem do “espírito” de uma

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língua para o “espírito” da outra, uma contaminando a outra sem que nenhuma delas, em separado, veja-se desfigurada em sua subjetividade única. A “passagem” tradutória entre os dois universos culturais e linguísticos percorre entre estratégias traducionais diversas e é resultado de múltiplos fatores em ação. A prática do tradutor não está isenta de decisões que ultrapassam a simples esfera do conteúdo linguístico e implica escolhas pessoais, modelos críticos e poéticos, predominantes ou não, de uma determinada época. Por essa razão, os estudos teóricos sobre a tradução requerem uma ampla gama de conceitos e que serão tomados de empréstimo a disciplinas diversas, envolvendo diferentes campos do saber. Nos últimos vinte e cinco anos, houve uma ampliação de teorias, métodos e novos instrumentais de pesquisas que fizeram da tradução um admirável campo de conhecimento, permitindo, por sua vez, que essa viesse a trazer uma nova luz sobre outras áreas de conhecimento. As teorias da tradução aparecem então como impulsionadoras de outros campos de pesquisa que lhe são correlatos: Antropologia, Literatura Comparada, Linguística, Semiótica e História, assim também os chamados Estudos da Linguagem e os Estudos Culturais, por exemplo. Ainda não é possível elencar um “manual” da Teoria da Tradução, no entanto, é possível refletir sobre seus limites, implicações e operações envolvidas. Não há consenso entre as diferentes soluções metodológicas propostas para a tradução, mas é possível delinear criticamente os diversos caminhos percorridos pelos estudiosos que buscam delimitar a especificidade desse campo de pesquisa e transformá-lo em uma disciplina autônoma. No que compete aos textos literários e religiosos, a tradução expôs um conflito entre dois pólos: de um lado, a tradução literal e a fidelidade da forma; e, de outro, a tradução livre, que prioriza o conteúdo. Para São Jerônimo (347-420 d. C), tradutor da Vulgata, sua prática trouxe à tona a questão da dicotomia entre a tradução dos textos religiosos e a dos textos profanos. Batalha (2007), comenta que segundo São Jerônimo é necessário estabelecer essa diferença, pois, para o texto sagrado, a ordem das palavras representa já um mistério em si:

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A dualidade se coloca então aqui entre a tradução de palavra por palavra ou de sentido por sentido (nec verbum e verbo sed sensum exprimire de sensu), utilizada para os textos “profanos”, ou seja, separação entre tradução “fiel” ou “literal”, única aceitável para o sagrado, e a tradução “livre”, admitida para os demais textos. (BATALHA; PONTES JR, 2007:15)

A “tradutologia”, voltada inicialmente para os problemas linguísticos (Pedagogia e Filologia), interessou-se progressivamente pelo aspecto propriamente literário (Estética, Poética) e pelo aspecto filosófico da questão (Ética). Nesse processo, o que é consenso nos estudos teóricos da tradução é a possibilidade de identificação das “leis e normas” que orientam o ato tradutório, a identificação dos métodos envolvidos e dos processos que conduzem seus mecanismos, assim como a criação de um instrumental metodológico que permite detectar os condicionadores sistêmicos envolvidos. Os “Estudos da Tradução” apresentam ainda uma grande flutuação teórica quanto ao “nome” a ser dado à nova disciplina (Translatologia ou Tradutologia, por exemplo). Holmes em 1972, lança o ensaio clássico O nome e a natureza dos Estudos da Tradução, no qual reivindica para a tradução um estatuto de disciplina independente. O autor acima dividiu seus estudos em áreas e sub-áreas, que vão desde as aplicações práticas e o treinamento de tradutores até a crítica da tradução, passando, portanto, pelos aspectos descritivos, teóricos e aplicados aos Estudos da Tradução. Atualmente, a comunidade acadêmica reserva espaço específico de reflexão para os Estudos da Tradução, a partir do qual linhas de pensamento (escolas) foram construídas. O período contemplado entre 1980 e 1990 foram fundamentais para o desenvolvimento dos Estudos da Tradução, devido a grande quantidade de ensaios e teses publicadas, os congressos e o progressivo reconhecimento do tradutor no mercado de trabalho. Aliado a essa tendência do campo disciplinar dos Estudos da Tradução, especificamente em relação a tradução das línguas de sinais, podemos citar o grande volume de trabalhos que circulam em todo o mundo e nas redes sociais virtuais, a profissionalização (formação e aperfeiçoamento) de seus tradutores, assim como o surgimento de associações nacionais e internacionais, a criação de blogs e sites de especialistas na área, etc. Com efeito, nas últimas quatro décadas, os Estudos da Tradução teve ênfase em diferentes abordagens, desde o empirismo (não normativo) até as reflexões teóricocientíficas (prescritiva ou descritiva). Ambas tendências permanecem vivas e tentam, 17

cada uma de sua maneira, definir a tradução e delimitar seu objeto específico, tendo em vista que não se pode delinear a noção em um sentido absoluto e atemporal, sem levar em conta as intervenções de cunho normativo. Conforme Batalha (2007), “os escritos sobre a tradução anteriores a 1960 são pertencentes a uma fase conhecida como pré-linguística, por não estarem ligados a pensamentos e a estudos universitários sobre a tradução”. As obras dessa época tinham uma abordagem mais empirista e intuitiva, e consequentemente, menos filiada a correntes teóricas especificas. O quadro empirista toma nova forma em meados de 19605, quando o interesse dos estudos universitários pela tradução desencadeou, inicialmente, diferentes abordagens da linguística, na tentativa, de identificar caminhos capazes de melhor explicar a atividade tradutória. Em 1963, o pesquisador francês George Mounin, fez um panorama das correntes linguísticas que se desenvolviam até aquele momento e as possibilidades eficazes de cada uma no enfoque da tradução. Entre as vertentes das escolas europeias e norteamericanas revistas por Mounin, que tinham influência do formalismo e da linguística funcional, incluía-se uma disseminação do estruturalismo saussuriano. Em 1964, na Grã-Bretanha, Eugene Nida buscou algumas reflexões na linguística e na etnologia para tecer considerações sobre a tradução; John Catford publicou, em 1965, em estudo sobre a tradução à luz da teoria linguística (CATFORD, 1980). O autor considerava que a tradução deveria ser estudada através de categorias descritivas, próprias da linguística, uma vez que se fazia um uso equivocado da tradução como método de ensino de línguas por meio do chamado “Método Gramáticatradução”, que segundo o autor deveria ser chamado como “má gramática e má tradução” (Prefácio). Até 1980, o enfoque teórico aos Estudos da Tradução, estava centralizado na linguística geral, especificamente no campo descritivo dos fenômenos linguísticos, voltados à comparação entre línguas em ato de tradução. Mas também se abordavam as

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A partir 1960, com a publicação do artigo "Sign Language Structure: An Outline of the Usual Communication System of the American Deaf" de William Stokoe, as línguas de sinais começaram a ter status linguísticos. Neste artigo, Stokoe comprova que as línguas de sinais (no caso, a ASL) possuem todas as características inerentes às línguas naturais.

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funções da linguagem, conforme as categorias estabelecidas por Jakobson6, como referência ao aspecto comunicativo dos textos ou da língua. No suceder dos estudos enunciativos, pragmáticos e outros prismas teóricos da linguagem (simbólica, sociointeracionista, por exemplo), o enfoque evoluiu, sobretudo a partir de 1980, para o campo interpretativo dos fenômenos da comunicação. Com efeito, vários estudos foram surgindo, dentre eles podemos citar a obra Estilística comparada do Francês e do Inglês, dos canadenses J. Vinay e J. Darbelnet, primeiramente publicado em 1958. Este estudo considera as diferenças entre as línguas na expressão dos mesmos fatos ou fenômenos, sendo cada uma capaz de dizer, no seu sistema e cultura tais fatos e fenômenos. Considerando possível a tradução das línguas, isto é, a passagem do sentido de uma língua para outra por meio das equivalências expressivas, desde a tradução literal (isto é, sem modificação na estrutura, no vocabulário, na forma como um todo) àquela conhecida como tradução oblíqua (com modificações formais na passagem entre as línguas). Assumindo assim conceitos como significado e significante, valor e significação de Saussure7, o “pai” da Linguística Estrutural. Isso se justifica pelo uso dos procedimentos estilísticos como variante de estrutura de uma língua para outra. Os Estudos da Tradução constitui-se ainda um campo disciplinar novo e tratando-se de tradução de LS o assunto é ainda mais recente. Há poucos escritos sobre a tradução em língua de sinais, contudo, com a promulgação da Lei 10.436/02 por meio da regulamentação do Decreto 5.626/05 que declara a Língua Brasileira de Sinais, como segunda língua oficial do Brasil, os surdos foram legitimados como sujeitos bilíngues de fato. Com efeito, o Brasil vem aos poucos entendendo a importância dessa especificidade tradutória no que diz respeito a “negociação” entre duas línguas que coadunam o mesmo território nacional, onde cada uma delas pertence a uma conjuntura gramatical e cultural distinta.

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Jakobson (1970), por entender a tradução como um ato puramente linguístico, tipificou a tradução em três tipos (intralingual, interlingual e a intersemiótica). 7 Segundo Ferdinand Saussure em sua obra “Curso de Linguística Geral” (1995), o signo linguístico é formado pelo significado, a que corresponde um conceito e, pelo significante, a que corresponde uma imagem acústica ou gráfica do conceito. É assim que ao significado da palavra “galinha” atribuímos o da imagem de uma ave de crista carnuda e asas curtas e largas, frequentemente criada em granjas e muito usada na alimentação humana.

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A tradução em língua de sinais torna-se mais evidente à medida que os tradutores e usuários da língua começam a ocupar os espaços acadêmicos. O presente trabalho trata-se de uma Tradução Comentada em Libras8 do artigo “Espaço de conforto linguístico/cultural dos surdos na UFSC” de Deonisio Schmitt9, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. O objeto da Tradução Comentada (Texto fonte) está em anexo neste trabalho, assim como o produto da tradução (gravação da tradução em DVD). O trabalho apresenta três partes centrais: (I) Pressupostos Teóricos, (II) Metodologia (III) Processo de Tradução. No primeiro capítulo serão apresentados os principais pressupostos teóricos que embasaram as decisões e escolhas de tradução. O segundo trata da descrição do processo metodológico e dos caminhos percorridos: tipo de tradução, obra traduzida, estratégias adotadas etc. O terceiro capítulo trata das análises e discussão a respeito dos resultados obtidos através da técnica da Tradução Comentada.

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Por se trata de uma língua de modalidade viso/espacial este trabalho contem em anexo um DVD com a tradução filmada em Libras da obra supracitada. 9 Deonisio Schmitt, é surdo usuário da Libras com primeira língua (L1) e da Língua Portuguesa como segunda língua (L2). O artigo foi publicado em 2008, na coletânea séries de pesquisas, intitulada Estudos Surdos III, disponível em 15/05/2012 no endereço virtual http://editora-arara-azul.com.br/estudos3.pdf. http://editora-arara-azul.com.br/estudos3.pdf

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1- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS “Uma tradução não é uma composição monística, mas uma interpenetração e um conglomerado de duas estruturas, por um lado, há o conteúdo semântico e o contorno com o original; por outro, todo o sistema de características estéticas atadas à língua da tradução”. Jiri Levý (1969)

A tradução é antes de tudo um ato comunicativo, em outras palavras, é possível “traduzir” em diversas ocasiões do nosso cotidiano, como, por exemplo, quando dizemos alguma coisa de “outra forma”, de “outra maneira”, através de uma paráfrase, sem passarmos por uma língua estrangeira; ou ainda quando “traduzimos” por palavras algum símbolo semiótico, como sinais de trânsito, por exemplo. Traduzir vem de traducere que significa levar de um lugar para outro e translatio, na língua latina clássica, designava transplantação, ou seja, a metáfora pela qual transplantamos uma palavra de uma língua para outra, fazendo, ao mesmo tempo, uma travessia cultural. Em seus primórdios, o termo tradução surge, a partir do século XVI, para expressar a atividade de operação mental do intérprete, aquele que decifra os textos difíceis e que permite, por conseguinte, o ingresso em um mundo estrangeiro. Posteriormente, passou a ser referido como “intermediação”, abrindo margens para uma interpretação pessoal do texto original. A tradução é definida por vários estudiosos como troca ou substituição de um enunciado em uma língua por um enunciado formal, semântico ou pragmaticamente equivalente em outra língua. A tradução é uma operação dupla por excelência, já que a prática da tradução implica dois textos – o de chegada e o de partida – e duas línguas que se acham envolvidas nesse processo. A tradução é mais uma operação linguística que exige habilidades técnicas e conhecimentos sobre o processo. Para entender a tradução como uma operação fundamental da linguagem, Roman Jakobson (1969), em seu artigo “Aspectos linguísticos da tradução” – no original “On Linguistic Aspects of Trasnlation” - traz uma contribuição valiosa que não era percebida até então. O autor distingue três tipos de tradução: a tradução intralingual ou reformulação10; a tradução interlingual, de uma para outra língua, ou tradução propriamente dita e a tradução intersemiótica, que consiste na interpretação dos signos linguísticos por meio de sistemas de signos não linguísticos. 10

A reformulação, consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua.

