Tradução e as Múltiplas Inteligências

May 28, 2017 | Autor: Karen Currie | Categoria: Multiple Intelligences
Share Embed


Descrição do Produto

CURRIE, K. L. Tradução e as Múltiplas Inteligências. In. DEPAULA, L;
REZENDE, P. CASTRO, M. C.; PERTEL, T. (orgs.) Tradução: sobre a
quintahabilidade na língua, no outro, na arte. São Carlos, Brasil: Pedro &
João Editores, 2014, p. 473-489.

Tradução e as Múltiplas Inteligências
Karen L. Currie

Nenhuma área de conhecimento pode ser compreendida de acordo com
apenas uma maneira de representação. Ao interagir com qualquer material de
várias maneiras, é possível alcançar um nível de compreensão muito mais
abrangente. Com base na teoria das Múltiplas Inteligências (Teoria MI) de
Dr. Howard Gardner, da Universidade de Harvard, pretendemos 'traduzir' o
conceito da tradução de acordo com as diferentes áreas de inteligência:
lingüística; lógico-matemática; visual-espacial; corporal-cinestésica;
musical; interpessoal e intrapessoal. Dessa forma, esperamos ampliar a
conceituação que fundamenta esta área específica de conhecimento.
A Teoria das Múltiplas Inteligências representa uma visão pluralista
da mente ao reconhecer e validar diferentes aspectos do processo cognitivo.
Gardner afirma que a competência cognitiva deve ser encarada como um
conjunto de habilidades, talentos ou competências que ele denomina
inteligências. Ele acredita que todos nós possuímos cada uma dessas
competências, variando apenas na quantidade e na combinação de
inteligências que aplicamos nas nossas vidas (GARDNER, 2006:06). A
diversidade da capacidade humana está intimamente ligada às diferenças de
perfil entre um indivíduo e outro. Gardner afirma que sempre é possível
desenvolver qualquer área de inteligência em qualquer época da vida (como
também é possível reduzir a capacidade de aplicar a nossa inteligência de
uma área específica se paramos de exercitá-la). O autor também enfatiza que
qualquer ação exige uma combinação de inteligências diferentes. Raramente
utilizamos apenas uma área específica para realizar qualquer tarefa.
Entretanto, nem sempre estamos conscientes de todas as nossas capacidades
cognitivas, e, como afirma Gardner (2006: 24, T.A.[1]):

É de fundamental importância reconhecer e estimular o
crescimento de todas as diferentes áreas de inteligência e
todas as combinações de inteligência. Somos todos tão
diferentes em grande parte porque possuímos diferentes
combinações de inteligência. Ao reconhecer isso, penso que
teremos oportunidades melhores para lidar com os tantos
problemas que enfrentamos neste mundo de hoje. Se for
possível mobilizar o espectro de habilidades humanas, as
pessoas se sentirão mais confiantes e mais competentes; é
possível até que se sentirão mais motivadas e bem
preparadas a se juntar ao restante da comunidade global a
fim de trabalhar para o bem comum.