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No entanto, tratando de tradução em línguas de sinais, o terceiro tipo necessita de um esclarecimento a parte, pois Jakobson parece limitar a tradução intersemiótica ao domínio artístico (arte, música, dança, pintura etc). Mas sabemos que conforme Ferdinand de Saussure (1857-1913), todo signo é composto de significante e significado. Assim, ao postularmos que o sentido de um signo é sua tradução por outro signo, pouco importa que ele seja viso/espacial (língua de sinais) ou oral-auditiva (língua oral) etc. De modo que, o mesmo é resultante de vários sistemas de signos ao mesmo tempo. Partindo desse pressuposto, podemos comprovar que os 3 (três) tipos de tradução apresentados por Jakobson, fazem parte do cotidiano dos TILS na sua totalidade. Uma vez que a Língua de Sinais é uma língua natural, e por isso composta por signos linguísticos assim como as línguas orais. Corroborando com isso, Ferreira-Brito (1995), defende que as línguas de sinais são línguas naturais porque, como as línguas orais, surgiram espontaneamente da interação entre pessoas e porque, devido á sua estrutura, permitem a expressão de qualquer conceito – descritivo, emotivo, racional, literal, metafórico, concreto, abstrato – enfim, permitem a expressão de qualquer significado decorrente da necessidade comunicativa e expressiva do ser humano. Em tradução, não se traduzem as palavras isoladamente umas das outras: a tradução “palavra a palavra” é frequentemente impossível. Para Vinay e Darbelnet (1958) apud Oustinoff (2011), a unidade essencial é, no plano dos significados, a “unidade de pensamento”, no plano dos significantes, a “unidade lexicológica”, à qual corresponde em perfeita simetria, a “unidade de tradução”, isto é, uma espécie de “decupagem”. As teorias contemporâneas fazem uma distinção clássica sobre a tradução e interpretação enquanto ato comunicativo. Nessa abordagem autores como Oustinoff (1956), Barbosa (2004) e Batalha (2007), tratam tanto a tradução quanto a interpretação, como sendo elementos pertencentes ao mesmo processo. Desse modo, denominam a interpretação como sendo a tradução oral. De fato, até o século XI, chamava-se de intérprete o profissional que realizada o processo de tradução, tanto oral quanto escrito. Somente a partir do XII, diferenciou-se 22

a figura do intérprete (aquele que faz a tradução oral) a do tradutor (aquele que faz a tradução escrita). Desta forma, podemos dizer que intérprete é “A pessoa que interpreta de uma língua (língua fonte11) para outra (língua alvo) o que foi dito. Intérprete de língua de sinais – é a pessoa que interpreta de uma dada língua de sinais para outra língua, ou desta outra língua para uma determinada língua de sinais”. (QUADROS, 2004, p.7). Ao passo que o tradutor é “A pessoa que traduz de uma língua para outra. Tecnicamente, tradução refere-se ao processo envolvendo pelo menos uma língua escrita. Assim o tradutor é aquele que traduz um texto escrito de uma língua para outra”. (QUADROS, ibid, p.11) Partindo desse entendimento, sabemos que traduzir línguas não é, de forma alguma, um ato mecânico ou puramente técnico, pois não traduzimos apenas palavras, mas sim significados e referências culturais de uma língua para outra. Desse modo, toda tradução prever uma interpretação, no sentido hermenêutico do ato de traduzir. Nesse sentido, Quadros (2004, p.11), afirma que o “tradutor-intérprete de língua de sinais é a pessoa que traduz e interpreta a língua de sinais para a língua falada e vice-versa em quaisquer modalidades que se apresentar (oral ou escrita)”. Partindo desse pressuposto, podemos apresentar dois tipos básicos de tradução oral, isto é, de interpretação. Fala-se comumente em dois modos de interpretação: a simultânea e a consecutiva (CHILD 1992; JONES 1998). No entanto, Mikkelson (2000), em seu artigo “Interpreting is interpreting-Or is it?12” acrescenta um terceiro – intermitente – que tem características diferentes dos outros dois, como será visto a seguir. A interpretação simultânea é aquela que acontece em “tempo real”, isto é, ao mesmo tempo em que a língua fonte está sendo enunciada. Nessa modalidade é exigido do intérprete, além do conhecimento da língua e da cultura da qual traduz (requisito fundamental para toda tradução), capacidade de memorização e rapidez. Nesse processo o tradutor-intérprete precisa ouvir/ver a enunciação em uma língua, processá-la e passar para a outra língua no tempo de enunciação. 11

Língua fonte – é a língua que o intérprete ouve ou vê para, a partir dela, fazer a tradução e interpretação para a outra língua, a língua alvo. (QUADROS, 2004, p.9). 12 Tradução livre - “interpretar é interpretar. Ou será outra coisa?

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Há alguns contrapontos em relação à impossibilidade de simultaneidade do processo. Em relação às interpretações em LS, as informações têm uma sequência e ritmo diferente da Língua Portuguesa, por isso o intérprete necessita de mais tempo para processar a informação recebida e reorganizar sua forma de expressão na língua oral. Esse breve espaço de tempo recebe o nome tradicional de "décalage", termo francês que significa “lacuna, hiato, intervalo, discrepância, diferença, distância, etc”. A interpretação consecutiva acontece quando o profissional tradutor-intérprete ouve/vê o enunciado em uma língua, processa a informação e, posteriormente, faz a passagem para outra língua. Nela, o intérprete escuta trechos do texto (oral ou escrito) a ser traduzido, geralmente com o auxílio de notas, e em seguida produz um texto em suas próprias palavras e que não segue necessariamente as frases do orador. Esse fator “consecutividade” exige do intérprete grande esforço mental, no sentido de que esse profissional terá que lembrar de enunciados inteiros (quando não a notas), por vezes longos, pronunciados anteriormente a sua fala, deixando a atividade de interpretação mais exaustiva. Em suas últimas produções Mikkelson (ibid), apresenta uma nova modalidade de interpretação: a intermitente. Em algumas obras essa modalidade também aparece como "sentence-by-sentence", ou ainda "ping-pong". Esse modo de tradução oral não é comumente estudado por pesquisadores da área, por não ser muito utilizada por profissionais, mas sim por falantes das línguas em questão que não tenha treinamento suficiente para a tradução. A tradução intermitente é um processo que tem foco basicamente na tradução das palavras ditas, desconsiderando diversos outros fatores importantes no processo interpretativo, seja pela própria natureza da situação ou, muito comumente, pela falta total de treino da pessoa colocada na posição de "intérprete". Nesta situação o falante diz o enunciado e pausa para que as suas sentenças sejam traduzidas. Neste caso, essa modalidade não é adequada ao processo de tradução, uma vez que a mesma não é realizada por profissionais qualificados para a função. Vale ressaltar, que em muitos casos a tradução se torna intermitente pela falta de competência em tradução, seja ela linguística ou referencial, do profissional que se dispôs a executá-la.

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Neste sentido, podemos inferir que o intérprete traduz de forma oral/ gestual, simultânea ou consecutiva, já o tradutor, que trabalha com o texto escrito, sempre terá mais tempo para consultar os instrumentos do ofício, diferentemente do intérprete. Assim, podemos relembrar outro tipo de tradução apresentado por Costa e Guerini (2007): a tradução automática. Entende-se tradução automática aquela feita por meios mecânicos, ou seja, sem a intervenção direta do homem. Essa tradução é realizada através de softwares. Alguns deles conseguem um grau de exatidão e rapidez, sobretudo para textos técnicos, no qual, a sintaxe, o vocabulário foram previamente bem definidos. Esse tipo de tradução apresenta uma limitação quanto aos gêneros textuais. Em textos mais híbridos e com grande variedade vocabular, sintática e fraseológica, como os textos literários, de humor e de publicidade, a eficácia desses programas é limitada. Sobre isso Costa e Guerine (2007, p.48) dizem que “Os aspectos polissêmicos do uso do vocabulário, as figuras de linguagem, os jogos de palavras e outras complexidades normais nesses tipos de texto dificultam, ou tornam inócuo, o uso da tradução automática”. Tratando-se especificamente das línguas de sinais, não há, até a presente data, dispositivos tecnológicos de ampla difusão que sejam capazes de traduzir automaticamente, uma língua de modalidade viso-espacial para outra língua, seja ela oral ou não. Desde modo, as análises sobre a qualidade da interpretação/tradução recaem sobre o profissional que a executa. 1.1 Reflexões sobre o profissional tradutor e intérprete da Libras. Pesquisas sobre intérpretes de línguas de sinais no Brasil são raras e recentes. Os primeiros trabalhos sobre os TILS têm como fonte (campo de pesquisa) as escolas de/para surdos, em decorrência da própria conjuntura histórica da educação de surdos. Com efeito, a maioria das pesquisas existentes deriva desse âmbito. Diante disso, Lacerda (2002; 2004) traz em seus trabalhos considerações sobre a atuação desses profissionais em sala de aula, nos quais a autora levantar questões relacionadas aos desafios enfrentados pelo intérprete educacional em São Paulo no Brasil. Internacionalmente, há vários autores que pesquisam a temática (STEWART et al 1998; METZER, 2000; ROY, 1999,2000). Dentre eles destaca-se Napier (2006), que 25

discute sobre a interpretação em língua de sinais, focalizando os profissionais intérpretes da Austrália e da Nova Zelândia. Neste trabalho a autora discute os processos de interpretação, as competências e os atributos necessários aos intérpretes de língua de sinais, os diferentes estilos de discursos - tais como o religioso, o diplomático, o jurídico, o clínico - bem como a educação, a serem interpretados e traduzidos pelos TILS, são esses alguns dos temas que compõem sua publicação. Nesse momento de legalização e difusão da Libras por meio de políticas públicas e linguísticas, o TILS é evidenciado como parte desse processo de “ascensão” da comunidade surda, não somente pelo seu papel político, natural a todo partícipe da comunidade surda, mas pela tradução e interpretação que se ampliam e se diversificam à medida que as atuações desses profissionais ficam cada vez mais frequentes. Sobre isso, Masutti (2007), discute o intérprete de língua de sinais sob os olhares dos estudos literários. A autora discute a presença desse profissional no espaço de fronteiras linguísticas e culturais, em que o TILS se localiza entre as pessoas ouvintes e surdas. Assim podemos inferir que os TILS se tornam aprendizes de uma língua visual, não-estrangeira e, por isso adquirem um conhecimento suplementar da própria língua. Diante dessa característica, a formação acadêmica é um elemento essencial para que essa atividade seja executada com a excelência necessária. Durante muitos anos, devido a ausência de cursos em nível superior na área da interpretação em Libras, esses profissionais foram “formados” pela própria experiência, transitando por diferentes estágios que vão desde o assistencialismo/voluntariado à profissionalização através de cursos politécnicos. Nesse contexto, da década de 1990, surgem no Brasil, as primeiras tentativas de formação, principalmente por iniciativa da Federação Nacional Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) que, ao observar a heterogeneidade de desempenhos intérpretes propôs formações de curta duração. A exigência da formação acadêmica para TILS acaba com mitos e “preconceitos de facilidade” (OUSTINOFF, 2011), pois até pouco tempo, pensava-se que bastava conhecer bem a segunda língua (L2) para poder traduzir bem, sem que isso requeresse

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qualquer habilidade específica, ou seja, qualquer falante ou usuário da língua de sinais, poderia traduzi-la. A ação tradutória conforme Aubert (1993), envolve dois tipos de competências: a tradutória e a linguística. A competência tradutória consiste na ação de desenvolver capacidades e conhecimentos específicos relacionados aos referentes conceituais. Enquanto, a competência linguística está diretamente ligada ao domínio dos códigos linguísticos na atividade tradutória. Assim, essa competência se ocupa em fazer escolhas adequadas no tocante às questões lexicais, sintáticas e morfológicas. Concebe-se ainda que essa competência deve estar atrelada às duas línguas de contato - em outras palavras, a língua materna ou primeira língua (L1) e a segunda língua (L2) envolvidas na questão. Esses saberes, então, tornam-se condição essencial para realizar a tarefa tradutória e a referencial. Nesse âmbito, entende-se que o referente é o conhecimento prévio do tema “signo” a ser traduzido. Ou seja, num dado segmento, o tradutor necessita da competência referencial para desempenhar a sua função. Por outro lado, se o tradutor desconhecer o referencial, sua atividade será mais exaustiva uma vez que o tradutor deverá utilizar outras estratégias de tradução. Além da capacidade técnica e teórica necessária aos TILS, seu perfil profissional requer uma série de observações e preceitos éticos e morais que devem ser considerados diante do ato tradutório. Segundo Quadros (2004) são eles: a ) confiabilidade (sigilo profissional); b) imparcialidade (o intérprete deve ser neutro e não interferir com opiniões próprias); c) discrição (o intérprete deve estabelecer limites no seu envolvimento durante a atuação); d) distância profissional (o profissional intérprete e sua vida pessoal são separados); e) fidelidade (a interpretação deve ser fiel, o intérprete não pode alterar a informação por querer ajudar ou ter opiniões a respeito de algum assunto, o objetivo da interpretação é passar o que realmente foi dito. (QUADROS, ibid, p 28)

1.2 Reflexões sobre a fidelidade da tradução. À primeira vista, todos questionam quanto à possibilidade de uma tradução ser inteiramente fiel ao texto original. Entretanto, Mas se pensarmos em tradução como um processo de recriação ou transformação é possível avaliar qualitativamente uma tradução. Diante disso, é necessário abandonar, de imediato, a ideia de efetuar sobre a 27

tradução uma reflexão no campo da fidelidade ou (in)fidelidade do produto desta atividade, por parecer uma discussão estéril, uma vez que cada tradutor irá recriar, processar, escolher léxicos, estruturas semânticas/pragmáticas e transformar o texto conforme suas particularidades e subjetividade. Ato que lhe dá total poder para influenciar o objeto e o produto da tradução. Sobre isso, Rónai (1952), cita que: As palavras intraduzíveis de um idioma para outro podem parecer, num primeiro momento, a um tradutor desatento, o maior problema. Entretanto, não é o que ocorre, pois, para palavras que não têm equivalência textual na língua-alvo, é possível fazer uso de notas de rodapé; além disso, o tradutor não se ilude em realizar uma tradução desejando alcançar a fidelidade. Está claro que não é possível (con)formar a obra do original na língua de chegada, na tentativa de obter a “fidelidade. (RÒNAI, 1952 apud ROSA, 2005 p.64)

A maioria das pessoas - leigos, surdos, gestores, intérpretes e tradutores – têm uma noção, ao menos uma suposição do que a tradução deve ser: fiel ao original (cf. Aubert, 1994). Para muitos, esta fidelidade é sinônimo de literalidade, como se a tradução da/para LS fosse palavra-por-palavra, isto é, palavra-por-sinal13, ou ainda sinalpor-palavra. Para Rónai (2005, p.64), a “dificuldade da tradução reside justamente nas palavras traduzíveis: são essas que enganam ou alimentam a ilusão de ser possível a ‘fidelidade’ da tradução”. Fazendo com que os tradutores recaiam e tendam para uma literalidade na tradução. Contudo, os tradutores devem usar estratégias de tradução que não comprometam a essência do texto fonte, isto é, o conteúdo original. O não comprometimento do conteúdo pode ser considerado, do ponto de vista pedagógico, uma característica de fidelidade da tradução. Tratar de fidelidade da tradução em línguas de modalidades diferentes é uma situação muito complicada, uma vez que a própria característica icônica 14 e hiperônima15 da LS apresenta ao tradutor uma gama de possibilidades de construções semânticas daquele conteúdo. Refletindo sobre isso Nida (1964) apud Barbosa (2004) cita que, “algumas populações preferem que seja dada ao texto bíblico uma tradução 13

O termo “sinal” corresponde ao que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas oral-auditivas, Neste sentindo o sinal em Libras tem a mesma função linguística da palavra em Língua Portuguesa. 14 Iconicidade - as línguas de sinais são produzidas e percebidas na modalidade gestual-visual-espacial, por isso alguns sinais carregam uma relação icônica ou representacional de seus referentes. Esta característica decorrente da natureza linguística das línguas de sinais gera o mito de que a motivação icônica seja uma “regra” nas línguas de sinais, desconsiderando a arbitrariedade das línguas naturais. No entanto, a maioria dos sinais das línguas de sinais é arbitrária e não mantem relação alguma com o referente. 15 Relação semântica de super-ordenação hierárquica que uma palavra assume em relação a outra (o hipônimo) em virtude da sua maior abrangência de sentido.

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totalmente fiel à forma, totalmente literal, mesmo que seu resultado seja um texto incompreensível para os falantes da língua da tradução”. Nesse sentido surge um questionamento: A questão da fidelidade, portanto remete imediatamente à tensão entre conteúdo e forma: a tradução deve ser literal, palavra-por-palavra, mantendo estrita fidelidade à forma, ou deve não se preocupar com a forma e se manter fiel apenas ao conteúdo, ou deve, ainda ser alguma outra coisa? (BARBOSA, 2004, 12-13)

Toda busca pela fidelidade finda numa necessidade de escolha para qual língua L1(língua de partida) / L2 (língua de chegada) a tradução será direcionada. Estes dois pólos são apresentados por Venuti (2002), como foreignizing e domesticating, isto é, estrangeirização e domesticação, respectivamente. Talvez o exemplo mais modernizado e até provocativo de domesticação seja a tradução bíblica de Lutero. Quando propõe uma alternativa mais contemporânea e direta para o trecho de Mateus 12,34 “Ex abundantia cordis os loquitur” traduzido popularmente como “Sai pela boca aquilo de que o coração está cheio”, causando um estranhamento aos ouvidos mais “puristas” acostumados ao “Da abundância do coração fala a boca”. Nesse caso fica claro saber a qual língua o tradutor foi fiel. Toda tradução é um processo de escolhas. No caso dos TILS as decisões tradutórias levam em consideração a construção de significado a partir da cultura surda. Partindo desse pressuposto, o conceito de Norma Surda de tradução – do original Deaf Translation Norm de Stone (2009) é essencial para as reflexões e performances dos TILS. A Norma Surda de Tradução parte da habilidade do tradutor e intérprete pensar como os surdos pensam, partindo da conceituação visual da informação, para construir o texto-alvo, estando inseridos na cultura de chegada. (STONE, 2009: 167 – tradução livre). 1.3 Particularidades da Língua de chegada (LIBRAS16). As línguas de sinais são consideradas línguas naturais das comunidades surdas e, consequentemente, compartilham uma série de características

(produtividade,

arbitrariedade etc) que lhes atribui caráter específico e as distingue dos demais sistemas

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A Libras é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão. A Lei 10,436 de 2002 esclarece que: “Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguística de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos”.

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de comunicação, como por exemplo, código, linguagem, etc. Para complementar essa afirmação Saussure (1995) afirma que: A língua não se confunde com linguagem: é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. (SAUSSURE 1969, p.17)

Em termos formais, Quadros e Karnopp (2004: 30), apresentam o conceito de língua natural baseado em Chomsky (1957), e consideram que a língua é um conjunto de sentenças, cada uma finita em comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elemento. Dessa forma, as autoras garantem que tais elementos básicos são as palavras, para as línguas orais, e as palavras sinalizadas (sinais), para as línguas de sinais: as frases da língua são representadas em termos de uma sequência dessas unidades e, assim, ratificam que as línguas de sinais são línguas naturais e compartilham várias características que atribuem um caráter linguístico, distinguindo-as dos demais sistemas de comunicação. Conforme Quadros e Karnopp (ibid), a Libras é a língua de sinais usada pela comunidade surda no Brasil. É uma língua que expressa níveis linguísticos em diferentes graus, assim como as demais línguas; apresenta uma gramática com uma estrutura própria, usada por um grupo social específico. Para as autoras língua “é um sistema padronizado de sinais/sons arbitrários, caracterizados pela estrutura dependente, criativa, deslocamento, dualidade e transmissão cultural”, caracterizando assim a Libras como sendo uma língua natural. As línguas de sinais contêm todos componentes pertinentes às línguas orais, como gramática, fonologia, semântica, pragmática, morfologia, sintaxe atendendo, assim os requisitos científicos para ser considerado instrumento linguístico. De acordo com Salles et al (2004), os parâmetros fonológicos das línguas de sinais são: configuração de mão (CM), ponto de articulação (PA), movimento (M), orientação da mão (Or) e expressões não-manuais (ENM). Na combinação destes parâmetros tem-se o sinal. “Falar com as mãos é, portanto, combinar estes elementos que formam as palavras e estas formam as frases em um contexto.”

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1.4 Modelos de tradução. Segundo o estudo de Williams e Chesterman (2002) existem três tipos de Modelos Teóricos da Tradução; (i) O Modelo Comparativo – que tem como objetivo principal analisar as relações de equivalência entre o texto de partida e o texto de chegada. Há uma preocupação com o alinhamento entre as línguas, (ii) O Modelo de Processo como o nome indica, centra-se na tradução como um processo, e baseia-se em certos modelos de comunicação, como por exemplo, o típico modelo emissor-mensagemreceptor. Este modelo estabelece uma sequência lógica no processo da tradução. O tradutor reproduz um texto semelhante ao original, mas faz umas pequenas modificações com a intenção de fazer sentido para os leitores e o (iii) O Modelo Causal - na qual a tradução varia consoante a experiência do tradutor e as condições em que o tradutor tem que apresentar o seu trabalho. 1.5 Tradução de Língua de Sinais. As pesquisas em interpretação e tradução de língua de sinais tem adentrado gradualmente nos circuitos acadêmicos dos Estudos da Tradução. A interpretação e tradução de LS é uma área bastante recente e traz elementos que constitui grande interesse para a Linguística Aplicada. Pagano e Vasconcelos (2003), propõe um mapa conceitual dos Estudos da Tradução, na qual situa a tradução e interpretação de línguas de sinais como pertencentes ao ramo de pesquisas interlínguais vinculadas aos trabalhos descritivos, ligadas ao “produto: DTS” (no original Descriptive Translation Studies – DTS). Tal declaração foi reafirmada por Grbic (2007), quando cita que as pesquisas sobre esse campo de tradução de/para Língua de Sinais, possuem um caráter descritivo e estão normalmente voltadas à produção de matérias de ensino, por exemplo. Assim, as atividades que recobrem as LS poderiam ser catergorizadas como interlingual e descritiva. Porém, vale ressaltar que além da característica interlingual da tradução de/para LS, esse modalidade envolve processos intralinguísticos e intersemióticos17.

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A tradução intersemiotica conforme Diniz (1998) pode ser definida como tradução de um determinado sistema de signos para outro sistema semiótico, tem sua expressão entre sistemas os maios variados. A

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No Brasil, a Libras é traduzida para a Língua Portuguesa e vice-versa por meio de processos tradutórios que incluem estratégias usadas pelos tradutores e intérpretes de línguas faladas (re-textualização, reformulação, omissão, por exemplo), além de estratégias específicas (paráfrases, glosas através do uso de classificadores18). Nesses processos tradutórios extrapolam-se as possibilidades restritas da forma fonocêntrica, uma vez que as línguas de sinais são visuais/espaciais, apresentando, portanto, especial interesse para os Estudos da Tradução.

tradução de pensamentos em signos necessita de canais e linguagens que viabilizem socializar esses pensamentos, permitindo o intercâmbio de mensagens. 18 Na Libras, os classificadores são configurações de mãos que relacionadas à coisa, pessoa e animal, funcionam como marcadores de concordância. Para Quadros e Karnopp (2004, p.93), os classificadores têm distintas propriedades morfológicas, são formas complexas em que a configuração de mão, o movimento e a locação da mão podem especificar qualidades de um referente.

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2- METODOLOGIA “A verdadeira realização não estará sempre ligada ao desmedido? [...] esta “entrega total” que Pasternak exigia, implica numa caminhada sobre pedras, em obsessão continua, mas ainda em momentos de raro deslumbramento. E não estará neles a verdadeira recompensa do tradutor?” Schnaiderman, 2011.

O presente trabalho trata-se de uma tradução para a Língua de Sinais de um texto escrito em Língua Portuguesa, dessa forma foram adotados alguns procedimentos que serão descritos a seguir. O procedimento tradutório consiste em dois estágios; 1) Análise dos elementos macrotextuais e microtextuais conforme proposta de Magalhães (2000) e 2) Tradução comentada fundamentada em Williams e Chesterman (2002). Sobre o primeiro procedimento Magalhães (ibid) propõe estratégias de análises macro (gênero, padrões retóricos, elementos coesivos, de coerência e contextualização) e micro (lexical e gramatical) do texto a ser traduzido com base nas Unidades de Tradução (UT)19. As UT´s já foram introduzidas sob outras definições por Vinay e Darbelnet (1958), conforme os autores a Unidade de Tradução é "o menor segmento do enunciado, no qual os sinais apresentam tanta coesão que se fossem traduzidos por separado, não se entenderiam". Ou seja, equipara a unidade de tradução à unidade de significado, que ao mesmo tempo se corresponde com a unidade lexicográfica. As estratégias metodológicas foram fundamentadas a partir de Williams e Chesterman (ibid), os quais introduzem distinções entre os tipos de pesquisa em Tradução. A presente pesquisa se situa na área de Estudos da Tradução, por meio da pesquisa empírica em busca de novos dados, novas informações derivadas da observação e do trabalho experimental: Entende-se que este estudo se trata de uma pesquisa mais empírica que conceitual ou teórica, visto que, o objetivo maior não é “definir ou esclarecer conceitos, nem interpretar ou reinterpretar ideias, nem referir conceitos em sistemas maiores, nem tampouco introduzir novos conceitos ou metáforas ou estruturas que permitam um entendimento melhor do objeto de pesquisa. (WILLIAMS; CHESTERMAN, 2002: 58 apud SOUZA, 2010: 66).

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As Unidades de Tradução (UT) conforme Vinay e Darbelnet (ibid), podem ser classificadas em padrões de categorias, construções colocativos, lexias complexas e expressões idiomáticas

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Os autores ainda acrescentam que a tradução comentada é uma forma de pesquisa introspectiva a retrospectiva em que o pesquisador traduz um texto e, ao mesmo tempo, escreve um comentário do seu processo de tradução. Segundo os autores a Tradução Comentada, “é definida pela tradução de um texto realizada pelo próprio pesquisador; ele traduz e faz comentários levantando discussões, analises do texto-fonte e razões justificadas para as soluções dos problemas que aparecem durante o processo tradutório” (ibid, p.7) Williams e Chesterman classificaram a tradução em doze áreas são elas: Análise de texto e tradução, Avaliação de qualidade de tradução, Tradução de Gênero, Tradução Multimídia, Tradução e tecnologia, História da tradução, Ética da tradução, Terminologia e Glossários, Interpretação, Processo de Tradução, Ensino de tradução e O profissional da tradução. O presente trabalho adotou o modelo de processo e pode ser situado em duas áreas dos Estudos da tradução, são elas; (i) Análise de texto e tradução (Text Analysis and Translation), como já predita o próprio método de tradução comentada (Translation with Commentary), (ii) Processo de tradução (Translation Process), pela própria autenticidade dos processos operacionais realizados na tradução de línguas viso/espacial. 2.1 Procedimentos de tradução. 2.1.2 Aspectos técnicos da captação e edição de imagem da tradução. A tradução em vídeo do artigo de Schmitt20 (2008), anexada a este trabalho, foi concretizada em estúdio. Para isso foi reservado uma área com luminosidade e espaço suficiente para o registro dos movimentos pertencentes às línguas de sinais. O fundo utilizado foi de cor azul e a captação da imagem foi em câmera HDV – Sony (7,2V). Na tradução foram consideras algumas orientações estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para captação da tradução em vídeo, foram elas: - iluminação suficiente para a câmera de vídeo captar, com qualidade o intérprete e o fundo, 20

http://lattes.cnpq.br/0321389677733696

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- câmera de vídeo fixada em tripé fixo, - marcação no solo para delimitar o espaço de movimentação do intérprete - contrastes de cores nítidas (entre o fundo e o intérprete) - a vestimenta, a pele e o cabelo do intérprete devem ser contrastantes entre si e entre o fundo. Devem ser evitados fundos e vestimenta em tons próximos ao tom da pele do intérprete. Desta forma, o texto foi dividido em 5 (cinco) partes e para cada parte foi reservado uma cor diferente afim de obedecer os orientações da ABNT, a divisão foi realizada conforme tabela abaixo: Tabela 1 – Divisão de vestimenta e contraste.