O objetivo fundamental do tradutor é de facilitar a comunicação:
normalmente entre povos diferentes que possuem línguas diferentes, mas às
vezes entre pessoas diferentes da mesma cultura (tradutores das línguas de
sinais, por exemplo). Portanto, se acreditarmos que cada ser humano possui
um perfil diferente, ou uma combinação única de múltiplas inteligências,
devemos reconhecer também que para facilitar a comunicação entre as
pessoas, é muito importante compreender as diferentes facetas do processo
cognitivo com intuito de aperfeiçoar o nosso ofício.
Armstrong (2003: 13-14, T.A.) no seu livro The Multiple Intelligences
of Reading and Writing[2], descreveu, de modo abreviado, as principais
características de cada uma das sete inteligências, conforme exposição a
seguir:
1. Inteligência Intrapessoal. A habilidade de acessar a sua própria vida
emocional através do reconhecimento e compreensão de seus sentimentos
interiores, intenções, motivações, potenciais, temperamentos e
desejos, e a capacidade de simbolizar essas experiências internas e
aplicar esses entendimentos para ajudar pessoas a viverem suas
próprias vidas. Exemplos incluem o psicoterapeuta, o autodidata, o
artista criativo e o pajé.
2. Inteligência Interpessoal. A habilidade de observar e fazer distinções
a respeito de sentimentos, temperamentos, motivações, intenções dos
outros indivíduos, e usar essa informação de forma prática, para
persuadir, influenciar, manipular, mediar ou aconselhar indivíduos ou
grupos de indivíduos em direção a algum propósito. Exemplos incluem o
sindicalista, professor, terapeuta, administrador ou líder político.
3. Inteligência Lingüística. O entendimento da fonologia, sintaxe e
semântica da língua e seu uso prático para convencer outros de um
curso de ação, ajudar a lembrar informações, explicar ou comunicar
conhecimento, ou refletir sobre a língua por si mesma. Exemplos de
indivíduos proficientes nessa área incluem o contador de histórias, o
orador, o poeta, o editor e o escritor.
4. Inteligência Corporal e Cinestésica. A habilidade de controlar os
movimentos corporais e a capacidade de lidar com objetos de forma
habilidosa. Exemplos de indivíduos proficientes nessa inteligência
incluem o ator, o mímico, o artesão, o atleta, o dançarino e o
escultor. De acordo com Campbell et al (2000: 78): "a inteligência
cinestésico-corporal é a base do conhecimento humano, pois é através
das nossas experiências sensório-motoras que experimentamos a vida."
5. Inteligência Visual-Espacial. A habilidade de perceber detalhadamente
o mundo visual, de realizar transformações e modificações sobre a
percepção inicial do indivíduo, e ser apto a recriar aspectos da
experiência visual (mesmo na ausência de estímulo físico relevante).
Exemplos incluem o arquiteto, geógrafo, cartógrafo, topógrafo, o
inventor e o artista gráfico.
6. Inteligência Musical. A habilidade de entender e expressar componentes
da música, incluindo padrões rítmicos e melódicos, através de meios
simbólicos ou intuitivos (o músico natural) ou através de meios
analíticos formais (o músico profissional). Exemplos incluem o
compositor, o pianista, o percussionista, o crítico musical e o
cantor.
7. Inteligência Lógico-Matemática. O entendimento e uso de estruturas
lógicas incluindo o reconhecimento de configurações e relações,
afirmações e proposições, através de experimentação, quantificação,
conceitualização e classificação. Exemplos incluem o cientista, o
matemático, o lógico, o programador de computadores e o estatístico.

De acordo com a Teoria MI cada indivíduo possui um perfil das
diferentes inteligências onde é possível identificar áreas mais fortes e
áreas mais fracas de competência. Naturalmente o indivíduo se sente mais
seguro, confortável, competente quando exercita suas áreas mais fortes. Mas
a teoria sugere que cada indivíduo deve sempre investir no desenvolvimento
de todas as áreas, utilizando suas áreas fortes na tentativa de melhorar
suas áreas mais fracas. Recentemente, Gardner (2006) fez uma observação
interessante sobre esses perfis de inteligência, apontando para um
contraste entre o perfil 'laser' e o perfil 'farol' (searchlight). Pessoas
com o perfil 'laser' tendem a apresentar um desenvolvimento bem maior em
apenas uma ou duas áreas. Por exemplo, Mozart apresentava um perfil 'laser'
que enfatizava a inteligência musical em conjunto com a inteligência
corporal-cinestésica enquanto Einstein, que também apresentava um perfil
'laser', enfatizava as inteligências lógico-matemática e visual-espacial.
As pessoas com perfil 'laser' normalmente procuram profissões onde suas
áreas dominantes prevaleçam, direcionando suas energias no aprofundamento e
aperfeiçoamento dessas áreas.
O perfil 'farol' é característica de pessoas que apresentam o mesmo
nível de desenvolvimento em pelo menos três ou quatro áreas diferentes de
inteligência, sem apontar para uma área específica como sua área preferida
ou dominante. Essa pessoa possui a capacidade de observar simultaneamente
vários elementos diferentes de qualquer propósito, é capaz de compreender
uma situação de vários pontos de vista, exercita uma visão mais holística.
De acordo com Gardner (2006: 38, T.A.) "qualquer sociedade complexa depende
de ambas essas habilidades. Talvez o perfil 'farol' é necessário para
manter o funcionamento da sociedade (...) enquanto (...) valorizamos mais
as conquistas do perfil 'laser'."
No entanto, independente do tipo de perfil, lembramos que a teoria MI
enfatiza a necessidade de investir no desenvolvimento de todas as áreas de
inteligência. Sendo assim, as pessoas com perfil 'laser' devem utilizar
suas áreas mais fortes para desenvolver suas áreas mais fracas, enquanto as
pessoas com perfil 'farol' podem procurar a área mais apropriada, ou
combinação de áreas, para desenvolver suas inteligências mais fracas de
acordo com cada situação.
O especialista em qualquer área de conhecimento é reconhecido pela
capacidade de pensar sobre sua disciplina, ou representar seu conhecimento,
utilizando uma diversidade de formas ou meios diferentes. Esse fenômeno
surge porque quando "utilizamos múltiplas abordagens, ativamos diferentes
aglomerações de redes neurais. E na medida em que ativamos numerosas redes
de neurônios que, com tempo, formam conexões entre si, construímos uma
representação mental, sólida e com durabilidade, do tópico em questão."
(Gardner, 2006: 60, T.A.) Nesse sentido, é de suma importância explorar as
múltiplas relações entre o nosso ofício de tradutor e as diferentes áreas
de inteligência com objetivo de consolidar e até ampliar as habilidades e
conhecimentos necessários para esta profissão.