Divisão de vestimenta e contrastes Resumo

Camisa cinza com blazer preto

Texto

Camisa cinza com blazer preto

Citações

Camisa cinza

Entrevistas

Camisa preta gola pólo

Glossário

Camisa lisa branca

2.1.3 O autor. Deonisio Schmitt é Surdo, Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) em 2006 e em Letras/LIBRAS pela UFSC em 2011, especialista em Prática Interdisciplinar: Educação Infantil e Séries Iniciais pela Faculdade Capivari (FUCAP) em 2006 e em Educação de Surdos - Aspectos Culturais, Políticos e Educacionais pelo CEFET-SC em 2007. Mestre em Educação e Processo Inclusivos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2008. Atualmente cursa o Doutorado em Lingüística Estudos Surdos: Expansão de Formação e Pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Lingüística na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desenvolvendo pesquisa sobre A História da Língua de Sinais em Santa Catarina: Contextos sociolinguísticos e sóciohistóricos de surdos de 1930 a 2011. É também co-autor do Caderno Pedagógico de Língua Brasileira de Sinais para educação a distância da UDESC, e coautor do Caderno Introdução à Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS na modalidade a distância da UNISUL Virtual. Pesquisador de LIBRAS junto ao Grupo de Estudos Surdos da UFSC com a Prof.ª Ronice Müller de Quadros. É Professor de LIBRAS, foi membro da Diretoria do Escritório Regional da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS-SC). 35

2.1.4 Síntese da obra. Em “Espaços de conforto lingüístico/cultural dos surdos na UFSC”, Deonisio Schmitt traz espaços de acolhimento e liberdade diante da diferença. O autor entrevista surdos incluídos em programas de pós-graduação em Educação e Linguística. A partir dos relatos, Schmitt observa o empoderamento dos surdos, o reconhecimento da diferença, a construção da alteridade surda e a constituição cultural dos surdos no espaço de produção de conhecimento. Esse artigo é fruto de observações da disciplina Estudos Dirigido à Língua de Sinais, Cultura e Identidade, oferecida no programa de mestrado e doutorado de Linguística da UFSC em 2007/1. O artigo tem duas etapas: na primeira parte do trabalho, é apresentado um estudo sobre o espaço linguístico/cultural na Universidade Federal de Santa Catarina, com base na teoria Estudos Culturais. Em seguida, o autor apresenta suas reflexões sobre a proposta de conforto à Educação de Surdo relacionada ao acesso ao mestrado e doutorado. O artigo possui cinco objetivos que são coletados por meio de entrevistas com quatro sujeitos surdos alunos da pósgraduação. Antes de apresentar as entrevistas o autor faz algumas discussões sobre os aspectos dos estudos culturais e dos estudos surdos, apresentado aos conceitos de base da comunidade surda, como empoderamento, cultura, alteridade e diferença. Isto possibilita a reflexão de estudo dirigida à leitura no contexto que busca contribuir para a pesquisa da narrativa do sujeito surdo desta universidade. As narrativas demonstraram que os sujeitos se sentem mais seguros e confortáveis quando são atendidos em sua língua materna num contexto de acolhimento cultural e identitário. O estudo demonstra o acadêmico com nível de pós-graduação no espaço linguístico/cultural, a proficiência em Língua de Sinais e a política na Educação de Surdos. 2.1.5 Construção do glossário21. O glossário foi construído após a identificação dos termos desconhecidos pelo tradutor. Diante disso, duas decisões foram tomadas; (i) Fazer uma leitura geral do texto e elencar os principais conceitos e autores mencionados no artigo e seus respectivos sinais, (ii) entrar em contato com o autor do artigo para verificar as propostas de tradução.

21

O glossário foi filmado e incluso no DVD anexado a esta pesquisa e será descrito no item 3.2.1.2 desse trabalho.

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A leitura do artigo aconteceu em duas etapas: Leitura conceitual e a Leitura crítica. A leitura conceitual refere-se à leitura em busca dos significados e conceitos trabalhados no artigo. E em seguida a leitura crítica que se deu na identificação das características do texto. Dessa forma o glossário foi feito em três partes: sinais das instituições mencionadas, sinais dos autores que possuem o sinal e conceitos apresentados. Os conceitos incluídos no glossário foram coletados da internet e comparados com aqueles presentes no texto. Os sinais institucionais tiveram contribuição de surdos que já foram alunos das universidades e grupos mencionados. O glossário foi construído com os seguintes sinais: Tabela 2 - Tabela do glossário22 GES UDESC UFRGS UFSC USP BRITO Lucinda. LUNARDI, Marcia. PERLIN, Gládis. ROSSO, Rodrigo. Alteridade Audismo

Autoestima Conforto Cultura Descolonização Dirigidos Empoderamento

Identidade Surda

Palavra-chave Proficiência Subjetividade

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SINAIS INSTITUCIONAIS GRUPO DE ESTUDOS SURDOS DA UFSC. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CATARINA. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. SINAIS DE AUTORES SKLIAR, Carlos. STROBEL, Karen. STUMPF, Marianne. CONCEITOS Reconhecimento do Outro (indivíduos, grupos e culturas) com suas diferenças e particularidades; conceito oposto de etnocentrismo. Similar a ouvintismo: segundo Skliar, “é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”. (1998, p 15). Avaliação subjetiva que uma pessoa faz de si mesma como sendo intrinsecamente positiva ou negativa em algum grau Tudo o que constitui o bem-estar material: alívio. Conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais, aprendidos de geração em geração através da vida em sociedade. Processo inverso de colonização, ou seja, recuperação da autonomia por parte dos dominados. Referente a “Estudos dirigidos”, isto é, orientados à algo. No caso Estudos dirigidos à Língua de Sinais. Do Inglês “empowerment”, significa em a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. O que faz que uma coisa seja da mesma natureza que outra. Conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa. Os Surdos, por sua vez, possuem a experiência visual que determina formas de comportamento, cultura, língua, etc. Termo que sintetiza as ideias ou temas centrais de um texto, palavra que identifica determinado elemento ou o seu conteúdo. Capacidade para realizar algo, dominar certo assunto ou ter conhecimento em determinada área do conhecimento. No caso habilidade ou fluência na língua. É o que se passa no intimo do individuo. É como ele vê, sente, pensa à respeito sobre algo e que não segue um padrão, pois sofre influências da cultura, educação, religião e experiências adquiridas.

Os conceitos presentes no glossário têm várias fontes, que vão desde dicionários a consultas na internet.

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3- PROCESSO DE TRADUÇÃO COMENTADA “Fidelidade e exatidão se referem a uma certa postura do homem em relação a si mesmo, aos outros, ao mundo e à existência. E, do mesmo modo, em relação aos textos. Na sua área, o tradutor é tomado pelo espírito de fidelidade e exatidão. É a sua paixão, e é uma paixão ética e não literária ou estética”. Berman , 2002.

A tradução pode ser entendida como uma operação linguística. Nesse sentido, ela se aplica as afirmações de Sausurre. A língua é repleta de unidades diferentes e por esse motivo que duas sentenças como “espaço linguístico” ou “lugar linguístico” (ou seu equivalente em qualquer outra língua) jamais serão a mesma coisa. Pois, ao passar de uma língua para outra, somos sempre condenados a “dizer quase a mesma coisa”, como indica o título do livro de Eco (2007). É esse “quase” que faz toda diferença. Sem esse quase, as línguas não passariam de uma nomenclatura, e a tradução se reduziria a uma simples transcodificação termo a termo, tarefa repetitiva e entediante que qualquer máquina seria capaz de fazer muito bem. A tradução de uma língua escrita para uma língua falada requer aportes tecnológicos contemporâneos para o registro dessa versão; gravadores, câmeras etc. No caso das línguas de sinais a modalidade escrita mais difundida no mundo (Singwriting23), ainda não faz parte do conhecimento da maioria das pessoas, sejam elas surdas ou não. Com efeito, as traduções em escrita de sinais ficam restritas a uma pequena quantidade de conhecedores da grafia. Dessa forma, a tradução em vídeo foi a mais apropriada e acessível ao público surdo. 3.1

Processo de análise textual e decisões tradutórias

O texto original pode ser considerado híbrido, pois “flutua” entre o português padrão e a escrita com características interlingual24. Esta característica de transferência de estruturas já era prevista, tendo em vista que o autor é surdo e tem a Língua Portuguesa como segunda língua (L2). Sobre isso Sousa menciona que: Normalmente os surdos mesclam a estrutura gramatical da língua que estão estudando (L2, L3...) com a de sua L1. Isso acarreta a geração de um texto com características peculiares – nem sempre compreendido ou aceito pelos falantes da língua-alvo, já que ás vezes as construções não seguem a língua padrão. (SOUSA, 2009:19)

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O Singwriting, também conhecido como SW, é um sistema de escrita de sinais altamente utilizado em vários países do mundo, foi criado em 1974 por Valerie Sutton. 24 De acordo com Brown (2000), a interlíngua se refere a um sistema com estrutura própria, resultante da interação entre as estruturas da língua materna e as da língua-alvo.

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A estrutura gramatical da língua oral é diferente da língua sinalizada, este é um dos motivos pelos quais a maioria dos surdos escreverem em “librês” ou em “português errado” como costumam dizer, pois tendem a escrever de acordo com a estrutura da língua sinalizada, no caso, utilizam as palavras das Língua Portuguesa na estrutura da Libras. Para Sousa (2009), a escrita de surdos em uma língua oral se assemelha à escrita de qualquer usuário de uma segunda língua/língua estrangeira. Ela recebe transferências de sua primeira língua – uma língua de sinais, ou seja, uma língua de modalidade visoespacial, diferente das línguas orais-auditivas, como o Português, o Inglês e outras. Além disso, os surdos escrevem se baseando em suas hipóteses sobre o funcionamento da língua-alvo. Eles escrevem, portanto, em uma interlíngua (SALLES et al, 2004). A identificação de escrita com característica de interlíngua se deu em trechos que tinham supressão no enunciado, ausência de conectivos (conjunções, pronomes relativos e outros), uso inapropriado de termos pro-forma, preposições e em excertos com problemas de coesão ou coerência textual como no trecho: “As pesquisas dos Estudos Surdos em nível de mestrado e doutorado existentes na universidade, os pesquisadores de pós-graduação investigam o caminho de política e luta pelo direito à pesquisa dos problemas sobre a educação de surdo, política, cultura, identidade, o que promove o desenvolvimento da cidadania do surdo, da Língua de Sinais e o atendimento das exigências do surdo. Isso mostra que precisamos de uma proposta melhor no espaço da instituição pública e na sociedade em geral” (SCHMITT, 2008 p.104), por exemplo.

Partindo dessa constatação, os trechos com essa característica foram separados e interpretados antes de serem traduzidos, levando em consideração o contexto e os conceitos no qual o texto se embasa. A característica hiperônima da Língua de Sinais nos deu a possibilidade de reformular conceitos (hipônimos) de maneira mais abrangente sem perder a consistência do significado das palavras, reservando assim um campo semântico – que pode ser entendido aqui como hiperonímia. Nesses casos foi mantido o foco no discurso interpretado, bem como a identificação do discurso a ser traduzido, embasado no conhecimento referencial. Durante o processo de tradução foram identificados também, além da característica supracitada, trechos passíveis de interpretações ambíguas, como por exemplo, no excerto ”É interessante a pesquisa da alteridade surda lutando no espaço 39

cultural de identidade. Na minha leitura, o autor auxilia, com a experiência de pesquisa no campo universitário na área de educação surda.”(p.115). Na primeira oração o conectivo (da) possibilita dois entendimentos à frase: 1- a “alteridade” é objeto de pesquisa e 2 – a “alteridade” é o sujeito da ação, personificada. A mesma ambiguidade ocorre na segunda oração os conectivos (com) (a). Nesse caso, foi adotada a tradução “literal”, ou seja, os “sinais equivalentes” aos termos em Língua Portuguesa foram traduzidos na mesma sequência do original. Mediante a necessidade de “dar conta25“ de traduzir a obra, foi adotada uma interpretação baseada em Unidades de Tradução (decupagem). Essa ação permitiu analisar as relações entre o texto original e o traduzido. Para dar exemplo concreto dessa estratégia usarei a seguinte oração: “Na verdade, o surdo tem a capacidade de comunicação na Língua de Sinais” (p.120). Se transcrevermos a sinalização na sequência

sinal-palavra,

chegaremos

a,

“Verdade/

Surdo/

Ter/

Capacidade/

Comunicação/ dentro/ Língua de Sinais [...]”. Vale ressaltar que o procedimento citado anteriormente (sequência sinal-palavra) não foi utilizado, visto que o mesmo não contempla o sistema linguístico da Libras, podendo causar estranhamento no interlocutor surdo, tornando o enunciado confuso e de difícil compreensão. A sequência26 foi traduzida da seguinte forma: Tabelas 3 – (Frase 1) “Na verdade, o surdo tem a capacidade de comunicação na Língua de Sinais”.

OMISSÂO27

VERDADE

OMISSÂO

SURDO

TER

25

Para Martin (2003) na obra “Para entender a linguística”, dar conta significa “predizer”, no sentido de que, cada explicação (atuação) predispõe de uma teoria. (grifo meu) 26 Na Líbras alguns sinais possuem movimentação peculiar as línguas de sinais que não estão claros nas fotografias acima, por isso para melhor entender a tradução faz-se necessário assistir o DVD em anexo. 27 A omissão consiste em omitir elementos do TLO (texto da língua de origem) que, do ponto de vista da LT (língua de tradução), são desnecessários ou excessivamente repetitivos (BARBOSA, 2004, p. 68). No geral, a omissão de termos do português e recorrente na tradução para a língua de sinais, como a omissão de verbos de ligação ou pronomes relativos, pronomes oblíquos, alguns pronomes de tratamento, locuções adverbiais e adjetivas, entre outros termos que não se apresentam necessariamente na língua de sinais.

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CAPACIDADE/CAPAZ

COMUNICAÇÃO

LÍNGUA DE SINAIS

A relação entre a quarta unidade “capacidade” e sua tradução “capaz”, além de deixar o uso do sinal “ter” opcional, destaca a característica hiperônima da língua de sinais que é manifestada pela tendência da Libras em recorrer a um termo genérico ou uma sentença de significado amplo. Está característica proporciona, automaticamente, uma “autonomia” ao traduzir um termo específico (hipônimo) em português (capacidade) por um sinal com um campo semântico abrangente (possibilidade, potência, preparado etc.). Assim, foi possível perceber que cada língua tem sua própria visão de mundo, isto é, sua própria decupagem (recorte da realidade). Partindo desta constatação empírica, foi importante criar uma cadeia semântica (hiper) para associar os sinais que poderiam ser usados no artigo, gerando assim, campos semânticos. Essa técnica foi aplicada tanto no nível linguístico quanto estilístico. A omissão na tradução dos termos “verdade” e “ter”, mudou a classe gramatical do termo “capacidade” (de substantivo para adjetivo). Tal procedimento foi baseado na estratégia de Transposição, que para Barbosa (2004, p.66), consiste na mudança de categoria gramatical. Através da análise do texto foi possível identificar alguns atributos do autor como: (i) Posicionamento político-cultural em relação aos métodos Oralistas, como no fragmento “O oralismo é um treinamento como papagaio e não tem a cultura surda” (p. 119) e em “Alerta! É preciso ter cuidado com esta instituição!” (p.119), (ii) Marcação da experiência pessoal, como nos trechos “Eu me lembro de quando era criança, como eu ficava superficialmente na sociedade de ouvinte” (p.119) e em “Podemos perceber que nós, os surdos, estamos começando a divulgar na sociedade a Língua de Sinais”. (p. 120)

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Essa “pessoalidade” foi totalmente preservada levando em consideração a estratégia de Modulação28 que conforme Barbosa (2004) é o mais apropriado para tradução de enunciados que envolvam expressões idiomáticas ou metáforas. 3.2

Decisões e posicionamento teórico.