As Inteligências Intrapessoal e Interpessoal
Para realizar a comunicação do pensamento, o indivíduo precisa
codificar seu pensamento de alguma forma (utilizando o meio oral, a
escrita, línguas de sinais, música, artes visuais, etc.). E para
compreender esse pensamento, o receptor da mensagem precisa compreender o
código utilizado e saber decodificar a mensagem. Sendo assim, contamos
inevitavelmente com a inteligência intrapessoal para traduzir ou codificar
o pensamento original. A experiência interna, pessoal, única, precisa ser
transformada em símbolos que serão decodificados pelos outros. Portanto, ao
codificar a mensagem, o transmissor precisa estar consciente das
necessidades do receptor, precisa compreender o outro, saber utilizar sua
inteligência interpessoal com êxito. Por exemplo, quando consideramos o ato
de escrever, o autor do texto utiliza sua inteligência intrapessoal para
definir os pensamentos que quer expressar, mas quando transforma seu
pensamento em texto, ele também pensa no seu leitor e organiza seu texto de
forma a facilitar a compreensão dos seus pensamentos.
Quando o tradutor pretende agilizar este processo de comunicação, ele
precisa compreender muito bem os códigos que estão sendo utilizados.
Precisa estar consciente das opções disponíveis, apreciar as escolhas
utilizadas pelo autor original, e compreender os processos de codificação e
de decodificação. É importante analisar interpretações alternativas,
comparar propostas diferentes adotadas por tradutores diferentes, procurar
ativamente uma variedade de soluções! Saber que sempre existe uma
diversidade de soluções – não apenas uma solução 'certa'. Estar consciente
da necessidade de decidir qual a melhor dentro do contexto específico em
análise. Para isso a busca intrapessoal atrás daquela palavra que parece se
encaixar melhor exige uma capacidade de análise e de avaliação muito bem
desenvolvida.
Entretanto, não é suficiente dominar bem os processos cognitivos
envolvidos na codificação e decodificação de mensagens, o tradutor também
precisa estar consciente das ligações entre a identidade psicológica
pessoal / individual e a identidade social ou cultural. E já que a maioria
dos tradutores trabalha com a comunicação do pensamento entre diferentes
culturas que possuem diferentes línguas, é fundamental conhecer ao fundo as
culturas com quais trabalha. De acordo com a Stelamaris Coser (2007: 145),
é comum a preocupação acadêmica com
os contextos culturais de ambos os textos sendo
analisados, ou seja, o texto+cultura-fonte e o
texto+cultura-alvo. Esses pontos se relacionam de perto
com a polêmica em torno da própria definição de tradução e
das diferentes interpretações sobre as relações autor-
tradutor, tradutor-texto e texto-cultura. A definição e as
interpretações se baseiam em expectativas, muitas vezes
antagônicas, de equivalência e fidelidade ao texto
original ou de sua reinvenção e recriação.