No que diz respeito ao vocabulário da língua de chegada, foram usados termos (sinais) do conhecimento geral da comunidade surda nacional, sem evitar assim uso de sinais que evidenciassem o regionalismo – fenômeno natural das línguas. Tendo em vista, que o autor e o tradutor são de regiões extremamente diferentes. Este posicionamento oferece ao leitor expansão de seu vocabulário e conhecimento das variações linguísticas da Libras. Alguns exemplos de sinais regionais podem ser exemplificados nos termos: Cultura e Mestrado. Tabela 4 – (Regionalismo). Sinais de “Cultura” e “Mestrado”.

CULTURA (variação usada em Fortaleza)

MESTRADO (variação usada em Fortaleza)

-Em outros estados a diferença na composição do

-Em alguns estados como SC, RS, PR, o sinal para o

sinal está na CM da mão dominante29 ou no

termo mestrado não usa da mão de apoio, o mesmo

movimento do sinal. Nos estados do sul, por

é realizado no espaço neutro, ou seja, em frente ao

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sinalizante usando da datilologia (alfabeto manual)

com em Fortaleza. Vale ressaltar que além dessa

para compor o respectivo sinal, que neste caso é

variação existem outras para o termo cultura.

realizado pelas letras “M32” e “S33”.

exemplo, usa-se a CM em “C”

30

e não em “5”

Neste caso duas decisões foram adotadas: o reversamento e o uso sequenciado das duas variações. Conforme exemplos a seguir: 28

A modulação - consiste na reprodução da mensagem do TLO [texto original] no TLT [texto da língua traduzida], mas sob um ponto de vista diverso, o que reflete uma diferença no modo como as línguas interpretam a experiência do real (BARBOSA, 2004, p.67). 29 Em sinais com movimentos não simultâneos que usam as duas mãos, a mão ou braço que fica parado é chamado de apoio, enquanto a mão que realiza o movimento e chamado de dominante. 30 Ver configuração de mão número 51ª em anexo. 31 Ver configuração de mão número 31 em anexo. 32 Ver configuração de mão número 60 em anexo. 33 Ver configuração de mão número 02 em anexo.

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Tabela 5 – (Variações). Sinais de “Doutorado” e “Povo”.

MESTRADO (Variação de Fortaleza)

MESTRADO (Variação usada em Santa Catarina).

POVO (Variação sudeste) 34

POVO (Variação sul)

- CM em “P ” movimento circular alternado na

- CM em “P” movimento circular simultâneo na

vertical.

horizontal.

Na tradução do artigo “Espaço de conforto lingüístico/cultural dos surdos na UFSC”, foram preservados algumas características quanto a forma e ordem das palavras e sentenças pelos motivos já mencionados. As decisões tradutórias podem ser acompanhadas da seguinte forma: a) b) c) d) e) f) g)

Título do artigo, Glossário, Transformações sintáticas, Entrevistas, Unidades semânticas, Trechos não traduzidos, Estratégias.

Vale ressaltar, que as decisões elencadas acima serão exemplificadas usando trechos (na íntegra) do artigo e em alguns exemplos a transcrição das traduções em Libras. No entanto, a transcrição da sinalização não adotou nenhum sistema de notação

34

Ver configuração de mão número 11 em anexo.

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específico, sendo assim, para melhor entendimento das orações e trechos escolhidos, o leitor deste trabalho precisará acompanhar a tradução do artigo em vídeo. 3.2.1) Título do artigo O título “Espaço de conforto lingüístico/cultural dos surdos na UFSC”, foi traduzido seguindo a mesma sequência e ordem das palavras. O termo “conforto” foi sinalizado como “seguro”, a justificativa se dá a partir do entendimento conceitual trabalhado pelo autor quando retrata o sentimento de segurança e garantia dos sujeitos surdos ao ingressarem no ensino superior. Os termos “linguístico/cultural” escritos juntos com o barra foram traduzidos separados, embora não haja um sinal específico. A decisão de seguir a ordem dessas palavras pareceu ser a mais plausível a fim de garantir ao leitor reconhecimento do título original. Tabela 6 – Sinal de “Segurança/Seguro”.

SEGURANÇA/SEGURO

3.2.2) Glossário Um das etapas metodológicas propostas pela professora orientadora foi a criação de um glossário para levantamento de sinais e conceitos a serem trabalhado na tradução. Assim, após a leitura do artigo poucos termos foram identificados como desconhecidos ou diferentes, no entanto, a criação do glossário (sinalário) serviu como suporte para uso de paráfrases durante a tradução. O glossário além de evitar o uso da datilologia (escrita manual), apresenta à comunidade surda um conjunto de verbetes específicos que fazem parte das discussões acadêmicas. Contudo, nas situações que o uso da datilologia era necessário foram adotadas duas estratégias: 1- Datilologia seguida do sinal correspondente, 2- Datilologia com legenda no vídeo quando o termo apresentado não tiver sinal específico. Tabela 7 – Datilologias.

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DATILOGIA SEGUIDA DO SINAL CORRESPONDENTE

DATILOLOGIA COM LEGENDA

O glossário pode ser apresentado da seguinte forma: sinais institucionais, sinais dos autores citados e sinais dos principais conceitos do texto. Tabela 8- Glossário (sinais das instituições educacionais).

GES – Grupo de estudos surdos da UFSC

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

USP – Universidade de São Paulo

Tabela 9- Glossário (sinais dos autores mencionados).

BRITO, Lucinda

LUNARDI, Márcia

PERLIN, Gládis

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ROSSO, Rodrigo

SKILAR, Carlos

STUMPF, Marianne

STROBEL, Karen

SCHMITT, Deonisio

Tabela 10- Glossário (sinais dos principais conceitos).

ALTERIDADE

AUDISMO / OUVINTISMO

AUTOESTIMA

CONFORTO

CULTURA

DESCOLONIZAÇÃO

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DIRIGIDOS

EMPODERAMENTO

IDENTIDADE SURDA

PALAVRA CHAVE

PROFICIÊNCIA

SUBJETIVIDADE

3.2.3) Transformações sintáticas Com o intuito de gerar sequências mais coesas em Libras alguns parágrafos foram unificados, por serem muito curtos ou porque poderiam ser integrados a fim de gerar mais coerência textual em Libras. Contudo, a pontuação das orações foi mantida para não alterar o ritmo do texto. As pontuações do texto foram traduzidas da seguinte forma; (i) Dois pontos e ponto e vírgula - por meio de construções com uso da apontação gramatical35 e de classificadores36, (ii) Vírgulas e ponto final – as vírgulas

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Hoffmeister (1978), observou que a apontação envolve o sistema pronominal, o sistema dos determinadores e modificadores, o sistema de pluralização e a modulação do sistema verbal (apud BRITO, 1995). 36 “Classificadores” são sinais que utilizam um conjunto específico de configurações de mãos para representar objetos incorporando ações. Tais classificadores são gerais e independem dos sinais que identificam tais objetos. (Cf. Brito, 1995). Na Libras, os classificadores são formas representadas por configurações de mão que, substituindo o nome que as precedem, podem vir junto a verbos de movimento e de localização para classificar o sujeito ou o objeto que está ligado à ação do verbo. Portanto, os classificadores na Libras são marcadores de concordância de gênero para pessoas, animais ou coisas.

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por meio de classificadores quantitativos e o ponto final pela junção das mãos no final dos orações e parágrafos, (iii) Sinal de interrogação e exclamação – por meio de expressões não manuais (ENM). O Travessão e parênteses não foram traduzidos, pois não terem a mesma função organizadora que esses elementos têm no texto escrito. Tabela 11 – Exemplo de pontuação.

APONTAÇÃO E CLASSIFICADORES

QUANTITATIVO E PAUSA

EXPRESSÕES NÃO MANUAIS- ENM

3.2.4) Entrevistas Os surdos, sujeitos da pesquisa, possuem características identitárias em comum. Com efeito, foi possível identificar nas narrativas, o nível de ativismo cultural e social dos mesmos no movimento surdo, como também a informalidade do discurso. Diante disso, a decisão tomada durante a tradução das entrevistas foi uma sinalização mais “relaxada” e com finalizações menos tensas (pronúncia). O fato dos entrevistados possuírem de certa forma, um discurso uníssono facilitou na construção dos correspondentes para a tradução. Contudo a identificação do sexo ficou prejudicada pela transcrição das entrevistas, uma vez que para o mesmo sujeito os adjetivos sofreram alteração de gênero sendo impossível a marcação sintática do sexo do entrevistado durante a sinalização, como no trecho “Eu estou satisfeito em fazer mestrado na UFSC, pois posso ser eu mesma, surda!” (p. 108- marcação minha).

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No entanto, essa “dificuldade” não gerou intempéries na tradução uma vez que a marcação de gênero da Libras não ocorre nos substantivos, sendo assim, a alteração supracitada foi solucionada sem nenhuma evidência dessa fragilidade do texto. Essas Melhorias acontecem varias vezes durante a tradução. Barbosa (2004, p. 70) explica que “as melhorias consistem em não se repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos de erro cometidos no TLO [texto da língua de origem]”. 3.2.5) Unidades semânticas As decisões tradutórias para as unidades de significados foram técnicas e práticas. Os termos foram traduzidos da seguinte forma; (i) Termos repetidos na mesma oração ou no mesmo parágrafo - foram traduzidos por meio de dêixis37 como, por exemplo no trecho: “É um problema pedagógico e curricular não apenas porque as crianças e os jovens, em uma sociedade atravessada pela diferença, forçosamente interagem com o outro no próprio espaço da escola, mas também porque a questão do outro e da diferença não pode deixar de ser matéria de preocupação pedagógica e curricular.” (p.117), Veja os exemplos: Tabela 12 – Uso de dêixis.

DÊIXIS PARA PRONOMES

DÊIXIS

PARA

VERBOS

INDICADORES38

(Verbo “Encontrar”)

(ii) Termos repetidos durante o texto – foram traduzidos normalmente e em algumas situações substituídos ou acompanhado por sinônimos, como no trecho: 37

Nas línguas de sinais, a dêixis de pessoa é realizada substancialmente por meio de dois tipos de sinais de apontamento: os pronomes pessoais e os verbos indicadores. A dêixis pronominal é feita com a direcionalidade desses sinais pronominais. O pronome se refere à pessoa para a qual está apontando: significará primeira pessoa quando o sinal apontar para o sinalizador. 38 Segundo Liddell (2003), tanto os pronomes pessoais quanto os verbos indicadores têm a propriedade de serem realizados e localizados no espaço físico à frente e ao redor do corpo do sinalizador e de apontar, dentro desse espaço, para um local que está associado, no discurso, a uma representação mental do(s) seu(s) referente(s). (apud Quadros, 2004)

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“Os Estudos Culturais abrem perspectivas profissionalizantes e no âmbito intelectual do surdo porque se refere à vivência de ação política, econômica, social e simbólica na estratégia dos próprios Estudos Culturais” (p. 107). Tabela 13 – Termos repetidos ( Sinal “Pesquisar” e “estudar”).

Os sinais de “Pesquisar” e “ Estudar” foram considerados sinônimos conceituais em relação as discussões em torno dos Estudos Culturais e Estudos Surdo presentes no texto.

(iii) Termos polissêmicos e sinônimos – a relação de significados entre as palavras na LP e Libras são diferentes. Termos com vários significados em LP, como por exemplo, a palavra “manga”, (que pode significar uma fruta, um parte de uma camisa), não tem na Libras a mesma relação de polissemia, pois o termo “manga” na Libras é explicitado, ou seja, existe um sinal especifico para a fruta e para a peça da camisa. Alguns termos em Libras tem sinais distintos e individuais para cada significado dependendo do contexto. Nestes casos a tradução de palavras polissêmicas não foi problemática. Para exemplificar usaremos o termo em português “Luta” que pode designar combate físico corporal, ações de duas forças ou esforço. No artigo o campo semântico do texto deixa claro que o sinal mais apropriado para essa tradução é o que remete noção de esforço ou empenho, pois está claro no contexto. Veja o exemplo Tabela 14 – Sinal de luta.

SINAL DE LUTA

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3.2.6) Trechos não traduzidos. Schmitt usa em seu artigo uma citação de Oviti Cortés (1999) em espanhol: “Éstas están intimamente ligadas a la política, lãs estratégias de poder y la mitologia productora de estereótipos, que estabelece uma representación de las otras culturas de acuerdo com el principio de la diferencia com la cultura-sujeto (la cual, como consecuencia, es también representada” (p. 115). Diante dessa situação, o trecho não foi traduzido para a Libras, pelo fato de não haver competência linguística e tradutória para tal operação. O procedimento adotado nesse caso foi a inclusão na íntegra do trecho referenciado na tradução em vídeo. 3.2.7) Estratégias tradutórias. Quadros (2004), apresenta alguns problemas identificados no processo de tradução e interpretação da Língua Portuguesa para a Língua de Sinais que podem ser evitados a fim de garantir traduções mais “fieis”, são elas: (1) omissões de informações dadas à língua fonte; (2) acréscimos de informações inexistêntes na língua fonte; (3) distorções semânticas e pragmáticas em menor ou maior grau do conteúdo veiculado na língua fonte; (4) escolhas lexicais inapropriadas. (QUADROS 2004, p.70)

Nessa tradução foi possível observar que em alguns fragmentos traduções com um “tom” um tanto mais vigoroso que o original, e em outros um tanto mais “tranquilo”. Na tradução foram usados termos e expressões absolutamente diferentes, mas que definiam especificamente o “pensamento” do autor. Para dar exemplo concreto dessa estratégia de tradução será apresentado um extrato do texto com a seguinte frase: “No oralismo os surdos viviam isolados na cultura dos ouvintes” (p. 118). Contudo, o conteúdo foi interpretado da seguinte forma: “No ouvintismo os surdos viviam isolados na cultura dos ouvintes”. Uma vez que o autor se referia a postura social adotada e não a abordagem educacional como prática oralista. O que não aconteceu no trecho “O oralismo é um treinamento de papagaio e não tem cultura surda, subjetividade e identidade: é superficial”, onde o termo “oralismo” foi traduzido pelo seu “correspondente”. Vejamos os exemplos:

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Tabela 15 – Sinal de “Ouvintismo/ Audismo e Oralismo”.