Sendo assim, é necessária colher informações específicas sobre diferentes
áreas de conhecimento das culturas envolvidas no ato da tradução. A mesma
autora afirma que "Como conceito, a tradução se situa num campo
multidisciplinar que associa a lingüística com as áreas de estudos
literários, história cultural, filosofia e antropologia." (Ibid.) O
tradutor precisa estar consciente das ligações entre uma área do
conhecimento e outra, precisa se informar sobre os diferentes contextos do
texto que é foco do seu trabalho com intuito de compreender o ambiente
sócio-cultural que deu origem ao texto-fonte. E para transmitir a mesma
mensagem para uma outra cultura, é necessário conhecer a fundo as mesmas
áreas de conhecimento da cultura alvo. Fica claro, portanto a relação
íntima entre as inteligências intrapessoal e interpessoal – a compreensão
aprofundada do pensamento original que exige uma análise íntima de
significados que precisa ser transformada no código do 'outro' que vive um
contexto sócio-cultural completamente diferente.
Até o presente momento pensamos mais na língua escrita, mas as mesmas
preocupações precisam ser levadas em conta quando analisamos a situação do
tradutor simultâneo que trabalha com a língua falada. Entretanto
gostaríamos de acrescentar mais uma alerta que pode ser considerada válida
para ambas as situações (escrita e fala), lembrando que a velocidade da
comunicação oral pode provocar conseqüências ainda mais sérias: quando dois
interlocutores participam numa comunicação oral, enquanto um está ouvindo o
outro falar, é freqüente o ouvinte 'saber' o que está ouvindo, no sentido
de que está sempre fazendo prognósticos sobre o que o outro vai dizer e
acaba procurando apenas confirmações do próprio prognóstico em vez de
manter a mente aberta para a recepção de informações novas. E mesmo quando
o ouvinte percebe que o falante está transmitindo informações novas, ele
filtra essas informações utilizando seus próprios esquemas mentais.
Portanto é necessário perguntar sempre: qual a mensagem sendo transmitida?
Como tradutores, precisamos estar conscientes de preconceitos e pontos de
vista pessoais. Precisamos controlar os preconceitos e ratificar
suposições, utilizando estratégias de realimentação e paráfrase para checar
que a mensagem está sendo transmitida da forma mais verídica possível.

As Inteligências Corporal- Cinestésica e Visual-Espacial
De acordo com o trabalho de Dr. Albert Mehrabian[3] (1981) sobre a
comunicação não-verbal, até 93% do significado de uma interação oral pode
ser comunicado por meio da prosódia e a linguagem corporal quando são
envolvidos sentimentos ou emoções. Sendo assim, quando exercitamos a
tradução simultânea da fala, é necessário levar em consideração a nossa
própria linguagem corporal – os gestos que utilizamos, a qualidade da voz,
a entonação, a postura do corpo, etc. como também é importante desenvolver
a nossa capacidade de reconhecer os gestos, expressões faciais, a postura e
os movimentos corporais do outro durante o ato comunicativo. A utilização e
interpretação da linguagem corporal dependem fundamentalmente da
inteligência corporal-cinestésica em conjunto com a inteligência visual-
espacial. Sendo assim, o tradutor oral precisa reconhecer a importância
dessas duas áreas de inteligência. Lembrando que, da mesma forma em que as
palavras aparentemente sinônimas em línguas diferentes refletem diferenças
culturais, o mesmo gesto também pode significar mensagens diferentes em
culturas diferentes. Por exemplo, os Norte-Americanos entendem o olhar
direto 'olho-no-olho' como indicação de honestidade enquanto os Asiáticos
entendem o olhar direto 'olho-no-olho' como indicação de desrespeito.
Seguem alguns exemplos de gestos comuns que possuem funções e significados
diferentes em culturas diferentes.[4]