“OUVINTISMO”, DO INGLÊS “AUDISM”.

PERÍODO + ORALISMO

Transformações desse tipo têm em algumas situações funções didáticas importantes para o entendimento do enunciado. A estratégia de “restituição textual” (OUSTINOFF, 2011) foi importante, uma vez que a tradução foi realizada a partir da leitura do texto em “voz alta”, caracterizado o processo como tradução a partir da oralidade. Assim, as estratégias priorizaram a “apropriação” do discurso do autor surdo, o que acarreta a necessidade de levar em conta tanto a “essência” quando a forma, ou seja, o estilo, a eloquência. Nesse caso, foi perceptível a “rejeição” da tradução termo a termo, uma vez que a mesma não garante a transmitância do conteúdo cultural imbuído nessas línguas. 3.3 Observações e reflexões sobre a tradução comentada. A Tradução Comentada teve observações pontuais sobre as decisões utilizadas fazendo, em alguns momentos, relação teórica com as técnicas (estratégias) mapeadas por Barbosa (2004). Na análise dos trechos foram identificadas (5) cinco estratégias durante o procedimento de tradução, são elas: Omissão, Decupagem, Transposição, Melhorias e Modulação. A caraterística de escrita em interlíngua presente na obra oferece uma reflexão sobre a eficácia do sistema alfabético na representação dos significados das coisas escritas pelos surdos. Uma vez que os sujeitos surdos usuários das línguas de sinais pensam em uma língua (de modalidade viso-espacial), mas escrevem em outra (de modalidade oral-auditiva) trazendo em seu texto várias características da língua pensada.

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Mesmo considerando que o texto de Schmitt não é totalmente em interlíngua, a tradução de um artigo com essa característica de escrita ofereceu ao tradutor um posicionamento diferenciado em relação tensão entre conteúdo e forma, visto que em algumas situações foi mais adequado a manutenção da forma empregada no texto original, tendo em visto que o mesmo foi escrito em L2, que neste caso é a L1 do tradutor. A difícil tarefa de procurar correspondentes entre as línguas foi amenizada após contato com o autor que “autorizou” a livre escolha pelos sinais a serem usados na tradução, tal ação efetivou a personalização da tradução. Uma vez que os elementos construídos numa tradução não seriam os mesmos de uma tradução autoral. O contato prévio com o autor foi essencial para a construção do glossário e, consequentemente, para tradução do texto. Desse modo, as dúvidas conceituais e os sinais dos autores citados, foram coletados entre profissionais da área, através das redes sociais e conferidos com os sinais enviados pelo autor via correio eletrônico. O vocabulário e os conceitos trabalhados no texto fonte fazem parte do referencial teórico de grande parte dos tradutores e intérpretes da Libras. Isso facilitou o processo de decisão de escolhas e de estratégias técnicas. No entanto, com a construção do glossário algumas estratégias habituais na interpretação simultânea (paráfrase, supressão, acréscimos e retomada) não foram necessárias. Na tradução das unidades semânticas, elementos como: identidade e equivalência, denotação e conotação, forma e conteúdo, tipologia, funções e elementos estruturadores do texto e outros inúmeros fatores foram considerados. Contudo, a tradução deve ser entendida aqui como processo passível de análise e crítica mediante a qualidade do produto, não em busca das “falhas”, mas, sobretudo, sobre o entendimento do processo. Caso contrário, as críticas negativas a(o) tradução/tradutor se reduziriam ao adágio traduttore, traditore, ao exame dos “ganhos” e das “perdas” em confronto com o original. Com efeito, pareceu-me mais produtivo analisar a eficácia e adequação dos tipos de tradução a Línguas de Sinais através da Tradução Comentada. Tecnicamente, os “erros de português” presentes do texto e nas transcrições das entrevistas (cf. texto original), não foram considerados relevantes no processo de 53

tradução, pois a falta de conectivos, tempos verbais e concordantes, não prejudicaram o entendimento e o sentido dos enunciados. Um fator importante para essa tomada de decisão foi “ler em Libras” os enunciados escritos em interlíngua, isto é, sinalizar (falar em LS) alguns trechos do texto. Em várias situações de ambiguidade foi preciso “interpretar” para traduzir, como diria Eco (1932), toda tradução pressupõe um diálogo hermenêutico. Evidentemente, tal decisão assume a responsabilidade de eventualmente, escolher um sentido não empregado pelo autor. Tratando de conceitos como “Estrangeirização e domesticação” de Venuti (op. cit.), as traduções da Libras para Língua Portuguesa (LP) e da LP para Libras podem construir várias situações mistas, uma vez que a proximidade das línguas causa influência permanente de uma língua na outra, ocasionado pela condição bilíngue do surdo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma conclusão possível a ser construída a partir deste trabalho é que: Não interessa traduzir um item lexical (palavra ou sinal) por outro correspondente, mas, sobretudo, traduzir as sentenças semânticas e tentar exprimir, o pensamento e a emoção que o autor teria manifestado se tivesse escrito o texto em sua primeira língua. Por isso, entender as interferências da cultura e das diferenças linguísticas do autor surdo foi essencial no processo tradutório, pois permitiu visualizar o texto além das palavras escritas. Traduzir um texto de autoria surda, escrito em Língua Portuguesa para a Língua de Sinais, por si só, já seria uma atividade tradutória desafiadora, ainda mais quando o autor da obra tem como língua materna a língua de chegada, sendo possível a autotradução – o que seria mais apropriado. O desafio se torna maior quando o tradutor tem a língua de chegada como segunda língua. Desse modo, as probabilidades de análise crítica do autor sobre a tradução aqui realizada são as maiores, ainda mais se o mesmo for um real bilíngue de escrita, isto é, que escreve com a mesma fluência nas duas línguas. De fato, o ideal seria uma tradução autoral ou revisada pelo autor. Efetivamente, toda tradução contém uma parte de transformação e esta não foi diferente. A ideia de reprodução absoluta e literal não fez parte desse trabalho. Nesse sentido, podemos dizer a tradução do texto de Schmitt foi “hipertextualizado” porque ela é, por definição, uma “cópia”, a mais fiel possível, mas com evidentes transformações. Nesta tradução buscou-se manter o estilo e registro (isto é, a ordem e a sequência das palavras nas frases), efetivados no texto fonte, ou seja, na língua de partida tendo a língua de chegada como base para as reflexões semânticas. Essa decisão foi tomada justamente, pelo fato de considerar que o texto fonte foi hibridamente construído pelos sistemas linguísticos primário (pensamento) e secundário (representação) do autor. Por isso foi fundamental o estudo da obra original e de suas características culturais e de identidade surda. Sobretudo, para a tradução das entrevistas presentes no texto, uma vez que cada “fala” transcrita demonstra características emocionais e sociais dos sujeitos surdos e, que por sua vez, representa uma identidade individual ligada intimamente a cultura surda.

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Em outros termos, a tradução usou o principio da “desverbalização”, ou seja, nos “livramos” dos significantes. Essa atitude se apresentou como vantajosa, pois ressaltou o fato da tradução não ser simplesmente uma operação literária ou linguística, mas, sobretudo, também uma operação conceitual. Entendendo assim, que a tradução é, antes de tudo, uma operação cognitiva, no sentido piagetiano. É sabido que o ato de traduzir envolve cognição e conhecimento linguísticos específicos. O processo de tradução envolve intenções comunicativas particulares que devem ser mantidas durante as transformações ocorridas de uma língua para outra. Diante disso, foi possível observar que a tradução foi centrada na "compreensão da mensagem" por meio de um processo, no qual o sentido de uma frase, isto é, o que o autor quis deliberadamente exprimir; não é a razão pela qual ele fala nem as causas ou consequências do que ele disse. Dessa forma, o sentido não se confunde com os motivos nem com as intenções do autor. Com base nesse pressuposto, o processo de tradução foi menos carregado de “culpa”. .Por se tratar de uma tradução entre línguas de modalidades diferentes, este trabalho faz parte de uma série de experiências pioneiras que podem colaborar com os pressupostos dos Estudos da Tradução no que diz respeito à tradução de língua de sinais Via de regra, é o exercício da tradução que engendra o posteriori a elaboração da teoria. Em regra geral: não existe “tradução boa” ou “tradução ruim”, existem traduções pertinentes e traduções impertinentes para determinados fins. Desta forma, podemos inferir que “boas” traduções da língua de sinais são aquelas que revelam o nível de imersão do TILS na cultura visual da qual comunidade surda “forma” seus conceitos.

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APÊNDICE

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Foto 1 - Estúdio de gravação do ICES – Instituto Cearense de educação de Surdos.

Jonathan Sousa de Oliveira [email protected] (85) 9925 2361

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ANEXO

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™ ARTIGO

ESPAÇO DE CONFORTO LINGUISTICO/CULTURAL DOS SURDOS NA UFSC39

Deonisio Schmitt40

Resumo

Este artigo possibilita a observação da disciplina Estudos Dirigidos à Língua de Sinais, Cultura e Identidade, oferecida no programa de mestrado e doutorado de Lingüística da UFSC em 2007/1. Na primeira parte desde trabalho, apresentamos um estudo sobre o espaço lingüístico/cultural na Universidade Federal de Santa Catarina, com base na teoria Estudos Culturais apresentada pelo Prof. Dr. Lynn Mario T. Menezes de Souza - DLM - USP. Em seguida, apresentamos nossas reflexões sobre a proposta de conforto à Educação de Surdo relacionado ao acesso ao mestrado e doutorado. Isto possibilita a reflexão de estudo dirigida à leitura no contexto que busca contribuir para a pesquisa da narrativa do sujeito surdo desta universidade. O estudo demonstra o acadêmico com nível de pós-graduação no espaço lingüístico/cultural, a proficiência em Língua de Sinais e a política na Educação de Surdos.

Palavras-Chave: Educação de Surdos, Cultura, Identidade, Língua de Sinais e Políticas. 39

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina Doutorando em Lingüística e Mestrando em Educação na UFSC em 2008. (bolsista de pesquisa com Professora Dra. Ronice Muller de Quadros – Grupo de Aquisição da Língua de Sinais). 40

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ARTIGO

Abstract

This article enables the observation of the discipline Studies Oriented to Sign Language, Culture and Identity offered at the program of master and doctorate in Linguistics at UFSC, in 2007/1. At the first part, we present a study about the linguistic/cultural space at the Federal University of Santa Catarina, based on the theory Cultures Studies presented by Prof. Dr. Lynn Mario T. Menezes de Souza – DLM - USP. Then, we present our own observations on the proposal of comfort to the Education of the Deaf, related to the access to the master and doctorate programs. This enables the analysis of the study oriented to reading in a context which intends to contribute to the research of the narration of the deaf subject at this university. This study presents the postgraduate student at the linguistic/cultural space, proficiency in Sign Language and Policy of Education of the Deaf.

Key words: Education of the Deaf, Culture, Identity, Sign Language and Policies.

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Introdução Iniciei minha pesquisa na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina junto ao GES – Grupo de Estudos Surdos em 2003, quando comecei a preocupar-me com a educação de surdos em Santa Catarina e no Brasil. Por isso, comecei a pesquisar os temas sobre a educação de surdos e a troca de experiências no conflito com outros espaços, na possibilidade de desenvolver melhor o domínio da língua de sinais dos surdos. Este grupo de estudos surdos, inserido nos programas de pósgraduação em mestrado e doutorado, busca dados de experiências e propostas de cada área de conhecimento na região. A proposta apresentada no GES procura melhorar a forma de educação dos surdos catarinenses e nossos objetivos são o acesso dos surdos à escola e a garantia da qualidade do ensino através da pesquisa pedagógica no Estado de Santa Catarina. Mas como tem sido a participação do movimento surdo neste espaço lingüístico/cultural na UFSC? Para responder a esta pergunta foram observadas as seguintes etapas:  dentificar o sujeito surdo no espaço lingüístico/cultural na Universidade Federal de Santa Catarina em pós-graduação mestrado e doutorado;  Observar como é o sujeito surdo de pós-graduação;  Realizar a pesquisa de diferença de outro surdo;  Apresentar a conquista no espaço lingüístico/cultural;  Pesquisar a narrativa do acadêmico com nível de pós-graduação na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e verificar como a união dos movimentos surdos promoveu a realização de seus objetivos.

Estas e muitas outras narrativas contadas e vividas em grupos, num momento extremamente

conflitante

da

sociedade

brasileira,

permitiram-me

ver

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o mundo de diferentes maneiras e me possibilitou perceber formas particulares de viver o surdo no conflito na universidade. O espaço de conforto é a relação de acadêmicos de mestrado e doutorado que compartilham o mesmo espaço universitário, além das oportunidades de pesquisa e aquisição de conhecimentos. Nesse âmbito há duas áreas de estudos surdos que se confluem: A Educação e a Lingüística. As áreas de pesquisas acadêmicas mais avançadas em nível de pós-graduação mantêm uma relação de liberdade e acolhimento do surdo que vive sua cultura surda, subjetividade e política de conforto em espaços até então inexplorados. Então, sugiro que o surdo mostre sua experiência de pesquisa mais ligada às especificidade e opiniões de cada um no estudo dos problemas teóricos e práticos no que concerne às pesquisas de sua língua, identidade e cultura. A relação no espaço de conforto no programa de pós-graduação será importante para o pesquisador surdo universitário e as pesquisas conterão o teor do surdo narrando o próprio surdo, valorizando sua identidade e seu espaço de conforto. Espero que essa grande oportunidade de espaço de conforto seja a oportunidade de o surdo universitário pesquisar fatos relativos, também, à educação de surdo no Brasil.

ASPECTOS DOS ESTUDOS CULTURAIS E ESTUDOS SURDOS

De fato é importante o surdo ter as oportunidades nas universidades federais em todo o território nacional para que procure o espaço lingüístico/cultural e político na pós-graduação em nível de mestrado e doutorado e também na pesquisa sobre educação de surdos e língua de sinais.