O papel da comunicação não-verbal não é restrito à interação oral, e
como fator essencial para diversas áreas da tradução é explorado de várias
formas no livro 'Nonverbal Communication and Translation[5]' editado pelo
Fernando Poyatos (1997). O livro investiga os desafios da comunicação não-
verbal na tradução literária e inclui textos que investigam especificamente
o papel da linguagem não-verbal no teatro e na tradução de poesia. Há uma
preocupação também com a tradução simultânea retratada muito bem no artigo
de Sergio Viaggo: 'Fatores Cinestésicos e o intérprete simultâneo: as
vantagens de ouvir com os olhos e falar com o corpo.'(Poyatos, 1997, p. 249-
282, T.A.). Uma outra área de tradução mencionada no mesmo livro que exige
considerações de fatores relacionados à linguagem corporal é a tradução de
filmes e de canais áudio-visuais de televisão. Freqüentemente o significado
da interação áudio-visual não está sendo transmitido apenas por meio das
palavras – os gestos, a postura corporal, as expressões faciais estão todos
contribuindo para comunicar a mensagem final. Assim, o tradutor precisa
prestar bastante atenção aos fatores não verbais envolvidos para garantir a
comunicação fiel do significado.
O tradutor de textos verbais também pode utilizar outras ferramentas
visuais para facilitar seu trabalho, como, por exemplo, os dicionários
pictóricos e ilustrações. Também pode aproveitar as diferentes
possibilidades de busca na Internet, explorando a fartura de imagens
disponíveis para compreender melhor a rede de significados estimulados por
palavras diferentes. Entretanto, existem campos específicos onde a
inteligência visual-espacial precisa ser incorporada como o fator central –
por exemplo, para traduzir uma poesia concreta é fundamental levar em
consideração a organização visual-espacial das letras e palavras, fazendo o
possível para garantir a transferência do significado visual de uma língua
para outra. As duas áreas de inteligência são essenciais também na tradução
de línguas de sinais. Qualquer pessoa que já assistiu uma tradução
simultânea para surdos fica impressionada com a utilização especializada da
linguagem corporal para realizar a comunicação visual eficaz.

A Inteligência Musical[6]
A comunicação através da fala depende fundamentalmente da produção,
reprodução e interpretação de diferentes sistemas de som. Portanto, a
utilização eficaz desses diferentes sistemas sonoros depende da
inteligência musical. O tradutor simultâneo de qualquer idioma precisa
reconhecer e saber reproduzir os diferentes sons de ambas as línguas em
uso, precisa saber utilizar com destreza ambos os sistemas fonológicos,
precisa reconhecer as semelhanças e diferenças entre a estrutura de sua
língua materna e a língua 'alvo'. Por exemplo, existem sons na língua
portuguesa, como as vogais nasalizadas em palavras tais como: mão, manga,
muito e em sons palatais como minha e filha, que não existem na língua
inglesa. Por outro lado, existem sons em inglês, como as vogais centrais em
nut e sit e os fricativos dentais em they e thin, que não existem em
português.
Além de conhecer bem os sons individuais, o tradutor também precisa
saber como funcionam os sons em conjunto. Por exemplo, na língua portuguesa
a combinação dos sons [t] + [i] resulta na africada [tʃ] para a maioria dos
falantes brasileiros, como, por exemplo, na palavra tia pronunciada [tʃia],
enquanto a mesma combinação na língua inglesa não resulta numa africada, os
sons continuam com seu valor original, como na palavra tea, pronunciada
[ti].
Um outro fator sonoro que varia de uma língua para outra é o ritmo da
fala. Para identificar o ritmo, é necessário que se reconheça a diferença
entre uma sílaba acentuada e uma sílaba não acentuada. Na língua inglesa, a
localização do acento em uma palavra pode identificar a palavra como sendo
um verbo ou um substantivo. Por exemplo, quando a palavra é
pronunciada com acentuação na primeira sílaba, ela é identificada como
sendo substantivo, traduzido como um protesto. Mas, se a palavra
for pronunciada com acentuação na segunda sílaba, o mesmo vocábulo se
transforma em verbo, com significado de protestar. Portanto, a acentuação
em língua inglesa serve para identificar a função gramatical de algumas
palavras. Esse fenômeno não ocorre na língua portuguesa, de modo que o
tradutor brasileiro que trabalha com a tradução simultânea em língua
inglesa precisa 'ouvir' as diferenças rítmicas em uma mesma palavra para
perceber essas modificações de acentuação tão importantes para
identificação da função gramatical de algumas palavras em língua inglesa.
Qualquer ato de fala também envolve variações melódicas baseadas na
estrutura rítmica, que são constituídas pelos contornos de altos e baixos e
pelo movimento sonoro da fala de forma geral – as características supra-
segmentais da fala. Há vários sistemas distintos de entonação, que
normalmente operam de modo simultâneo: (a) o sistema gramatical; (b) o
sistema que organiza o discurso ou a estrutura interativa da conversa; e
(c) o sistema que transmite o significado afetivo da mensagem. Todas essas
características sonoras possuem funções muito importantes para o ato
comunicativo. Na medida em que os usuários da linguagem se tornam cada vez
mais conscientes da estruturação sonora da fala, estarão desenvolvendo sua
Inteligência Musical para aprofundar seu conhecimento lingüístico.