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Esta prática de pesquisa em educação está inserida na abordagem dos Estudos Culturais, embora haja controvérsias que podemos acompanhar em Costa (2005:110 e 111): “A relação entre Estudos Culturais e o campo da educação permanece curiosamente contraditória: ela é subenfatizada no circuito dos Estudos Culturais em termos das relações históricas entre dois campos, todavia, em termos de produção de estudos, expande-se rapidamente nos círculos da educação. Por exemplo, apesar da recorrente afirmação de Raymond Williams de que os estudos culturais se originaram do campo da Educação de Adultos, e apesar do fato de a atuação inicial do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos ter incluído trabalho em educação e dois sucessivos Grupo de Educação, a educação de adultos como origem dos Estudos Culturais foi marginalizada em favor de uma preponderante narrativa que coloca a crise nas Humanidades e nas ciências sociais como momento originário dos EC, e a educação não é mais discutida nos currículos dos Estudos Culturais como um campo contributivo a esse debate. Por outro lado, os estudos culturais emergiram e se expandem rapidamente na educação radical na América do Norte como sucessores da teoria e da pedagogia crítica e multicultural, além de estarem sendo institucionalizados em departamentos de Estudos Culturais e centros de educação. Este painel [do IV CROSSROAS - 2002] explora focos como a natureza e o perfil da relação contemporânea entre Estudos Culturais e educação; a contribuição que Estudos Culturais e educação podem aportar para seus discursos e práticas; exemplos de projetos concretos que mesclam educação e estudos culturais” Costa (2005:110 e 111).

Na verdade, os Estudos Culturais vêm sendo uma exigência do surdo que luta por seus direitos de acesso ao espaço da universidade, tanto na graduação como na pesquisa em pós-graduação, estimulando uma nova construção de identidade no espaço lingüístico/cultural na educação de surdos. Os autores Skliar e Lunardi (2000:11) explicam os Estudos Surdos: “Os Estudos Surdos em Educação podem ser definidos como um território de investigação educativa e de preposições políticas que, por meio de um conjunto de concepções lingüísticas, culturais, comunitárias e de identidades, definem uma particular aproximação ao conhecimento e aos discursos sobre a surdez e os surdos” Skliar e Lunardi (2000:11).

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Os surdos têm direitos a escolhas na área de educação, com sua língua própria. Para isto, esta língua deve estar à disposição nas escolas de surdos e na prática pedagógica de ensino favorecendo a competência do professor surdo. A prioridade é o ensino de LIBRAS no espaço de educação de surdo. Por exemplo, o curso do programa de pós-graduação de doutorado iniciou em 2004, é importante para a educação do surdo no Brasil. As pesquisas dos Estudos Surdos em nível de mestrado e doutorado existentes na universidade, os pesquisadores de pós-graduação investigam o caminho de política e luta pelo direito à pesquisa dos problemas sobre a educação de surdo, política, cultura, identidade, o que promove o desenvolvimento da cidadania do surdo, da língua de sinais e o atendimento das exigências do surdo. Isso mostra que precisamos de uma proposta melhor no espaço da instituição pública e na sociedade em geral. O CONSOLIDAR DAS BASES: EMPODERAMENTO, CULTURA, ALTERIDADE E DIFERENÇA.

A trajetória dos Estudos Culturais ajuda a identificar o que os surdos sofreram no tempo do modelo ouvinte. Como os surdos estiveram isolados da sociedade, os ouvintes mantiveram sempre o preconceito, estereótipos e excluíram os surdos da sociedade.

“Neste confronto com o colonial as mudanças de representação, as propostas políticas, o pedido por uma pedagogia da diferença, do surdo conflita com o discurso colonial que reivindica repetindo que isto de política surda é “gueto”, que é “surdismo”, disfarce de uma política de repressão, conceitos estereotipados, declarações e mitos acompanham este retorno do reprimido” (Perlin, 2006/04/04).

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Vou relatar esta perspectiva no momento em que teórico como Hall (2003) comenta que os Estudos Culturais ressaltam a diferença do jeito próprio da cultura surda que vem participando da sociedade cada vez mais e representam os direitos dos surdos construídos na diferença, na maneira dos intelectuais estabelecidos e, ainda o conceito identidade e também as identidades surdas, lutas e intempéries dos sujeitos surdos na construção da nova identidade. Os Estudos Culturais abrem perspectivas profissionalizantes e no âmbito intelectual do surdo porque se refere à vivência de ação política, econômica, social e simbólica na estratégia dos próprios Estudos Culturais. Entretanto, algumas questões serão levantadas com a intenção de seguir os Estudos Culturais que propõem pensar o ser surdo numa perspectiva da teoria cultural. A teoria cultural se expressa como sucessão de identidades no mundo contemporâneo, para que os sujeitos sociais valorizem, expressem suas diferenças, suas culturas específicas, em busca da afirmação cultural. O surdo participa no espaço da sociedade em que vive no momento como um “outro” surdo que vem participando dos encontros, eventos, seminários, congressos e outros. Isto é, o povo surdo participa do espaço, da luta pela educação e pelos direitos culturais. O surdo tem a capacidade de discutir política, fazer exigências sociais e criar associações com o intuído de viver em comunidade, sempre são capazes de lutar pela sociedade do povo surdo. A língua de sinais escrita é importante, como diz Stumpf (2004), ajuda na pesquisa da comunidade surda para que se compreendam a escrita dos próprios surdos, a se comunicarem pelo visual na língua de sinais. A pedagogia dos surdos deve ser diferente da do ouvinte, e precisa estar adequada aos parâmetros curriculares. Estes devem conter aspectos sobre a cultura, a história surda, a escrita da língua de sinais, lingüística, artes surdas e organizações surdas. 70

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Na explicação anterior à citação, o sujeito surdo não é inválido. A representação do sujeito surdo é a capacidade na diferença na proposta de política de pedagogia visual dos parâmetros e não como incapaz ou deficiente. Nas narrativas dos sujeitos surdos na pesquisa em pós-graduação nos níveis de mestrado e doutorado, foram expressas algumas opiniões dos surdos nomeados M1, M2 e D1, D2. Foram feitas 5 perguntas a cada um deles, a saber: 1) Como surgiu o espaço lingüístico/cultural na Universidade Federal de Santa Catarina na pós-graduação nos níveis de mestrado e doutorado? 2) Qual é a diferença do espaço mestrado e doutorado? 3) Qual foi o primeiro espaço de surdos em pós-graduação? Por quê? 4) Por que a Universidade Federal de Santa Catarina conseguiu o espaço lingüístico/cultural do surdo para o acesso à pesquisa? Por que antes não havia o espaço? 5) Qual a relação de conforto do surdo na pós-graduação nos níveis de mestrado e doutorado? M1 1) A história eu não conheço, apenas sei que a partir do momento que entrei para o Mestrado abriram muitas portas para o novo conhecimento. Eu já venho de outra tentativa, mas sem sucesso. A importância de estar numa Universidade Federal onde a Libras é respeitada para mim é muito importante. Estou tendo muito acesso devido a UFSC oferecer a acessibilidade de comunicação. Aqui tenho intérprete e também tenho professora Surda dando aula para surdo e ouvinte. A forma de avaliar os trabalhos está conforme indicado no Decreto 5626/2005; 2) Eu faço parte da Pós Graduação da Lingüística e aqui não temos ainda Doutorandos surdos em lingüística; 3) Quem entrou primeiro na lingüística foi a Mestranda Ana Regina e Souza Campello; 4) Não conheço a história em detalhes; 5) O Relacionamento com os Doutorandos por ser mestranda á natural devido

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estamos em mesmo espaço e também usufruímos o conforto lingüístico da mesma língua.

M2 1) Surgiu com a luta e determinação das professoras Ronice e Gládis para a inserção da linha de pesquisa “Educação e Processos Inclusivos” em acordo com as leis de Salamanca, LIBRAS e Inclusão; 2) Mestrado é para ser mestre e dar aulas em universidades enquanto doutorado é para ser doutor e orientador de alunos da pós, e também pesquisa avançada; 3) Acredito que a UFSC tem sido o primeiro espaço, pois oferece todos os recursos para um surdo estudar e pesquisar tais como: LIBRAS como primeira língua; professores bilíngües; intérpretes de língua de sinais; colegas surdos; prova especializada; e materiais visuais. Tendo ali todas as características da cultura surda; 4) Isto aconteceu com a vinda das professoras Ronice e Gládis à Universidade que abriu a porta para nós, surdos! Acredito na negociação para conseguir tais espaços, basta apresentar uma proposta decente e explicar motivos. Agora que a lei LIBRAS- 2005, está sendo apresentada no momento, acredito que as outras universidades passarão a abrir portas para a educação de surdos, é preciso dos surdos mestres e doutores para ocupar o espaço para incentivar a cultura surda nos espaços diferentes da sociedade educativa; 5) Eu estou satisfeito em fazer mestrado na UFSC, pois posso ser eu mesma, surda! Tenho intérpretes de LS para acompanhar as aulas e apresentação de trabalhos, tenho professoras bilíngües com as quais troco muita informação; tenho os colegas surdos para várias discussões e troca de idéias.

D1 1) Em 2003, Ronice Quadros abriu o concurso para contratação de Instrutor de LSB para gravação da UFSC como disciplina opcional. Não pude registrar por contar de curto espaço. Rodrigo Rosso fez e passou. Antes disso, em 2002, entrei em contato com a Dra. Lucinda Brito para abrir curso de pós-graduação para surdos. Ela alegou que seria trabalhoso e burocrático. Em 2004, no meado do mês de agosto, recebi, edital do concurso para doutorado de educação da UFSC, optei em inscrever, mesmo sabendo que a escola onde trabalhava estava para fechar. Tinha sonho e desejo de fazer doutorado e ser pesquisadora na educação dos surdos. Inscrevi-me, fiz as provas e passei. O espaço lingüístico/cultural da UFSC abriu muitas oportunidades para a comunidade surda;

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2) A diferença entre os dois é o tempo de pesquisa. Mestrado exige tempo curto e com pequeno projeto, enquanto doutorado não; 3) Inicialmente foi em UFRGS – Rio Grande do Sul e esta experiência motivou a implantação para outros Estados como Santa Catarina e Bahia. Este é um momento estratégico e político para a comunidade surda e povo surdo mostrar suas experiências intelectuais; 4) Por causa da Lei 10.436, seu decreto e regulamentação da LSB. Esta é uma necessidade de dar auto-estima e encontro de identidade surda que estava oprimida pelo sistema “ouvintista”. 5) - Com a participação dos intérpretes de LSB; - Com a participação de professor (a) surdo (a); - Com a participação de professor (a) usuária de LSB; - Com a participação de colegas não surdos e usuários de LSB; - Com a participação de colegas surdos. Afinal tem o espaço de LSB onde posso comunicar no meu dia a dia.

D2 1) Você se refere no quesito a língua de sinais? Aos surdos? Bem se for, o espaço se iniciou no momento que os surdos começaram a participar do espaço universitário, com a disciplina de Fundamentos da Língua Brasileira de Sinais, a partir daí o espaço foi crescendo e abrindo oportunidades nos programas de pós-graduação em Educação e posteriormente em Letras. Com a utilização da Língua de Sinais a participação de intérpretes foi crescendo aleatoriamente; 2) Tecnicamente são graus distintos em nível de conteúdo e cronogramas; 3) Na UFSC? Penso que seja do Programa de Pós Graduação em Educação, na linha de Formação de Educadores, em 2004. Porque foi um programa que permitiu um espaço lingüístico viável; 4) Bem, há uma enorme diferença neste aspecto, antes os surdos estariam sujeitos a uma concorrência no espaço adequado aos ouvintes, hoje o surdo pode competir num espaço plausível dentro da mesma universidade; 5) São significativas, pois temos acesso a Língua de Sinais, a intérpretes, e principalmente a teorias que envolvam pesquisas sobre os surdos.

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Analisei as entrevistas dos quatro surdos universitários (M1, M2, D1, D2) dos programas de pós-graduação – mestrado e doutorado – comprovando que essa abertura de acesso promoveu o reconhecimento e valorização do ensino superior. A universidade, principalmente a UFSC, abriu as portas ao pesquisador surdo, sendo a pioneira no Brasil no sentido de promover uma política de educação de surdo. Como é possível perceber nas narrativas, todos os surdos ficaram contentes no espaço de pesquisa que o abre a um novo conhecimento teórico mais avançado. Até bem recentemente, o surdo não tinha espaço próprio para participar de programas de mestrado e doutorado e agora temos mais amplitude de idéias e de valorização como profissionais pesquisadores surdos brasileiros. Nota-se nas narrativas que os surdos têm uma consciência de seu papel de pesquisadores e reconhecem as funções de cada um ao responderem a pergunta

de

número

2.

Certamente,

eles

serão

disseminadores

de

conhecimento, aumentando cada vez mais o interesse de outros surdos e aumentando, assim, a realidade de sucesso do surdo pesquisador. Além disso, pode-se identificar, nas narrativas de todos os sujeitos, a total consciência do marco e das pessoas envolvidas no processo de ampliação do espaço de conforto ao surdo. É mais uma parte da história surda que se registra tendo como personagem principal o próprio surdo. É importante registrar o momento de acesso universitário do surdo, seja no domínio público ou privado, que oportunizou a abertura de vagas a surdos, como aos sujeitos desta pesquisa. Vamos lutar pelo direito político de o surdo ter acesso à Língua Brasileira de Sinais. Dessa forma, teremos muitos outros surdos declarando o mesmo que D2 quando responde à quinta pergunta quanto à relação de conforto do surdo na universidade: “São significativas, pois temos acesso a Língua de Sinais, a intérpretes, e principalmente a teorias que envolvam pesquisas sobre os surdos”.

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POVO SURDO: BUSCA DE POSIÇÕES DE PODER

O surdo vive um momento de oportunidades como um grupo organizado na sociedade, cultura, migração, identidade que são disseminados dentro de uma nova esfera social. Estes espaços foram conquistados nas lutas dos movimentos, são espaços multiculturais, num momento pós-colonial. O espaço multicultural se expressa como sucessão no mundo contemporâneo, para que os sujeitos sociais valorizem, expressem suas diferenças, suas culturas específicas, em busca da afirmação cultural. O povo surdo vem participando desta comunidade pós-colonial lutando pelo direito do espaço cultural e também do centrismo41. Por exemplo: aqui nesta universidade todos os povos surdos estão lutando pelo direito de muitos com quem vivem em contato mostrando a capacidade de estudar, de buscar conhecimento, objetivando a qualidade de linguagem, das narrativas, dos diferentes. E isso é repensar a identidade. A identidade nacional que Bhabha (1998:224) explica: “É nessa altura da narrativa do tempo nacional que o discurso uníssono produz sua identificação coletiva do povo não como alguma identidade nacional transcendente, mas em uma linguagem de duplicidade que surge da divisão ambivalente do pedagógico e do performativo”. (Bhabha, 1998:224).