As Inteligências Lógico-Matemática e Lingüística
Na medida em que o profissional de línguas se conscientize da
estruturação sonora das diferentes línguas ele também está desenvolvendo
sua Inteligência Lógico-Matemática e sua Inteligência Lingüística – em
conjunto com sua Inteligência Musical. Como foi mencionado no começo deste
texto, as diferentes áreas de inteligência funcionam normalmente em
combinação de acordo com os objetivos de cada propósito. Como afirma
Gardner (2006: 22, TA), "qualquer papel cultural que exige algum grau de
sofisticação requer uma combinação de inteligências". Na mesma página o
autor enfatiza que o total pode ser maior que a soma das partes, no sentido
de que "um indivíduo pode não apresentar um desenvolvimento grande em
nenhuma das áreas de inteligência, mas, por causa de uma combinação única
de habilidades, essa pessoa poderá preencher muito bem alguma posição, ou
nicho, de modo singular". Sendo assim, o desenvolvimento de diferentes
combinações de inteligência será sempre uma tarefa importante para qualquer
profissional que se interessa na sua própria formação permanente.
Para desenvolver a Inteligência Lógico-Matemática é necessário
conhecer bem a estrutura das línguas em uso em todas as áreas e níveis
possíveis. O tradutor precisa conhecer bem os diferentes sistemas
(fonológico, sintático, semântico) das línguas com quais trabalha. Precisa
compreender bem a estruturação do discurso e as implicações pragmáticas.
Afinal das contas, a gramática formal (ou sintaxe) é baseada na teoria
matemática da linguagem formal e no cálculo lógico. E ao trabalhar nas
áreas de semântica, análise do discurso ou com as variações pragmáticas, o
tradutor estará desenvolvendo a sua capacidade de identificar atributos e
componentes, reconhecer relações, estabelecer critérios, comparar, inferir,
fazer previsões, verificar hipóteses, etc., todos esses fatores
representando características da Inteligência Lógico-Matemática. É
igualmente importante estar consciente de possíveis áreas de interferência
entre as línguas – baseadas nas diferenças estruturais; estar consciente do
processo que ocorre entre a identificação de um problema – a busca de
soluções – e a identificação da melhor solução; saber analisar soluções,
verificar propostas de solução e compará-las com outras estilísticas.
Seguindo Coser, (2007) o tradutor também precisa contribuir para decisões
sobre 'o que' traduzir – baseadas em dados de mercado (vendas de ficção e
não-ficção estrangeira); espaço comercial; formação de opinião, etc. – mais
uma vez exigindo uma capacidade de análise bem desenvolvida.
Inevitavelmente, a Inteligência Lingüística está sempre presente em
qualquer trabalho de tradução, com algumas áreas exigindo maior presença
que outras. Por exemplo, quando surgem expressões idiomáticas que "não
podem ser decodificadas com a simples análise individual de seus
componentes; o significado da expressão não é previsível a partir do
significado de suas partes" (Lillian de Paula, 2007: 94). Por exemplo, a
frase em inglês 'down and out' não significa 'para baixo e para fora',
significa 'muito pobre, precisando de ajuda'; uma outra frase 'to make a
song and dance (about something)' não pode ser traduzida como 'fazer uma
canção e uma dança sobre algo'. A frase significa 'fazer um reboliço
exagerado'.
Os verbos frasais de inglês também apresentam o mesmo problema – não
podem ser traduzidos literalmente. O verbo to hang back não quer dizer
'pendurar para trás', significa 'ser tímido'; da mesma forma 'to hang with'
significa 'fazer companhia' e não 'pendurar com' e to hang around'
significa 'permanecer num lugar' em vez de 'pendurar em volta'. Expressões
idiomáticas e verbos frasais não podem ser traduzidos literalmente,
precisam ser aprendidos, um por um. Contexto também é um dos fatores mais
importantes no processo da definição do significado da mensagem. De acordo
com de Paula (2007: 90) "os pensadores pragmáticos em geral insistem na
importância de se perguntar não exatamente o que uma palavra significa, mas
como ela está sendo utilizada. A prática da tradução nos faz perceber de
que forma as palavras podem ser manipuladas tendo em vista certo contexto."
Sendo assim, a compreensão do contexto é sempre fundamental na busca do
verdadeiro significado do texto.
Associações semânticas em línguas diferentes refletem a organização
cultural do pensamento, e já que é tarefa do tradutor expressar o
significado original na língua alvo, ele precisa compreender muito bem a
organização cultural em ambas as línguas. Por exemplo, quando pensamos na
palavra 'casa', na cultura brasileira podemos imaginar estruturas arejadas,
com varandas em torno da estrutura central, banheiros com chuveiros e
paredes de azulejo, janelas com venezianas para facilitar a entrada do ar e
um piso 'frio' normalmente de cerâmica, de concreto ou de madeira. Mas a
mesma palavra no meu país de origem (Escócia, ao norte da Inglaterra)
estimula imagens de casas bem fechadas, janelas com vidro duplicado, com
vácuo no meio para garantir o aquecimento interior, piso coberto de
tapetes, as paredes freqüentemente decoradas com papel de parede, banheiros
também com tapetes e banheira em vez de chuveiro. Também são encontrados
aparelhos de aquecimento por toda parte da casa. A ênfase no Brasil é de
garantir a entrada de ar para refrescar o ambiente, enquanto a ênfase na
Escócia é de criar um ambiente bem fechadinho para manter o aquecimento
interior da casa. Quais serão as imagens estimuladas pela mesma palavra na
língua dos esquimós, dos nômades do deserto, dos aborígines de Austrália? E
os moradores de Nova Iorque, de Tóquio, de Paris, de Lisboa, quais as
associações diferentes que surgirão nas mentes dessas culturas diferentes?
O tradutor precisa estar consciente das relações que existem entre o signo,
o significado e o sentido nas diferentes culturas com quais trabalha.
Também precisa resgatar o significado implícito, as implicaturas, o
conhecimento oculto de qualquer texto, seja de anúncios que apresentam um
estilo telegráfico, ou seja de textos literários que apresentam camadas de
significados inter-relacionadas de forma muito complexa. Todas essas
exigências necessitam de um bom desenvolvimento da Inteligência
Lingüística.