As diferentes identidades podem compartilhar o mesmo espaço social, por exemplo, surdos com ouvintes, mas respeitando as diferenças, participando juntos na sociedade. O surdo deve construir sua identidade própria e peculiar, lutando pelo direito cultural e social. No que diz respeito à diferença cultural do povo surdo42, a comunidade imaginada como nação ocorre no tempo homogêneo da narrativa de ambas as culturas surda e ouvintes conquistando seus respectivos espaços.

Na atualidade, o surdo tem a sua identidade e a igualdade. Todas as 41

Centrismo: espaços de pesquisas e divulgação para a sociedade STROBEL (2006), Povo Surdo conjunto de sujeitos surdos que não habitam no mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, tais como a cultura surda, costumes e interesses semelhantes, histórias e tradições comuns e qualquer outro laço. 42

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comunidades surdas têm os direitos de cidadãos surdos, assim como os ouvintes. A performance da cultura surda sempre mostra o desafio dos próprios surdos na língua de sinais e na diferença dos ouvintes. A comunidade surda é importante na representação dos povos surdos. As diferenças culturais das identidades surdas têm se legitimado principalmente na defesa da língua de sinais como sendo a língua natural dos surdos. A pedagogia dos surdos é a diferença do ouvinte no cultural, na interdisciplinaridade dos conteúdos e contextos.

LEITURAS DA ALTERIDADE SURDA

Na alteridade surda de formação docente na universidade, o surdo tem a capacidade de produção acadêmica na própria língua de sinais, na formação de currículo e alteridade do ouvinte. O curso de pedagogia oferecido pela Universidade do Estado de Santa Catarina43 foi o primeiro espaço do outro, de identidade na área de educação do surdo, com acesso à qualidade de aprendizagem através do professor bilíngüe e também do intérprete de língua de sinais. O

surdo

tem

o

direito

de

acesso

à

universidade

de

curso

profissionalizante, na formação em pedagogia e qualquer licenciatura. É importante desenvolver a capacitação cognitiva na língua de sinais para entendimento e qualidade de ensino à distância no espaço de alteridade. O primeiro espaço no grupo surdo na universidade garantiu a formação em 2006 na UDESC o curso de pedagogia à distância. Foi maravilhoso e motivo de orgulho do nosso surdo em Santa Catarina, lutando na política pela educação e mostrando a capacidade dos direitos surdos como cidadãos.

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UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina

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No espaço ouvinte da universidade há espaço para estudo e pesquisa sobre a qualidade de ensino à diferença na identidade do surdo, entretanto no contato com o ouvinte, qual alteridade na aprendizagem, na metodologia, adaptação curricular do ouvinte? E o surdo, como está se desenvolvendo no parâmetro de pesquisa em que cada um reforça a busca do conhecimento no espaço de identidade na área? O surdo teve acesso na universidade dos ouvintes, na sala de aula compartilhando com o ouvinte, trocando conhecimento e experiência no parâmetro da língua de sinais e português. Neste contexto, há a alteridade de leitura do professor ouvinte repetindo e falando muito sem fazer sentido para o surdo, no quadro pela frente ou pelas costas, explicando o conteúdo, trabalhando com os alunos ouvintes que compreendem a comunicação e os conceitos. Na aprendizagem, a experiência é a diferença do surdo que compreende pelo espaço-visual na leitura. Então, surge o surdo lutando politicamente pela educação, pelo direito à busca do espaço no outro momento de alteridade de conhecimento adaptado do ouvinte. Na atualidade temos a formação profissional no curso de pedagogia para o surdo ter o acesso à escola regular do ouvinte como professor, ensinando o grupo de alunos surdos na língua de sinais. Neste ensino, dá-se a qualidade da educação com os alunos surdos interessados pelo primeiro contato em língua de sinais com o professor surdo, a intervenção no espaço cultural com os alunos surdos para entendimento do parâmetro curricular. Mediante a possibilidade de luta política pela educação no espaço da alteridade, os profissionais surdos de licenciaturas precisam marcar a diferença no parâmetro curricular do ouvinte. A língua de sinais é importante no campo universitário para acessar o curso de pedagogia ou Letras/LIBRAS, simbolizando a conquista de espaço na sociedade de modo que o surdo participe na luta pela educação nesta área.

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No pós-colonialismo a sociedade surda vem lutando centralizado outro espaço cultural sempre buscando alteridade na intervenção no outro campo interior que vem para associação de surdo, vem conhecer a realidade no outro surdo, participam no movimento cultural mais unido desta representação do direito e força na política do surdo, lutando por direitos no espaço social, interagindo com esta para construir a própria educação de surdo. É importante a intervenção do surdo no conhecimento cultural e na identidade surda que vem lutando pelos direitos na outra alteridade de ouvinte. O autor de Cortés (1999:48) comenta: “Éstas están intimamente ligadas a la política, lãs estratégias de poder y la mitologia productora de estereótipos, que estabelece uma representación de las otras culturas de acuerdo com el principio de la diferencia com la cultura-sujeto (la cual, como consecuencia, es también representada). (Cortés, 1999:48).

É interessante a pesquisa da alteridade surda lutando no espaço cultural de identidade. Na minha leitura, o autor auxilia, com a experiência de pesquisa no campo universitário na área de educação surda, na compreensão da formação da qualidade de ensino e importância profissional no espaço de pesquisa e de adaptação de metodologia no curso de pedagogia para surdo nas universidades. Por isso, o movimento surdo tem que lutar na política de alteridade no outro espaço cultural do pós-colonialismo, na construção do surdo centralizada na identidade da diferença do ouvinte.

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ASPECTOS DA PEDAGOGIA DA DIFERENÇA OU PEDAGOGIA DOS SURDOS Na reflexão contemporânea vemos as diferenças na pedagogia dos surdos nos aspectos da identidade e alteridade nos Estudos Culturais em educação dos surdos. O surdo tem a cultura própria, a língua de sinais e também a identidade. Isso é importante, segundo o autor Silva (2000), no que diz respeito ao outro mundo da diferença na identidade que compartilha a política de educação dos surdos. A pedagogia surda é a diferença no parâmetro curricular. Os Estudos Culturais vêm participando do momento histórico-cultural e da sociedade na luta pelo direito ao espaço de identidade dos grupos surdos e do caminho para uma nova identidade. Os Estudos Culturais (EC) vão surgir em meio às movimentações de certos grupos sociais que buscam se apropriar de instrumentais, de ferramentas conceituais, de saberes que emergem de suas leituras do mundo, repudiando aqueles que se interpõem, ao longo dos séculos, aos anseios por uma cultura pautada por oportunidade democrática, assentada na educação de livre acesso. (Costa, 2005:108)

A citação de Costa (2005) se refere aos Estudos Culturais, às exigências dos surdos lutando pelo direito como cidadãos, à identidade na diferença dos ouvintes. Percebemos a diferença de cultura na comunidade surda e como as sociedades expressam nos espaços culturais a tentativa de “descolonização” do conceito de cultura. Como as sociedades dos ouvintes não vêem a cultura dos surdos, sempre buscam o conhecimento do espaço de identidade na outra cultura e não conhecem o espaço na identidade de diferença no outro momento da conquista de espaço. Essa é a perspectiva de educação crítica na política. É esta busca comum de seus direitos como cidadãos, as suas reivindicações sociais e políticas de educação e de trabalho, que na verdade lhes são negadas. O que causa estranheza na nossa discussão é, entretanto, a falta de pesquisa na teoria da identidade e da diferença cultural dos ouvintes.

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A identidade e a diferença têm a ver com atribuição de sentido ao mundo social e com disputa e luta em torno dessa atribuição. (Silva, 2000:96) no que diz o respeito autor. Na atualidade as pesquisas na área da educação de surdos foi ampliada no seio de grupos de Estudos Surdos. Assim, há um espaço próprio em que o surdo debate e investiga a política de educação buscando adaptar os parâmetros curriculares à sua necessidade. Com isso há uma expansão do direito do surdo à sua cultura e identidade. E sobre o problema de educação de surdo, Silva (2000:97) se manifesta: É um problema pedagógico e curricular não apenas porque as crianças e os jovens, em uma sociedade atravessada pela diferença, forçosamente interagem com o outro no próprio espaço da escola, mas também porque a questão do outro e da diferença não pode deixar de ser matéria de preocupação pedagógica e curricular. (Silva, 2000:97)

Na escola regular em Santa Catarina os professores não conhecem a língua de sinais dos alunos surdos e a pedagogia tem nesta área do parâmetro curricular na educação dos surdos, a diferença de metodologia do ouvinte. Essa é a preocupação que os professores ouvintes têm ou deveriam ter de pesquisar a cultura dos surdos atravessando a escola em todo o ensino regular? No momento, não temos os profissionais ouvintes usando língua de sinais. São poucos e é preciso expandir o curso de língua de sinais nas escolas com os instrutores dando aula de LIBRAS para que o ouvinte entenda a cultura surda, identidade e movimentos surdos.

Nesta proposta de pesquisa sobre a alteridade na pedagogia dos surdos, queremos incentivar a força política estratégia nos estudos da pedagogia surda. No passado, lutamos na Universidade do Estado de Santa Catarina que garantiu o curso de pedagogia para surdos e podemos abri-lo no espaço desta Universidade Federal de Santa Catarina no futuro, com melhor qualidade de ensino na área de identidade política do próprio surdo.

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RELAÇÕES INTERCULTURAIS No oralismo os surdos viviam isolados na cultura dos ouvintes. Neste contexto, não participavam das associações e não conheciam a cultura surda, o movimento e identidade surdo. Minha preocupação é que, na realidade, os surdos sempre deixam o ouvinte fazer a proposta na política do ouvintismo, mantendo este procedimento na inclusão. No mundo ouvinte, continua a política de inclusão dos surdos com base no oralismo. Eles vivem nas famílias de ouvintes com a comunicação na língua portuguesa e os surdos estão isolados no espaço cultural desta sociedade, pois têm a diferença cultural do ouvinte. A inclusão dos surdos no contexto educacional, através do deslocamento da visão medicalizada da surdez para o seu reconhecimento político, tendo por base a interculturalidade, revela uma possibilidade de se construir projetos políticopedagógicos que tenham como foco o fascinante mundo do conhecimento produzido pelas diversas culturas que compõem a sociedade brasileira e mundial, dentre elas a cultura surda. Por enquanto, os surdos no oralismo têm a influência da língua portuguesa quando se fala do tradicional uso do aparelho auditivo e do não-uso da língua de sinais. Cadê o espaço cultural do surdo? Os surdos nascem no mundo de ouvinte e adquirem a língua portuguesa no oralismo, estão, desde ao sob influência do ouvinte, que sempre manteve os surdos no oralismo pela terapia de fala. O oralismo é treinamento como papagaio e não tem a cultura surda, subjetividade, identidade, é superficial. Mas eu não concordo com essa influência de ouvintismo que manteve tudo na língua falada, na cultura do ouvinte. Isso é um problema: a clínica de terapia de fala na sociedade. A clínica é o problema ou o uso que se faz dela? Não pode haver quem queira se beneficiar dela espontaneamente, como se aprende uma língua estrangeira, e não por imposição?

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Os ouvintes têm incorporado às escolas elementos da cultura surda, como alguns usos restritos de língua de sinais, mas é um disfarce porque a prioridade é a fala e não a língua de sinais. Alerta! É preciso ter cuidado com esta instituição! Nas relações interculturais, os surdos sabem a importância de intervenção na história, no encontro com outros surdos na sociedade isolada, nos líderes, na emancipação, na luta política, na identidade surda. Eu me lembro de quando era criança, como eu ficava superficialmente na sociedade de ouvinte, pela barreira de comunicação na língua oral. Os surdos vêm participando de movimento social, de emancipação, da criação de associações no Estado de Santa Catarina e de seus espaços culturais, da divulgação de novas amizades, que promovem o encontro e intervenção intercultural dos surdos na década de 50. Por isso a importância política dos movimentos sociais surdos nas associações. Este trabalho ajudou muito na compreensão da experiência a partir da leitura do texto intercutural e autor Fleury. Na reflexão intercutural, os surdos se unem à procura de espaços culturais de intervenção na sociedade de surdos, no momento de emancipação social do movimento, na realidade do encontro com os lideres surdos na língua de sinais. Considerações finais Finalmente, é importante que o grupo surdo participe da universidade ou da comunidade surda continuando o movimento de luta pelo direito ao acesso no espaço lingüístico/cultural e para garantir o estudo e pesquisa em educação de surdo em nível de graduação e também pós-graduação mestrado e doutorado. Todos têm que unir forças de poder por uma política e pela educação dos surdos.

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Podemos perceber que nós, os surdos, estamos começando a divulgar na sociedade, a língua de sinais e as possibilidades de pesquisa acadêmica nas universidades brasileiras ou na UFSC sobre a nova proposta, sobre os problemas de pesquisa relativos à educação de surdos e introduzindo noções de identidade cultural no espaço conflitivo da área, no programa de pós-graduação. Esse momento cultural do surdo na área do conhecimento acadêmico é importante para as realidades de pesquisas que apresentam ao sujeito surdo possibilidades de melhoria no ensino superior nas universidades de todo o Brasil. Na verdade, o surdo tem a capacidade de comunicação na língua de sinais, que é sua diferença com o ouvinte, além do espaço lingüístico/cultural. Isso é importante para a identidade do surdo que busca o espaço cultural. Na UFSC, por exemplo, temos o curso de LETRAS/LIBRAS que é o pioneiro, uma vitória do surdo brasileiro acessando a primeira universidade do Brasil que oferece oportunidade “acessando o primeiro curso de Letras e temos a construção da identidade fazendo prevalecer a qualidade de ensino”. Então, o surdo está vivendo um momento de construção de identidade no caminho da pesquisa no espaço cultural e acadêmico. Referências Bibliográficas BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo, Ed. USP. CHAMBERS, Lan. Migración, cultura, identida. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1995. CORTÉS, Ovidi Carbonelli. Traducir al outro: Traducción, exotismo, poscolonialismo. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilha – La Mancha, 1999.

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