O investimento na aprendizagem permanente
O tradutor interessado na aprendizagem permanente precisa estar
consciente do processo tradutório, investindo em melhorias ativamente por
meio de estratégias de metacognição. Essa consciência da própria atividade
cognitiva envolve habilidades como: (a) a habilidade de avaliar o
entendimento de problemas e o próprio conhecimento; (b) a habilidade de
planejar boas estratégias metacognitivas com objetivo de melhorar a
prática; (c) a habilidade de avaliar a experiência de aprendizado. Em
outras palavras, é necessário observar a própria experiência concreta e a
capacidade de resolver os problemas que surgem durante o processo. Essa
tomada de consciência inicial exige a capacidade de refletir sobre as
próprias ações – uma característica muito forte da Inteligência
Intrapessoal. O próximo passo envolve a análise das opções disponíveis, o
planejamento das estratégias a serem adotadas que visam melhorias futuras –
o que exige características essencialmente da Inteligência Lógico-
Matemática. Mas durante essa fase é de fundamental importância que todas as
opções sejam analisadas – opções envolvendo todas as inteligências – para
garantir um amplo leque de possibilidades de investimento em estratégias de
aprendizagem. Uma vez tomadas as decisões sobre as estratégias a serem
adotadas, o tradutor experimenta as novas propostas de trabalho ou de
aprendizagem e depois passa a analisar a sua contribuição para a
experiência concreta de seu trabalho.
Esse ciclo de aprendizagem pode continuar de forma permanente, na
medida em que o tradutor elege estratégias diferentes em cada ciclo. Por
exemplo, ele pode analisar um trabalho que envolve a tradução de uma poesia
e observar que está encontrando dificuldades para incluir as
características sonoras do texto original ao montar a poesia na língua
alvo. Uma vez consciente desta dificuldade, deve considerar algumas
estratégias que poderiam contribuir para melhorias nessa área. Poderia
utilizar a inteligência Musical ao ouvir gravações de poesias na língua
alvo, focalizando a sua atenção no ritmo e nos sons rimados. Poderia
investir na inteligência Visual-Espacial em conjunto com a inteligência
Lógico-Matemática montando listas de palavras que rimam na tentativa de
identificar um número maior de vocábulos alternativos que possuem sons em
comum nos locais desejados. Poderia experimentar uma outra estratégia que
une as inteligências Corporal-Cinestésica, Musical e Intrapessoal ao optar
pela leitura em voz alta da poesia original para sentir o efeito sonoro de
forma mais imediata, mais pessoal, sentindo o efeito do ritmo e da
distribuição dos sons no seu próprio interior. Ao montar a poesia
traduzida, também deve entoar cada linha, experimentando diferentes
palavras, em voz alta, até alcançar opções que provocam os mesmos
sentimentos de ritmo e de rima experimentados na leitura do original.
Ao experimentar várias portas de entrada, as possibilidades de solução
para qualquer problema são ampliadas e diversificadas. Já que é muito raro
conseguir entender algo de imediato, é necessário encontrar a matéria em
questão repetidas vezes para dominar ou compreender o conceito ou teoria
envolvido.
[...] não se deve apresentar o mesmo conteúdo da mesma
forma. É bem mais provável que a compreensão seja
alcançada se o aprendiz encontre o conteúdo numa variedade
de contextos, apresentado de diversas maneiras. E a melhor
forma de garantir que isso aconteça é de envolver todas as
inteligências que são pertinentes no maior número possível
de estilos / modos legítimos. (Gardner, 2006: 60)


Na medida em que o tradutor procure ampliar o leque de estratégias
disponíveis para resolver problemas e ampliar o conhecimento necessário à
realização eficaz do ofício, torna-se um profissional cada vez mais
competente.

REFERÊNCIAS

ARMSTRONG, Thomas. The Multiple Intelligences of Reading and Writing.
Alexandria, Virginia, USA: Association for Supervision and Curriculum
Development (ASCD), 2003.

CAMPBELL, Linda, CAMPBELL, Bruce e DICKINSON, Dee. Ensino e Aprendizagem
por meio das Múltiplas Inteligências. São Paulo: Artmed, 2000.

COSER, Stelamaris. Traduçao Literária e Política Cultural. In. DE PAULA,
Lillian (org.). Tradução: uma fonte para o ensino. Vitória, ES: EDUFES,
2007, p. 145-160.

DARN, Steve. Aspects of Nonverbal Communication. In. The Internet TESL
Journal, Vol. XI, No. 2, February 2005. Disponível em:
http://iteslj.org/Articles/Darn-Nonverbal/

DE PAULA, Lillian (org.). Tradução: uma fonte para o ensino. Vitória, ES:
EDUFES, 2007.

GARDNER, Howard. Multiple Intelligences: New Horizons. New York: Basic
Books, 2006.

MEHRABIAN, A. Silent messages: Implicit communication of emotions and
attitudes. Belmont, CA: Wadsworth, 1981, (atualmente distribuido por Albert
Mehrabian, [email protected])

POYATOS, Fernando (ed). Nonverbal Communication and Translation. Benjamins
Translation Library, Vol. 17, University of New Brunswick: New Brunswick,
Canada, 1997.

-----------------------
[1] T.A. = Tradução do Autor
[2] Trad. As Múltiplas Inteligências da Escrita e da Leitura
[3] Professor Emérito em Psicologia na Universidade de Califórnia, Los
Angeles.
[4] Retiradas do artigo de Steve Darn (2005). 'Perfect' = perfeito.
Significado comum – está tudo bem, tudo perfeito. Na França – sem valor; no
Japão – dinheiro; na Alemanha – vulgar; na Malta, Grécia e Brasil –
obscena. 'Thumbs up' = dedão para cima. Significado comum – está tudo bem;
na Austrália e no Iran – vulgar; na Nigéria – muito ofensivo; no Japão –
cinco; na Turquia – partido política do direito. 'Stop' = pare. Significado
comum – pare, chega (para uma pessoa, carro ou ação); na Turquia – você não
consegue nada comigo; na África Oeste – você tem 5 pais!; 'the fig' = o
figo. Na Turquia, Grécia, Tunísia e Holanda – obscena; na Rússia – você não
consegue nada comigo; na Iugoslávia – você não pode ter aquilo; no Brasil –
boa sorte. (T.A.)
[5] Trad: 'Comunicação Não-Verbal e Tradução'
[6] A maior parte desse trecho também vai aparecer no artigo 'Múltiplas
direções para ensino e pesquisa: fonética', a ser publicado pelo
Departamento de Línguas e Letras, UFES, em s´åçïðñò ( )
8DYu
4
¦
§
¨
Á
Ð
P
Q
_
ƒ
Î
ô
[7]
"
%
-
Ý
ô
þ''õéõáõáõØÏÆÁ½¹µ¹±¹­¹©¥©± ±œ±œ˜"?"?"Œ"Œ"ˆ~"zs
hIÄhrhIÄ
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.